You are on page 1of 210

Coleção Terra Paulista: histórias, arte, costumes sta coleção de três livros faz parte dos produtos do

projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes, desen-


volvido pelo CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas
VOLUME 1 histórias | arte | costumes em Educação, Cultura e Ação Comunitária. Além deles, foram
produzidos também uma coleção paradidática em dez volumes
A formação do Estado de São Paulo, seus
e uma coleção de documentários.
habitantes, e os usos da terra
A fundação de São Paulo e os primeiros paulistas: O CENPEC é uma organização não-governamental, sem
indígenas, europeus e mamelucos fins lucrativos, fundada em 1987, que se dedica ao desenvolvi-
Anicleide Zequini mento da educação pública. Ao longo desses anos, cultura e

histórias | arte | costumes


Surpreende que só agora seja empreendida uma divulgação tão completa arte sempre foram temas presentes em suas atividades, mas, na
Paulistas em movimento: bandeiras, monções e tropas
Valderez A. da Silva da rica cultura tanto da capital como do interior do Estado de São Paulo, maioria das vezes, a partir de questões especificamente educa-
São Paulo moderno: açúcar e café, escravos e imigrantes mas valeu a espera. cionais. Com o projeto Terra Paulista, a instituição inaugura
Maria Daniela B. de Camargo uma nova área de atuação, dedicada especialmente aos temas
O projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes impressiona com a sua relacionados ao patrimônio cultural material e imaterial, mas
Uma metrópole multicultural na terra paulista
Mauricio Érnica ambição de fazer um levantamento tão amplo, abrangente e profundo. O sem perder de vista a experiência já acumulada em seus traba-
seu objetivo declarado, que é ressaltar um sentimento de pertencimento lhos sobre educação.

VOLUME 2 à cultura paulista por meio da valorização de seu passado e dos traços Nos três livros e nos demais produtos de Terra Paulista, o
Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias e característicos de suas comunidades parece ter sido plenamente alcança- que se pretende é estimular um olhar crítico para a formação
espaços domésticos cultural do interior do Estado de São Paulo. Um olhar que parte
do pela qualidade dos estudos aqui apresentados. do presente para estabelecer uma série de diálogos de diferen-
A gente paulista e a vida caipira
Luís Roberto de Francisco Apaixonado pela iconografia da capital, frustrou-me sempre não poder tes matizes: presente/passado; rural/urbano; antigo/moderno;
campo/cidade; regional/nacional; nacional/estrangeiro e tantos

A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e os usos da terra


Famílias paulistas, famílias plurais incluir, em meus estudos publicados, a fascinante soma de imagens do outros.
Maria Alice Setubal
interior do Estado de São Paulo. Alegro-me, portanto, em ver a notável
A vida cotidiana entre os paulistas: moradias, alimentação, Mais que tudo, a terra paulista aqui representada é terra
escolha das ilustrações e da iconografia desses três volumes, que contam repleta de experiências dos muitos povos que contribuíram para
indumentária
Paulo César Garcez Marins com uma apresentação gráfica refinada, despojada e atraente. a sua existência. É uma terra que traz as marcas dos muitos tem-
pos e processos históricos de sua formação.
A formação do Estado de São Paulo, nos seus aspectos históricos econô-
VOLUME 3 A diversidade cultural e a multiplicidade de tempos histó-
micos, sociais e culturais é contada aqui da melhor maneira: as muitas his-
Manifestações artísticas e celebrações populares no ricos aparece nas ruas paulistas e em seus prédios; nas suas fes-
tórias, pelas melhores vozes.
Estado de São Paulo A formação do tas e celebrações populares; nas artes eruditas e no artesanato;
A literatura do interior paulista: do lirismo à anedota na presença e na transformação dos mitos e ideologias de sua
Jorge Miguel Marinho Pedro Correa do Lago Estado de São Paulo, história. Enfim, aparece nas biografias e nos relatos dos perso-
Percursos do olhar: artes plásticas rumo ao interior
Anamelia Bueno Buoro
Presidente Fundação Biblioteca Nacional seus habitantes nagens que protagonizaram a formação desse território, com
suas mãos e seu trabalho.
Artesanato paulista: técnicas e materiais da terra e os usos da terra
Roberto Santos
Música da terra paulista: da viola caipira à guitarra elétrica
Alberto T. Ikeda
CENPEC IMPRENSA OFICIAL
Celebrações populares paulistas: do sagrado ao profano
Alberto T. Ikeda e Américo Pellegrini Filho

APOIO
histórias | arte | costumes
Governador Geraldo Alckmin
Secretário-Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

Diretor-Presidente Hubert Alquéres

Diretor Vice-Presidente Luiz Carlos Frigerio


Diretor Industrial Teiji Tomioka
Diretor Financeiro e Administrativo Alexandre Alves Schneider
Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM


EDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO COMUNITÁRIA

Direção Maria Alice Setubal


Coordenação geral Maria do Carmo Brant de Carvalho
Coordenação do projeto Maria Alice Setubal
Coordenação técnica Idéias Consultoria em Educação
Marta Wolak Grosbaum
Lidia Izecson de Carvalho
Supervisão de conteúdo Paulo César Garcez Marins
Maurício Érnica (colaboração)
Pesquisa iconográfica e legendas Paulo César Garcez Marins
Autores dos textos Anicleide Zequini
Maria Daniela Bueno de Camargo
Maurício Érnica
Valderez Antonio da Silva
Edição dos textos Carlos Eduardo Silveira Matos
Projeto gráfico Estúdio Girassol
Beth Kok (desenhos)
Esperanza Sobral (editoração eletrônica)
Bia Costa (supervisão de produção)
Irene Incao (revisão de texto)
Kok Martins (supervisão editorial)
histórias | arte | costumes

A formação do
Estado de São Paulo,
seus habitantes
e os usos da terra

São Paulo, 2004


sta obra divulga um acervo do legado das artes, tradições

e do cotidiano paulista que contribuíram para a formação

do Estado de São Paulo, dos seus primórdios até meados do

século XX.

É com satisfação que o Banco Itaú BBA patrocina este

importante trabalho de documentação. A coletânea proporciona

o prazer de conhecer os valores do passado paulista e permite ao

leitor melhor compreensão do presente.

Iniciativas como essa são fundamentais no processo de uma

formação, pois o resgate da própria história ajuda a projetar o

futuro e a indicar novos caminhos a serem percorridos.

O Banco Itaú BBA acredita firmemente que, ao patrocinar

este projeto, está contribuindo para a construção de uma cida-

dania mais responsável e comprometida com sua história.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 7


dmirador do trabalho do CENPEC, recebi, com muito prazer,

a incumbência de apresentar os livros do projeto Terra Paulista:

histórias, arte, costumes que abordam o patrimônio cultural pau-

lista, estudando sua formação ao longo dos cinco séculos de sua

História, com um firme viés contemporâneo na sua interpretação.

Impressiona a ambição do projeto, e surpreende que só

agora seja empreendida uma divulgação tão completa da rica

cultura tanto da capital como do interior do Estado de São Paulo,

muito bem aquinhoado em empreendimentos bem sucedidos,

mas relativamente pobre de estudos que recuperam as identida-

des de suas gentes e terras. Mas valeu a espera, para ser atendi-

da agora com um levantamento que se apresenta tão amplo,

abrangente e profundo como o de Terra Paulista. O objetivo

declarado deste projeto, de ressaltar um sentimento de pertenci-

mento à cultura paulista por meio da valorização de seu passado

e dos traços característicos de suas comunidades, parece ter sido

plenamente alcançado pela qualidade dos estudos aqui apresen-

tados, e pela notável escolha das ilustrações e da iconografia.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 9


Paulistano por adoção, identifico-me com esse esforço que

corresponde também às minhas não tão longínquas raízes fami-

liares. Apaixonado pela iconografia da capital, frustrou-me sem-

pre não poder incluir, em meus estudos publicados, a fascinante

soma de imagens do interior do Estado de São Paulo, que - antes

mesmo do século XIX - conta com peças de notável interesse.

Vejo-as agora reproduzidas nestes três livros, em textos que

cobrem os aspectos essenciais da formação paulista com apre-

sentação gráfica refinada, despojada e atraente.

Identificar e descrever as imagens do passado da cidade de

São Paulo, tão mais raras que as das grandes cidades do litoral

brasileiro, ensinou-me a valorizar a inserção da capital na vida

econômica do estado e compreender a contribuição das diversas

regiões do chamado interior paulista para o extraordinário cres-

cimento da cidade de São Paulo, fenômeno que só se explica

pela interação profunda com as muitas comunidades da provín-

cia engajadas em trocas intensas com a capital.

A formação do Estado de São Paulo, nos seus aspectos his-

tóricos econômicos, sociais e culturais é contada aqui da melhor

maneira: as muitas histórias, pelas melhores vozes.

Pedro Corrêa do Lago


Presidente da Fundação Biblioteca Nacional

10 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Apresentação

CENPEC construiu sua identidade como organização da

sociedade civil voltada para o ensino público, atuando de forma

interdisciplinar nas áreas de educação e proteção social, em um

trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil, como condição

para a construção de uma democracia efetiva. Complementando

essa atuação, o projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes

traz para o CENPEC o foco na área da cultura, como objeto de

estudo e de articulação com a educação e as áreas sociais, na

medida em que o conhecimento da história do território em que

se atua, a valorização do seu patrimônio cultural material e ima-

terial e especialmente de suas gentes traz a possibilidade do deli-

neamento de políticas públicas mais adequadas à realidade, aos

costumes e valores do lugar.

O conhecimento e o reconhecimento dos processos históri-

cos e dos grupos sociais que formaram o Estado de São Paulo e

compõem o interior paulista criam condições para o estabeleci-

mento de um diálogo entre várias matrizes, muitas vezes opos-

tas, tais como: interior/capital; rural/urbano; antigo/moderno;

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 11


simples/sofisticado; campo/cidade; e tantas outras que podería-

mos discorrer aqui. A valorização do patrimônio cultural paulista

não tem o intuito de propor uma volta ao passado e muito

menos constitui uma tentativa de priorizar costumes, tradições e

valores do interior, considerando-os como aqueles mais corretos.

Aqui não há certo ou errado. Vivemos numa era de globalização,

na qual as expressões massificadas e as grandes cidades detêm a

hegemonia dos processos sociais, econômicos, políticos e cultu-

rais. Esse é o mundo que nos cabe decifrar e construir, de modo

a deixar um legado tão rico quanto possível às futuras gerações.

Nesse sentido, um olhar diferente sobre nossa realidade permite

que possamos dar destaque às diferentes temporalidades e plu-

ralidades culturais que convivem, muitas vezes, no mesmo espa-

ço e no mesmo tempo. São manifestações vivas que, se não

hegemônicas, fazem parte das nossas raízes e dizem respeito aos

múltiplos modos de ser hoje.

A articulação entre o passado e o presente pretende criar

um diálogo em que costumes e valores que fazem parte da nossa

história possam ser reconhecidos como integrantes da história

pessoal de cada um. Trata-se de viver um espaço de pertenci-

mento, no qual a modernidade não consiste em começar tudo

de novo, iniciar do nada, mas em sentir-se enraizado, pertencen-

do, se apropriando de uma herança das gerações anteriores e

reelaborando tal herança. O grande desafio que se coloca não é

ser moderno, mas sim, contemporâneo.

Nessa perspectiva, a construção de um sentimento de per-

12 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


tencimento vai se dando a partir das pequenas coisas do

cotidiano. Por exemplo, quando comemos um biscoitinho, um

sequilho, um doce de batata-roxa ou uma leitoa pururuca com

tutu de feijão e sentimos um gostinho de infância. Para ficarmos

ainda na alimentação, elemento de valor simbólico importante

desde os tempos dos tropeiros, das comidas feitas nas fazendas,

os paulistas também se sentirão em casa ao comerem uma

macarronada, um sushi, uma esfiha, a famosa pizza do domingo

e, por que não, um vatapá ou uma boa moqueca com dendê...

A diversidade e pluralidade cultural paulista, fruto da convivên-

cia dos diferentes povos que aqui se estabeleceram, se estranha-

ram e se integraram, migrando ou imigrando, desde os tempos

mais remotos da Capitania de São Vicente, revela-se nas inúme-

ras referências culturais trazidas por esses grupos, assimiladas e

adaptadas pela gente paulista.

A implementação de novos negócios, seja na indústria, seja

na área rural, seja nos setores de serviços, em diferentes pontos

do país, faz da economia paulista a primeira do Brasil. Trata-se

da manifestação contemporânea de um empreendedorismo e

uma mobilidade territorial que percorrem nossa história desde as

bandeiras, os engenhos de açúcar, o café e a abertura das ferro-

vias. Contudo, essa capacidade de inovação convive, nas peque-

nas cidades paulistas, com a permanência do artesanato, muitas

vezes de origem indígena, como alternativa encontrada pela

comunidade para sua sobrevivência econômica. Não se trata

da única presença do passado: a gente paulista tem grande

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 13


religiosidade, assim como todos os brasileiros. Viajando pelo

interior do estado, muitas das festas que acreditávamos perten-

cer apenas ao acervo cultural mineiro ou nordestino, assim como

as romarias aos nossos santuários, podem nos emocionar por sua

singeleza, devoção e popularidade. Isso tudo para não dizer da

literatura, arte e música que retratam a força da nossa natureza,

nossa gente, nossas tristezas e alegrias, nosso modo de vida que

se configurou nos ranchos, nos sítios, nas fazendas e nos casa-

rões do interior.

Finalmente, enquanto CENPEC, instituição moldada pela

atuação em educação, e, portanto, essencialmente pelo trabalho

feminino, não podemos deixar de mencionar o destaque que

tiveram as mulheres paulistas ao longo de toda essa história. Elas

demonstraram capacidade de comando e liderança ao se verem

sozinhas - uma vez que os homens saíam nas bandeiras, ou na

abertura de fronteiras agrícolas, constituindo novas fazendas -,

ou ainda por serem chefes de inúmeras famílias paulistas.

A rusticidade dos bandeirantes e a simplicidade da vida cai-

pira, fortemente integrada à natureza e à terra, foram contrasta-

das, na história de São Paulo, com o advento da República, pela

incorporação das idéias de progresso e a negação das tradições

coloniais. O paulista, especialmente o paulistano, busca desde

então, na Europa - sobretudo na França, Inglaterra e Alemanha,

assim como nos Estados Unidos, as referências e os valores de

seu modo de vida. Hoje, na era da globalização, pode-se dizer

que a capital paulista está mais voltada para fora do país do que

14 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


para o interior do estado e até do que para si mesma. A decor-

rência disso é o distanciamento em relação a suas origens. De

fato, o desenvolvimento desse processo, ao longo do século XX,

acabou por destruir, ou ao menos fez perder de vista, grande

parte do nosso patrimônio cultural, das nossas raízes e marcas

culturais. De certa maneira, o paulistano hoje, nas suas tentati-

vas de fugir da cidade, ao menos nos finais de semana, busca

cada vez mais o sossego das praias ou do campo, a simplicidade

da natureza, o isolamento, o silêncio, uma comidinha caseira,

uma prosa e uma viola. Enfim, está em busca de suas raízes, de

uma sensação de paz e pertencimento perdidas no dia-a-dia da

metrópole.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes tem, portanto, a pre-

tensão de fazer com que a reflexão sobre essa história permita

um novo olhar sobre nós mesmos, através do reconhecimento de

nosso patrimônio cultural, estabelecendo um diálogo entre as

matrizes, antes tidas como opostas. Desse modo ajudaremos a

criar, enquanto paulistas, uma identificação maior com aquilo

que é nosso, com nossa herança cultural. A partir desse lugar,

onde passado e presente se articulam, os olhares para as demais

regiões do país, para além deste e, sobretudo, para projetos

futuros podem ser renovados.

Maria Alice Setubal


CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 15


Sumário

21 Introdução

29 A fundação de São Paulo e os primeiros paulistas:


indígenas, europeus e mamelucos - Anicleide Zequini

29 Primórdios da colonização de São Vicente: reconhecimento


do litoral

35 A expedição de Martim Afonso de Sousa e a fundação da


vila de São Vicente

39 O Governo-Geral e a ocupação do planalto de Piratininga

43 São Paulo de Piratininga

49 São Paulo mameluca: a vocação para o interior

55 Paulistas em movimento: bandeiras, monções e tropas -


Valderez A. da Silva

63 Bandeiras: o perfil de um fenômeno

75 Monções: o caminho das águas

82 A poeira das tropas

97 Os frutos do caminhar

103 São Paulo moderno: açúcar e café, escravos


e imigrantes - Maria Daniela B. de Camargo
105 O açúcar volta a São Paulo

116 Desdobramentos da lavoura canavieira em São Paulo

117 O café em São Paulo

120 O café no Vale do Paraíba

127 O café no Oeste Paulista

129 A aristocracia do café e a República

132 A mão-de-obra cafeeira: escravos e colonos

140 Café, ferrovias e novas áreas de expansão

146 Café, ferrovias e imigrantes

150 O interior e a capital

157 Uma metrópole multicultural na terra paulista -


Maurício Érnica

157 Uma vila pobre, sede da capitania e centro das rotas


para o interior

162 O século XIX e a consolidação da capital

171 Transformações no espaço urbano

175 Contradições da metrópole multicultural

187 Sobre os autores

191 Bibliografia

197 Créditos iconográficos


“É um passado que se estuda tocando em nervos,
um passado que emenda com a vida de cada um;
uma aventura da sensibilidade, não apenas um
esforço de pesquisa pelos arquivos.”

[Gilberto Freyre, prefácio à 1ª edição de Casa Grande & Senzala.]


Introdução

coleção Terra Paulista: histórias, arte, costumes tem por


objetivo principal reforçar um diálogo do presente com os dife-
rentes processos históricos e os muitos grupos sociais que forma-
ram o interior paulista. Todo o processo de levantamento e de
produção dos materiais representou “uma aventura da sensibili-
dade” e não um esforço frio de pesquisa, porque investigar esse
passado e dialogar com seus personagens e suas formas de viver
mobilizou em cada um de nós formas como organizamos nosso
cotidiano e elaboramos nossos projetos futuros.
Sendo assim, a coleção Terra Paulista: histórias, arte, costu-
mes pretende registrar e divulgar diferentes aspectos da forma-
ção do interior paulista para, ao mesmo tempo, valorizar as
riquezas presentes na história e na vida sociocultural do Estado
de São Paulo e oferecer um olhar crítico para tais processos.
Desse modo, o material permite vislumbrar pessoas, histórias
dentro de uma história mais ampla, bem como suas contradições
que não são vistas pelo ângulo exclusivo dos projetos hegemôni-
cos de alguns segmentos sociais, de seus mitos e seus símbolos
de identidade.
Nesse sentido, os vários componentes do projeto têm por
ponto de convergência o foco na diversidade cultural e nos dife-
rentes grupos sociais que foram os protagonistas das histórias
que serão contadas. Esse ponto de vista se justifica pela consta-
tação de que não há muitas publicações disponíveis para o gran-
de público abrangendo os vários aspectos da formação cultural
do interior paulista, os quais são abordados na coleção Terra
Paulista: histórias, arte, costumes.
No decorrer da história do Brasil e da elaboração da identi-
dade de um país moderno, os paulistas acabaram por constran-
ger sua memória e seu patrimônio cultural, sobretudo o do inte-
rior, como se tivessem sido excluídos e ao mesmo tempo se auto-
excluíssem do que se considera como “cultura brasileira”, que

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 21


foi calcada especialmente em elementos de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Bahia.
Além disso, com a consolidação da representação de São
Paulo como um estado industrial, moderno e concentrador de
riquezas, o interior paulista foi sendo posto à sombra da capital,
que reconstruiu seus espaços, acelerou seu ritmo de vida e se afir-
mou como metrópole multicultural. O que não cabia na identidade
paulista moderna foi alvo de demolições, como inúmeros espaços,
prédios públicos e casas, tanto na capital quanto nas cidades do
interior que tinham na modernidade da capital uma referência
sedutora. O que não foi demolido, foi desvalorizado, como tantos
saberes, costumes, relatos, valores e experiências populares.
No entanto, como é de se esperar, não ocorreu a dissolução
completa das marcas culturais que não se ajustavam à identidade
moderna que se quis implantar em São Paulo. No interior e na
capital há experiências de vida, memórias orais e escritas, marcas
nas ruas e nas edificações, experiências artísticas, manifestações
religiosas e celebrações populares que sobrevivem, por vezes de
maneira desconexa, como experiências residuais que não cabem
por inteiro nos símbolos hegemônicos da identidade paulista.
Portanto, a razão de ser do diálogo proposto pela coleção
Terra Paulista: histórias, arte, costumes é a valorização do conví-
vio da diversidade de experiências e histórias, da multiplicidade
de temporalidades históricas, das várias possibilidades de lidar
com o transcorrer da vida e dos tantos legados culturais que her-
damos de todos aqueles que habitaram e habitam a terra paulis-
ta. Enfim, essa coleção pretende o reconhecimento do legado
das experiências passadas como riquezas do presente a partir das
quais é possível a construção do futuro.

Cultura, identidade e patrimônio cultural: dimensões múltiplas


O principal pressuposto do projeto Terra Paulista: histórias,
arte, costumes é que a vida cultural tem as marcas da complexi-
dade e da diversidade. A partir daí, procuramos reconhecer e
compreender as múltiplas relações entre os grupos sociais que
formaram as regiões estudadas ao longo da história, os seus con-
flitos e as transformações pelas quais eles passaram.
Inicialmente, dois conceitos importantes são cultura e identi-
dade cultural. Esses termos ganharam muitos significados e só
podem ser rigorosamente definidos em um quadro teórico especí-
fico. Para os fins do projeto, consideramos cultura os modos espe-
cíficos e diversos de existir dos grupos humanos. Ao mesmo tempo,
julgamos que é só a partir do engajamento nas atividades sociais,
do estabelecimento de relações com outras pessoas e com o meio,
que um indivíduo pode interiorizar esses vínculos, formar-se como
pessoa pertencente a uma cultura e desenvolver consciência de si.

22 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Da mesma maneira que uma pessoa não se define apenas por
si, uma cultura também não se forma fechada nela mesma. Ao
contrário, a relação com o outro é fundamental para a formação
da identidade de um grupo. Como destaca Lévi-Strauss, “jamais
as sociedades humanas estão sós. (...) A diversidade das culturas
humanas não nos deve levar a uma observação fragmentadora ou
fragmentada. Ela é menos função do isolamento dos grupos, que
das relações que os unem” (Lévi-Strauss, 1952, p. 333).
Portanto, a relação com o outro não é decisiva apenas para
um grupo se representar para si mesmo e para os outros, ela é
também um espaço de troca e de conflitos nos quais as comuni-
dades e as pessoas continuamente definem e reelaboram as prá-
ticas sociais que constituem seu modo de existir. Sendo assim,
entendemos que como todo grupo cultural tem em si marcas de
outros com os quais se relaciona, não faz sentido falar de pure-
za cultural nem de uma origem autêntica desprovida de relações
com um exterior cultural descaracterizador.
Por essa razão, entendemos que as identidades não consti-
tuem um dado imutável. Elas são construídas e transformadas ao
longo do tempo, além de serem a dimensão pela qual os mem-
bros de um grupo se reconhecem como tais no contraste com
outros grupos e são por eles reconhecidos como um grupo.
As identidades existem na medida em que os grupos huma-
nos as constróem e se utilizam delas para organizar e interpretar
suas vidas. No entanto, não constituem boas categorias de com-
preensão da história dessas comunidades, pois para as identida-
des se formarem é preciso apagar muitas diferenças e selecionar
alguns traços para simbolizar o grupo. A partir dos traços sele-
cionados, torna-se possível criar maneiras de contar a história e
fortalecer as fidelidades dos seus membros do presente com o
passado e dirigir a construção do futuro.
Assim, pode-se dizer que o modo como se constrói a identi-
dade interfere decisivamente no curso da vida cultural, classifi-
cando e valorando certos aspectos como autênticos representan-
tes do grupo e outros como descaracterizadores ou desintegra-
dores das lealdades coletivas.
Além disso, um grupo pode preservar uma categoria de iden-
tidade ao longo do tempo - por exemplo, os paulistas - e sofrer
profundas transformações no seu patrimônio cultural e até mes-
mo genético. Isso porque os grupos continuam a incorporar tra-
ços de outros, a recriar novos modos de viver, a transformar-se
em profundidade, sem que esse processo afete necessariamente
as categorias pelas quais o grupo se reconhece e é reconhecido.
No projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes, esses
dois conceitos se relacionam, portanto, ao de patrimônio cultu-
ral. Este diz respeito ao legado das gerações anteriores pelo qual

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 23


um grupo representa a sua memória e faz viver no seu presente
as experiências, as riquezas e os saberes que o formaram.
Uma parte desse legado é constituída pela cultura material,
ou seja, as edificações e os objetos em geral: esculturas, pintu-
ras, construções, utensílios, ferramentas, máquinas, panelas, li-
vros de fotografias, cartas, coleções de jornais e revistas, docu-
mentação de tabeliões e da administração pública.
Outra parte do legado inclui as manifestações culturais ima-
teriais. Estas até podem ser documentadas em suportes materiais
e ter por resultado um objeto, mas seu aprendizado e sua trans-
missão para as novas gerações dão-se sobretudo pelo aprendiza-
do de um “saber-fazer”. Assim, podemos dizer que um prato de
culinária é um fruto material de um conhecimento imaterial, que
é o saber prepará-lo. São exemplos do patrimônio imaterial saber
fazer uma peça de artesanato, dançar e cantar, a representação
teatral, o desenhar e o pintar, o tocar instrumentos musicais,
transmitir histórias e cantigas de ninar, os gestos e posturas cor-
porais, e até mesmo o beijar e as formas de acariciar.
No Brasil, a valorização do patrimônio cultural se deu de
maneira tensa. A fundação da República representou também a
re-fundação da idéia de nação brasileira. Nesse processo, o passa-
do foi visto como sinônimo de atraso e desordem e, portanto,
como uma fase a ser superada e que se contrapunha à noção
estampada na bandeira: Ordem e Progresso. O Estado de São
Paulo, que era um dos centros do movimento republicano, esteve
entre os mais atingidos por essa onda de transformação, o que
afetou profundamente os saberes e as formas costumeiras de vida.
As autoridades da República iniciam, então, um amplo pro-
jeto de reformas urbanísticas nas principais cidades brasileiras
para adequá-las aos padrões europeus de modernidade, sendo a
cidade de São Paulo um dos grandes palcos dessas remodela-
ções. Para isso, as demolições e a mudança compulsória de for-
mas de vida varrem grande parte das referências culturais exis-
tentes, não apenas nas capitais, mas em todas as cidades pauta-
das pelos novos padrões de comportamento europeizados.
A valorização do passado brasileiro e a percepção de que
era importante preservar os legados culturais do passado só
ganharam força com os movimentos neocolonial e modernista.
O primeiro teve seu marco em 1914, quando o arquiteto portu-
guês Ricardo Severo fez uma série de conferências defendendo o
retorno da chamada arquitetura tradicional brasileira, ou seja, a
elaborada durante o período colonial luso-brasileiro. Aos pou-
cos, as idéias de Severo marcaram o desejo de afirmação nacio-
nalista das elites brasileiras. Já os modernistas, sobretudo Mário
de Andrade, após um momento inicial de divulgação de idéias
vanguardistas da Europa, partiram em busca das raízes daquilo

24 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


que julgavam ser a identidade brasileira, situando-as no Brasil
colonial. Para eles, essas raízes estavam sobretudo em Minas
Gerais, na cidade do Rio de Janeiro e na costa açucareira do
Nordeste .
Esses movimentos contribuíram para a criação, em 1937, do
SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
que originou o atual IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Apesar da visão mais abrangente de Mário de
Andrade, preocupado em defender as múltiplas expressões do
patrimônio material e imaterial, a arquitetura do período colonial
e as manifestações artísticas eruditas foram consagradas como o
principal legado do passado brasileiro. Essa escolha excluiu gran-
de parte do patrimônio cultural das épocas do Império e da
República, bem como muitas manifestações das camadas popu-
lares e do patrimônio imaterial.
Como se vê, a seleção de elementos da cultura material e do
“saber-fazer“ constrói uma determinada leitura do passado e
dos aspectos que devem e dos que não devem ser lembrados.
Em tais condições, a afirmação do patrimônio cultural passa por
uma disputa para representar de uma maneira ou outra a histó-
ria de um grupo e para fixar os elementos pelos quais seus mem-
bros deverão se identificar e ser identificados.
Por isso, o projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes
não pretende apontar uma identidade paulista, mas sim reco-
nhecer e problematizar as diferentes identidades paulistas cria-
das ao longo do tempo e, sobretudo, enfatizar o aspecto múlti-
plo e repleto de marcas dos vários grupos sociais que formaram
a vida cultural na terra paulista.

Patrimônio cultural paulista


O projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes está orga-
nizado tendo em vista a importância de se reconhecer como
patrimônio paulista as manifestações culturais materiais e imate-
riais dos diversos grupos sociais que contribuíram para a forma-
ção da região, como povos indígenas, europeus que vieram para
cá no período colonial, bandeirantes, tropeiros, fazendeiros,
sitiantes, escravos, colonos, camadas médias urbanas, empresá-
rios, imigrantes estrangeiros e migrantes de outras regiões do
Brasil.
Ao reconhecer a multiplicidade de povos e de legados cultu-
rais na formação do interior paulista, nós negamos a existência
de uma identidade paulista unitária, isolada ou monolítica. Do
mesmo modo, não acreditamos que exista uma verdadeira cultu-
ra paulista ou uma paulistanidade pura e original. Consideramos
que a configuração dos modos de ser paulista não é algo crista-
lizado e único, mas antes se caracteriza essencialmente por sua

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 25


pluralidade, que expressa as multideterminações da história de
São Paulo em suas relações com as culturas que a formaram,
com a história do Brasil e as conjunturas mundiais.
O projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes, portanto,
não se propõe a sair nostalgicamente em busca de uma identida-
de paulista perdida, seja para chorar a sua perda, seja para infru-
tiferamente querer reavivar no presente experiências que tiveram
sua vez no passado. Do mesmo modo, não tem a intenção de
generalizar alguns traços culturais para forjar de modo irreal uma
cultura paulista que só existiria de forma abstrata. Entretanto,
não pretende cair na armadilha inversa e particularizar os fenô-
menos culturais a tal ponto que não seja possível o reconheci-
mento de um grupo no outro, do presente no passado.
Estamos orientados pelo desafio contemporâneo de fortale-
cer práticas culturais que incorporem a experiência do convívio
com o diferente e que reconheçam nele, tanto o do passado,
quanto o do presente, um acúmulo de experiências que podem
enriquecer nossas vidas, oferecendo meios inusitados para a cons-
trução do novo. Sendo assim, pretendemos valorizar as experiên-
cias culturais que foram reprimidas ou esquecidas na formação da
identidade moderna de São Paulo e estimular que elas sejam reco-
nhecidas como riquezas que constituem nossa formação plural.
Ao mesmo tempo que não estamos presos ao passado, evi-
tando as transformações necessárias para as práticas culturais se
atualizarem nas novas relações sociais, olhamos criticamente para
as inúmeras relações - novas ou antigas - que constrangem ou
impedem a recriação de práticas culturais valorizadas socialmen-
te nas quais se expressam os legados existentes na terra paulista.

A delimitação territorial
Com base nesses pressupostos, o critério para a delimitação
do nosso objeto de estudo foi o território no qual os diferentes
grupos sociais criaram seus modos de vida. Selecionamos três
regiões que foram importantes para a expansão das principais
atividades econômicas da formação do Estado de São Paulo, o
bandeirantismo e as culturas de víveres, o açúcar e o café. A
capital não foi escolhida como objeto de investigação, mas se faz
presente na medida em que interage com as regiões seleciona-
das como um universo de referência para sua formação.
As regiões selecionadas foram:
O vale do médio Tietê, região de partida de bandeiras e
monções para os sertões, de ligação com a região sul e, poste-
riormente, área de fazendeiros de açúcar e café;
O Vale do Paraíba, região de partida de bandeiras para a
região das Minas e, posteriormente, área de canaviais e da entra-
da da cultivo do café em São Paulo;

26 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


E o chamado Oeste Paulista, delimitado pelos caminhos das
ferrovias Paulista e Mogiana, região de maior produção de café
e na qual houve a maior substituição do trabalho escravo pelo do
imigrante.

A organização da coleção Terra Paulista: histórias,


arte, costumes
A coleção Terra Paulista: histórias, arte, costumes mobiliza dife-
rentes mídias: esta série de livros, bem como vídeos, CDRom e site.
Todos os materiais, incluindo cada um dos textos desta série
de livros, foram elaborados para serem vistos ou lidos de modo
autônomo. Entretanto, cada parte ganha seu sentido integral na
composição da totalidade da coleção.
Os livros estão organizados da seguinte maneira:
Neste volume 1, “As origens do Estado de São Paulo, seus
habitantes e os usos da terra”, são discutidos aspectos da histó-
ria econômica e social da formação do interior paulista desde a
colonização, no começo do século XVI, até o início do século XX.
O volume 2, “Modos de vida paulista: identidades, famílias e
espaços domésticos”, dedica-se à discussão da controversa figura
do caipira e ao estudo do universo doméstico e familiar dos paulis-
tas, tendo em vista as suas relações com a organização social e
econômica. Vários arranjos familiares são estudados, o patriarcal,
as famílias dos grupos caipiras, as dos escravos e as dos povos imi-
grantes, bem como o expressivo papel das mulheres na organiza-
ção familiar. Também são abordados os diversos modos de morar,
as maneiras de vestir e as formas de alimentação na terra paulista.
No volume 3, “Manifestações artísticas e celebrações populares
no Estado de São Paulo”, são examinadas manifestações artísticas e
celebrações populares do interior paulista. Nele são estudados as
artes plásticas, a literatura do interior, a música popular, o artesana-
to e a arte popular, além de celebrações populares religiosas e laicas.
Enfim, esperamos que este diálogo com as diversas histó-
rias, a arte e os costumes presentes na terra paulista seja uma
aventura da sensibilidade, por fazer viver um passado oculto e
por vezes desconhecido - e que no entanto “emenda com a vida
de cada um”, como observa Gilberto Freyre, por nos permitir
reconhecer os inúmeros legados que nos formaram.
A aventura da sensibilidade se realiza sobretudo no momen-
to em que se mobiliza a presença viva e intensa daquela diversi-
dade de experiências humanas aqui e agora, na nossa formação
como pessoas, nos espaços nos quais vivemos e nos processos
dos quais somos participantes. São legados que configuram nos-
sos modos de agir, pensar, sentir, legados que precisam ser
tomados com olhos cuidadosos e críticos para que possamos
explorar nossas possibilidades de construção de futuro.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 27


A fundação de São Paulo e os primeiros
paulistas: indígenas, europeus e mamelucos
Anicleide Zequini

s primeiras três décadas do século XVI, subseqüentes ao


desembarque de Cabral no Brasil, foram caracterizadas pelo
desinteresse português na colonização e mesmo na exploração
das riquezas potencialmente existentes no território.
Tal desinteresse era explicável: naquele período, a explora-
ção dos produtos da África e da Ásia dava a Portugal a certeza
de lucros imediatos, em razão do intenso comércio proporciona-
do pelas especiarias, metais e escravos africanos.
Enquanto os portugueses mantinham os olhos voltados para
o Oriente, alguns produtos da nova terra como peles de animais,
aves exóticas (araras e papagaios) e o pau-brasil passaram a des-
pertar o interesse comercial de outros povos, sobretudo dos fran-
ceses. Com o auxílio dos nativos, eles promoveram por muito
tempo o tráfico desses artigos para a Europa.1

Primórdios da colonização de São Vicente:


reconhecimento do litoral

Comandada por Gonçalo Coelho, a primeira expedição por-


tuguesa destinada ao reconhecimento do litoral brasileiro partiu
de Lisboa entre os anos 1501-02. Dela fazia parte o cosmógrafo
florentino Américo Vespúcio, contratado pela Coroa portuguesa.
Após terem costeado os atuais estados do Rio Grande do
Norte, Bahia e Rio de Janeiro, os portugueses desembarcaram, em
janeiro de 1502, numa ilha que denominaram de Cananéia. O local
ficava relativamente perto da controvertida fronteira entre as terras
de Portugal e da Espanha, separadas, segundo o Tratado de
Tordesilhas (1494), por uma linha imaginária que cortava o litoral
catarinense. Desse modo, na primeira metade do século XVI,
Cananéia tornou-se um porto valioso, utilizado para o abastecimen-
to de embarcações que passaram a rumar para o sul do continente.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 29


A expedição inaugurou a prática de trazer degredados para
o Brasil. Eram pessoas que haviam cometido algum delito em
Portugal e, como condenação, recebiam a pena do exílio em ter-
ritórios ultramarinos. Ficou no litoral um degredado anônimo,
designado em registros posteriores como o “Bacharel de Cana-
néia”. Ele seria o primeiro português a desenvolver o comércio e
o tráfico de escravos indígenas.
De volta à Europa, Américo Vespúcio encaminhou ao rei D.
Manuel de Portugal o relatório da expedição. No documento, o
florentino observa: “Nessa costa não vimos coisa de proveito,
exceto uma infinidade de árvores de pau-brasil (...) e já tendo
estado na viagem bem dez meses, e visto que nessa terra não
encontrávamos coisa de metal algum, acordamos nos despedir-
mos dela”.2 A informação certamente reforçou a estratégia da
Coroa de priorizar os negócios com o Oriente.
Mas os sonhos de ouro e prata custam a desaparecer. 1
Insistindo na busca de metais preciosos, em fevereiro de 1514,
Portugal enviou uma nova expedição ao sul, desta vez chefiada
por João de Lisboa e Estevão Frois. Depois de passar por Cana-
néia e pela ilha de São Francisco do Sul (Santa Catarina), os na-
vios alcançaram o estuário de um grande rio, mais tarde conhe-
cido como rio da Prata.
Navegando rio acima, os europeus entraram em contato com
os índios charruas. Os nativos contaram que existia no interior do
território uma grande montanha, que ficou conhecida como a
serra de Prata. Podia-se extrair grande quantidade de ouro e prata
da região, governada por um fabuloso “rei branco”. Como prova
do que diziam, os indígenas entregaram aos europeus um macha-
do feito de prata, que foi levado ao rei de Portugal. A existência
de riquezas minerais na região, que não passava de uma esperan-
ça, ganhou desse modo evidências concretas.
O movimento seguinte coube ao rei D. Fernando da Espanha,
que enviou, em 1515, dois navios para explorar o sul do continen-
te. Chefiada por Juan de Sólis, a expedição passou por Cananéia
e Santa Catarina, chegando em março de 1516 ao rio da Prata.
1 Figura antropomórfica em
Sólis e muitos de seus companheiros foram dizimados pelos pedra, encontrada no litoral sul
charruas, o que determinou o retorno à Espanha. Porém, na altu- do estado de São Paulo, s.d.
ra do porto dos Patos (baía da ilha de Santa Catarina), um dos A peça conhecida como “Ídolo de
barcos naufragou. Ficaram naquele trecho do litoral vários sobre- Iguape” é uma das raras escultu-
viventes, que passaram 15 anos entre os índios carijós. ras em pedra retratando traços
Esses navegantes, portugueses ou espanhóis, possibilitaram humanos, localizada em antigas
o conhecimento do litoral do Brasil. As expedições batizaram os áreas de povoamento indígena no
litoral paulista. Foi resgatada pela
acidentes geográficos (quase sempre com nomes de santos cató-
população local e venerada como
licos) e contribuíram para uma tênue presença européia no terri- uma imagem de São Roque até
tório, deixando ali degredados, náufragos e desertores que viam ser identificada como uma peça
no Novo Mundo a possibilidade de enriquecimento imediato. arqueológica.

30 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Essas pessoas conviviam com a população nativa, conheciam
seus usos e costumes, sua língua, e casavam-se com filhas dos
principais chefes indígenas. Foi o que ocorreu com o Bacharel de
Cananéia e também com João Ramalho, do planalto acima de
São Vicente. Agindo como intermediários das negociações entre
nativos e portugueses, eles favoreceram a posterior ocupação e
colonização do território.

Em busca da serra da Prata


Aleixo Garcia foi um dos sobreviventes da nau naufragada
no litoral catarinense, durante o retorno à Espanha da expedição
de Juan de Sólis. Em seu longo convívio com os carijós, ele teve
conhecimento das histórias sobre a existência da serra da Prata e
seus tesouros. Aleixo Garcia decidiu organizar uma expedição
para se apoderar daquelas riquezas.
À frente de 2 mil índios carijós e alguns europeus, Aleixo
Garcia subiu a serra do Mar e, percorrendo trilhas indígenas,
seguiu pelo interior em direção ao Paraguai. Em quatro meses
alcançaram o local onde hoje se situa Assunção e prosseguiram
até a atual cidade boliviana de Sucre. Pela primeira vez, homens
brancos entravam em territórios do império andino dos incas. Ao
voltarem carregados de ouro e prata saqueados dos incas, Aleixo
Garcia e seus companheiros foram quase todos mortos pelos
índios payaguás, às margens do rio Paraguai.
Em fins de 1525, uns poucos sobreviventes conseguiram
chegar ao porto dos Patos. Entre eles estava Francisco Pacheco,
que mostrou a Melchior Ramires e a Henrique Montes algumas
peças de ouro e prata. Por intermédio deles, as notícias sobre a
serra da Prata e o “rei branco” - o Inca, soberano do império
andino - também iriam chegar às cortes de Portugal e Espanha.
Essas informações ajudariam a impulsionar a exploração do rio
da Prata e a ocupação da costa meridional do Brasil.

Primeiras notícias do porto de São Vicente


As evidências de riquezas minerais no sul do continente
reforçaram a importância estratégica dos núcleos portugueses
de São Vicente e Cananéia. Assim, eles passaram a integrar cada
vez mais as rotas meridionais de navegação, como postos de
abastecimento, comércio e tráfico de escravos indígenas.
Uma das primeiras referências a São Vicente encontra-se no
Atlas de Kurstman, publicado entre 1502 e 1504. Na indicação
das rotas marítimas para o sul, estão registrados os nomes “Rio
de São Vicente” e “Porto de São Vicente”.
Já Cananéia aparece, em 1527, em relatos da expedição
espanhola chefiada por Diogo García, com relativo desenvol-
vimento comercial. García adquiriu ali um bergantim para a

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 31


viagem ao Prata, abasteceu-se de água e lenha e contratou como
intérprete um dos genros do Bacharel.
Ao retornar do rio da Prata, a expedição parou em São Vi-
cente, onde embarcou para a Europa cerca de 800 índios que
havia comprado do Bacharel de Cananéia.3 Era o primeiro regis-
tro da prática que se tornaria a principal atividade dos colonos
vicentinos: a escravização dos índios. O tráfico, realizado tam-
bém por João Ramalho, fez com que o local passasse a ser desig-
nado como Porto de Escravos.
Segundo descrições da expedição do navegador veneziano,
Sebastião Caboto, em 1530 São Vicente destacava-se entre os
núcleos portugueses do litoral. Possuía de dez a doze casas,
sendo uma de pedra, e contava com duas ilhas habitadas por
índios (segundo Benedito Calixto, tratava-se de São Vicente e da
ilha de Santo Amaro, atual Guarujá). Seus habitantes - entre os
quais numerosos indígenas - beneficiavam-se de coisas da terra,
de galinhas da Espanha e de porcos, abundância de hortaliças e
2
bons pescados para a alimentação.4
Mas a sobrevivência não dependia apenas de pescado e gali-
nhas da Espanha. Para conservar suas posições no litoral, e obter
cativos para vender, os primeiros vicentinos tiveram de aliar-se a
determinados grupos indígenas, apoiando-os em suas lutas con-
tra inimigos tradicionais.
Durante o século XVI, na região de São Vicente e em outros
trechos do atual território paulista eram encontrados três grandes
grupos tribais. No litoral norte (de Ubatuba até o Espírito Santo)
habitavam os tupinambás ou tamoios, aliados dos franceses. No
extremo sul (em Cananéia) estavam os carijós ou guaranis. No
centro ficavam os tupiniquins, habitantes de uma região de pla-
nalto conhecida por Piratininga (“peixe seco”, em tupi), que vi-
nham de tempos em tempos ao litoral para pescar. Os portugue-
ses aliaram-se aos tupiniquins graças à intermediação de João
Ramalho, que era genro de Tibiriçá (“vigilante da terra”, em tupi)
- um dos principais líderes indígenas do planalto - e amigo de
outro chefe importante, Caiubi (“mato verde”, em tupi).
Tupinambás, tupiniquins e guaranis pertenciam à mesma
família lingüística tupi-guarani. “Ulrico Schmild observou que os 2 Peça unifacial em sílex,
tupiniquins e guaranis falavam a mesma língua, salvo pequena encontrada em Santa Bárbara
diferença quanto a pronúncia. Já Gabriel Soares de Sousa desta- do Oeste, c. 3.400 a.C.
cou que, apesar de tupiniquins e tupinambás serem tradicional- Artefatos de pedra ou cerâmica
mente adversários, não havia maiores diferenças na língua que localizados no interior paulista
falavam do que aquelas existentes entre os habitantes de Lisboa e são documentos arqueológicos
fundamentais para que se possa
da Beira. Nas descrições que deixou sobre o resto do Brasil, salvo
compreender aspectos da vida
raras exceções, Gabriel Soares assinalou a presença dos tupis-gua- cotidiana dos índios que viviam
ranis em todo o litoral. Esse domínio fez com que os jesuítas iden- no planalto muitos séculos antes
tificassem o tupi-guarani como a língua geral do Brasil.”5 da conquista portuguesa.

