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Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
UNIVERSIDADE DE LISBOA

Ano lectivo 2007/08

PALEONTOLOGIA
Curso Teórico

Tema 7

Plano da aula
1. Estratigrafia:

1.1 - Definição e princípios;


1.2 – Subdivisões
1.2.1 Litostratigrafia:
1.2.1.1 Unidades;
1.2.1.2 Princípios;
1.2.1.3 Equiparação versus Correlação;
1.2.2 Biostratigrafia:
1.2.2.1 – Principio da Identidade Paleontológica
1.2.2.2 - Conceito de Fóssil indicador estratigráfico;
1.2.2.3 – Unidades: Biozona; Conceito, definição e tipos;
1.2.3 Cronostratigrafia:
1.2.3.1 Escala Cronostratigráfica
1.2.3.2 Unidades.

2. Geocronologia: Datações absolutas


2.1 Ciclos gelo-degelo; Dendrocronologia; Liquenometria; Tefrocronologia;
2.2 Magnetostratigrafia;
2.3 Estratigrafia isotópica (isótopos estáveis)

3. Geocronologia: Datações numéricas

3.1 Datações radiométricas (isótopos radioactivos);


3.2 Teor em Flúor, Racemização de ácidos aminados; Traços de fissão
nuclear; Termoluminescência.

1. ESTRATIGRAFIA

A ESTRATIGRAFIA enquanto ramo da Geologia pode ser entendida de três


perspectivas distintas:

1 - Etimologicamente [Stratum (lat.) + Graphia (gr.)] significa a descrição e


estudo dos estratos ou camadas. Neste sentido está intimamente
associada com outras disciplinas (como a Paleontologia e a
Sedimentologia) no que respeita à determinação das condições de

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formação de rochas sedimentares (sedimentogénese), através do seu


conteúdo litológico e fóssil;

2 - Em sensu strito aborda o posicionamento relativo, espacio-temporal, de


rochas sedimentares. Sensu lato a Estratigrafia estuda e define o
escalonamento temporal de conjuntos litológicos (sedimentares,
metamórficos ou magmáticos) bem como de outros elementos geológicos
(falhas, filões, discordâncias);

3 – Em senso lato, ao abordar a sucessão cronológica original dos


acontecimentos geológicos permite o seu estudo numa perspectiva
histórica aproximando-se, neste contexto, daquilo que é conhecido por
Geo-história (≡ Geoistória).

Segundo F. PETTIJOHN: “Os problemas centrais da Estratigrafia são


temporais e envolvem a sucessão local das camadas (ordem de sobreposição), a
correlação entre secções locais e a formulação de uma coluna estratigráfica
sintética, válida a nível mundial”.
Com Charles LYELL a noção de tempo geológico (alargada
fundamentalmente a partir dos trabalhos de James HUTTON, nos finais do séc.
XVIII) passa a comportar os conceitos de sucessão, simultaneidade e duração. Uma
das questões a que se procura dar resposta em Estratigrafia é a de situar dois
acontecimentos de dimensão geológica, um relativamente ao outro: o acontecimento
A é anterior, posterior ou simultâneo, ao acontecimento B ?

Existem termos correntemente utilizados em Estratigrafia tais como:

Evento - Acontecimento geológico global, com extensão à escala do planeta,


síncrono e correspondente a um lapso de tempo considerado instantâneo,
à escala geológica;

Horizonte - Um horizonte estratigráfico corresponde idealmente a um plano ou


interface entre estratos, materializando a ocorrência de um determinado
evento geológico. Por exemplo, pode ser um fino leito de cinzas
vulcânicas, bem individualizado, no seio de uma sequência de camadas
de fácies oceânica, traduzindo uma violenta e importante emissão
vulcânica. Outras expressões equivalentes são, por exemplo: nível guia,
marcador ou datum.

Intervalo - Um intervalo estratigráfico corresponde a um conjunto de camadas entre


dois marcadores ou horizontes estratigráficos.

Lacuna - Na documentação estratigráfica disponível os registos geológicos


apresentam, invariavelmente, interrupções e descontinuidades (paragens
na sedimentação, superfícies de erosão ou truncatura, etc.)
correspondendo a um intervalo temporal, mais ou menos extenso. A
sequência e significado das lacunas (por exemplo quando estas estão
associadas a actividade tectónica) constitui, em si própria, uma parte
significativa do estudo estratigráfico, contribuindo para o conhecimento da
história da Terra (Geoistória).

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Estratótipo - Corresponde a um conjunto de camadas seleccionadas como padrão


(camadas-tipo) para a definição e identificação de unidades estratigráficas
(geralmente lito ou cronostratigráficas).

1.2 SUBDISCIPLINAS

A Estratigrafia está subdividida em três subdisciplinas, a Litostratigrafia, a


Biostratigrafia e a Cronostratigrafia. Com propósitos próprios, estas subdisciplinas
representam as principais etapas por que geralmente passam todos os trabalhos
estratigráficos.

1.2.1 LITOSTRATIGRAFIA

A Litostratigrafia é a primeira e mais expedita ferramenta utilizada em


reconhecimentos geológicos, nomeadamente em trabalhos de levantamento
cartográfico e elaboração de cortes geológicos.

