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JOSé MATOSO
Volume 3
IDENTIFICAÇÃO DE UM PAÍS
Composição
Cífculo4jeitores
C apa:
Fernando Rochinha Diogo
R evisão tipográfica :
Henrique Barbosa
Fotocompográfica, Lda.
Í n d ic e :
Helena Galante
C artografia :
Fernando Pardal
C om posição :
Fotocompográfica, Lda.
Parte II
COM POSIÇÃO
L Mutações ................................................................................................ 13
1.1. Demografia ..................... 13
O estado da questão ............................................................... 13
Variantes regionais da densidade populacional ................. 14
Ritmos de crescimento .......................................................... 16
Redução da natalidade ........................................................... 17
Migrações ............................................*.................................... 18
Crise de 1190-1210 ................................................................ 20
O século xiii ............................................................................ 21
Conclusões ................................................................................ 22
1.2. Tecnologia e economia ...................................................... 24
1080-1130 ................................................................................. 25
1130-1160 ................................................................................. 27
1160-1190 ................................................................................ 28
1190-1210 ................................................................................ 30
1210-1250 ................................................................................. 30
1250-1280 ................................................................................. 32
1280-1325 ................................................................ 36
Conclusões ................................................................................. 39
1.3. Mentalidade e cultura ................................................................. 39
Concepções religiosas emorais: da magia às devoções ... 40
Responsabilidade individual .................................................. 42
Reclusão e clausura ................................................................. 44
Costumes: o dinheiro ........................................................... 45
A poupança ............. 46
Cultura: o sentido damedida ................................................ 47
O sentido do espaço ........................................................... 48
A escrita .................................................................................... 48
Cultura dos leigos ................................................................... 51
Cultura popular ....................................................................... 52
O indivíduo e o grupo: oprivado e o público ................. 54
Conclusão ...................................................... 55
5
2. A monarquia .............................................. ........................................... 57
2.1. O «senhor rei» ............................................................................. 59
O poder senhorial do rei ...................................................... 59
Prestações de origem pública e de origem privada ......... 60
Reguengos e terras foreiras .................................................... 61
Defesa do património régio .................................................. 62
Os bens urbanos do domínio régio .................................... 62
Administração: recolha das rendas ...................................... 63
Administração da justiça .................................................... 65
Almoxarifes ................................................................................ 65
2.2. Regalias .......... 66
A monarquia feudal: a privatização do poder .................. 66
A fragmentação do poder público ...................................... 67
Especificidade da função régia .............................................. 68
O carisma do rei....................................................................... 68
A função régia nos documentos da chancelaria ............... 70
As fórmulas do chancelerJulião ........................................... 71
As concepções de Afonso II ................................................ 73
A plenitude dos dois poderes ............................................... 76
Afonso III e D. Dinis ........................................................... 77
As «regalias» ............................................................................. 78
Concepções de Afonso X em Portugal .............................. 80
A política de D. Dinis .......................................................... 81
Conclusão .................................................................................. 82
2.3. Governo central ........................................................................... 83
A cúria feudal .......................................................................... 84
O alferes e o mordomo .................................................... 84
Remodelações de Afonso II:oficiais inferiores ................. 86
Remodelações de Afonso III ...................... ................. ....... 87
D. Dinis .................................................................................... 87
Os clérigos da cúria ................................................................ 88
O chanceler .............................................................................. 88
O tribunal régio ....................................................................... 91
As finanças régias .................................................................... 93
A cúria régia como conselho ................................................ 94
As cortes .................................................................................... 95
O conselho régio .................................................................... 98
Conclusão .................................................................................. 98
2.4. Governo local ................................................................................ 99
Os ricos-homens e as «terras» .............................................. 100
Os julgados ..................................................................... 100
Relações entre «terras» ejulgados ......................................... 101
Reforma de Afonso III .................................................... 103
Os intermediários: almoxarifes e meirinhos ...................... 105
Os meirinhos-mores ............................................. 106
O rei e os concelhos .............................................................. 108
6
3. A centralização ..................................................................................... 111
3 .1 .0 rei e os senhores ................................................................. 111
O rei e a nobreza como classe social ................................ 112
Os cavaleiros ............................................................................ 113
Afonso III ................................................................................. 113
D. Dinis .................................................................................... 114
O rei como suserano .............................................................. 115
Dificuldades de interpretação .................... .......................... 115
Feudos de função (honores) .................................................. 116
Os alcaides. A homenagem .................................................. 117
Vassalos da casa real ............................................................... 119
Monarquia e feudalismo .......................................... 120
O rei e o regime senhorial até Afonso II ......................... 121
Afonso III ................................................................................. 122
D. Dinis ................................................ ................................... 123
Conclusão .................................................................................. 125
3.2. O trono e o altar ........................................................................ 125
De Afonso I a Sancho I ...................................................... 126
Afonso II: o poder temporal e o poder espiritual .......... 128
A crise de 1245 ....................................................................... 130
Afonso III ................................................................................. 131
D. Dinis .................................................................................... 133
O padroado régio e a nomeação dos bispos .................... 134
As ordens militares ................................................................. 135
O rei e o papado ................................................................... 137
Conclusão .................................................................................. 138
3.3. O rei e os concelhos .................................................................. 138
Antes de 1250 ......................................................................... 139
. Afonso III ................................................................................. 139
D. Dinis .................................................................................... 140
O rei, «senhor» dos concelhos ............................................. 141
Vínculo feudal e vínculo «natural» ..................................... 142
Ideologia monárquica .............................................................. 143
O rei, «protector» dos concelhos ........................................ 143
Conclusão .................................................................................. 146
7
Papel das cidades .................................................................... 157
Regiões e províncias ............................................................. 159
Contactos humanos ............................................................. 159
O «sistema nervoso» docorpo nacional .............................. 161
As fronteiras ............................................................................. 162
Conclusão .................................................................................. 164
4.2. Identidade ...................................................................................... 164
A chancelaria ............................................................................ 165
Sinais de validação .................................................................. 165
O escudo do rei ..................................................................... 166
Rex portugalensium ....................................... 167
Regnum ...................................................................................... 168
Historiografia ............................................................................ 169
Os clérigos ................................................................................ 170
A nobreza e as suas/Contradições ........................................ 173
Os meios populares: osconcelhos ........................................ 174
8
PARTE II
COMPOSIÇÃO
Recordemos coisas já ditas: a diferença entre o Norte senhorial e o
Centro e Sul concelhios, entre a montanha e a planície, o campo e a cida
de, as tradições islâmicas e as cristãs. Mas isto não esgota a história de Por
tugal. Apenas explica alguns fenómenos. Depois de ter acentuado a oposi
ção, não é menos importante mostrar como os dois conjuntos iniciais se
fundiram num só. Não de uma só vez, nem por caminhos lineares e rápi
dos, mas por um completo feixe de causas que só puderam actuar em de
terminadas condições, através de um processo lento e cheio de vicissitudes.
Já no princípio apontava como vectores da integração as transferências
da população que trazem do Norte os excedentes populacionais e os distri
buem pelo Centro e Sul, o desenvolvimento económico e tecnológico, que
uniformiza a civilização material e desenvolve as trocas a partir das cidades,
a formação de uma classe dominante nacional comum às diversas regiões
e a edificação de um poder estatal único personificado no rei. Dado que o
fenómeno nacional é de natureza política, bastar-me-á evocar, sem grande
demora, as transformações demográficas, económicas e tecnológicas que
criaram as condições para que a Coroa, suportada pela classe dominante,
pudesse tornar-se o motor efectivo da unificação política. A análise dos
problemas centrais desta parte deverá, portanto, ser precedida de um capí
tulo sobre as transformações do terreno material em que a história social e
política se move, e ainda sobre a evolução mental que permite o desenvol
vimento das forças unificadoras. A sua parte central é constituída pela his
tória política. Nela tratarei, primeiro, da definição da monarquia feudal e
senhorial que se estabeleceu no nosso país e, depois, da maneira como se
sobrepôs às forças divergentes e as absorveu. Tentarei, finalmente, dar ideia
dos resultados a que esta política conduziu e da formação de uma cons
ciência nacional.
11
1.
Mutações
1.1. Demografia
Por mais elementares e inseguros que sejam os dados de que se pode dis
por acerca dos quantitativos da população portuguesa antes da era estatísti
ca, nem por isso podemos deixar de os examinar, dada a repercussão que a
demografia tem em todos os domínios da existência humana.
O ESTA D O DA Q U ESTÃ O
13
que indicarei a seguir e com o cuidado de a manter como proposta de ex
plicação, uma vez que não vejo outra da mesma amplitude para a série de
fenómenos que indicarei. Admito, porém, que não é totalmente segura e
sobretudo que a sua incidência depende da respectiva amplitude. Ora, esta
é impossível de medir com rigor.
Começarei por reconhecer que não convence toda a gente. Sánchez-Al-
bornoz, por exemplo, fala constantemente na «sede de homens» durante o
movimento da Reconquista e na inutilidade dos esforços dos chefes para os
recrutarem2. Ch.-E. Dufourcq atribui menos peso ao crescimento popula-^
cional da zona pirenaica do que à política dos reis e condes que obrigaram
à emigração para terras alheias3. A sua opinião é generalizada para o con
junto da Península por Angus Mackay4. E idêntica à que Robert Durand
adopta para o território português de entre Douro e Tejo5 e à que Reyna
Pastor formula para a Galiza nos séculos xm e xiv6. De opinião contrária
são outros autores mais recentes da historiografia espanhola que aceitam a
referida tese e baseiam sobre ela a sua interpretação7, sem todavia se atreve
rem a definir os limites do crescimento, os ritmos e oscilações da curva de
mográfica ou os principais itinerários dos movimentos migratórios. Ora,
estes autores não se contentaram, como aqueles, com sondagens e interpre
tações globais de testemunhos dispersos, mas procederam a análises de sé
ries contínuas e de base estatística8. É destes, efectivamente, que temos de
partir.
V a r ia n t e s r e g io n a is da d e n s id a d e p o p u l a c io n a l
14
como frequentes os aglomerados familiares alargados e múltiplos, o que
necessariamente faria subir os resultados obtidos. Tomemos, por isso, co
mo base de cálculo, uns 120 000 habitantes para entre Douro e Lima, ex
cluída a diocese do Porto.
Traduzindo os números em densidade por quilómetro quadrado, te
ríamos assim, para este território, cerca de 40 h/km2. Ora, este quantita
tivo é muito inferior ao que se encontra na íle-de-France algumas dezenas
de anos mais tarde (120 a 150 h/km2), mas comparável ao proposto para
o conjunto da França na mesma época, ou seja, 30 h/km213. Atingimos,
assim, em Entre-Douro-e-Minho, níveis próximos do país mais povoado
da Europa medieval. De facto, na Polónia havia, em 1340, 8,8 h/km214.
N o conjunto da Península Ibérica, à volta de 11 h/km215, para o fim do
século xm . De toda a maneira estamos, portanto, dentro de limites vero
símeis.
Todavia, nada permite supor densidade semelhante no resto do país.
Tomemos agora como base objectiva de cálculo o numeramento dos tabe
liães do fini do século xm , estudado por Oliveira Marques1314516. Consideran
do, por aleatória que seja a base, a relação entre o número de tabeliães e a
área do território que eles servem, e, em seguida, uma proporção paralela
para as diferenças regionais da densidade populacional, chegaríamos aos se
guintes resultados:
15
grandeza verosímil, em termos comparativos. Mostra que durante a segun
da metade do século xm se verificam grandes desníveis na densidade habi
tacional.
R it m o s de c r e s c im e n t o
16
resultado é superior à realidade, ou constitui um fenómeno específico da
região e distorcido em virtude da imigração. Mesmo assim, temos de ad
mitir um extraordinário aumento demográfico durante a primeira metade
do século x i i i . Este aumento talvez tivesse ultrapassado ritmos da ordem
dos 10 a 30 % em Entre-Douro-e-Minho no período que vai de 1150 a
1250. De facto, a mesma autora, baseada num cálculo análogo sobre vinte
freguesias da terra da Nóbrega, verificou aí um crescimento populacional
de 13,9 % entre 1220 e 125822. Crescimento enorme se tivermos em con
ta a mortalidade infantil, o retardamento da data do casamento, a frequên
cia de celibato e o elevado índice de masculinidade, como veremos em se
guida. Os fenómenos voluntários a seguir indicados representam, no
entanto, como veremos também, medidas tendentes justamente a conter
ritmos de crescimento excessivo.
R edução da n a t a l id a d e
17
Homens Mulheres
M igrações
Comecemos por verificar que o número de paróquias da diocese de Braga
alcançou o limite máximo já no fim do século xi30. Aconteceu o mesmo
no Porto, pelo menos desde meados do século x i i 31.
18
Depois mantém-se estacionário, e até se verifica, em relação ao século xvi,
um considerável fenómeno de anexações e de supressões de freguesias.
Deu-se, portanto, um fenómeno de saturação tal que impediu o aumento
do número de paróquias. Ora, se a população continuava a aumentar nos
mesmos lugares, mas as estruturas administrativas se mantinham, o fenó
meno só pode significar o recurso à emigração. Este encontra uma nova
confirmação na cartografação dos mosteiros fundados durante os séculos xi
a xiii a norte do Douro32. Os do século x distribuem-se a uma certa dis
tância uns dos outros e numa área relativamente vasta. Depois assiste-se a
uma autêntica explosão fundacional sobretudo em entre Lima e Ave. No
século xii, esta zona está de tal modo saturada que se recorre a supressões e
anexações; há ainda algumas fundações novas na diocese do Porto, mas a
maioria escolhe o norte do Lima e o leste do Tâmega, a margem sul do
Douro e a Beira Alta. Movimento reforçado neste mesmo século pelas co
munidades eremíticas, que, não podendo viver nas regiões densamente ha
bitadas, fazem da fiiga para o «deserto» um ideal, procurando as terras po
bres e inóspitas.
Efectivamente a emigração procurou, antes de mais, a periferia das ter
ras mais habitadas. Oliveira Marques, que contabilizou as vilas novas por
tuguesas, fez notar que, das 124 registadas para todo o país, 75 se situam
a norte do Douro ou no seu vale, sem incluir Trás-os-Montes, enquanto a
sul do Mondego só aparecem 2233. O número aumentaria juntando-lhe as
vilas meãs {vilUe medianae), que se fundavam nas fronteiras de outras duas
já existentes, e que também abundam para esta zona. A primeira emigração
foi, portanto, de raio curto, como habitualmente ocorria na Idade Mé
dia3 , mas alastrava sem cessar.
Não se pense, todavia, que o fenómeno do povoamento disperso e da
expansão de Entre-Douro-e-Minho para as terras mais próximas se limita
ao Norte do país. A ocupação desta zona não foi suficiente para conter a
pressão demográfica, porque se encontram numerosos indícios de ela ter
atingido o baixo Mondego e a Estremadura durante o século x i i i , como
demonstrou M. H. da Cruz Coelho. Esta autora definiu com rigor o pro
cesso de expansão da gente das terras mais produtivas em direcção às mais
pobres, num aro cada vez maior em relação aos centros mais precocemente
habitados, e, para o fim do século, o recurso ao aproveitamento dos pânta
nos, ao desbravamento de matas e à fundação de povoações no litoral35.
A pressão demográfica é, sem dúvida, responsável pelas tentativas de
aproveitamento de terras áridas e ingratas, que os anos maus depois obri
gam a abandonar, porque aí veio a reinar a fome. Daí os fenómenos de
abandono de algumas terras, como Coja, que o bispo de Coimbra repo
voou em 1260 (Leg. 695), ou como aquelas para as quais os senhores,
desejosos de delas tirarem rendimentos, em vão tentavam recrutar culti
19
vadores. Estes fenómenos foram registados por R. Durand, mas por ele
indevidamente generalizados para o conjunto da região entre Douro e
Tejo36. Pelo contrário, não faltava gente para se aglomerar na periferia das
cidades, algumas das quais cresciam incessantemente nas terras férteis da
Estremadura e do Ribatejo37. As regiões mais pobres são, obviamente,
aquelas onde a recessão demográfica do século xrv se faz sentir mais cedo.
Assim acontece no termo da Guarda antes de 133038. Na região de Coim
bra, pelo contrário, não parece haver indícios de despovoamento antes da
década de 1340, em que se deu a Peste Negra, apesar da fome de 133339.