32 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


3

3 Machado semilunar em
gnaisse, encontrado em
Bragança Paulista, s.d.
Peças de função cerimonial, os
machados semilunares localizados
no interior paulista são um teste-
munho do alto grau técnico que
os índios detinham no polimento
de pedras como o gnaisse.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 33


4

Os peabirus, caminhos para o interior de São Vicente


Em seus deslocamentos, os indígenas do litoral sul utiliza-
vam trilhas abertas na mata. Entre as mais importantes estavam
os peabirus, um sistema de caminhos que interligava várias loca-
lidades da costa brasileira, como o porto dos Patos, Cananéia e
São Vicente, ao território que atualmente constitui o Paraguai.
Dali era possível alcançar as lendárias minas da serra da Prata,
como comprovou Aleixo Garcia, um dos primeiros europeus a
avançar pelo interior graças aos peabirus.
Mas o que era o peabiru? Sobre esse sistema de caminhos
escreveu Adolpho Pinto, em 1902: “(...) haviam [sic] estradas
extensas, construídas pelo gentio, comunicando vários pontos
do litoral com o mais longínquo interior do paiz, podendo-se
mesmo dizer que figurava como tronco desse primitivo sistema 4 Mapa dos principais
de viação geral uma grande estrada pondo em ligação as tribus peabirus.
da nação Guarany da bacia do Paraguay com a tribu dos Patos Divididos em caminhos principais
do litoral de Santa Catarina, com os Carijós de Iguape e e secundários, os peabirus indíge-
Cananéia, e com as tribus de Piratininga e do litoral próximo”. 6 nas ligavam enormes extensões
do continente e possibilitaram
Em São Vicente, o peabiru constituía acesso obrigatório
aos conquistadores europeus o
que, do mar, seguia para os sertões do planalto de Piratininga. deslocamento geográfico segun-
Construído conforme a técnica e a tradição indígenas, acompa- do o conhecimento prévio dos
nhava os espigões dos morros de modo a evitar terrenos íngre- nativos.

34 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


mes, embora em alguns trechos fossem inevitáveis as encostas
com fortes declividades.
Assim, era o trecho correspondente à travessia da serra do
Mar que apresentava, aos colonos, maior dificuldade para a loco-
moção. O jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, ao passar por esse
caminho no século XVII, observou que era “necesario discurrir por
altissimas cordilleras y sierras tan corbadas, que para no dar em
sus precipicios es necesario buscar los pasos menos altos, enhies-
tos y peligrosos, y valerse de sogas para irse descogando y aun
com ellas es grande riesgo de caer y hacersa pedazos”.7
Entretanto, a precariedade do trajeto não impediu que hou-
vesse uma intensa comunicação entre o litoral e o sertão. Os
peabirus serviam não somente aos nativos e colonos portugue-
ses, como também aos colonos espanhóis que de Assunção
demandavam por terra até São Vicente, onde embarcavam para
a Europa.8
Pode-se afirmar que a existência dos caminhos indígenas e
suas ramificações, em direção ao interior, foi um dos fatores que
contribuíram para que Martim Afonso de Sousa e mais 250 inte-
grantes de sua expedição escolhessem a região de São Vicente
para se instalar, após uma frustrada viagem ao rio da Prata

A expedição de Martim Afonso de Sousa e a


fundação da vila de São Vicente

As evidências de que existiam metais preciosos no sul do con-


tinente provocaram um novo direcionamento das estratégias de
Portugal e Espanha quanto à exploração e delimitação de frontei-
ras entre os dois reinos.
O primeiro movimento da Coroa lusa nesse sentido foi dado
em 1530, ao enviar ao Brasil uma importante expedição sob o
comando do fidalgo Martim Afonso de Sousa. Entre os seus
objetivos estavam o de expulsar do litoral os franceses que trafi-
cavam pau-brasil, reconhecer a costa na extensão pertencente a
Portugal, promover a ocupação do território, criar fortificações
em pontos de interesse estratégicos e, especialmente, explorar o
rio da Prata.
Antes, porém, Martim Afonso de Sousa fez uma parada em
Cananéia e, desse local, enviou Pero Lobo para explorar o inte-
rior. A expedição seria dizimada por indígenas, como acontecera
anos antes com a de Aleixo Garcia. Os navios seguiram para o
sul, em direção ao rio da Prata, onde várias embarcações naufra-
garam. Depois de verificar que esse rio definitivamente ficava em
território espanhol, Martim Afonso navegou para São Vicente,
onde permaneceu durante um ano e três meses.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 35


Ao chegar a São Vicente, em 1532, o comandante encon-
trou um núcleo formado por portugueses (degredados, náufra-
gos, desertores e aventureiros), espanhóis, índios aliados dos
portugueses e mamelucos envolvidos, por iniciativa de João Ra-
malho, num lucrativo comércio de escravos indígenas. A localida-
de também era conhecida como porta de entrada para o sertão
e para a serra da Prata, por meio dos peabirus.
Possivelmente, tais condições contribuíram para que Martim
Afonso permanecesse no local e elevasse, em 1532, a povoação
de São Vicente à categoria de vila, com a conseqüente instalação
de órgãos administrativos e políticos como a Câmara e a Cadeia.
Surgia desse modo a primeira vila de colonização portuguesa no
Brasil.

Projetos no planalto e no litoral


O primeiro encontro entre Martim Afonso de Sousa e João
Ramalho ocorreu em fins de 1532. Depois de terem subido jun-
tos as escarpas da serra de Paranapiacaba (“lugar de onde se
avista o mar”), atingiram o planalto de Piratininga. Seu destino
era um dos mais importantes aldeamentos tupiniquins, onde
viviam João Ramalho, sua numerosa parentela e o chefe indíge-
na Tibiriçá, aliado valioso, merecedor de uma visita do fidalgo
português.
Se o reconhecimento inicial dos campos do alto da serra não
teve desdobramentos imediatos, outros projetos de Martim Afon-
so alcançaram resultados mais positivos. Foi o caso da implanta-
ção da atividade açucareira na orla litorânea.
A escolha do açúcar como produto capaz de gerar riqueza
para os vicentinos estava diretamente relacionada à ampla expe-
riência que os portugueses haviam acumulado nas ilhas do
Atlântico, sobretudo na ilha de São Tomé (descoberta em 1470),
onde desenvolveram um modelo de produção baseado no traba-
lho escravo.

5 “Fundação de São Vicente”,


de Benedito Calixto, 1900.
Longe de figurar a violência do
choque entre culturas, a represen-
tação a óleo da fundação de São
Vicente, primeira vila criada na
América Portuguesa, conciliava
índios e portugueses, todos
homens, numa visão idealizada da
conquista.

36 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


6

6 “Fundação de São Paulo”, de


Oscar Pereira da Silva, 1909.
Semelhante à tela de Victor
Meirelles que representara a
primeira missa no Brasil cinco
décadas antes, a tela “Fundação
de São Paulo” também evidencia-
va a importância da religião como
instrumento civilizador e hierar-
quizador entre europeus e os
indígenas do planalto.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 37


A instalação de um núcleo de produção de açúcar em São
Vicente foi promovida pela agricultura da cana-de-açúcar e pelo
estabelecimento de engenhos na região. A iniciativa coube a
Martim Afonso de Sousa, que se tornou, em 1534, donatário da
Capitania de São Vicente - uma das quatorze Capitanias Here-
ditárias nas quais o rei D. João III dividiu o território brasileiro.
Embora tivesse deixado São Vicente em 1533 e nunca mais retor-
nasse, o fidalgo associou-se a investidores portugueses, italianos
e flamengos e fez construir, em 1534, o Engenho de Açúcar do
Governador, pioneiro e mais importante da região sul do territó-
rio. Seis anos mais tarde, foi vendido a Erasmos Shetz, de
Antuérpia, cujos negócios envolviam, além de uma casa bancá-
ria, seguros marítimos e minas de cobre e de prata. Passou,
então, a se denominar Engenho de São Jorge dos Erasmos.
Situado numa área hoje pertencente ao município de
Santos, o engenho deu impulso ao desenvolvimento desse porto,
que oferecia melhores condições de navegação que o de São
Vicente e foi elevado à categoria de vila em 1545.
A partir daí, a vila de São Vicente conheceu um relativo
abandono, enquanto Santos se destacava como um dos princi-
pais escoadouros de produtos do litoral sul e do planalto (deriva-
dos de bovinos e de diversos produtos agrícolas, principalmente
da cana-de-açúcar e do trigo), após a fundação de São Paulo de
Piratininga, em 1554.
A incipiente economia canavieira contribuiu para a relativa
prosperidade da Capitania de São Vicente - uma das poucas que
alcançaram viabilidade econômica, ao lado de Pernambuco. Isso
estimulou a fixação de diversos europeus no litoral vicentino.
Eram portugueses de fé ou ascendência judaica (chamados
de cristãos-novos e perseguidos em Portugal), outros ligados
pelo sangue ou pelos negócios às Flandres ou às cidades italia-
nas. Com a expansão da ocupação do planalto, descendentes
desses primeiros povoadores acabariam subindo a serra. Após a
unificação da coroas ibéricas, em 1580, muitos espanhóis os
seguiriam.
A opção por uma economia agrícola mais complexa, basea-
da na produção canavieira em grande extensão (plantation), con-
tribuiu para intensificar a escravização do gentio, praticada des-
de o início da presença portuguesa em São Vicente.
Para obtenção do escravo indígena, os portugueses se
beneficiaram da presença de intermediários como João Ra-
malho, apoiando os tupiniquins nas guerras tribais contra os
tupinambás e os carijós. Os prisioneiros foram sistematicamen-
te escravizados e comercializados, por meio de troca por obje-
tos (“resgates”) oferecidos pelos colonos. A seguir, eram enca-
minhados para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar e nos

38 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


engenhos. Em 1548, às vésperas da criação do governo-geral
do Brasil, a Capitania de São Vicente contava com seis enge-
nhos de açúcar, e sua economia ainda estava baseada no traba-
lho indígena (calcula-se que o número de cativos chegasse a
3 mil).

O Governo-Geral e a ocupação do planalto de


Piratininga

Em 1545 a Espanha anunciou o descobrimento, na região


denominada de Alto Peru (atualmente território boliviano), das
minas de Potosí, uma montanha de 600 metros de altura com
enorme quantidade de prata. Diferentemente do que acredita-
vam portugueses e espanhóis, Potosí não estava localizada no sul
do continente, onde haviam se concentrado os esforços para a
descoberta de riquezas minerais. Aliado ao fracasso do sistema
de Capitanias Hereditárias, o “feitiço de Potosí” ajudou a desen-
cadear um novo direcionamento da política portuguesa para
o Brasil.
A guinada assumiu a forma da criação, em 1549, do gover-
no-geral, confiado a Tomé de Sousa. Ele chegou à Bahia acom-
panhado de mais de mil pessoas, entre elas pedreiros, carpintei-
ros, pintores, cirurgiões, boticário, empregados para a justiça e o
fisco e 400 degredados. Também faziam parte da comitiva seis
religiosos da Companhia de Jesus: os padres Manuel de Nóbre-
ga, Aspiculta Navarro, Leonardo Nunes e Antônio Pires e os
irmãos Diogo Jacome e Vicente Pires.
O governador-geral tinha como objetivo, entre outros, a
construção da capital do Brasil, Salvador, a primeira localidade
urbana com o status administrativo de cidade. O rei D. João III
também o havia investido de poderes especiais, como o de dis-
tribuir terras em sesmarias, criar instrumentos jurídicos que per-
mitissem o registro de propriedades, por meio da instalação dos
tabelionatos, e elevar povoados à condição de vilas. Com esses
instrumentos, a Coroa pretendia dar novo impulso à ocupação
do território.
Essas orientações refletiram-se nas visitas do governador a
diversas capitanias, entre as quais São Vicente. Tomé de Sousa
encontrou ali velhos conhecidos de Martim Afonso, como João
Ramalho e Tibiriçá. Também visitou o planalto, onde distribuiu
sesmarias. Além disso, estabeleceu na região a vila de Santo
André da Borda do Campo (1533), a primeira a ser criada no
interior. Redefiniam-se assim as estratégias de colonização por-
tuguesa até então centrada exclusivamente no povoamento da
costa litorânea.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 39


40 Terra Paulista: histórias, arte, costumes
7

7 Carta de João Teixeira


Albernaz, inserida no chamado
“Atlas do Estado do Brasil”,
1631, cópia de 1944.
A carta da “Capitania de São
Vicente”, além de indicar a vila
de São Paulo, situa também os
primeiros engenhos de açúcar da
região vicentina, como o dos
Erasmos, de Diogo Ayres e das
famílias Adorno e Leitão.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 41


Santo André da Borda do Campo
A vila de Santo André da Borda do Campo foi instalada na
área onde estava localizado o aldeamento estabelecido por João
Ramalho. Aparentemente ficava na entrada do planalto - ou seja,
na borda do campo -, logo depois que se vencia o obstáculo da
serra do Mar. Cortada pelo peabiru, era uma área de passagem
para as terras planas de Piratininga e para o sertão. 9
Parte dos habitantes de Santo André eram remanescentes
do povoado de Piratininga (fundado por Martim Afonso e que
não havia se desenvolvido). Outros, conforme afirmava Tomé de
Sousa, eram moradores que viviam espalhados pelos campos,
índios tupiniquins e mamelucos, muitos deles filhos e parentes
de João Ramalho.
O estabelecimento dessa vila parece ter obedecido a razões
de ordem política, visando impedir o despovoamento do litoral e
barrar possíveis invasões de castelhanos pelo interior.
A preocupação com o esvaziamento da costa impediu que o
padre Manuel da Nóbrega, que acompanhou Tomé de Sousa na
visita a São Vicente, se fixasse no interior entre os indígenas.
Segundo o jesuíta, o planalto e o sertão eram terrenos férteis pa-
ra a catequese. Já os portugueses do litoral “sentiam-se atraídos,
não pelo amor que pudessem ter aos jesuítas, mas pela possibi-
lidade de tomar posse das minas de ouro e prata que os espanhóis
tinham descoberto, a menos de cem léguas, e que, segundo se
pensava, estava na demarcação de Portugal”.10 Com essa mesma
intenção, o governador proibiu que os moradores de São Vicente
fossem ao campo (ao planalto) comerciar com os índios. Além
disso, determinou o fechamento do peabiru, pois moradores de
“São Vicente se comunicavam muito com os castelhanos (...). E
foi a causa por onde folguei de fazer as povoações que tenho
dito no campo de São Vicente”.11 (Santo André).
Outra medida de Tomé de Sousa consistiu na nomeação de
João Ramalho para o cargo de guarda-mor da Borda do Campo,
isto é, chefe militar da vila de Santo André. Em sua longa perma-
nência no Brasil, João Ramalho havia estabelecido uma impor-
tante rede de parentesco com os principais aldeamentos indíge-
nas tupiniquins. Tanto as autoridades quanto os colonos e jesuí-
tas reconheciam a fundamental importância de sua presença na
capitania, notadamente para o estabelecimento nas áreas da
borda do campo e de Piratininga.12
O prestígio de João Ramalho entre os índios foi testemunha-
do pelo alemão Ulrico Schmidt, que esteve no povoado, em 1553,
de passagem, durante sua viagem de Assunção a São Vicente.
Segundo Schmidt, Ramalho seria capaz, se quisesse, de juntar,
num só dia, cinco mil índios, ao passo que o rei de Portugal ou
seus lugares-tenentes não conseguiriam sequer reunir dois mil.13

42 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


São Paulo de Piratininga

Em 1553 chegou à Bahia o segundo governador-geral, D.


Duarte da Costa. Com ele vieram algum missionários da
Companhia de Jesus, entre os quais um jovem irmão, José de
Anchieta, que se tornaria uma das principais figuras do projeto
missionário no Brasil. Nesse momento, a maior concentração de
jesuítas estava na Capitania de São Vicente, “por ser ela terra
mais aparelhada para a conversão do gentio que nenhuma das
outras, porque nunca tiveram guerra com os cristãos, e é por
aqui a porta e o caminho mais certo e seguro para entrar nas
gerações do sertão, de que temos boas informações” .14
Em 1554, seguindo o projeto de Nóbrega, treze padres e
irmãos da Companhia de Jesus subiram a serra do Mar e funda-
ram no planalto, em 25 de janeiro de 1554, o Colégio de São
Paulo de Piratininga.
A escolha dessa região estava centrada em vários aspectos. Em
termos geográficos, boa parte do planalto apresenta terrenos forte-
mente ondulados, incluindo em seu interior uma grande bacia sedi-
mentar com relevo suave de colinas e extensas várzeas marginais ao
longo dos fundos de vale. A cobertura vegetal da bacia sedimentar,
típica de campos, sem mata cerrada, valeu à região o nome de
Campo de Piratininga. A presença de uma rede fluvial, com o rio
Anhembi (Tietê) e seus afluentes Tamanduateí e Pinheiros, além de
oferecer alimentos, possibilitava a navegação de curta extensão.15
O clima apresenta-se com temperaturas mais amenas duran-
te o ano, em razão da altitude, cerca de 750 metros acima do
nível do mar. Já o período chuvoso é variável, sendo mais exten-
so nas regiões próximas à serra (a borda do campo) e com menor
umidade à medida que se caminha para o oeste. Ali já se obser-
va a alternância das estações de inverno (seca e fria) e verão (chu-
vosa e quente), características que permitiram a prática de lavou-
ras como milho, feijão, trigo e cana-de-açúcar, esta desenvolvida
posteriormente e com mais sucesso em outras áreas do interior.16
Um aspecto importante era que, no planalto de Piratininga,
os indígenas permaneciam afastados dos brancos, diferentemen-
te do que acontecia em outros trechos do território. Segundo os
jesuítas, a separação favorecia o êxito do projeto de catequese.
José de Anchieta observa que em 1554 viviam no Colégio de São
Paulo “sete irmãos, separados do comércio dos portugueses e
unicamente aplicados à conversão dos índios”.17
No planalto estavam situados os aldeamentos tupiniquins
chefiados por Tibiriçá e Caiubi, que se tornaram protetores dos
padres.18 A região era, também, conhecida pela presença de cami-
nhos que conduziam ao chamado Sertão dos Carijós (Guaranis),
grupo que os jesuítas pretendiam catequizar. O Colégio de São

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 43


8

8 e 9 “João Ramalho” e
“Tibiriçá”, de José Wasth
Rodrigues, s.d.
Realizados sem nenhuma repre-
sentação visual do século XVI que
os embasasse, os retratos
idealizados de João Ramalho e
Tibiriçá fizeram parte de um
projeto oficial do Museu Paulista
que, nas primeiras décadas do
século XX, utilizou as artes plásti-
cas para a construção de símbolos
heróicos para os paulistas.

44 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


9

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 45


46 Terra Paulista: histórias, arte, costumes
10

10 Carta de João Teixeira


Albernaz, inserida no “Livro que
dá Razão do Estado do Brasil”,
1612/1626, cópia de 1917.
Na carta “Descrição da Costa que
vai do Rio de Janeiro até o porto
de São Vicente”, o caminho para
a vila de São Paulo é a única rota
para o sertão assinalada, eviden-
ciando a importância da ocupação
do planalto para os cartógrafos
portugueses.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 47


11

Paulo de Piratininga despontou, desse modo, como uma base a


partir da qual os jesuítas poderiam converter os nativos. Mais tar-
de, a posição estratégica do núcleo favoreceu os projetos dos co-
lonos de explorar o sertão em busca de riquezas, quase sempre in-
dígenas para servirem de mão-de-obra na agricultura do planalto.
Até 1557, São Paulo de Piratininga era habitada apenas pelos
jesuítas e cinco ou seis famílias indígenas. Estas representavam o foco
de atenção do colégio, “uma casa pobrezinha, feita de barro e paus
e coberta de palha, de 14 passos de comprimento e 10 de largura”.19
Santo André vivia uma situação igualmente precária. Esta-
belecida entre o alto da serra do Mar e a borda do planalto, a vi-
la ocupava uma área de terrenos rochosos, elevada declividade e
estação chuvosa prolongada, que tornavam a agricultura quase
impossível. Reunidos na Câmara, seus habitantes pensavam na
conveniência de se mudarem, pois naquela vila “morriam de
fome e passavam muito mal e morria o gado....”.20 Esses fatores
resultaram na extinção do núcleo, em 1558, com a transferência
de toda a população para o povoado junto do Colégio de São
Paulo de Piratininga, elevado à condição de vila em 1560.21
Nesse momento, vivia em São Paulo um punhado de brancos, 11 Detalhe da carta de João
mamelucos, índios e jesuítas, que deram início à instalação de Teixeira Albernaz.
aldeamentos, por meio dos quais os nativos eram entregues aos cui- Ressaltando trecho onde está
dados da Companhia de Jesus. O sistema causou forte desconten- escrito “Caminho para villa de
tamento entre os colonos, ao restringir o acesso à mão-de-obra indí- São Paulo”.

48 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


12

gena. O confronto culminou em novas estratégias de aprisionamen-


to do gentio, com a formação das bandeiras (que serão abordadas
no capítulo seguinte), e na expulsão dos religiosos em 1640.22
Além de conflitos entre colonos e jesuítas, os primeiros pau-
listanos tiveram de enfrentar combates com os indígenas, sobre-
tudo com os tupiniquins, liderados pelos chefes Piquerobi e
Jaguaranho. A insistência na escravização dos nativos provocou
a resistência e a hostilidade de antigos aliados, pertencentes à
própria família de Tibiriçá.23 A verdade é que os habitantes de
São Paulo, além de se apropriarem das terras indígenas, cada vez
mais se dirigiam ao sertão em busca de mão-de-obra. Em 1561,
12 “Aldeia da Escada a três
a Câmara de São Paulo já solicitava à Coroa armas para se defen-
milhas da cidade de Jacareí”, der de ataques dos gentios e o uso do dízimo para fortificar a
de Thomas Ender, 1817. vila, que foi toda murada em taipa-de-pilão.
Os aldeamentos fundados ou
administrados pelos jesuítas em
torno da vila de São Paulo São Paulo mameluca: a vocação para o interior
chegaram ao século XIX já quase
totalmente despovoados de
Explicar a constituição da vila de São Paulo e sua dinâmica
índios, como notou o cientista
francês Saint-Hilaire na visita à populacional voltada para o conhecimento e a exploração do inte-
aldeia de N. S. da Escada de rior tem levado à produção de centenas de reflexões. Essas priori-
Guararema, em 1822. zam diferentes questões: a geografia do litoral e do planalto;

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 49


a busca e o aprisionamento de indígenas para o trabalho nas
lavouras de alimentos e de cana-de-açúcar no litoral e, no perío-
do da União Ibérica (1580-1640), no planalto de Piratininga,
onde se desenvolveu uma economia subsidiária do litoral, com a
criação de gado e plantações de trigo; necessidade de mão-de-
obra para a economia do planalto (bandeiras de aprisionamen-
to); busca de metais preciosos em Minas Gerais, Mato Grosso e
Goiás; ligação fluvial, pelas monções, entre o território paulista e
as áreas de garimpo de Cuiabá; e, sobretudo, o papel desempe-
nhado pelos mamelucos (filhos de indígenas com brancos) em
todas essas atividades. 13
A presença dos mamelucos permeia toda a história da cons-
tituição da Capitania de São Vicente. Sua intervenção torna-se
mais acentuada a partir do momento em que os núcleos de
povoamento passam a se estabelecer em áreas da Borda do
Campo (vila de Santo André) e na Boca do Sertão (vila de São
Paulo de Piratininga), iniciando a expansão para o interior.
Segundo Charles Boxer, em São Paulo, vila constituída de
“paulista de sangue mestiço” (como era a maioria da popula-
ção), os habitantes sentiam-se “mais à vontade nas veredas da
floresta e trilhas do sertão remoto do que em suas próprias casas
e fazendas, os paulistas penetravam centenas de quilômetros no
interior à procura de escravos ameríndios e de metais preciosos,
e algumas de suas expedições, no final do século (XVI), chega-
ram aos Andes”.24
Os mamelucos faziam a ponte entre as culturas dos índios e
brancos. Para os europeus, eles eram os “línguas da terra” (intér-
pretes) e guias para as entradas na mata, devido aos profundos
conhecimentos que tinham do sertão: da geografia, dos morado-
res indígenas e dos recursos naturais que proporcionavam a ali-
mentação.
Assim, em 1553, quando Manuel de Nóbrega subiu a serra
do Mar para ir ao sertão, levou consigo um mameluco, o filho
mais velho de João Ramalho. Segundo o jesuíta, sua presença
daria mais credibilidade à missão de catequese.25
Entre o final do século XVI e o início do XVII, a presença de
mamelucos em São Paulo deu o tom aos diversos empreendi-
mentos econômicos que passaram a ser desenvolvidos no planal- 13 e 14 “Glória imortal aos
to, entre eles, a criação de gado (segunda metade do século fundadores de São Paulo”, de
XVI), mineração (a partir de 1598) e a triticultura (1630 e 1640), Amadeu Zani, 1913/1925.
que impulsionaram o movimento de ocupação das terras circun- Erguido no centro do pátio do
vizinhas da vila. Colégio, o monumento escultóri-
co dedicado à fundação paulis-
A busca de ouro e prata, presente antes mesmo do início da
tana celebra jesuítas e conquista-
colonização do Brasil, foi retomada com mais intensidade a par- dores, mas incluiu também o
tir de 1580, com a nomeação de D. Francisco de Souza como sofrimento das populações indí-
governador das minas das Capitanias do Sul.26 Para Sérgio genas devido à escravização.

50 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


14

Buarque de Holanda, a transferência para São Paulo do núcleo


principal das pesquisas minerais deve-se à “maior familiaridade
dos paulistas, mormente dos mamelucos paulistas, com o sertão
e o índio”.27
Naquele mesmo ano, os paulistas intensificaram o movimen-
to voltado para o aprisionamento do gentio por meio da forma-
ção das bandeiras, compostas por índios, brancos e mamelucos.
A integração do mameluco à composição dessas expedições e a
intensidade com que efetuavam os apresamentos provocaram
críticas dos jesuítas espanhóis. Ao se referirem aos portugueses
de São Paulo, os padres passaram a chamá-los depreciativamen-
te de “maloqueros” (de maloca, na acepção dos dicionários
espanhóis antigos, nome de uma tribo indígena que praticava
incursões escravistas) ou “mamelucos” (do árabe mamluk, “es-
cravo“, dizem alguns; ou do tupi mamaruco, “mistura”, de onde
surge mamaluco ou mameluco).28
A presença mameluca viabilizava ao movimento bandeirista
grande autonomia e independência em relação à administração
colonial, a ponto de autoridades espanholas afirmarem que
“estes portugueses de São Paulo viven sin freno del respecto y
del terror del castigo de los Gobernadores del Brasil”.29 Para John
Monteiro, “os paulistas deram as costas para o circuito comercial
do Atlântico, desenvolvendo formas distintas de organização
empresarial, tomaram em suas próprias mãos a tarefa de cons-
truir uma força de trabalho”.30
A grande disponibilidade de índios passíveis de escraviza-
ção, bem como a busca de metais e pedras preciosos, faria dos
sertões as novas e indispensáveis fronteiras a serem exploradas.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 51


Notas

1 O pau-brasil era extraído no onde já era possível a navega- bandeirantes nas origens de São
litoral desde o atual Estado do ção. O uso intensivo do rio Paulo. São Paulo: Companhia
Rio Grande do Norte até o Rio como via de penetração no das Letras, 1994, p. 38.
de Janeiro. interior deverá esperar até o 15 No caso do rio Tietê, a navega-
2 Relatório de Américo Vespúcio primeiro quartel do século ção torna-se possível somente
ao rei D. Manuel, 1502. Apud XVIII, após a descoberta do até as proximidades onde foi
BUENO, Eduardo. Náufragos, ouro de Cuiabá. fundado o povoamento de
traficantes e degredados. Rio de 9 Santo André da Borda do Santana de Parnaíba. A partir
Janeiro: Objetiva, 1998, p. 65. Campo não corresponde à desse ponto até Salto, o Tietê
3 O número de índios, provavel- atual Santo André. Sua locali- é repleto de corredeiras que
mente, é exagerado. Roteiro zação ainda suscita muitos não permitem a navegação.
da viagem de Diogo García ao debates. Foi a terceira vila da 16 A agricultura da cana-de-açú-
Rio da Prata. Apud Revista do capitania, depois de São Vi- car terá mais êxito, a partir do
Instituto Histórico e Geográ- cente (1532) e Santos (1545). século XVII, nas regiões que
fico Brasileiro. Vol. 15. Rio de 10 GONZÁLEZ, Rafael Ruiz. A vila abrangem as atuais cidades de
Janeiro: Instituto Histórico, de São Paulo durante a união Sorocaba, Piracicaba, Itu e
Geográfico e Etnográfico do das coroas: estratégias políti- Porto Feliz.
Brasil, 1852, p. 9. cas e transformações jurídicas. 17 José de Anchieta ao Padre
4 Islário de Afonso de Santa Cruz, Tese de doutorado. São Paulo: Inácio de Loyola, set. de 1554.
1530. Apud LUIZ, Washington. USP/ FFLCH, 2002, p. 22. Apud GONZÁLEZ, Rafael Ruiz.
Na Capitania de São Vicente. 11 Carta de Tomé de Sousa, 1.º Op. cit., p. 30.
São Paulo: Livraria Martins, de junho de 1553. Apud GON- 18 Tibiriçá, após o batismo, rece-
1956, p. 48. ZÁLEZ. Op. cit., p. 22. beu o nome de Martim Afonso
5 KLOSTER, W e SOMMER, F. 12 Segundo Darcy Ribeiro, o Tibiriçá.
Ulrico Schmild no Brasil qui- cunhadismo foi uma institui- 19 José de Anchieta ao Padre
nhentista. São Paulo: Typ. Gu- ção social que contribuiu para Inácio de Loyola, out. de 1554.
tenberg, 1942; SOUSA, Gabriel a formação do povo brasileiro. Apud GONZÁLEZ, Rafael Ruiz.
Soares de. Tratado descritivo “Velho uso indígena de incor- Op. cit., p. 30.
do Brasil em 1587. 2.ª ed. São porar estranhos à sua comuni- 20 GONZÁLEZ, Rafael Ruiz. Op.
Paulo: Nacional, 1971; DIAS, dade. Consistia em lhes dar cit., p. 34.
Carlos Alberto Ungaretti. A es- uma moça índia como esposa. 21 Alguns autores atribuem esse
colha de Tibiriçá: a sujeição Assim que ele a assumisse, fato a uma segunda fundação
pela fé. Tese de doutorado. São estabelecia, automaticamente, da cidade, dado que em 1560
Paulo: USP/FFLCH, 2001, p. 84. mil laços que o aparentava São Paulo foi elevada à condi-
6 Apud GONÇALVES, Daniel com todos os membros do ção de vila.
Issa. O Peabiru: uma trilha grupo”. Para essa discussão, 22 Veja também: Jesuítas e colo-
indígena cruzando São Paulo. ver RIBEIRO, Darcy. O povo bra- nos na ocupação do Planalto.
Cadernos de Pesquisa do LAP, sileiro. São Paulo: Companhia In: MONTEIRO, John. Op. cit.,
n.º 24. São Paulo: Faculdade das Letras, 1999, p. 81 e ss. p. 36 e ss.
de Arquitetura e Urbanismo, 13 AB’ SABER, Azis et al. História 23 São Paulo enfrentou, em 1562,
mar./abr. de 1998, p. 6. geral da civilização brasileira: um cerco liderado por Piquero-
7 Apud GONÇALVES, Daniel Do descobrimento à expansão bi, irmão de Tibiriçá, e por seu
Issa. Op. cit., p. 6. territorial. Introdução de Sérgio sobrinho Jaguaranho.
8 No século XVI, a utilização do Buarque de Holanda. Vol. 1, to- 24 BOXER, Charles R. O. O Impé-
rio Tietê para atingir os sertões mo 1. 13.ª ed. Rio de Janeiro: rio marítimo português, 1415-
ocorrerá de forma esporádica Bertrand Brasil, 2003, p. 144. 1825. São Paulo: Companhia
e somente de algum ponto 14 Manuel da Nóbrega a D. João III, das Letras, 2002, p. 110.
abaixo do salto do Ytu (no out. de 1553. Apud MONTEIRO, 25 Manuel da Nóbrega. Carta
atual município de Salto), John. Negros da Terra: índios e escrita no planalto de Pirati-

52 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


ninga em 1553. Apud LUIZ, 27 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Brasil. São Paulo: Martins
Washington. Op. cit., p. 119. Visão do Paraíso. São Paulo: Fontes, 1999, p. 94 (Temas
26 D. Francisco de Souza veio ao Companhia Editora Nacional, Brasileiros).
Brasil para assumir o cargo de 1969, p. 63. 29 Idem, p. 108.
governador-geral, após a União 28 GOES FILHO, Synésio Sampaio. 30 MONTEIRO, John. Op. cit.,
das Coroas de Portugal e Espa- Navegantes, bandeirantes, di- p. 57.
nha (1580-1640) sob o domí- plomatas: um ensaio sobre
nio de Felipe II da Espanha. a formação das fronteiras do

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 53


Paulistas em movimento: bandeiras,
monções e tropas
Valderez A. da Silva

ma mobilidade recorrente perpassa boa parte da trajetória


histórica de São Paulo, associada à vida de seu povo ao longo de,
pelo menos, três séculos. A chamada Paulistânia, a região expan-
dida a partir de São Paulo, hoje contida em parte dos territórios
de Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul e Paraná, vem comprovar os efeitos desse fenômeno. Essa é
a face inegável da questão, ou seja, a de que o povoamento e o
engendramento de uma vida econômica estável para essas
regiões resultou, ao menos em grande parte, dos afluxos iniciais
de paulistas para as mesmas.
Admitida essa ocorrência, cabe inicialmente observar que ela
não deve ser tomada como fato absolutamente inédito ou ímpar
no âmbito da colônia portuguesa na América. É certo que a mobi-
lidade, motivada por razões econômicas e políticas, também se
verificou em outros pontos do território. Basta que se lembre das
expedições de cunho oficial ou da exploração das drogas do ser-
tão, na Amazônia, ou ainda do avanço da pecuária em vastas por-
ções do interior nordestino. Deve-se, entretanto, notar o particu-
lar vigor com que aqueles impulsos ocorreram em São Paulo e
algumas nuanças peculiares verificadas em certos momentos co-
mo, por exemplo, nas monções, fenômeno exclusivamente pau-
lista, que se caracterizou pelas jornadas fluviais entre Porto Feliz
e Cuiabá ao longo do século XVIII e princípios do seguinte.
Uma vez constatado esse movimento, resta a pergunta: Por
que caminhar? Uma investigação nesse sentido obrigatoriamen-
te remete às origens da capitania e ao estabelecimento das pri-
meiras povoações vicentinas no planalto. É nesse contexto que
se encontram as raízes de alguns contornos fundamentais da his-
tória paulista, tendo como uma das marcas principais o recurso
constante aos grandes deslocamentos, a inclinação ao avanço
sobre terras desconhecidas, a fácil aceitação de vasculhar o de-
serto e o distante.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 55


Um mundo peculiar
O estabelecimento da presença portuguesa no planalto fir-
mou, desde os primeiros tempos, um sentido de relativo isola-
mento, para com o restante da colônia e, mais ainda, para com
a distante metrópole. Fatores geográficos, econômicos e socio-
culturais contribuíram e se combinaram para essa realidade.
Quanto aos dois primeiros, ficam por conta da faixa estreita de
terra cultivável, junto ao litoral, escassa demais para que ali se
desenvolvesse a larga produção em plantation do Nordeste açu-
careiro. Encostada a essa faixa, aparece a escarpa da serra do
Mar, ou de Paranapiacaba, cuja transposição foi, até bem mais
tarde, um elemento a embaraçar o fluxo tranqüilo de pessoas e
mercadorias. Soma-se a isso a latitude desvantajosa da Capitania
de São Vicente, em relação às do Nordeste, que a colocava mais
distanciada de Portugal. Ficava claro que, sob tais condições,
dificilmente se desenvolveria ali uma atividade econômica de
exportação em escala compensadora. 1
Outro aspecto geográfico merece ser lembrado. O mesmo
território que não oferece vantagens para o estabelecimento do
rico latifúndio exportador, por outro lado, apresenta-se como
trampolim de acesso às terras castelhanas do Prata e da província
interior do Paraguai, por via litorânea e por caminho terrestre.
Assim é que, muito cedo, o padre Manuel da Nóbrega pretende
levar a catequese para o território guarani do Paraguai, o que o
faz descer o Tietê e instalar a semilendária aldeia de Maniçoba no
sertão, já como posto avançado para seguir mais adiante.2 E tam-
bém desde cedo se tem notícia da passagem de espanhóis pelo
rio, a caminho de Assunção e da Cidade Real de Guairá, em ter-
ras do atual Paraná, ou de lá procedentes. Essa possibilidade de
acesso era, por uma perspectiva, tentadora e conveniente. E, por
outra, problemática e digna de merecer vigília e defesa. Ou seja,
o litoral era economicamente desinteressante, mas o planalto, se
não seduzia, num primeiro momento, pelo interesse econômico,
atraía por essas possibilidades e necessidades estratégicas.
Esses vários fatores juntaram-se para determinar de modo
precoce a tendência para o afastamento do litoral. São Vicente
tornaria-se, certamente, uma capitania agrícola. Muitas eram as
roças no planalto, de trigo, de mandioca, de feijão, de milho, de
marmelo, até mesmo alguns vinhedos. Tal atividade não pode ser
tomada como desprezível, já que, além do caráter de subsistência,
as lavouras paulistas abasteceram de trigo e de outros produtos
os mercados consumidores de pontos diversos da colônia, embora
jamais tenha alcaçado o patamar de importância da monocultu-
ra do Nordeste, latifundiária e exportadora. Ao contrário, apesar
daqueles fornecimentos, os paulistas cuidavam de uma policultu-
ra e essa “não se corporificou como eixo de uma contextura eco-

56 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


1

nômica”.3 Nada, portanto, que estimulasse um enfrentamento sis-


temático da serra, em busca dos portos do litoral.
Contudo, uma vez estabelecidos no planalto, os brancos
precisavam sobreviver economicamente. Adquirir os bens impor-
tados, vindos do reino, necessários à sua manutenção. Prover de
braços trabalhadores as suas roças. Encontrar, por fim, um
ganho mínimo que justificasse sua presença. A todas essas
necessidades socorreu uma única resposta: o sertão. E todas
essas contingências fizeram nascer a imagem já clássica do pau-
1 Carta de D. Luiz de Céspedes
Xeria, 1628, cópia de 1917.
lista em seu mundo peculiar, virado de costas ao litoral e voltado
obrigatoriamente à vastidão interior.
A carta realizada com base na
expedição de D. Luís de Céspedes
Xeria, capitão-general do O mar de dentro
Paraguai, que percorreu os ser- O mar era caminho para o relacionamento com a metrópo-
tões para além de São Paulo por le. E também com outras capitanias, na tentativa de uma unida-
via fluvial, é um dos primeiros de mínima com o restante da colônia. Mas, separados física e
documentos cartográficos a deta-
economicamente do litoral, tornava-se natural que os paulistas
lhar parte do território formal-
mente espanhol que passaria a logo desenvolvessem um distanciamento desses outros sentimen-
ser invadido pelos bandeirantes tos e práticas que o oceano simbolizava. Encastelados em seu
paulistas em busca de riqueza. planalto, no topo da escarpa, e voltados para o sertão, cresceu

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 57


entre os paulistas uma outra tendência para uma relativa autono-
mia. Um certo sentido de independência parcial, de alguma folga
para dispor acerca dos interesses locais sem muita ingerência da
metrópole - o que muitas vezes seria interpretado externamente
como rebeldia -, nascido justamente de seu semi-isolamento e da
peculiaridade de seu viver. Há sinais inequívocos dessa tendên-
cia, por exemplo, no modo recorrente como os paulistas se insur-
giam contra as restrições da caça e escravização do índio. Ou,
mesmo, no episódio da aclamação de Amador Bueno como rei
dos paulistas. Talvez ainda faltem luzes suficientes sobre esse
episódio, mas parece certo que os moradores da vila de
Piratininga agiram instigados por espanhóis, ali residentes, que
lhes fizeram ver que o final da União Ibérica representaria a volta
de uma tutela mais firme da corte de Lisboa sobre seus interes-
ses e sua liberdade.4 Entenda-se, especialmente, uma tutela mais 2 Casa e a capela externa
firme sobre seu hábito de ir ao sertão e buscar o gentio. Décadas do sítio Santo Antônio, em
mais tarde, ao final do século XVII, o Conselho Ultramarino emi- São Roque.
tia sua opinião sobre a gente de São Paulo: “Os paulistas são Erguidas pela família Vaz de
piores que os mesmos negros dos Palmares”.5 E não é opinião Barros no século XVII, formam um
isolada. Ao contrário, sinaliza para a fama de que os paulistas dos mais importantes teste-
munhos arquitetônicos das mora-
gozavam, de rebeldes e voluntariosos.
dias rurais paulistas do século
De certa maneira, é preciso ver que os diversos episódios de XVII, o que justificou seu tomba-
pequenas rusgas entre paulistas e autoridades da Coroa e esse mento como patrimônio nacional
sentimento de relativa autonomia, por sua vez, também contri- em 1941.