1.2.1.1 Princípios

A Litostratigrafia baseia-se em 5 princípios gerais: o da Sobreposição, da


Horizontalidade, da Continuidade Lateral, da Interceção e da Inclusão

1 - Princípio da Sobreposição. Definido pelo médico holandês Nicolau Stensen


(1638-1686), mais conhecido pela designação latina de STENO, que o
formalizou em 1669, refere que "as primeiras rochas a depositarem-se, mais
antigas, ocorrem por debaixo de rochas mais modernas, que se depositaram
posteriormente". Este princípio foi desenvolvido a partir das observações de
Steno na Toscânia (Itália) sobre as chamadas Glossopetrae (fósseis antes
atribuídos a línguas petrificadas), as quais ele identificou correctamente como
sendo fósseis de dentes de tubarões. Se as rochas contêm estruturas que antes
pertenceram a seres vivos (conceito ainda não totalmente aceite nessa altura) é
porque essas estruturas foram incorporadas numa altura que a rocha ainda não
estava litificada, e que a deposição de sedimentos no mar terá levado à
formação de rochas estratificadas com fósseis;

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2 - Princípio da Horizontalidade - Definido igualmente por Steno, no seu trabalho de


1669, determina que as camadas de rochas (sedimentares) foram originalmente
depositadas na horizontal;

3 - Princípio da Continuidade Lateral. Do trabalho de Steno decorre igualmente que


as camadas de rochas sedimentares estendem-se lateralmente. Assim, uma
camada, limitada por um muro (base) e um tecto (topo) e definida por uma certa
fácies, tem a mesma idade em toda a sua extensão lateral;

3 - Princípio da Inclusão. Aplicado geralmente a rochas conglomeráticas ou brechas


tectónicas refere que qualquer rocha que contenha elementos de outra
(preexistente) é-lhe posterior;

4 - Princípio da Intersecção. Aplicado geralmente a estruturas planares (ex.: falhas,


filões, discordâncias, etc.) diz que qualquer elemento geológico é posterior
aos que intersecta e anterior aqueles que não afecta.

Com base nos seus três princípios, Steno foi capaz de propor uma cronologia
relativa [por cronologia entenda-se uma lista de acontecimentos apresentada pela
ordem em que terão ocorrido] para o conjunto de estratos da região da Toscânia.
No entanto, a diversidade dos processos geológicos dá origem ao
aparecimento de situações especiais para as quais estes princípios não podem
aplicados indiscriminadamente. Estes casos particulares, geralmente referidos como
"excepções", são, por exemplo no que se refere ao Princípio da Sobreposição, os
depósitos de terraços marinhos e/ou fluviais e os depósitos de gruta. Noutro
contexto, os contactos entre rochas sedimentares e rochas metamórficas ou
magmáticas (plutónicas ou hipabissais) geram maior número de situações de
excepção, dadas as condições particulares de génese de cada um destes conjuntos
litológicos. Cite-se, como exemplo, o caso dos filões-camada em que a sua idade é
sempre mais recente que as de ambas as camadas que o delimitam, inferior e
superiormente.
Em relação ao Princípio da Continuidade a sua maior “excepção” reside no
facto de certas formações serem diacrónicas, no caso de serem depositadas na
sequência de movimentos transgressivos ou regressivos. Outra questão que dificulta
a aplicação deste princípio é o da variação lateral de fácies ou o desaparecimento
lateral de camadas por erosão ou não deposição (ex: níveis lenticulares,
paleocanais) mais frequente em formações de fácies continental do que de fácies
marinha.

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1.2.1.1 Unidades

As unidades utilizadas, ditas unidades litostratigráficas, são definidas a


partir das características litológicas macroscópicas (mineralógicas, texturais e
composicionais) e paleontológicas (encarados os fósseis apenas como mais um dos
elementos constituintes). Os critérios de definição das unidades litostratigráficas são
os que servem de base à identificação em amostra de mão. Não carece de análise
laboratorial, pois baseia-se em classificações de campo.
A unidade litostratigráfica formal que serve de base à classificação
litostratigráfica é a Formação. Formação corresponde a uma camada ou sequência
de camadas que pelas suas características litológicas (incluindo a indicação dos
elementos fósseis mais abundantes, quando pertinente) é susceptível de ser
individualizada das que lhe são contíguas. Isto é, os seus limites estão
materializados e podem ser reconhecidos no terreno. Para além disso, uma
formação deverá ter continuidade lateral e extensão geográfica suficientes de modo
a poder ser cartografada (por exemplo em levantamentos realizados à escala
1:10.000 ou 1:25.000). A eficácia no levantamento cartográfico e/ou na elaboração
de cortes geológicos é um dos critérios mais importantes para a sua individualização
e definição. Na legenda das cartas geológicas, à escala 1:50.000, vêm mencionadas
as formações que foram definidas aquando dos trabalhos de levantamento
geológico. A formações podem ser compostas exclusivamente por rochas
sedimentares, por rochas magmáticas intrusivas e/ou extrusivas, por rochas
metamórficas ou por combinações de duas ou mais destas categorias.
O Membro corresponde a uma subdivisão dentro de uma Formação quando
esta apresenta subconjuntos litológicos susceptíveis de serem individualizados, com
vantagem para a descrição e caracterização geológica de uma região.
Os Membros (ou Formações) de unidades sedimentares são constituídos por
Camadas as quais correspondem à mais pequena unidade da hierarquia
litostratigráfica. Uma camada é uma estrutura planar, bem individualizada, no seio
de uma sequência sedimentar, por descontinuidades deposicionais (os planos de
estratificação a muro e tecto da camada) e por possuir características litológicas
próprias. Certas camadas recebem a designação de níveis-guia quando
apresentam grande importância em Cartografia, pela sua continuidade e fácil
reconhecimento no terreno.
As Formações podem ser reunidas em Grupos geralmente com o intuito de
simplificar a representação cartográfica em mapas de pequena escala (p. ex:
1:500.000 ou 1:1.000.000). Os grupos são constituídos por formações contíguas

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que: (1) ocorrem numa dada área geográfica (da qual recebem a sua designação);
(2) correspondem a uma mesma sequência evolutiva (sequência transgressiva ou
regressiva); (3) enquadram-se num dado intervalo temporal sem grandes hiatos ou
lacunas ou (4) partilham um mesmo domínio paleoambiental (p. ex: conjunto de
formações de fácies continental enquadradas por outras de fácies marinha, ou vice-
versa).
A designação Complexo utiliza-se para quando se agrupa um conjunto de
formações cujas relações geométricas relativas não são facilmente reconhecidas no
terreno mas que, no seu todo, ocupam uma posição estratigráfica bem definida na
sequência litostratigráfica de uma dada região. Exemplos: "Complexo vulcano-
sedimentar de Lisboa - Mafra", devido ao entrosamento dos seus níveis de escoadas
e tufos vulcânicos; "Complexo de Benfica" devido à sua acentuada variação lateral
de fácies continentais.