Da existência de gente pobre e de marginalizados à volta das cidades
da Estremadura não faltam indícios já desde o século x i i . Efectivamente, a
Vida de São Martinho de Soure atribuiu-lhe a especial virtude de socorrer
os inúmeros pobres que havia nessa localidade à beira da fronteira com os
Mouros40. Em 1179, quando Afonso Henriques deixa grandes somas de
dinheiro para obras pias, reserva algumas especialmente para os pobres
de Lisboa, Santarém, Coruche, Abrantes, Tomar, Torres Novas, Ourém,
Leiria e Pombal, sem contar o que destina aos pobres de cada diocese, en
tre as quais Lisboa e Coimbra (D R 334). Eram estes pobres e marginais
que provavelmente engrossavam os bandos de cavaleiros e de peões quê
partiam de Santarém para tentar pilhar povoações como Alcácer do Sal
apesar de nem sequer terem armamento de ferro (ADA, p. 157), mas cujo
ímpeto lhes permitiu conquistar Évora (ADA, p. 158). Eram eles, iguàl-
mente, como os «malcalçados» de Cid, o Campeador, que sob o seu co
mando tentavam escapar à fome e à «coita»41, os latrones recrutados por
Geraldo Sem Pavor (ADA, p. 158), que durante tantos anos constituíram
o terror dos mouros de Badajoz e de todas as povoações à sua volta42. Pe
los relatos que dos seus ataques fizeram os autores árabes, pode admitir-se
que não constituíssem grandes exércitos. Mas o que importa é verificar a
coincidência do seu aparecimento com a época em que se registam os exce
dentes demográficos no Norte, e a aglomeração de gente nas cidades e vilas
da Estremadura. É daí que nascem os pobres e os aventureiros que a socie
dade de então não consegue enquadrar.
C r ise de 1190-1210
Pelos fins do século x i i , a pressão demográfica diminui ligeiramente, em
virtude da intensificação das investidas almóadas de 1181 a 119543, o que
deve ter provocado o refluxo da população da linha do Tejo, que tenta re
20
gressar às cidades ou voltar ao Norte, mas sobretudo por causa de uma sé
rie de maus anos agrícolas pelos anos 1191 ou 1196 a 1199, que assolaram
particularmente a Terra de Santa Maria (Feira), Braga e a Galiza. Seguir-
-se-iam graves intempéries em Évora, Santarém e Coruche em 1216 e
1218. Sentiam-se, assim, no nosso país, fomes paralelas às que assolaram o
resto da Europa e o Norte de África entre 1193 e 1197, e a Inglaterra em
120244. A fome obrigou muita gente da zona de Gaia, Viseu e Entre-os-
-Rios a vender as suas terras45. Os cónegos de Braga tinham de empenhar
as suas propriedades para se alimentarem antes de 1206 (LF 498), e o papa
Inocêncio III responde a uma consulta do arcebispo de Braga, declarando
que não deverão fazer penitência aqueles que durante a Quaresma come
ram carne em tempo de fome, no qual a maioria da gente morria por falta
de víveres (MHV, I, n.° 329, de 1206 = BPIn. III, n.° 109). Daí resulta
ram agitações populares da gente faminta que desencadearam a revolta
burguesa do Porto de 1208 a 121046, as agitações de 1207 em Lisboa47, as
pilhagens dos coutos de Alcobaça pouco antes de 121048, os protestos dos
clérigos de Leiria no ano seguinte49, as questões entre o mosteiro de Ta-
rouca e os seus vizinhos50.
O SÉ C U L O X III
Mas os maus anos agrícolas parecem, depois, ter cessado quase por com
pleto. Nem os da Europa central de 1224-1226, nem os mediterrânicos de
1226, 1232 e 1237-1238 se registam entre nós. Os de 1255-1262, que
afectaram gravemente Leão e Castela51, pelo contrário, devem ter-se feito
sentir também em Portugal. As dificuldades de abastecimento de trigo ain
da se faziam sentir em 1268-1272 por ocasião dos anos maus da Europa
atlântica desse mesmo período52, a seguir ao qual se regista na Beira um
surto de peste, em 127353. Enfim, o ano mau de 1293 no Mediterrâneo
coincide aproximadamente com a notícia da falta de pão na Estremadura
em 129554.
Assim, se as calamidades da passagem do século x i i atenuaram mo
mentaneamente a pressão demográfica, não evitaram as novas acumulações
de gente, não menos intensas do que as do século anterior, como se pode
deduzir da já mencionada comparação das inquirições de 1220 com as
de 1258. Ela é talvez responsável pelo recrudescimento do banditismo e da
agitação social que precedeu a guerra civil de 1245 e se prolongou pelo
44 C. 1419 (ed. Magalhães Basto), pp. 153-154; Chronicon Conimbricense, in SS, p. 3b;
C. 1419 (ed. Silva Tarouca), I, pp. 175-177; A. H. de Oliveira Marques, 1978, p. 37.
45 J. Mattoso, 1985, pp. 389-408.
46 Herculano, 1980, v. II, pp. 140-145.
47 Gérard Ptadalié, 1975, p. 29; LPA, p. 148.
48 D S 212, 213, 214, 215.
49 J. Mattoso, 1985b.
50 A. Femandes, 1976, does. de pp. 296-297, 299.
51 S. Aguadé Nieto, 1980.
52 A. H. de Oliveira Marques, 1978, p. 38.
53 M. Gonçalves da Costa, 1979, II, p. 89.
54 Oliveira Marques, 1978, pp. 38-39.
21
menos até 1250, registando-se principalmente nas áreas mais densamente
habitadas, ou seja, nas dioceses de Braga, Porto e Lamego55.
Durante a segunda metade do século xm , a intensificação das activida-
des económicas permite, segundo parece, equilibrar melhor os níveis da
população e dos recursos alimentares. Efectivamente, a criação de feiras56,
a construção de pontes e igrejas57, o surto do comércio marítimo interna
cional58, a diminuição da pirataria muçulmana no Atlântico, a prosperida
de das cidades parecem indicar um certo domínio da situação. De facto,
parece ter-se conseguido durante algum tempo aumentar a produtividade
por meio da secagem de pântanos ou o arroteamento de montes e de ma
tas59, e a intensificação das actividades piscatórias60, ou mesmo a generali
zação de melhores técnicas agrícolas, como a melhoria dos processos de as-
solamento, o desenvolvimento da criação de gado, o uso de instrumentos
de ferro, sobretudo do arado61, a utilização de plantas azotadas e a intensi
ficação do cultivo de leguminosas62.
Estes processos, todavia, não impedem as carestias de pão registadas em
1267, 1273 e 1295, e muito menos as novas fomes que se abaterão sobre o
país a partir de 1331 e anunciam a grande depressão do século xiv. Antes
delas, é provável que já a guerra civil de 1319-1324 fosse agravada por um
mal-estar generalizado, eventualmente resultante de carestias paralelas às
que se registaram na Europa do Norte entre 1314 e 131963- Como se sabe,
uma das teorias mais em voga acerca das catastróficas consequências çla
peste é a que vê na fome generalizada a debilitação da gente incapaz de re
sistir à doença. Mas a fome, por sua vez, resultaria da incapacidade para
absorver uma população excessiva para os recursos então disponíveis, e que
a rudimentar tecnologia produtiva não conseguia aumentar64. O nosso
país, pelos vistos, não escapou também à peste. Talvez em virtude das mes
mas causas. A análise do caso do baixo Mondego por M. H. da Cruz Coe
lho parece confirmar esta hipótese65.
C o n clu sõ es
22
ver com ele. Temos pelo menos a certeza de que houve um crescimento
populacional importante que foi certamente excessivo na zona de maior
densidade, Entre-Douro-e-Minho, e que levou durante o século x i i à ex
pansão da sua gente para as áreas menos povoadas de entre Lima e Minho,
o vale do Tâmega, as margens do Douro e o litoral a sul deste rio, até ao
Mondego. É, decerto, por uma paralela saturação de gente que os bandos
marginais se dirigem para o Sul, onde constituem os «pobres» das povoações
da Estremadura, e alimentam as expedições de conquista e pilhagem na
fronteira do Tejo, durante a segunda metade do século x i i . O refluxo da po
pulação da fronteira que foge aos Almóadas entre 1180 e 1195 aumenta a
pressão demográfica, mas esta diminui logo a seguir em virtude das fomes
e pestes de 1190-1210. Depois cresce de novo. Durante toda a primeira
metade do século x i i , os excedentes alimentam um banditismo endémico
nas zonas mais povoadas de Entre-Douro-e-Minho e da Beira Alta, as lutas
entre bandos de nobres e a guerra civil de 1245-1248, e a agitação social
que a prolonga pelo menos até 1250. Vencida a crise trazida pelas fomes
de 1255-1262, segue-se uma expansão e, ao mesmo tempo, parece, o ra
zoável equilíbrio entre a população e os recursos, perturbada apenas por
fomes ou pestes episódicas e talvez de âmbito regional em 1267, 1273 e
1295, ao mesmo tempo que os senhores tentam canalizar os excedentes pa
ra as zonas ainda despovoadas. Mas os que podem, preferem acumular-se
nos espaços intercalares da Estremadura, no Ribatejo, na península de Se
túbal e, em menor grau, nas cidades do Alentejo. As cidades crescem enor
memente neste período (fig. 23) e os senhores, como veremos, aumentam
as rendas e exacções. No princípio do século xrv, a guerra civil faz pressen
tir novos desequilíbrios que se vão agravando até ao desencadeamento da
grande depressão dos anos 30 e 40.
Não esqueço que a questão demográfica me interessa como elemento
para explicar a formação nacional e a superação da oposição entre o Norte
senhorial e o país concelhio. De facto, os movimentos populacionais, mes
mo quando não chegam a provocar grandes deslocações de massa, levam a
transferências importantes, num movimento cuja tendência constante tem
o sentido norte-sul e oeste-este. É ele que sustenta a senhorialização do vale
do Douro, de Trás-os-Montes, de parte da Beira, da Estremadura e, depois,
do Alentejo. É também responsável pelo crescimento das cidades, pela fixa
ção do rei, da corte e de muitos nobres em Coimbra, Lisboa, Santarém,
Evora e em várias povoações da Estremadura. Mesmo qué as transferências
fossem quantitativamente reduzidas, a população autóctone na Estremadu
ra e no Alentejo, demasiado débil, não parece ter oferecido resistência so
cial nem cultural. A assimilação das gentes do Norte, de cultura diferente,
foi facilitada pela preservação moçárabe das tradições latinas. Esta popula
ção, sem quadros dirigentes nem uma forte classe dominante, teve de se
submeter à que tudo passou a dirigir quando ocupou as cidades da Estre
madura e do Alentejo.
Os desníveis de densidade demográfica, que já se verificavam, sem dú
vida, no século x, não desapareceram, porque a incapacidade tecnológica
não permitia a subsistência de muita gente nas montanhas, nem mesmo no
Alentejo. Daí, sobretudo das terras altas, a gente também fugia, acossada
23
pela fome e pela dureza do clima. As tentativas de repovoamento fracassa
vam constantemente. A região que provavelmente mais se modificou com
os movimentos migratórios foi a Estremadura.
Em última análise, foi a expansão demográfica de Entre-Douro-e-Mi-
nho que levou os dominadores a todo o país, que misturou, nas cidades,
gentes de todas as procedências. Homens e mulheres que, passando à Lusi
tânia, continuaram a chamar-se «Portugueses», isto é, gente de Portucale,
do território portuense e que impuseram o mesmo qualificativo a todos os
que tinham nascido dentro do reino, embora bem longe do Porto.
24
minar a vida económica e tecnológica em si mesma, mas encontrar nos
factores materiais os elementos que condicionam, retardam ou aceleram o
processo da formação nacional. Como se verá também, deste ponto de vis
ta, nem todas as questões da história económica têm a mesma importância.
A problemática que ela suscita e, sobretudo, a sua articulação com a histó
ria cultural e política serão um convite a que os seus especialistas aprofun
dem algumas questões às quais não se deram, até agora, respostas suficien
temente precisas. Entre as que me parecem mais importantes, mencionarei
apenas a reconstituição das conjunturas. Seria necessária uma datação mais
precisa dos fenómenos económicos e uma definição rigorosa da sua nature
za para o conseguir. Ora, até ao momento, os historiadores da economia
medieval não parecem ter-lhes ligado a devida importância, preferindo es
tudar estruturas de longa duração. N a tentativa de reconstituição das di
versas fases conjunturais, que servirá de fio condutor a esta exposição, terei,
por isso, de ser mais vago do que desejava e, até, de propor soluções para
as quais não estou suficientemente seguro. Todavia, parece-me preferível
correr esse risco do que ignorar esta questão fundamental num período de
expansão e de transformação como o dos séculos xii e xm .
1080-1130
Começarei por recordar que a criação do condado portucalense, como uni
dade política, se deve à premência da ameaça militar, trazida pela ofensiva
almorávida. Esta seguia-se a um largo período de euforia conquistadora,
que alargara as fronteiras cristãs do Douro até ao Mondego, permitira a
emigração de bastante gente para o Sul, contribuíra indirectamente para
consolidar os poderes senhoriais dos infanções e mosteiros nortenhos, e le
vara, até, a uma primeira fase de alastramento dos mesmos poderes, na
margem sul do Douro, em região não muito extensa a norte da Feira e do
vale do Paiva.
Ora, a intensificação dos combates na linha do Mondego, a partir de
1095, e a simultânea afluência de francos, juntamente com as divisões in
ternas dos cristãos nos planos religioso e cultural, mas com enormes reper
cussões em torno dos poderes políticos constituídos, desencadeia igualmente
contradições no seio da nobreza senhorial e da classe dominante em geral.
Face à aristocracia próxima da corte, que se alia aos francos, levanta-se a
resistência ou desconfiança dos cavaleiros e das comunidades rurais ou cita
dinas. As perturbações políticas e sociais em todo o reino de Leão-Castela
trazidas pela agitação de 1108-1128 traduzem estas contradições. Permi
tem a alguns elementos da aristocracia inferior, sobretudo cavaleiros que
enriqueceram na guerra da fronteira meridional, agora abandonada a eles,
dispor de meios suficientes para investir na terra e adquirir, peça a peça,
domínios importantes em regiões ainda não senhorializadas. Já anteriormen-
te (Vol. II, pp. 152-154) chamei a atenção para este tipo de aquisições que
se concentra na região da Maia, na Terra de Santa Maria, e nas regiões pró
ximas do Vouga e do Paiva, durante a segunda metade do século xi e, sobre
tudo, as primeiras décadas do seguinte. Coincidem, portanto, com a referida
agitação e com a intensificação da vida militar. Foi assim que se tornaram
25
grandes proprietários Trutesendo Guterres e o seu irmão Gonçalo66, João
Gosendes67, Soeiro Fromarigues e seu filho Nuno Soares68, e Ramiro Gon
çalves69. Muitos dos seus domínios seriam herdados respectivamente pelo
mosteiro de Moreira da Maia, pela Sé de Coimbra, e pelos mosteiros de
Grijó e Tarouquela. As aquisições de vários cavaleiros em torno de Viseu70,
que não foram, mais tarde, transformadas em domínios eclesiásticos, con
firmam a amplitude do movimento de transacções de terras nesta fase, e a
substituição do cultivo directo dos pequenos proprietários pelo trabalho de
dependentes, que tinham de entregar ao senhor uma parte importante dos
seus rendimentos.
Neste momento, porém, estava já em declínio a fase da constituição
dos grandes domínios monásticos em Entre-Douro-e-Minho, para os quais,
durante as décadas anteriores, desde cerca de 1080, se haviam transferido
grandes porções da fortuna imobiliária dos magnates71, sem que estes fos
sem por isso afectados, pois a operação contribuiu para consolidar a sua
posição política e social. As dioceses, pelo menos as de Braga e Coimbra,
pelo contrário, continuavam a adquirir terras e montavam por esta época a
sua administração e organização72, investindo mais na criação de sistemas
eficazes de cobrança de rendas do que na melhoria dos rendimentos73.
Em termos económicos, portanto, o fenómeno dominante do período
1080-1130 consiste na concentração das fortunas imobiliárias de feição se
nhorial, entre as quais se distinguem as dos mosteiros de Entre-Douro-
-e-Minho, e das dioceses de Braga e Coimbra, as mais antigas dos senhores
da alta aristocracia e, depois, as mais recentes, de alguns nobres de nível
inferior, enriquecidos pela guerra, que transformam em domínios senho
riais terras de pequenos proprietários da zona da Maia, do baixo Douro,
do Vouga e do Paiva.
Os primeiros indícios de actividade mercantil, detèctados com o apare
cimento de mercadores francos em Guimarães (D R 3, 55) e com o estímu
lo dado a alguns centros, como Constantim de Panóias por D. Henrique
(D R 3) e Ponte de Lima por D. Teresa (D R 69), devem considerar-se de
masiado ténues para caracterizar o conjunto, embora importantes em vir
tude, justamente, do seu contraste com a orientação global da época. Estes
centros traduzem, talvez, a larga influência económica de Santiago de
Compostela, principal polo de circulação monetária e mercantil da Hispâ-
nia setentrional74. A sua influência transformadora, no entanto, é limitada.