2
buíram para incentivar o distanciar-se, o aprofundar-se em terras
desconhecidas, o agir com uma liberdade que o horizonte inex-
plorado parecia oferecer de modo irresistível.
Quanto aos fatores socioculturais, cabe ainda lembrar a
sociedade híbrida de branco e índio que se desenvolveu em São
Paulo. Esse fenômeno ocorreu em praticamente toda a colônia.
Mas não foi exatamente em toda a colônia que o português aco-
plou o viver e o saber indígena ao seu próprio viver de maneira
tão intensa e cotidiana como ocorreu em terras paulistas. Por
diversas vias, esse contato fez-se profundo desde a primeira
metade do século XVI. Basta lembrar a saga de João Ramalho e
o papel - prático e também emblemático - que ele e Bartira cum-
prem no processo de instalação dos brancos no planalto. A cap-
tura de nações inteiras, a utilização dos caminhos indígenas (os
peabirus), o largo emprego do gentio nas roças e nas próprias
expedições, a proliferação de aldeias jesuíticas ao lado das vilas
pioneiras, a inserção das índias na vida doméstica, inclusive como
concubinas, a adoção sistemática de mamelucos bastardos como
filhos legitimados, o amplo uso da “língua geral”, de origem
indígena. Todos esses são indicadores de que os hábitos culturais
dos povos nativos inseriram profundas marcas no viver paulista.
E próprio desse viver indígena era o seminomadismo, a vocação
para o movimento. Própria do índio era a facilidade para o des-
locamento, a migração, a troca de locais para o estabelecimento
de suas aldeias, a mobilidade que visava encontrar novos recur-
sos. Ou que, inclusive, atendia a desejos menos imediatos, como
os deslocamentos em busca da Yby Marã-e’y’ me, a Terra sem
Males, referidos por cronistas dos primeiros tempos. A Terra Sem
Males era, na crença dos grupos tupis, aquela onde viviam seus
antepassados, onde os frutos cresciam sem que fossem cultiva-
dos e onde nada se fazia, a não ser dançar alegremente. Por
vezes era localizada, miticamente, a leste, e por vezes a oeste.
Alguns estudiosos acreditam que a trama de caminhos conheci-
dos como peabirus visasse, além de prover o acesso à caça e a
outras aldeias, demandar à desejada Yby Marã-e‘y‘ me.6
O sertão foi, portanto, a resposta adequada a todos esses
fatores condicionantes do viver paulista. Substituto para o mar,
enquanto caminho, espaço de liberdade, promessa de sustento,
glória e recompensa. O sertão possibilitou a consagração da
expressão verbal mais paulista dentre todas, dos fins do século
XVI ao início do XVIII: “buscar remédio”. Os documentos colo-
niais, em vez de se referirem a prear índios, procurar ouro ou
pedras, valem-se com muito maior freqüência dessa expressão
para justificar a ausência de um homem de sua vila. Buscar socor-
ro para a pobreza, para a necessidade, eis o que está contido na
frase. Compensar, caçando índios, a impossibilidade de comprar
escravos africanos para as roças, numa capitania sabidamente
escassa de recursos. E, mais tarde, compensar, à custa de ricos
veios de ouro ou de pedraria, as limitações de uma lavoura que
não conseguia constituir em São Paulo fortunas que se aproxi-
massem daquelas dos ricos senhores dos engenhos de
Pernambuco e da Bahia. Essa motivação, eminentemente prática,
se estende a três distintos fenômenos dentro da história paulista:
o bandeirismo ou bandeirantismo, o movimento monçoeiro e o
tropeirismo. Todos os três, em épocas diferentes, surpreendem
pela mobilidade exigida, pela audácia cobrada, pela necessidade
de criar caminhos e pelo estabelecimento de novas fronteiras.
Mas todos os três vêm marcados pela premência de ir. Pela neces-
sidade de buscar remédio, dedicando-se a um fazer alternativo às
atividades sedentárias. Não se trata da aventura pela aventura,
mas sim de varar sertões para buscar índios, ouro, pedras, mulas,
ou para levar pólvora, ferramentas, panos, sal e homens, pela
mais estrita necessidade, pelo caráter mais pragmático possível,
aos olhos dos que perceberam que, se ficassem entregues à pla-
cidez de suas vilas pobres e de suas roças limitadas, estariam se
condenando à penúria e à escassez, pondo mesmo em risco sua
permanência no planalto.7 Ou, como bem observou o historiador
Sérgio Buarque de Holanda, “a maior mobilidade, o dinamismo
da gente paulista ocorre, nesse caso, em função do mesmo ideal
de permanência e estabilidade”, sendo que, curiosamente, os

60 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


paulistas precisavam andar muito para “assegurar a mesma espé-
cie de sedentarismo que os barões açucareiros do Norte alcança-
vam sem mover o pé dos seus engenhos”.8
Não se pode, contudo, empobrecer a apreciação de fenôme-
nos tão extraordinários, reduzindo-os a esse caráter primeiro.
Embora os paulistas fossem pragmáticos em suas motivações,
existem outras faces desse ir ao sertão, mesmo que sejam faces
secundárias, constituindo um caráter complementar da mobilida-
de. Torna-se difícil achar que a largueza do sertão, a vastidão dos
rios, não oferecessem aos paulistas igualmente o viés da aventu-
ra, o fascínio do desconhecido e, até, a possibilidade do enobre-
cimento à custa de enfrentar situações tão adversas e formidáveis.
De certa forma, o sertão era realmente o “pólo magnético para o
qual estava voltada constantemente a alma coletiva”, no dizer de
Alcântara Machado.9 E isso porque ele era a fonte de sustento, a
promessa de enriquecimento, a escola de um modo de viver. O
sertão prestava-se, inclusive, ao rito de passagem para o mundo
adulto, tanto que era fato comum os paulistas levarem consigo,
em suas expedições, os filhos de 14 anos de idade ou até menos.
O sertão foi, ainda, lugar de se acoitar, esconderijo, num
mundo de violência. É nele que Borba Gato se mantém escondi-
do da justiça real depois de matar o enviado da Coroa, Dom
Rodrigo de Castel Blanco, despencando-o num abismo. Para os
sertões do oeste se afundou o ituano Antônio Pires de Campos,
o filho, apelidado de Pai Pirá, quando se viu acusado pelas auto-
ridades de haver prestado auxílio a foragidos da lei. Num mundo
de capitães-mores arbitrários, duelos, alistamentos forçados,
pálida justiça, onde prevalecia a vontade do mais forte, o sertão
era alternativa de vida e de paz relativa. Alternativa, sobretudo,
para os chamados “vadios” do mundo colonial, ou seja, os des-
providos da propriedade da terra, afastados também do comér-
cio ou dos ofícios artesanais, que lhes garantissem alguma digni-
dade. Aqueles que iriam ser a massa de mamelucos, de despos-
suídos, de anônimos que deram corpo às bandeiras, de remeiros
que moveram as canoas das monções e de camaradas que toca-
ram as primeiras tropas. Aqueles para os quais a enormidade dos
sertões, com todos os seus perigos, acabava constituindo um
mundo menos hostil e mais promissor do que a ingrata realida-
de das vilas, onde se viam irremediavelmente marginalizados.
A compreensão dessa vocação três vezes secular para o
movimento, portanto, não deve ser buscada de um ponto de
vista exclusivista e restritivo, e por isso mesmo empobrecedor de
seus vários sentidos. Sua motivação foi sempre econômica, cer-
tamente. Mas vinha cercada de várias outras circunstâncias e
marcas que, observadas no seu conjunto, fazem a riqueza e a
peculiaridade do viver paulista.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 61


3

3 “O Anhangüera”, de
Luigi Brizzolara, 1924.
“Acharei o que procuro ou mor-
rerei na empresa.” Os dizeres
grafados na base da monumental
estátua de Bartolomeu Bueno
da Silva, o Anhangüera, inaugura-
da na avenida Paulista em 1924,
comunicavam aos cidadãos de São
Paulo a necessidade de guiarem-
se pelo exemplo empreendedor
do bandeirante que conquistara
Goiás no século XVIII.

62 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Bandeiras: o perfil de um fenômeno

A designação “bandeiras” foi aplicada, de início, às compa-


nhias ou batalhões militares com funções defensivas contra
estrangeiros ou de submissão do índio. Já em fins do século XVI,
porém, o nome passa a ser empregado para designar os corpos
paramilitares que seguiam para o sertão. Surge aí a discussão
quanto à diferença de sentido entre os termos “bandeira” e
“entrada”. Um ramo da historiografia entende que todas as
expedições ao sertão, saídas de qualquer parte do Brasil, de ini-
ciativa oficial ou particular, podem ser chamadas de bandeiras.
Outros sustentam que apenas as que partiam de São Paulo mere-
cem esse nome. E outra corrente, ainda, chama de entradas as
tropas organizadas por determinação oficial, dos representantes
da Coroa, cabendo a palavra bandeira àquelas de formação
espontânea e privada. É certo, porém, que, na São Paulo seiscen-
tista, as duas expressões - entrada e bandeira - eram emprega-
das para designar as idas ao sertão.10
No caso paulista, a montagem de uma bandeira foi, na
maioria esmagadora das vezes, empreendimento particular.
Tornou-se possível porque, apesar de exigir um investimento de
recursos, esses eram bastante moderados, se comparados com
o que requeria a produção de açúcar, por exemplo. Recursos
que eram levantados entre um chefe e seus aparentados, ou
que eram obtidos pelo consórcio entre vários componentes. E
que consistiam, basicamente, em escravos, armas, pólvora, ma-
chados, facões e outras ferramentas, correntes, cordas, sal e
alguns mantimentos. Com o aumento dessa atividade, cresceu
o número dos chamados armadores, indivíduos que não partici-
pavam diretamente das expedições, por suas condições de
idade, saúde ou outros interesses, mas que cediam recursos,
mediante um contrato que lhes garantia participação nos lucros
da bandeira, ou seja, receber parte das “peças de gentio” que
fossem capturadas.
Quanto à sua estrutura e organização, deve ser rejeitada a
interpretação sustentada por alguns historiadores que vêem nas
bandeiras um suposto caráter democrático. Esses argumentam
que aquelas expedições admitiam a participação de “qualquer
um” e que ali ocorria uma miscigenação e uma convivência com
ares de igualdade, marcada pela “solidariedade mais larga do
que a da família”. 11 Na verdade, prevalecia no cotidiano das
bandeiras a autoridade absoluta do chefe, por vezes chamado
cabo-de-tropa ou capitão-do-arraial. Veja-se o caso clássico de
Fernão Dias, o “caçador das esmeraldas”, que sufocou todas as
opiniões dos demais componentes de sua expedição, desanima-
dos da busca inútil pelas pedras e desejosos de voltar a São

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 63


Paulo. Sufocou, a ponto de fazer enforcar um filho bastardo,
José, que conspirava contra sua autoridade. Ou o caso de Pas-
coal Moreira Leme, que buscava índios no sertão de Mato Gros-
so. Seus comandados encontraram ouro, mas tiveram de engolir
aflitos a euforia, diante da obstinação do chefe em prosseguir na
meta original de caçar o gentio, ignorando por um bom tempo
o achado do metal. De resto, quando ocorria a discussão de algo
por ser resolvido, isso se dava entre brancos, entre o chefe e os
que faziam as vezes de seus lugares-tenentes, homens que
tinham participado da integralização dos recursos para a bandei-
ra. O grosso da expedição, composto por mamelucos, índios e
negros, de nada disso participava e nada decidia.
O número de componentes, por sua vez, podia ser variável,
dependendo sobretudo de seus objetivos, de menos de uma
centena de pessoas a vários milhares. As de mineração, menos
numerosas. As de caça ao índio, por vezes, verdadeiros exérci-
tos. De qualquer forma, a proporção era, em média, de um
branco (ou mestiço) para nove ou dez índios mansos, flecheiros
e carregadores, conhecedores da sobrevivência no mato. É o que
se depreende da narrativa encaminhada ao rei de Espanha, Filipe
IV, em 1636, dando conta das atividades dos paulistas: “Sale,
señor, esta gente em tropas, unas de 100 portugueses y casi
1.000 indios, otras de 60 portugueses y 900 indios, y otras mas
o menos numero de gente para cautivar indios ...”.12 E a mesma
carta explica que a gente de São Paulo estava “casi todo el año
fuera porque apenas llegan de un viagem, cuando parten para
outro ...”, e que com facilidade podiam sair da vila seiscentos
brancos com suas escopetas. Esse e outros documentos mostram
claramente que o chamado bandeirismo constituía modo de vida
habitual da maioria dos moradores das vilas planaltinas, e a
saída ou chegada de uma bandeira, conquanto pudesse trazer
emoção à vida pacata das povoações, não representava um fato
extraordinário. Ao contrário, fica como exemplo do quanto a
prática era inerente ao viver paulista o caso do bandeirante
Manuel de Campos Bicudo, que enveredou pelo sertão nada
4 Mapa das principais
menos que 24 vezes.
expedições bandeirantes.
O cotidiano resumia-se a um esforço de acasalamento ou de
Partindo de vilas como São Paulo,
luta com a mata, aprendido com o índio. Desse aprendizado fez Taubaté e Santana de Parnaíba,
parte prover a comida necessária. Levava-se alimento para uns os bandeirantes paulistas agiram
poucos dias iniciais, basicamente a “farinha de guerra”, ou seja, em interesse próprio, aprisionan-
farinha de mandioca cozida e socada, embrulhada em folhas, do índios para suas lavouras ou
para resistir por mais tempo. E sal. O restante deveria ser provido buscando pedras e metais pre-
ciosos, além de atuarem como
pelas roças tomadas dos índios ou pela caça, pela pesca, pela
mercenários nas lutas contra
coleta de frutos, raízes, larvas e, sendo necessário, até por ani- índios e quilombolas nas capita-
mais peçonhentos. Aprendizado de reconhecer vestígios, sinais nias situadas no atual Nordeste
mínimos deixados na mata. De andar descalço, os pés voltados brasileiro.

64 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


4

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 65


para a frente, o peso lançado sobre eles, para tornar mais produ-
tiva a marcha diária. De manusear não apenas armas de fogo,
mas as armas do índio, mais eficazes no emaranhado da floresta.
De aprender a vasta farmacopéia do sertão, que, além dos remé-
dios vegetais, prescrevia os dentes de jacaré, as unhas de taman-
duá, as cabeças de cobra como recursos eficazes contra este ou
aquele mal. Aprender a conservar objetos de couro besuntando-
os com banha de bicho-de-taquara.

O descimento
Quanto às suas motivações, as bandeiras tiveram como pri-
meiro grande objetivo a caça ao índio, ou “descimento”, ou ainda
“redução do gentio”, na linguagem da época. Frei Vicente do Sal-
vador esclarece que, antes mesmo de se iniciar a colonização ofi-
cial do Brasil, os indígenas já tinham o hábito de vender aos bran-
cos do litoral os prisioneiros que faziam de outras tribos. Essa ocor-
rência incipiente toma vulto com a necessidade de braços para a
lavoura. Na região vicentina, os contatos iniciais ocorridos no pla-
nalto, entre brancos e índios, colocaram muitos destes últimos na
condição de parceiros relativamente espontâneos da obra de colo-
nização. Pouco adiante, porém, a prática dos assaltos violentos às
aldeias se impôs. A capitania, de recursos limitados, não tinha
como custear a vinda de grandes contingentes de “tapanhunos”,
como se chamavam em São Paulo os negros trazidos da África,
cujo preço era, em média, cinco vezes superior ao de um índio.
O gentio jamais foi um escravo formalmente declarado
como tal. A Coroa portuguesa, atendendo às pressões da Igreja
e, particularmente, da Companhia de Jesus, enquadrou-se ofi-
cialmente na visão do humanismo europeu da época. O índio
deveria poder dispor de sua pessoa livremente, não podendo
reduzir-se à escravidão. Esse entendimento - e sua transgressão,
em especial pelos paulistas - foi objeto de bulas papais, de car-
tas aos superiores das ordens religiosas, de sermões enfurecidos,
do envio de advertências régias aos colonos. Esforço vão, já que
para a escravização do índio foram desenvolvidos meios e fórmu-
las dissimulados. Em princípio, abriu-se apenas a possibilidade da
“guerra justa”, admitida pela Coroa, aquela procedida para
defesa contra tribos hostis. Disso resultou que inúmeras ações de
aprisionamento de índios passaram a ser classificadas como
“guerra justa”, indiscriminadamente, acusando-os de atacarem
os brancos, de comerem os que lhes caíam às mãos. Tornou-se
comum a prática de provocar o índio, invadindo seu território e
levando-o a reagir, com o que se configurava o “ataque” e, por-
tanto, a justificativa para a “guerra justa”. Além disso, o exame
de testamentos e inventários coloniais paulistas mostra o farto
emprego de expressões que visavam disfarçar uma realidade de

66 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


cativeiro. Aparecem frases como “gentio que veio a mim espon-
taneamente” ou “peças de serviço forro”, querendo ocultar ou
mascarar sua natureza servil. No entanto, o simples fato de esses
índios serem listados nos inventários, encaminhados a este ou
aquele herdeiro, ainda que tidos como tutelados, alvo de orien-
tações de aparência piedosa, os nivela a outros bens materiais e
revela sua condição. Ficava claro no entendimento dos paulistas
que os índios eram “o remédio principal que nesta terra os
órfãos têm”.13
As nações indígenas lindeiras ao vale do Tietê foram atraídas
ou aprisionadas desde muito cedo. A famosa bandeira de Nicolau
Barreto, de 1601, já trouxe consigo grande quantidade de gentio
aprisionado no sertão rio abaixo, ou seja, cada vez mais distante
das vilas existentes. Pouco antes, em 1596, a bandeira de João
Pereira de Souza Botafogo atravessara o Vale do Paraíba para
atingir os sertões dos rios Verde e Sapucaí, em busca de remanes-
centes dos tamoios. Assim, entrando o século XVII, as bandeiras
de apresamento já se dirigiam ao encalço de índios que viviam em
áreas da serra da Mantiqueira ou em partes dos atuais estados de
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. É nesse momento que
surge a opção pelo ataque às missões jesuíticas, onde os padres
já tinham reunido enorme quantidade de gentio doutrinado,
presa mais fácil aos olhos dos paulistas. Ao longo da primeira
metade do século XVI, tornaram-se constantes as investidas das
bandeiras contra as missões estabelecidas em território espanhol,
na província do Guairá (atual Paraná), no Itatim (sul do Mato
Grosso) e, posteriormente, no Tape (Rio Grande do Sul). Ban-
deiras como as de Raposo Tavares e Manuel Preto sintetizam a
ação paulista sobre inúmeras missões, como as de San Miguel,
Jesus Maria, San Pablo, San Francisco Xavier, bem como o nível de
hostilidade entre bandeirantes e padres e a inutilidade das inter-
venções da Coroa espanhola (vigorava, na maior parte desse
tempo, a União Ibérica). Os registros dos religiosos, dando conta
de choques de extrema violência, nos quais não foram poupados
templos, mulheres e crianças, foram colocados sob suspeita de
exagero e parcialmente questionados por alguns historiadores.
Em especial o famoso relato do padre Montoya, que se refere ao
ataque brutal de Raposo Tavares à redução de Jesus Maria, a 3 de
dezembro de 1637, chegou a ser apelidado de “lenda negra”14,
como se fosse narrativa deliberadamente inflada pelos jesuítas.
Contudo, é fato que o exame das várias fontes disponíveis e das
entrelinhas da própria documentação dos paulistas não deixa
espaço para que se negue a violência e a sistemática escravização
do índio. Calcula Roberto Simonsen, em História Econômica do
Brasil, que beire os 300 mil o número de índios aprisionados no
sertão e nas reduções dos religiosos.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 67


5

5 e 6 “O ciclo da caça ao
índio”, tela de H. Bernardelli,
1923 (à esquerda); “Fernão Dias
Paes Leme”, escultura em már-
more de Luigi Brizzolara, 1922
(à direita).
Em mármore ou em óleo sobre
tela, as obras de arte do Museu
Paulista procuraram fixar a
imagem do bandeirante impo-
nente, com roupas, chapéus e
botas que dificilmente poderiam
ser usadas ou mantidas intactas
nas longas travessias.

68 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


6

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 69


As investidas contra as missões conheceram um grave revés
quando os padres obtiveram autorização da Coroa espanhola
para dotar os índios de armas de fogo. As vitórias alcançadas
sobre os paulistas vieram ao mesmo tempo em que findava a
União Ibérica, o que tornou mais difícil o acesso às terras espa-
nholas. E coincidiu também com o fim do domínio holandês na
costa angolana, permitindo recompor o tráfico negreiro para a
América e dispensar o recurso à mão-de-obra indígena em outras
partes da colônia, adquirida dos paulistas. Esses fatores conjuga-
dos, além da dificuldade crescente em encontrar novos estoques
de gentio, levaram ao declínio o bandeirismo de apresamento.

A revelação do ouro
Quanto à busca de metais e pedras, Martim Afonso de
Sousa foi o primeiro a despachar duas expedições oficiais para
o interior, uma delas foi dizimada por índios, sem obter nenhum
resultado. Em São Vicente repetiu-se o insucesso de outros
pontos da colônia. É certo que foi encontrado algum ouro, ainda
no século XVI, em Paranaguá, Curitiba, em Parnaíba (Santana de
Parnaíba), e nos arredores do Pico do Jaraguá paulistano. Isso
motivou inclusive a instalação de uma casa da moeda e a cunha-
gem de moedas de ouro paulistas, chamadas “São Vicente”.
Contudo, tratava-se de metal em tão escassa quantidade que
não representou nenhuma alteração dos padrões de vida modes-
tos que as vilas vicentinas conheciam. Existiam as lendas, as nar-
rativas fantásticas, o sonho com a serra dos Martírios, Manoa do
Eldorado, a Sabarabuçu15, a crença de que o sertão era caminho
curto e certo para as minas de Potosí, na Bolívia, e para o ouro
do Peru. Todas essas esperanças extraordinárias, contudo, logo
cederam espaço para o apresamento do índio, que representava
“remédio” mais imediato e seguro.
A busca sistemática de metais preciosos e pedras só tomou
vulto, portanto, numa outra conjuntura política e econômica, na
segunda metade do século XVII. Após a Restauração, libertando-
se da Espanha, o reino de Portugal deparou-se com uma situa-
ção econômica precária e perigosa. Os gastos com a guerra con-
tra os castelhanos haviam exaurido as finanças. Parte considerá-
vel das Índias havia sido perdida para os holandeses. O açúcar
brasileiro enfrentava a concorrência daquele das Antilhas.
Inglaterra, Holanda e mesmo França emergiam como potências
ameaçadoras, diante das quais os portugueses temiam pela
perda de suas possessões. Duas foram as estratégias concebidas
para enfrentar a crise. Uma delas, o arrocho do jugo colonial
sobre o Brasil, centralizando-se a administração e aumentando a
presença da Coroa, para garantir o máximo aproveitamento dos
recursos do território. A outra, o estabelecimento de uma parce-

70 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


7

ria estratégica com uma potência - a Inglaterra foi a escolhida -


que pudesse, em troca de privilégios econômicos, garantir a
defesa das possessões e dos interesses portugueses. O Brasil pas-
sava a constituir a salvação possível, para alavancar a sobrevivên-
7 Mapa das rodovias que cia da metrópole. Dentro dessa estratégia, tornava-se imperioso
homenageiam bandeirantes encontrar aquilo que se procurava, em vão, havia século e meio.
paulistas. Os apelos e a insistência das autoridades do reino para que
Rememorando o sentido de algu- os paulistas, conhecedores do sertão, achassem as sonhadas
mas das mais importantes ban-
minas, de início provocaram desconfiança e pouco interesse.
deiras e bandeirantes de São
Paulo, as rodovias construídas no
Medo de, encontrando o ouro, perderem sua autonomia, fican-
século XX dedicadas a Fernão do à mercê de novas e duras leis e da presença do braço real.
Dias, Raposo Tavares e Mas o declínio da atividade de aprisionamento dos índios levou-
Anhangüera, além da coletiva os a repensar os pedidos de Lisboa. Era preciso encontrar novo
Bandeirantes, são a mais evidente “remédio”, e essa necessidade somou-se às promessas de hon-
homenagem governamental
rarias, títulos, comendas e pensões, que lhes fazia El-Rei. Já é
aos polêmicos paulistas que
penetravam nos sertões em busca
nesse contexto que se dá a famosa marcha de Fernão Dias Paes
de índios, ouro, prata e pedras ao sertão de Goitacazes, atual Minas Gerais, em busca de suas
preciosas. esmeraldas. Morto no sertão, em 1682, sem encontrar de fato as

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 71


72 Terra Paulista: histórias, arte, costumes
8

8 “O convento franciscano
de Taubaté”, de Thomas Ender,
1817.
Fundado em 1673, o convento
franciscano de Santa Clara, ainda
existente em Taubaté, é um dos
últimos remanescentes
arquitetônicos erguidos durante o
período colonial naquela que foi
uma das mais importantes vilas
bandeiristas da capitania.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 73


pedras sonhadas, sua bandeira é emblemática, no sentido de
representar a entrega de todos os recursos e de todas as forças
ao sonho das riquezas ocultas no sertão, e de ser pioneira den-
tre as marchas que, logo a seguir, acabariam por revelar as fabu-
losas minas tão desejadas por Portugal.
O ouro foi descoberto na década de 1690, parecendo ter
despontado como resultado de várias expedições mais ou menos
simultâneas. No que se refere aos achados ocorridos no atual ter-
ritório de Minas Gerais, merece relevo a atuação dos sertanistas
despachados a partir do Vale do Paraíba, sobretudo de Taubaté,
além daqueles oriundos da própria São Paulo de Piratininga. Os
primeiros achados foram os de Antônio Dias, na atual Ouro Pre-
to, de João de Farias, de Bento Rodrigues, pouco além, e os do
Ribeirão do Carmo (atual Mariana). Também aparece o ouro no
rio das Mortes, nos arredores das atuais São João del Rey e
Tiradentes; no rio das Velhas, por obra de Manuel de Borba
Gato; em Caeté e Serro do Frio, onde atuam Rodrigues Arzão e
Antônio Torres.
Entre os caminhos primitivos para essas localidades, traça-
dos pelas bandeiras paulistas, um partia de São Paulo pelo rumo
do rio Paraíba do Sul, transpunha a serra da Mantiqueira e,
depois de ultrapassar o rio Grande, dividia-se em duas possibili-
dades: para o rio das Velhas ou o rio Doce. Taubaté era o entron-
camento para outro caminho, aberto mais tarde, que vinha do
Rio de Janeiro até Parati e subia a serra do Facão nos arredores
da atual Cunha. Posteriormente, esse caminho derivou para
Pindamonhangaba, ali entroncando-se com a via paulista. Mais
tarde, outro caminho buscaria acessar o Rio de Janeiro de modo
mais direto, partindo dos arredores de Barbacena, varando a
Mantiqueira e, depois, a serra dos Órgãos, até a baía de Guana-
bara. Esses caminhos e a atuação do Vale do Paraíba como re-
gião emissora de exploradores justificam encontrarmos, já em
1695, uma Casa de Fundição estabelecida em Taubaté.
No Mato Grosso, as bandeiras paulistas encontrariam ouro
em 1719, com Pascoal Moreira Cabral, descobertas que se refor-
çariam pouco depois com as jazidas achadas pelo sorocabano 9 “A partida da monção”, de
Miguel do Sutil. E, em Goiás, o metal se revelaria por volta de José Ferraz de Almeida Jr., 1897.
1725, através de Bartolomeu Bueno da Silva, o filho, apelidado Realizada já no período republi-
o Anhangüera, morador em Parnaíba. cano e provavelmente inspirada
O bandeirismo não foi o responsável único pela ampliação nos desenhos de Hercules
dos territórios portugueses na América. Os chamados bandeiran- Florence realizados entre 1826 e
tes não devem ser considerados como heróis-civilizadores. Mas, 1829, a tela de Almeida Jr. alusiva
à partida de uma expedição em
certamente, foram eles, os paulistas, os maiores devassadores do
Porto Feliz, foi um dos quadros
interior brasileiro. O processo de interiorização ao qual a Coroa que inauguraram o uso da pintu-
portuguesa se dedicou, a partir do século XVIII, seguiu as rotas ra de temática histórica para a
abertas por eles. E as atividades econômicas que garantiram a glorificação do passado paulista.

74 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


ocupação e o povoamento dessas terras - mineração, pecuária,
tropeirismo, monções, agricultura - igualmente prevaleceram-se,
em muitos casos, dos caminhos pioneiros e das ilhas de coloniza-
ção representadas por arraiais, roças, minas, ranchos, resultantes
daquelas marchas. A Capitania de São Paulo teve seus domínios
administrativos estendidos por uma área que abarcava partes dos
atuais estados do Rio Grande do Sul, a costa de Santa Catarina,
o Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e
Minas Gerais. Ao sertão do Piauí e à Amazônia chegaram os ser-
tanistas de São Paulo. Se, ainda no século XVIII, a maior parte
dessas vastas extensões foi desmembrada administrativamente de
São Paulo, por outro lado, os resultados de ordem política, eco-
nômica e cultural do avanço das vilas do planalto sobre o mar do
sertão são gigantescos, e não podem ser negados.

Monções: o caminho das águas

O curso do rio Tietê, dirigido para o interior, desde muito


cedo apresentou-se como sinalizador natural do rumo para os
exploradores. Ainda em fins do século XVI e primeiros anos do
XVII a região dos chamados campos de Pirapitingui, arredores da
atual Itu, tornou-se ponto de passagem e parada de expedições,

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 75


que ali reuniam as levas de índios trazidas de mais abaixo, do
sertão cortado pelo Tietê.
Porém, a mais antiga expedição fluvial, na qual aquele rio e
seus acidentes figuram documentados em mapa, é a do espanhol
D. Luiz de Céspedes Xeria, nomeado capitão-general do Paraguai
e casado com uma portuguesa de São Vicente. A vigência da
União Ibérica tornou possível que o potentado, desejando ir do
Rio de Janeiro à Ciudad Real de Guairá, optasse pela via fluvial,
passando pelas terras dos paulistas. Em seu tosco mapa, ou
borón, que o historiador Afonso de Taunay fez copiar no Arquivo
Geral das Índias em Sevilha, aparece o embarcadouro por ele
denominado Porto de Nossa Senhora de Atocha. A identificação
desse porto não é questão totalmente resolvida, mas é opinião
predominante a de que se trataria do Araritaguaba, o embarca-
douro primitivo, onde hoje está a cidade de Porto Feliz, já conhe-
cido e utilizado pelos paulistas de Piratininga em suas descidas
ao sertão. Em favor dessa possibilidade está o argumento de
que, a partir de Porto Feliz, a navegação pelo Tietê torna-se mais
tranqüila. Porém, àquela altura do século XVII, não havia no local
nenhuma povoação estável. Apenas a possível e anterior presen-
ça de uma aldeia guaianá nos arredores do paredão de pedra,
perpendicular ao rio, justamente nomeado pelos índios
Araritaguaba, “pedra onde as araras comem”. O local nunca foi
mais que um remanso modesto. Uma curva suave do rio, com o 10
paredão em atalaia e um pequeno descampado a servir de cais.
O enraizamento daquele ponto exato na condição de porto pare-
ce clamar por um motivo extra, uma razão complementar, perdi-
da dos registros disponíveis. Talvez possa ser esse motivo a fixa-
ção na localidade de um saber específico quanto à construção de
canoas e batelões, associado à concentração de árvores excep-
cionalmente corpulentas nos arredores.
Um evento ocorrido nas Minas Gerais del Rey seria, porém,
o fator decisivo para que o caminho das águas a partir do Arari-
taguaba tivesse seu uso intensificado. Foi a Guerra dos Emboa-
bas, de 1707 a 1709, motivada pelo fato de os paulistas, desco-
bridores e controladores daquelas minas, não aceitarem a pre-
sença dos que consideravam forasteiros, notadamente portugue-
ses, atraídos pela notícia dos achados. Eram mineradores, comer- 10 Paredão de rocha
ciantes e aventureiros à cata de qualquer oportunidade de enri- sedimentar no Parque das
quecimento, uma maré humana que não poderia ser contida. Monções, Porto Feliz.
Após uma série de assassinatos e combates entre as duas fac- Araritaguaba, “pedra onde as
ções, os paulistas perceberam a inutilidade dos esforços e perde- araras comem”, é o nome indíge-
na do paredão localizado junto
ram o controle das minas. O conflito teria fim com a interferên-
ao trecho do rio Tietê de onde
cia da Coroa, que desmembraria a Capitania de São Paulo e das partiam as monções, e que foi
Minas do Ouro, assumindo maior e mais direto mando sobre o primeiro nome da atual Porto
aquela região. Aos paulistas, caberia novo impulso explorador Feliz.

76 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


11

para compensar a perda. Tanto é que, nos anos seguintes, como


já referido, se encontram novos veios, desta vez em Goiás e
Mato Grosso.

Um rosário de martírios
Com a abertura das minas em Cuiabá firmou-se a navega-
ção fluvial a partir de Araritaguaba e abriu-se o período das
grandes monções propriamente dito. Por cerca de um século, ou
seja, da década de 1720 à de 1820, zarparam do tosco atraca-
douro expedições que, entre si, podiam se diferenciar quanto ao
porte: de meia dúzia de embarcações temerariamente agrupadas
até as 100 canoas da comitiva do ouvidor-geral Dr. José Gon-
çalves Pereira, em 1735. Ou mais ainda, como as 308 canoas que
conduziram o capitão-general de São Paulo, Rodrigo César de
Menezes e mais 3 mil acompanhantes, em 1726. Expedições
que também se diferenciavam quanto ao objetivo principal que
as movia. Algumas eram oficiais, chamadas reiúnas, e se destina-
vam à condução de autoridades designadas pela Coroa ou ao
transporte de tropas de linha e apetrechos de guerra para a nova
província mineral, além do escoamento dos impostos reais.
11 Representação da foz do Outras, a maioria delas, estabeleciam simplesmente a ligação
Piracicaba junto ao Tietê, de entre dois pontos da colônia e se destinavam ao inevitável trân-
Hercules Florence, 1826
sito de pessoas - mineradores, artesãos, comerciantes, clérigos,
O encontro dos rios Tietê e
mulheres -, de manufaturados e gêneros que as minas não pro-
Piracicaba foi um dos pontos da
rota das monções cuja exuberân-
duziam. E outras, ainda, a partir da década de 1760, supriam de
cia natural foi retratada pelos homens e armas a colônia militar do Iguatemi, a malsucedida
artistas da expedição científica fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, estabelecida pelo
russa comandada pelo barão governador da Capitania de São Paulo, o Morgado de Mateus,
Langsdorff, entre 1825 e 1829. no sul do Mato Grosso.
Terra Paulista: histórias, arte, costumes 77
12

78 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


13

12 e 13 “Partida de uma
expedição mercantil em Porto
Feliz para Cuiabá”, 1830 (à
esquerda), e representação
de acampamento (à direita),
ambas de Hercules Florence, c.
1825-1829.
As imagens realizadas pelo artista
francês Hercules Florence são os
mais minuciosos documentos
visuais das monções que ligavam
Porto Feliz a Cuiabá, detalhando
as embarcações, as roupas e os
tipos humanos dos viajantes.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 79


Qualquer que fosse a natureza de cada expedição ou o seu
tamanho, todas elas se igualavam num ponto: a rota penosa a
ser cumprida, que obedecia à seqüência dos rios Tietê, Paraná,
Pardo, Camapuã, Coxim, Taquari, Paraguai, Porrudos e Cuiabá,
sendo que a partir do Paraná a corrente era contrária quase sem-
pre aos navegantes, devendo ser vencida a remo. Um total de
531 léguas, ou 3.504 quilômetros, de Porto Feliz a Cuiabá.16
Listam-se aí rios de duas bacias hidrográficas, a do Paraná e a do
Paraguai. A ligação entre estas era feita no único trecho percor-
rido em terra: os 14 quilômetros do varadouro de Camapuã,
onde se fazia necessário arrastar as embarcações e sua carga,
por força de juntas de bois ou de braço humano, até o retorno
às novas águas, já rumando para os domínios pantaneiros.
O número de saltos, cachoeiras e corredeiras que se interpu-
nham aos viajantes ultrapassava a centena, mais de 50 deles
apenas no Tietê. Essa ocorrência fazia com que se somassem à
distância percorrida, por si só impressionante, os esforços das
inúmeras varações, o lento contornar dos trechos por demais
arriscados para serem navegados, arriando a carga nas margens,
abrindo picadas e conduzindo nos ombros as canoas, até novo
embarque rio abaixo. Sem esquecer outras mazelas, repetida-
mente descritas nas crônicas dos viajantes: o risco das febres, a
insalubridade das águas de certos trechos, a escassez de víveres,
o despedaçar constante das canoas lançadas contra as pedras, os
naufrágios, a ameaça permanente de insetos, feras e índios.

14

14 Mapa da rota das monções


entre Porto Feliz e Cuiabá.
Marcada por cachoeiras, correntes
contrárias, febres e ataques
indígenas, a rota das monções
entre Porto Feliz e Cuiabá levava
de quatro a seis meses para ser
cumprida, quase o mesmo tempo
necessário para navegar de
Portugal e a Índia.

80 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Além disso, a necessidade de organizar os pousos, ao final de
cada dia de jornada, limpando áreas próprias junto às barrancas
dos rios, estendendo-se redes, acendendo fogueiras, preparando
a comida, estabelecendo vigílias contra os perigos. Um rosário de
martírios, enfim, que revestiram aquelas viagens de uma justifi-
cada fama, cedo obtida e perpetuada depois de sua extinção.
Para o cumprimento desse roteiro, o tempo demandado podia
também variar, ficando à mercê do nível das águas e dos suces-
sos de cada expedição. Mas o trajeto de ida nunca ficava por
menos de quatro meses, podendo chegar a seis meses ou mais
ainda.17
Monção é palavra de origem árabe (mauasin, estação do
ano em que se dá determinado fato)18. Essa designação foi apli-
cada aos ventos característicos do Sudeste Asiático, onde os por-
tugueses, à custa de seu império marítimo, devem tê-la tomado.
De vento apropriado a uma navegação, figurativamente acabou
por designar a oportunidade da empreitada em si e, no caso bra-
sileiro, a própria empreitada. A conveniência da palavra prova-
velmente se ajustava à convicção de que determinado período
do ano, entre o final de março e o início de junho, com peque-
nas discrepâncias de um para outro viajante, era o mais adequa-
do à partida de uma expedição de Araritaguaba, valendo-se do
nível das águas ao longo dos rios, que facilitaria a jornada.
A decadência profunda das monções ocorre ainda no século
XVIII. O sargento-mor Teotônio José Juzarte, em 1769, anota no
seu Diário da Navegação do Rio Tietê, Rio Grande Paraná e Rio
Gatemi, que a navegação a partir de Porto Feliz “está hoje extin-
ta por seguirem estes comerciantes por terra pela Capitania de
Guaiazes, sendo que de antes por estes rios é que seguiam os
comerciantes para o Cuiabá e Mato Grosso, em cuja viagem gas-
tavam seis e mais meses”.19 É certo que, àquela altura, já se veri-
ficava o declínio das expedições, seja em função da decadência
da produção das minas, seja pela abertura e pelo uso da via ter-
restre, o caminho de Goiás. E também pela vantagem de, levan-
do-se os produtos por terra, ao se chegar ao destino poder ven-
der a tropa de mulas utilizada, obtendo ganho dobrado. Ainda
assim, a navegação, tanto a comercial quanto a de caráter oficial,
prolongou-se até a terceira década do século XIX, em intensida-
de suficiente para garantir a sobrevivência dos ofícios a ela perti-
nentes, incluídas as técnicas de construção das embarcações.
Foram as monções um fenômeno especialíssimo. Paulista,
exclusivamente. Com um saber específico, ofícios próprios (de
piloto, proeiro, camarada), lendas e ocorrências marcadas pelo
trágico ou pelo incomum. Navegações estáveis, repetidas, e
revestidas de um grau de audácia e temeridade que encontra
poucos paralelos na história do Ocidente.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 81


A poeira das tropas

A criação e o aproveitamento sistemáticos dos muares não


são privilégio da história paulista ou mesmo da brasileira. Antes,
constituem uma etapa da vida econômica de várias outras
regiões do mundo. Porém, o fenômeno que, no Brasil, tem o
nome de tropeirismo vem marcado por contornos próprios, nas-
cidos de uma conjuntura que é também social, geográfica e polí-
tica. Assim, torna-se cabível não considerar o tropeirismo apenas
uma ocorrência econômica, mas um sistema socioeconômico,
pelo viver específico que proporcionou e pelo impacto que exer-
ceu no desenvolvimento do país.
O surgimento da atividade tropeira tem raízes na descober-
ta do ouro em Minas Gerais, em fins do século XVII. A notícia do
achado das minas fez afluir para aquelas regiões uma impressio-
nante massa de aventureiros, provenientes de várias partes da
colônia e do além-mar. Vilas e povoados no litoral e no planalto
paulista esvaziaram-se de homens. Em Portugal, o governo viu-
se obrigado a emitir um decreto de proibição da vinda de pes-
soas às minas, porque algumas regiões ameaçavam se despo-
voar. Calcula-se que, mesmo assim, na primeira metade do sécu-
lo XVIII, cerca de 800 mil portugueses tenham atravessado o
oceano. Esse número representava quase a metade da população
do país à época, levando o Conselho Ultramarino a temer que,
em pouco tempo, a colônia viesse a ter “tantos vassalos brancos
como tem o reino”.20 Esse súbito crescimento populacional,
numa região que se viu semeada de vilas e arraiais, gerou ime-
diatamente uma crise de abastecimento de gêneros alimentícios,
ferramentas, roupas, armas, munição e inúmeros itens, cuja pro-
dução a província mineral não podia ou não queria suprir. De iní-
cio, o transporte desses bens deu-se à custa do índio e do negro.
Isso, porém, logo se revelou inadequado e insuficiente para a
demanda de transporte, porque exigia grande número de indiví-
duos e estes tinham alto preço no mercado de escravos.
Igualmente, o carro de boi, tão útil na zona canavieira do litoral,
era impraticável nos terrenos montanhosos e nos caminhos pre-
cários do interior.
A solução foi encontrada nos campos meridionais, onde,
durante o século XVII, os missionários, especialmente jesuítas,
foram praticamente os únicos colonizadores. Vastas áreas que se
estendem a partir da banda esquerda do Prata, no atual Uruguai,
e que avançam pelo Rio Grande do Sul, tinham abrigado as mis-
sões onde se recolheram os guaranis (Província do Tape) e haviam
sido batidas por bandeirantes preadores de índios. Permaneciam
imensos vazios nas campinas que se estendiam desde as proximi-
dades do litoral até a margem esquerda do rio Uruguai, conheci-

82 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


15

das genericamente como sertão da Vacaria, onde manadas incon-


táveis cresciam livres. Gado bovino, eqüino e muar, proveniente
dos rebanhos perdidos por jesuítas, índios, portugueses e caste-
lhanos, multiplicando-se pelas excelentes condições naturais de
pastagem. Dali viriam os muares que, pelos registros coloniais,
eram muito escassos em São Paulo até o início do século XVIII. A
mula, animal híbrido, resultado do acasalamento do jumento com
égua, de força e resistência excepcionais, apareceu como respos-
ta às necessidades da época. Num curto transcorrer de tempo os
paulistas perceberam a situação de demanda criada com as minas
e a nova possibilidade de ganho e de vida: conduzir para os
15 Mapa das principais rotas
núcleos povoados as tropas que abundavam ao Sul. Apesar da
tropeiras entre o Rio Grande predominância de paulistas, sobretudo na fase pioneira do tropei-
do Sul e Sorocaba. rismo, fluminenses, mineiros e até baianos mais tarde passaram a
Ligando os pampas gaúchos à ser encontrados no negócio das tropas.
feira de Sorocaba, as rotas das Esse mercado ampliou-se rapidamente com a abertura de
tropas de muares foram a princi- regiões mineradoras também em Mato Grosso e Goiás. Nem
pal ligação terrestre entre as qua- mesmo a decadência da produção aurífera viria a diminuir o inte-
tro províncias meridionais
resse pelos muares, porque já estavam firmados os núcleos popu-
durante o século XIX e um estí-
mulo econômico fundamental lacionais que, independentemente do ouro, tinham suas necessi-
para as muitas cidades e vilas dades de abastecimento e transporte. Indo além, na segunda me-
localizadas em seu percurso. tade do século XVIII, um “renascimento” agrícola se verificaria,

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 83


sobretudo em São Paulo, com a cultura canavieira a exigir lombos
para o transporte do açúcar. E, pouco adiante, seria o café, já no
século XIX, que também reclamaria tropas e mais tropas para o
encaminhamento das sacas aos portos. Portanto, uma sólida se-
qüência de momentos econômicos encadeou-se, na porção cen-
tral do Brasil, de forma a reclamar a presença de centenas de
milhares de animais para garantir sua viabilidade.

Caminhos do Sul
O primeiro caminho das tropas foi aberto em meio às antigas
disputas entre Portugal e Espanha pelo domínio das terras vizi-
nhas ao rio da Prata. Os portugueses fundaram, em 1675, a vi-
la litorânea de Laguna, em Santa Catarina, e, em 1680, a colônia
fortificada do Sacramento, nas margens do Prata, quase defronte
a Buenos Aires. A estratégia, depois, seria penetrar no território
interior, existente entre Laguna e Sacramento. Foram feitas pilha- 16
gens das manadas da Vacaria e instaladas estâncias particulares
próximas ao litoral do Rio Grande do Sul. Essa área receberia o
nome de Campos do Viamão, pela existência de um promontório,
próximo à atual cidade de Viamão, de onde se tinha a visão do
estuário do rio Guaíba. Em 1728 o governador da Capitania de
São Paulo, Caldeira Pimentel, determinou ao militar Francisco de
Souza Faria o estabelecimento de uma picada a partir do Viamão
(a Vacaria do Mar), subindo a serra Geral e chegando aos campos
da chamada Vacaria dos Pinhais. Dali, o caminho traçado seguia
até Curitiba, a vila mais meridional no interior, e se incorporava
ao trecho já existente, de Curitiba a Sorocaba. Nascia o Caminho
de São Paulo ao Viamão, ou simplesmente Caminho do Viamão.
Em 1732, esse caminho foi retificado, desviando-se um pouco
mais para oeste, e se consolidou, com a passagem de 3 mil cabe-
ças de mulas e burros, a primeira tropa a atingir São Paulo. Estava
inaugurado o Caminho do Sul, com quase 1.500 quilômetros, de
extraordinária importância na história brasileira.21
Mais tarde, para buscar novos estoques de gado a oeste, os
tropeiros passaram a dobrar à esquerda, na altura de Lages, em
Santa Catarina, até a região das Missões, passando por Vacaria,
Passo Fundo e Cruz Alta. A partir dali, outro caminho subia até 16 Representação de um
entroncar-se com o Caminho do Viamão, na altura de Ponta paulista, de Jean-Baptiste
Grossa, no Paraná. Essa nova rota, que não desativou a primei- Debret, 1825.
ra, tomou o nome de Estrada das Missões. O poncho e o chapéu de abas
As estradas seguidas pelos tropeiros, apesar de atravessarem largas eram as vestimentas que
campos naturais, de trânsito ameno, incluíam dificuldades terrí- mais caracterizavam os tropeiros
paulistas, motivo pelo qual apare-
veis, como trechos de mata fechada, atoleiros e despenhadeiros
cem freqüentemente nos
que provocavam ferimentos ou a morte dos animais, chuvas inten- numerosos retratos realizados
sas, ataques de saqueadores, índios (como os xocréns, os coroa- pelos pintores viajantes da
dos e os kaingangs) e animais ferozes. Os caminhos obrigavam primeira metade do século XIX.

84 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


17

17 “Tropeiros pobres de S.
Paulo”, de Jean-Baptiste Debret,
1823.
Os camaradas, vestidos de
maneira muito mais simples que
os senhores, cuidavam não apenas
dos animais, mas igualmente das
cargas, levadas em bruacas de
couro impermeável ou em jacás,
recipientes tecidos com fibras
vegetais.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 85


18

18 “Limite da província de São


Paulo com Curitiba”, de Jean-
Baptiste Debret, 1827.
Os tropeiros e as mulas foram
personagens recorrentes nas prin-
cipais estradas que atravessavam
o território paulista durante os
séculos XVIII e XIX.