Em Litostratigrafia a espessura das camadas, membros ou Formações


constituídas por rochas sedimentares, pode ser tomada, em primeira análise, como
uma estimativa da duração temporal da sedimentação que lhe deu origem. Neste
sentido, uma sequência de camadas finas pode indicar variações relativamente
rápidas no ambiente sedimentar, enquanto que camadas muito espessas seriam
reflexo da estabilidade e da continuidade temporal de determinado regime
sedimentar. Contudo, tal só seria verdade se a velocidade de sedimentação fosse
sempre constante, situação mais frequente em ambientes sedimentares marinhos
profundos, mas muito pouco provável em ambientes costeiros, de pequena
profundidade, ou em ambientes continentais.
A Litostratigrafia de uma região cumpre os seus objectivos quando é possível
reconstituir a sequência de acontecimentos geológicos nela ocorridos e registados.
Este facto traduz-se na elaboração de uma coluna litostratigráfica onde figurem
todas as unidades litostratigráficas definidas para essa região, posicionadas da mais
antiga para a mais recente, através da aplicação dos princípios acima enunciados.

1.2.1.3 EQUIPARAÇÃO versus CORRELAÇÃO

Após a definição da coluna litostratigráfica para uma dada região, a função


seguinte do estratígrafo é o de estabelecer a equivalência temporal entre colunas
litostratigráficas definidas para regiões distintas, por vezes bastante afastadas umas
das outras (por ex: equivalência temporal entre as unidades litostratigráficas
definidas por B. Cotter, em finais do séc. XIX princípio do séc. XX, para a Bacia do
Tejo e as formações neogénicas entretanto definidas para a bacia do Algarve).

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Numa primeira fase, quando apenas se dispõe de argumentos


litostratigráficos podem esboçar-se várias hipóteses de EQUIPARAÇÃO temporal
("match" dos autores anglo-saxónicos) entre duas ou mais colunas litostratigráficas.
Esta equiparação não pressupõe a estrita equivalência de idades das unidades
litostratigráficas em comparação (só possível através do recurso a métodos
biostratigráficos e geocronológicos) mas, tão somente, o reconhecimento de
conjuntos potencialmente equiparáveis do ponto de vista do seu posicionamento
estratigráfico relativo. Neste contexto, podem existir várias soluções possíveis
quando se esboça uma equivalência lateral entre unidades litostratigráficas, sem
continuidade cartográfica, pois um mesmo tipo litológico (p. ex. o calcário) pode
ocorrer várias vezes ao longo de uma mesma sequência estratigráfica (é a chamada
recorrência de fácies) para além de ser frequente as unidades litostratigráficas
poderem ser diacrónicas (por exemplo quando são depositadas na sequência de
uma transgressão ou regressão), isto é, os seus limites tem diferentes idades de
região para região.
A CORRELAÇÃO entre unidades litostratigráficas, por seu lado, pressupõe a
equivalência temporal das mesmas, mesmo que apresentem fácies e naturezas
distintas. Neste sentido, o estabelecimento de correlações carece do conhecimento
preciso da datação das unidades em comparação. Contrariamente ao caso anterior,
na correlação entre unidades litostratigráficas existe apenas uma solução possível.
Para tal tem de se recorrer a métodos biostratigráficos (através da identificação de
fósseis indicadores estratigráficos e biozonas), biocronológicos e/ou geocronológicos
(por métodos de datação absoluta e/ou numérica).

1.2.2. BIOSTRATIGRAFIA

O termo Biostratigrafia, proposto por DOLLO em 1909, designa a disciplina


da Estratigrafia que tem por objectivo “elaborar os princípios e métodos de
subdivisão e de correlação tomando por base as leis que governam o
desenvolvimento histórico do mundo organizado” (por “mundo organizado”
entenda-se mundo biológico). Deste modo, a Biostratigrafia visa organizar, de modo
sistemático, as sequências geológicas em unidades que possam ser designadas e
caracterizadas pelo seu conteúdo fóssil.

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1.2.1.1 Princípio

A Biostratigrafia baseia-se na irreversibilidade da evolução biológica que


determina que, num dado intervalo de tempo da história geológica do nosso Planeta,
viveu um e um só conjunto de seres vivos, que, por esse facto, são característicos
desse mesmo lapso de tempo.

Princípio da Identidade Paleontológica ou da Sucessão faunística: Inicialmente


sugerido por Robert Hooke, foi William SMITH (1769-1839), naturalista inglês,
quem reconheceu que os fósseis de cada estrato exposto por ocasião da
construção de grandes canais de comunicação fluvial através da Inglaterra, nos
finais do séc. XVIII, não eram sempre os mesmos. Em vez disso, cada uma das
camadas possuía uma associação fóssil distinta. O Abade Jean Louis
GIRAUDE-SOULAVIE (1752-1813), em França, reconheceu igualmente este
padrão de sucessão faunística, o qual foi posteriormente desenvolvido e
aplicado aos estratos do Cenozóico da Bacia de Paris, pelo Barão Georges
CUVIER e pelo especialista em moluscos Alexandre BRONGNIART (1770-
1847). Por volta de meados do século XIX já estava bem estabelecido que
existiu uma sequência de faunas distintas no registo fóssil pelo que estratos que
possuam o mesmo conteúdo paleontológico tinham a mesma idade.