A concentração monetária que aí se dá torna este centro alvo de grandes
lutas e cobiças. Os seus beneficiários, de resto, tendem, nesta fase, a ente
sourar ou a canalizar para o exterior (para Roma e Cluny), em negócios ou
26
empreendimentos de aquisição de prestígio (como a catedral), os metais
preciosos que acumulam, e pouco investem. O outro pólo de transforma
ção económica, Coimbra, responsável pela concentração das transacções
entre a zona económica muçulmana e a área cristã também não é por si só
suficiente para alterar a fisionomia da economia portucalense. Os princi
pais beneficiários são os senhores que entesouram os bens de luxo aí adqui
ridos e os cavaleiros que, como vimos, investem na terra para se tornarem
eles próprios senhores de grandes domínios. Em termos globais, portanto,
em nada se altera a predominância do sistema de autoconsumo para o qual
tende a organização social. As comunidades rurais não englobadas por ela
também o adoptam como sistema dominante.
1130-1160
Logo no princípio da década de 1130, a fixação de D. Afonso Henriques
em Coimbra deve considerar-se o ponto de partida para uma mutação im
portante. Representa a atracção que aquele centro urbano exerce sobre um
chefe político ambicioso, o qual se dá conta da sua importância económi
ca. É, ao mesmo tempo, o acto inicial do recrudescimento da ofensiva cris
tã, que irá polarizar uma parte importante da aristocracia durante os trinta
anos seguintes e que canalizará para a guerra ofensiva, e não apenas para as
operações de pilhagem, os esforços da camada activa da população. Os
contactos que, por esta altura, se fazem com os cruzados podem ser impor
tantes, por abrirem horizontes ao futuro mercado internacional, mas não
dão ainda qualquer resultado significativo em termos económicos.
Efectivamente, o fenómeno dominante do trinténio 1130-1160 é o in
vestimento na guerra ofensiva. Este esforço, dirigido, obviamente, por Afon
so Henriques e os seus colaboradores, tem os seguintes resultados principais:
a) no Norte, a activação da senhorialização, que beneficia não apenas a
grande aristocracia tradicional, como Egas Moniz no Douro75 e os Sousas
no Tâmega superior76, mas também os cavaleiros colaboradores do rei, que
criam os seus domínios em Entre-Douro-e-Minho77 e, ainda, os mosteiros
de dimensões médias e pequenas, que oferecem ao rei cavalos e moeda pa
ra financiar a guerra, a troco de concessões de imunidade78; b) na Beira, a
consolidação das comunidades e dos concelhos e o fortalecimento da cava
laria vilã que investe na terra os benefícios da guerra; c) em Coimbra, a ac
tivação do artesanato que trabalha na fabricação de armas e nos couros79, e
na Beira central a constituição de domínios senhoriais pertencentes ao bis
po de Coimbra, aos cónegos de Santa Cruz, a outras instituições eclesiásti
cas, e a vários cavaleiros da mesma cidade80; d) por intermédio da integra
27
ção dos grandes centros urbanos de Santarém e Lisboa no território cristão,
a definição de um espaço económico dotado já de um número suficiente
de centros de produção e trocas para se orientar numa direcção própria, e
com capacidade para deixar de depender da dominação senhorial; e) ainda
por intermédio da conquista de Lisboa e Santarém, mas também em virtu
de da disponibilidade monetária dos participantes na guerra, a activação
dos circuitos monetários que começam a injectar a moeda em torno das
vias de comunicação: primeiro no litoral e, já no período seguinte, para o
interior81.
Estes fenómenos, no entanto, representam mais as virtualidades futuras
do que uma alteração das dominantes fundamentais. Estas continuam a resi
dir na tendência para o autoconsumo, tanto por parte da organização se
nhorial, mesmo dos senhorios recém-criados, ‘como por parte dos concelhos.
Os elementos que escapam a esta caracterização global e não decorrem di-
rectamente da guerra ou da inclusão das cidades no espaço português, não
chegam para alterar a sua predominância. Refiro-me às fundações de eremi
térios na periferia das zonas mais habitadas ou junto às vias de comunica
ção82, à intensificação das viagens e aos primeiros indícios da pauperização83.
Constituem simultaneamente os subprodutos do sistema senhorial e a ma
nifestação da sua incapacidade para integrar os excedentes humanos numa
situação de crescimento demográfico. A verdade é que, em termos globais,
mesmo uma instituição fundada em plena cidade, como o mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra, apesar da atenção dos seus membros para com os
problemas pastorais e internacionais, se organiza, em termos económicos,
como um centro senhorial possuidor de grandes domínios nas terras recém-
-adquiridas ou recém-pacificadas84. O mesmo se diga das cidades sujeitas ao
senhorio eclesiástico, como Braga (1109) e o Porto (1120). O contacto dos
centros senhoriais com a economia urbana levará, porém, a importantes al
terações do sistema.
1160-1190
Efectivamente as mudanças registadas durante o período de 1160-1190
atingem o próprio sistema de autoconsumo. Os seus maiores protagonistas
são os mosteiros cistercienses e as ordens militares. Segundo parece, os pri
meiros adoptam em grande escala os métodos da exploração directa e criam
rendimentos superiores à sua capacidade de consumo; os segundos dispõem
de grandes propriedades na retaguarda, muitas delas a grande distância da
fronteira, cujos benefícios aplicam na guerra, e colocam os bens produzi
dos no mercado. Tornam-se, portanto, grandes empresas agrícolas cuja
produção surge no momento em que as cidades também aumentam de vo
lume e se transformam em importantes centros consumidores.
Os cistercienses aparecem portanto, nesta fase, como os principais res
ponsáveis pelas brechas abertas no sistema de autoconsumo. Além disso,
28
interessam-se pelos investimentos produtivos, como a criação de gado, e
por aperfeiçoamentos tecnológicos, como o uso dos instrumentos de ferro,
a construção de moinhos e canais ou, mesmo, a exploração de minas85.
Vendendo os excedentes, investem os ingressos monetários em lugares es
tratégicos pela capacidade de produção ou aptos ao escoamento dos produ
tos. Assim, já em 1173-1185 tinham organizado a comercialização do sal e
adquirido um barco para o venderem mais caro, em Lisboa86. Entram,
pois, a fundo na economia monetária e tornam-se até centros de crédito
capazes de financiar nobres e leigos87. Os aperfeiçoamentos tecnológicos
podem não se dever exclusivamente aos monges brancos, mas foram eles,
sem dúvida, quem daí tirou o melhor partido. Não havia muitos produto
res com capacidade de investimento suficiente para o$ tornarem rendíveis e
aplicarem em grande escala88.
Conhece-se muito pior o papel desempenhado pelas ordens militares,
mas pode presumir-se, pelo menos a julgar pelo exemplo que a Ordem de
Santiago constitui para Leão e Castela89, que também entre nós fossem
organismos impulsionadores de grandes explorações e da sua integração
na economia de mercado. Em Portugal, só mais tarde se especializariam
na pecuária de grandes dimensões. Mas já os templários e os hospitalários
portugueses deviam, durante o trinténio de 1160-1190, ter colocado no
mercado os rendimentos das suas enormes propriedades no Norte90. Os
canais construídos pelos templários junto do rio Zêzere sugerem também
que tivessem utilizado uma tecnologia «moderna»91.
Não esqueçamos, todavia, que, durante o período de 1160-1190, se
atravessa ainda a fase de montagem destas «grandes empresas», cuja rendi
bilidade só viria a exercer um peso determinante na economia do país no
princípio do século xm . Durante o fim do século anterior, os cistercienses
fundaram as suas granjas e organizaram a exploração. Tarouca concentra
nos anos 1170 a 1182 a maioria das suas compras. Em 1193 tem já dezas
sete granjas, das quais uma junto do Porto, e duas perto de Lisboa (PUP,
n.° 137). Tinha fundado nove entre 1163 e aquele ano (PUP, n.° 61). Al-
cobaça ocupava-se quase só em criar as infra-estruturas produtivas dentro
dos seus imensos coutos (cf. PUP, n.° 66).
A disponibilidade monetária que, a nível geral, se começa a sentir nesta
época é utilizada, por um lado, na continuação do esforço militar, como
demonstra o conjunto de operações de guerra no Alentejo até 1169, e, por
outro lado, na construção de igrejas, catedrais e castelos que emprega uma
85 Para Tarouca, ver, quanto ao gado, A. Fernandes, 1976, pp. 15, 121, 123, 132, 218; e,
quanto ao ferro: id., 1970, pp. 14, 331; id.y 1976, pp. 294; para Alcobaça, ver R. Durand, 1982a,
pp. 201-231.
86 Miracula S. Vincentii (ed. Aires Nascimento, 1988, pp. 62-64).
87 Emprestam, a Gonçalo Mendes de Sousa, 864 maravedis em 1230: R. Durand, 1982a,
p. 32Í.
88 A estimativa global de R. Durand, 1981, pp. 101-117, parece-me minimizar excessivamente
a contribuição cisterciense para a economia portuguesa, por não ter em conta a sua capacidade de
inovação no conjunto em que se insere.
89 J. L. Martin, 1973.
90 Cf. M. J. Lagos Trindade, 1981, pp. 129-143.
91 C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 1.
29
enorme quantidade de mão-de-obra nas cidades e em meios rurais92. Tanto
a guerra como os investimentos construtivos permitem sustentar uma apre
ciável quantidade de gente, atraindo a primeira um certo número de mar
ginais que o sistema senhorial e a expansão demográfica produzem e cuja
presença se nota sobretudo, como vimos, nas regiões de fronteira.
1190-1210
Vimos igualmente que o desequilíbrio entre os recursos disponíveis e as
necessidades da população agravou a crise demográfica de 1190-1210. As
suas consequências económicas mais imediatas decorrem da necessidade
que os famintos têm de vender as suas terras, o que contribui para aumen
tar ainda mais os grandes domínios93. Estimulados pelo exemplo das em
presas cistercienses e outras, dispondo, sem dúvida, de meios de investi
mento, surgem pela primeira vez, durante este período, os leigos que se
interessam pela exploração directa, como Lourenço Fernandes da Cunha94.
Mas as construções de igrejas e pontes sofrem, por esta altura, uma crise95.
Pelo contrário, a participação dos mercadores nos lucros permite-lhes agora
empreenderem viagens marítimas e irem comprar os seus panos a D u
blin96, Inglaterra97 ou Bruges98. Compreende-se, assim, que os comercian
tes, assediados pela pirataria sarracena do Atlântico, estivessem vivamente
interessados na conquista de Silves (1189), donde partiam muitos ataques
aos seus barcos99. As actividades comerciais com Leão e Castela poderão
parecer menos inovadoras, mas não deixa de ser significativo que se inten
sifiquem também pelo fim do século x ii , sendo então mencionadas as im
portações de panos em Pinhel, Penamacor e Melgaço100.
1210-1250
Os anos de 1210 a 1250 marcaram já a plenitude das explorações cistercien
ses e das ordens militares. Um dos indícios deste facto é o quase monopólio
da indústria moageira que os monges de Alcobaça obtêm em Leiria a partir
de c. 1220 e que sustentam até ao fim do século xm, apesar da oposição do
concelho101. Os seus exemplos são agora seguidos por outros grandes domí
nios monásticos que decerto os imitam, senão em todos os aspectos da sua
organização administrativa, pelo menos nos investimentos produtivos e na
comercialização dos produtos. Assim fazem os cónegos regrantes de Coim
bra e de Lisboa, sendo de mencionar a tentativa destes para obterem em
30
Castelo Mendo um ponto estratégico economicamente importante102. De
par com o poder económico de que estas «empresas» dispõem, pode apon-
tar-se agora a tentativa realizada por Afonso II para racionalizar a adminis
tração régia, contabilizando os rendimentos através das inquirições (1220),
organizando a chancelaria e opondo-se à senhorialização dos domínios ré
gios. Também não deixou de se interessar pelo encorajamento do comér
cio de cidades tão importantes como Lisboa, Coimbra e Évora103. Os seus
processos contabilísticos são adoptados por outros senhores. De facto, em
1213 os notários das infantas suas irmãs contabilizam minuciosamente os
prejuízos que tiveram com as duas guerras em que se opuseram ao rei —
14 526 morabitinos numa e 15 507 noutra — , para reclamarem uma in
demnização junto da cúria romana104. À sua política «moderna» sucede,
porém, a incapacidade de Sancho II para impedir a senhorialização quase
desenfreada dos domínios da baixa nobreza em Entre-Douro-e-Minho,
Beira Alta e Trás-os-Montes e o aumento dos de outras categorias nobres.
O segundo grande facto desta época, com repercussões económicas de
grande amplitude, é o avanço da Reconquista até à ocupação definitiva do
Algarve. As ordens militares, sobretudo a de Santiago e, depois, a dos Hos-
pitalários, revelam, no esforço bélico então realizado, a sua enorme poten
cialidade económica.
Regista-se então o aumento de cidades na Beira e no litoral estremenho,
o que só pode significar a activação das suas funções económicas. O desen
volvimento do comércio manifesta-se agora por alguns particulares possuí
rem importantes somas de moeda estrangeira, sobretudo soldos leoneses e
de Burgos, mas também soldos torneses e, até, libras105106. A intervenção dos
membros da nobreza na economia cresce lentamente como se pode ver do
exemplo de Pêro Anes da Nóvoa, o mordomo-mor de Afonso II, que se
mantém no poder durante algum tempo, mesmo depois de 1 2 2 3 . As
grandes aquisições de Rodrigo Forjaz de Leão, de Gil Martins de Riba de
Vizela, e ae Gil Vasques de Soverosa ao sul de Vizela devem datar desta
época107. Os nobres, porém, raramente se interessam pela gestão directa *
dos instrumentos de produção. Assim, por exemplo, tendo Afonso II dado
dois moinhos em Leiria a dois nobres da corte, eles entregam-nos pouco
depois ao mosteiro de Alcobaça, embora um deles receba em troca uma
renda vitalícia108.
A nível mais global regista-se, com importante significado, o aumento
do preço da terra, perto das cidades, e particularmente das vinhas109. De
102 V. Rau, 1982, doc. 1. Ver também, já em 1138, o povoamento de Cucos (Fig. da Foz) por
Santa Cruz: M. H. Coelho, 1983, doc. 1; o aumento de marinhas de sal pelas igrejas de São Jorge
e São Bartolomeu de Coimbra em 1236: ibid., doc. 9.
103 Ver Silva Marques, 1944, I, doc. 3, pp. 595-596; conf. do foral de Coimbra por Afonso II
(Leg., p. 416) e os privilégios concedidos a Évora (G. Pereira, 1885, doc. 6, mal datado).
104 Relato «Haec sunt acta negotii» in Herculano, II, p. 589.
105 R. Durand, 1982a, pp. 256-258. O arcebispo de Braga protesta em 1250 por Afonso III
pôr obstáculos à circulação de moeda leonesa (Leg., p. 186).
106 M PHI, doc. 4.
107 L. Krus e O. Bettencourt, 1982, pp. 41-44.
108 Pedro G. Barbosa, 1991, pp. 48-50.
109 R. Durand, 1982a, p. 307. A incidência da proximidade dos centros urbanos sobre o preço
da terra revela-se na disparidade dos ritmos de encarecimento na região de Coimbra e, sobretudo,
da Estremadura, comparados com a região do Vouga.
31
facto, os cultivadores interessam-se cada vez mais pela produção do vi
nho110, que passa a ser o produto agrícola em que os mercadores mais in
vestem. Vêm a seguir os ferragiais na periferia das cidades111. A intervenção
dos senhores na administração da terra revela-se pelo aumento dos prazos
em vidas e a diminuição dos perpétuos, a começar pelas terras da Estre
madura112. A redução do número dos prazos perpétuos continuará ainda
nas décadas seguintes. Constitui um importante indício da lenta recupe
ração do senhorio sobre as terras cedidas com perda da administração di-
recta.
No domínio do comércio externo, os indícios não são muito mais
abundantes do que na época anterior, excepto nos contactos com a Ingla
terra, onde os mercadores portugueses parecem, agora, numerosos113. As
informações sobre os contactos dos portugueses com a França de 1240 são
mais vagas114. Apesar da escassez destes dados, a documentação relativa ao
comércio externo, logo no princípio do reinado de Afonso III, é de tal or
dem que tem de se pressupor que nessa época já tinha atingido notável re
gularidade e intensidade a importação de panos de luxo. De facto, em
1253 tabelam-se os preços de nada menos do que trinta e oito tipos dife
rentes de tecidos, dos quais trinta e quatro fabricados na Inglaterra, na
Flandres, na Bretanha e na Normandia, além de três ou quatro vindos de
Castela115. A venda dos mesmos panos castelhanos na feira de Guimarães,
em 1258, vem confirmar esta interpretação116.