86 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


também a travessia de muitos rios e a utilização de balsas impro-
visadas para vencer os leitos mais largos, ou quando se encontra-
vam pontes danificadas. O viajante francês Auguste de Saint-
Hilaire percorreu 28 léguas do caminho tropeiro entre Itapetininga
e Itararé, em 1820. Não era, de modo algum, o trecho pior. Mas,
mesmo assim, o sábio anotou em seu diário que a chamada
Estrada Real era “horrivelmente má, traçada unicamente, em cer-
tos trechos, pelas patas dos animais, que eram obrigados a cami-
nhar premidos pelas árvores”.22 Essas tropas que vinham do Sul
eram, em sua maioria, “xucras”, de gado que, a partir da feira de
Sorocaba, seria conduzido em lotes para outras regiões do Brasil.
O outro tipo era o das “tropas de carga” ou “cargueiras”, de ani-
mais já domados que, em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro
e tantas outras partes, transportavam gêneros diversos.

A cultura tropeira
O negócio de comprar e vender muares, bem como o percor-
rer repetido dos caminhos, criou hábitos, técnicas e procedimentos
específicos para o ofício. Este, aliás, se subdividia, de acordo com
os diferentes personagens que abrigava. Por tropeiro deve-se
entender o patrão, o dono da tropa, aquele que assumia a inicia-
tiva do negócio, fosse de venda das bestas, fosse de transporte
de cargas. Elemento que cumpriu papel notável no interior do
Brasil, para além de sua função primeira, porque era também o
intermediário de outros negócios, o transmissor de notícias, o
responsável pelas novidades, avisos, recados, modas, até o con-
selheiro de muitos fazendeiros em vários empreendimentos. Era,
no dizer de Mafalda Zamella, um “verdadeiro traço de união
entre centros urbanos afastados”.23
O dono de tropa era personagem que, apesar de manter
muito de sua rusticidade inicial, estava na maioria das vezes
fadado à ascensão social e econômica. Os ganhos vindos dessa
atividade proporcionaram, a muitos deles, a compra de terras e
a aplicação de capitais em outras atividades econômicas. A
região da Lapa, no Paraná, forneceu os dois melhores exemplos
de fortunas e prestígio adquiridos graças ao tropeirismo.
Viveram ali - e foram sócios - o sargento-mor João da Silva
Machado, que comprava animais no Rio Grande do Sul e nos
Campos Gerais; e Antônio da Silva Prado, que os vendia na feira
de Sorocaba. Ambos ricos capitalistas, viriam a se engrandecer
na sociedade do Império, recebendo os títulos, respectivamente,
de barão de Antonina e barão de Iguape. Também ligados àque-
la atividade foram o barão dos Campos Gerais, o de Tibagi, o de
Guaraúna e o visconde de Guarapuava, todos no Paraná.
Realidade diferente viviam os outros personagens do tropei-
rismo: o capataz ou condutor, homem de confiança do tropeiro

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 87


19

19 “Arredores de Silveiras
entre Areias e Lorena”, de
Thomas Ender, 1817.
Importante centro de tradições
tropeiras, a atual cidade de
Silveiras mantém costumes herda-
dos das antigas rotas de muares,
que já atravessavam suas terras
desde o início do século XIX.

88 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


20

20 “Rancho em Mineiros a
duas milhas de Lorena...”, de
Thomas Ender, 1817.
Os pousos de tropeiros faziam
parte da paisagem do Vale do
Paraíba paulista tanto quanto dos
caminhos ao sul de Sorocaba.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 89


90 Terra Paulista: histórias, arte, costumes
21

21 “O rancho da Fazenda dos


Negros a três milhas de
Areias...”, de Thomas Ender,
1817.
Simples estruturas arquitetônicas
compostas de telhados de duas
águas normalmente sem paredes,
os ranchos ou pousos de tropeiros
serviam tanto para o descanso e
alimentação quanto para a
manutenção das tropas.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 91


22

23

92 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


24

22, 23, 24 e 25 “Sela paulis-


ta”, “Selas de montaria pau-
lista”, “Correia junto com as
rédeas etc. de um paulista”,
“Jumento com sela”, de
Thomas Ender, c. 1817/1818.
Correias, selas e arreios paulis-
tas espalharam-se do Rio de
Janeiro ao Rio Grande do Sul,
acompanhando os tropeiros
que repassavam bestas para
outras localidades, que trans-
portavam o café do vale-parai-
bano para os portos do litoral
fluminense ou o açúcar do
Oeste Paulista para o porto
de Santos.

25

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 93


(que, muitas vezes, sequer seguia com os animais); os camara-
das, que iam a pé, em precárias condições; os cozinheiros e
aprendizes, responsáveis pela alimentação ou arrumação do
acampamento. Estes eram, em geral, assalariados e, muitas
vezes, pagos em gêneros. Constituíam a massa de peões, que
“só participava da riqueza gerada mediante a comida e o mísero
salário daqueles tempos. Eram os que mais se arriscavam e os
que menos ganhavam”.24
As características da caminhada determinaram o uso disse- 26

minado do poncho, muito amplo, que chegava a cobrir até parte


do corpo do animal, e que era vestimenta comum de São Paulo
ao Rio Grande do Sul. O poncho defendia o viajante do frio, pro-
tegia o dono e suas armas da chuva, fazia às vezes de coberta ou
barraca improvisada. Quando era mais curto, o poncho ganhava
o nome de pala. Para a cabeça, chapéus de feltro, de copa baixa,
com abas largas e flexíveis. As camisas e as ceroulas eram de 27
algodão. Uma calça e um colete podiam completar o traje, além
das botas de cano longo. Não foi raro, porém, o uso de esporas
atadas por tiras de couro aos pés descalços. Quando se tratava
dos camaradas, os peões, a roupa se simplificava em muito,
ficando nas poucas peças essenciais, em algodão grosseiro, teci-
do em Sorocaba. No caso dos gaúchos, mas influenciando tam-
bém os paulistas, houve o uso do chiripá, um pedaço de tecido
grosseiro (baeta), passado por entre as pernas e amarrado ao 28

redor do corpo, da cintura para baixo, como um saiote, em cujas


dobras se acomodavam vários pequenos objetos e pedaços de
fumo. Mais tarde, a bombacha, calça larga, viria a substituir o
chiripá.
A tralha das tropas incluía o arreio dos animais, sela ou
“lombilho completo”. E as bruacas (caixas de couro), que se ajus-
tavam às cangalhas das bestas de carga. Ali se acomodava o bem
transportado para uso da tropa, os utensílios de cozinha, pratos,
colheres, caldeirões, chocolateira, canecas. A alimentação era,
forçosamente, simples. A constância da carne seca se devia à
dificuldade de conservar a carne fresca nas longas viagens. E da
conveniência de compensar a escassez do sal. No mais, feijão,
fubá, farinha de milho e mandioca, café e açúcar. Refeições sim- 26, 27 e 28 Peitoral,
plificadas, cozidas no trempe, a armação tripé de onde pendiam canecos e chapas de alpaca,
as vasilhas, em fogo aceso no chão. Feijão já cozido de véspe- Guaratinguetá.
ra para uso na parada seguinte, num procedimento que, por Caneco, cincerro ou sineta são
sinal, repete aquele que se usava nos pousos das monções. nomes dos sinos de metal presos
Cozinha rápida, que faria nascer o prato símbolo daquelas jorna- ao peitoral da mula-madrinha,
artefatos antigos que, como as
das, o feijão-de-tropeiro.
chapas metálicas de “Santo
A marcha se dividia em caminhadas, que eram os percursos Antônio”, ainda são preservados
vencidos a cada dia, em extensões variáveis conforme o destino nas cidades paulistas de passado
e a procedência da tropa. Marchavam de poucas dezenas a tropeiro.

94 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


várias centenas de animais, camaradas atentos a cada lote, e
sempre a madrinha ou madrinheira à frente, a mula garbosa,
enfeitada com pluma, fitas e um cincerro ao pescoço, conduto-
ra da tropa. A passagem constante das comitivas foi consagran-
do determinados lugares como pontos de pouso, os quais se
planejava atingir ao findar a tarde. Esses pousos, quando não
ocorriam em descampados, ao abrigo apenas dos próprios
arreios e tralhas, agrupados em círculo, podiam ser em simples
ranchos, que não passavam de barracões extremamente toscos.
Também havia pousos nas proximidades das vendas, casebres
rudimentares com mercadorias básicas que abasteciam os tro-
peiros passantes. As vendas maiores podiam oferecer diversida-
de de mercadorias, como tecidos, artigos de selaria, ferramen-
tas. Houve ainda ranchos e vendas ligados a fazendas, que per-
mitiam e até incentivavam a passagem e o pouso das tropas,
sendo comum que rancho, venda e fazenda pertencessem à
mesma pessoa.
Nas proximidades dos pousos surgiam com freqüência as
palhoças e suas roças destinadas à subsistência e ao fornecimen-
to das tropas. Com a prosperidade de um pouso ou uma venda,
podia se formar um aglomerado de casas, um povoado, que ten-
dia ao desenvolvimento, até ganhar a condição de vila e, mais
tarde, de cidade. Foi o processo que, naqueles caminhos, substi-
tuiu a origem religiosa dos núcleos urbanos pela origem tropeira.
Localidades que, em vez de terem a capela original e a praça cen-
tral como berço, tiveram o pouso ou a ponte. Cidades onde, co-
mo observa Aluísio de Almeida, a igreja só nasceu mais tarde, e
que, ainda hoje, têm uma rua principal ou destacada na posição
exata em que passava a estrada das tropas.25 Nessa condição de
cidades nascidas do movimento tropeiro, ou com seu desenvolvi-
mento intimamente ligado a ele, estão, entre muitas outras,
Sorocaba, Itapetininga, Itapeva, Itararé e Buri em São Paulo; Sen-
gés, Castro, Carambeí e Lapa no Paraná; Lages, Passa Dois e Cha-
pecó em Santa Catarina; Viamão, Cruz Alta, Santa Vitória, Bom
Jesus, Vacaria e Santo Antônio da Patrulha, no Rio Grande do Sul.
Além do cordão de fazendas, vilas e cidades estendido pelo
caminho do gado, fez-se notar a presença governamental, atra-
vés dos locais em que o fisco arrecadava seus impostos, os cha-
mados Registros, em Santa Vitória, no Rio Negro, em Curitiba,
em Sorocaba. As tropas ficavam sujeitas ainda às portagens,
locais onde se pagava para a travessia de pontes ou o uso de
barcas. Evidentemente, esses ônus incentivavam o contraban-
do, a fuga dos registros oficiais. Mas o negócio era altamen-
te lucrativo. Na segunda década do século XIX, o preço de um
muar no Rio Grande do Sul oscilava entre 1 e 2 mil réis, a depen-
der do animal, e chegava a 27 mil réis em Sorocaba. Desse valor,

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 95


29

descontava-se cerca de 3 mil e tantos réis de impostos, passa-


gem de rios, salários e outras despesas. O restante, portanto,
configurava um lucro notável.

A feira dos tropeiros


Sorocaba foi, inegavelmente, a capital do tropeirismo. A
cidade chegou a essa condição por um conjunto de fatores pro-
pícios, a começar de sua localização, como boca de saída natu-
ral para as regiões meridionais. Para quem subia do sul, Soro-
caba era também o local ideal de entroncamento de caminhos,
fosse para o noroeste, no rumo de Goiás e Mato Grosso, fosse
para as Minas Gerais, ao norte, fosse para a capital paulista e,
dali, o Vale do Paraíba e o Rio de Janeiro. Junto à vila estava o
rio Sorocaba, que funcionava como obstáculo ao avanço das tro-
pas e facilitava os trabalhos de cobrança dos impostos. Já nos
arredores, estendiam-se vastos campos que ofereciam pastagem
e espaço conveniente para milhares de animais.
A feira de Sorocaba surgiu ao findar o século XVIII. A che-
gada das tropas para comercialização ocorria a partir do mês de
dezembro, tomando corpo em fevereiro e março. Havia bois e
cavalos em trânsito para o Rio e Minas, ou mesmo à venda, mas
o movimento quase total era de fato em torno dos muares, con-
tados anualmente às dezenas de milhares. O auge daquela feira 29 “Cidade de Sorocaba”,
anônimo, c. 1840-1845.
ocorreu nas décadas de 1850-1860, quando o número de bestas
Depois de viajarem centenas de
comercializadas ficava em torno de 100 mil por ano.
quilômetros em estradas muitas
Com a feira, Sorocaba se transformava. O comércio subita- vezes perigosas, as tropas de
mente multiplicava-se por todos os cantos disponíveis, aflorando mulas chegavam a Sorocaba, sede
as lojas de secos e molhados, de ferramentas, de tecidos, de toda da mais importante feira de
sorte de produtos de grande necessidade ou bugigangas trazidos muares do Brasil.

96 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


de fora. Os botequins e as tavernas fervilhavam. As ruas, as fazen-
das e os acampamentos eram percorridos pelos mascates, apelida-
dos de “cometas”. Dentistas, relojoeiros e ourives ofereciam seus
préstimos, com destaque para os artesãos de artigos para monta-
ria, como estribos, esporas, cabos de relho e as célebres facas de
prata. Instalavam-se os circos de cavalinhos, os teatros populares,
os retratistas e homens do realejo. Abundavam as prostitutas, os
jogadores do baralho, os vadios atraídos pela efervescência da
feira. E, em meio a todo esse movimento, iam-se fechando os
negócios, nos arredores. Animais magros, gordos, vistosos, aca-
nhados, eram escolhidos em lotes. Os interessados faziam girar a
tropa imensa e, a um grito, determinavam o corte que interessa-
va. O contingente escolhido era encaminhado à região de destino.
A feira de Sorocaba começou a declinar a partir da década
de 1860. A última realizou-se em 1897. A implantação da malha
ferroviária no Sudeste tornou-a desnecessária, assim como levou
o próprio tropeirismo à decadência. É certo que ainda na década
de 1940 o muar representava o meio de tração mais importante
de muitas regiões do Brasil, nas quais o transporte ferroviário
ainda não se tinha desenvolvido. Mesmo em áreas de São Paulo,
como o Vale do Paraíba, os cargueiros - designação aplicada às
tropas de transporte de mercadorias - ainda se faziam ver em
décadas avançadas dos anos 1900. Mas, naqueles meados do
século XX, outro Brasil estava nascendo, o do caminhão e das
estradas de rodagem, que viriam selar definitivamente o final de
uma era e o desaparecimento dos últimos tropeiros.

Os frutos do caminhar

Os três fenômenos aqui apreciados - o bandeirantismo, as


monções e o tropeirismo -, se observados no conjunto que for-
mam, enquanto atividades intimamente ligadas à vida paulista
ao longo dos séculos, oferecem um notável rol de resultados, de
frutos diretos ou indiretos, a pontuar a vida política, econômica
e cultural de vastas regiões do Brasil.
A primeira e mais óbvia conseqüência desse caminhar conti-
nuado foi a expansão das manchas de povoamento, por força da
ocupação do território, a partir das regiões emissoras de homens,
no planalto piratiningano e nos vales do Paraíba e do Tietê. Seja
como derivação de roças bandeiristas, de arraiais de mineração, de
sesmarias colonizadas, de pouso de tropas ou de vendas, é imensa
a lista de povoados, freguesias, vilas e, mais tarde, cidades, nasci-
das todas do andar dos paulistas. Focos de civilização cuja sobrevi-
vência, por sua vez, exigiu a consolidação das rotas em cujas mar-
gens eles surgiram. Rotas ditadas pela necessidade, por aquele

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 97


senso prático do “buscar remédio”, e que acabaram se converten-
do em carreadores futuros de outras levas de povoadores, de mer-
cadorias, de animais, de novos negócios. É o caso, por exemplo,
do caminho terrestre para Goiás e Mato Grosso, aberto no século
XVIII, como alternativa para o caminho das águas. Inicialmente,
um caminho ditado pelas demandas da mineração, naquelas ban-
das, mas rapidamente tornado em caminho para lucrativo negócio
de tropas de muares, para o comércio em geral e, também, para a
expansão da pecuária bovina nas terras centrais do país.
Esse panorama de localidades, rotas, atividades econômicas
e práticas culturais enfeixadas por uma origem comum, ou, ao
menos, por motivações iniciais relacionadas entre si e desfecha-
das a partir de São Paulo, constitui a Paulistânia, em seu largo es-
pectro territorial e temporal. E é certa também a implicação polí-
tica desse movimento continuado, especialmente ao fornecer as
condições para uma ocupação efetiva do território, que seria
argüida pelo governo português, já na segunda metade do sécu-
lo XVIII, ao negociar com os espanhóis os tratados de fronteiras.
Portugal alegou o princípio jurídico do uti possidetis, aquele que
confere a propriedade a quem se antecipou na posse. E essa pos-
se, no caso de boa parte das imensas regiões incorporadas ao ter-
ritório luso-brasileiro, foi derivada das atividades inicialmente pro-
jetadas a partir de São Paulo.
Para além dos contornos geográficos e políticos, resta ainda
observar a ocorrência de atividades econômicas outras, tornadas
possíveis por aqueles fenômenos de mobilidade iniciais, nascidas
aliás, como frutos legítimos e diretos de tais impulsos. Assim é que
a descoberta das minas fez florescer o comércio interno, fez des-
pontar camadas intermediárias da população, voltadas ao abaste-
cimento dos núcleos populacionais crescidos no sertão. E possibi-
litou, por essa via, um intercâmbio de pessoas, bens, valores,
informações, entre regiões que, até então, se mantinham segrega-
das umas das outras. E foi o capital gerado pela mineração, quan-
do não pelo comércio em torno desta, que possibilitou, a partir de
meados do século XVIII, o florescimento agrícola, especialmente
em São Paulo, com o advento das grandes fazendas e dos enge-
nhos voltados à cana-de-açúcar e, em escala menor, a outros pro-
dutos. Dinheiro vertido do ouro para a lavoura. Como do tropei-
rismo nasceriam também as já citadas fortunas, ou ao menos os
capitais necessários para que, também por aquela via, se possibili-
tasse o desenvolvimento de outras atividades econômicas.
Momentos de mobilidade, enfim, espalhados ao longo do
tempo, e a gerar outros momentos, inclusive os sedentários. Co-
mo a confirmar a idéia de que, para acasalar-se à terra, deitar
raízes e florescer numa estável abundância, foi antes necessário
caminhar. Um longo caminhar.

98 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


30

30 Mapa com extensão


máxima da Capitania de
São Paulo.
Séculos de movimento no territó-
rio americano acabaram por
transformar a capitania paulista
na matriz de nove dos atuais esta-
dos brasileiros, que foram pouco
a pouco desmembrados, fragmen-
tando assim a chamada
“Paulistânia”.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 99


Notas

1 Segundo Pero de Magalhães sem o sertão”. Cf. Leite de 14 O relato descreve um combate
Gandavo, por volta de 1570 Barros. Op. cit., p. 30. de seis horas de duração, atri-
havia em São Vicente apenas 8 HOLANDA, Sérgio Buarque de. buindo à tropa de Tavares o
quatro engenhos de açúcar, Raízes do Brasil. São Paulo: incêndio da igreja da missão e
enquanto que eram 23 em Companhia das Letras, 1998, a morte violenta dos adultos e
Pernambuco, dezoito na Bahia p. 131. das crianças que buscavam
e oito em Ilhéus. Em 1583 o 9 ALCÂNTARA MACHADO. Vida fugir das chamas.
Padre Fernão Cardim registra a e morte do bandeirante. Belo 15 A serra dos Martírios era aquela
existência de 115 engenhos no Horizonte: Itatiaia; São Paulo: que, pela crença comum dos ser-
Brasil, não mencionando um Edusp, 1980. tanistas, apresentava ao longe as
único em São Vicente. 10 Segundo Jaime Cortesão, em formas da coroa de espinhos e
2 Maniçoba foi instalada em sua Introdução à história das dos cravos que martirizaram Je-
1553, em local não precisado, bandeiras, esses termos tam- sus de Nazaré, esculpidos em
na região ituana, e sobreviveu bém eram indistintamente apli- seus contornos de rocha, e se re-
por menos de um ano. Os cados para designar as expedi- velaria prodigiosa em metais pre-
superiores de Nóbrega e as ções saídas de outros pontos ciosos. O Sabarabuçu seria, na
autoridades de São Vicente da colônia, como aquelas que narrativa dos índios, outra serra
eram contrários a seus planos seguiram pela bacia Amazôni- de prata maciça, escondida em
de avançar a catequese em ca, por exemplo. Lisboa: Portu- algum ponto dos sertões. Duas
terras espanholas. gália Editora, 1964. entre tantas outras narrativas
3 LEITE DE BARROS, Gilberto. A 11 São palavras de Cassiano Ri- fantásticas que versavam sobre
cidade e o planalto. Tomo I. cardo, que em sua obra julga a terra desconhecida.
São Paulo: Martins, 1967, p. 7. oportuno comparar as bandei- 16 Conforme os cálculos do Dou-
4 A esse respeito, ver a tese de ras à organização aristocrática tor Francisco José de Lacerda e
livre docência de Nilo Garcia, dos engenhos de açúcar, Almeida, em diário de viagem
pela então Universidade do achando que aquelas se con- anotado no ano de 1788.
Distrito Federal, no Rio de Ja- trapunham a esses, pelo espíri- 17 A fonte básica para conheci-
neiro, datada de 1956: Acla- to democrático. mento do tema são os Relatos
mação de Amador Bueno: in- 12 “Sai, senhor, esta gente em Monçoeiros, de Afonso de Tau-
fluência espanhola em São tropas, umas de 100 portu- nay, que abordou o papel do
Paulo. gueses e quase 1.000 índios, Tietê na conquista territorial
5 Constante na correspondência outras de 60 portugueses e luso-brasileira em Na era das
do governador de Pernam- 900 índios, e outras com mais bandeiras. Depois, tratou as
buco, Melo e Castro, com a ou menos gente para capturar monções como prolongamento
administração de Lisboa, a índios...” (...) “quase todo o do bandeirismo, dedicando aos
respeito das pretensões do ano fora porque mal chegam tempos pioneiros de Mato
bandeirante Domingos Jorge de uma viagem, partem para Grosso o tomo décimo da sua
Velho, de permanecer com sua outra...”. Trechos da carta de História geral das bandeiras
gente nas terras tomadas Manuel João Branco, chamado paulistas, concluído em 1948.
dos negros do Quilombo de pelos jesuítas espanhóis de Já na segunda parte do tomo
Palmares. Manuel Juan de Moraes, o que XI, Taunay aborda as monções
6 LÉRY, Jean de. Viagem à Terra levou Jaime Cortesão a consi- cuiabanas do século XVIII. De-
do Brasil. Rio de Janeiro: Bi- derá-lo um provável agente pois de condensados os onze
blioteca do Exército, 1961. infiltrado pela Coroa espanho- volumes em três, em 1951, foi
7 Em documento datado de la entre os paulistas. dado ao terceiro volume o
1640, os vereadores da Câma- 13 Expressões encontradas em nome de Relatos monçoeiros.
ra de São Paulo de Piratininga inventários seiscentistas, exa- 18 Cf. o Novo dicionário da lín-
reconheciam textualmente “os minados por Alcântara Ma- gua portuguesa, de Aurélio
moradores não poderem viver chado. Op. cit. Buarque de Holanda Ferreira.

100 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


19 JUZARTE, Teotônio José. In: 21 Esse caminho recebeu tam- XVIII, cf. José Alípio Goulart.
Relatos monçoeiros, com in- bém, ao longo do tempo, os Op. cit.
trodução, coletânea e notas de nomes de Estrada de Soroca- 24 MATTOS, Mário. Fases de
Afonso de Taunay. São Paulo: ba, Estrada das Tropas, Estrada prosperidade e de declínio do
Livraria Martins Editora, 1953, do Sertão, Estrada do Sul, tropeirismo. Sorocaba, SP:
p. 218. Estrada Real e Estrada do Academia Sorocabana de Le-
20 Documento de 1732, recolhi- Viamão. tras e Fundação Ubaldino
do à Biblioteca de Évora, cita- 22 In: Viagem ao Rio Grande do Amaral, 1984.
do por José Alípio Goulart. In: Sul (1820 - 1821). São Paulo: 25 ALMEIDA, Aluísio de. Vida e
Tropas e tropeiros na formação Nacional, 1939. morte do tropeiro. São Paulo:
do Brasil. Rio de Janeiro: 23 O abastecimento da Capitania Livraria Martins, 1971.
Conquista, 1961, p. 23. de Minas Gerais no século

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 101


São Paulo moderno: açúcar e café,
escravos e imigrantes
Maria Daniela B. de Camargo

ntônio Raposo Tavares, Fernão Dias, Manuel da Borba Gato -


muita gente conhece os nomes, e as realizações, desses bandeiran-
tes dos séculos XVII e XVIII. Quando se avança para o século XIX,
porém, já não há bandeirantes. Uma figura emblemática dos pau-
listas de boa parte desse período poderia ser a de Francisco de Assis
e Oliveira Borges, visconde de Guaratinguetá. Após contrair matri-
mônio, ele iniciou seus negócios com uma loja de fazenda seca
(1826). Em 1829 já era proprietário de terras cafeeiras cultivadas
por nove escravos e, “aderindo a um ramo de comércio que está
na origem de muitas fortunas paulistas e fluminenses, tropeia,
comprando e revendendo bestas bravas, indo buscá-las no grande
entreposto que é Sorocaba”.1 Ao morrer, em 1879, era um dos
grandes proprietários de fazendas de café do Vale do Paraíba.
A trajetória desse comerciante/tropeiro/cafeicultor enobrecido
sintetiza alguns aspectos do desenvolvimento socioeconômico pau-
lista. A começar pela importância do comércio de bestas de carga
no processo de acumulação de capitais. Observa Sérgio Buarque de
Holanda: “As classes abastadas recrutam-se de preferência no meio
dos tropeiros, mais do que entre lavradores e senhores de enge-
nho”.2 Ele acrescenta que, ao se investigar “as origens das maiores
dinastias canavieiras e cafeeiras do século XIX, o que se encontra
em São Paulo é, com poucas exceções, um negociante ou um sol-
dado, não raro uma coisa e outra, às vezes algum advogado ou
magistrado, europeus de preferência ou então brasileiros da pri-
meira geração, que firmaram sua posição casando com filha da
terra e aplicando a renda em bens fundiários”. 3
A terra, obtida em sua maior parte por meio da posse, era
utilizada para o cultivo de gêneros de subsistência. Para o seu
acúmulo “fundamental papel tiveram as alianças familiares que
possibilitaram a gradativa interligação destas famílias, através de
uma rede de parentesco, que também levou a uma maior con-
centração de bens”.4

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 103


1

As fortunas eram medidas pelo acúmulo de escravos, terras, imóveis


e outros itens. Ana Sílvia Volpi Scott dá indicações de que esses patrimô-
nios, que se multiplicariam no período do café, eram iniciados com lavou-
ras de subsistência e número reduzido de escravos, mas poderiam
aumentar com laços matrimoniais e com a diversificação das atividades,
sobretudo mercantis: “tropeirismo, produção de açúcar, e negócios de
fazenda seca, em muitos casos levaram os elementos que a elas se dedi-
cavam a passar no final do período analisado (1836) às atividades centra-
lizadas na produção de café”.5
O terreno em que floresceram as iniciativas do visconde de
Guaratinguetá começou a ser preparado aproximadamente entre
1780 e 1820. Nesse período, foram desenvolvidas atividades
fundamentais para que em São Paulo se firmasse uma elite agrá-
ria, rica e influente, e uma territorialidade cujos desdobramentos
desembocariam na atual configuração do estado.
Ao contrário do que ocorreu no Nordeste, onde o domínio
das exportações agrárias se deu já no início da colonização, São
Paulo somente terá uma elite rural exportadora a partir do culti-
vo da cana-de-açúcar, na segunda metade do século XVIII, e da
posterior lavoura do café. Mas isso não significou pobreza ou
estagnação.
Marcado pelo esgotamento dos veios auríferos em Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso, esse período conheceu em São
Paulo grande mobilidade econômica, que no entanto se desen- 1 Vista do alto da Serra do
volvia às margens dos projetos metropolitanos de exploração. Mar, de Hercules Florence, 1825.
Cresceu o comércio interno de gêneros de subsistência, ao qual Inaugurada no início da década
se dedicaram vilas vale-paraibanas e do Médio Tietê. Esse pro- de 1790 e revestida com pedras, a
cesso permitiu um acúmulo econômico inicial. Observa Scott: calçada do Lorena foi a primeira
estrada pavimentada a vencer a
“indivíduos começaram a acumular bens e escravos por meio da
Serra do Mar, facilitando o
agricultura de subsistência, para depois partirem para a produ- tráfego de muares carregados de
ção de gêneros de exportação ou se dedicarem a atividades liga- açúcar produzido no interior
das ao tropeirismo”.6 paulista para o porto de Santos.

104 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Isso significa que tanto os senhores de engenho paulistas
quanto seus sucessores, os barões do café, mantiveram laços
com outras atividades econômicas. Em outras palavras, a lavou-
ra canavieira não representou, isoladamente, o fator de forma-
ção da acumulação que se desdobrou na riqueza ampliada pelo
café. O açúcar paulista teve seus recursos retirados dessa dinâ-
mica de atividades comerciais anteriores. E se desenvolveu como
contraponto ao comércio, que ocupou papel secundário em face
do poder político e social exercido pelos latifundiários do Brasil
Colônia e Império. São esses aspectos da história, da economia
e da sociedade de São Paulo que serão abordados a seguir.

O açúcar volta a São Paulo

Depois da estagnação da incipiente lavoura canavieira em


São Vicente durante o século XVI, a produção do açúcar para
exportação foi abandonada, sendo o restante dela destinado ao
consumo local, inclusive sob a forma de aguardente. Distantes
da civilização do açúcar que florescia no Nordeste, os paulistas
voltaram-se para outras atividades.
A segunda metade do século XVIII assinalou o esgotamento
das minas e o conseqüente declínio da mineração. Segundo Caio
Prado Júnior,7 regiões que decaíram no período aurífero, como
Bahia e Pernambuco, ingressaram em novo surto canavieiro,
impulsionado pela alta internacional dos preços do açúcar. Ou-
tras se integraram à produção açucareira. Foi o caso de Campos
dos Goitacazes, no Rio de Janeiro, impulsionado pela vinda de
famílias das decadentes regiões mineradoras. E, em certa medi-
da, também de São Paulo, onde a cana se alastrou pelas terras
férteis da região de Campinas e pelo litoral, em São Sebastião e
Ubatuba.
Além dos mineiros enriquecidos que retornaram a São Paulo,
a capitania recebeu também um grande contingente de popula-
ção empobrecida, que formou novos núcleos: “Batataes, daque-
la época, tinha casas de barro e telha, mas poucas. A maioria era
de pau-a-pique. Também a igreja, pequena, tosca e pobre. Seus
moradores, na grande maioria, vieram das Minas Gerais, descen-
dentes dos primeiros povoadores que lá foram ter com as bandei-
ras paulistas. Ao êxodo do ouro, sucedia-se o ciclo da pecuária e
do cultivo da terra. Aliás, é como se explica o povoamento dessa
região de São Paulo fronteiriça com as Gerais: povoou-a o movi-
mento de volta daquelas correntes migratórias”.8
Segundo Carlos de Almeida Prado Bacellar,9 foi durante o
governo de D. Luís Botelho de Souza Mourão, o Morgado de
Mateus (1765-1777), que ocorreu o estabelecimento de enge-

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 105


nhos de açúcar paulistas. A iniciativa fazia parte de um projeto
metropolitano destinado a alterar a fisionomia pobre e despo-
voada de São Paulo e, ao mesmo, tempo, fortalecer a ocupação
territorial em direção à turbulenta fronteira com as colônias es-
panholas do Prata. Novos governadores também estimularam a
agricultura de exportação, buscando uma alternativa para a
queda nas arrecadações fiscais, causada principalmente pelo
esgotamento do ouro.
A escolha da cana-de-açúcar esteve ligada a conjunturas
internacionais favoráveis a seu cultivo, como o aumento do con-
sumo do açúcar na Europa e a quebra da produção das colônias
francesas que enfrentavam rebeliões nesse período,10 como a que
ocorreu no Haiti. Dessa forma, a cana foi o produto encontrado
para dirigir as atividades paulistas à agricultura, estimuladas pelo
interesse oficial, pela demanda externa e pela fertilidade do solo.

O açúcar no Vale do Paraíba


Antes da expansão canavieira do século XVIII, o Vale do
Paraíba conhecia um tráfego intenso, sobretudo de tropeiros,
devido a sua relativa proximidade com as áreas de garimpo; a
região guardava os caminhos daqueles que iam do Sul para as
minas, e também os do escoamento do ouro até Ubatuba e Parati.
Das aglomerações urbanas do vale, a que teve maior expressão
canavieira foi Guaratinguetá. Antes do açúcar, encontravam-se ali
pequenas propriedades, nas quais as famílias praticavam lavouras
para subsistência, criavam porcos e vendiam excedentes em
comércio de beira de estrada, aproveitando a passagem regular de
mineiros e tropas. Os escravos eram quase inexistentes.
A partir de 1776, a lavoura canavieira alterou esse quadro.
Entrou em cena o senhor de engenho, apoiado na posse da
terra, na importância da produção, no acúmulo de bens e no
número de escravos.11
A posse da terra ganhou novas e maiores proporções, insti-
tuindo a grande propriedade, por vezes o latifúndio, que no
entanto só se tornaria predominante com a chegada do café. Os
senhores de engenho enriquecidos formaram uma nova classe
econômica, que, por volta de 1808, quando o preço do açúcar
caiu, reverteu seus lucros e escravos na lavoura cafeeira em
expansão. Como o predomínio do fazendeiro nessa região foi
menos intenso que no planalto paulista, houve maior mobilida-
de e diversificação profissional: aumento do número de indiví-
duos livres que se dedicavam a atividades secundárias do enge-
nho, introdução do artesanato doméstico, maior presença dos
comerciantes, crescimento das vilas.
O desenvolvimento da lavoura cafeeira não interrompeu a
produção de açúcar na região. Em estudo focado na cidade de

106 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Lorena, Marcondes 12 observa que propriedades canavieiras,
sobretudo as maiores, não cessaram toda a sua atividade, por
verem com ressalvas suas chances de lucrar com o café. E quan-
do este produto entrou em decadência, muitas acabaram trocan-
do a atividade pela produção de derivados da cana.
Na faixa litorânea, ligada economicamente ao Vale do
Paraíba, destacou-se a produção de açúcar e aguardente nas
vilas de Ubatuba e São Sebastião-Vila Bela, no final do século
XVIII. A proximidade do porto de Ubatuba e do mercado consu-
midor do Rio de Janeiro facilitava bastante o escoamento dessas
mercadorias.
Além do açúcar, os fazendeiros produziam rapadura, mela-
do e aguardente. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, muitos
deles precisavam fazer uso do engenho alheio, pois possuíam
terras e recursos para plantar a cana, mas não os meios para
beneficiar a planta e transformá-la em açúcar.13 Para isso, preci-
2 “Em Lorena”, de Thomas
savam aforar os engenhos das propriedades maiores. Ele acres-
Ender, 1817.
centa que “A lavoura canavieira preparou ali (Vale do Paraíba) a
A localidade de Lorena, elevada à
infra-estrutura sobre a qual haverão de implantar-se com pers-
vila em 1788, conciliou a pro-
dução de açúcar com a invasão pectivas mais amplas os cafezais”.14 Isso significa a organização
cafeeira que se deu ao longo do de uma classe econômica baseada na grande propriedade, no
século XIX. cultivo de gênero exportável e na mão-de-obra escrava.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 107


O Quadrilátero do Açúcar
A denominação “Quadrilátero do Açúcar”, cunhada por
Alfredo Ellis Júnior,15 é utilizada para localizar geograficamente
as vilas do planalto e da chamada Depressão Periférica, nas quais
a produção açucareira paulista mais se desenvolveu a partir da
segunda metade do século XVIII. A região abrangida estava entre
as cidades de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí. No
entanto, as principais áreas canavieiras ficavam nos núcleos de
Itu e Campinas.
O Quadrilátero do Açúcar foi responsável pela fundação de
inúmeros núcleos produtores, como Piracicaba, Capivari e
Cabreúva, entre outros, que mais tarde tornaram-se vilas com
uma estruturação econômica e social semelhante. A região
alcançou um resultado socioeconômico inédito: a partir daí, o
paulista poderá encontrar riqueza no cultivo da terra. A “voca-
ção para o movimento”, expressada por Sérgio Buarque de
Holanda,16 passou também a significar a abertura de novas fren-
tes para as fazendas de cana-de-açúcar.
Fundada em 1610, a vila de Itu está historicamente ligada
às bandeiras de aprisionamento e, no século XVIII, às viagens
das monções. Esse fator contribuiu para o desenvolvimento
da lavoura açucareira, pois o ouro obtido pelos monçoeiros itua-
nos foi investido na instalação dos engenhos e no transporte do
açúcar até o porto de Santos. Terras em abundância, condições
geográficas e climáticas também se mostraram favoráveis ao
plantio, mas não seriam os fatores determinantes para o seu
desenvolvimento.
No final do século XVIII, a procura de solos férteis para a
cana-de-açúcar fez com que a agricultura, antes restrita a Itu, se
expandisse por seus arredores. Nesse contexto, a antiga Ararita-
guaba, vila de Porto Feliz, teve suas terras cobertas de canaviais.
Novas vilas surgiram devido à expansão da lavoura, entre elas
Piracicaba (1784-1821), Capivari (1826-1832) e Cabreúva (1830-
1859). Desse modo, configurou-se uma área açucareira de
influência ituana ao longo do vale do Tietê.
Um estudo de Luís Lisanti Filho17 aponta que, além da explo-
ração direta feita por paulistas em Minas Gerais e em Cuiabá,
desenvolveu-se também uma rede de comércio entre essas
regiões, trazendo lucros para os de São Paulo. Ele observa que
“O retorno das cargas enviadas, tanto às Minas Gerais, como a
Mato Grosso e Goiás devia consistir basicamente em ouro”.
Como não havia produção de gêneros, pois as regiões minerado-
ras tinham todas as suas forças voltadas para a extração do
metal, nada mais havia para retornar a São Paulo senão o ouro,
obtido no garimpo ou em transações comerciais de alimentos,
ferramentas e outros artigos de necessidade.

108 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


3

3 e 4 “Vista da cidade de Itu”,


“Vista da cidade de Mogi-Mirim,
tomada à esquerda do caminho
de Goiás”, ambas de Edmund
Pink, 1823.
As vilas do chamado Quadrilátero
do Açúcar foram responsáveis
pelo início da produção agrícola
em larga escala, visando a expor-
tação e seriam, ao longo do sécu-
lo XIX, uma das mais prósperas
regiões cafeicultoras de São
Paulo.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 109


5

Esse aspecto contribuiu para a prosperidade de Itu e


Campinas e suas respectivas áreas de expansão da lavoura, direta-
6
mente ligadas às zonas de mineração. Itu e Porto Feliz tinham
laços estreitos com as minas de Cuiabá e Mato Grosso. Associado
às monções, Porto Feliz era o embarcadouro da gente de Itu,
desde o início da exploração aurífera. Quando ocorria o retorno
das canoas, o ouro ia para a vila de Itu. Esse lucro, poupado, pôde
então ser investido em agricultura, na segunda metade do século
XVIII: montagem dos engenhos, mão-de-obra, utensílios agrícolas,
compra e aluguel de muares e até ajuda ao governo para a melho-
ria de vias como o Caminho do Mar, que ligava o planalto ao porto
de Santos. No início da década de 1790, o escoamento da produ-
ção do açúcar foi beneficiado pela construção da Calçada do
Lorena, a estrada com calçamento de pedras na descida da Serra
do Mar até Cubatão. Embora não permitisse o tráfego de carros
de boi e carroças, a obra facilitou o trânsito das tropas de muares.
Além do contato por terra com o sertão goiano, Campinas
estava próxima das Minas Gerais. Quando houve o esgotamento
do garimpo nessa última região, a cidade recebeu grande núme-
ro de mineiros. O mesmo, diga-se, ocorria com os cuiabanos,
5 e 6 Vista frontal da sede e
estabelecidos em Itu e Porto Feliz. Na verdade, a estrutura da do corredor externo de recep-
produção de açúcar e a organização do trabalho eram comuns às ção do sítio do Rosário.
duas áreas. Tratava-se do modelo econômico já presente no A sede do sítio do Rosário, locali-
Nordeste, apoiado no tripé: latifúndio, monocultura de gênero zada entre Itu e Salto, é uma das
de exportação e mão-de-obra escrava. mais célebres construções do
período açucareiro que ainda
sobrevivem no interior paulista,
Fábricas no campo
permanecendo na mesma família
A produção do açúcar paulista está ligada ao universo rural. desde sua construção, realizada
Nas fazendas, nos latifúndios, organizou-se o complexo açuca- na segunda metade do século
reiro: plantações, engenhos, senzalas, casa-sede e capela. XVIII.

110 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


A aquisição das terras podia ocorrer por uma concessão de
sesmarias, por heranças e casamentos, doações, permutas e
compras. Mesmo em Itu, área de antiga colonização, havia gran-
de quantidade de terras improdutivas, pela dedicação de grande
parte de seus habitantes às atividades de apresamento e explora-
ção aurífera. Quando ocorria de uma região não comportar mais
aberturas de fazendas, eram concedidas novas sesmarias nas
regiões próximas dos centros açucareiros, expandindo a sua área.
Além da extensão de terras, alguns fatores ganhavam importân-
cia quando da instalação do engenho: proximidade com estradas
e rios, tanto para escoamento das mercadorias, quanto para uti-
lização da água na produção, além da existência de pastos e
matas, que funcionavam como reservas de madeira e terras.
Devido à grande extensão dessas propriedades, seus mora-
dores conservaram o relativo isolamento, característico dos pau-
listas, herdado do período das bandeiras e monções. Surgiram
enormes bairros rurais, cuja população se concentrava nos
núcleos de cada fazenda.
Em termos de organização do trabalho e processos produti-
vos, os engenhos paulistas não eram muito diferentes dos nor-
destinos. Engenho era a denominação da fábrica do açúcar. O
termo, no entanto, é utilizado até hoje para designar toda a
fazenda produtora de açúcar: fábrica, casa-sede, capela, senza-
las e demais dependências. O número de escravos variava con-
forme a produção da fazenda. Nas propriedades da região de
Campinas, estava em torno de 20 a 85 escravos.18
Vários estudos registraram a sucessão de atividades produti-
vas no engenho.19 Após a colheita, a cana-de-açúcar era moída
nas moendas, movidas por tração animal, água ou força huma-
na; o trabalho era arriscado, pois se corria o risco de ter as mãos
e até o braço preso às roldanas da moenda. O caldo obtido da
cana moída era levado à casa das caldeiras, onde fervia em gran-
des tachos de cobre. Estes deveriam permanecer sempre sobre o
fogo; para isso, os escravos trabalhavam junto a eles noite e dia,
mexendo o caldo até engrossar e formar o melado, que era
então levado à casa de purgar e colocado em formas cônicas
para esfriar e endurecer. O melado permanecia por vários dias na
forma até se converter em açúcar mascavo ou branco, depen-
dendo do tratamento recebido. Quando era desenformado, obti-
nham-se os pães de açúcar, com o formato cônico característico
da famosa montanha carioca. Por fim, os pães de açúcar eram
postos em caixotes para o transporte.
Um inventário de 1844, citado por Maria Thereza Schorer
Petrone, descreve um engenho de Campinas: “Pelo sítio com
casa de morar em bom estado, sendo parte dela forrada e assoa-
lhada com um oratório e altar para celebrar a missa, casa de

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 111


7

7 “Vista do sítio de Antônio


Manoel Teixeira...”, de Hercules
Florence, c.1834.
A vista geral da fazenda Salto
Grande, construída pela família
Teixeira Villela nos primeiros anos
do século XIX, é uma das raras
representações de um engenho
paulista da região campineira
com todas as construções que
caracterizavam esse tipo de uni-
dade agrícola.

112 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Terra Paulista: histórias, arte, costumes 113
enfermaria, de ferreiro, de carpintaria, paiol, senzalas, moinho,
pilões e roda de ralar mandioca, engenho de moer cana de cilin-
dros com abundância de água para todas as máquinas, 6 carros
com seus pertences, 1 caixão de açúcar, 4 gavetas de secar açú-
car, 2 pipas de gastalhos, 2 alambiques grandes, 5 caldeiras, 88
formas de tábua, uma porção de copos de azedar e outros para
mel e garapa, esfriadeiras, espumadeiras, 2 punhais e mais uten-
sílios existentes pertencentes às referidas máquinas; as pasta-
gens do sítio, faixas de valos e cercas e porteiras e as terras...”.20

Escravos africanos e afro-descendentes


O inventário menciona a senzala, dormitório da mão-de-obra
africana ou afro-descendente (esses são os termos mais apropria-
dos, visto que vieram para São Paulo escravos da África, bem
como do Nordeste e da região das minas). O açúcar os trouxe
para uma região que, até meados do século XVIII, havia recebido
bem menos africanos que o Nordeste. Os engenhos de Itu e
Campinas concentraram nesse período grande parte dos escravos
encontrados em São Paulo. Entre 1779 e 1829, o número de cati-
vos na região de Campinas cresceu de 156 para quase 4.800. 21
Emília Viotti da Costa define a senzala como “edifícios des-
tinados ao recolhimento diário dos escravos para o horário em
que dormiam”. Isso indica que o escravo envolvido com o fabri-
co do açúcar dedicava quase todo o seu tempo ao trabalho.
Sobre a arquitetura dos prédios: “Na grande maioria eram alon-

8 Aquecimento e evaporação
do caldo de cana, de Hercules
Florence, 1843.
A mão-de-obra negra era caracte-
rística das fazendas de cana do
interior paulista, como se pode
ver nesta representação das for-
nalhas para preparação do açúcar
num engenho paulista.