1.2.2.2 - Conceito de Fóssil indicador estratigráfico

Os fósseis com maior aplicação em Biostratigrafia são designados por:


Fósseis indicadores estratigráficos, Fósseis característicos ou Fósseis de
idade. São caracterizados por:

1. Possuírem estruturas endurecidas (biomineralizada, quitinosa ou celulósica) que


lhes permitam fácil fossilização;

2. Serem produzidos por grupos prolíficos (p. ex: com elevada taxa de reprodução),
aumentando a probabilidade de poderem ser encontrados os seus fósseis no
registo geológico;

3. Apresentarem ampla distribuição geográfica (fósseis de paleorganismos


euribiontes) para que possam ser utilizados no estabelecimento de correlações
entre bacias sedimentares de áreas geográficas afastadas, por exemplo,
intercontinentais;

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4. Curto período de estabilidade no contínuo processo de evolução biológica, isto é,


o período de existência do grupo taxonómico é relativamente reduzido, à escala
geológica;

5. O aparecimento e/ou extinção do grupo taxonómico são considerados eventos


biostratigráficos ;

A selecção dos grupos com interesse biostratigráfico é função do tipo de


fácies dos sedimentos (p. ex. se o ambiente sedimentar é marinho seleccionam-se
preferencialmente grupos de organismos pelágicos) incidindo naqueles que
apresentaram maior ritmo de evolução em determinado intervalo de tempo. Assim,
por exemplo, em rochas correlativas de ambientes marinhos oceânicos, no decurso
do Ordovícico ao Devónico Inferior o grupo mais favorável aos estudos
biostratigráficos seria o dos Graptólitos; no Jurássico, o grupo já seria o das
Amonites. Os Conodontes são particularmente úteis desde o Ordovícico ao Triásico.
Por seu lado, durante o Neogénico, em rochas de igual fácies, o estudo recairá
forçosamente em microfósseis: Foraminíferos planctónicos e Nanofósseis calcários.
Igualmente para o Neogénico, caso se trabalhe em rochas de fácies continentais a
nossa atenção concentrar-se-ia na pesquisa de dentes de micromamíferos
(roedores).

1.2.2.3 Unidades

Albert OPPEL (1831-1865), desenvolvendo e divulgando métodos já antes


utilizados pelo geólogo francês Alcide D’ORBIGNY para as camadas com fósseis
do Jurássico do sul de França, coligiu detalhada informação sobre a posição relativa
do aparecimento e desaparecimento de fósseis ao longo do Jurássico de França,
Suíça e Inglaterra. Ainda hoje os seus trabalhos continuam a ser modelo de
actuação na recolha de fósseis. Cada vez que um geólogo ou paleontólogo recolhe
um fóssil no campo, deve registar a sua posição na coluna litológica da região. Se o
colector se esquece de registar esta informação torna-se impossível reconstituí-la a
posteriori, tornando o exemplar inútil para a biostratigrafia.
Após Oppel ter projectado centenas de distribuições estratigráficas de fósseis
em tabelas de distribuição vertical, reconheceu que o mesmo padrão de sucessão
das associações fósseis e a sua posição relativa podia ser reconhecido ao longo de
toda a Europa ocidental. Este padrão podia ser subdividido em agregados discretos
limitados, na base, pelo aparecimento de certos grupos fósseis, e no topo, pelo
aparecimento de outros grupos. Entre 1856 e 1858, Oppel publica um conjunto de
“congregações” ou associações individuais de fósseis, as quais estão na origem das
unidades biostratigráficas que actualmente são utilizadas.

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As unidades biostratigráficas ou Biozonas são definidas por um conjunto de


camadas caracterizado por conter um determinado conteúdo fóssil que lhe é
específico e susceptível de o individualizar dos demais.

Para se definir uma ou mais Biozonas é necessário compilar e comparar a


distribuição estratigráfica dos fósseis obtidas de várias colunas litostratigráficas, de
regiões distintas, de modo a garantir a sua aplicabilidade à escala global. Tal é
realizado por várias fases:

1 - Para cada coluna litostratigráfica (representativa da sequência sedimentar de


uma dada região) determina-se a distribuição vertical dos fósseis nela
presentes. Estas distribuições locais, as Teilzonas (partial range zones) são
definidas por acontecimentos tais como a Primeira Ocorrência (FO - First
Occorrence) e a Ultima Ocorrência (LO - Last Occorrence) de certo grupo
fóssil nessa região. Cada uma destas ocorrências (FO’s e LO’s) traduz um
potencial elemento de individualização de biozonas. Contudo também podem
traduzir migrações laterais, más condições de fossilização, reelaboração e
ressedimentação de certos fósseis, lacunas ou hiatos sedimentares,
contaminação (sobretudo no caso de microfósseis), erros de identificação,
deficiente campanha de amostragem, etc.;

2 - As FO’s e LO’s obtidas de cada coluna litostratigráfica são comparadas entre si,
por exemplo, através do Método da Correlação Gráfica. Definido por Allan
SHAW, em 1964 (pelo que também é conhecido por “Shaw plots”), muito do
trabalho pode ser realizado em papel milimétrico com o recurso a uma simples
calculadora embora actualmente seja realizado por computador tirando partido
do conceito estatístico de Correlação linear (o melhor ajuste de uma linha
recta a um conjunto de pontos). Através deste método, os FO’s e LO’s de duas
colunas litostratigráficas (colocada uma em abcissas e a outra em ordenadas)
são comparados. Se eles estão alinhados é porque eles são temporalmente
equivalentes. Se algum dos pontos se encontra claramente desalinhado dos
demais tal se pode ficar a dever a migrações ou pode significar “imprecisões”
na determinação realizada num dos cortes. Se for este o caso, as ocorrências
podem ser corrigidas;