1250-1280
Apesar disso, a conjugação de todos estes indícios numa estrutura em que
domina já a economia monetária e de mercado só se dá propriamente a
partir da chegada ao poder de Afonso III. Tendo vivido longos anos em
França e sendo pessoalmente dotado de grande capacidade de gestão, dir-
-se-ia que transforma a Coroa e os domínios régios numa autêntica empre
sa pré-capitalista, cujo financiamento se baseia numa hábil política mone
tária. Os principais meios de que se serve são os seguintes: a) as sucessivas
desvalorizações da moeda, ou ameaça de o fazer, como pretexto para lançar
impostos extraordinários117; b) a reorganização do domínio régio, proce
dendo a um novo cadastro (1258) e, em certos lugares, racionalizando a
cobrança das rendas, entre outros processos por meio da sua conversão em
110 Multiplicam-se nesta época os emprazamentos com obrigação de plantar vinhas. Ver R.
Durand, 1972, p. 36; M. J. Trindade, 1981, p. 186.
111 Sobre as culturas na periferia das cidades, ver M. J. Trindade, 1981, p. 186; M. A. Beiran-
te, 1988, mapas, de pp. 329, 419, 421, 423, 437, 439, 457, e pp. 648-649; Hermenegildo Fer-
nandes, 1991, p. 51.
112 Comparar os dados fornecidos por R. Durand, 1982a, p. 391, com os de M. H . Coelho,
1983, fig. 12, confirmados, para a zona de Évora, por M. A. Beirante, 1988, p. 351. Ver, no fim
deste vol., fig. 24.
113 Gama Barros, X, pp. 223-224.
114 Câmara Municipal do Porto, 1983, p. 76.
115 Leg., 193; Cf. Ana M. Ferreira, 1983, pp. 18-25.
116 V. Rau, 1943, p. 449.
117 Oliveira Marques, 1980, pp. 205-207; M. J. Pimenta Ferro, 1977.
32
dinheiro, pago em três prestações118, e o arrendamento da cobrança, que
entrega a indivíduos experimentados119; c) a aquisição e exploração de aze
nhas, pisões, lagares, açougues, casas e tendas nas cidades, o que lhes per
mite também aumentar os ingressos em moeda120.
Destas medidas deve ter resultado, entre outras consequências indirec-
tas, o fomento da difusão monetária em todos os níveis e locais do país,
mesmo nos meios rurais onde ela até então mal tinha chegado, embora em
si mesmas se destinassem a aumentar a capacidade financeira da Coroa,
mais do que a investir em meios de produção. Por outro lado, as medidas
de outra natureza, embora dirigidas no mesmo sentido, constituem estímu
los directos às actividades comerciais. Quero referir-me, por exemplo, à
protecção aos pescadores das proximidades de Lisboa, o que facilita o abas
tecimento de peixe à cidade e, ao mesmo tempo, permite melhorar a co
brança do dízimo121. E sobretudo a sua bem conhecida acção protectora
das feiras. Esta, porém, não é a mais precoce: depois de alguns casos espo
rádicos, situa-se sobretudo a partir de 1270. Será continuada com não me
nos vigor por D. Dinis122. Parece ser também em virtude das suas conse
quências financeiras que o mesmo rei promulga regulamentos do comércio
externo no sentido de equilibrar as importações com as exportações e de
impedir o escoamento de produtos pouco abundantes no país, como ce
reais (1273?) e metais preciosos123, e ainda canalizar as transacções interna
cionais para portos onde a cobrança da dizima se pudesse fazer eficazmen
te. O mesmo intuito se nota na criação de um ponto de apoio da cobrança
régia em Vila Nova de Gaia, o que lhe permitia desviar para o tesouro ré
gio uma parte dos cobiçados rendimentos arrecadados pelo bispo do Porto
(Leg., pp. 662-664).
Como se sabe, as leis de Afonso III consagraram a mudança do sistema
monetário, cujo padrão era anteriormente o maravedi de ouro, de inspira
ção muçulmana, para o da libra, usado na Europa. R. Durand pensa, de
certo com razão, que esta medida não tinha apenas a vantagem de permitir
uma melhor integração na economia de além-Pirenéus, cuja influência so
bre Portugal era cada vez maior, mas também a de facilitar a articulação
entre as grandes e pequenas transacções, pois estas, realizadas em soldos e
dinheiros, constituíam, afinal, a base da economia corrente124.
Depois da política monetária (inseparável, como vimos, da fiscal e ad
ministrativa), o reinado de Afonso III distinguiu-se por uma intensificação
do comércio externo, agora não só no Atlântico Norte, mas também no
Mediterrâneo. Como vimos, já no período anterior o primeiro se tinha
tornado regular e intenso. Depois de 1250 verifica-se a multiplicação das
referências a comerciantes portugueses na mesma zona e ainda em Bordéus
118 Herculano, 1980, III, pp. 78-81; M. J. Pimenta Ferro, 1977, p. 486. O cuidado pelo do
mínio régio situa-se em 1253-1258. Datam deste período 39 dos 64 forais que o rei deu durante
o seu reinado. Os deste período são, na sua maioria, forais rurais e de mera administração.
119 Ver os documentos administrativos publicados por J. P. Ribeiro, 1813, v. III/2, doc. 29.
120 A. Castro, 1965, III, pp. 376-379; ver também J. P. Ribeiro, 1810, I, doc. 57.
121 C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 2 de 1255.
122 V. Rau, 1943.
123 Leg., 194, 253-254; Gam a Barros, IX, p. 317; O. Marques, 1980, pp. 205-206.
124 R. Durand, 1982a, pp. 253-257.
33
e La Rochelle125. Mas aparecem agora, pela primeira vez, referências a mer
cadores italianos residentes em Portugal. Trata-se de um genovês, Dom Vi-
valdo, fixado em Lisboa pelo menos desde 1270126. Convém aqui notar a
diferença que se verifica entre o comércio do Mediterrâneo e o do Atlânti
co: este é feito durante todo o período que estudamos por mercadores por
tugueses; aquele normalmente por italianos e, decerto, também por cata
lães127. Pertence provavelmente a eles a iniciativa de procurar os portos
portugueses como meio de expandir o comércio do Mediterrâneo.
O terceiro aspecto mais notável da economia portuguesa dos anos
1250-1280 reside na multiplicação dos domínios nobres orientados para o
mercado, o que quer dizer que o exemplo cisterciense continua a ter os
seus seguidores. Agora não esporadicamente, mas em grande escala, e por
fidalgos da corte, que aproveitam as suas posições políticas para criar gran
des «empresas» de produção agrícola e comercialização. O caso mais co
nhecido é o de D. João de Aboim128. O carácter «moderno» das suas aqui
sições pode verificar-se no expressivo mapa publicado por A. Castro129.
É também conhecido o caso do chanceler Estêvão Anes, com as suas exten
sas propriedades em Alvito130. É menos referido que o anterior, mas talvez
estivesse ainda mais integrado numa economia «moderna», pois explorou
minas de ferro no Alentejo, que depois ficaram para os seus herdeiros, os
trinitários de Santarém131. Os contemporâneos consideravam-no, por isso
mesmo, avaro e mesquinho132. Não são casos isolados. Pode-se-lhes asso
ciar Pedro Ponces de Baião, que obteve do rei o privilégio de cobrar os di
reitos das portagens da Beira e da fronteira leonesa (Trasserra), que então
se tornaram enorme fonte de rendimentos, pois a região era lugar de passa
gem dos rebanhos transumantes, à procura de pastagens de Inverno133; a
princesa Santa Mafalda, que possuía grandes rebanhos de vacas e ovelhas
nas serras de Arouca e da Estrela e em Rasamalianes, e éguas em Antuã134;
D. João de Aboim, que tinha também rebanhos no Alto Alentejo135. Acres-
centem-se também alguns dos fidalgos de Entre-Douro-e-Minho e da Es
tremadura que já no reinado anterior tinham começado a procurar pro
priedades susceptíveis de lhes darem rendimentos em dinheiro e não
apenas em géneros. Todos eles são precursores da figura do «fidalgo merca
dor», tão típica da época moderna. Um deles é, agora, Soeiro Pires de Aze
vedo, a quem o mosteiro de Alcobaça cede, em 1248 e 1262, propriedades
em Bombarral (com uma charrua e um lagar) por uma alta renda em di
nheiro136. Resta saber até que ponto eles intervinham na comercialização
34
dos seus produtos. De resto, na geração seguinte, estes exemplos parecem
diminuir, ao mesmo tempo que se assiste a uma recuperação da mentalida
de nobiliárquica. Parecem suportar com dificuldade a concorrência das
empresas régias. Os grandes domínios acumulados por Estêvão Anes passa
ram à Ordem da SS. Trindade e os de D. João de Aboim dispersaram-se,
vindo a cair em parte sob a alçada de D. Dinis.
É claro que os grandes empreendimentos cistercienses e de ordens mili
tares continuavam a aperfeiçoar e ampliar a sua actividade económica.
Aqueles viravam-se cada vez mais para a economia de mercado como mos
tram as aquisições estratégicas dos monges de Alcobaça, em Eivas e Beja137,
a sua iniciativa na exploração de ferro e a multiplicação das granjas138.
O seu interesse pelo Baixo Alentejo talvez fosse suscitado pela especialização
da zona na produção de cereais, de que já se encontram indícios neste pe
ríodo; de qualquer maneira, podiam assim obter lã e couros nesta zona on
de os rebanhos eram abundantes139. Os seus exemplos são agora cada vez
mais seguidos por outras ordens, como a dos Cónegos Regrantes que, em
Coimbra, aperfeiçoavam a administração dos seus domínios140 e os de São
Vicente de Lisboa que obtinham propriedades em Sesimbra e São Cucufa-
te (Évora)141. Pelo seu lado, a Ordem de Santiago e alguns concelhos do
Alentejo e da Beira parecem desenvolver a pesca, a criação de gado e as ac-
tividades comerciais142. Assim se explica o interesse de Afonso III pela co
brança de direitos de montado143. A capacidade financeira e a acumulação
de espécies em dinheiro pelos Hospitalários revela-se, por exemplo, no em
préstimo de 14 000 maravedis que eles fizeram ao bispo de Coimbra em
1251. O interesse dos Templários e das outras ordens militares nos proble
mas monetários está bem patente no cuidado que Afonso III tem de se di
rigir especialmente a eles no diploma de 1255 sobre a quebra da moeda
(Leg. 196-197).
De resto, este interesse era partilhado por outros bispos e abades. O ar
cebispo de Braga já em 1250 se queixava de o rei proibir o curso da moeda
leonesa em Portugal (Leg. 186), o do Porto por o rei obrigar a «comprar»
a sua moeda (Leg. 188). Em 1255 era diante do bispo de Évora que o rei
jurava não «vender» a moeda nem exigir nada para renunciar à sua quebra
(Leg. 197). Foi também ao arcebispo de Braga e aos outros bispos do reino
que ele se dirigiu em primeiro lugar na lei de 1261 (Leg. 210-212).
A moeda torna-se, assim, o grande instrumento da economia nacional. Os
35
interesses financeiros e fiscais do rei, tendentes a racionalizar o seu curso e
a excluir a circulação da moeda estrangeira, contribuíram para fazer coinci
dir a área económica com as fronteiras do reino.
Ao mesmo tempo que as grandes empresas eclesiásticas e de leigos de
senvolvem as estruturas produtivas, melhoram também os transportes e as
comunicações, como mostra o novo surto de criação de albergarias144 e de
construção de pontes145. A destruição do caminho público torna-se um dos
nove crimes mais graves previstos numa lei de 1265 (Leg. 217), e uma das
matérias da jurisdição do meirinho régio (Leg. 252). A invasão de panos
estrangeiros não impede, antes pelo contrário, a incipiente indústria de te
celagem nacional cujo desenvolvimento nesta época é testemunhado pelo
aparecimento dos primeiros pisões nos anos 1258-1279, no Sul do país146,
e pelas referências a panos portugueses em 1253 e 1254 ou 1255147. Seria,
pois, do maior interesse registar cuidadosamente as referências a moinhos,
azenhas, instrumentos de ferro148, forjas, canais149, etc., para poder datar
com alguma precisão a generalização dos aperfeiçoamentos tecnológicos
que levam ao aumento da produtividade agrícola e artesanal.
1280-1325
D. Dinis herda, pois, uma administração régia bem organizada e com os
rendimentos assegurados. Bom seguidor da política paterna, embora, tal
vez, sem intervir tão agressivamente nos problemas monetários, trata de
apertar por meio de uma fiscalização minuciosa e da mais estrita contabili
dade a percepção dos réditos dominiais e fiscais. Aumenta os foros, multi
plica os emprazamentos de reguengos, as «póvoas»150 e as sentenças sobre
reclamações de concelhos contra a implacável intervenção dos almoxarifes
e mordomos, dá a maior importância ao registo por escrito das rendas
mesmo nos concelhos, intervém no controlo do comércio externo por
meio da confirmação da bolsa dos mercadores na Flandres, na Inglaterra,
na Normandia, na Bretanha e em La Rochelle (1293)151, e da sua influên-
144 O movimento inicia-se no século x ii (LP 27, 276, 279 = 544, 371, 584; J. Mattoso, 1982,
pp. 308-309, 314), mas tem a sua segunda fase nesta época. Veja-se, por exemplo, a de Cabadou-
de, na estrada da Beira, perto da Guarda, criada antes de 1250 (A. Fernandes, 1976, p. 284); as
referidas num testamento de 1273 em favor de Alcobaça (TT, Alcobaça, m. 14, doc. 2) e noutro
sem data a favor de Santa Cruz (TT, Santa Cruz, m. 21. doc. 34).
145 São Gonçalo de Amarante, construtor de pontes, morreu, segundo a tradição, em 1256
(ML, IV, f. 213 v.), no mesmo ano que Santa Mafalda, que também se interessou pela mesma
obra de misericórdia. De um conjunto de referências encontradas em documentação de Guima
rães parece verificar-se a concentração de dádivas com o mesmo objectivo em 1253-1269: J. Mát-
toso, 1985, pp. 143-169. Ver também M . J. Ferro Tavares, 1989, p. 128.
146 Mencionados nos forais de Estremoz, Vila Viçosa, Castro Marim, Loulé e Tavira: Leg.,
pp. 679, 734, 736, 737. A referência a uma area prensorii perto de Tarouca em 1202 deve indicar,
talvez, um lagar e não um pisão.
147 Leg., pp. 192, 253, cits. por Gam a Barros, IX, p. 216.
148 A lista de R. Durand, 1982a, pp. 231-232, mostra só por si a concentração de referências
em 1248-1293.
149 Com o o «canal do rei» explorado por Afonso III em Abrantes: lierm ínia Vilar, 1988,
p. 42.
130 M. Rosa Marreiros, 1990; id., 1992.
151 Silva Marques, I, p. 21.
36
cia diplomática ou da rainha para proteger os mercadores portugueses na
Inglaterra152 ou em Aragão153. O rei já não se limitava a tirar rendimentos
fiscais do comércio crescente, procurava agora fomentá-lo. A multiplicação
de privilégios e feiras entre 1284 e 1295, com um novo surto de cartas en
tre 1301 e 1308154, tem significado idêntico. O mesmo se diga da protec-
ção à actividade mineira155, do apoio dado à fixação de povoações no lito
ral, sobretudo na Estremadura156, e ainda dos investimentos em terras
inundadas para secar pauis, ou em matas para as desbravar157. Como se vê,
ao contrário de Afonso III, o seu filho investe os rendimentos em estrutu
ras produtivas; não se contenta com medidas de carácter financeiro.
Efectivamente o período que vai de 1280 a 1325, embora não repre
sente uma mutação qualitativa quando comparado com o anterior, mostra
a aceleração generalizada das actividades económicas. N o domínio do co
mércio externo já não se encontram apenas empreendimentos individuais,
mas associações de mercadores, como testemunha a já citada bolsa dos
mercadores aprovada em 1293 e ainda um acordo de armadores portugue
ses, galegos e aragoneses em La Coruna em 1297158, e a concessão colecti-
va de Filipe, o Belo, aos mercadores portugueses de Harfleur em 1310159, a
referência a um cemitério de portugueses em Rouen 160 e, até, os privilégios
de Eduardo I contidos na Carta mercatoria de 1303, apesar das restrições
anteriores161. Por isso se pode considerar mais significativo o documento
flamengo que enumera os géneros trazidos de Portugal no fim do século
x i i i , como se então se tivesse estabelecido a sua exportação regular162.