114 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


gados, de forma retangular, construídos de pau-a-pique e cober-
tos de sapé, sem janelas, tinham uma porta única, e aberturas de
trinta a quarenta centímetros na parte superior, junto à coberta.
Quando sucedia de haver janelas, eram fechadas por grades, o
que refletia a preocupação de impedir fugas”.
Internamente, a senzala tinha divisões que formavam cubí-
culos, onde homens e mulheres dormiam em tarimbas cobertas
por esteiras. Juntamente com as roupas - no caso dos homens,
calça e camisa de algodão grosseiro, geralmente encaminhadas
uma vez por ano -, a esteira era um dos raros bens de uso pes-
soal do escravo. Não havia necessariamente divisão por sexo; as
crianças pequenas ficavam próximas das mães. Em algumas
fazendas, além da senzala, havia choças de pau-a-pique cober-
tas de palha, destinadas aos casais de escravos. A presença do
fogo, nos cubículos ou nos corredores da senzala, era constante,
para cozinhar, para esquentar ou para agrupar.
A alimentação era à base de feijão, angu, farinha e às vezes
um pedaço de charque ou toucinho. Aos domingos, dia de folga
permitida pelo dono do engenho por força do calendário religio-
so, os escravos, sobretudo aqueles que tinham filhos, recebiam
permissão para cultivar hortas nos trechos menos férteis de
terra, desprezados pela cana-de-açúcar. Isso beneficiava tanto os
fazendeiros, que gastavam menos com a alimentação dos traba-
lhadores, quanto os cativos, porque era uma forma de comple-
mentar sua pobre dieta.

Castigos e formas de resistência


A violência foi intrínseca ao sistema escravista. O cotidiano
já era brutal: habitações precárias, comida escassa, dura jornada
de trabalho, más condições de saúde. Dentro dos engenhos,
algumas tarefas eram dadas propositalmente como castigo - por
exemplo, alimentar as fornalhas.
No interior do engenho, havia necessidade de alguns traba-
lhadores “especializados”, ligados aos processos de funciona-
mento e produção do açúcar. Tais funções podiam ser exercidas
por homens livres ou por escravos. Neste último caso, eles esca-
pavam dos castigos mais brutais, pois a revolta poderia levá-los
a prejudicar a produção.
Os escravos que viviam nas cidades tinham melhores condi-
ções de vida do que aqueles das áreas rurais do açúcar. Nestas,
o controle do fazendeiro era direto, e o do feitor, implacável.
Na documentação da região canavieira de Itu e Campinas,
existem numerosos registros de insubmissão escrava, por meio
de fugas e até assassinatos de feitores. Ocorriam desde episódios
isolados de resistência até levantes, que geravam pânico. Em
1809, boatos de rebelião levaram o capitão-mor da vila de Itu a

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 115


colocar de sobreaviso a população e, em especial, os senhores de
engenho. O mesmo temor atingiu Campinas, em 1830, onde a
insubordinação foi desmontada antes que pudesse agir. “As
revoltas de negros de uma fazenda eram comuns e em todas as
áreas canavieiras de São Paulo houve tais problemas. Havia
quase sempre um chefe que insuflava a revolta, às vezes dirigida
contra um feitor”.22
As fugas eram constantes, ocasionando a formação de qui-
lombos que concentravam grupos de diversos engenhos. O
maior número de insurreições ocorreu nos anos que antecede-
ram a Independência e durante o Primeiro Reinado, talvez devi-
do às agitações políticas no país, absorvidas pelos escravos. 23
Entre as atitudes isoladas de revolta, pode-se mencionar a do
escravo baiano Manuel. 24 Foragido de uma fazenda de açúcar de
Campinas, ele ficou anos escondido nas cercanias da cidade de
Cabreúva e, depois de descoberto, foi condenado em 1879 a
voltar ao trabalho. O caso ilustra a convivência entre as lavouras
canavieira e cafeeira na região de Campinas, que teve sua pro-
dução de açúcar superada pelo café em 1854-1855, 25 sem que
isso ocasionasse a imediata interrupção das atividades dos
engenhos.

Desdobramentos da lavoura canavieira em São Paulo

O açúcar trouxe importantes transformações à sociedade


do planalto. A riqueza se associou à posse da terra, e os paulis-
tas passaram a desbravar áreas para a lavoura com o empenho
com que seus avós preavam índios no sertão. Foram descartados

116 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


os hábitos frugais do tempo dos bandeirantes, pois o fazendei-
ro passou a estabelecer permanentes contatos, em função de
seus negócios.
Vilas e cidades se expandiram, recebendo as casas erguidas
pelos fazendeiros. Nos finais de semana, a família do senhor de
engenho se transferia para a residência urbana. Era a ocasião de
adquirir o que a fazenda não produzia: sal, trigo, alguns poucos
artigos manufaturados e mesmo vestimentas mais luxuosas. Na
cidade, ainda se fazia política, se compravam escravos e se par-
ticipava das celebrações mais importantes do calendário católico,
como a Semana Santa, a Festa do Divino Espírito Santo e as dos
Santos Padroeiros. Todas essas festas e a suntuosa arquitetura
dos templos refletiam a riqueza do açúcar.
No plano cultural, a lavoura canavieira também contribuiu
para difundir a língua portuguesa em regiões nas quais perma-
necia vivo o nheengatu, a língua geral de origem indígena. Os
escravos trazidos da África desempenharam um importante pa-
pel nesse processo. Eles, evidentemente, desconheciam a língua
geral, de modo que a comunicação entre os africanos e os feito-
res e donos de engenho era feita em português.
Acima de tudo, na esfera socioeconômica, a cana-de-açú-
car do século XVIII preparou o terreno para a riqueza que surgi-
ria no século XIX: o café. A acumulação de bens, experiências
agrícolas e comerciais, mão-de-obra escrava, e a comunicação
do planalto com o porto de Santos facilitaram o desenvolvimen-
to da lavoura cafeeira na região do Quadrilátero do Açúcar, de
maneira análoga ao que acontecera em trechos do Vale do
Paraíba. Desse modo, quando o café despontar no Rio de
Janeiro em fins do século XVIII, vai encontrar o planalto paulis-
ta com fronteiras abertas, prontas para serem expandidas pela
sua cultura.

O café em São Paulo

O café chegou ao Brasil por Belém do Pará, em 1727.


Algumas mudas e sementes foram trazidas pelo sargento-mor
Francisco Melo Palheta depois de uma visita à Guiana Francesa,
onde as ganhou sigilosamente da esposa do governador do
território.
A planta atinge o Rio de Janeiro entre 1760 e 1762, vinda
do Norte. As primeiras plantações “ficavam em quintais de casas
e na chácara dos frades barbadinhos, de onde se irradiaram para
São Gonçalo, Rezende e Campo Grande. De Campo Grande o
café alcança a Serra na direção de São João Marcos e Areias em
meados de 1790, onde chega à província de São Paulo”.26

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 117


9

10

9, 10, 11 e 12 “Igreja de São


José...”,“Igreja da cidade de
Areias...”, “Vista da Igreja de
Nossa Senhora Aparecida”,
“Igreja de Guaratinguetá”,
todas de Thomas Ender, 1817.

118 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


11

12

O artista austríaco Thomas Ender,


ao passar pelo Vale do Paraíba
em 1817, realizou diversas aqua-
relas representando as igrejas das
vilas locais, algumas vindas do
século XVIII, como a de
Guaratinguetá, outras em cons-
trução já sob o impulso do café.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 119


Por que o café?
A expansão da lavoura cafeeira no Brasil se deu pela valoriza-
ção do produto no mercado externo. O consumo do café, uma
bebida muito estimulante, se difundiu na Europa e nos Estados
Unidos entre as camadas populares, ampliadas devido à Revolução
Industrial. Nessas regiões em processo de industrialização, o fator
climático impedia o seu cultivo. A demanda já era grande no final
do século XVIII, e aumentou ainda mais nas décadas seguintes.
Diversas condições se associaram para fazer de São Paulo,
ao longo do século XIX, o maior produtor de café do país: clima
quente e úmido, terras férteis cobertas por vegetação a ser der-
rubada, estrutura agrícola de exportação já montada pelo açú-
car, comunicação com um bom porto de escoamento, estoque
13
de mão-de-obra escrava e fazendeiros experientes nos meios de
aumentar a produção. O texto vai apresentar as principais áreas
de cultivo e expansão da lavoura cortando o território paulista
até o fim do século XIX: Vale do Paraíba, (Velho) Oeste Paulista,
Alta Mogiana (Novo Oeste Paulista) e Região da Sorocabana.
Também serão examinadas algumas mudanças associadas à difu-
são dos cafezais, com ênfase na mão-de-obra e nas ferrovias.
Posteriormente, o café também foi cultivado em outras áreas do
estado como aquelas das ferrovias Araraquarense, Noroeste do
Brasil, Alta Paulista e Alta Sorocabana, que serão abordadas mais
rapidamente.

O café no Vale do Paraíba

O café penetrou no Vale do Paraíba vindo do Rio de Janeiro


e alcançou a região de Areias, por volta de 1790. A região rece-
beu o influxo de pessoas de Minas Gerais, atraídas pela expan-
são da lavoura comercial cafeeira no Rio de Janeiro. Foi o caso,
citado por Sérgio Buarque de Holanda, do fazendeiro Domingos
da Silva Moreira, um dos primeiros povoadores de Areias.27
De início, o café foi cultivado em unidades de produção de
subsistência por pequenos sitiantes, gente que não dispunha de
escravos nem dos recursos trazidos pelo comércio ou pelo açúcar
e derivados. Como observou Maria Luiza Marcílio, “a produção
cafeeira se iniciou com a soma de pequeninos produtores que 13 Sobrado do capitão-mor
contavam com a mão-de-obra familiar livre”.28 Dessa forma, o Domingos da Silva Moreira, em
baixo custo de produção do café abriu oportunidades econômi- Areias.
cas para grandes e pequenos lavradores. No entanto, ao longo Esse sobrado, situado na principal
rua de Areias, é um testemunho
de seu desenvolvimento, predominaram no vale as extensas
da arquitetura urbana erguida
fazendas de mão-de-obra cativa. pelos fazendeiros dos primeiros
Os núcleos urbanos que serão grandes produtores de café, tempos do café no Vale do
como Bananal, São José do Barreiro e Queluz, consolidaram-se a Paraíba.

120 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


14

partir de iniciativas dos primeiros cafeicultores. Outros, remanes-


centes dos períodos de passagens de tropeiros e da produção de
açúcar, vão expandir-se como Guaratinguetá, Taubaté, Jacareí,
Lorena e Pindamonhangaba. A produção firma-se por volta de
1820 e alcança seu pleno desenvolvimento entre 1836 até cerca
de 1886. Nesse momento, porém, sofre queda vertiginosa e não
consegue mais acompanhar a do Oeste Paulista.
O Vale do Paraíba teve a força de trabalho organizada na
mão-de-obra escrava, já utilizada na produção do açúcar e aumen-
tada pelos lucros vindos da incipiente lavoura cafeeira. Como
região pioneira do café em São Paulo, coube a ela a técnica mais
rudimentar de produção e beneficiamento do produto. Boa parte
do lucro era empregada na compra de escravos, desembarcados
na costa fluminense e nos portos do litoral norte paulista.
A região, geograficamente, estava mais próxima da Corte e
da província fluminense que da cidade de São Paulo. Isso permi-
tiu, desde os tempos de explorações auríferas, um contato maior
com aquelas localidades. No período da lavoura cafeeira na
região, esse quadro não será alterado: as relações do meio rural
14 Sede da fazenda Boa Vista, de produção serão feitas diretamente com o governo imperial.
em Cruzeiro. Era na Corte que se negociava a produção, a mão-de-obra, a con-
Primeira construção tombada cessão de títulos nobiliárquicos. Como aponta o viajante Augusto
pelo governo estadual paulista, Zaluar, que passou pela região em 1860: “Agora o lavrador se
constitui um exemplo importante retrai em sua fazenda, faz transportar tudo da Corte. É lá que tem
das grandes moradias rurais de as suas transações, que vende o produto de suas safras; é lá que
cafeicultores do Vale do Paraíba,
vai enfim passar dias e meses quando quer distrair-se “.29
além de manter dezenas de
móveis e objetos do major A riqueza advinda com o café e a proximidade com as refe-
Manuel de Freitas Novaes, seu rências européias, personificadas pela Corte imperial, vão se refle-
antigo proprietário. tir no conforto e requinte das sedes de fazendas, construídas

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 121


15

15 “Vila de
Pindamonhangaba”, de
Thomas Ender, 1817.
Uma das mais antigas vilas
vale-paraibanas,
Pindamonhangaba ficaria
famosa ao longo do século XIX
por suas ricas plantações
de café e pelos dez títulos
de barão e visconde concedi-
dos pelo Imperador a seus
fazendeiros.

122 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Terra Paulista: histórias, arte, costumes 123
sobretudo por volta de 1820. Em seu interior, o contato com o
refinamento europeu por intermédio do Rio de Janeiro substitui
a rusticidade do período colonial: porcelanas e cristais europeus,
móveis com técnicas de entalhamento e marchetaria, peças de
prata, marfim, estampas e retratos a óleo dos proprietários e
suas famílias - tudo isso é encontrado em algumas fazendas do
vale do Paraíba.
Junto a essa residência suntuosa, além dos cafezais, a uni-
dade de produção contava com casas de máquinas, engenhos,
tulhas e paióis, estaleiros, serraria, senzalas, casas de administra-
dores e feitores, chiqueiros, cocheiras e galinheiros, vendas de
beiras de estradas e capelas.

O sonho acabou
A proximidade da região com a capital do Império favore-
ceu idéias separatistas entre os fazendeiros. Os núcleos produto-
res de café do trecho paulista também mantinham estreitos laços
econômicos e políticos com o Rio de Janeiro e com a porção flu-
minense do vale. Sérgio Buarque de Holanda aponta as observa-
ções de Zaluar a respeito dessas aspirações: “pelo desejo cons-
tante que manifestam seus habitantes, seja qual for a sua cor
política, de fazerem parte da província do Rio”. Aspirações que
foram acirradas à medida que o café ia se desenvolvendo no cha-
mado Oeste paulista, recebendo incentivos para imigração e
construções de ferrovias.30
A ferrovia chega tardiamente no Vale do Paraíba, já quando
o solo começa a demonstrar sinais de esgotamento. Bananal, a
cidade de maior produção cafeeira do trecho paulista, somente
chegou a ter estrada de ferro em 1889, depois de abolida a
escravidão. Os lucros obtidos com o café eram aplicados em
comércio com o Rio de Janeiro e a Europa e, principalmente, na
aquisição de escravos, e não com o transporte, feito por tropas
de mulas e facilitado com a proximidade de portos da costa de
Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis. Nas décadas finais do Império, 16 Vista de plantação de café,
o próprio mercado financeiro passou a atrair investimentos de de José Maria Villaronga, c.
1858-1860.
grandes fazendeiros, fragilizando novamente a captação de
Esta pintura mural localizada
recursos para a ferrovia.
em Bananal, na sede da fazenda
O fator geográfico contribuiu decisivamente para a queda Resgate, pode ser considerada
de produção cafeeira a partir da década de 1860. Plantava-se o um irônico atestado de óbito da
café em fileiras verticais nos morros (topografia comum à cafeicultura vale-paraibana: ao
região), o que resultou em canaletas que erodiam rapidamente invés de preservarem o solo em
as camadas mais férteis do solo. Além disso, o espaço das fazen- terraços horizontais, os fazendei-
ros adotavam as longas fileiras
das era reduzido pela serra da Mantiqueira, terreno montanho-
verticais de cafeeiros, que arrui-
so, de fácil erosão. Assim, a expansão das lavouras fez-se neces- naram rapidamente a fertilidade
sária, para os solos férteis de terra rosada e roxa do Oeste do solo, levada na enxurrada que
Paulista. se seguia às chuvas.

124 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


16

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 125


Em 1894, o porto de Santos supera pela primeira vez o do
Rio de Janeiro em exportação de café. O Vale do Paraíba entra em
decadência econômica e muitos fazendeiros deixam a região para
abrir novas fazendas nas regiões oeste e noroeste do Estado de
São Paulo, mais produtivas e utilizando em larga escala mão-de-
obra imigrante. Algumas cidades conseguem resistir por algum
tempo, mas antes do final do século XIX numerosas fazendas são
desmembradas em sítios. A situação de Bananal, principal núcleo
cafeeiro do trecho paulista do vale, é descrita em relatório da
Comissão Central de Estatística endereçado ao presidente da
Província de São Paulo, em 1888: “Quanto à produção agrícola já
foi o município, pela sua fertilidade, o mais importante da provín-
cia; hoje porém, devastadas as suas grandes matas, ressente-se
da decadência geral desta parte da província; os cafezais antigos
já não produzem a mesma quantidade de frutos quando novos”.31
Para a paisagem natural da região, a passagem da lavoura
cafeeira foi desastrosa. Havia pouco cuidado no trato com a terra
e na busca de melhores técnicas de cultivo; quando um determi-
nado cafezal diminuía sua produção, uma nova área era desma-
tada para o plantio, abandonando os velhos cafeeiros. O húmus
do solo, que ocasionava a sua fertilidade, resultava de milhares
de anos de desenvolvimento da Mata Atlântica; o solo fértil,
porém raso, era facilmente sulcado pelas águas das chuvas que
corriam nas encostas desprotegidas da barreira natural represen-
tada pela floresta; além disso, a derrubada da mata para o plan-
tio era seguida de queimadas que devastavam também áreas que
não seriam utilizadas: “O feito está consumado e nenhum traço
da floresta restou sobre os morros secos e amarelados do Vale do

17

17 Postal do interior de vagão


de luxo na E.F Central do Brasil,
s/d.
A construção da ferrovia ligando
as cidades do Rio de Janeiro e
São Paulo, concluída na década
de 1870, atravessou o Vale do
Paraíba paulista e coincidiu com
o início do rápido declínio da
cafeicultura local.

126 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Paraíba”.32 Aos que ficaram restou o desolamento e a dedicação
ao cultivo de gêneros de subsistência, até que, já no século XX,
o gado leiteiro trouxesse novo alento econômico para a região.

O café no Oeste Paulista

O chamado Oeste Velho de São Paulo, compreendendo as


regiões de Campinas e Itu, zona açucareira desde o século XVIII,
foi a primeira região do interior (exceto o Vale do Paraíba) onde
o café se desenvolveu. A rigor, esses núcleos não ficam no oeste
do território paulista: o nome refere-se à situação dessas áreas,
a oeste do Vale do Paraíba. O novo pólo cafeeiro já dispunha de
sistema de produção em grandes unidades, conhecimento do
transporte para Santos e mão-de-obra escrava. Sérgio Buarque
de Holanda aponta que o café dessa região “descendia talvez
das mudas plantadas em Jundiaí, já nos fins do século XVIII, e
que se propagaram em seguida para os municípios vizinhos”.33
Campinas funcionou como centro irradiador da cultura
cafeeira por geograficamente indicar o limite que dá acesso à
grande mancha de terra roxa do interior paulista ainda a ser
explorada, solo excelente para o cultivo da planta. Em pouco
tempo as fazendas cafeeiras vão se espalhar, derrubando frondo-
sas matas. Surgem aglomerações urbanas, aumentando as fron-
teiras do interior paulista, como aponta a data de fundação de
freguesias como Jaú (1858), Ribeirão Preto (1870), Barretos
(1874) e Bauru (1880), em áreas até então chamadas de sertão.
É importante ressaltar que paralelamente ao desenvolvimen-
to do Quadrilátero do Açúcar no Oeste Paulista, em fins do sécu-
lo XVIII e início de XIX, o norte e o noroeste de São Paulo rece-
beram levas de mineiros vindos das regiões auríferas decadentes,
que tomaram posse de grandes quantidades de terra. Ali desen-
volveram o modo de vida que tinham em Minas: lavoura de sub-
sistência e pecuária, formando fazendas e povoando localidades,
como as acima citadas, e ainda Franca, Presidente Prudente,
Orlândia e outras situadas entre o rio Grande e a região conhe-
cida como Mogiana.34
Recenseamentos e registros de terras evidenciam a presença
maciça dessas famílias mineiras na região antes do avanço do
café: “Em 1852, é um mineiro que constrói a primeira cabana
em São José do Rio Preto, enquanto outros se instalam além do
Ribeirão de São João. Foi igualmente obra da gente de Minas a
tentativa de penetração nos campos de Avanhandava”.35 Na
época anterior ao café, a terra não tinha grande valor nesses ser-
tões, o que obrigava os povoadores a uma vida relativamente de
pobreza.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 127


18

18 “Fazenda do Pinhal”, de
Benedito Calixto, 1900.
Tombada como patrimônio
nacional e estadual, a fazenda do
Pinhal, em São Carlos, pertence à
família Arruda Botelho há oito
gerações e é um dos mais impor-
tantes exemplares de fazendas de
café oitocentistas ainda existentes
no Oeste Paulista, pois preserva a
sede, as senzalas, tulhas e ter-
reiros de café, além de pomares,
móveis e objetos decorativos.

128 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


A tomada dessas áreas foi permitida a partir da Lei de Terras,
que passou a vigorar em 1850, visando regularizar a situação fun-
diária em todo o território. Até então ainda predominavam os dita-
mes da colônia. As terras eram propriedades reais que poderiam
ser: doadas (como aos senhores de engenho), concedidas àqueles
que a ocuparam antes da doação (a posse, o mais comum), herda-
das e vendidas (prática menos comum). A maior parte das proprie-
19 dades rurais era resultante da posse com limites vagos, definidos
por acidentes geográficos. Com a expansão canavieira e cafeeira, a
situação dessas glebas de estatuto jurídico duvidoso preocupava os
seus proprietários. Suas pressões contribuíram para a aprovação da
lei, regularizando assim a situação obscura quanto à posse de ter-
ras gerada desde a supressão da concessão de sesmarias em 1822.
A partir da regulamentação de 1850, as terras no Brasil per-
tenciam ao Estado e só podiam ser obtidas mediante compra. O
negócio costumava ser vantajoso quando se compravam grandes
20
extensões para o desenvolvimento da lavoura de exportação.
Mas, para lotes pequenos e médios, os preços eram elevados, de
modo que os trabalhadores livres não podiam adquiri-los. A lei
funcionou como um chamariz para os imigrantes, oferecendo-
lhes a possibilidade de adquirirem lotes. No entanto, isso era difí-
cil de se concretizar devido ao alto preço da terra. Obrigava-os
dessa forma a servir como mão-de-obra, mantendo a produção
no poder das famílias pioneiras e tradicionais.
À medida que o cultivo do café se estendia e se consolida-
va, novos problemas ameaçavam frear o avanço das lavouras: a
escassez e o alto ônus da mão-de-obra escrava e as longas dis-
tâncias entre as plantações e o porto de Santos, tornando o
transporte por mulas cada vez mais oneroso. Para a resolução
desses entraves, a região desbravada a partir de Campinas expe-
rimentou um desenvolvimento com elementos até então novos
para o Brasil: a mão-de-obra livre e o transporte ferroviário.

A aristocracia do café e a República


19 e 20 Postais da Fazenda
Guatapará, Ribeirão Preto, s/d.
Além do estímulo ao trabalho livre e à implantação de fer-
A produção de café cobriu as ter-
ras do Oeste Paulista, ultrapassan- rovias, quais eram os projetos políticos dos cafeicultores paulis-
do imensamente a escala até tas? Como se relacionavam com o poder imperial? Que projetos
então obtida pelo Vale do Paraíba tinham para o Estado, sustentado por eles - pois afinal o café
e utilizando modos de processa- chegou a representar 70% das exportações brasileiras no tempo
mento mais rápidos e modernos do Império?36
como ocorreu na fazenda
Caio Prado Júnior aponta que o café deu origem “à última
Guatapará, localizada na região
de Ribeirão Preto e pertencente à das três grandes aristocracias do país, depois dos senhores de
família Silva Prado, que residia na engenho e de mineradores”.37 Graças à planta, os fazendeiros do
capital paulista. café tornaram-se a elite brasileira predominante no século XIX.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 129


21

A verdade é que a escala da produção econômica, até então


nunca experimentada pelos paulistas, criou novos grupos de
interesses e idéias dentro do contexto do Império brasileiro.
Esses grupos tinham aspirações próprias, que destoavam das
oligarquias no poder. O Estado, com todos os resquícios colo-
niais, como a escravidão, não conseguia atender às expectativas
econômicas e políticas dos novos grupos, que procuravam um
governo adequado às suas necessidades.
Em outras palavras, instituições políticas imperiais como o
Senado vitalício e o Poder Moderador, ambos apoiados em gru-
pos econômicos decadentes, não permitiam maior liberdade
para os representantes dos cafeicultores das novas áreas de
expansão. A idéia republicana surge pelo interesse desses grupos
econômicos em abolir o trabalho escravo - e, conseqüentemen-
te, abolir a Monarquia - e instituir uma República Federativa, a
fim de conseguir ampla autonomia local.38
Dessa forma, grande parte das elites paulistas buscava um
poder político que fosse correspondente ao desenvolvimento e
riqueza da província, ao mesmo tempo em que defendia o
Federalismo como forma de controlar e beneficiar seus negócios.
Segundo eles, o Estado imperial, centralizado e unitário, prejudi-
cava os paulistas, pois grande parte dos benefícios arrecadados,
sobretudo com impostos sobre a exportação do café, era reverti-
da às elites das regiões tradicionais.
A campanha abolicionista e as experiências eficazes de uso
de mão-de-obra imigrante em regiões novas de plantação, entre 21 “Convenção de Itu - 1873”,
Campinas e Itu, e a maior parte do interior paulista a ser explo- de Jonas de Barros, 1921.
rado reclamavam do sistema escravista. A abolição da escravatu- A denominada “Convenção de
ra, em 1888, acelera a decadência dos fazendeiros vale-paraiba- Itu”, realizada em 1873, foi o
marco inicial do movimento
nos, tradicionais defensores do Império. Ao ver ignoradas suas
republicano paulista que congre-
exigências de ressarcimento pela perda dos escravos, esse setor gava, sobretudo, os ricos fazen-
vai aderir às idéias republicanas, já largamente difundidas pelas deiros do Oeste da província de
áreas mais novas do café. São Paulo.

130 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Os laços entre a cafeicultura paulista e o projeto republica-
no manifestaram-se desde 1873 na Convenção de Itu, que lan-
çou as bases do Partido Republicano Paulista. Representante das
elites paulistas, o PRP divulgou as idéias de Abolição, Imigração,
República e Federalismo. Este grupo, juntamente com o Partido
Republicano Mineiro,39 aproximou-se dos militares insatisfeitos
com o Império e apoiou a Proclamação da República em 15 de
novembro de 1889.
Com a República, assumem a presidência grupos militares. A
consolidação efetiva da elite paulista somente viria em 1894, com
a eleição de Prudente de Moraes, representante legítimo dos
cafeicultores. O período que tem início com esse fato e segue até
1930 é conhecido como República Velha. A hegemonia política
de São Paulo permitiu subsídios para a imigração, instalação de
ferrovias e impostos de favorecimento ao café e aos produtos da
nascente indústria paulista, em detrimento de outras regiões. Ao
mesmo tempo, o período foi marcado por revoltas violentas em
diversos estados, agravadas pela miséria da população.
Antes da proclamação da República, o que mais onerava a
elite econômica de São Paulo eram as arrecadações de impostos:
“todos os anos, somam os paulistas o que receberam do gover-
no geral, e comparam com o que deram ao mesmo; ora como já
dão mais do que recebem, e sendo como são homens positivos,
murmuram: por que não havemos de ser independentes?” A
idéia de uma “pátria paulista”40 que, separando algumas regiões
de Minas e da região Sul formaria uma República independente,
parece estar entre as primeiras idéias de supremacia articuladas
por esse grupo. O separatismo da “pátria paulista” não prospe-

22

22 Políticos da região de
Ribeirão Preto em torno de
Altino Arantes, c. 1916.
A vida política paulista durante a
República Velha tinha no interior
seu esteio fundamental, sendo
muitos de seus governantes nasci-
dos nas áreas do café, como
Altino Arantes, de Batatais, que
foi sucessivamente deputado
federal, secretário estadual e
finalmente presidente do Estado
São Paulo entre 1916 e 1920.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 131


23

rou. No entanto, num período em que a aristocracia rural paulis-


ta estava no poder, nos níveis estadual e federal, era necessário
construir uma história gloriosa como a do café para o estado
mais rico do Brasil.
O bandeirante é a figura histórica escolhida para personifi-
car o Estado de São Paulo e seus ricos habitantes. Ancestral co-
mum à maior parte das famílias fazendeiras e tradicionais paulis-
tas, sua figura de desbravador é construída para legitimar a mar-
cha do café e a expulsão dos índios na fronteira ocidental da
agricultura cafeeira. Justifica também a modernidade de São
Paulo e sua presença no poder como impulsionador da moderni-
zação do país, por meio de idéias como “a locomotiva do Brasil”.
É na República Velha que o bandeirante recebe status de herói,
o avanço dos cafezais se identifica à marcha sertanista e os ideais
paulistas são apresentados como os da nacionalidade. O bandei-
rante ganha traços portugueses, botas de cano alto, chapéu de
aba larga, gibão acolchoado, escopeta e outras armas européias.
Com isso, tenta-se apagar da história o extermínio de grupos
nativos e os traços indígenas predominantes nas feições e nos
costumes dos sertanistas e no próprio passado de São Paulo. O
governo paulista incentiva com pesquisas e construção de monu- 23 Índios xavantes no Oeste
mentos a solidificação dessas visões históricas.41 Paulista, c. 1895.
A expansão das ferrovias paulistas
em direção à divisa com o Mato
A mão-de-obra cafeeira: escravos e colonos Grosso acabou por gerar confron-
tos entre os fazendeiros e as
comunidades indígenas locais,
A presença do braço escravo em terras paulistas foi um dos que seriam quase totalmente
fatores determinantes para a expansão cafeeira nas áreas em exterminadas devido ao avanço
que primeiro ela ocorreu: Vale do Paraíba, maciçamente com o da fronteira agrícola.

132 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


trabalho escravo, e Oeste Paulista, onde mão-de-obra cativa e
mão-de-obra livre coexistiram.
O trabalho livre, devido à sua organização, acabou se mos-
trando mais produtivo para os interesses da época. Para ele, exis-
te a possibilidade real de uma recompensa, o salário, trazendo
alguma perspectiva de independência econômica. Já o trabalho
escravo rural não possibilita quase nenhuma margem de ganho,
o que o torna penoso, menos produtivo: “A continuidade do tra-
24
balho é obtida através da violência e da disciplina militar, porque
não há nenhum incentivo pessoal e externo ao próprio ato de
trabalhar sobre o qual se possa assentar o trabalho. Mas no regi-
me capitalista, o trabalho livre permite a seleção de uma forma
de incentivo à produção, como o salário, que dá a ilusão do tra-
balho retribuído”.42

Escravos e cotidiano
Nas fazendas de café onde ocorreu o trabalho servil, 43 a rela-
ção senhor-escravo não foi diferente das experiências brasileiras
25
anteriores. O isolamento atribuía aos proprietários o poder sobre
a vida cotidiana, cultural, religiosa dos seus subordinados. Como
acontecia no período açucareiro, o cotidiano do trabalho escra-
vo era determinado pelas atividades de produção e pelo calendá-
rio religioso dos seus senhores. Emília Viotti44 observa que “nas
áreas de transição para o sistema assalariado, em que se acen-
tuara o caráter capitalista das relações de produção, aumentou a
distância entre a casa grande e a senzala. Entretanto, mesmo na
fase de maior intimidade, o preconceito racial separou sempre as
26 duas categorias”.
A vida era centrada no trabalho e regida pelo badalar do
sino. Ele tocava antes do fim da madrugada para que os escra-
vos acordassem e, depois de receber as tarefas diárias do funcio-
nário conhecido como feitor ou administrador, partissem para a
roça enfileirados. Dependendo da distância, dividiam-se em gru-
pos que iam a pé ou de carro de boi, levando apenas a enxada
ou outro instrumento para o trabalho, de uma carga horária de
dez horas. Faziam três refeições diárias nas roças e retornavam
24, 25 e 26 Os presidentes ao escurecer. Então devolviam os instrumentos de trabalho, sob
Prudente de Morais, Campos o olhar dominador do funcionário de confiança do fazendeiro.
Sales e Rodrigues Alves Na roça era comum o escravo cantar enquanto trabalhava
A força dos fazendeiros de café misturando palavras em dialetos africanos e em português, con-
republicanos de São Paulo acabou tando de suas aflições da vida cotidiana, do universo da fazenda.
evidenciando-se na seqüência dos Essas cantigas eram chamadas de Jongo. Ainda na esfera cultural,
três primeiros presidentes civis do
Emília Viotti da Costa45 aponta que vários senhores permitiam aos
Brasil, todos paulistas: Prudente
de Morais (de Itu), Campos Sales escravos, nos horários livres, os seus batuques e a capoeira.
(de Campinas) e Rodrigues Alves A segunda metade do século XIX será marcada pela tentati-
(de Guaratinguetá). va de substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalhador

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 133


europeu livre. Diversos motivos contribuíram para esse proje-
to: o aumento das revoltas e crimes cometidos por escravos
rebelados por maus-tratos e por sua condição de submissão, a
escassez da mão-de-obra internamente, bem como a pressão
inglesa que, mediante um instrumento legal denominado no
Brasil de Bill Aberdeen (1845), permitia o confisco de navios
negreiros no Atlântico, tornando arriscado e oneroso o tráfico
externo.
O governo brasileiro também adotou medidas para o fim do
tráfico e a diminuição da escravidão, que ficaram conhecidas
como leis abolicionistas: proibição do tráfico externo de escravos
(1850), Lei Rio Branco (1871), Lei dos Sexagenários e proibição
do tráfico interno (1885) até a sua ilegalidade como sistema de
trabalho em 1888.
Esse período foi marcado pela crescente insubmissão escra-
va em regiões de grande concentração. Além da resistência indi-
vidual, que poderia significar o retardamento e a diminuição da
produção, com a quebra de instrumentos de trabalho e mesmo
o assassinato de feitores e fazendeiros, ocorreram fugas em
massa de escravos, que se refugiavam em quilombos como o
Jabaquara, instalado na Baixada Santista. Os escravos podiam
receber a ajuda dos caifazes, homens armados livres e por vezes
contratados, que colaboravam nas fugas das fazendas.
O receio de levantes organizados de escravos provocava
pânico nas populações livres das áreas cafeeiras de Campinas, Itu
e Vale do Paraíba, onde estava concentrada a maior parte do
contingente escravo. Notícias e boatos alarmavam a população a
respeito de grupos revoltosos nas fazendas: “As tentativas de
insurreição repetiam-se ameaçadoras, e as autoridades sentiam-
se impotentes para resolver o problema que, bem o sabiam, esta-
va indissoluvelmente ligado à escravidão. Os destacamentos poli-
ciais e as medidas de repressão revelavam-se insuficientes, inca-
pazes de manter a ordem que se via ameaçada”.46 Era grande a
tensão social, e os movimentos de resistência politizaram-se com
as idéias abolicionistas.
A extinção da escravatura no Brasil foi um indicativo de que
o poder político estava mudando de mãos. Ela foi defendida por
abolicionistas que muitas vezes angariavam fundos para compra
da liberdade e até ajudavam nas fugas em massa das fazendas.
No entanto, a abolição foi sobretudo um fator determinante
para a alavancada do café no interior paulista: a escravidão
representava um entrave para a mão-de-obra livre, sobretudo a
imigrante, mais produtiva, menos onerosa e européia branca. Por
isso, fazendeiros de café do Oeste Paulista como Martinho Prado
Júnior e Antônio Queiroz Telles, barão e depois visconde de
Parnaíba, eram seus defensores.

134 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


27

28

27 e 28 “A colheita”, na fazen-
da Santa Gertrudes, de Antônio
Ferrigno, 1903 e Postal de pé de
café com homem negro, s/d.
A mão-de-obra constituída pelos
negros e posteriormente pelos
inúmeros imigrantes, europeus e
orientais, foi a mola mestra para
a expansão da cultura cafeeira no
Oeste Paulista.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 135


29

29 “O terreiro”, de Antônio
Ferrigno, 1903.
O terreiro de café ocupava o cen-
tro do vasto complexo
arquitetônico da fazenda Santa
Gertrudes, localizada na região
de Rio Claro, uma das mais ricas
fazendas de café do Estado de
São Paulo.

136 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


30

Após a abolição, os ex-escravos, abandonados à própria


sorte, dividiram-se. Muitos conseguiram ficar ligados à terra, seja
trabalhando como camaradas assalariados nas fazendas, seja
ocupando terras devolutas e praticando lavouras de subsistência;
e grande parte seguiu em direção aos centros urbanos, ocupan-
do lugares e postos de trabalho periféricos.

Ensaios de colonização
Os fazendeiros de café do Oeste Paulista já experimen-
tavam o trabalho livre e imigrante desde 1848, quando o Se-
nador Vergueiro, dono da Fazenda Ibicaba, em Limeira, trouxe
grupos de portugueses, alemães e suíços para a propriedade.
Esses fazendeiros eram também capitalistas empreendedores
30 “O beneficiamento”, na e consideravam a escravidão uma herança onerosa e indeseja-
fazenda Santa Gertrudes, de da da estrutura colonial. Além disso, os projetos de imigração
Antônio Ferrigno, 1903. revestiram-se de um caráter ideológico para a população mes-
As máquinas de beneficiamento tiça que São Paulo então possuía: “A imigração era concebi-
de café permitiram que o da como processo de incorporação de elementos étnicos supe-
processamento dos grãos fosse
riores, de origem européia, que acelerariam, pela miscige-
realizado muito mais rapida-
mente, garantindo assim maior
nação, o processo de branqueamento”. 47 Experiências com gru-
qualidade no sabor do produto a pos de imigrantes subvencionados só ocorreriam no início do
ser exportado. século XX.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 137


Foi justamente na fazenda pioneira na imigração, Ibicaba -
onde o regime predominante ainda era a parceria e não o assa-
lariamento -, que ficou claro que as relações de poder destinadas
a predominar na lavoura de café seriam capitalistas, baseadas na
relação patrão-empregado e não senhor-colono ou escravo bran-
co. Liderados pelo suíço Thomaz Davatz, em 1854, seus compa-
triotas por pouco não fizeram estourar em armas suas reclama-
ções pelos resultados obtidos na lavoura, com o sistema de par-
ceria (onde os lucros eram divididos entre fazendeiro e colonos)
e pelos preços avultados cobrados no armazém da fazenda.
Além disso, os colonos eram vistos com desconfiança por seu
conjunto cultural, sobretudo pela religião protestante; uma vez
que nas fazendas só existiam igrejas católicas, as práticas religio-
sas dos trabalhadores ficaram reduzidas a encontros em suas
casas. Graças à revolta, os colonos tiveram suas dívidas e contra-
tos revistos. Davatz teve que voltar à terra natal, onde escreveu
o livro Memórias de um colono no Brasil, alertando para os peri-
gos da imigração em São Paulo. O episódio ficou conhecido
como “Revolta de Ibicaba”.48
Em meados de 1870, a região do Oeste Paulista era a mais
carente de mão-de-obra assalariada para a lavoura cafeeira. O sis-
tema de imigração só supriu essa demanda quando começou a
“Imigração Subvencionada”, patrocinada por fazendeiros e pro-
tegida por leis provinciais e imperiais.49 A partir de 1876, essas leis
determinaram que os colonos teriam despesas de viagens pagas
pelo governo brasileiro e contratos de trabalho assinados no
Brasil, recebendo por quantia acertada do trabalho de mil pés de
café. Além disso, foi construída a Hospedaria de Imigrantes, inau-
gurada no bairro do Brás em 1888, onde os recém-chegados ao
Brasil eram recebidos, podendo ficar por até oito dias com dormi-
tórios e refeitórios antes de seguirem viagem para as fazendas. A
Hospedaria recebeu numerosos grupos de italianos, portugueses,
espanhóis, árabes, japoneses, alemães, judeus, eslavos. E também
migrantes internos, vindos, sobretudo, do Nordeste empobrecido.

O cotidiano dos colonos nas fazendas de café


Muitos grupos étnicos, sobretudo europeus, vieram como
colonos para trabalhar nas fazendas de café. Nenhum deles foi
tão numeroso como os italianos, obrigados a deixar o país pela
situação de guerra e de miséria em que se encontravam no final
do século XIX.
Os colonos passaram por diversas dificuldades nos primeiros
anos de trabalho. Nas propriedades rurais, geralmente precisa-
vam construir suas próprias casas, fazer suas roças de subsistên-
cia e criar animais para o seu sustento. Gêneros que não conse-
guiam prover como sal, açúcar e produtos industrializados ti-

138 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


31

nham de ser comprados no armazém do dono da fazenda, o que


provocava freqüentes discussões a respeito dos preços.
Os imigrantes também enfrentaram condições de tratamen-
to que por vezes eram destinadas aos escravos. Embora a neces-
sidade de mão-de-obra fosse urgente, o trabalho manual e liga-
do à terra era considerado, pelas classes abastadas, como depre-
ciativo, desvalorizado.
As colônias eram os agrupamentos de casas construídas (por
vezes pelos futuros moradores) para abrigar os trabalhadores.
Inicialmente próximas da sede da propriedade, o que permitia
um controle pelo fazendeiro e causava descontentamento aos
moradores, elas foram sendo distanciadas, isoladas à medida
que as reclamações e as plantações aumentavam. Os colonos
podiam ter escolas, freqüentar as capelas das fazendas e realizar
suas festas em espaços cedidos pelo proprietário, geralmente as
tulhas e os terreiros de café. Nas fazendas, por vezes, juntavam-
se três culturas diferentes: a do colono, geralmente europeu e
italiano, a do caipira, que realizava trabalhos avulsos, e a do
escravo. Nesse sentido, os terreiros das fazendas miscigenaram e
dinamizaram a cultura do universo rural interiorano paulista.
31 Colonos em frente de Os contratos de trabalho variavam, mas em geral estipula-
armazém e fileira de casas, vam uma quantia fixa a ser recebida por mil pés de café traba-
fazenda Concórdia, Itu, c. 1910. lhados. Para as famílias numerosas, isso era vantajoso. O dinhei-
Os agrupamentos de casas de ro recebido pelos trabalhadores era recolhido pelo patriarca, que
colônias de imigrantes serviam pagava as despesas necessárias, supria as necessidades básicas
não apenas de moradia, mas abri-
individuais e guardava as sobras.
gavam também pequenos
armazéns, usados como ponto de Como era permitido aos colonos manter roças de subsistên-
abastecimento ou como espaço cia e criação de animais, o que excedia ao consumo familiar era
social. vendido, trocado ou transformado. Foi o caso do milho transfor-

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 139


mado em fubá, costume que acabou se estendendo a todo o inte-
rior paulista. Isso permitia ao colono possuir uma reserva, para o
objetivo da maioria deles: comprar uma pequena propriedade.
As condições de deslocamento no interior de São Paulo
eram difíceis. Antes da chegada dos trilhos do trem, o acesso aos
pequenos centros urbanos era demorado, feito a pé, de carro de
boi ou a cavalo. Por isso, pouco se saía das fazendas.
Os grandes agrupamentos de imigrantes, sobretudo italia-
nos, que desembarcam nos primeiros anos da República, vão
aumentar a produção cafeeira e expandir as fronteiras: das
fazendas, dos núcleos urbanos para lugares despovoados. No
entanto, o problema do transporte do café até o seu escoadou-
ro necessitava de uma solução, pois as mulas eram caras e lentas
demais para as lonjuras do Oeste de São Paulo. Isso levou os
fazendeiros, empreendedores, a instalar linhas de trens no inte-
rior do território.