3 - Gradualmente, por comparações sucessivas, obtém-se uma secção de referência


composta, padrão, a qual apresenta a distribuição vertical corrigida de todo os
vários acontecimentos locais. Nessa secção padrão cada aparecimento

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corresponde ao momento de especiação global e cada desaparecimento ao


momento de extinção global pelo que os FO’s e LO’s passam a ser
considerados como eventos biostratigráficos, designados, respectivamente,
Evento do Primeiro Aparecimento (FAD - First Appearence Datum) e Evento
do Último Aparecimento (LAD - Last Appearence Datum);

4 - Com base na sequência de FAD’s e LAD’s pode então ser finalmente definida
uma Escala Biostratigráfica, composta por um certo número de Biozonas,
cujos limites são definidos por esses mesmos eventos.

Tipos de Biozonas

I) Biozona de Associação (CENOZONA do gr. Koinós = comum). Corresponde a um


conjunto de camadas caracterizadas por uma mesma associação fóssil
(faunística ou florística), distinta das adjacentes. Segundo HEDBERG este
tipo de biozonas pode basear-se em todos os taxa presentes ou apenas em
alguns deles.
Cada Cenozona é designada por duas ou mais espécies presentes e é
referida pelas suas designações específicas completas. Por exemplo: Biozona
de Orbitolites complanatus e Nummulites variolarius (Eocénico).
Biozonas de Associação são definidas geralmente por um elevado número de
FAD’s e/ou LAD’s pelo que os seus limites podem resultar algo difusos.
Alguns autores propuseram que estas zonas fossem definidas pelos FAD ou
LAD de um único táxone, para serem mais precisas, mas pudessem ser
caracterizadas por taxa adicionais para permitir uma mais fácil identificação
da biozona. Como este corresponde mais fielmente ao critério usado por
Oppel, este tipo de biozona é conhecido por Biozona de Oppel;

II) Biozona de Extensão (ACROZONA do gr. Akrós = o extremo; devido ao seu


significado dúbio certos autores propõem a designação anglo-saxónica de
"Range zone"). Conjunto de camadas correspondentes à extensão vertical
(estratigráfica) máxima de um táxone escolhido de entre a associação de
fósseis presentes. Os seus limites são sempre susceptíveis de aferição
devida quer ao estudo de novos cortes ou sondagens, quer a variações na
concepção taxonómica da própria entidade fóssil.

II.1 - Biozona de extensão de um táxone. Conjunto de camadas em que está


representado um determinado táxone (a quase totalidade das biozonas são
definidas a partir de espécies sendo as superzonas definidas por taxa
genéricos ou por famílias). Representa a extensão máxima da presença
(horizontal e vertical) de espécimens desse táxone.

II.2 - Biozona de extensão concomitante (Zona de Coexistência). Corresponde


ao intervalo de sobreposição ou concomitância das zonas de extensão de
dois ou mais táxones determinados, escolhidos da totalidade de formas
presentes na sequência estratigráfica.

III) Biozona de Abundância (Zona de apogeu ou "Acme zone"). Conjunto de


camadas onde ficou registado o apogeu ou desenvolvimento máximo de um
táxone (corresponde a um intervalo inferior ao da sua extensão total). Só
pode ser definido em estudos de sequências contínuas de camadas ou de

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sondagens oceânicas já que o seu reconhecimento implica a determinação de


variações na proporção relativa (%) ou quantificação absoluta de certos taxa.

IV) Biozona de Intervalo. Conjunto de camadas depositadas entre dois horizontes ou


eventos biostratigráficos, não possuindo qualquer associação de fósseis que
lhe seja exclusiva. Só pode ser definido em estudos de sequências contínuas
de camadas ou de sondagens oceânicas já que o seu reconhecimento implica
provar que certo FAD e/ou LAD efectivamente se verificou antes e certo outro
depois da sequência em estudo. Tal é impossível de determinar no estudo de
afloramentos isolados e com pequeno desenvolvimento vertical.

A definição de Biozonas permite a correlação de Formações entre bacias


sedimentares afastadas, independentemente da sua litologia ou da existência de
diacronismos e/ou hiatos sedimentares. Contudo, uma biozona só pode ser definida
no interior de uma província faunística (ou florística) característica do ambiente de
vida do grupo que está a ser considerado. Isto é, se certa Biozona for definida com
base em organismos planctónicos ela só pode ser identificada em camadas
constituídas por sedimentos de fácies marinha oceânica. Assim, uma única escala
biostratigráfica não permite estabelecer correlações, por exemplo, entre formações
oceânicas e continentais, directamente. Por seu lado, a definição e utilização de
biozonas carece de conhecimento paleontológico muito especializado em certos
grupos fósseis pelo que, na prática, não pode ser aplicado por outros especialistas
em geociências, por exemplo geofísicos.

CRONOSTRATIGRAFIA

1.2.3.1 Escala Cronostratigráfica

Pelo que se referiu no último parágrafo, cedo se reconheceu a necessidade


em definir uma cronologia padrão, válida à escala global, para todas as unidades
geológicas e que pudesse ser utilizada e entendida por todos os investigadores das
Ciências da Terra. Essa tabela, conhecida como Escala Cronostratigráfica,
permite a qualquer geólogo posicionar as suas sequências de rochas no contexto da
História da Terra, independentemente do seu local de estudo ou do seu tipo
litológico (magmáticas, metamórficas ou sedimentares). A Escala Cronostratigráfica
corresponde à súmula do trabalho de numerosos estratígrafos ao longo de mais de
150 anos inicialmente na Europa, estendendo-se depois ao resto do mundo. Deste
modo, não existe nenhum sítio à superfície do nosso planeta onde todas as
unidades que compõem esta escala possam ser encontradas, de modo contínuo.