O alargamento da colónia de estrangeiros em Lisboa confirma esta im
pressão. Agora já não há só um genovês, encontram-se também comercian
tes de Bayonne 163 e há certamente aragoneses e catalães164. O prestígio e a
influência dos genoveses é bem patente na concessão do comando da ar
mada régia a Manuel Pessanha (1317), com o significativo privilégio de a
usar para o comércio, tanto para a Flandres como para Génova ou qual
quer outro lugar. Ou seja, era-lhe provavelmente confiada a comercializa
ção dos géneros produzidos no domínio régio que podiam ser exporta
dos165. Mas este era também o primeiro passo para entregar a estrangeiros
a orientação do comércio externo português. N o mesmo sentido se pode
37
apontar o empréstimo feito a mercadores de Lisboa por uma companhia
de Pistóia pelos anos de 1281-128 5166.
Em contraste com o progressivo desenvolvimento do potencial econó
mico do domínio régio, tornado uma grande empresa de tipo pré-
-capitalista, e com o provável enriquecimento de alguns mercadores, parece
notar-se uma certa estagnação dos cistercienses e das ordens militares, que
antes provavelmente dominavam, com pouca concorrência, a economia na
cional. O assunto está por estudar, mas talvez se deva tirar essa conclusão,
por exemplo, de um documento de cerca de 1320 que põe em causa a ad
ministração dos bens da Ordem de Santiago167, da quebra sofrida pelas
aquisições de Alcobaça em 1300-1325 168 e de vários casos de abandono da
exploração directa ali e em Tarouca169. E conhecida, de resto, a interven
ção crescente do rei nos destinos das ordens militares.
Mas ao lado desta provável estagnação das grandes empresas agrícolas,
parece agora encontrar-se indícios de maior difusão da moeda e maior in
tervenção económica de proprietários vilãos ou de gente de escalões sociais
diferentes. Esta revela-se, por exemplo, na menção cada vez mais frequente
do cultivo de plantas hortícolas na periferia das cidades, cujos lucros inte
ressam os senhores, ao ponto de disputarem entre si os direitos e os dízi
mos sobre eles170; na maior intervenção dos concelhos na criação do gado e
no controlo da transumância; na multiplicação de referências à actividade
dos almocreves171. Aquela, na generalização do pagamento de rendas em
dinheiro, sobretudo as da propriedade urbana, e no aumento de gastos
sumptuários como a acumulação de objectos de luxo 172 e a construção de
igrejas. Os mendicantes e outros eclesiásticos já as tinham iniciado pouco
antes de 1270, mas agora são também edificadas por muitas outras ordens
e clérigos, sobretudo nas cidades ou perto delas173. Dir-se-ia que o esforço
da criação de estruturas produtivas por parte das maiores empresas eclesiás
ticas durante o século xm começava então a afrouxar, mas não nos domí
nios régios. Daí, talvez, a impressão de maior prosperidade do que no rei
nado anterior. Todavia, os indícios de uma certa agitação ainda antes da
guerra civil de 1319 revelam já a fragilidade e os desequilíbrios das estrutu
ras económicas.
38
C o n c lu sõ es
1 3 . M entalidade e cultura
Tal como nos parágrafos anteriores, o meu propósito, ao abrir aqui uma
breve exposição sobre mentalidade e cultura, não é tratar delas na sua ge
neralidade, mas apontar alguns factos significaria mutações importan
tes e que influem decisivamente na criação de vínculos de convivência en
tre os Portugueses e na eclosão de uma consciência nacional. Deixarei, em
todo ó caso, para outro lugar, os problemas específicos das concepções de
nacionalidade. Efectivamente, também nos campos cultural e mental se
podem encontrar os indícios de uma progressiva destruição das barreiras
que opõem as comunidades umas às outras e da cada vez maior necessida
de de comunicação.
Queria ainda advertir que não pretendo aqui reconstituir as caracterís-
ticas fundamentais da mentalidade mçdieval, pois só o poderia fazer com
um tratamento sistemático do tema. Aqui, de novo, interessa-me mais a
conjuntura do que a estrutura. O facto de salientar as mutações não signi
fica que não haja muita coisa estável, como de resto seria de esperar neste
domínio em que a permanência é tão grande. Além disso, talvez neste pon
to a especificidade nacional seja reduzida, sobretudo se se abstrair da lín
gua. Quero com isto dizer que as estruturas mentais se deviam estudar no
âmbito de grandes áreas geográficas, das quais o nosso país seria apenas
uma parte. Teremos de nos contentar com simples alusões evocativas e re
meter o leitor para obras que expõem os problemas com a maior compe
tência174.
Veremos, pois, sucessivamente, as principais mutações nas concepções
religiosas e morais, nos costumes, na cultura e na vida pública.
174 Para o conjunto da Idade Média ocidental: A. J. Gurevitch, 1983; J. Le Goff, 1977. Falta
uma obra do mesmo género para a Península Ibérica.
39
C o ncepçõ es r e l ig io s a s e m o r a is : da m a g ia às devo ções
40
doenças ou malefícios, a crença na acçao infalível das relíquias ou na invo
cação do nome de Maria, na protecçao daqueles que celebravam a missa da
Virgem ou rezavam o seu ofício divino, ou que, por visitarem igrejas de
Roma ou Jerusalém e aí rezarem certas orações, recebiam as respectivas
«indulgências».
O que me parece mais interessante nestas novas crenças, que entre nós
se difundem pelo fim do século x i i e durante o século xm , é o facto de
atingirem todas as camadas da sociedade, embora, porventura, algumas de
las se manifestassem preferentemente em certas regiões ou em certos meios
sociais. Assim, por exemplo, é bem conhecida a firmeza da devoção a São
Vicente entre os pescadores de Lisboa179. D. Dinis mostra bem a sua con
fiança no poder da relíquia da Santa Cruz, que tinha pedido emprestada
aos hospitalários do Marmelar e manda restituir no seu testamento, expli
cando «ca nõ filhei senon por devaçam que em ela havia, e com entençom
de a fazer tornar u ante sia»180. D. Vataça, a dama bizantina da corte de
Santa Isabel, mandou provavelmente fazer uma cabeça-relicário de prata
onde se guardava um osso de São Fabião ou o crânio encastrado de algu
ma pessoa de virtude (um «saudador»), o que atraía numerosos devotos à
capela onde estava guardada, em São Romão de Panóias. Reencontrada re
centemente, ainda hoje impressiona quem a vê181. Todavia, para o nosso
propósito, não interessa enumerar as diversas modalidades destas devoções,
mas apenas mostrar a sua raiz comum e salientar que elas se tornam actos
pessoais de natureza muito diferente, por exemplo, da participação colecti-
va nas celebrações litúrgicas. O carácter pessoal manifesta-se em certas pre
ferências individuais, que levam a ter em casa determinadas relíquias, de
pois cuidadosamente mencionadas nos testamentos. Exprime-se assim o
individualismo que se instala no sentimento religioso e faz dele um acto
eminentemente pessoal.
Por outro lado, as ameaças que a Igreja tinha dirigido contra quem ou
sasse manipular indignamente as coisas sagradas, e particularmente as espé
cies eucarísticas e a água benta, aliadas ao propósito de rodear a própria
propriedade eclesiástica do mesmo fulgor sagrado, para desencorajar os lei
gos que a cobiçavam, fazem brotar e generalizar-se a noção de estatuto
imutável das coisas sagradas, agora com um sentido bem diferente do que
lhes era atribuído em virtude das crenças anímicas. Damo-nos conta disso,
por exemplo, ao ler no Fuero Real de Afonso X a lei que, depois de afirmar
a imutabilidade desse estatuto como se o sagrado se impregnasse nos pró
prios objectos, assegura aos bens da Igreja a protecção da lei e prevê penas
graves contra a utilização profana das alfaias litúrgicas, edifícios e bens reli
giosos (FR III, 12, pp. 117-118). Isso não impedirá o rei que tenha neces
sidade de «algua herdade ou outra cousa temporal que seja da igreja» de
obrigar os seus respectivos detentores a cedê-la em troca de outro bem, se
ele o quiser para si. O rei atribui-se, pois, um certo poder sobre as coisas
sagradas, como se o colocá-las ao seu uso lhes não retirasse o estatuto imu
tável antes definido.
41
Voltando à crença na eficácia de objectos ou acções, teremos de rela
cionar com ela a confiança em certas práticas, como, por exemplo, custear
a ida de um peregrino aos lugares santos, para aí cumprir as devoções con
sideradas meritórias náo só por si próprio, o que era frequente182, mas
também para quem o tinha mandado.
Esta prática regista-se já no século x i i 183, mas torna-se, depois, mais
frequente. Assim, D. Dinis deixou bastante dinheiro para enviar um «cava
leiro de boa vida» à Terra Santa e aí estar por dois anos «se a cruzada for»,
«servindo a Deos por minha alma»184. E ainda outra verba avultada para
um peregrino ir a Roma fazer por ele duas «quarentenas», «e ande cada dia
pelas estaçoens por minha alma»185.
Mas uma das mais significativas «devoções» introduzida nesta época foi
a da adoração da Eucaristia, vivamente encorajada pela hierarquia a partir
da instituição da festa do Corpus Christi. Os poderes seculares aderiram a
ela com empenho. Assim, os homens-bons de Guimarães oferecem, em
1319, mil e quinhentas libras portuguesas à colegiada para custear os fes
tejos186.
R e s p o n s a b il id a d e in d iv id u a l
182 N um inquérito de 1216 sobre as questões de primazia entre Braga e Toledo, de vinte e oito
testemunhas bracarenses, nove declaram ter feito a peregrinação a Santiago, uma das quais, duas
vezes; outra, três; uma outra tinha ido em peregrinação a Lisboa: BPIn. III, n.° 220.
183 Em documento de Santa Cruz de Coimbra: J. Mattoso, 1982, pp. 308-309.
184 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 101.
185 Ibid., p. 101. Ver casos do mesmo género em M. Martins, 1957, pp. 125-146.
186 M. da Conceição Falcão Ferreira, 1989, p. 70.
187 Cf. M. J. Ferro Tavares, 1989, pp. 124-142; J. Mattoso, 1968, pp. 361-384; ÚL, 1982,
pp. 307-323; M. S. Alves Conde, 1987, pp. 115-119.
42
dividual. Daí a enorme difusão dos manuais de confessores que os ajuda
vam a desempenhá-lo188. Entre eles conta-se o Liber poenitentiarius do ca-
nonista português João de Deus, escrito em 1247189.
O outro elemento que contribuiu para a difusão do sentido da respon
sabilidade individual foi a pregação popular dos franciscanos e dos domini
canos. Já vimos o papel que nela tiveram Santo António de Lisboa e o do
minicano Fr. Paio de Coimbra. Seria, pois, do maior interesse averiguar
como é que os leigos reagiam a estas instruções, quase sempre acompanha
das de ameaças da punição divina. As devoções apareciam decerto como
práticas tranquilizantes, pois garantiam ao fiel a protecção perante o medo
do castigo. Outro recurso, também já mencionado, foi a reunião dos fiéis
em confrarias. Eram não só um suporte para substituir parcialmente o pa
rentesco e obter o socorro mútuo, mas também para ajudar a praticar as
boas obras exigidas pelos pregadores. As verbas testamentais destinadas a
sufrágios e obras de misericórdia servem para dar aos moribundos uma
maior tranquilidade à hora da morte. Mas os apelos à penitência obtêm
também ecos de carácter mais moral quando provocam sentimentos de
arrependimento pela prática de acções especialmente censuradas pelos pre
gadores, como as violências injustas. Podemos citar como exemplo dois
testamentos: o de Pêro Martins Pimentel, de 1 2 1 2 , no qual deixa verbas
para reparar as rapinas e abusos praticados sobre gente do castelo de Ver-
moim, o arcebispo de Braga, o mosteiro de Pedroso, o prior de Vila Cova
de Ul, etc.190; e o do próprio rei D. Dinis, que mandou pagar dívidas e
malfeitorias, embora considerasse ter as suas atenuantes: «como quer que o
eu fezesse para poder por i melhor defender a minha terra, assi em guerra
como em al». O rei era especialmente sensível às acusações que decerto não
deixaram de lhe fazer, de um excessivo rigor na cobrança de rendas: «assi
nos arrendamentos como em todalas outras cousas de que eu levei alguma
cousa como nom devera»191. Já num testamento anterior D. Dinis se arre
pendia de excessos na renda das avenças e herdades e na aplicação do di
nheiro para usura192.
As violências, a ganância e o abuso do poder deviam, pois, ser pecados
especialmente censurados pelos pregadores e confessores. Als suas instruções
alteraram também o juízo que se fazia acerca de actos públicos considera
dos especialmente imorais, e na perseguição dos quais o soberano se sente
agora também obrigado. É, decerto, o caso da prostituição, sobre a qual
D. Dinis considera imoral cobrar impostos193, da tavolagem, um vício da
vida urbana194, e das blasfémias, cujos responsáveis merecem um castigo
terrível: «qui lhi tirem a lingua pelo pescoço e o queimem»195. Os desman
dos sexuais, no entanto, não parecem perturbar tanto os leigos. Nos testa
43
mentos não se encontram vestígios de arrependimento por terem tido fi
lhos ilegítimos ou vivido em concubinato. As cantigas de escárnio não
revelam inibições nem aludem a censuras clericais. Mas Afonso III proíbe
os nobres de trazerem «soldadeiras» nos seus cortejos (LLP, p. 147), e
D. Dinis castiga severamente o abuso do poder em matéria sexual praticado
pelos oficiais de justiça sobre mulheres presas ou em demanda: se são cléri
gos perdem os bens e o ofício; se são leigos manda castrá-los (LLP, p. 79).
Santa Isabel cria duas casas para recuperação de prostitutas e um hospital
para recolher crianças ilegítimas abandonadas196.
Bastarão estes exemplos. E obviamente impossível dar aqui conta de
todas as crenças morais e seus diversos aspectos, e muito mais fazer um es
tudo acerca das mutações que se deram neste domínio. Existe para isso
ampla matéria quando se analisam as vidas de santos das diversas épocas,
os ensinamentos catequéticos implícitos nos livros de milagres e, sobretu
do, num deles destinado ao grande público, as Cantigas de Santa M aria, e,
ainda, nos manuais de confessores como o de mestre João de Deus.
R ec lu sã o e c la u su r a
Não deixarei, contudo, de fazer notar que os apelos à penitência, que ou-
trora levavam os fiéis da Galécia à reclusão temporária em covas, longe dos
povoados, convidam agora os penitentes mais extremistas a praticar a re
clusão na cidade, como as emparedadas que tanto impressionaram San-
cho II, Afonso III, Santa Isabel e D. Grácia, a mãe do conde D. Pedro de
Barcelos197, e cuja direcção espiritual era disputada por franciscanos e do
minicanos em Santarém, em 1260198.
Pode aproximar-se da reclusão a exigência da clausura das religiosas,
agora praticada não só por devoção mas também para afastar as ocasiões de
infringir o voto de castidade, efectivamente não muito respeitado em cer
tos conventos dos séculos xn e x m 199. A tentativa de impedir estes des
mandos por meio da clausura feminina verifica-se entre nós ainda antes de
Bonifácio VIII a impor como lei geral, em 1298200. Efectivamente, já em
1294 D. Dinis tem o cuidado de regulamentar minuciosamente a clausura
ao dotar o mosteiro de Odivelas201. Seu filho bastardo Afonso Sanches não
se preocupou menos com o caso quando fundou o convento de Vila do
Conde: «nom hajam em este nosso moesteiro fieiras que saiam fora pera
pedir esmolas andando pela terra como as há em outros moesteiros da or
dem de Santa Clara porque em alguns moesteiros se seguirom grandes
dannos e alguas per muitas vezes em grandes deshonras dos corpos e
dampnos das almas»202.
44
Os desmandos morais foram de sempre. Os pregadores não fizeram
mais, por isso, do que renovar orientações que o clero sempre tinha dado.
A diferença consiste em que, agora, apelam mais para a consciência indivi
dual. O assunto não está estudado, mas é provável que as orientações cleri
cais se distanciassem agora mais claramente dos padrões de exigências de
comportamento feitas pelos grupos e comunidades em que os fiéis estavam
inseridos. A moral sexual era talvez um dos capítulos em que os hábitos
dos grupos tradicionais não coincidiam com os ensinamentos do clero203.
