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Segunda parte
Foi numa certa temporada em que esteve retido numa caserna que Descartes, sem encontrar
nenhuma conversa que o distraísse e nenhuma preocupação ou paixão que o perturbasse, e,
portanto, detendo-se ao longo dos dias apenas com seus pensamentos, chegou a certas
considerações que puseram luz ao que viria integrar seu método.
Um dos primeiros pensamentos que a ele acometeu foi o de que não há tanta perfeição no que é
feito pelas mãos de várias pessoas quanto há naquilo que é feito por apenas uma.
“Assim, vê-se que os edifícios iniciados e terminados por um
único arquiteto costumam ser mais belos e mais bem
ordenados do que aqueles que muitos procuraram reformar.”
Seguindo por essa linha Descartes será levado a pensar que as ciências dos livros (pelo menos as
que são apenas prováveis e carecem de demonstração) tendo sido compostas e aumentadas pouco
a pouco pelas opiniões de muitas pessoas diferentes não deveriam se aproximar tanto da verdade
quanto os simples raciocínios que um homem de bom senso era capaz de fazer o pudera.
É também assim que Descartes será levado a pensar que por ter sido o homem desde criança
governado pelos mais diversos apetites e preceptores, frequentemente contrários uns aos outros,
que deveria ser impossível que seus juízos fossem puros e sólidos como os de alguém que pudesse
ter tido a oportunidade de fazer uso apenas de sua razão desde a hora do nascimento. [ler nota de
rodapé 21, na página 25.]
“Quanto às opiniões que até então eu aceitara, o melhor que
podia fazer era suprimi-las de uma vez por todas, a fim de
substituí-las depois, ou por outras melhores, ou então pelas
mesmas, quando eu as tivesse ajustado ao nível da razão.”
[alegoria da cesta de maçã, se quiser, nota de rodapé 23,
página 26.]
Das longas cadeias de razões, tão simples e fáceis (pela boca de Descartes) que os geômetras
serviam-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, Descartes fora levado a pensar que
todas as coisas passíveis de conhecimento ao homem deviam poder ser encadeadas da mesma
maneira, com a condição de que nos abstêssemos de aceitar como verdadeira alguma coisa que não
o fosse e de observar sempre a ordem necessária para deduzir umas das outras. De forma que não
haveria nenhuma coisa tão afastada de outra que não pudesse nos conduzir por fim a ela, nem
tampouco algo tão escondido que nos inviabilizasse de descobrir.