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1.2.3.2 Unidades.

A Escala Cronostratigráfica está dividida em unidades cronostratigráficas.


Essas unidades estão integradas num esquema hierárquico, do mais geral para o
mais particular: Eonotema, Eratema, Sistema, Série e Andar.
Na primeira metade do séc. XIX foram definidos a grande maioria dos
Sistemas, os quais foram posteriormente subdivididos em séries e andares, e
agrupados em eratemas. Cada uma destas unidades foi definida a partir de
Estratótipos os quais foram propostos e aceites como representando as melhores
sequências sedimentares, à escala global, representativas de determinados
intervalos de tempo da História da Terra.
O Andar corresponde à unidade cronostratigráfica formal, de base,
satisfazendo dois requisitos importantes: permite o estabelecimento de correlações
intra-regionais e é a menor unidade que pode ser reconhecida à escala global: A
Idade que lhe corresponde tem uma duração temporal que varia, em média, dos 3
aos 10 Ma.
Os nomes atribuídos aos Andares (e respectivas Idades) geralmente derivam
de uma localidade ou de outra característica geográfica da área tipo. A este nome é-
lhe adicionado, em português, as terminações de "ano" ou "iano".
Cada Andar é definido numa dada região a partir de um ou mais cortes
representativos, sem hiatos, lacunas ou discordâncias assinaláveis. A Secção-tipo
(Estratótipo) é proposta e seleccionada internacionalmente de entre um conjunto de
propostas iniciais sendo geralmente escolhida por conter ricas e diversificadas
associações fósseis, normalmente contendo sedimentos de fácies marinha nerítica,
de águas quentes.

Como exemplo cite-se o caso da escolha do Andar correspondente ao Pliocénico inferior.


Das duas secções-tipo possíveis o Tabianiano ("Margas azuis de Tabiano Bagui") e o Zancliano
("Margas de Trubi"), ambas na região norte de Itália, a escolha do estratótipo recaiu sobre o
Zancliano já que o primeiro contem orictocenoses características de águas frias, pouco diversificadas
e com acentuado províncionalismo. Curiosamente, o Zancliano, embora já conhecido desde 1868, só
recentemente, a partir de 1973, pôde ser utilizado em correlações biostratigráficas e mais tarde em
Cronostratigrafia, formalmente, como Estratótipo. Este facto deveu-se a que esta formação é
inteiramente constituída por oozes ricas em microfósseis (Foraminíferos planctónicos e Cocolitóforos)
mas pobre de macrofósseis. No século passado e durante toda a primeira metade do nosso século a
biostratigrafia do Cenozóico assentava nos Moluscos bivalves pelo que se teve de esperar, primeiro,
pelo desenvolvimento e implementação dos estudos micropaleontológicos para que este estratótipo
pudesse ser utilizado.

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Como foi referido, a Escala Cronostratigráfica ("Geological Time Table") é o


calendário ou estrutura temporal na qual se inserem todos os acontecimentos
marcantes da história geológica do nosso planeta (ciclos e eventos orogénicos;
períodos e anomalias de polaridade magnética; transgressões e regressões) a par
dos eventos bióticos principais. Estes últimos estão aliás na origem das principais
divisões desta tabela.

De seguida citam-se alguns exemplos:

Divisão em Eonotemas:

Proterozóico (com vestígios de organismos


sem partes mineralizadas ou
com microfósseis unicelulares
simples (bactérias) 2500 - 570 Ma

Fanerozóico ("vida visível") 570 - 0 Ma

O Fanerozóico, por sua vez subdivide-se nos Eratemas:

Paleozóico (gr. Palaios = antigo + 570 - 245 Ma


Zoicos = referente à vida)

Mesozóico (gr. Mesos = meio) 245 - 66 Ma

Cenozóico (gr. Kainos = recente) 66 - 0 Ma

Se o critério para a divisão entre Paleozóico e Mesozóico está associado a


eventos quer tectónicos (choque generalizado das massas continentais e formação
do super-continente Pangeia) quer paleontológicos (extinção em massa permo-
triássica de Trilobites, Tetracoraliários, Goniatites, entre outros, por eliminação de
grande parte das áreas ocupadas por mares epicontinentais), a divisão Mesozóico-
Cenozóico teve como único critério um evento paleontológico (extinção em massa
de Dinossáurios, Pterossáurios, Amonites, Belemnites, Rudistas, Inoceramídeos,
etc; especula-se que as suas causas estejam relacionadas com o choque de um
cometa de grandes dimensões com o nosso planeta) já que se situa durante o ciclo
orogénico alpino.
O Cenozóico, por sua vez, está subdividido em Terciário e Quaternário. A
fronteira foi inicialmente definida com base no "aparecimento do Homem", por volta
dos 2 Ma. A subdivisão permanece nos nossos dias mas perdeu o seu cariz
antropológico (dado que o aparecimento de símios antropóides que estão na base
da evolução da espécie humana, remonta a idades mais requadas, mio-pliocénicas)
para adquirir uma conotação paleoclimática. Assim, marca o aparecimento de
formas de águas frias do Atlântico norte (os chamados “northern guests": o

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Lamelibrânquio Artica islandica e o Foraminífero Hyalinea baltica) no Mediterrâneo,


por volta de 1.6 Ma, definindo o início da intensificação do ciclo de glaciações e
interglaciações, no Hemisfério norte.
O Terciário foi subdividido em 6 Épocas, com base em critérios
paleontológicos, por Charles LYELL, em 1830-33. Este autor estabeleceu como
critério para a sua distinção a proporção relativa entre formas de moluscos ainda
existentes actualmente e formas já extintas, em cada uma das épocas (este facto é
indicado por vários autores, como a primeira vez em que foi utilizado um método
quantitativo estatístico, em Geologia):