C o st u m es: o d in h e ir o
203 Sobre o antagonismo dos modelos de comportamento sexual profano e eclesiástico, ver
G. Duby, 1981, pp. 223-239.
204 Ver Lester Little, 1980. Ver algumas das Cantigas de Santa M aria , entre outras, CSM , n.os
33 e 68.
205 Cf. L. Krus, Berta M. C. Pimenta e Leonardo Parnes, 1978.
206 Ver o testamento de 1299: M L, f. 331.
207 Lei de 1292: LLP, pp. 192-193.
208 Ver as leis de Afonso II (1211), Afonso III (1266): Leg., pp. 174, 218; e de D. Dinis
(1292): pp. 192-193. Várias leis sobre os Judeus pressupõem precauções contra as suas fraudes:
LLP, pp. 100 = 193, 164, 178, 183, 186. Ver M. J. de Almeida Costa, 1962; M. J. Pimenta Fer
ro, 1979, pp. 106-108.
45
da renúncia, não apenas colectiva, como faziam os monges, mas também
individual, chegou então aos palácios reais, inspirando as virtudes exempla
res de Santa Isabel, cuja posição e poder contrastavam com o seu amor pe
los pobres209. O seu exemplo era tanto mais impressionante quanto se opu
nha também — os hagiógrafos só ousavam dizê-lo indirectamente — às
implacáveis exigências do seu régio marido210.
As novas concepções acerca do dinheiro e dos bens materiais não im
pedem, no entanto, que ainda em meados do século xm encontremos no
testamento de Santa Mafalda um eloquente testemunho da maneira como
uma senhora, cujas virtudes mereceram também as honras dos altares, en
tesourava os bens materiais, parecendo considerar a sua acumulação como
sinal da bênção divina211. D. Vataça, dama da corte de Santa Isabel, tam
bém não deixou de acumular bens de luxo212. A própria Santa juntou pe
ças de um tesouro que ainda hoje se podem admirar no Museu Machado
de Castro, em Coimbra. A concepção da propriedade pressuposta por estas
damas exemplares parece difícil de conciliar com a de que por essa altura já
se impunha amplamente, pois se baseava no princípio de que o entesoura-
mento permitia o dom, e a generosidade no dar aproximava de Deus213.
Mas poucos anos depois, Afonso III, sobrinho de Santa Mafalda, bem
consciente do valor relativo dos bens que deixava, tinha o cuidado de reco
mendar que, na execução dos seus legados pios, não se tocasse nas rendas
da Coroa na cidade de Lisboa:
«tunc filius meus qui post me regnaverit faciat utilitatem suam de civitate
Ulixb. et de redditibus eius, sicut de aliis suis villis regni sui, sed ante non acci-
piat inde aniquid»214.
A PO U PA N Ç A
209 Testamento de 1325. A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 113-114; Fr. Salvado Martins, Vida e
Milagres de D. Isabel (ed. J. J. Nunes, 1918-1919).
210 É o sentido do «milagre das rosas».
211 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 31.
212 M. H. Coelho e L. Ventura, 1987a; id., 1987b.
213 Cf. A. Gurevitch, 1972, pp. 523-547.
214 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 57.
46
tras pessoas que aí chegam, esperando, certamente, gozar da abundância do
palácio real. Mas no princípio do século xm a sobriedade e a moderação
tinham ganho terreno. Afonso Sanches, ao fundar o convento de Vila do
Conde (1318), determinava também o que as freiras podiam vestir e co
mer215. Santa Isabel, em 1325, fazia o voto de andar com o hábito francis-
cano quando ficasse viúva216.
C ultu ra : o se n t id o da m e d id a
47
pio a sentença sobre os foros do concelho de Gulfar, perto da Feira, onde,
não sabendo bem a medida do quintal de vinho, o substituem pelo moio,
e onde determinam o tamanho do molho de linho, o valor do «manto», as
dimensões do lenço, do bragal e das varas do mesmo tecido221. Para evitar
fraudes, gravam-se então, nas portas das igrejas e dos castelos, perto dos lo
cais onde se faziam feiras e mercados, os padrões de medidas lineares.
E um costume que se verifica sobretudo durante a segunda metade do sé
culo X III222.
E possível que os agentes de D. Dinis sentissem a necessidade de uni
formizar os pesos e as medidas. Todavia, o insucesso do ensaio feito neste
sentido por Afonso X em Castela, em 1268223, impediu-o, talvez, de o imi
tar. Só no reinado de D. Pedro se conhece uma iniciativa semelhante224.
O S E N T ID O D O ESPA ÇO
A E SC R IT A
48
O monopólio clerical rompe-se, no princípio do século xm 226, com a
provável decisão tomada por Afonso II de instaurar o notariado, pelo me
nos em alguns concelhos, e fazer dele um serviço público227. A medida era
demasiado precoce e por isso só se generalizou depois de 1250. Fazia parte
de reformas mais vastas, como se deduz de com o mesmo rei se ter inicia
do o registo dos documentos expedidos da corte, costume por essa época
ainda raro na Europa ocidental228. O seu cuidado em registar os actos por
escrito é dos mais evidentes, ao ordenar, numa célebre lei de 12 2 2 , a cada
um dos principais dignitários da corte, o mordomo-mor, o alferes e o
chanceler, que tivessem um livro «de recabedo regni», que houvesse ainda
na chancelaria um «quarto livro», e que essa mesma lei fosse copiada em
cada um deles (Leg., p. 179).
Como se sabe, o tabelionado difundiu-se rapidamente no reinado de
Afonso III, como uma necessidade imprescindível no novo esquema de re
lações de convivência em que se generalizavam novos princípios regulado
res da legalidade dos contratos públicos. E, talvez, o facto que maiores
consequências traz para a difusão da cultura e da escrita entre os leigos.
Apesar da rapidez com que o novo costume se espalhou, foi preciso, por
vezes, recomendá-lo expressamente. Assim, por exemplo, quando em
1270 o mesmo Afonso III avisa todo o reino de que vai «acrescentar» a
moeda nova, manda que todos os tabeliães escrevam a lei nos seus regis
tos (Leg., p. 219). O mesmo ordenou para a lei de 1272 acerca da revelia
(Leg., p. 226). A relação entre a escrita e o espaço urbano é, nesta ordem,
instintivamente expressa, ao dizer: «cada um de vós em vossas vilas que fa-
çades escrever todas estas cousas».
Apesar da rápida difusão dos contratos escritos, ainda no mesmo reina
do, em data desconhecida, era preciso recomendar aos juízes dos órfãos
que não se esquecessem de registar a relação dos bens que eles deviam her
dar (Leg., p. 269). Nas instruções acerca do processo jurídico redigidas na
Guarda, pela mesma época, o seu autor tem o cuidado de recomendar que
a sentença seja dada por escrito (Leg., p. 339, tempo 9.°). Ora D. Dinis,
ainda em 1310, urgia para que esta recomendação não fosse esquecida pe
los juízes locais (LLP, p. 139). Pouco depois exige que os tabeliães passem
um exame antes de poderem exercer a sua profissão, o que de facto já se
pratica em 1321229. Em data desconhecida, o mesmo rei recomenda tam
bém aos alcaides e alvazis municipais que se correspondam entre si para
perseguirem os criminosos que tinham fugido para outros concelhos, e aos
tabeliães para não deixarem de anotar as acusações e sentenças, fossem con
denados ou não do concelho (LLP, pp. 168-169, mal datado).
49
A pouco e pouco, a escrita invade tudo. Era usada pelo fisco, desde há
muito, como se depreende da contabilidade sobre as rendas e dinheiros co
brados ou arrecadados no tempo de Afonso III, e outros documentos do
mesmo género230. D. Dinis, preocupado com a cobrança dos dízimos sobre
os contratos dos judeus, recomenda aos tabeliães que os registem em livro
à parte, para os almoxarifes poderem consultá-los mais facilmente (LLP,
pp. 178-179, de 1319). Foi também no seu tempo, ou pouco depois, que
o redactor dos costumes acerca dos mouros forros recomendou, sob pena
de multa, que todos eles fossem, em cada ano, no primeiro de Maio, apon
tar os «seus cabedaaes» nos livros do recebedor ou rendeiro e escrivão d el
rei (Leg., II, p. 98).
Por isso, os concelhos têm também de ter os seus escrivães. Assim, não
admira que D. Dinis, consciente de que a escrita era um instrumento in
dispensável de governo e coordenação administrativa, promulgue em 1315
um minucioso regimento dos tabeliães, justamente um dos primeiros regu
lamentos do género conhecidos entre nós (LLP, pp. 63-70). Por sua vez, a
instituição tabelionática aperfeiçoa-se do ponto de vista técnico e profissio
nal, como mostra, por exemplo, a actividade de Lourenço Eanes (1301-
-1322), tabelião de Lisboa, minuciosamente estudada por Bernardo Sá No
gueira231.
Os tabeliães, de nomeação régia, exercem o seu ofício não só nas terras
do rei, mas também nas de senhorio particular, pelo menos em algumas,
como acontecia em Amarante, da Ordem do Hospital232.
Enfim, a escrita invade também a vida dos nobres. Sabemos que as
canções trovadorescas foram desde cedo anotadas em «rolos» com recolhas
individuais. Depois, copiam-se em cancioneiros colectivos, como o da Aju
da e, já em meados do século xiv, como o do conde D. Pedro de Barcelos,
que tem também o seu scriptorium onde redige os livros de linhagens e
as crónicas. Assim, a escrita permitia perpetuar o «espectáculo trovado-
resco»233.
Deste modo, a cultura fundada em princípios lógicos, racionais e dis
cursivos vai tomando lentamente o seu lugar ao lado da de base mítica e
simbólica que ainda predomina na visão do mundo, quando ela se formula
teórica e conscientemente. Como, por exemplo, no prólogo da doação de
Afonso Sanches de Albuquerque às clarissas de Vila do Conde:
«Porque antre todalas criaturas boas que Deos criou fez homem e molhei
a mais nobre que todalas outras em este mundo foram criadas assignadamente,
a el soo deu alma de entendimento e de razom pera conhecer el e todalas cau
sas e de partir o bem do mal, porém os homes de razom e d’aguisado o devem
mais a amar e honrar e louvar que todalas outras.»234
50
vez do nobre, autor da doação, e que sabia exprimir conceitos compreensí
veis pelos leigos. De facto, os leigos cultivavam outros temas.
C ultura dos l e ig o s
235 Ver as discussões sobre a datação de uma composição como a de João Soares de Paiva, atri
buída a 1196 ou 1213 (CEM D , n.° 242). Sobre a origem da poesia trovadoresca galaico-
-portuguesa, ver, entre todos, G. Tavani, 1980, pp. 15-24, e agora, sobretudo, A. Resende de Oli
veira, 1987; id., 1989; */., 1992; á/., 1993.
236 Ramón Menéndez Pidal, 71975, p. 28.
237 G. Tavani, 1980, pp. 24-46; A. Resende de Oliveira, 1992, pp. 356-357.
238 J. Mattoso, 1983.
51
ca239. Só esse facto permite compreender a importância atribuída aos Tras-
tâmaras nas origens do reino de Portugal, segundo a tradição transmitida
pelo Livro do conde D. Pedro no princípio do título VII240. É certo, pelo
menos, que não parece haver nenhuma crónica régia portuguesa anterior à
Crónica de 1344, que é justamente obra de um senhor, embora ligado
à corte régia, o conde D. Pedro de Barcelos241. Também não deixa de ser
significativo que fosse ainda um clérigo de um nobre, Pero Anes de Portei,
quem traduziu para português a Crónica do mouro Rasis. Não é seguro que
o fizesse por ordem de D. Dinis242. O rei parecia mais interessado em cul
tivar a poesia lírica. O ambiente de intervenção cultural dos leigos expri-
me-se bem com a importante mutação, verificada no princípio do reinado
de D. Dinis, de adoptar o romance como língua oficial nos documentos
expedidos pela chancelaria243.
De qualquer maneira, estes factos representam uma mudança muito
grande quando comparamos o ambiente cultural que daqui se depreende
com o que, por outro lado, se pressente, ao ler as narrativas conservadas
nos livros de linhagens acerca do rei e da nobreza no século x i i . Vejam-se
as que se contam de Fernão Mendes de Bragança ou de Gonçalo Mendes
de Sousa244, e a gesta de Afonso Henriques245. A predominância guerreira,
feroz e vingativa do século anterior havia sucedido agora a cultura cortesã,
que comportava um código de boas maneiras e de regras de convivência,
em que a mulher passara a ter um lugar importante. Já não se confiava aos
jovens nobres apenas o combate e a violência, mas também, sobretudo
aos bastardos, o cuidado de divertir a corte com a poesia, a música e as fa
cécias. Com eles vinham as soldadeiras para dançar e cantar. Já não interes
sava apenas a épica, valorizava-se também a lírica e a sátira246. Aperfeiçoa
vam-se os géneros e distinguiam-se os bons e maus trovadores e jograis. Os
ricos-homens e os altos dignitários da corte não desdenhavam imitar o gru
po de jovens e de bastardos a quem normalmente se confiavam os jogos
poéticos247.
C ultura popular
Que se passava, por essa altura, nos concelhos e nos meios populares?
É muito difícil imaginá-lo. Pode licitamente presumir-se que os jograis e os
segréis populares, aqueles que não andavam a cavalo e cuja recompensa
não era prevista por Afonso III, não tivessem cessado as suas actividades, e
52
que os cedreiros e os jograis continuassem a viajar de terra em terra para
animar as festas e romarias, tal como os bufões, os histriões e os saltimban
cos de que se fala em alguns textos de penitenciais até ao século xiv, para
os censurar248. As Cantigas de Santa M aria, que os põem em cena, não os
colocam só em ambiente cortesão, mas também em meios populares249. Al
gumas vezes são clérigos e parecem mais goliardos do que outra coisa.
Mas, agora, no século xm , as festas e as celebrações públicas não po
dem dispensar os pregadores, que, desde o princípio do surto franciscano,
animam não só o interior das igrejas e das capelas, mas também as praças
públicas. Podemos imaginar como a pregação se podia tornar empolgante
espectáculo público ao ler o relato do que foi feito em Lisboa com a pre
sença de um monge cisterciense maiorquino, liberto milagrosamente do
cativeiro entre os sarracenos e que aí contou as suas aventuras pelos anos
1238-1248, mostrando as algemas e as cadeias que trazia consigo250. Às ve
zes a pregação simultânea de frades de diferentes ordens causa perturbações
e disputas, que é necessário depois apaziguar, demarcando os momentos e
os lugares em que cada um pode falar. Foi o que aconteceu em Santarém
em 1260, entre franciscanos e dominicanos. Depois de ásperas controvér
sias, ficou estabelecido que quando uns, ao domingo, pregassem de manhã,
os outros pregassem de tarde, e no ano seguinte trocassem as horas; as igre
jas e as festividades reservadas a uns e outros, e como haviam de repartir as
alocuções nos enterros e exéquias. Nesta data, porém, já se verifica uma
certa reserva quanto à pregação em lugares profanos, que tinha sido
uma das práticas mais populares dos franciscanos nos começos da sua or
dem. Efectivamente, os juízes arbitrais da sentença então proferida decla
ram que «não deverão pregar em lugares vis como, por exemplo, em alber
garias ou lugares semelhantes, para que a pregação não se torne vulgar a
não ser que a tais lugares se dirija porventura alguma procissão»251.
Este documento evoca, pois, indirectamente, o ambiente em que a cul
tura popular se torna mais viva: as festas e celebrações colectivas que as au
toridades religiosas animam com pregações e procissões, onde aparecem os
histriões e os saltimbancos, os contadores de histórias e os cantores popula
res. Neste ambiente urbano, o motivo da festa já não é tanto celebrar ri
tualmente as mutações cósmicas ou os momentos fulcrais do ano agrícola.
Também não brota da componente lúdica associada aos grandes trabalhos
campestres feitos em comum. Organiza-se sobretudo em torno das festas
de santos, cujo calendário não depende dos ritmos lunares que presidem à
ordenação dos dias da semana e à determinação da data da Páscoa, pois
pode calhar em qualquer dia da semana. Pelo documento aqui menciona
do, depreende-se efectivamente que os enterros, procissões e festas de san
tos eram as ocasiões mais propícias à pregação, decerto em virtude de consti
tuírem pretexto para desenvolver temas de carácter moralizante e catequético,
que eram os preferidos pelos pregadores.
53
O IN D IV ÍD U O E O G R U P O : O PRIV A DO E O P Ú B L IC O
54
ordens e estatutos da Universidade na cidade de Coimbra «per praeconem
publicum». O rei pretendia, assim, inculcar em toda a gente o interesse pe
la iniciativa cultural que tinha tomado ao fundar os Estudos Gerais258.