Café, ferrovias e novas áreas de expansão

Café, imigrante e ferrovia são termos intrinsecamente liga-


dos à literal “tomada” de todo o interior de São Paulo pela lavou-
ra cafeeira entre o final do século XIX e o início do século XX,
configurando o estado como o conhecemos atualmente. Há dois
aspectos a ressaltar sobre a instalação das ferrovias em São Paulo:
os recursos para a instalação - maciçamente retirados da lavoura
cafeeira, embora houvesse incentivos governamentais como a
concessão das terras próximas às linhas - e o itinerário, elaborado
a partir do avanço do café em busca de solos férteis. Como as
novas áreas de expansão determinavam o caminho das ferrovias,
muitos ramais ficaram conhecidos por “estradas cata-café”.
Seus traçados ligavam as grandes áreas produtoras ao porto
de Santos, facilitando o carregamento do café e o transporte de
imigrantes e de fazendeiros em direções às suas demais proprie-
dades ou à capital. Dessas linhas do trem de ferro, três tiveram
fundamental importância para as áreas propostas ao estudo:
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Companhia Mogiana
de Estradas de Ferro - que estenderam os trilhos pelo norte e
nordeste do estado - e a Companhia Sorocabana de Estrada de
Ferro, que se dirigia para oeste e sul. Todas elas alimentavam o
grande gargalo ferroviário que levava ao porto de Santos, a
estrada de ferro construída pela The São Paulo Railway
Company, conhecida como “a Inglesa”.
Iniciada pelo barão de Mauá e depois assumida por capitais
ingleses, essa companhia teve seu primeiro trecho, ligando São
Paulo a Santos, inaugurado em 1866, e seu prolongamento até

140 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Jundiaí em 1867. Ela controlou o transporte do café do interior
até o porto de Santos e conduziu a mão-de-obra imigrante recém-
chegada ao Brasil até a capital paulista, de onde era distribuída às
fazendas até o ano de 1927. Embora detentora do monopólio do
transporte até Santos, a estrada representou fator determinante
para o expansão das outras ferrovias. E também da cidade de São
Paulo, que servia de entreposto de toda a produção.
Não houve interesse da “Inglesa” em levar os trilhos além
da cidade de Jundiaí. Esse fato permitiu a entrada do capital de
fazendeiros de café da região de Campinas e Rio Claro, que deci-
diram conduzir a ferrovia até Campinas. Surgiu assim a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em 1872, que rapida-
mente se estenderia até Limeira, Rio Claro e o vale do Mogigua-
çu, dando início à expansão do transporte.50 A ampliação das
linhas era permitida devido ao mecanismo de zona de privilé-
gio concedido pelo governo, que garantia o monopólio na área
de atuação de uma companhia ferroviária. Em 1876 a ferrovia
atingiu Araras e em 1880, Porto Ferreira, às margens do rio
Mogiguaçu. Em 1892 chegou a Jaboticabal. Avançando para o
norte do estado, alcançou Marília em 1928. Depois foi a vez de
Tupã, às margens do rio Paraná.
A Companhia Ituana de Via Férrea foi inaugurada em 1873.
Construída por iniciativa dos cafeeiros da região de Itu, 51 ligava
esta cidade a Jundiaí, facilitando o transporte do café até
Santos. Sua importância aqui foi a junção com outra estrada de
ferro paulista, a Sorocabana, com atividades iniciadas em 1875,
ligando Itu a Sorocaba. A Sorocabana adquiriu a Ituana, cons-
truindo “como complemento duas linhas de articulação: a de Itu
a Mairinque e a de Vitória a 15 de Novembro, na linha de São
Manuel. Nessa direção os trilhos são prolongados até Agudos,
região já predominantemente cafeeira e, na direção do Para-
napanema até Avaré, iniciando, dessa maneira, a conquista da
vastíssima região que passou a denominar-se Alta Sorocaba-
na”. 52 A Sorocabana vai alcançar também a região de Botu-catu.
Atingindo Bauru, essa ferrovia encontrou-se com a Paulis-ta em
Agudos (1903), 53 o que favoreceu a integração comercial entre
as áreas do sul e do oeste de São Paulo, ambas grandes produ-
toras de café.
A Companhia Mogiana de Estrada de Ferro foi fundada em
1872 na cidade de Campinas. Sua criação esteve ligada direta-
mente aos interesses de fazendeiros de café de regiões em que
a lavoura se expandia, que teriam mais tarde a maior produção
do estado e não eram beneficiados pelos trilhos da Paulista: a
atual região Nordeste Paulista, conhecida também como Alta
Mogiana. Saindo de Campinas e passando por Jaguariúna, os
trilhos chegariam a Ribeirão Preto (1883), Franca (1887) e às

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 141


32

32 Mapa com principais


linhas das companhias
ferroviárias do estado de
São Paulo
A presença das companhias fer-
roviárias foi tão estruturadora
das regiões paulistas que seus
nomes acabaram por designar
popularmente as próprias regiões
por onde passavam: fulano é da
Paulista, cicrano da Mogiana...

142 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Terra Paulista: histórias, arte, costumes 143
margens do rio Grande (1888)54. A Mogiana integrou-se a
regiões mineiras, exercendo importante papel comercial.
É importante ressaltar que ao atingir a região de Ribeirão
Preto, onde está concentrada a maior parte da terra roxa fertilís-
sima ao café, os trilhos e os fazendeiros encontraram um territó-
rio povoado de mineiros e seus descendentes. Eles haviam migra-
do em busca de terras obtidas pela simples posse, em finais do
século XVIII e início do XIX, depois registradas pela Lei de Terras.
Nelas desenvolviam agricultura de subsistência, criação de por-
cos e principalmente atividade de pecuária. Reproduziam assim o
modo de vida das regiões mineiras de onde provinham, como foi
apontado anteriormente neste texto.
O fato de parte das terras atingidas pelos trilhos da Mogiana
estar de posse de antigos proprietários não impediu a sua expan-
são: “na Alta Mogiana, tais terras já se encontravam nas mãos
de antigos posseiros e dos proprietários locais, mas inexploradas.
(...) a lavoura de abastecimento e a pecuária, dominantes em
toda a região, haviam se estendido pelos campos e cerrados, dei-
xando quase intocadas as áreas das matas. Diante da nova lavou-
ra, alguns desses proprietários originais conseguiram mudar de
atividade, incorporando-se ao dinâmico grupo de cafeicultores.
A maioria, no entanto, composta de proprietários sem maiores
recursos e sem acesso ao crédito, via-se forçada a vender suas
terras”.55
Outras estradas de ferro cruzaram o interior de São Paulo, 33
como a Araraquarense. Fundada em fins do século XIX em
Araraquara, por iniciativa de fazendeiros locais, cobriu a região
de Rio Preto e Mirassol em 1912. Cabe também lembrar da
Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil,56 a primeira
a ser instalada por iniciativa do governo republicano. Seu traça-
do não considerou necessariamente os interesses do transporte
de café, buscando regiões habitadas por indígenas e ainda
cobertas por matas. Teve, por isso, um caráter diverso daqueles
estudados aqui. Este texto não irá se prolongar nessas ferrovias, 33 Botões de uniformes das
ferrovias São Paulo
pois buscou, como apontado anteriormente, as estradas de ferro
Railway/SPR, sua sucessora
de maior atividade e que conseqüentemente traçaram os primei- Estrada de Ferro Santos-
ros e principais troncos ferroviários do café. Jundiaí/EFSJ, Companhia
As ferrovias criaram novas condições de povoamento, Paulista de Estrada de Ferro/CP,
expansão e posse de terra para as regiões paulistas. Com poucas Estrada de Ferro Sorocabana/EF
variações entre localidades, alguns aspectos do interior serão e Estrada de Ferro
Araraquara/EFA.
pontuados e caracterizados a partir da expansão da malha ferro-
viária. Os traçados, seguindo as áreas de expansão das fazendas Os monogramas das companhias
ferroviárias paulistas eram os sím-
de café, tiveram as cidades conhecidas como ponta de trilho
bolos mais evidentes de sua pre-
(onde a linha do trem terminava). Os locais onde havia estações sença no interior do estado, per-
transformaram-se em centros urbanos, devido à facilidade de manecendo até hoje na memória
transporte e de comércio trazida pelo trem de ferro. de grande parte dos habitantes.

144 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


34

35 36

A característica predominantemente rural de organização


dos núcleos populacionais do Estado de São Paulo modificou-se
após a chegada da ferrovia; sua construção e manutenção exi-
giam profissionais, oficinas de manutenção, armazéns e escritó-
rios. Cidades como Bauru, Campinas e Jundiaí, além da produ-
ção cafeeira, viram crescer o comércio e o setor de serviços.
Também cresceu a população - desde funcionários para manu-
tenção dos trilhos a engenheiros e profissionais liberais atraídos
pelo aumento das possibilidades de emprego.
A presença dos trilhos e das estações marcou a paisagem
construída dos núcleos urbanos, virando pontos de referências,
nomes de avenidas e parâmetro de crescimento de bairros,
atraindo casas comerciais e indústrias. As ferrovias deram um
sentido de regionalidade ao Estado de São Paulo, emprestando
nomes às áreas pelas quais passavam: região da Paulista, Alta
Paulista, Mogiana, Alta Mogiana, Sorocabana, etc.
As ferrovias, como a Mogiana e a Sorocabana, acabaram, já
no século XX, por se integrar a regiões produtoras de outros
estados, como o Triângulo Mineiro e o Paraná, respectivamente.
A produção era levada até o porto de Santos, fazendo com que
34, 35 e 36 Postais das esta- São Paulo centralizasse o que produziam seus vizinhos.57
ções da Paulista, em Campinas, Marco do interior paulista, a estrada de ferro fica obsoleta
Sorocabana, em Botucatu, e da na década de 1940, com o início da “era rodoviária”. Com a
Mogiana, em Ribeirão Preto.
diversificação da agricultura e das atividades produtivas, que ela
As estações ferroviárias do inte- própria assegura, boa parte dos seus ramais e estações se torna
rior acabaram competindo com as
desnecessária a partir do momento em que a produção do café
praças e matrizes como centro de
referência na paisagem urbana e e o transporte de imigrantes não são mais prioridades e podem
constituiram marcos da moderni- ser feitos por veículos motorizados. O resultado é que grande
dade no interior paulista. parte das locomotivas e dos vagões se transformam em sucata.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 145


Café, ferrovias e imigrantes

Das ferrovias que cruzaram o Estado de São Paulo, a Paulista


e a Mogiana foram as que mais transportaram imigrantes para as
lavouras cafeeiras e para os núcleos urbanos que cresceram no iní-
cio do século XX. Fundadas no período em que a escravidão entra-
va em derrocada, beneficiaram áreas nas quais era maciçamente
utilizada a mão-de-obra imigrante. Tinham acordos governamen-
tais para transportar gratuitamente os colonos e suas bagagens,
da capital até as áreas das fazendas onde iriam trabalhar.
Essas regiões chamadas de Novo Oeste Paulista, que repre-
sentam o norte, o nordeste e o oeste do atual Estado de São
Paulo, terão as primeiras fazendas de café formadas por cafeicul-
tores das regiões mais antigas de cultivo, que se deslocarão em
busca da terra roxa. Foi o caso da família de Martinho Prado, que
saiu de Limeira e Campinas e se dirigiu à região de Ribeirão
Preto. Ali estabeleceu a maior fazenda produtora de café do
Brasil: a São Martinho, com 3,4 milhões de pés de café nos anos
1880. Em fins do século XIX, Ribeirão Preto contava com 20
milhões de pés de café e grande parte dos imigrantes recém-che-
gados ao Brasil. Os grupos eram sobretudo italianos, mas havia
espanhóis e asiáticos e também migrantes vindos do Nordeste,
principalmente da Bahia. As cifras são apontadas por Pierre
Monbeig: “Durante cinco anos, de 1926 a 1930 as zonas rurais
de São Paulo receberam um contingente de 233.202 trabalhado-
res estrangeiros e nacionais. A grande maioria (84,4%) dirigiu-se
para as fazendas do Planalto ocidental (região Novo Oeste)”.58
Ainda para efeitos de comparação, os dados populacionais
referentes a 1870, no início da expansão ferroviária (139 km),
eram de 830 mil habitantes na província, com uma produção de
26,8 milhões de cafeeiros. Em 1890, quando as duas companhias
estavam em franca expansão (2.425 km de ferrovias no estado), a
população paulista saltou para cerca de 1,3 milhão, com a produ-
ção de 106,3 milhões de cafeeiros.59 O salto populacional deu-se
com a chegada dos imigrantes e migrantes que se dirigiam às
áreas produtoras. A área teve pouca e em algumas localidades ne- 37, 38, 39 e 40 Postais de
nhuma mão-de-obra escrava trabalhando com o café; em Ribei- plantações paulistas.
rão Preto, no ano de 1886, a população escrava era de 13,2% de As culturas de subsistência, como
um total de 10.420 pessoas, enquanto nas regiões produtoras do a mandioca e milho, nunca foram
vale do Paraíba poderia corresponder a 40% dos habitantes.60 exterminadas pelo café; outras
“A imigração italiana e a extensão da viação férrea estão de larga escala, como o açúcar e
a laranja, chegaram mesmo a
intimamente ligadas. A estrada de ferro facilita a ida dos colonos
sucedê-lo em enormes extensões
às fazendas e, sem dúvida, as maiores facilidades de transportes do norte do estado, quando
funcionavam na Itália como um chamariz para os emigrantes. Os seu preço tornou desvantajosa a
colonos, por sua vez, também contribuíram, como mão-de-obra produção.

146 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


mais experiente, para o progresso verificado no setor desse meio
de comunicação. Grande número de italianos, antigos colonos
das fazendas ou então imigrantes urbanos foram atraídos pelos
trabalhos nas estradas de ferro”.61
Junto de fazendeiros e trabalhadores iam grileiros, desbra-
vadores e caçadores de índios. E também loteadores interessados
na grande quantidade de terras que iam surgindo à beira dos tri-
38 lhos, que vendiam terrenos menores para sítios, basicamente a
ex-colonos. Nessa área, como aponta Pierre Monbeig, a fazenda
produtora de café “ é uma empresa ao mesmo tempo agrícola,
industrial e comercial. Como homem de negócio, o fazendeiro
do século XX deve habitar tanto a cidade como a fazenda. Os
laços que unem as pessoas afrouxam-se, como se afrouxam as
relações diretas entre o proprietário e a terra. A casa de fazenda
acha-se afastada das construções ligadas à exploração. Luxuosa,
destinada à permanência rápida, ela se torna a casa de campo
39
onde a família vai passar as férias”.62
É interessante lembrar que houve para as regiões cafeeiras o
que Carlos A. P. Bacellar chamou de “migrações de elite: a des-
coberta da fertilidade da Alta Mogiana (arredores de Ribeirão
Preto) para o café a partir da década de 1880 coincidiu com a
decadência do mesmo no Vale do Paraíba. Para muitos antigos
cafeicultores fluminenses, a migração, fosse para o Oeste
Paulista, fosse para a Zona da Mata Mineira, surgia como uma
40 solução viável para reproduzirem suas lavouras de café. Os pri-
meiros fluminenses surgiram no Nordeste Paulista em meados da
década de 1880, ocupando as terras em torno de São Simão,
muito provavelmente devido ao fato de, naquele momento, o
ponto final da Mogiana ali se encontrar. Um desses pioneiros foi
Pereira Barreto, adquirindo a Fazenda Cravinhos”. O autor
salienta ainda que a vinda dessas famílias significou aumento de
capitais no início das lavouras de São Simão e Ribeirão Preto.63
Com a crescente demanda de braços para as novas áreas de
cultivo do café, os fazendeiros resolveram incentivar a mão-de-
obra asiática, maciçamente a japonesa,64 recusada no início da
imigração no século XIX por questões racistas. Em 1908, o esta-
do passa a receber mão-de-obra subvencionada, com aumento
significativo a partir de 1924. O japonês sentirá estranhamento
em relação aos aspectos sociais e culturais que encontra e perce-
berá rapidamente que voltar rico para a terra natal, sonho de
todos os imigrantes, era um projeto distante de sua geração. A
obtenção da terra própria parecia mais realizável, e conduzirá os
orientais às mais diferentes regiões paulistas.
Os japoneses trabalhavam na lavoura até conseguirem obter
pequenos lotes de terra, nos quais passavam a se dedicar ao culti-
vo comercial de hortaliças. Ajudaram, neste sentido, a diversificar

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 147


41

os hábitos alimentares dos paulistas. Seus costumes, tão diferen-


tes daqueles que encontraram em São Paulo, eram mantidos na
medida do possível, como alguns elementos da culinária e o
gosto artístico pelas plantas e jardins, por vezes incorporados por
seus vizinhos. Para a sobrevivência, foi preciso também que o
japonês aprendesse a construir casas de pau-a-pique e mudasse
a dieta alimentar, incluindo a carne de porco usada por brasilei-
ros e italianos.
Por iniciativa de fazendeiros de café, surgiram no interior de
São Paulo, próximo às áreas velhas de plantio em Campinas, di-
versos núcleos de imigrantes, que formavam dessa forma uma
mão-de-obra excedente, pronta para ser utilizada. Eles recebe-
ram a possibilidade de adquirir pequenos lotes de terras inutili- 41 Postal do núcleo colonial
záveis ao café; foi essa a origem das colônias em Nova Odessa, de Nova Europa, s/d.
Tibiriçá, Nova Europa, formadas a partir de 1905. Com esses Os núcleos coloniais fundados por
empreendimentos, os fazendeiros de café das novas regiões con- Carlos Botelho foram experiências
firmavam seu caráter capitalista. eficientes de fixação de imi-
Idêntica vocação se manifestava entre alguns imigrantes. Foi grantes no Estado de São Paulo
sem a intermediação de fazen-
o caso dos mascates,65 sobretudo os de origem árabe, isto é, sírios
deiros de café, pois as glebas e
e libaneses. Amparados por uma rede de solidariedade de com- lotes eram destinados direta-
patriotas que já estavam no Brasil, poucos se dedicaram à agricul- mente aos estrangeiros que ali se
tura, fixando-se nos centros urbanos e trabalhando no comércio. instalavam.

148 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


No entanto, os mascates tornaram-se figuras marcantes do
interior. Nas fazendas de café havia muitos colonos que, desejo-
sos de desvencilhar-se das compras nos armazéns dos fazendei-
ros, onde os preços e medidas sempre provocavam discussões,
tornaram-se bons clientes dos comerciantes sírios e libaneses.
Estes passaram a visitar as propriedades rurais, vendendo e tro-
cando suas mercadorias. Muitos, com o desenvolvimento das
cidades, conseguiram edificar lojas nos centros e trazer mais
patrícios para percorrer as fazendas, acompanhando desse modo
o próprio crescimento paulista.
Na região de Ribeirão Preto e Bauru, devido à quantidade e
qualidade de terras existentes, muitos imigrantes conseguiram
adquirir pequenos lotes, sítios e, muitas vezes, até fazendas de
café, fazendo fortunas. A crise cafeeira de 1929 atingiu todo o
Estado de São Paulo e diretamente os produtores de café, causan-
do a ruína de muitos dos que não diversificaram seus negócios.
Eles viram-se obrigados a dividir as terras, que eram compradas
principalmente pelos imigrantes, tornando possível a muitos deles
o sonho de “Fazer a América”. Geremia Lunardelli, o “rei do
café”, é talvez o melhor exemplo do sucesso desses imigrantes
que acabaram por adquirir grandes fazendas de antigas famílias
pioneiras em decadência.
A economia se diversifica. Nas áreas próximas a Campinas, os
imigrantes e seus descendentes compram terras nas quais se dedi-
cam ao cultivo de frutas européias, como a vinicultura, morangos
e diversas hortaliças. Alguns hábitos, sobretudo italianos, vão se
difundir e se incorporar ao conjunto cultural do interior paulista: o

42

42 Festa na fazenda Gema, de


Geremia Lunardelli, Olímpia, c.
1923.
As festas eram importantes
momentos de congregação dos
imigrantes, sendo que muitas
vezes os antigos moradores locais
acabavam também participando,
o que colaborava para difundir os
novos costumes e estabelecer
laços sociais.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 149


uso do fubá, para a polenta, o consumo de massas de trigo, o
vocabulário acrescido de novas palavras, a presença constante de
bandas de música. Costumes que ainda se fazem presentes.

O interior e a capital

A cidade de São Paulo guarda características rurais até o


apogeu do café. Serão justamente a riqueza e as mudanças ocor-
ridas no interior que vão permitir sua transformação em metró-
pole: “data de então, e por tal motivo, o grande surto contem-
porâneo da cidade de São Paulo e do seu apêndice portuário e
brecha para o exterior que é Santos”. 66
As mudanças na cidade, capital de um território pouco
povoado e (des) conhecido como sertão, tiveram início ainda no
século XVIII, com o comércio do açúcar e, sobretudo, o transpor-
te do produto que obrigatoriamente passava por São Paulo. A
capital funcionava como local de concentração e descanso para
as mulas se prepararem para a descida da Serra do Mar. No
entanto, essas mudanças não foram suficientes para alterar suas
feições, já que o poder econômico e político concentrava-se nas
zonas açucareiras, sobretudo em Itu e Campinas. Ambas foram
cogitadas para receber a capital da província, sem, no entanto,
obterem sucesso.
A ferrovia, encurtando distâncias, irá consolidar o papel da
capital, além de facilitar aos fazendeiros a possibilidade de habi-
tá-la sem que tivessem de se afastar muito de seus negócios.
Seus filhos irão estudar em São Paulo. Imigrantes e migrantes
terão a facilidade do transporte pela Serra do Mar ou pelo inte-

43

43 e 44 Sedes das fazendas


São Martinho (à esquerda) e
Santa Isabel (à direita),
projetada pelo Escritório Ramos
de Azevedo, ambas na região
entre Ribeirão Preto e
Jaboticabal.
Os altos preços do café durante a
República Velha acabaram por
permitir que os fazendeiros cons-
truíssem moradas rurais que em
nada deviam ao requinte dos
palacetes urbanos.

150 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


rior para trabalhar nas reformas, construções e nascente indus-
trialização pelas quais passam a cidade, ostentando a riqueza do
café. “A Ferrovia foi o instrumento do poder político das oligar-
quias paulistas e fator de acumulação de capital na medida em
que podia conquistar o espaço físico, integrando o litoral às
regiões produtoras do Oeste Paulista, e ao mesmo tempo costu-
rar os interesses cafeeiros, atendendo também à expectativa de
uma burguesia industrial urbana nascente”.67
A capital vai receber grupos de imigrantes de várias partes
do mundo, caracterizando um sotaque e um conjunto cultural
diferentes do interior. Este vai representar o local fornecedor de
riqueza, mas ela vai ser multiplicada na metrópole; o intercâm-
bio econômico e social das duas áreas será constante.
O interior também teve suas características alteradas. As
cidades das áreas da Mogiana e Sorocabana foram planejadas
com elementos urbanísticos que se contrapunham aos traços dos
núcleos coloniais e se desenvolveram como pólos, capitais re-
gionais. Antigas cidades pólos, como Itu, Campinas e a própria
capital também passaram por projetos de modernização nos seus
prédios públicos, nos seus traços urbanísticos.
Na capital, os prédios, instituições, tradições e outros ele-
mentos que se integravam num conjunto cultural colonial e
imperial chocaram-se com modelos europeus contemporâneos,
ao gosto dos fazendeiros de café e dos primeiros industriais
sediados na cidade, que foram se impondo. Esse momento foi de
desvalorização do interior, que não estava integrado nesse avan-
ço urbanístico. Integração para o interior significou reprodução,
sobretudo cultural, do que ocorria na capital, que se transfor-
mava em metrópole. A população interiorana, depositária do

44

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 151


45

46

152 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


conjunto da cultura tradicional do período colonial, começou a
ter aspectos do seu patrimônio cultural depreciados em função
dos novos valores do setor industrial nascente. Ou o habitante
do interior acompanhava o processo, muitas vezes reproduzindo
modos do operariado, ou ficava estigmatizado como “atrasado”,
“jeca”.
Por esses motivos, e também pelo grande processo de imi-
gração que recebeu, o conjunto do patrimônio paulista primeiro
desfigurou-se para transformar-se em seguida. Nesse processo,
absorveu aspectos econômicos, sociais e culturais dos novos gru-
pos étnicos que iam se integrando, o que era inevitável. No
entanto, elementos culturais resistiram, e a Matriz da cidade de
Itu é um bom exemplo para ilustração: patrimônio da São Paulo
colonial, teve seus traços arquitetônicos barrocos alterados,
ganhando uma imponente fachada eclética; seu interior, no
entanto, conserva obras-primas do barroco paulista, reflexo da
riqueza e da cultura do período colonial. Essas fusões e mudan-
ças que transcorreram após o apogeu do café configuraram o
Estado de São Paulo assim como o conhecemos: múltiplo em
seus aspectos econômicos, sociais e culturais.

45 e 46 Postais com vistas da


rua Barão de Jundiaí, em
Jundiaí, em 1864 e em 1920.
A comparação de duas fotografias
de Jundiaí permite verificar o
intenso processo de transforma-
ção sofrido pelo Oeste Paulista
durante a onda cafeeira: da paisa-
gem inicial, quase de uma vila do
período colonial, só sobreviveram
duas casas, surgindo em seu lugar
uma rua moderna, com calçadas,
postes e arborização.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 153


Notas

1 MOURA, Carlos Eugênio Mar- Velhas fazendas. São Paulo: Unesp, 1998, p. 294.
condes de. O visconde de Gua- Edusp, 1975, pp. 26-27. 22 PETRONE, Maria Thereza
ratinguetá. Um fazendeiro de 14 Ibidem. Schorer. Op. cit., pp. 124-125.
café no Vale do Paraíba. 2.ª 15 PETRONE, Maria Theresa 23 Idem, p. 121
ed. São Paulo: Studio Nobel, Schorer. Op. cit., p. 9. 24 CAMARGO, Maria D. B. de. A
2002, p. 47-61. 16 HOLANDA, Sérgio Buarque de. escravidão em Cabreúva no
2 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3.ª ed. século XIX (1836-1886). Itu,
In: HOLANDA, Sérgio Buarque São Paulo: Companhia das Le- SP: Ottoni, 2001.
de (org.). História geral da civi- tras, 1994. 25 PETRONE, Maria Thereza
lização brasileira: O Brasil mo- 17 LISANTI FILHO, Luís. Comércio Schorer. Op. cit., p. 164.
nárquico - dispersão e unida- e capitalismo. Tese de douto- 26 HOLANDA, Sérgio Buarque de.
de. Vol. 2, tomo 2. 2.ª ed. São rado. São Paulo: USP/FFLCH, MAIA, Tom. Vale do Paraíba -
Paulo: DIFEL, 1976, p. 432. 1962, pp. 120-122. Velhas fazendas. Op. cit., p.
3 Idem, p. 434. 18 PETRONE, Maria Thereza 31.
4 Idem, p. 223. Schorer. Op. cit., p. 113 27 Idem, p. 33.
5 SCOTT, Ana Silvia Volpi, Dinâ- 19 Estudos apontam que tanto no 28 In: MARCONDES, Renato Lei-
mica familiar da elite paulista Nordeste quanto em São Pau- te. Op. cit., p. 21.
(1765-1836). Dissertação de lo, as técnicas de trabalho e 29 ZALUAR. Augusto Emílio. Pere-
mestrado. São Paulo, USP/ estruturação do engenho eram grinação pela Província de São
FFLCH, 1987, pp. 234-235. semelhantes. Nesse sentido, Paulo. São Paulo: Livraria Mar-
6 SCOTT, Ana Silvia Volpi. Op. ver obras como Casa grande tins, 1954, p. 47.
cit., p. 238. & Senzala, de Gilberto Freyre 30 HOLANDA, Sérgio Buarque de.
7 PRADO JÚNIOR, Caio. Forma- (35.ª ed. 1999), Cultura e opu- MAIA, Tom. Op. cit., p. 38.
ção do Brasil contemporâneo. lência do Brazil, por suas dro- 31 Idem, p. 44.
10.ª ed. São Paulo: Brasiliense, gas e minas, de André João 32 DEAN, Warren. A ferro e fogo
1970, p. 132. Antonil (1982), Lavoura cana- - a história e a devastação da
8 TAMBELLINI, J. Machado. A vieira em São Paulo, de Maria mata atlântica brasileira. São
Freguezia dos Batataes. 2.ª ed. Thereza Schorer Petrone Paulo: Companhia das Letras,
São Paulo: Carthago Editorial, (1976), A escravidão negra em 1996, p. 205.
2002. São Paulo. Um estudo das ten- 33 HOLANDA, Sérgio Buarque de.
9 BACELLAR, Carlos Almeida sões provocadas pelo escravis- MAIA, Tom. Op. cit., p. 31.
Prado. Os senhores da terra - mo no século XIX, de Suely 34 BACELLAR, Carlos A. P. e
família e sistema sucessório Robles Reis de Queiroz (1977), BRIOSCHI, Lucila Reis (orgs.).
entre os senhores de engenho assim como as obras de Emília Na estrada do Anhanguera:
do Oeste Paulista, 1765-1855. Viotti da Costa, Da senzala à uma visão regional sobre a his-
Dissertação de mestrado, São colônia (1998) e Da Monar- tória paulista. São Paulo: Hu-
Paulo: USP/FFLCH, 1987. quia à República (1999). manitas, 1999.
10 PETRONE, Maria Thereza Scho- 20 PETRONE, Maria Thereza 35 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e
rer. A lavoura da cana-de-açú- Schorer. Op. cit., p. 102 fazendeiros de São Paulo. São
car em São Paulo: expansão e 21 SLENES, Robert. Senhores e Paulo: Hucitec, 1997, pp. 133-
declínio. São Paulo: Difel, 1971. subalternos no Oeste Paulista. 135.
11 MOURA, Carlos Eugênio Mar- In: ALENCASTRO, Luiz Felipe 36 PRADO JÚNIOR, Caio. Forma-
condes de. Op. cit. de (org). História da vida priva- ção do Brasil Contemporâneo.
12 MARCONDES, Renato Leite. A da no Brasil - Império: a corte 10.ª ed. São Paulo: Brasiliense,
arte de acumular na economia e a modernidade nacional. Vol. 1970, p. 167.
cafeeira. Lorena, SP: Stiliano, II. São Paulo: Companhia das 37 Ibidem.
1998. Letras, 1997. COSTA, Emília 38 COSTA, Sérgio Correia da.
13 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Viotti da. Da senzala à colônia, Brasil: Segredo de Estado. Rio
MAIA, Tom. Vale do Paraíba - 4ª ed. São Paulo: Editora da de Janeiro: Record, 2001.

154 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


39 O interesse do PRP no apoio sagem da Monarquia à Repú- Alta Mogiana. In: BACELLAR,
mineiro é também justificado blica. In: MOTA, Carlos Gui- A.P. e BRIOSCHI, Lucila Reis
pelo fato de, além de apresen- lherme (org.). Viagem incom- (orgs.) Na estrada do Anhan-
tar áreas de cafeicultura em pleta. A experiência brasileira guera - uma visão regional da
sua porção meridional, Minas (1500-2000). Formação: histó- história paulista. São Paulo:
Gerais possuir um dos maiores rias. 2.ª ed. São Paulo: Senac, Humanitas, 1999 p. 118.
eleitorados da época. 2000, p. 235. 56 A respeito da Noroeste em São
40 HOLANDA, Sérgio Buarque de. 48 COSTA, Emília Viotti da, Da Paulo ler: GUIRARDELLO, Nil-
As influências regionais. In: Senzala à Colônia. Cit., pp. son. À beira da linha - forma-
HOLANDA, Sérgio Buarque de 222-225. ções urbanas da Noroeste
(org.). História geral da civiliza- 49 Sobre a imigração subvencio- Paulista. São Paulo: Editora da
ção brasileira: O Brasil monár- nada e o cotidiano e trabalho Unesp, 2002.
quico; do Império à República. dos imigrantes nas fazendas 57 MATOS, Odilon Nogueira de.
Vol. 5, tomo 2. 2.ª ed. São de café foram utilizadas as Op. cit., pp. 154-162.
Paulo: Difel, 1977, p. 275. obras: FAUSTO, Boris (org.). 58 MONBEIG, Pierre. Op. cit., p.
41 VOLPATO, Luiza. Entradas e Fazer a América. 2.ª ed. São 193.
bandeiras. 5.ª ed. São Paulo: Paulo: Edusp, 2000. FREITAS, 59 MATOS, Odilon Nogueira de.
Global, 1997 (História Popular). Sônia Maria de. E chegam os Op. cit., p. 142.
42 CARDOSO, Fernando Henri- imigrantes... O café e a imigra- 60 BACELLAR, Carlos A. P. Op.
que. Capitalismo e escravidão ção em São Paulo. 2.ª ed. São cit., p. 142.
no Brasil meridional. São Pau- Paulo, 1999. PETRONE, Teresa 61 MATOS, Odilon Nogueira de.
lo: Companhia das Letras, Schorer. Imigração assalariada. Vias de Comunicação. In:
1997, p. 174. In: HOLANDA, Sérgio Buarque HOLANDA, Sérgio Buarque de
43 A respeito do trabalho escravo de (org.). História geral da civi- (org.). História geral da civi-
nas lavouras de café, além dos lização brasileira: O Brasil mo- lização brasileira: O Brasil mo-
livros de Emília Viotti da Costa, nárquico; reações e transa- nárquico; declínio e queda do
já mencionados, foram utiliza- ções. Vol. 3, tomo 2. 3.ª ed. Império. Vol. 4, to-mo 2. 2.ª
dos como obras de referência: São Paulo: Difel, 1976. ed. São Paulo: Difel, 1974.
BARROS, Maria Paes de. No MARTINS, José de Souza. A 62 MONBEIG, Pierre. Op. cit., p.
tempo de dantes. São Paulo: imigração e a crise do Brasil 178.
Paz e Terra, 1998; SCHWARTZ, agrário. São Paulo: Pioneira, 63 BACELLAR, Carlos A. P. Op.
Stuart. Escravos, roceiros e 1973, as já citadas obras de cit., pp. 150-151.
rebeldes. São Paulo: EDUSC, Emília Viotti da Costa e depoi- 64 Sobre imigração japonesa no
2001; e SLENES, Robert W. Na mentos de ex-colonos recolhi- Brasil foi utilizada a obra já
senzala uma flor. Rio de Ja- dos em Itu pela Fazenda Ca- citada de Boris Fausto.
neiro: Nova Fronteira, 1999. poava, disponíveis em seu 65 TRUZZI, Oswaldo M. S. Sírios e
44 COSTA, Emília Viotti da. Da Espaço Cultural. libaneses e seus descendentes
Monarquia à República: Mo- 50 MATOS, Odilon Nogueira de. na sociedade paulista. In:
mentos Decisivos. 7.ª ed. São Café e Ferrovias - A expansão FAUSTO, Boris. Op. cit.
Paulo: Editora da Unesp, 1999, ferroviária de São Paulo e o 66 PRADO JÚNIOR, Caio. História
p. 290. desenvolvimento da cultura econômica do Brasil. 13.ª ed.
45 COSTA, Emília Viotti da. Da cafeeira. 4.ª ed. Campinas, SP: São Paulo: Brasiliense, 1945,
Monarquia à República: Mo- Pontes, 1990, p. 82. p. 165.
mentos Decisivos. Cit., p. 209. 51 Idem, p. 89. 67 POSSAS, Lídia Maria Vianna.
46 COSTA, Emilia Viotti da. Da 52 Idem, p. 119. Mulheres, trens e trilhos: mo-
senzala à colônia. Op. cit., p. 53 Idem, pp. 124-125. dernidade no sertão paulista.
363. 54 Idem, p. 99. Bauru, SP: Edusc, 2001, p. 74.
47 VENTURA, Roberto. Um Brasil 55 BACELLAR, Carlos de Almeida
mestiço: raça e cultura na pas- Prado. O apogeu do café na

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 155


Uma metrópole multicultural na terra
paulista
Maurício Érnica

ão Paulo inicia o século XXI como a maior e mais influente


metrópole nacional. Em sua região metropolitana vivem cerca de
10% dos brasileiros. A partir da praça da Sé, a área urbanizada se
estende por um raio de mais de 10 quilômetros para o norte e o
oeste e mais de 25 quilômetros para o leste e o sul.
Entretanto, por cerca de 300 anos, a configuração paulista-
na foi bem diferente. Até meados do século XIX a cidade era
pequena e pobre, um centro político e administrativo sem ativi-
dade econômica próspera. Desde o fim do século XIX, porém,
teve um crescimento espantoso, tanto em sua população como
em sua área urbanizada e, ainda, na geração de riqueza.
Esse conjunto de mudanças nos modos de vida e no espaço
urbano constitui um tema recorrente nos estudos sobre São
Paulo. Ele já recebeu as mais diversas interpretações e será o
pano de fundo deste capítulo. O objetivo aqui é levantar relações
que foram importantes para a consolidação da cidade de São
Paulo como o pólo de uma extensa área no planalto.

Uma vila pobre, sede da capitania e centro das rotas


para o interior

A fundação da vila de São Paulo esteve orientada para a


colonização do planalto. Por cerca de 300 anos, não passou de
um núcleo urbano acanhado, cuja área construída praticamente
se reduzia à colina onde fora instalado, em 1554, o colégio dos
jesuítas. Como o solo não era especialmente fértil nem havia em
seu entorno metais preciosos em quantidade expressiva, o movi-
mento de colonização dos sertões acabou por desenvolver para
além de suas redondezas os núcleos de povoamento ligados às
atividades econômicas mais promissoras. Com isso, houve, so-
bretudo a partir dos surtos econômicos da segunda metade do

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 157


século XVIII, a tendência à concentração da riqueza longe de São
Paulo, nas localidades em que as elites agrárias habitavam.
No entanto, São Paulo sempre se beneficiou de sua situação
geográfica privilegiada, o que lhe conferiu a condição de ponto
de convergência dos caminhos do interior e deles com o litoral.
Esse papel, aliás, foi preservado com a construção da malha fer-
roviária e, depois, com as rodovias. Também por essa localização
estratégica, concentraram-se na cidade as instituições políticas, a
sede das ordens religiosas e alguns entrepostos do incipiente
comércio colonial.
Em 1820 havia poucas estradas no território paulista, sendo
que as localizadas no interior foram construídas a partir dos anti-
gos caminhos expansionistas traçados nos séculos anteriores.1
No litoral, duas delas ligavam Santos às vilas de Ubatuba, no tre-
cho norte da costa, e de Iguape, no sul.
O velho Caminho do Mar unia, em condições precárias,
Santos e São Paulo. No início da década de 1790 a serra ganhou
uma estrada mais segura, a Calçada do Lorena, que permitiu,
além do deslocamento de pessoas, a rápida passagem de tropas
de mulas. Ainda assim, o tráfego de carroças só seria possível em
meados do século XIX, às vésperas da construção da estrada de
ferro Santos-Jundiaí.
Chegando ao planalto paulistano, abriam-se cinco outras
estradas, todas herdeiras dos caminhos em busca das riquezas,
fossem elas o indígena cativo, os metais preciosos ou os bens
comercializados entre as capitanias do Sul e as minas.
Uma dessas estradas corria em direção ao vale do rio Paraíba
do Sul até a atual cidade de Bananal, no trajeto para o Rio de
Janeiro. Outra, avançando pela serra da Cantareira, alcançava
Bragança, de onde era possível chegar ao sul de Minas. Uma ter-
ceira se dirigia até Franca seguindo o curso do famoso Caminho
dos Guaiases, que conduzia às minas de Goiás após atravessar o
Triângulo Mineiro. Um quarto caminho avançava quase paralela-
mente ao rio Tietê até Piracicaba, passando por Itu e Porto Feliz.
A quinta estrada do planalto estendia-se em direção a Sorocaba,
de onde se podia alcançar a atual Itapeva, acesso às regiões
meridionais.
A pobreza e mesmo os questionamentos à centralidade de
São Paulo para a colonização dos sertões podem ser facilmente
entendidos se for levado em conta que, na estrutura socioeconô-
mica criada no Brasil colonial, havia um papel restrito para as
vilas e cidades. As unidades econômicas agroexportadoras e
extrativistas estavam voltadas ao mercado externo e sua mão-de-
obra era, sobretudo, escrava de origem africana - a qual, aliás, se
instalaria na Capitania de São Paulo apenas na segunda metade
do século XVIII. Esse modo de organizar a sociedade extremou

158 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


1

1 Pirâmide e paredão do
Piques, de Militão Augusto de
Azevedo, c.1862.
O obelisco de pedra erguido em
1814 é o único marco do largo da
Memória que ainda permanece
desde o tempo em que o
logradouro paulistano era fre-
qüentado pelas tropas de muares
que dali partiam ou chegavam da
estrada de Sorocaba e que se con-
centravam junto ao chafariz em
busca de água.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 159


2

2 Rua das Casinhas, São Paulo,


de Militão Augusto de Azevedo,
c. 1862.
Esta vista da rua das Casinhas,
atual rua do Tesouro, é uma das
raras representações das peque-
nas construções que abrigavam o
comércio de víveres trazidos dos
arrabaldes, vistas à direita do
segundo quarteirão, face ao
único sobrado de quatro pavi-
mentos que havia na cidade de
São Paulo em meados do século
XIX.

160 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


seus grupos sociais entre senhores e escravos, deixando a peque-
na camada média em situação de dependência social e econômi-
ca. Além disso, ocorria muita troca direta de mercadorias, pois a
circulação de moeda era pequena.
Até meados do século XIX não havia produção manufatureira
expressiva em território brasileiro e muitos bens de consumo ou de
produção precisavam ser importados. Os setores que não estavam
diretamente voltados para o mercado externo se dedicavam à pro-
dução dos bens ou serviços necessários àqueles que estavam, ou
se entregavam a uma precária atividade de subsistência.
Nessas condições, os paulistas acabaram por se dedicar a
atividades de subsistência ou de apoio a regiões envolvidas com
o mercado externo até que a economia exportadora pudesse ser
desenvolvida intensamente em seu território, primeiro com o
açúcar e já no século XIX, em escala muito mais expressiva, com
o café.2 Portanto, ainda que sediasse o governo da capitania
desde 17093 e fosse elevada à condição de cidade em 1711, São
Paulo tinha poucas possibilidades de desenvolvimento nas condi-
ções de vida criadas no período colonial.
Nesse período, o trecho urbanizado quase não ultrapassava
os limites do núcleo formado pelas igrejas de São Bento, do
Carmo e de São Francisco e o próprio colégio dos jesuítas. A
localidade cresceu para além da colina central com a criação de
bairros rurais ou semi-rurais, com seus agrupamentos de casas
de pau-a-pique. Ali também estavam as chácaras e os sítios das
elites, que ocupavam áreas grandes e bem cuidadas, com cons-
truções de taipa de pilão.4 Estima-se que em 1820 havia em São
Paulo cerca de 20 mil pessoas. Esse número já representava um
enorme salto populacional, pois em 1790 a cidade teria pouco
mais de 8 mil habitantes.5
Na cidadezinha do planalto, a vida mostrava-se bem menos
exuberante que a de núcleos mineiros e nordestinos - para não
falar do Rio de Janeiro, sede da administração geral desde 1763.
As elites paulistanas viviam retiradas nos sobrados, nos quais
promoviam situações de socialização e encontro, e em suas chá-
caras e sítios. O comércio se concentrava em duas ruas, a da
Quitanda e a das Casinhas, atual rua do Tesouro. Nesta havia
pequenas vendas em casas isoladas nas quais se podia comprar
farinha, toucinho, arroz, milho ou carne seca.6 Também se ven-
diam no centro frutas, hortaliças e grãos cultivados no entorno
da área urbana e mesmo nos sítios mais distantes. Essa produção
de subsistência e o tráfego de tropas vindas da região de
Sorocaba ou das áreas açucareiras sustentavam o reduzido
comércio local. Em tais condições, a movimentação em torno
dessa atividade se restringia aos lavradores, aos tropeiros, aos
vendedores locais e aos escravos. Nas ruas, as feições negras ou

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 161


de miscigenação indígena da população expressavam a forte pre-
sença, em São Paulo, de escravos, negros livres e caipiras.
Em 1836, quase 25% dos paulistanos eram escravos: havia
5.319 cativos numa população total de 21.933 pessoas.7 Esses
dados não registram informações quanto a cor, mas é de se supor
a presença de negros e mestiços livres. Ao longo do século XIX,
São Paulo tornou-se uma cidade com uma expressiva quantidade
de negros, na maior parte não-escravos. Em 1872, viviam na capi-
tal 11.679 negros e mestiços, para uma população estimada entre
26.020 e pouco mais de 31 mil habitantes. Entretanto, somente
3.828 pessoas eram escravas. Às vésperas da abolição, em 1886,
o número estimado de cativos na cidade era de apenas 593, o que
representava 1,23% dos habitantes. Entretanto, a população
negra e mestiça livre somava 10.275 indivíduos.8

O século XIX e a consolidação da capital

No decorrer do século XIX, a pequena capital paulista pas-


saria por uma série de transformações aceleradas até se tornar
uma metrópole multicultural, centro de referência para uma
extensa área que abrange o Estado de São Paulo e regiões do
Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Vamos acom-
panhar alguns aspectos dessa trajetória.
Para além da centralidade geopolítica, a posição de São
Paulo como capital regional consolidou-se já no Império, quando
ela se tornou um universo de mediação que colocava em contato
as diferentes regiões do interior entre si, com outras províncias e
com o exterior.
Após a Independência, em 1822, ocorreram mudanças sig-
nificativas. Sobretudo, foi necessário interiorizar as instâncias de
decisão política e recriar a estrutura da província. Para tanto, tor-
nava-se preciso criar espaços de discussão sobre os rumos pau-
listas e brasileiros, bem como desenvolver um sistema educacio-
nal capaz de formar as elites dirigentes e os administradores dos
negócios.
Em torno dessas preocupações, aprovou-se em 1827 a fun-
dação das duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil, uma
em São Paulo, outra em Olinda. A faculdade paulistana começou
a funcionar em 1828 no convento franciscano ao lado da igreja
de São Francisco, local em que está até hoje. Sua presença traria
mudanças no cotidiano da cidade de aspecto colonial, pois atrai-
ria pessoas de todo o Brasil e mesmo de outros países para serem
alunos e professores.
Pela primeira vez a vida cultural letrada se desvincularia do
universo da igreja. A faculdade foi agente aglutinador de pes-

162 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


soas e idéias e a partir dela surgiu uma série de outros serviços,
tais como livrarias, cafés, hospedarias, teatros, bailes e jornais.
Entretanto, é um exagero dizer que São Paulo era uma cida-
de de estudantes ou que a faculdade a transformou em um
núcleo cosmopolita. Os números de formandos por ano são sufi-
cientes para mostrar que a vida em torno da faculdade estava
divorciada do cotidiano estruturado nos tempos coloniais. Após
uma primeira turma formada em 1831, com apenas seis bacha-
réis, de 1832 a 1837 diplomaram-se em média 45 alunos por
ano. Depois, de 1838 a 1851, houve uma média anual de qua-
torze bacharéis formados, número que cresceu substancialmen-
te de 1852 a 1856, com a média anual de 35 alunos formados.9
Assim, de 1832 a 1856 formaram-se 647 bacharéis, e desse ano
até 1875 outros 1.129 foram titulados.
Logo, a faculdade cruzou a primeira metade do século XIX
com uma limitada expressão quantitativa na vida paulistana, já
que representava poucas centenas de pessoas numa população
total que passou de mais de 20 mil habitantes em 1836 a menos
de 32 mil em 1872.10
No entanto, nesse período de interiorização das atividades
político-administrativas, a faculdade esteve ligada a uma mudan-
ça qualitativa mais geral na relação da cidade com a vida nacio-
nal. Com a reorganização do Estado brasileiro, a capital da
Província de São Paulo passou a ser um espaço de debate sobre
as questões nacionais. Em suma, passou a fazer parte do jogo
político nacional.
Até meados do século XIX, porém, esse universo em torno
da Faculdade de Direito e dos órgãos da administração provincial
não encontrava na cidade outras forças com as quais pudesse se

3 Postal da Faculdade de
Direito do largo de São
Francisco, São Paulo, já com a
fachada resultante da reforma
de 1884/1885, s/d.
A Faculdade de Direito, fundada
em 1827 e localizada no antigo
convento dos franciscanos, foi a
primeira grande instituição edu-
cacional de nível superior estabe-
lecida na cidade de São Paulo,
permanecendo desde então como
uma de suas maiores referências
políticas.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 163


relacionar e efetivamente promover mudanças na dinâmica
social urbana. Aliás, o desencontro entre as expectativas existen-
ciais despertadas pelo ambiente da faculdade e as condições da
vida paulistana é um tema recorrente nas cartas, nas poesias e
no teatro romântico desse período.11
Outra mudança que se fazia sentir na cidade decorria da
acumulação de riqueza com o tropeirismo e o açúcar. Sobretudo
para cuidar da comercialização do açúcar e de seu escoamento
até Santos, tornava-se importante a presença das elites em São
Paulo. Assim, alguns sobrados próximos da região central servi-
ram de moradia a famílias ricas ligadas a esses segmentos eco-
nômicos, antecipando um processo que seria cada vez mais
intenso nas décadas seguintes. Por volta de meados do século
XIX, dentre aqueles que possuíam sobrados na região do triân-
gulo central, estavam Antônio da Silva Prado, o barão de Iguape;
o barão do Tietê; a família Jordão; o brigadeiro Luís Antônio de
Souza e, depois de sua morte, sua viúva d. Genebra de Barros
Leite.12
Pode-se dizer, portanto, que a primeira metade do século
XIX foi um período de gestação do lugar que São Paulo ocuparia
nas décadas seguintes: espaço de mediação entre o interior da
província, a vida nacional e as influências estrangeiras.