Paleocénico (Palaios = antigo + Kainos = recente) 55 - 66 Ma


(sem espécies de moluscos actualmente existentes)

Eocénico (gr. Eos = aurora) 36 - 55 Ma


(com 1 a 5% de espécies actuais de moluscos)

Oligocénico (gr. Oligos = pouco) 24 - 36 Ma


(com 10 a 15% de espécies actuais de moluscos)

Miocénico (gr. Meion = menos) 5 - 24 Ma


(com 20 a 40% de espécies actuais de moluscos)

Pliocénico (gr. Pleion = mais) 1.6 - 5 Ma


(com 50 a 90% de espécies actuais de moluscos)

Plistocénico (gr. Pleistos = o mais) 0,01 - 1.6 Ma


(com 90 a 100% de espécies actuais de moluscos)

Para cada unidade cronostratigráfica existe uma unidade geocronológica,


com a mesma designação, correspondente equivalente ao intervalo tempo que levou
à sua sedimentação. Recorrendo ao exemplo clássico da ampulheta: a Unidade
Cronostratigráfica está para o volume de areia depositado no vaso inferior da
ampulheta assim como a Unidade Geocronológica está para o lapso de tempo
correspondente ao acumular desse mesmo volume de sedimento.
A hierarquização e equivalência entre unidades cronostratigráficas e
geocronológicas é a seguinte:

Unidades Cronostratigráficas Unidades Geocronológicas

Eonotema Eon
Eratema Era
Sistema Período
Série Época
Andar Idade

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Para cada unidade cronostratigráfica existe uma unidade geocronológica


homónima. Alguns autores anglo-saxónicos na sub-divisão de certas Épocas utilizam
referências temporais tais como "early" e "late" enquanto que para as Séries
respectivas adoptam expressões como "lower" e "upper". Em português e francês
não existe esta distinção utilizando-se inferior e superior, em ambos os casos.
Existem ainda outras expressões com tradição na literatura estratigráfica portuguesa
como tardi (p.ex. em tardi-hercínico) e infra (p.ex. em Infraliássico).

2. GEOCRONOLOGIA: DATAÇÕES ABSOLUTAS

Estas datações são obtidas, por exemplo, através da contagem de estruturas


sedimentares ou da morfologia de certos organismos (fósseis ou actuais) as quais
traduzem uma alternância climática (sazonal) anual.

- contagem de ciclos sazonais de gelo-degelo em depósitos lacustres associados a


regimes glaciários. Exemplo: Varvitos da Escandinávia e do Canadá;

- Dendrocronologia. Contagem dos anéis de crescimento em troncos de arvores


provenientes de climas de marcada sazonalidade;

- Contagem de estrias de crescimento diários em tetracoraliários ahermatípicos


paleozóicos. Exemplo: Zaphrentis do Devónico com cerca de 400 anéis por
ano;

- Liquenometria. Determinação do diâmetro de líquenes de grande longevidade e


taxa de crescimento conhecida (ex: Rhizocarpon geographicum).

- Tefrocronologia - Método de datação histórica que consiste na detecção de


horizontes de cinzas vulcânicas, intercalados em sedimentos, resultantes de
grandes explosões de aparelhos vulcânicos tais como o de Krakatoa
(Indonésia) em 1883 e de Katmai (Alasca) em 1912.

- Magnetostratigrafia - Este método baseia-se na determinação de direcções


paleomagnéticas em sequências de amostras de fundos oceânicos e na sua
atribuição a épocas (ou episódios) de polaridade normal ou inversa, cujas
idades são conhecidas. Os fenómenos de inversão do campo magnético
terrestre têm sido relativamente frequentes no registo geológico dando origem
a eventos globais e síncronos. Estes eventos são posteriormente datados
sendo propostas escalas magnetostratigráficas onde se lhes atribui valores de
idade, os quais servem de base a todas as datações que são realizadas por
métodos de biostratigráficos e biocronológicos.

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Certos eventos biostratigráficos são possíveis de ser aferidos a uma escala


magnetostratigráfica por recurso a métodos mais ou menos directos. Após esta
aferição é possível atribuir a esses eventos idades absolutas. Nesse momento,
passa a ser possível, ao biostratígrafo, atribuir valores absolutos de idade através da
determinação do conteúdo fóssil de uma jazida. Este método é apelidado de
BIOCRONOLOGIA. Actualmente, as escalas biostratigráficas e magnetostratigráficas
estão integradas num esquema único, dito MAGNETOBIOGEOCRONOLÓGICO, utilizando
magnetismo, biostratigrafia e isótopos estáveis (δ18O - razão isotópica utilizando os
isótopos estáveis de oxigénio: 16O e 18O) no sentido de obter datações de muito alta
resolução à escala global.