C o n clu sã o
258 CUP, doc. 25, p. 46. Sobre a fundação da Universidade ver o recente estudo de M. Nunes
Costa, 1991.
259 A. J. Saraiva, 1982, I, pp. 49-51.
260 Ibid.y pp. 60-71.
55
2.
A monarquia
57
tica concreta, explícita e habitual. Só se observam quando existem os ór
gãos correspondentes.
Ora, dado que muitas das funções públicas, hoje consideradas estatais,
foram exercidas de facto pelos senhores dentro dos seus coutos e honras, e
eram transmitidas hereditariamente sem que o rei pudesse intervir na su
cessão, podem levantar-se muitas dúvidas quanto à teoria e quanto à práti
ca do poder político vigente entre nós. Por outro lado, a relativa arbitrarie
dade com que os senhores exerciam os seus poderes não permite
atribuir-lhes uma autoridade propriamente estatal. Além disso, o exercício
da função régia como se fosse de natureza senhorial, isto é, parcialmente
arbitrária, transporta-a para os domínios do privado. É, por isso, extrema
mente difícil ou mesmo impossível delimitar claramente o que pertence a
uma esfera ou a outra. O Estado moderno só nasce desde o momento em
que elas se começam a distinguir com alguma clareza. A superior autorida
de do monarca acima dos senhores durante um período em que não se dis
tingue o público do privado é, sem dúvida, um antecedente importante,
mas não se pode considerar da mesma maneira do que nos Estados moder
nos. Ora, é justamente o processo que conduz a esta emergência o que nos
interessa averiguar.
Para isso, temos de verificar se a autoridade do rei muda de natureza
quando se exerce sobre os seus próprios territórios ou sobre aqueles que
têm algum senhor. Até que ponto ele tem o direito de intervenção nos se
nhorios e sobre os seus detentores. Desde quando concebe o regnum como
um todo unitário, onde todos os habitantes têm para com ele relações de
natureza diferente daquelas que os tornam dependentes dos senhores. Em
que consiste a superioridade do rei em relação àqueles que no reino detêm
alguma parcela do poder público.
Ora, o rei também se concebe a si próprio como um senhor, isto é,
exerce uma autoridade simultaneamente pública e privada sobre os territó
rios que lhe pertencem como bens patrimoniais. Relacionada com esta
questão prende-se outra, bem mais difícil de resolver, e que consiste em
averiguar qual a natureza das funções que ele desempenha nas terras que,
sem dependerem de outros senhores leigos ou eclesiásticos, não se organi
zam como concelhos nem se incluem nos seus domínios. Este problema
está intimamente dependente de um terceiro, que consiste em averiguar
quais são exactamente as regalias que ele não pode partilhar com ninguém.
Depois de expormos estes temas, veremos como se articulam entte si o po
der central e o poder local, durante a fase de predominância das institui
ções senhoriais. Reservaremos para outro parágrafo o estudo do processo
centralizador, que se identifica, afinal, com o que conduziu à edificação do
Estado propriamente dito.
Como em tantas partes deste ensaio, as dúvidas e interrogações serão
muitas. As propostas de interpretação aqui apresentadas poucas vezes sur
gem como certezas. São sobretudo um desafio a investigações futuras que,
porventura, nem sempre concordarão com as aqui seguidas. Destinam-se^
antes de mais, a apontar linhas de pesquisa e hipóteses de trabalho que me
parecem fecundas.
58
2.1. O «senhor rei»
O P O D E R SE N H O R IA L D O REI
59
próprio para passarem a exprimir a dependência. Se até ali não pagavam
prestações tipicamente senhoriais como a lutuosa, as osas e gaiosas, a hos
pedagem, as contribuições pelos instrumentos de produção, o montádigo e
os pedidos, verifica-se agora uma inevitável tendência para se lhes exigirem
as mesmas que os dependentes dos senhores lhes pagavam a eles. O proces
so de transformação dos proprietários alodiais em dependentes é bem ilus
trado pelas inquirições. Estas são praticamente contemporâneas do mo
mento em que os senhores de terras imunes estendem também sobre os
trabalhadores por contrato, que em princípio deviam também ser livres,
prestações do mesmo género, consignadas nas cartas de emprazamento4.
E difícil averiguar se as transformações nas relações de dependência de
correntes deste processo se iniciam muito antes de 1220 , data a partir da
qual as inquirições de Afonso II oferecem já um seguro elemento de estu
do para o seguir com mais rigor. Digamos, mesmo com o risco de fazer
uma afirmação um tanto prematura antes de se proceder a investigações
sistemáticas nesta fonte, que a implantação dos direitos senhoriais sobre os
alódios parece estar neste momento já em marcha, mas numa fase ainda
incipiente.
P r esta çõ es de o r ig e m p ú b l ic a e de o r ig e m p r iv a d a
60
to e domínio útil, além de vários equívocos acerca da noção de «adscrição
à terra» e da natureza servil de certas prestações. De facto, a relação estabe
lecida entre o senhor e o dependente não se baseia em nenhuma espécie de
contrato. As prestações dependem essencialmente de dois direitos de natu
reza diferente — o direito sobre a terra e o direito sobre os homens — , e
não dos dois níveis de propriedade que o direito medieval tardio distingue,
para aplicar às situações já então estabelecidas, em virtude do cruzamento
de direitos de proprietários diferentes sobre as mesmas terras7.
R eguengo s e terras f o r e ir a s
61
D efesa do p a t r im ó n io r é g io
Como se sabe, a luta travada pelo rei contra os senhores teve como pri
meiro objectivo impedir que eles se apropriassem da sua terra. Com esse
fim se procedeu, em 1220, às inquirições em Entre-Douro-e-Minho; em
1258, a outras no mesmo território e também em Trás-os-Montes, na Bei
ra, e na região do Vouga; e, depois, às do reinado de D. Dinis. As duas
primeiras séries pretendiam fazer o cadastro da propriedade régia. A tercei
ra destinava-se geralmente a enumerar as honras e os coutos. Mas todas
procuravam impedir o alastramento abusivo da jurisdição senhorial sobre
terras do rei. Umas foram de carácter defensivo; outras, por assim dizer,
ofensivo11.
A sul do Mondego só parece ter havido inquirições particulares, prova
velmente porque o facto de o rei continuar a exercer uma apertada vigilân
cia sobre os concelhos que ocupavam a maioria desta região o dotava de
um poder de intervenção mais imediato. De resto, o obstáculo posto pelas
próprias autoridades municipais ao exercício da jurisdição senhorial no res-
pectivo termo contribuía também para o mesmo fim.
Mesmo assim, Afonso II teve, em 12 2 2 , de ameaçar severamente aque
les que pretendiam laborare as lezírias situadas entre Lisboa e Santarém,
com excepção das que Sancho I tinha dado aos povoadores de Azambuja.
Incumbiu o alcaide, os alvazis e o tabelião de Lisboa de vigiarem o cum
primento da sua ordem12. Mais tarde, encontram-se também outras inter
venções concretas para recuperar determinadas terras sonegadas à Coroa13.
As já referidas leis de Afonso III, de 1265, e de D. Dinis, de 1311, desti-
nam-se justamente a dotar os agentes régios de instrumentos legais para
impedirem as alienações e terem instruções precisas nos casos de infracção.
Durante o reinado de D. Dinis, ou talvez já no de Afonso III, dá-se o
último passo para a constituição definitiva do património régio com a re
serva das matas e maninhos. Efectivamente, parece que durante a segunda
metade do século xn ainda havia algumas zonas, sobretudo de matas, que
não pertenciam a nenhum concelho nem senhorio particular. A apropria
ção efectiva pelo rei deve ter-se dado por essa altura, quando lhes deu o es
tatuto de «coutadas» reservadas para caça, sob a vigilância dos seus mon-
teiros14.
Os B E N S U R B A N O S D O D O M ÍN IO R É G IO
62
provavelmente transumante ao menos numa parte do ano, como se pode
verificar pelos seus testamentos (DS 149). Tanto seu pai como ele tinham
um tesouro monetário muito grande, que guardavam em Santa Cruz de
Coimbra, nos castelos da Ordem do Templo ou do Hospital, no castelo
deAlcobaça e noutros lugares (DS 149). Sancho II manda cumprir a
maior parte dos legados pios com o rendimento que lhe era entregue pelos
seus moedeiros e possuía tendas, casas e adegas em vários lugares15. No rei
nado de seu irmão as informações acerca dos bens da Coroa são inúmeras.
Verifica-se nesta altura um interesse especial do rei pelos bens cujo rendi
mento era pago em dinheiro, como vimos anteriormente16, e a tendência
para reservar, com muito mais cuidado do que antes, o monopólio de al
guns instrumentos de produção, sobretudo fornos, moinhos e tendas. A es
te, o rei acrescenta, desde 1266, nos forais das cidades algarvias, o mono
pólio das salinas, da pesca da baleia, dos banhos, pisões, açougues e
azenhas17. De muitos deles tinha-se apropriado no momento da conquista
aos Mouros, como dizem os mesmos forais. Em Lisboa, o mesmo rei cons
truiu ou comprou ferrarias e taracenas18, além de aumentar enormemente
o património régio com tendas, casas e açougues. O mesmo aconteceu em
Beja, Eivas, Évora, Santarém ou Guarda19.
O património senhorial do rei consistia, finalmente, em gente. Não
apenas aquela que vivia nos reguengos e por isso se podia considerar unida
a ele por laços especiais de dependência, mas também os mouros forros e
os judeus, que eram considerados seus súbditos a título pessoal e cuja su
jeição era claramente marcada pelos tributos que tinham de pagar20.
Para gerir tudo isto era necessária uma complexa máquina administra
tiva21. Em termos esquemáticos, podem distinguir-se os agentes locais, cha
mados normalmente «mordomos» ou «vigários», ou, mais precisamente,
«mordomos das eiras», «das terras», «da vida», etc., e os recebedores que re
colhiam as rendas nos celeiros e nos entrepostos régios, cuja designação va
riou. A organização depreende-se sobretudo dos forais rurais de Trás-os-
-Montes da época de Sancho II e de Afonso III, nos quais se verifica que
os habitantes têm frequentemente o direito ou o dever de escolher entre si
o mordomo do lugar, ficando este encarregado de recolher os foros para os
entregar ao recebedor em data marcada. No caso de ele não aparecer ao
fim de certo prazo, não podiam ser responsabilizados. O trabalho do mor
domo da terra era compensado com a dispensa do pagamento dos foros,
mas era considerado suficientemente ingrato para muitas vezes os habitan
tes preferirem ser dele eximidos.
63
A arrecadação das rendas era uma operação provavelmente complexa a
partir da época em que o rei pretendeu administrá-las para delas obter lu
cro, e não apenas para consumir nos locais onde eram depositadas, e que
visitava nas suas deslocações22. Foi justamente por isso que Afonso III con
verteu em dinheiro algumas das rendas pagas até ali em géneros. Eram
normalmente entregues em três prestações com datas fixas2324. Este processo
facilitava a recolha ou os contratos feitos com indivíduos especializados a
quem se arrendava a cobrança mediante uma soma fixada previamente.
Conhecem-se os produtos destas operações feitas pelo almoxarife de Gui
marães na zona de Entre-Douro-e-Minho durante os anos de 1252 a
127324 a minuciosa tese de doutoramento de M. Rosa Marreiros, defen
dida recentemente, permite reconstituir em todos os seus pormenores o
funcionamento da administração dionisina na região de Guimarães25. Um
dos aspectos mais salientes da prática instituída por D. Dinis é o brutal au
mento dos montantes das rendas26.
Nas cidades, a cobrança devia ser muito mais complicada. Sabe-se que
D. Dinis usou o mesmo método de arrendamento, pelo menos em alguns
casos, como consta do seu testamento de 1299 (ML, V, p. 330), mas igno
ra-se até que ponto generalizou esta prática. É provável, todavia, que não
fosse sistemática, pois os mordomos dos concelhos, dependentes do rei, ti
nham sob as suas ordens funcionários permanentes encarregados da admi
nistração e cobrança, como se depreende dos foros longos de Santarém27.
Quando estavam encarregados de determinadas zonas ou cobranças in
cluíam-se na categoria genérica dos «ovençais», que designava indiferencia
damente várias categorias de funcionários régios28.
Até ao fim do reinado de Afonso III é difícil distinguir estratégias de
obtenção de lucros e de simples racionalização administrativa. Muitas das
medidas de D. Dinis tinham apenas estes mesmos objectivos. Outras, po
rém, podem considerar-se ditadas por propósitos de investimento produti
vo ou, mesmo, de fomento de carácter mais geral. Entre estas salientam-se
as fundações de «póvoas» no interior ou no litoral, o estímulo a povoações
urbanas de interesse estratégico, como Caminha e outros centros nas mar
gens do Minho e no Norte transmontano e, ainda, a concessão de forais e
de privilégios a feiras francas29.
64
A d m in is t r a ç ã o da ju s t iç a
A l m o x a r if e s
65
ções próximas das judiciais ou policiais. É provável que eles não se limitas
sem a cobrar os impostos concelhios reservados ao rei, mas fossem também
encarregados da administração dos reguengos situados nos termos do res-
pectivo concelho. Só uma investigação especializada permitiria responder a
esta questão que os nossos historiadores das instituições medievais geral
mente ignoram. De qualquer maneira, se a criação de um aparelho fiscal
distinto do senhorial tendeu a absorver este, era ainda mais natural que ab
sorvesse igualmente, ao menos sob a forma de controlo, as funções dos
mordomos régios dos concelhos. De facto, os mordomos passam a depen
der dos almoxarifes desde a época de Afonso III37.
2.2. Regalias
Considerado, portanto, como senhor, o maior dos senhores, o rei, nem por
isso deixa de ocupar um lugar único, que importa agora definir com algum
rigor. Antes de mais, será necessário mostrar que a bem conhecida persis
tência das tradições romanas e do direito público na zona mediterrânica da
Europa não impediu que a função régia fosse contaminada pelos conceitos
feudais. Estes dominaram, como veremos, até ao princípio do século xm , e
só depois deram lugar a manifestações cada vez mais claras da supremacia
monárquica: primeiro, ainda em articulação com as concepções feudais;
depois, claramente independentes delas. Sendo assim, não se pode ver toda
a época de que trato como um período uniforme, como tendem a fazer au
tores como Gama Barros, os quais projectam uma imagem muitas vezes
indiferenciada sobre todo o período que vai da época visigótica ao século
xv. Os princípios expressos por Afonso X, o Sábio, verdadeiro criador de
uma teoria política acerca da função régia, eram desconhecidos no século
xn. Não se impuseram sem dificuldade. Até lá, a contaminação do concei
to monárquico pelas noções feudais parece-me evidente. Traduz-se em tu
do aquilo que significa privatização da função régia e partilha do poder pú
blico com outras pessoas e instituições ou, mesmo, com determinados
grupos sociais.
A M O N A R Q U IA FE U D A L: A PRIVATIZAÇÃO D O P O D E R
37 Para Lisboa, ver as obras cit. na nota anterior; para outros lugares, ver o F. de Santarém
n.° 79, Leg., II, p. 25; Oriola, n.° 109, ib.t p. 42; Beja, n.° 51, ib., p. 55; para Entre-Douro-
-e-Minho: J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 29.
38 D R 334; D S 30, 31, 194, 203; A. C. de Sousa. 1739, I, pp. 34-48, 50, 54, 99.
39 Ver vol. II, pp. 221-232 e o parágrafo anterior.
40 Gama Barros, I, pp. 242-283. Estes poderes são, algumas vezes, chamados regalia. A sua
concessão, como é evidente, excluía a inalienabilidade, ao contrário do que acontece no século
xm , quando se invoca o carácter de regalia para os reservar exclusivamente ao rei.
66
A sua fragmentação verifica-se não só nestas mesmas concessões, mas
também na aceitação tácita ou expressa do regime senhorial, que coloca
nas mãos dos senhores poderes militares, judiciais e fiscais, sem que o rei
se apresente a si próprio como a sua fonte e origem. De facto, o costume
de se exercerem nas honras, de posse imemorial, e a prática do «amádigo»,
que confere estatuto senhorial a uma terra apenas por aí se ter criado um
nobre, revela que o rei deixa em certo momento de controlar o seu exercí
cio. Nada permite afirmar que a autoridade dos senhores nas suas honras e
coutos se harmonize e articule com a do rei. Matar os mordomos ou os
juízes que tentam defender os direitos régios, cortar-lhes mãos óu pés, ce
gá-los ou arrastá-los à cauda de cavalo são violências perante as quais os se
nhores não recuam e que vêm relatadas nas Inquirições41. Todavia, nem
sempre se trata de crueldade puramente gratuita. Os senhores consideram-
-se gravemente ofendidos nos seus direitos pessoais, na sua autoridade e na
sua honra, porque os oficiais do rei invadem as terras sobre as quais pen
sam ter jurisdição por direito próprio.