O café no Oeste Paulista e a consolidação da centralidade


de São Paulo
As mudanças se consolidariam com a expansão da economia
cafeeira para o Oeste Paulista, superando enormemente os lu-
cros gerados pelo açúcar. Pela primeira vez, a região tributária de
São Paulo desenvolveria uma atividade produtiva central para a
economia brasileira.
Entre os aspectos que tornaram a cafeicultura do Oeste
Paulista fundamental para o desenvolvimento urbano de São
Paulo está o fato de que, enquanto a riqueza do café se concen-
trava no Vale do Paraíba, o escoamento da produção pelo siste-
ma São Paulo-Santos era mínimo. Os principais portos para o
café vale-paraibano localizavam-se nas costas de Angra dos Reis,
Parati, Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião. Assim, surgi-
ram no trecho paulista do vale núcleos urbanos ricos e politica-
mente influentes, porém mais ligados às terras fluminenses e à
capital do Império do que à capital paulista. Isso colocava em
xeque o papel central de São Paulo para a província.13
A expansão da cafeicultura para o Oeste Paulista mudaria
esse quadro. Ela esteve associada a uma série de mudanças na
organização do trabalho e na ocupação do interior que levariam
São Paulo a ocupar definitivamente a centralidade dessa vasta
área.

164 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


4

4 Rua de São Bento, São


Paulo, de Militão Augusto de
Azevedo, c. 1862.
Erguido provavelmente no início
do século XIX, o vasto sobrado
localizado na esquina das ruas do
Ouvidor (atual José Bonifácio) e
São Bento foi a morada do
brigadeiro Luiz Antônio de Souza,
um dos maiores negociantes e
fazendeiros de açúcar residentes
na cidade de São Paulo.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 165


Em 1850 a proibição governamental do tráfico de africanos
para o Brasil abalou decisivamente a escravidão. Por mais que
houvesse tráfico clandestino e ainda que se comprassem muitos
cativos de outras regiões brasileiras, sobretudo do Nordeste e de
Minas Gerais, não se podia mais contar com o trabalho escravo
nos planos de expansão da atividade econômica a médio e longo
prazos.
Havia dois entraves para o desenvolvimento das lavouras de
café: o sistema de transportes ainda precário, tanto nas estradas
do interior quanto na Serra do Mar, e a mão-de-obra. Resolvê-los
seria decisivo para o crescimento da cidade.
A solução para o problema dos transportes foi a construção
de uma rede ferroviária ligando toda a região da cafeicultura ao
porto de Santos. Superado o desafio dos 800 metros da serra do
Mar, a ferrovia construída pela companhia inglesa The São Paulo
Railway chegou em 1866 a São Paulo, na primeira estação da
Luz. Em 1867 alcançou Jundiaí, de onde, nos anos posteriores,
receberia a produção transportada por outras ferrovias que se
ramificavam em direção ao oeste e norte da província, como a
Paulista e a Mogiana. Assim, ao longo dos trilhos foram criadas
vilas e cidades que enriqueceram e desenvolveram funções espe-
cificamente urbanas.
Em 1875, foi construída a ferrovia Sorocabana, cuja estação
se localizava praticamente ao lado da estação da Luz. De lá, os
trens alcançavam Sorocaba, Ipanema e Tietê. Em 1877, já havia
sido concluída a estrada de ferro São Paulo - Rio de Janeiro, cuja
estação ficava no bairro do Brás. A partir de 1890, ela se ligou à
ferrovia D. Pedro II, dando origem à Central do Brasil.
Ainda que os trilhos transportassem principalmente cargas,
os deslocamentos de passageiros ficaram muito mais fáceis. O
aumento do fluxo de pessoas na capital paulista acarretaria a
criação de hotéis próximos às estações, muitos deles luxuosos e
confortáveis. A presença daqueles que tratavam dos negócios do
café nos hotéis era uma novidade, principalmente porque, até o
início da década de 1850, havia apenas hospedarias de tropeiros
no espaço urbano.
A cidade de São Paulo não teve um papel de destaque na 5 e 6 Postais da Estação da Luz
comercialização do café, pois os pontos principais de entronca- e Estação Júlio Prestes, São
mento da malha ferroviária eram Campinas e Jundiaí, de onde o Paulo, s/d.
produto viajava direto até Santos. No entanto, a capital desem- Inauguradas respectivamente em
penhou funções estratégicas no financiamento da produção. 1901 e 1938, as estações das fer-
Nela se concentravam os estabelecimentos bancários, dando ori- rovias The São Paulo Railway
(Santos a Jundiaí) e Sorocabana
gem a um mercado de capitais que seria decisivo para o poste-
foram os símbolos mais evidentes
rior financiamento da industrialização. da relação entre a riqueza da
O negócio do café exigia grandes investimentos, pois o cafe- capital e a produção cafeeira do
zal só produz cerca de cinco anos e tanto os meios de produção interior paulista.

166 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


5

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 167


7

como os escravos precisavam ser comprados antecipadamente.


Além disso, as ferrovias eram feitas com capital privado. Como
não havia uma poupança interna suficiente à expansão dos
negócios na escala que era demandada, os principais financiado-
res foram os bancos estrangeiros, sobretudo os ingleses.
Fortunas criadas no café também foram reinvertidas no estabe-
lecimento de bancos, gerando relações estreitas entre a cafeicul-
tura e o sistema bancário. Com isso, em 1889 a cidade tinha
duas sucursais de bancos ingleses e cinco bancos nacionais; ape-
nas um deles, o Banco Mercantil de Santos, tinha a sede fora da
capital.14
Com a intensificação da onda imigratória, São Paulo tornou-
se um pólo central no mercado de trabalho. A Hospedaria dos
Imigrantes, inaugurada em 1888, abrigava os recém-chegados
por alguns dias, até que seguissem para as fazendas do interior.
Uma parte deles, no entanto, ficaria na cidade. Nela, tentariam
ganhar a vida nos pequenos ofícios urbanos e nas indústrias que
começavam a surgir.
7 Postal da Hospedaria dos
A arrancada industrial Imigrantes, São Paulo, s/d.
Desse modo, no final do século, foram se reunindo em São Porta de entrada para centenas
Paulo as condições necessárias para o desenvolvimento do setor de milhares de novos braços para
comercial e de indústrias destinadas a substituir a importação de a lavoura cafeeira paulista, a
bens de consumo pela produção nacional. Hospedaria dos Imigrantes, situa-
Havia mercado de capitais, mercado de trabalho e circulação da no bairro do Brás e concluída
em 1888, abriga hoje o Memorial
de moeda na economia. Também ocorreu o desenvolvimento do
do Imigrante e um arquivo com
setor de infra-estrutura, tanto com a malha ferroviária, quanto os registros de entrada de
com a instalação das primeiras usinas de energia elétrica. Além estrangeiros pelo porto de Santos
disso, a concentração demográfica na capital e nas cidades entre 1882 e 1978.

168 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


enriquecidas do interior gerou uma demanda por bens de consu-
mo semiduráveis e por alimentos.
Assim, ao redor de São Paulo e nas terras desvalorizadas
pela expansão do café para oeste, foram surgindo pequenos
sítios produtores de alimentos. Em algumas cidades do interior e
com mais intensidade na capital seriam criadas indústrias para
atender a esse mercado consumidor.
Tais aspectos, no entanto, não foram causas da industriali-
zação, mas sim as condições que deram as possibilidades dos
investimentos em manufaturas. Outras cidades reuniram condi-
ções próximas a essas e não desenvolveram indústrias, como
Belém, com a riqueza acumulada pela borracha, Ilhéus e Itabuna,
com o cacau, ou Recife e Salvador, com o açúcar.15
A reinversão em larga escala de capitais do setor cafeeiro
nas atividades industriais só aconteceu porque havia a perspecti-
va de ganhos reais para esses investimentos. Essa perspectiva era
dada pela criação de um mercado consumidor na capital e no
interior, pois o encarecimento da mão-de-obra levava os cafeicul-
tores a restringir atividades de subsistência nas fazendas. Além
disso, os investimentos industriais viram-se estimulados pela
expansão do crédito na virada do século, a redução nas taxas de
lucro da cafeicultura e as políticas de proteção ao setor cafeeiro,
como a desvalorização da moeda nacional e o conseqüente
encarecimento das importações.
São Paulo e o Rio de Janeiro reuniram essas condições que
possibilitaram a industrialização. No caso paulista, as indústrias
foram criadas primeiro no interior e só depois se concentraram na
capital. Ao longo da década de 1910, São Paulo torna-se o maior
pólo industrial brasileiro, sendo a capital paulista responsável por

8 Postal de usina de açúcar em


Piracicaba, s/d.
As usinas de açúcar movidas a
vapor, localizadas em cidades do
interior paulista como Piracicaba,
Porto Feliz e Lorena, constituíram
um dos maiores investimentos
industriais paulistas implantados
fora da capital durante o século
XIX.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 169


9

mais da metade dessa produção. Um das razões para a indústria


do Rio de Janeiro ser ultrapassada pela paulista é que lá a região
interiorana não havia se enriquecido como em São Paulo, restan-
do em longas áreas uma economia de subsistência, em muitos
casos sucessora dos antigos cafezais já decadentes.
Em resumo, a passagem do café para o Oeste Paulista trans-
formou definitivamente a relação de São Paulo com o interior e o
conjunto do país. A cidade beneficiada pela condição de núcleo de
caminhos, e na qual havia uma elite letrada e atuante nas questões
políticas nacionais, passou a sediar as instituições financiadoras do
café cultivado em outras áreas. Em seguida, com o desenvolvimen-
to industrial, pela primeira vez São Paulo se tornou o espaço de
atividades econômicas produtoras de riqueza em larga escala.
Com isso, a capital paulista reconfigurou suas antigas insti-
tuições e funções para se afirmar como centro econômico, polí-
tico e cultural. Para ela convergiam o sistema de transportes, 9 Vista parcial da fábrica de
tecidos São Luiz, em Itu.
nela estavam a sede do governo, as instituições de ensino e os
principais órgãos de imprensa. Nela foram morar as elites. Com A Fábrica São Luiz iniciou suas
atividades em Itu em 1869 e foi a
o enriquecimento pela atividade industrial, a cidade mudaria
primeira tecelagem a vapor da
também as representações sobre si, desenvolvendo uma auto- província de São Paulo, eviden-
imagem associada à modernidade, à organização racional do tra- ciando o pioneirismo industrial do
balho, à inovação empreendedora e ao cosmopolitismo. interior perante a capital.

170 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Transformações no espaço urbano

A nova imagem de São Paulo acarretou transformações no


espaço urbano, e refletiu-se nelas. Cada vez mais, os fazendeiros
e suas famílias iam morar na capital, ampliando as fileiras da elite
paulistana. Assim, as chácaras da margem esquerda do rio Anhan-
gabaú foram loteadas e deram lugar a bairros com arruamento
mais regular que a região central. O primeiro a ser aberto foi o de
Campos Elísios, nos anos 1880. Na década seguinte surgiu o bair-
ro de Higienópolis, no qual até cerca de 1925 se concentravam as
famílias de maior prestígio e riqueza.
A partir da região da Luz em direção a Higienópolis e, mais
tarde, para a avenida Paulista, foram sendo construídos palace-
tes de tijolo. As novas moradias das elites estavam associadas a
mudanças nos hábitos, que incorporavam as noções européias,
sobretudo francesas, de civilização, luxo e elegância. Entre os
palacetes mais significativos estavam os do segundo barão de
Piracicaba (um dos primeiros fazendeiros de café do interior a
construir uma moradia suntuosa na capital); de D. Veridinana
Valéria da Silva Prado (grande proprietária de fazendas na região
da Mogiana); a Chácara do Carvalho, do Conselheiro Antônio da
Silva Prado; as residências de D. Maria Angélica Aguiar de Barros
e de Elias Pacheco Chaves.16
As novas maneiras de morar e viver não eliminavam por
inteiro as antigas marcas rurais e semi-rurais paulistanas. Desde
o tempo em que as elites habitavam nas chácaras e nos sobra-
dos, o abastecimento de alimentos era feito por produtos vindos
dos quintais dos sobrados ou das chácaras. Quem passasse pelo

10

10 Postal da Usina de
Parnaíba, Santana de Parnaíba,
s/d.
A antiga Usina de Parnahyba,
hoje denominada Edgard de
Souza, foi inaugurada em 1901,
tornando-se então a primeira
hidrelétrica a gerar eletricidade
para a capital, embora já se
situasse às portas do interior do
Estado.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 171


palacete de J. Malta, na esquina da avenida Higienópolis com a
rua Itacolomy, não imaginaria que nos fundos houvesse criação
de patos, perus e galinhas para autoconsumo.17
Ao longo da estrada Santos-Jundiaí, nas várzeas alagadiças
dos rios Tamanduateí e Tietê, formaram-se bairros operários e
industriais. Deles esteve ausente o planejamento urbano que
beneficiou as áreas centrais e os bairros das elites. No sentido da
linha do trem, formaram-se o Ipiranga, o Cambuci, a Mooca, o
Brás, o Pari, a Luz, o Bom Retiro, a Barra Funda, a Água Branca e
a Lapa18, todos dividindo o espaço de moradia com o de trabalho.
Na margem esquerda do Anhangabaú, subindo em direção
ao espigão central, uma antiga chácara nos campos do Bexiga
foi loteada, dando origem ao bairro da Bela Vista. Em direção ao
sul, surgiram a Liberdade, o Cambuci, a Vila Deodoro e a Vila
Mariana. Além do Tietê, cresceram os antigos povoados de
Santana e Freguesia do Ó. Para leste, a cidade se desenvolveu ao
longo dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil e, além do
Brás, foram criados bairros como o Belém e o Tatuapé.
Já no começo do século XX, algumas famílias de imigrantes
recentes fizeram fortuna com a indústria e com o comércio.
Esses novos enriquecidos não foram morar nos bairros das elites
já existentes, mas sim no ponto mais alto da cidade, a avenida
Paulista, inaugurada em 1891. Mais que um espaço de moradia,
portanto, a ocupação do topo do espigão central da cidade sim-
bolizava a ascensão social daqueles imigrantes.
Algumas biografias, como a do conde Francisco Matarazzo,
e a impressão suntuosa da riqueza recém-conquistada no alto da
cidade alimentaram o sonho imigrante, fosse nas fazendas ou já
na capital, de ficar independente de um patrão e passar a traba-
lhar para si. Assim, a riqueza era concebida como fruto do traba-
lho árduo e de duras privações num período inicial. O sucesso de
Matarazzo e de outros imigrantes, então, passou a ser um exem-
plo da possibilidade real de sucesso para todos aqueles que
tinham a mesma origem. Com isso, a ideologia do trabalho, que
tinha suas bases no regime de colonato, adaptou-se de vez à
cidade, que passou a representar o espaço da realização do sonho
de ascensão social, alcançável apenas por poucos.

A articulação de épocas e modos de vida


São Paulo fazia conviver e articulava numa só realidade
padrões e estilos bastante diversos. Havia ao mesmo tempo casa-
rios do tempo colonial, modos de organizar a existência herda-
dos desse tempo passado, bairros rurais, pequenos sitiantes,
a moderna ferrovia e novidades vindas da Europa, expostas
no comércio e nos serviços. Nos arredores do centro restavam
muitas chácaras. Em 1872 a Chácara das Palmeiras, que deu

172 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


lugar ao atual bairro de Santa Cecília, tinha senzalas, armazéns,
cocheiras, plantações de café e capinzais.19
O enriquecimento e a expansão da área urbana, na virada
do século, foram espantosos. Em 1890 a cidade tinha 64.934
habitantes, mais que o dobro da população de 1872. Em 1900,
havia 239.820 habitantes e em 1920 moravam em São Paulo
579.033 pessoas. Ou seja, em 30 anos a população paulistana
cresceu quase dez vezes, chegando a ter a taxa média de expan-
são de 14% ao ano nas décadas de 1900 e 1910, segundo os
cálculos de Paul Singer.20 Desse modo, a capital paulista tornou-
se a segunda maior cidade brasileira daquele período.
É evidente que todo esse aumento populacional ocorreu
basicamente por conta da migração interna e da chegada dos
imigrantes. A antiga população de origem rural ou semi-rural, os
negros que trabalhavam na cidade ou que migraram para ela
após a abolição tornaram-se minoria demográfica e não teriam
lugar de destaque nos novos modos de vida que estavam se for-
mando.21 Houve uma imensa mudança na composição étnica, o
que deu feições mais europeizadas à população paulistana.
A cidade era outra no começo do século XX. Em pouco
tempo ocorreram a supressão do trabalho escravo, a imigração
em massa, a construção de ferrovias, o desenvolvimento indus-
trial, a expansão do comércio de bens de consumo, reformas
urbanas, a abertura de novos bairros. São Paulo mudou sua rela-
ção com o interior, afirmando-se como palco de uma atividade
econômica próspera e ao mesmo tempo mantendo-se como cen-
tro político, logístico, comercial, mercado de trabalho e de capi-
tais voltado ao principal setor da economia brasileira.
Ficava cada vez mais distante o modo de viver de origem
colonial. Mas o passado ainda se fazia presente na arquitetura do
centro velho, nos modos de se portar, nos hábitos e atitudes que
se manifestavam nas ruas e nas casas. Não se tratava apenas de
uma sobrevivência: as diferenças culturais e de tempos históricos
eram contemporâneas e se misturavam no mesmo espaço. O anti-
go e o estrangeiro se reproduziam no interior das novas relações
como meio de sobrevivência dos grupos, ao mesmo tempo em
que velhos padrões eram mobilizados como meios de fazer o
novo existir. Entretanto, as antigas elites e os imigrantes queriam
outra cidade, moderna e orientada por um novo projeto nacional.
O espaço urbano foi reformado, portanto. Nesse período,
São Paulo tornou-se uma cidade em obras. Não havia só a cons-
trução de novas moradias e prédios para funções públicas ou de
trabalho, mas também empreendimentos que eliminariam as
marcas da velha cidade.
A primeira Estação da Luz já havia sido reformada em 1880,
mas dez anos depois já se discutia a necessidade de ampliá-la.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 173


11

11, 12 e 13 Residências do
marquês de Três Rios (acima),
do segundo barão de Piracicaba
e de D. Veridiana Prado
(à direita), São Paulo.
Os grandes sobrados neoclássicos
localizados no bairro paulistano
da Luz são exemplos de residên-
cias sofisticadas que passaram a
ser ocupadas por fazendeiros de
café e capitalistas do interior que
12 mantinham moradias na cidade
de São Paulo; já o palacete de
D. Veridiana era, ao contrário dos
anteriores, exemplo das ricas
residências de paulistanos que
eram proprietários de grandes
fazendas no interior paulista.

174 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


13

O novo projeto foi feito em Londres e contava com uma torre de


relógio inspirada naquela do Big Ben. Todo o material de cons-
trução veio pelo mar: tijolos, madeiramento, estruturas de ferro
e aço, vidros e até parafusos. Inaugurado em 1901, o novo pré-
dio tornou-se símbolo das transformações pelas quais a cidade
passava. A estação representava a pujança e a riqueza em fran-
ca expansão do café; representava também a ligação do univer-
so da produção agrícola do interior paulista com as novas con-
cepções europeizadas de progresso e modernidade.
Segundo Ernani Silva Bruno, “consciente ou inconsciente-
mente, o governo municipal e o poder eclesiástico iam eliminando
da cidade os seus aspectos e os seus costumes de feição tradicio-
nal ou provinciana mais acentuada. (...) As próprias igrejas antigas,
feitas de taipa segundo os rudes moldes coloniais - a de Santa
Ifigênia, a de São Bento, a da Sé -, desapareceram para dar lugar,
no começo do novecentismo, a templos edificados segundo esti-
los universalmente consagrados e portanto mais de acordo com a
feição tanto quanto possível européia que a cidade procurava
assumir - às vezes sem dúvida mediante esforço deliberado de
administradores como Antônio Prado - escondendo ou eliminando
qualquer traço não-europeu ou ‘caipira’ que porventura perduras-
se em suas ruas, suas casas, em seus jardins, em seus costumes”.22

Contradições da metrópole multicultural

São Paulo do começo do século XX era uma metrópole mul-


ticultural. Entretanto, na construção de sua auto-imagem mo-
derna não havia espaço para todos. A modernidade estava asso-
ciada a idéias e hábitos europeus. Seus símbolos eram o trabalho

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 175


14

assalariado, livre e urbano; um povo branco e de feição europei-


zada; o desenvolvimento da indústria e do comércio de bens de
consumo; as transformações nos modos de vida para incorporar
as novidades. Aos poucos, a máquina e a técnica dariam a tôni-
ca das novas relações e uma nova moralidade seria construída.
Nela, os valores desejados incidiriam sobre as idéias de potência,
velocidade, energia, desempenho, competição e eficiência.23
Assim, às transformações no espaço urbano corresponderam
transformações no tempo e no ritmo das relações sociais. Altera-
vam-se as coordenadas da vida social, as referências externas pelas
quais se pode reconhecer o mundo como um universo familiar.
Modificavam-se os valores e importavam-se novos hábitos.
Viver nessa cidade, portanto, exigiria mudanças subjetivas e
a reeducação das pessoas, exigiria o desenvolvimento de novas
habilidades e maneiras inovadoras de se relacionar consigo, com
os outros e com o meio. Os modos de viver herdados do passado
colonial e do século XIX já não eram suficientes para que as pes-
soas participassem plenamente das atividades da trama social.
Entretanto, as culturas tradicionais não sumiram para dar lu-
gar ao modo de vida urbano. Como afirma Florestan Fernandes, 14 Palacete de Geremia
“o homem não manteve porções variáveis de sua herança cultural Lunardelli, São Paulo, s/d.
tradicional porque estivesse vinculado a elas emocional e moral- Erguido na avenida brigadeiro
mente. Manteve-as porque as coisas não poderiam transcorrer de Luiz Antônio, em São Paulo, cons-
tituiu um exemplo significativo da
outro modo; ele não poderia saltar da própria pele, assumir outra
ascensão dos imigrantes do inte-
personalidade e entretecer outra mentalidade sem mais nem me- rior que, enriquecidos com o café,
nos. Tinha de viver e só podia viver de acordo com a segunda na- puderam erguer residências impo-
tureza, nele desenvolvida pela antiga herança cultural”.24 nentes na capital.

176 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


15

16

15 e 16 Postais retratando o
Hotel d’Oeste e o Hotel
Esplanada, São Paulo, s/d.
Os postais do Hotel d’Oeste, céle-
bre pela freqüência de fazen-
deiros do Oeste Paulista, e do
suntuoso Hotel Esplanada, ergui-
do pelo mesmo arquiteto francês
que projetara o hotel Copacabana
Palace, evidenciavam a importân-
cia dos novos marcos urbanos
resultantes das demandas que a
cidade de São Paulo passava a
acolher desde sua conversão em
pólo financeiro e industrial.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 177


17

Pode-se dizer que uma relação similar aconteceu com os


imigrantes e com os outros grupos que chegariam em São Paulo.
O desenvolvimento do novo modo de vida se fez em relação com
os antigos, transformando-os e recolocando-os nas novas condi-
ções de existência. A herança cultural permaneceu na formação
das pessoas e em seu comportamento, ainda que a ascensão dos
novos estilos tenha ocorrido com forte intensidade e por vezes
com brutalidade. As várias heranças culturais ressurgiam na cida-
de moderna em fragmentos de práticas e idéias recontextualiza-
dos e relacionados entre si. Alguns desses elementos culturais
serviram para reconstruir laços de identidade e de sentimento de
pertencimento a um grupo na metrópole que se formava.
Eram tempos de contradições. Nas ruas, falavam-se muitas
línguas estrangeiras, sobretudo o italiano. O imigrante era visto
com um elemento de branqueamento e europeização da popula-
ção, como um fator de reconstrução do povo e de modernização
da nação. Entretanto, ao mesmo tempo, ele era uma ameaça à
preservação do sentimento de brasilidade. Quando alguns enri-
queceram e marcaram no espaço físico da cidade sua ascensão
social, tornaram-se ameaças também às antigas elites paulistas. 17 Postal da igreja do Colégio,
São Paulo, s/d.
Mitos da modernidade A antiga igreja do Bom Jesus,
Houve, então, uma reação nacionalista com viés regionalis- erguida pelos jesuítas no pátio do
ta.25 A língua e a educação pública foram instrumentos de afirma- Colégio, local da fundação de São
Paulo, sobreviveu até 1896, quan-
ção da brasilidade, especialmente na socialização das crianças.26
do foi eliminada pelas autori-
Além disso, o passado paulistano foi recontado e nele se busca- dades republicanas ansiosas por
ram elementos para formar um “caráter paulista” que permitiria apagar da cidade os traços da rús-
explicar a formação do presente que todos viviam. Nessa recons- tica cidade colonial.

178 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


trução ideológica da história, alguns grupos sociais ocuparam o
lugar de mais legítimos representantes da tradição. Esse papel
coube às elites que se reproduziam desde os tempos coloniais.
As mudanças que a cidade vivia não ocorreram na forma de
sucessão de etapas nas quais o novo aos poucos se impunha ao
antigo, deixando às marcas do passado a condição de sobrevi-
vências mais ou menos anacrônicas. Não ocorreram desse modo,
mas foi desenvolvido um viés para compreender assim a história
paulista, como uma sucessão de etapas que caminharam no sen-
tido do desenvolvimento industrial, da expansão da urbanização
e da supremacia do tempo linear do cotidiano moderno.
Para recontar a história paulista, buscou-se no passado ban-
deirante a raiz de alguns traços do presente. Se a cidade era
moderna, se ela enriquecera e se acelerara e podia acolher os
imigrantes e realizar os seu sonhos de riqueza, se ela se recons-
truía continuamente em busca do futuro, tudo isso se devia ao
caráter herdado dos antigos sertanistas.
Um texto publicado no jornal O Estado de São Paulo em
1919, por ocasião da entrega dos prêmios para a Prova Estadinho
de Pedestrianismo, ilustra bem esse modo de se representar:
“Cheguemos porém à realidade do momento. Vindo ao Brasil,
vindo a São Paulo, nossos gloriosos ascendentes não eram mais
que intrépidos pedestrianos, que se largavam através da hostil
selva brasileira, lutando contra o gentio, contra o solo que pisava,
contra as plantas e os animais e contra a fome e contra a sede. Se
os que venciam voltavam carregados de riquezas e de triunfos,
ficando na ânsia eterna de uma nova arremetida, os que perdiam,
uns caíam em um canto, mato dentro, sem outro sustento que a
água do céu acompanhada da que seus olhos vertiam. Assim os
paulistas conquistaram para a civilização o interior do Brasil, onde
hoje floresce essa esplêndida Paulicéia. E foram descendentes des-
ses bandeirantes antigos, ou filhos de outros bandeirantes transa-
tlânticos dos nossos tempos, que conseguiram fechar a capital de
São Paulo no estreito limite de uma hora e minutos de corrida”.27
Como se vê, em fins da década de 1910 já estava construí-
do um mito da paulistanidade que ligava o passado bandeirante
ao presente moderno, industrial e europeizado, o que justificava
o sentido da história que se queria imprimir. Nesse mito, a ideo-
logia do progresso e a do trabalho se ajustariam muito bem,
fazendo com que os imigrantes e as antigas elites se comprome-
tessem com um modo de olhar para a história e fazer a vida que
valorizava os símbolos da modernidade paulistana.
Assim, podemos afirmar que São Paulo se formou como
metrópole moderna gerando em si uma enorme contradição. Seu
desenvolvimento mobilizou pessoas com origens muito diversas e
fez conviver toda essa diversidade cultural nacional e estrangeira.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 179


Com tamanha variedade de experiências humanas, de tradições
e saberes, a cidade reuniu um potencial de troca e de enriqueci-
mento mútuo que abre inúmeras possibilidades de soluções para
os desafios da vida. Entretanto, essa rica diversidade cultural não
está no centro das representações hegemônicas sobre a cidade.
Nelas, prevaleceu o desejo de moldar a vida paulistana segundo
modelos do que se supunha ser a vida européia. Tratava-se de
fazer São Paulo, e o Brasil, chegar ao presente e se ligar ao futu-
ro da urbanização, da máquina, da indústria e do progresso.
Com isso, a moderna ideologia paulistana se opôs de modo
repressor às diferentes heranças culturais daqueles que fizeram a
cidade no século XX. Entretanto, como não se pode sair da pró-
pria pele para se formar como os modernos homens e mulheres
citadinos, essa tradição se refez e continuou a existir no univer-
so subjetivo e nos modos de viver dos paulistanos. Ao longo dos
bairros, foram recriadas formas de sociabilidade e vizinhança de
origem rural ou semi-rural. Os saberes da cultura caipira sobre a
natureza continuaram a ter lugar na vida das pessoas urbaniza-
das. Do mesmo modo, as formas divinatórias e as crenças para
evitar infortúnios e atrair venturas.
Ao mundo rural, coube um papel cheio de ambigüidades.
Por um lado, era marca de autenticidade e paulistanidade de al-
guns grupos em oposição aos estrangeiros. Ao mesmo tempo,
porém, os populares pobres e os caipiras viram-se expulsos das
regiões da cidade que simbolizariam a modernidade28 e não par-
ticipariam plenamente do novo mundo do trabalho assalariado
urbano.29
A identidade moderna de São Paulo se fez em oposição aos
modos de viver e pensar do mundo rural, que representava o
arcaico e o atraso. Entretanto, simultânea e contraditoriamente,
o mesmo descompasso em relação à vida urbana foi revestido de
valores positivos. O interior, em algumas representações, apare-
ce como um espaço idílico, desprendido, de pureza ingênua. Em
contraponto com a pressão da vida urbana, seu ritmo acelerado
e seu tempo linear apontando constantemente para o futuro, o
interior também foi apresentado como um universo marcado por
temporalidades cíclicas e de contato direto com a natureza e seu
ritmo.
Sobretudo, nas primeiras décadas do século XX, a capital
paulista tornou-se mais que nunca o ponto de concentração dos
caminhos e dos fluxos de pessoas e bens. Enriquecida, despon-
tou como o universo no qual os novos modelos de viver, habitar,
pensar e ser foram desenvolvidos e difundidos. Com isso, passou
a ser um centro de difusão de referências culturais e experiências
de vida para a região interiorana sob sua influência.

180 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


18

18 Mulheres descansando, São


Paulo, de Vicenzo Pastore, c.
1910.
Apesar dos milhares de imi-
grantes europeus chegados a par-
tir de 1870, os negros ainda eram
marcantes na paisagem urbana
paulistana da Belle Époque.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 181


19

19 Postal Mercado dos caipi-


ras, várzea do Carmo, São
Paulo, 1904.
A necessidade de consumo de
víveres pelos milhares de novos
habitantes garantiu aos caipiras
do entorno da capital sua per-
manência em meio ao processo
de modernização da cidade.

182 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


20

20 Vendedor de vassouras,
São Paulo, de Vicenzo Pastore,
c. 1910.
Em meio à cidade já marcada pela
industrialização, pelas modas
francesas e pela arquitetura dos
italianos, sobrevivia, no peito do
ambulante mestiço o amuleto
caipira, feito com dente de ani-
mais selvagens.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 183


Notas

1 MATOS, Odilon Nogueira de. 9 Cálculos feitos a partir dos 24 FERNANDES, Florestan. O fol-
Café e ferrovias. Campinas, SP: dados de MORSE, Richard. Op. clore de uma cidade em mu-
Pontes, 1990, pp. 39-40; PRA- cit., pp. 62, 96 e 97. dança. In: Folclore e mudança
DO JÚNIOR, Caio. A cidade de 10 SINGER, Paul. Op. cit., pp. 19 social na cidade de São Paulo.
São Paulo: geografia e história e 31. Ver também a nota 8. 2.ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
- o fator geográfico na for- 11 MORSE, Richard. Op. cit. 1979.
mação e no desenvolvimento 12 HOMEM, Maria Cecília Naclé- 25 SEVCENCO, Nicolau. Op. cit.,
da cidade de São Paulo. In: rio. O palacete paulistano e ou- p. 247 e ss; faz referência a
Evolução política do Brasil e tras formas urbanas de mo- um movimento literário com
outros estudos. 2.ª ed. São rar da elite cafeeira: 1867- forte acento de um regionalis-
Paulo: Brasiliense, 1957. 1918. São Paulo: Martins Fon- mo paulista.
2 SINGER, Paul. Desenvolvimen- tes, 1996, pp. 44-5. 26 GLEZER, Raquel. As transfor-
to econômico e evolução urba- 13 SINGER, Paul. Op. cit., pp. 29- mações da cidade de São
na. São Paulo: Companhia Edi- 30; MORSE, Richard. Op. cit., Paulo na virada do século XIX
tora Nacional 1974, pp. 19-80. p. 118. e XX. In: Museu Paulista da
3 JANCSÓ, István (coord.). Cro- 14 SINGER, Paul. Op. cit., p. 33. Universidade de São Paulo.
nologia de história do Brasil 15 SINGER, Paul. Op. cit. Cadernos de história de São
colonial (1500-1831). São Pau- 16 HOMEM, Maria Cecília Naclé- Paulo. Vols. 3 e 4. São Paulo:
lo: USP/FFLCH, 1994, p. 132. rio. Op. cit. USP, 1994-1995.
4 BRUNO, Ernani Silva. História e 17 MALUF, Marina e MOTT, Maria 27 Na entrega dos Prêmios Esta-
tradições da cidade de São Lúcia. Recônditos do mundo dinho, OESP, 4/2/1919, citado
Paulo. Vol. 2. Rio de Janeiro: feminino. In: História da vida em SEVCENCO, Nicolau. Op.
José Olympio. pp. 555-580. privada no Brasil. Vol. 3. São cit., pp. 68-9.
5 MORSE, Richard. De comuni- Paulo: Companhia das Letras, 28 SEVCENCO, Nicolau. Op. cit.,
dade a metrópole: biografia de 1998, p. 405. p. 141.
São Paulo. São Paulo: Comis- 18 PRADO Júnior, Caio. Contri- 29 SANTOS, Carlos José Ferreira
são do IV centenário da cidade buição para a geografia urba- dos, Op. cit.,
de São Paulo, 1954, p. 29. na da cidade de São Paulo. In:
6 MATOS, Odilon Nogueira de. Evolução política do Brasil e
São Paulo no século XIX. In: outros estudos. 2.ª ed. São
Azevedo, Aroldo (org.). A cida- Paulo: Brasiliense, 1957, pp.
de de São Paulo: estudos de 132-3.
geografia urbana. Vol. II. São 19 MATOS, Odilon Nogueira de.
Paulo: Companhia Editora Na- São Paulo no século XIX. In:
cional, 1958, p. 61. AZEVEDO, Aroldo. Op. cit.,
7 Emplasa, Memória urbana: a p. 87.
grande São Paulo até 1940. 3 20 SINGER, Paul. Op. cit., p. 58.
vols. São Paulo: Arquivo do 21 SANTOS, Carlos José Ferreira
Estado,Imprensa Oficial, 2001, dos, para uma boa análise es-
tabela 25, p. 37. tatística da exclusão dos “po-
8 As estimativas da população bres nacionais” do mercado de
paulistana em 1872 são va- trabalho comercial e industrial
riáveis: 26.020, 26.400 e na São Paulo desse período.
31.385 habitantes. Cf. SAN- 22 BRUNO, Ernani. Op. cit. Vol. 3,
TOS, Carlos José Ferreira dos. p. 911.
Nem tudo era italiano: São 23 SEVCENCO, Nicolau. Orfeu
Paulo e pobreza (1890-1895). extático na metrópole. São
2.ª ed. São Paulo, Fapesp e Paulo: Companhia das Letras,
Anablume, 2003, pp. 32 e 39. 1992.

184 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Sobre os autores

Anicleide Zequini
Mestre em história, doutoranda em arqueologia e responsável pelo Arquivo
Histórico do Museu Republicano/MP/USP.

Valderez A. da Silva
Mestre em História, professor e coordenador de projetos educacionais.

Maria Daniela B. de Camargo


É graduada em História, desenvolve pesquisa sobre a história de Itu e re-
gião e é autora de A escravidão em Cabreúva no sec.XIX.

Maurício Érnica
Antropólogo, professor universitário e colabora em diferentes projetos do
CENPEC.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 187


Bibliografia

Bibliografia da introdução Bibliografia geral dos capítulos sistema sucessório entre os


senhores de engenho do Oeste
ARANTES, Antonio Augusto (org.). AB’ SABER, Azis et al. História geral Paulista, 1765-1855. Disserta-
Produzindo o passado - estraté- da civilização brasileira: do ção de mestrado. São Paulo:
gias de construção do patri- descobrimento à expansão ter- USP/FFLCH, 1987.
mônio cultural. São Paulo: Bra- ritorial. Introdução de Sérgio
siliense/Secretaria de Estado da Buarque de. Vol. 1, tomo 1. _____ e BRIOSCHI, Lucila Reis
Cultura, 1994. 13.ª ed. Rio de Janeiro: Ber- (orgs.). Na estrada do Anhan-
trand Brasil, 2003. güera: uma visão regional so-
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Pa- bre a história paulista. São
recer sobre os critérios de identi- ABREU, João Capistrano de. Cami- Paulo: Humanitas, 1999.
dade étnica. In: Antropologia no nhos antigos e o povoamento
Brasil: mito, história, etnicidade. do Brasil. Belo Horizonte: Ita- BARROS, Maria Paes de. No tempo
São Paulo: Brasiliense, 1987. tiaia/São Paulo: Edusp, 1988. de dantes. 2.ª ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1998.
DIAS, Maria Odila Silva. Hermenêu- ALCÂNTARA MACHADO. Vida e
tica do quotidiano na historio- morte do bandeirante. Belo BELMONTE. No tempo dos bandei-
grafia contemporânea. In: Pro- Horizonte: Itatiaia; São Paulo: rantes. São Paulo: Melhora-
jeto História: São Paulo (17 / Edusp, 1980. mentos, s/d.
Trabalhos da memória), nov. de
1988, pp. 223-258. (Revista do ALMEIDA, Aluísio de. Vida e morte BOXER, Charles R. O. O Império
Programa de Estudos Pós-Gra- do tropeiro. São Paulo: Livraria marítimo português, 1415-
duados em História e do Depar- Martins, 1971. 1825. Trad. Anna Olga de
tamento de História da PUC-SP). Barros Barreto. São Paulo:
AMARAL, Aracy A. A hispanidade Companhia das Letras, 2002.
FONSECA, Maria Cecília Londres. O em São Paulo. São Paulo:
patrimônio em processo - tra- Nobel/Editora USP, 1981. ____. A idade do ouro do Brasil:
jetória da política federal de dores de crescimento de uma
preservação no Brasil. Rio de ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Tomos sociedade colonial. Trad. Nair
Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. X, XXIII e XXVII. São Paulo: de Lacerda. Rio de Janeiro:
Edição Universidade de São Nova Fronteira, 2000.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. O Paulo, anos variados.
que é patrimônio histórico? BRUNO, Ernani Silva. História e tra-
São Paulo: Brasiliense, 1981. ANCHIETA, José de. Informações do dições da cidade de São Paulo.
Brasil e de suas capitanias. São 2.ª ed. Rio de Janeiro: José
LÉVI-STRAUSS, Claude (1952). Raça Paulo: Obelisco, 1964. Olympio, 1954.
e história. In: Antropologia es-
trutural dois. Rio de Janeiro: ANTONIL, André João. Cultura e BUENO, Eduardo. Náufragos, trafi-
Tempo Brasileiro, 1993. opulência do Brazil, por suas cantes e degredados. Rio de
drogas e minas. Belo Horizon- Janeiro: Objetiva, 1998.
MARINS, Paulo César Garcez. Patrimô- te: Itatiaia; São Paulo: Edusp,
nio cultural. São Paulo: Mindem/ 1982. ____. Capitães do Brasil. Rio de
Escolas Associadas, 2003. Janeiro: Objetiva, 1999.
ATAS DA CÂMARA DA VILA DE SÃO
RODRIGUES, Marly. Imagens do pas- PAULO. Vol. I. São Paulo: Câ- CABRAL, Luís Gonzaga do Valle
sado - a instituição do patri- mara de São Paulo. Coelho Pereira. Jesuítas no
mônio em São Paulo, 1969- Brasil (século XVI). São Paulo:
1987. São Paulo: Imprensa BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Melhoramentos, 1925.
Oficial do Estado, 2000. Os senhores da terra - família e

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 191


CAMARGO, Maria D. B. de. A escra- DIAS, Carlos Alberto Ungaretti. A FURTADO, Alcibíades. Os Schetz na
vidão em Cabreúva no sécu- escolha de Tibiriçá: a sujeição Capitania de São Vicente. In:
lo XIX (1836-1886). Itu, SP: pela fé. Tese de doutorado. Publicações do Arquivo Na-
Ottoni, 2001. São Paulo: USP/FFLCH, 2001. cional. Tomo XIV. Rio de Ja-
neiro, 1914.
CARDOSO, Fernando Henrique. Ca- DONATO, Hernani. Sumé e Peabiru:
pitalismo e escravidão no Bra- mistérios maiores do século da GARCIA, Nilo. Aclamação de Ama-
sil meridional. São Paulo: Com- descoberta. São Paulo: Edições dor Bueno: influência espa-
panhia das Letras, 1997. GRD, 1997. nhola em São Paulo. Tese. Rio
de Janeiro: Universidade do
CORTESÃO, Armando. Os homens ELLIS JR., Alfredo. O bandeirismo Distrito Federal, 1956.
(cartógrafos portugueses do paulista e o recuo do meridia-
século XVI). Coimbra: Impren- no. São Paulo: Companhia GHIRARDELLO, Nilson. À beira da
sa da Universidade, 1932. Editora Nacional, 1934. linha - formações urbanas da
Noroeste Paulista. São Paulo:
CORTESÃO, Jaime. Jesuítas e ban- EMPLASA. Memória urbana: a gran- Editora da Unesp, 2002.
deirantes no Guairá (1549- de São Paulo até 1940. 3 vols.
1640). Rio de Janeiro: Biblio- São Paulo: Arquivo do Estado, GLEZER, Raquel. “As transformações
teca Nacional, 1951. Imprensa Oficial, 2001. da cidade de São Paulo na vira-
da do século XIX e XX”. In: Mu-
____. Raposo Tavares e a formação FAUSTO, Boris (org.). Fazer a América. seu Paulista da Universidade de
territorial do Brasil. Rio de Ja- 2.ª ed. São Paulo: Edusp, 2000. São Paulo. Cadernos de história
neiro: Ministério de Educação de São Paulo. Vols. 3 e 4. São
e Cultura, 1958. FERNANDES, Florestan. “O folclore Paulo: USP, 1994-1995.
de uma cidade em mudança”.
____. Introdução à história das ban- Folclore e mudança social na GOES FILHO, Synésio Sampaio.
deiras. Lisboa: Portugália Edi- cidade de São Paulo. 2.ª ed. Navegantes, bandeirantes, di-
tora, 1964. Petrópolis, RJ: Vozes, 1979. plomatas: um ensaio sobre
a formação das fronteiras do
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala FLORENCE, Hércules. Viagem fluvial Brasil. São Paulo: Martins Fon-
à colônia. 4.ª ed. São Paulo: do Tietê ao Amazonas. São tes, 1999 (Temas Brasileiros).
Editora da Unesp, 1998. Paulo: Melhoramentos, 1948.
GONÇALVES, Daniel Issa. O Peabiru:
_____. Da Monarquia à República: FRAGOSO, João e GOUVEIA, Maria uma trilha indígena cruzando
momentos decisivos. 7.ª ed. São de Fátima. A dinâmica imperial São Paulo. Cadernos de Pesqui-
Paulo: Editora da Unesp, 1999. portuguesa (séculos XVI-XVIII). sa do LAP, n.º 24. São Paulo:
Rio de Janeiro: Civilização Bra- Faculdade de Arquitetura e
COSTA, Sérgio Correia da. Brasil: sileira, 2001. Urbanismo, mar/abr. de 1998.
segredo de Estado. Rio de Ja-
neiro: Record, 2001. FREITAS, Sônia Maria de. E chegam GONZÁLEZ, Rafael Ruiz. A Vila de
os imigrantes... O café e a imi- São Paulo durante a união das
DEAN, Warren. A ferro e fogo - a his- gração em São Paulo. 2.ª ed. coroas: estratégias políticas e
tória e a devastação da mata (da autora). São Paulo, 1999. transformações jurídicas. Tese
atlântica brasileira. São Paulo: de doutorado. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & USP/FFLCH, 2002.
Senzala: formação da família
DAVIDOFF, Carlos. Bandeirantismo: brasileira sob o regime da eco- GOULART, José Alípio. Tropas e tro-
verso e reverso. São Paulo: nomia patriarcal. 35.ª ed. Rio peiros na formação do Brasil.
Brasiliense, 1984. de Janeiro: Record, 1999. Rio de Janeiro: Conquista, 1961.