3. GEOCRONOLOGIA: DATAÇÕES NUMÉRICAS

As datações numéricas são obtidas por um conjunto de métodos mais ou


menos sofisticados que vão desde a determinação de luminescência a
determinações isotópicas baseadas na utilização de complexos equipamentos como
os espectrómetros de massa. De cada um destes métodos resulta um valor que
apresenta algum grau de incerteza pelo que não deverá ser tomado como “valor
absoluto”.
Um dos conjuntos de métodos (Datações radiométricas) mais
frequentemente utilizados baseia-se na desintegração constante de certos isótopos
radioactivos, cuja diminuição de massa segue leis bem conhecidas (período de
semi-vida). Os elementos radioactivos sofrem uma desintegração espontânea,
exponencial e irreversível, a ritmo constante, dando lugar, após uma série mais ou
menos complexa de transformações, a elementos estáveis. Estes vão-se
acumulando, gradualmente, nos minerais e nas rochas, em função do tempo.
A velocidade com que desenrola este processo é característica de cada
isótopo radioactivo e pode ser determinada experimentalmente através do cálculo do
período de semi-desintegração ou semi-vida (tempo que um elemento radioactivo
necessita para reduzir a sua massa a metade). Utilizando um espectrógrafo de
massa é possível determinar a proporção entre o elemento estável e o isótopo
radioactivo que lhe deu origem, a qual é função da idade do mineral ou rocha que os
contem.
As concentrações dos radioisótopos são medidas por radiometria,
espectrómetro de massa ou espectrometria de massa por aceleração (Accelerator
Mass Spectrometry - AMS). As medições radiométricas são baseadas na
determinação da taxa de produção das partículas radioactivas (α, β ou γ) geradas no
decurso da emissão radioactiva. As técnicas de espectrometria são baseadas na

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separação de átomos ou moléculas (previamente ionizados) pelas suas respectivas


massas (através da aplicação de um campo magnético que as deflecte
diferenciadamente). A técnica AMS difere no facto dos iões serem previamente
acelerados através da aplicação de um campo eléctrico de vários milhões de voltes,
permitindo detectar abundâncias ínfimas, da ordem dos 10-14. Neste sentido, a
precisão das determinações pôde ser incrementada de ± 8% (na década de 60) para
± 0.5 % da idade determinada (recorrendo a modernos espectrómetros de massa
por ionização térmica).

Isótopos radioactivos mais utilizados

1. Minerais com Urânio 238 e/ou Tório 232


Produto Final da desintegração: 206Pb e 208Pb, respectivamente.
Períodos de semi-vida: 238U = 4,56x109; 232Th =13,9 x 109 anos.
Limitações: Só é aplicável a minerais de rochas ígneas.

2. Minerais de Potássio com Rubídio 87


Produto final da desintegração: Estrôncio 87.
Período de semi-vida: 5 ou 4,7x1010 anos.
Limitações: raridade da ocorrência de Rubídio.

3. Minerais com Potássio 40 (Moscovite, Lepidolite, Flogopite, Ortoclase,


Glauconite, Ilite).
Produto final de desintegração: Árgon 40 (gás inerte).
Período de semi-vida: 1,19x1010 anos.
Limites de validade: De 300.000 anos a 3.000 Ma. Na prática é utilizado para
minerais de idades iguais ou inferiores ao Mesozóico.
Limitações: Sendo o Árgon um gás que tende a escapar da rede cristalina a altas
temperaturas, os minerais em análise não podem ter sido sujeitos a
acentuado metamorfismo.

4. Rochas, fósseis ou estruturas de origem orgânica com Carbono 14.


Produto final da desintegração: Azoto 14 (Nota: O 14C forma-se nas altas regiões
da atmosfera, em ritmo constante, a partir do bombardeamento de raios
cósmicos sobre o 14N).
Período de semi-vida: 5.568 anos
Limite de validade: Idades inferiores a 70.000 anos.

5 Corais e espeleotemas (estalactites/estalagmites) através da razão Tório 230 /


Urânio 234.
Limitações: Aplicável ao Quaternário.

Outros métodos de datação numérica incluem:

- Teor em Flúor dos ossos. Aplicável ao Quaternário, é um método de cronologia


relativa baseado no facto do teor em Flúor de ossos e dentes fósseis, aumentar

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com o tempo, por substituição de radicais (OH-) da Hidroapatite (Fosfato de


cálcio hidratado) por Flúor (Fluorapatite). Este método permitiu pôr a
descoberto a célebre fraude do "Hominídeo de Piltdown" descoberto em 1912
(o vestígio "encontrado", atribuído ao Quaternário antigo, como pertencendo a
um ancestral do género Homo, era constituído por um crânio de um homem
falecido 500 anos antes ao qual lhe juntaram um maxilar inferior, actual, de um
Orangotango, cujos dentes tinham sido previamente limados).

- Racemização de ácidos aminados - Aplicável ao Quaternário. As proteínas


sintetizadas pelos seres vivos são constituídas por vinte ácidos aminados.
Estes apresentam-se na sua forma levógira (desviam a luz para a esquerda).
Após a morte de um organismo uma parte destes ácidos tende a evoluir para
uma mistura opticamente inactiva, sendo este processo conhecido por
racemização.
Metade do Tempo de racemização
ácido aspártico ....... 5.700 anos T = 20°C
isolericina ............. 100.000 anos T = 20°C

Este método permitiu datar o "Homem de Tautavel" (gruta de Arago,


Pirinéus orientais) entre 250.000 a 300.000 anos.

- Método dos Traços de Fissão Nuclear - baseia-se nos impactos produzidos por
partículas nucleares resultantes da desintegração ou fissão de 238U, 235U ou
232Th sobre a superfície ou estrutura de certos minerais (micas, apatite, esfena,

epídoto, zircão) ou vidro vulcânico. O número de traços é função do número


inicial de átomos do isótopo radioactivo por cm3 do mineral e aumenta
proporcionalmente com o tempo decorrido (Nota: A variedade de quartzo dita
"fumado" é originada por este processo de bombardeamento radioactivo).

- Termoluminescência ou Luminescência opticamente estimulada (OSL).


Estes métodos baseiam-se na determinação da luminescência produzida
aquando da libertação de electrões aprisionados nas malhas cristalinas de certas
minerais, como por exemplo, o quartzo, devido à actividade de elementos
radioactivos vizinhos. Essa luminescência é produzida quando a substância é
aquecida ou submetida a radiação óptica de determinada frequência.

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