192 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


HOLANDA, Sérgio Buarque de. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O câmbio Luso-Brasileiro, 1953.
Monções. Rio de Janeiro: Casa palacete paulistano e outras
do Estudante do Brasil, 1945. formas urbanas de morar da LEMOS, Carlos A. C. Casa paulista;
elite cafeeira: 1867-1918. São história das moradias anterio-
____. Expansão paulista em fins do Paulo: Martins Fontes, 1996. res ao ecletismo trazido pelo
século XVI e princípio do sécu- café. São Paulo: Edusp, 1999.
lo XVII. São Paulo: Instituto de IANNI, Octavio. Uma cidade anti-
Administração, 1948. ga. Campinas: CMU/Unicamp, LÉRY, Jean de. Viagem à terra do
1996. Brasil. Rio de Janeiro: Biblio-
____. “Índios e mamelucos na ex- teca do Exército, 1961.
pansão paulista”. In: Anais do JANCSÓ, István (coord.). Cronologia
Museu Paulista. Vol. 13. São da história do Brasil colonial LISANTI FILHO, Luís. Comércio e
Paulo, 1949 (separata). (1500-1831). São Paulo: USP/ capitalismo. Tese de doutorado,
FFLCH, 1994. São Paulo: USP/FFLCH, 1962.
____ (org.). História geral da civiliza-
ção brasileira: O Brasil monár- JUZARTE, Teotônio José. Relatos LUIZ, Washington. Na Capitania de
quico - o processo de emanci- monçoneiros. Introdução, co- São Vicente. São Paulo: Livra-
pação. Vol. 1, tomo 2. 4.ª ed. letânea e notas de Afonso de ria Martins, 1956.
São Paulo: Difel, 1976. Taunay. São Paulo: Livraria Mar-
tins, 1953. MADRE DE DEUS, Frei Gaspar. Me-
_____. História geral da civilização mórias para a história da Capi-
brasileira: O Brasil monárquico - KLOSTER, W. e SOMMER, F. Ulrico tania de São Vicente hoje cha-
dispersão e unidade. Vol. 2, tomo Schmild no Brasil quinhentista. mada de São Paulo. São Paulo:
2. 2.ª ed. São Paulo: DIFEL, 1976. São Paulo: Typ. Gutenberg, 1942. Comissão do IV Centenário da
cidade de São Paulo, 1953.
_____. “As influências regionais”. KOK, Maria da Glória Porto. O sertão
In: Holanda, Sérgio Buarque itinerante: expedições da Capi- MAIA, Tom e CAMARGO, Thereza
de (org.). História geral da civ- tania de São Paulo no século Regina de. O folclore das tro-
ilização brasileira: O Brasil XVIII. Tese de doutorado. São pas, tropeiros e cargueiros no
monárquico - do Império à Re- Paulo: USP/FFLCH, 1998. Vale do Paraíba. Rio de Janei-
pública. Vol. 5, tomo 2. 2.ª ed. ro: MEC-SEC; Funarte, Institu-
São Paulo: Difel, 1977. LANGSDORFF, Georg Heinrich von. to Nacional do Folclore; São
Os diários de Langsdorff. Da- Paulo: Secretaria de Estado da
_____. Caminhos e Fronteiras. 3.ª nuzio Gil Bernardino da Silva Cultura, Universidade de Tau-
ed. São Paulo: Companhia das (org.). Vol. II. Campinas, SP: baté, 1981.
Letras, 1994. Associação Internacional de
Estudos Langsdorff, 1997. MALUF, Marina e Mott, Maria Lúcia.
____. Visão do paraíso: os motivos “Recônditos do mundo femini-
edênicos no descobrimento e LAPA, José Roberto do Amaral. A no”. In: História da vida priva-
colonização do Brasil. São Pau- economia cafeeira. São Paulo: da no Brasil. Vol. 3. São Paulo:
lo: Companhia Editora Nacio- Brasiliense, 1983. Companhia das Letras, 1998.
nal, 1977.
LEITE, Serafim. Jesuítas na vila de MARCONDES, Renato Leite. A arte
____. Raízes do Brasil. São Paulo: São Paulo - século XVI. São de acumular na economia cafe-
Companhia das Letras, 1995. Paulo: Departamento Munici- eira. Lorena, SP: Stiliano, 1998.
pal de Cultura, 1936.
_____ e MAIA, Tom. Vale do Paraíba MARTINS, Antonio Egydio. São Pau-
- velhas fazendas. São Paulo: ____. Nóbrega e a fundação de São lo antigo: 1554-1910. 2.ª ed.
Edusp, 1975. Paulo. Lisboa: Instituto de Inter- São Paulo: Paz e Terra, 2003.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 193


MARTINS, José de Souza. A imigra- MORAES, Antônio Carlos Robert. PIRES, Fernando Tasso Fragoso. An-
ção e a crise do Brasil agrário. Bases da formação territorial tigos engenhos de açúcar no
São Paulo: Pioneira, 1973. do Brasil: o território colonial Brasil. Rio de Janeiro: Nova
brasileiro ao longo do século Fronteira, 1994.
____. O cativeiro da terra. 3.ª ed. XVI. São Paulo: Hucitec, 2000.
São Paulo: Hucitec, 1986. POSSAS, Lídia Maria Vianna. Mu-
MORSE, Richard. De comunidade à lheres, trens e trilhos: moder-
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e metrópole: biografia de São nidade no sertão paulista.
ferrovias - a expansão ferroviá- Paulo. São Paulo: Comissão do Bauru, SP: Edusc, 2001.
ria de São Paulo e o desenvol- IV centenário da cidade de São
vimento da cultura cafeeira. Paulo, 1954. PRADO JÚNIOR, Caio. História eco-
4.ª ed. Campinas, SP: Pontes, nômica do Brasil. 13.ª ed. São
1990. MOTA, Carlos Guilherme (org.). Via- Paulo: Brasiliense, 1945.
gem Incompleta. A experiência
____. “Vias de Comunicação”. In: brasileira (1500-2000). Forma- ____. “A cidade de São Paulo: geo-
Holanda, Sérgio Buarque de ção: histórias. São Paulo: Se- grafia e história - o fator geo-
(org.). História geral da civi- nac, 2000. gráfico na formação e no de-
lização brasileira: O Brasil senvolvimento da cidade de
monárquico - declínio e que- ____ (org.). Viagem Incompleta. A São Paulo” e “Contribuição pa-
da do Império. Vol. 4, tomo experiência brasileira (1500- ra a geografia urbana da cida-
2. 2.ª ed. São Paulo: Difel, 2000). A grande transação. de de São Paulo”. In: Evolução
1974. São Paulo: Senac, 2000. política do Brasil e outros estu-
dos. 2.ª ed. São Paulo: Brasi-
MATTOS, Mário. Fases de prospe- NARDY FILHO, Francisco. A cidade liense, 1957.
ridade e de declínio do tropei- de Itu. Itu, SP: Ottoni, 2000.
rismo. Sorocaba, SP: Academia _____. Formação do Brasil contem-
Sorocabana de Letras e Fun- MOURA, Carlos Eugênio Marcondes porâneo. 10.ª ed. São Paulo:
dação Ubaldino Amaral, 1984. de. O visconde de Guaratin- Brasiliense, 1970.
guetá. Um fazendeiro de café
MELLO, Evaldo Cabral de. “O Açú- no Vale do Paraíba. 2.ª ed. São PRESTES, Lucinda Ferreira. A vila
car”. In: Brasil: cousas notáveis Paulo: Studio Nobel, 2002. tropeira de Nossa Senhora da
e espantosas. Lisboa: Comis- Ponte de Sorocaba. São Paulo:
são Nacional para as Come- NEME, Mário. Notas de revisão da ProEditores, 1999.
morações dos Descobrimentos história de São Paulo - século
Portugueses, 2000. XVI. São Paulo: Anhembi, QUEIROZ, Suely Robles Reis de. A
1959. escravidão negra em São Pau-
MELLO NÓBREGA. História do rio lo. Um estudo das tensões pro-
Tietê. Belo Horizonte: Itatiaia; PETRONE, Maria Thereza Schorer. A vocadas pelo escravismo no
São Paulo: Edusp, 1981. lavoura da cana-de-açúcar em século XIX. 1977.
São Paulo: Expansão e declí-
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazen- nio. São Paulo: Difel, 1971. REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
deiros de São Paulo. São Pau- E GEOGRÁFICO BRASILEIRO.
lo: Hucitec, 1997. ____. “Imigração assalariada”. In: Vol. 15. Rio de Janeiro: Insti-
Holanda, Sérgio Buarque de tuto Histórico, Geográfico e
MONTEIRO, John Manuel. Negros (org.). História geral da civiliza- Etnográfico do Brasil, 1852.
da Terra: índios e bandeirantes ção brasileira: O Brasil monár-
nas origens de São Paulo. São quico - reações e transações. RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro.
Paulo: Companhia das Letras, Vol. 3, tomo 2. 3.ª ed. São São Paulo, Companhia das Le-
1994. Paulo: Difel, 1976. tras, 1999, p. 81 e ss.

194 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


____. Os índios e a civilização. São SEVCENCO, Nicolau. Orfeu extático STRAFORINI, Rafael. No caminho
Paulo: Companhia das Letras, na metrópole. São Paulo: das tropas. Sorocaba, SP:
1996. Companhia das Letras, 1992. TCM, 2001.

ROLNIK, Raquel. “São Paulo na virada SINGER, Paul. Desenvolvimento eco- TAMBELLINI, J. Machado. A Fregue-
do século: territórios e poder”. nômico e evolução urbana. zia dos Batataes. 2.ª ed. São
In: Museu Paulista da Univer- São Paulo: Companhia Editora Paulo: Carthago Editorial, 2002.
sidade de São Paulo. Cadernos Nacional, 1974.
de história de São Paulo. Vol. 2. TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. His-
São Paulo: USP, 1992. SMITH, Herbert H. Do Rio de Janeiro tória das bandeiras paulistas.
a Cuyabá: notas de um natura- São Paulo: Melhoramentos, s/d.
SAIA, Luís. Morada paulista. 3.ª ed. lista. São Paulo: Melhoramen-
São Paulo: Perspectiva, 1995. tos, 1922. _____ (intr., colet. e notas). Relatos
monçoeiros. Biblioteca Histó-
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem SLENES, Robert W. Na senzala uma rica Paulista. Vol. IX. São Pau-
à Província de São Paulo. São flor. Rio de Janeiro: Nova lo: Livraria Martins, 1954.
Paulo: Livraria Martins, 1940. Fronteira, 1999.
TRINDADE, Jaelson Bitran. Tropeiros.
____. Viagem ao Rio Grande do Sul _____. “Senhores e subalternos no São Paulo: Editoração Publica-
(1820-1821). São Paulo: Na- Oeste Paulista”. In: ALENCAS- ções e Comunicações Ltda., 1992.
cional, 1939. TRO, Luiz Felipe de (org.).
História da vida privada no VAINFAS, Ronaldo (coord.). Dicio-
SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Brasil - Império: a corte e a nário do Brasil colonial, 1500-
Nem tudo era italiano: São modernidade nacional. Vol. II. 1808. Rio de Janeiro: Objetiva,
Paulo e pobreza (1890-1895). São Paulo: Companhia das 2000.
2.ª ed. São Paulo: Fapesp e Letras, 1997.
Anablume, 2003. VIOTTI, Pe. Hélio Abranches. A
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado aldeia de Maniçoba e a funda-
SANTOS, Lucila Maria Sgarbi et al descritivo do Brasil em 1587. ção de Itu. São Paulo: Gráfica
(org.). Bom Jesus e o tropeiris- 2.ª ed. São Paulo: Nacional, Sangirard, 1974.
mo no Brasil meridional. Porto 1971.
Alegre: Edições Escola Supe- VOLPATO, Luiza. Entradas e bandei-
rior de Teologia, 1995. SOUZA, Jonas Soares de (org.). ras. 5.ª ed. São Paulo: Global,
Araritaguaba: o Porto Feliz. 1997.
SALVADOR, Frei Vicente do. História Porto Feliz, SP: Edição Semana
do Brasil. Revista por Capistra- das Monções, 1979. ZALUAR, Augusto Emílio. Peregri-
no de Abreu, Rodolfo Garcia, nação pela Província de São
Frei Venâncio Willeke. São SPIX, J.B. e VON MARTIUS, C.F.P. Paulo (1860-1861). São Paulo:
Paulo: Melhoramentos, 1965. Viagem pelo Brasil. Tomo I. Rio Livraria Martins, 1954.
de Janeiro: Imprensa Nacional,
SCHWARTZ, Stuart. Escravos rocei- 1938. ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimen-
ros e rebeldes. Bauru, SP: to da capitania de Minas Gerais
Edusc, 2001. STADEN, Hans. Duas viagens ao no século XVIII. 2.ª ed. São
Brasil. Trad. Guiomar de Car- Paulo: Hucitec; Edusp, 1990.
SCOTT, Ana Silvia Volpi. Dinâmica fa- valho Franco e Carlos Frou-
miliar da elite paulista (1765- quet. São Paulo: Sociedade ZENHA, Edmundo. Mamelucos. São
1836). Dissertação de mestrado. Hans Staden, 1942. Paulo: Empresa Gráfica da
São Paulo: USP/FFLCH, 1987. Revista dos Tribunais, 1970.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 195


Créditos iconográficos

A fundação de São Paulo e os 07 “Capitania de São Vicente”, de 1913/1925, esculturas em bron-


primeiros paulistas: indígenas, João Teixeira Albernaz, cópia ze sobre suportes de granito,
europeus e mamelucos de 1944 (do “Atlas do Estado localizada no Pátio do Colégio,
do Brasil”, 1631). Acervo do São Paulo, fotografada por Car-
Museu Paulista da USP, foto- los Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.
01 “Ídolo de Iguape”. Acervo do grafado por Hélio Nobre.
Museu de Arqueologia e Etno- 14 “Glória imortal aos fundadores
logia da Universidade de São 08 “João Ramalho”, de José Wasth de São Paulo” (detalhe), Ama-
Paulo, São Paulo, fotografado Rodrigues, s.d., óleo sobre te- deu Zani, 1913/1925, escultu-
por Wagner Souza e Silva. la, 233cm x 145cm. Acervo do ras em bronze sobre suportes
Museu Paulista da USP, foto- de granito, localizada no Pátio
02 Peça unifacial em sílex, encon- grafado por Hélio Nobre. do Colégio, São Paulo, foto-
trada em Santa Bárbara do grafada por Carlos Kipnis e
Oeste. Acervo do Museu de 09 “Tibiriçá”, de José Wasth Ro- Ivan Sayeg, 2004.
Arqueologia e Etnologia da drigues, s.d., óleo sobre tela,
Universidade de São Paulo, 233cm x 145cm. Acervo do
São Paulo, fotografado por Museu Paulista da USP, foto-
Wagner Souza e Silva. grafado por Hélio Nobre. Paulistas em movimento:
bandeiras, monções e tropas
03 Machado semilunar em gnais- 10 “Descrição da Costa que vai
se, encontrado em Bragança do Rio de Janeiro até o porto
Paulista (publicado em: Bra- de São Vicente”, de João Tei- 01 - Carta de D. Luis de Céspedes
sil 50 mil anos. São Paulo: xeira, cópia de 1917 (do “Livro Xeria, mapa de 1628, cópia de
MAE/Edusp, 2000, p. 292, 1B). que dá razão do Estado do 1917 (publicado em: TAUNAY,
Acervo do Museu de Arqueo- Brasil”, 1612). Acervo do Mu- Affonso d’Escragnolle. Collec-
logia e Etnologia da Universi- seu Paulista da USP, fotografa- tânea de Mappas da Cartogra-
dade de São Paulo, São Paulo, do por Hélio Nobre. phia Paulista Antiga. SP; Me-
fotografado por Wagner Sou- lhoramentos, vol, I, 1922).
za e Silva. 11 “Descrição da Costa que vai do Acervo do Museu Paulista da
Rio de Janeiro até o porto de USP, São Paulo, fotografado
04 Mapa dos principais peabirus, São Vicente” (detalhe), de João por Hélio Nobre.
Beth Kok, 2004 (baseado na Teixeira, cópia de 1917 (do “Li-
obra: GALDINO, Luis. Peabiru: vro que dá razão do Estado do 02 - Vista frontal da sede e capela
os incas no Brasil. Belo Hori- Brasil”, 1612). Acervo do Mu- do sítio Santo Antônio, São
zonte: Ed. Estrada Real, 2002). seu Paulista da USP, fotografa- Roque, fotografados por Paulo
do por Hélio Nobre. César Garcez Marins, 2004.
05 ”Fundação de São Vicente”,
de Benedito Calixto, 1900, 12 “Aldeia da Escada a três mi- 03 - “Anhangüera”, de Luigi Brizzo-
óleo sobre tela, 192 cm x lhas da cidade de Jacareí”, de lara, 1924, escultura em már-
385cm. Acervo do Museu Thomas Ender, 1817, lápis more de Carrara, localizada na
Paulista da USP, fotografado aquarelado, 19,6cm x 30,6cm. avenida Paulista, São Paulo,
por Hélio Nobre. Acervo do Gabinete de Gravu- fotografada por Carlos Kipnis
ras da Academia de Belas - e Ivan Sayeg, 2004.
06 ”Fundação de São Paulo”, de Artes (Kupferstichkabinett der
Oscar Pereira da Silva, 1909, Academie der Bild Künste), 04 - Mapa das principais expedi-
óleo sobre tela, 185cm x Viena. ções bandeirantes, 1550 /
340cm. Acervo do Museu Pau- 1720, Beth Kok, 2004 (basea-
lista da USP, São Paulo, foto- 13 “Glória imortal aos fundadores do na obra: MONTEIRO, John
grafado por Hélio Nobre. de São Paulo”, Amadeu Zani, Manuel. Negros da terra -

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 197


índios e bandeirantes nas ori- Florence de propriedade de Leila Acervo Museu Castro Maya -
gens de São Paulo. São Paulo e Silvia Florence, São Paulo, foto- IPHAN/MinC (Cat. MEA 279),
Companhia das Letras, 1994). grafado por Pierre Pitrou. Rio de Janeiro, fotografado por
Pedro Oswaldo Cruz.
05 “O ciclo da caça ao índio”, de 12 “Partida de uma expedição
Henrique Bernardelli, 1923, mercantil de Porto Feliz a 18 “Limite da província de São
óleo sobre tela, 232 cm x 160 Cuiabá, em 1830”, de Hercu- Paulo com Curitiba”, de Jean-
cm. Acervo do Museu Paulista les Florence, 1830, nanquim a Baptiste Debret, c.1827, aqua-
da USP, fotografado por Hélio pena, 29,2cm x 44cm. Coleção rela. (Publicado em: Quarenta
Nobre. de Cyrillo Hércules Florence de paisagens inéditas do Rio de
propriedade de Leila e Silvia Janeiro, São Paulo, Paraná e
06 “Fernão Dias Paes Leme”, de Florence, São Paulo, fotografa- Santa Catarina, de J.B. Debret,
Luigi Brizzolara, 1922, escultu- do por Pierre Pitrou. apresentação de J.F de Al-
ra em mármore de Carrara. meida Prado. São Paulo: Cia
Acervo do Museu Paulista da 13 Acampamento monçoeiro, de Editora Nacional, 1970, p. 72).
USP, São Paulo, fotografado Hercules Florence, c.1825-1829, Acervo Museu Castro Maya -
por Hélio Nobre. nanquim à pena, 41cm x 76,3 IPHAN/MinC, Rio de Janeiro.
cm. Coleção de Cyrillo Hercules
07 Mapa das rodovias que home- Florence de propriedade de Leila 19 “Arredores de Silveiras entre
nageiam bandeirantes paulis- e Silvia Florence, São Paulo, Areias e Lorena”, de Thomas
tas, Beth Kok, 2004. fotografado por J. Miranda. Ender, 1817, lápis aquarelado,
19,5cm x 31,3cm. Acervo do
08 “O convento franciscano em 14 Mapa da rota das monções Gabinete de Gravuras da Aca-
Taubaté”, de Thomas Ender, entre Porto Feliz e Cuiabá, demia de Belas-Artes (Kupfer-
1817, lápis aquarelado, 19,6cm 2004, Beth Kok (baseado na stichkabinett der Academie
x 30,2cm. Acervo do Gabinete obra: HOLANDA, Sérgio Buar- der Bild Künste), Viena.
de Gravuras da Academia de que de. Caminhos e fronteiras,
Belas-Artes (Kupferstichkabi- 3a ed. São Paulo: Companhia 20 “Rancho em Mineiros a duas
nett der Academie der Bild das Letras, 1994). milhas de Lorena em direção
Künste), Viena. ao Rio de Janeiro”, de Thomas
15 Mapa das principais rotas tro- Ender, 1817, lápis aquarelado,
09 “Partida da monção”, de José peiras entre o Rio Grande do 19,6cm x 30,7cm. Acervo do
Ferraz de Almeida Júnior, Sul e Sorocaba, Beth Kok, Gabinete de Gravuras da Aca-
1897, óleo sobre tela, 390cm x 2004 (baseado na obra: TRIN- demia de Belas-Artes (Kupfer-
640 cm. Acervo do Museu DADE, Jaelson Bitran. Tropei- stichkabinett der Academie
Paulista da USP, São Paulo, ros. São Paulo: EPC, 1992). der Bild Künste), Viena.
fotografado por Hélio Nobre.
16 “Homem de Santa Catarina e 21 “O rancho da Fazenda dos
10 Vista parcial do paredão de paulista” (detalhe, destacando o Negros a três milhas de Areias
pedra sedimentar no Parque paulista), de Jean-Baptiste De- na direção de São Paulo”, de
das Monções, Porto Feliz, foto- bret, 1825, aquarela, 17,7cm x Thomas Ender, 1817, lápis
grafado por Irit Chernizon 22,2cm. Acervo Museu Castro aquarelado, 19,8cm x 31,3cm.
Tommasini, 2004. Maya - IPHAN/MinC (Cat. MEA Acervo do Gabinete de Gravu-
188), Rio de Janeiro, fotografa- ras da Academia de Belas-Artes
11 “Representação da foz do Pira- do por Pedro Oswaldo Cruz. (Kupferstichkabinett der Aca-
cicaba junto do Tiête”, de Her- demie der Bild Künste), Viena.
cules Florence, 1826, nanquim 17 “Tropeiros pobres de São Paulo”,
aguado, 21,5cm x 35,8cm. de Jean-Baptiste Debret, 1823, 22 “Sela paulista”, de Thomas
Coleção de Cyrillo Hercules aquarela, 15,2cm x 22,4cm, Ender, 1817, lápis e pincel em

198 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


castanho, 19,7cm x 2,60cm. fada por Carlos Kipnis e Ivan (publicado em: São Paulo de
Acervo do Gabinete de Gravu- Sayeg. Edmund Pink. São Paulo: DBA;
ras da Academia de Belas-Artes BOVESPA, 2000, p. 71). Acervo
(Kupferstichkabinett der Acade- 29 - “Cidade de Sorocaba”, anôni- Bovespa, São Paulo, fotografada
mie der Bild Künste), Viena. mo, c.1840-1845, litografia por Rômulo Fialdini.
aquarelada, 21cm x 46cm.
23 “Selas de montaria paulista”, de Acervo da Fundação Biblioteca 05 Vista frontal da sede do sítio
Thomas Ender, 1817, lápis parci- Nacional, Rio de Janeiro. do Rosário, Itu, fotografado por
almente aquarelado, 20,4cm Irit Chernizon Tommasini, 2004.
x 2,76cm. Acervo do Gabinete 30 - Mapa com extensão máxima
de Gravuras da Academia de da Capitania de São Paulo, 06 Vista do corredor frontal da
Belas-Artes (Kupferstichkabi- Beth Kok, 2004. sede do sítio do Rosário, Itu,
nett der Academie der Bild fotografado por Irit Chernizon
Künste), Viena. Tommasini, 2004.

24 “Correa junto com as rédeas São Paulo moderno: açúcar e 07 “Vista do sitio de Antonio Ma-
etc. de um paulista”, de Tho- café, escravos e imigrantes noel Teixeira à 5 léguas de São
mas Ender, 1817, lápis aquare- Carlos (...) sobre o rio Jaguari”
lado, 20,3cm x 2,75cm. Acer- 01 “Calçada do Lorena - vista do (vista do Engenho de Salto Gran-
vo do Gabinete de Gravuras alto da Serra do Mar”, de Her- de, em Americana, próxima a
da Academia de Belas-Artes cules Florence, 1825, nanquim Campinas, então denominada
(Kupferstichkabinett der Aca- a pena e aguada, 43,6 x 55,6 São Carlos), de Hercules Floren-
demie der Bild Künste), Viena. cm. Coleção de Cyrillo Hercu- ce, c.1834, aquarela, 27cm x
les Florence de propriedade de 40cm. Coleção de Cyrillo Her-
25 “Jumento com sela”, de Tho- Leila e Silvia Florence, São Pau- cules Florence de propriedade de
mas Ender, 1817, lápis parcial- lo, fotografado por Rui Carlos Leila e Silvia Florence, São Pau-
mente aquarelado, 20,2cm x de Carvalho. lo, fotografado por J. Miranda.
2,74cm. Acervo do Gabinete
de Gravuras da Academia de 02 “Em Lorena”, de Thomas En- 08 “Sítio de D. Teresa, 26 Maio
Belas-Artes (Kupferstichkabi- der, 1817, lápis aquarelado, 1843” (fabricação de açúcar no
nett der Academie der Bild 20cm x 30,8cm. Acervo do Engenho de Salto Grande), de
Künste), Viena. Gabinete de Gravuras da Aca- Hercules Florence, 1843, aquare-
demia de Belas-Artes (Kupfer- la negra, 27cm x 32,4cm. Co-
26 Peitoral e canecos de tropas. stichkabinett der Academie leção de Cyrillo Hercules Flo-
Coleção de Tom e Thereza Re- der Bild Künste), Viena. rence de propriedade de Leila e
gina de Camargo Maia, Guara- Silvia Florence, São Paulo, foto-
tinguetá, fotografados por 03 “Vista da cidade de Itu”, de grafado por J. Miranda.
Carlos Kipnis e Ivan Sayeg. Edmund Pink, 1823, aquarela,
17cm x 49 cm (publicado em: 09 “Igreja de S. José a 19 milhas de
27 Placa de alpaca para “Santo An- São Paulo de Edmund Pink. São Paulo”, de Thomas Ender,
tônio”. Coleção de Tom e The- São Paulo: DBA; BOVESPA, 1817, lápis aquarelado, 19,2cm x
reza Regina de Camargo Maia, 2000, p. 71). Acervo Bovespa, 30,6cm. Acervo do Gabinete de
Guaratinguetá, fotografada por São Paulo, fotografada por Gravuras da Academia de Belas-
Carlos Kipnis e Ivan Sayeg. Rômulo Fialdini. Artes (Kupferstichkabinett der
Academie der Bild Künste), Viena.
28 Placa de alpaca para “Santo 04 “Vista da cidade de Mogi-Mirim,
Antônio”. Coleção de Tom e tomada à esquerda do caminho 10 “Igreja da cidade de Areias a 44
Thereza Regina de Camargo de Goiás”, de Edmund Pink, milhas do Rio de Janeiro”, de
Maia, Guaratinguetá, fotogra- 1823, aquarela, 17cm x 49 cm Thomas Ender, 1817, lápis aqua-

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 199


relado, 19,3cm x 30,6cm. Acer- 2000, pág. p. 23). Fazenda São Paulo. Berlim: 1895; repu-
vo do Gabinete de Gravu-ras da Resgate, Bananal, fotografada blicado em: GERODETTI, João
Academia de Belas-Artes (Kupfe- por Rômulo Fialdini. Emílio e Carlos Cornejo. Lem-
rstichkabinett der Academie der branças de São Paulo: O In-
Bild Künste), Viena. 17 “Vagão de luxo da Estrada de terior Paulista nos cartões-pos-
Ferro Central do Brasil”, car- tais e álbuns de lembranças.
11 “Vista da igreja e capela de tão postal / fotografia. Acervo São Paulo: Solaris, 2003, p.
Nossa Senhora Aparecida”, de do Museu Paulista da USP, São 16). Coleção de João Emilio
Thomas Ender, 1817, lápis Paulo, fotografado por Hélio Gerodetti, São Paulo.
aquarelado, 19,8cm x 30,5cm. Nobre.
Acervo do Gabinete de Gra- 24 Retrato de Prudente de Mo-raes,
vuras da Academia de Belas- 18 “Fazenda do Pinhal”, de Be- 1894, fotografia, 15cm x 20cm.
Artes (Kupferstichkabinett der nedito Calixto, 1900, óleo so- Acervo do Museu Paulista da
Academie der Bild Künste), bre tela, 90cm x 230cm (pu- USP / Museu Republicano, Itu,
Viena. blicado em: O café. São Paulo: fotografado por Hélio Nobre.
Banco Real, 2000, p. 90).
12 “Igreja de Guaratinguetá”, de Coleção Fazenda do Pinhal, 25 Retrato de Campos Sales, s.d.,
Thomas Ender, 1817, lápis aqua- São Carlos, fotografada por fotografia. Acervo do Centro
relado, 19,6cm x 30,6cm. Acer- Rômulo Fialdini. de Memória UNICAMP (Cole-
vo do Gabinete de Gravuras da ção de Aristides Pedro da Sil-
Academia de Belas-Artes (Kup- 19 “As grandes culturas do va), Campinas.
ferstichkabinett der Academie Estado de São Paulo - Fazenda
der Bild Künste), Viena. Guatapará - terreiro com ca- 26 Retrato de Rodrigues Alves,
fé”, cartão postal / impresso / 1894, fotografia, 15cm x 20cm.
13 Vista frontal do sobrado do fototipia. Acervo do Museu Acervo do Museu Paulista da
capitão-mor Domingos da Sil- Paulista da USP, São Paulo, USP / Museu Republicano, Itu,
va Moreira, em Areias, foto- fotografado por Hélio Nobre. fotografado por Hélio Nobre.
grafado por Paulo César Gar-
cez Marins, 2000. 20 “As grandes culturas do Estado 27 “A colheita”, de Antônio Ferrig-
de São Paulo - Fazenda Guata- no, 1903, óleo sobre tela, 100
14 Vista frontal da fazenda Boa pará”, cartão postal impresso / cm x 150cm. Acervo do Museu
Vista, atual Museu Histórico fototipia. Acervo do Museu Paulista da USP, São Paulo, foto-
Pedagógico Major Novaes, Paulista da USP, São Paulo, foto- grafado por Hélio Nobre.
Cruzeiro, fotografada por Car- grafado por Hélio Nobre.
los Kipnis e Ivan Sayeg, 2004. 28 “As grandes culturas do
21 “Convenção de Itu”, de Jonas Estado de São Paulo - um pé
15 “Vila de Pindamonhangaba”, de de Barros, 1921, óleo sobre de café”, cartão postal impres-
Thomas Ender, 1817, lápis aqua- tela, 90cm x 115 cm. Acervo so/fototipia. Acervo do Museu
relado, 19,5cm x 30,5cm. Acer- do Museu Paulista da USP / Paulista da USP, São Paulo,
vo do Gabinete de Gravu-ras da Museu Republicano, Itu, foto- fotografado por Hélio Nobre.
Academia de Belas-Artes (Kup- grafado por Hélio Nobre.
ferstichkabinett der Academie 29 “O terreiro”, de Antônio Ferrig-
der Bild Künste), Viena. 22 Retrato realizado durante visita no, 1903, óleo sobre tela, 100
de Altino Arantes a Ribeirão Pre- cm x 150 cm. Acervo do Museu
16 Painel retratando plantação de to, c. 1916. Arquivo particular Paulista da USP, São Paulo,
café no morro, de José Maria de Paulo César Garcez Marins. fotografado por Hélio Nobre.
Villaronga, c.1858-1860, pin-
tura parietal (publicado em: O 23 “Índios Xavantes” (publicado 30 “O beneficiamento”, de Antô-
café. São Paulo: Banco Real, em: KOENIGSWALD, Gustavo. nio Ferrigno, 1903, óleo sobre

200 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


tela, 100cm x 150cm. Acervo do Museu Paulista da USP, São 44 Vista da sede da Fazenda
Museu Paulista da USP, São Pau- Paulo, fotografado por Hélio Santa Isabel, Guariba, s.d.,
lo, fotografado por Hélio Nobre. Nobre. foto-grafia (publicado em:
MARTINS, Ana Luiza (org.).
31 Retrato de colonos na fazenda 38 “As grandes culturas do Esta- Guariba 100 anos. São Paulo:
Concórdia, Itu, c. 1910, foto- do de São Paulo - Uma planta- Prefei-tura Municipal de
grafia. Coleção de Clemente ção de cana de açúcar”, cartão Guariba, 1996, p. 29). Coleção
Nunes, Itu. postal / impresso / fototipia. particular de Ana Luiza
Acervo do Museu Paulista da Martins, São Paulo.
32 Mapa com as principais linhas USP, São Paulo, fotografado
das companhias ferroviárias do por Hélio Nobre. 45 “Jundiaí em 1864 - Rua Barão
estado de São Paulo, 2004, de Jundiaí”, cartão postal / im-
Beth Kok. 39 “As grandes culturas do Estado presso/fototipia/. Acervo do Mu-
de São Paulo - Núcleo colonial seu Paulista da USP, São Paulo,
33 Botões de uniformes de funcio- Nova Odessa - Plantação de fotografado por Hélio Nobre.
nários das ferrovias The São Pau- Mandioca”, cartão postal/ im-
lo Railway, E.F Santos a Jundiaí, presso / fototipia. Acervo do Mu- 46 “Rua Barão de Jundiaí”, cartão
E.F. Sorocabana, Cia. Paulista e seu Paulista da USP, São Paulo, postal/fotografia. Acervo do Mu-
E. F. Araraquara. Coleção parti- fotografado por Hélio Nobre. seu Paulista da USP, São Paulo,
cular de Paulo César Garcez Ma- fotografado por Hélio Nobre.
rins, fotografado por Carlos 40 “As grandes culturas do Es-
Kipnis e Ivan Sayeg, 2004 tado de São Paulo - Plantação
de milho”, cartão postal/im-
34 “Estação da Cia. Paulista”, presso/fototipia. Acervo do Mu- Uma metrópole multicultural na
postal, (publicado em: GERO- seu Paulista da USP, São Paulo, terra paulista
DETTI, João Emílio e Carlos fotografado por Hélio Nobre.
Cornejo. Lembranças de São
Paulo: O Interior Paulista nos 41 “Núcleos coloniais no Estado de 01 Vista da pirâmide e chafariz do
cartões-postais e álbuns de São Paulo - Núcleo Colônia Piques, São Paulo, de Militão
lembranças. São Paulo: Solaris, Nova Europa, instalação de uma Augusto de Azevedo, c. 1862,
2003, p. 74). Coleção João família”, cartão postal /impres- fotografia. Acervo Instituto
Emilio Gerodetti, São Paulo. so/fototipia. Acervo do Museu Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Paulista da USP, São Paulo, foto-
35 “Estação da Sorocabana, Botu- grafado por Hélio Nobre. 02 Vista da Rua das Casinhas, São
catu”, postal. Coleção particular Paulo, de Militão Augusto de
de Maria Cecília França Mon-teiro 42 Festa na Fazenda da Gema, de Azevedo, c. 1862, fotografia.
da Silva, São Paulo, fotografada Geremia Lunardelli, Olímpia, c. Acervo Instituto Moreira
por Carlos Kipnis e Ivan Sayeg. 1923. Arquivo particular de Salles, Rio de Janeiro.
Paulo César Garcez Marins,
36 “Ribeirão Preto - Estação”, pos- São Paulo. 03 “São Paulo - Academia de Di-
tal. Coleção particular de Maria reito”, de Guilherme Gaensly,
Cecília França Monteiro da 43 Vista da sede da Fazenda São cartão postal/impresso/fototi-
Silva, São Paulo, fotografada Martinho, Pradópolis, s.d., fo- pia. Acervo do Museu Paulista
por Carlos Kipnis e Ivan Sayeg. tografia (publicado em: MAR- da USP, fotografado por Hélio
TINS, Ana Luiza (org.). Guariba Nobre.
37 “As grandes culturas do Esta- 100 anos. São Paulo: Prefeitu-
do de São Paulo - Um pomar ra Municipal de Guariba, 1996, 04 Vista da Rua de São Bento,
de laranjeiras”, cartão postal / p. 29). Coleção particular de São Paulo, de Militão Augusto
impresso / fototipia. Acervo do Ana Luiza Martins, São Paulo. de Azevedo, c. 1862, fotogra-

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 201


fia, Acervo Instituto Moreira 12 Vista do palacete do segundo DETTI, João Emílio e Carlos
Salles, Rio de Janeiro. barão de Piracicaba, s.d., foto- Cornejo. Lembranças de São
grafia. Coleção particular de Paulo: O Interior Paulista nos
05 “São Paulo - Estação da Luz”, Maria Cecília Naclério Homem, cartões-postais e álbuns de
de Guilherme Gaensly, cartão São Paulo, fotografada por lembranças. São Paulo: Solaris,
postal/impresso/fototipia. Carlos Kipnis e Ivan Sayeg. 2003, p. 145). Coleção de Jo-
Acervo do Museu Paulista da ão Emilio Gerodetti, São Paulo.
USP, São Paulo, fotografado 13 “São Paulo - Chácara Dona Ve-
por Hélio Nobre. ridiana”, de Guilherme Gaensly, 20 Retrato de vendedor de vas-
cartão postal / imp- resso / foto- souras em rua do centro da ci-
06 “Album São Paulo - 10 Vistas: tipia. Acervo do Museu Paulista dade, São Paulo, de Vicenzo
Estação da Estrada de Ferro da USP, São Paulo, fotografado Pastore, c. 1910, fotografia.
Sorocabana”, cartão postal / por Hélio Nobre. Acervo Instituto Moreira Sal-
impresso. Acervo do Museu les, Rio de Janeiro.
Paulista da USP, São Paulo, 14 Vista do Palacete de Geremia
fotografado por Hélio Nobre. Lunardelli, localizado à av. Brig
Luis Antônio, SP (publicado
07 “São Paulo - Hospedaria de em: Documentário histórico de
Imigrantes”, Casa Garraux, Sertãozinho,1896-1956.
cartão postal / fotografia. A- Sertãozinho: Estabelecimento
cervo do Museu Paulista da Gráfico Polítipo, 1956).
USP, São Paulo, fotografado
por Hélio Nobre. 15 “São Paulo - Largo de São
Bento”, cartão postal/impres-
08 “Interior do Estado de São Paulo so/fototipia. Acervo do Museu
- Piracicaba, Uma usina de açú- Paulista da USP, São Paulo,
car”, cartão postal /impres- fotografado por Hélio Nobre.
so/fototipia. Acervo do Museu
Paulista da USP, São Paulo, foto- 16 “Brasil - São Paulo - Hotel Es-
grafado por Hélio Nobre. planada”, cartão postal/foto-
grafia. Acervo do Museu Pau-
09 Vista parcial dos edifícios da lista da USP, São Paulo, foto-
antiga Fábrica de Tecidos São grafado por Hélio Nobre.
Luiz, Itu, fotografada por Irit
Chernizon Tommasini, 2004. 17 “Brasil - Estado de São Paulo -
Igreja do Colégio em São
10 “São Paulo/Parnaiba - Condu- Paulo”, cartãopostal/litografia.
tor e Represa - Usina Hidrelé- Acervo do Museu Paulista da
trica - Represa da SPT Light and USP, São Paulo, fotografado
Power”, cartão postal / impres- por Hélio Nobre.
so / fototipia. Acervo do Museu
Paulista da USP, São Paulo, 18 Retrato de mulheres descan-
fotografado por Hélio Nobre. sando, São Paulo, de Vicenzo
Pastore, c. 1910, fotografia.
11 “São Paulo - Escola Politécnica”, Acervo Instituto Moreira Sal-
Edição Ducheim Irmãos, 1913, car- les, Rio de Janeiro.
tão postal/fotografia. Acervo do
Museu Paulista da USP, São Paulo, 19 “Mercado dos caipiras”, São
fotografado por Hélio Nobre. Paulo, (publicado em: GERO-

202 Terra Paulista: histórias, arte, costumes


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Setubal, Maria Alice (coord.)


C389f A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e os usos
da terra / Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e
Ação Comunitária, São Paulo : CENPEC, Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2004.
(Coleção Terra Paulista: histórias, arte, costumes; v. 1)
208p.

ISBN nº 85.7060.278-2 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 1)


ISBN nº 85.7060.295-2 (Coleção Terra Paulista - Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo)
ISBN nº 85.85786-38-8 (CENPEC, v. 1)

1. História - São Paulo (Estado) I. Título

CDD 981.61

Foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907).

CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


em Educação, Cultura e Ação Comunitária Rua da Mooca, 1921 - Mooca
Rua Dante Carraro, 68 05422-060 – São Paulo – SP
05422-060 – São Paulo – SP Tel.: (11) 6099-9800
Tel.: (11) 2132-9000 Fax: (11) 6099-9674
www.cenpec.org.br SAC 0800-123401
info@cenpec.org.br www.imprensaoficial.com.br
livros@imprensaoficial.com.br
Esta obra foi composta em Frutiger
Light, fotolitos da Laser Print
e impressa sobre papel
couche fosco branco,
em setembro de 2004

You might also like