Veremos adiante que o princípio da partilha dos poderes públicos com
os nobres e outros detentores de terras imunes não cessa com a incipiente
edificação do Estado. E expressa e repetidamente reconhecido por D. Di-
nis, apesar de este tomar medidas para um exercício efectivo da vigilância
sobre eles.
A FRA G M EN TA ÇÃ O D O P O D E R P U B L IC O
41 Herculano, 1980, II, pp. 631-637; M. J. Trindade, 1981, p. 123. Mas há muitos mais
exemplos.
42 L. G. de Valdeavellano, 1970, p. 383; H. Grassotti, 1969, I, pp. 688-690.
43 J. Mattoso, 1982a, pp. 121-137.
44 Ver mais adiante, n.° 3.1., pp. 117-119.
45 M. J. Trindade, 1981, pp. 121-122.
67
cessa com a nomeação de meirinhos-mores ou, mesmo, com operações po
liciais do género da que D. Dinis mandou realizar em Monforte do Rio
Livre pouco antes de 1283, para castigar os cavaleiros que tinham assassi
nado o juiz da vila46.
E s p e c if ic id a d e da fu n ç ã o r e g ia
O CA RISM A D O REI
Tudo isto se conjuga sob a noção de que o rei tem poderes pessoais de ti
po carismático, próprios do chefe, sem que se elabore uma enumeração de
carácter jurídico das suas atribuições específicas. O rei é o chefe por exce
lência. Recebe da sua linhagem, marcada pelo selo divino, virtudes espe
ciais que tem obrigação de cultivar. A distinção entre ele e os nobres reside
sobretudo aí. A ideia do carisma pessoal, mas transmitido pelos antepassa
dos de estirpe régia, revela-se, por exemplo, na evidente preocupação que
os notários dos documentos afonsinos têm, desde sempre, de referir a as
cendência régia de Afonso Henriques. Aparece na primeira pessoa a invo
68
car a qualidade de neto do magnus rex, do imperator, do inclitus Afonso VI.
Reivindica, pois, a vinculaçao hereditária à sua figura mítica, que se tinha
tornado, para o imaginário dos homens do século x i i , o símbolo de um
poder próximo do divino, e isso basta para afirmar a sua própria autori
dade.
A mesma ideia se exprime nos Anais de D . Afonso, rei dos Portugueses,
redigidos por um cónego regrante de Santa Cruz de Coimbra pouco de
pois de 1185, e que o apresentam como um «gigante que, nas suas acções
se assemelha a um leão, ou a um jovem leão que ruge na caça e do qual
ninguém consegue falar dignamente». Um «varão poderoso nas armas, sá
bio no falar, prudente nas suas obras, de engenho luminoso, de belo corpo
e semblante agradável, profundamente ortodoxo na sua fé em Cristo, be
névolo e devoto para com os ministros da religião, capaz de proteger todo
o Portugal com a sua espada» (ADA, p. 151). Afonso Henriques, para este
clérigo do princípio do reinado de seu filho Sancho I, tinha sido, portanto,
digno de reinar, honrava a sua ascendência régia, constituía um exemplo
para o seu sucessor. Por isso foi «semper victor», «de omnibus triumphans»
e «divina clementia semper adiutus» (ADA, p. 152). Alguns anos mais tar
de, um clérigo de Braga fala também da strenuitas de Afonso Henriques e
dos seus méritos para a «exaltação da fé» ao conquistar muitas terras aos
sarracenos, o que lhe mereceu o reconhecimento do título de rei pela Santa
Sé52.
Conhece-se, no entanto, uma expressão doutrinal excepcionalmente
precoce acerca da autoridade régia, em que esta é apresentada como uma
função que só é feliz quando se desempenha com justiça, e só é executada
segundo os preceitos da ciência de governar os povos. O poder daqueles
que temem a Deus, procuram o reino dos Céus e se empenham em propa
gar o culto divino não é dado para proveito próprio, mas para o dos súbdi
tos. Esta reminiscência textual de um passo da Cidade de Deus, de Santo
Agostinho (liv. 5, cap. 24), encontra-se logo no início dos M iracula S. Vin-
centiiy redigidos pelo chantre Estêvão da Sé de Lisboa pelos anos 1173-
-1185. Deve-se provavelmente à sua cultura moçárabe, atestada também
por outros indícios. Prolongava em terras meridionais, que não tinham co
nhecido o feudalismo, noções próprias do cristianismo tardo-romano.
O texto é bem eloquente:
«Está escrito que são felizes os reis que governam com justiça e diz-se que,
nos negócios humanos, nada há de mais gratificante do que quando, por mise
ricórdia de Deus, o poder está nas mãos daqueles que alcançam a ciência de di
rigir os povos. E que o poder daqueles que temem a Deus, O amam e O vene
ram, daqueles que aspiram sobretudo pelo reino onde não receiam ter
concorrentes, daqueles que fazem que as suas decisões sirvam a majestade divi
na para a dilatação máxima do culto de Deus, esse poder não se serve tanto a si
próprio como aos súbditos.»53
52 Nas alegações de Braga contra. Compostela em 1198-1199, in Peter Feige, 1978, pp. 393-
-394.
53 Miracula S. Vicentii (ed. e trad. Aires Nascimento), 1988, p. 29, onde se identifica o citado
passo de Santo Agostinho.
69
culo xii, quem tenha a noção da autoridade régia como uma função de ca
rácter público e não de carácter privado. Estas ideias, todavia, não voltam a
encontrar-se antes da década de 1190, então pela pena dos notários da
chancelaria, provavelmente por influência do direito romano, como vere
mos em breve.
Mais em conformidade com as concepções típicas do Norte, o chantre
Estêvão não deixa, também, de louvar com grande entusiasmo a strenuitas
de Afonso Henriques, como uma qualidade que ele põe ao serviço da dila
tação da Igreja e que aparece como expressão evidente de um dom de
Deus.
O carácter guerreiro da autoridade régia está vivamente expresso nas
duas representações iconográficas que dele se conhecem, em Santarém (ho
je no Museu do Carmo) e em Rates, ainda suas contemporâneas, e em que
ele empunha ostensivamente a espada e a coloca ao ombro. Aliava-se, as
sim, a uma tradição peninsular que não cessou de se fortalecer até meados
do século xiii54. A tradição confirmou esta mesma ideia ao valorizar a pró
pria espada e o escudo régio junto ao túmulo, em Santa Cruz de Coimbra
(fossem ou não autênticos), e venerados ainda por D. Sebastião, apesar de
a hipercrítica recente desprezar estes símbolos da concepção da autoridade
régia no início da monarquia portuguesa55.
O especial dever de velar pela justiça, no sentido apontado anterior-
mente, surge na Gesta de Afonso Henriques sob forma diferente, devido à
sua origem não clerical. Vem inserido na recomendação feita pelo seu pai,
o conde D. Henrique, à hora da morte, o que lhe confere também uma es
pecial solenidade e carácter obrigatório. O conde alude, de facto, à trans
missão de uma virtus hereditária — «filho, toma do meu coração algum
tanto, que sejas esforçado» — , mas insiste de maneira especial no dever de
garantir a justiça:
«e see companheiro a filhos cTalgo e dá-lhe siempre sas soldadas bem paradas e
aos concelhos faze-lhes honra e aguisa como hajam direitos assim os grandes
como os pequenos. E por rogo nem por cobiça nom leixes a fazer justiça. C a se
uu dia leixares de fazer justiça uu palmo, logo em outro dia se arredará de ti ua
braça. E, porém, meu filho, tem sempre justiça em teu coraçom. E haverás
Deus e as gentes. E nom consentas em nenhúa guisa que teus homens sejam
soberbos nem atrevudos em mal; nem façam pesar a nem uu, nem digam tor
to, ca tu perderias per taes cousas o teu boo preço se o nom ovedasses» (GAH,
p. 30).
70
dade nos seus dons, sem todavia fazer dela uma virtude específica da dignida
de régia, pois aparece como um dever imposto também aos homens livres
e, a fortiori, ao rei:
«Quoniam regum est, necnon etiam cuiusque uiri ingenui talis titulo deco-
rati, de propriis possessionibus propriam explere voluntatem...» (D R 199, de
1143)
Fórmula repetida depois várias vezes (D R 201, 206, 216, 251, 273,
280, até 1162), mas que se exprime com maior desenvolvimento em 1160:
«Quoniam, ut legitur in gestis catholicorum regum reges et presides ac ma-
gistratus, nom solum adiacentia tribuere sed inmensa donaria et etiam própria
largiti sunt per uniuersa regna terrarum unde alerentur pauperes Christi qui in
mundo nihil possidebant monasteriaque religiosorum fabricaretur Deoque et
Ecdesie evus nte famuiantmm se seruorumque íWius supplementa absque ne-
cessitate tribuerunt» (D R 275)56,
para isolar melhor os deveres próprios dos reis, que aqui lhe são atribuídos
sem qualquer comparação com outras autoridades, e para acentuar a sua
especial obrigação de proteger a Igreja, principalmente os monges e os reli
giosos mais pobres e que melhor servem a Deus. Ideia própria de clérigos,
como é evidente, mas que nem por isso contribui menos para reservar aos
reis uma posição específica. O recto cumprimento dos seus deveres pró
prios assegura-lhes a consideração da Igreja e como que o direito de a sua
autoridade ímpar ser sancionada por um poder sagrado.
As FÓ R M U LA S D O C H A N C E L E R JU L IÃ O
É preciso esperar o início do reinado de Sancho I para ver estas ideias ex
primirem-se, agora pela pena do célebre chanceler Julião, numa fórmula
mais fria, que afirma não só os deveres religiosos do príncipe, mas também
a obrigação, por assim dizer profana, de cultivar as virtudes demonstradas
pelos seus antecessores:
«Quoniam ad regis debitum spectat et gloriam ea manutenere et promoue-
re in melius que ab antecessoribus pie in religione facta cognouerit.» (DS 8, de
1186)
56 Comparar com esta fórmula da chancelaria leonesa «Catholicorum regum officium esse dig-
noscitur sancta loca diligere ac venerari et ea largis dilatare muneribus atque possessionibus am-
pliare» (J. González, 1943, p. 214, de 1163). Vejam-se outras fórmulas com o mesmo sentido:
ibid., p. 218 para os anos de 1166 a 1169, pp. 223-224 para 1169-1173. As últimas mencionam
especialmente o apaziguamento dos conflitos e a defesa da paz.
71
numa fórmula onde a comparação com os antecessores se torna o tema do
minante. A maneira exemplar como o seu pai tinha cumprido a missão ré
gia exige que Sancho I se eleve à mesma altura por feitos não menos me
moráveis.
N o seu glorioso regresso de Silves, o chanceler Julião menciona outro
tipo de deveres. Deixando de olhar para um passado que era necessário
preservar, volta-se para o futuro que todos os príncipes e detentores do po
der, mas sobretudo os reis, têm obrigação de prevenir. A propósito dos
bens temporais, que Sancho I nesse momento cede ao mosteiro de Santa
Cruz e lhe servem para garantir o bom governo futuro mas, ao mesmo
tempo, obtêm a recompensa eterna para o doador, exprime a ideia de que
o rei está especialmente incumbido de uma missão de governar, o que na
quela circunstância significava, implicitamente, que não bastava conquistar
novas terras.
«Summum atque precipuum utilitatis genus fore dignoscitur cum unus-
quisquè diligenter sibi preuidet in futurum. Si ergo bonum est et salubre uni-
cuique ut sibi preuideat in futurum, multo maxime necessarium est regibus et
consulibus, principibus et potestatibus et omnibus qui in sublimitate sunt, ut
diligenter et studiose prouideant et subministrent sibi et posteris bona tempo-
ralia, sibi bona inuisibilia et eterna.» (DS 41)
Aparece aqui, pela pena de mestre Julião, a noção de que o rei tem
uma autoridade singular e uma missão própria a cumprir, que não se tra
duz apenas pelo culto de uma forma carismática de agir, mas também pelo
bom governo. Tal como as fórmulas do tempo de Afonso Henriques,
aproxima-se o rei de todos os outros detentores do poder, sem se lhe atri
buírem deveres específicos. Só implicitamente se poderá supor que a supe
rior posição do rei lhe confere responsabilidades maiores, mas não de natu
reza diferente. Por outro lado, a autoridade usada para bem dos súbditos é,
afinal, aquilo mesmo que justifica o próprio poder. Finalmente, esta posi
ção não é justificada por referência às litterae, ao que está escrito, mas pela
própria ordem recta das coisas57.
Em 1191, as expressões acerca da função régia completam-se com ou
tra fórmula não menos significativa:
«Quoniam consuetudine que pro lege suscipitur et legis auctoritate dicimus
quod acta et principum scripto comendari debeant, ut comendata ab homi-
num memória non decidant et omnibus preterita presentialiter consistant...»
(DS 51).
Por estes termos muito simples, exprime-se a ideia de que os actos régios
devem ser escritos para servir de exemplo a todos e não se apagarem da
memória dos homens. Pressupõe-se ainda com mais força a concepção de
que os reis devem agir de maneira a não serem mais esquecidos, para se
tornarem como que o modelo e a referência de todos. A obrigação de «re
comendar» as acções do rei aparece como um costume transformado em lei
e, portanto, com todo o peso da obrigatoriedade que a natureza das leis
impõe. Transparece aqui, e de maneira ainda mais clara, a pena do legista
72
que sabe distinguir entre lei e costume, e o imenso respeito pela palavra es
crita como processo de ordenação da realidade. Note-se, porém, que em
nenhuma destas fórmulas se distingue a função do rei e dos príncipes ou,
mesmo, de qualquer autoridade, como se a diferença entre eles fosse ape
nas de grau e não de natureza. O que estava em causa eram a função polí
tica e o dever de todo aquele que exerce autoridade. Parece, por isso mes
mo, que a autoridade do rei está apenas numa posição superlativa, mas
idêntica à de qualquer outro detentor do poder público, incluindo, segun
do uma das fórmulas de 1189, os potestates, isto é, os senhores, ou mesmo
os simples homens livres, ingenuitatis titulo decorati, como se dizia em
1143. Ou seja, o rei é ainda um primus inter pares.
A fórmula de 1191 tornou-se corrente na cúria e passou a ser usada até
ao fim do reinado58, encontrando-se apenas uma expressão nova em docu
mento de data incerta, entre 1186 e 1195, onde se insiste, de maneira
mais clara do que nunca, nos deveres do rei para com os súbditos:
«Regalis dignitatis auctoritate debitoque commonemur subiectos diligere atque
eorum paci et utilitate in omnibus semper prouidere.» (DS 86 e 87)
As CONCEPÇÕES DE AFONSO II
É possível que as perturbações de 1190-1210, cuja resolução ultrapassava a
capacidade de intervenção do rei, tivessem desencorajado a cúria de criar
novas formulações dos mesmos princípios. Em 1211, porém, logo no iní
cio do reinado de Afonso II, surgem afirmações que revelam uma súbita
alteração nas noções então expressas, sem todavia superarem toda a ambi
guidade acerca da missão régia, de resto natural numa época tão precoce
em relação à evolução das concepções políticas europeias. Refiro-me às leis
de Afonso II, promulgadas nas chamadas «cortes de Coimbra», e que em
vários pontos revelam tal novidade, que se tem duvidado se serão total
mente verídicas. Não se encontram, todavia, argumentos de ordem positi
va para contestar a sua autenticidade60. Pelo contrário, os seus pressupostos
gerais estão em perfeita consonância com a época, a começar pela referida
ambiguidade de conceitos acerca da relação entre o rei e o poder senhorial.
Repentinamente, o rei fala na primeira pessoa, com toda a autoridade.
58 D S 63, 64, 65, 71, 82, 100, 117, 118, 123, 180, de 1193 a 1209.
59 Ver vol. II, pp. 333-334.
60 Damião Peres, 1949, pp. 1-8.
73
Não manda outro falar por si, nem invoca as litteraey nem uma lei ou um
costume. Para justificar as suas ordens, apela exclusivamente para princí
pios racionais. O modelo de «bom príncipe» por ele pressuposto ou invo
cado expressamente61 é um modelo secular e não clerical. A autoridade in
vocada é a «razon»62 e os princípios estritamente jurídicos63, ou a utilidade
pública64. O apelo para normas racionais e do direito natural ou para
uma sabedoria baseada na experiência65, com a total exclusão de referên
cias a preceitos divinos ou eclesiásticos, surge como uma novidade sur
preendente e inesperada.
É verdade que se encontra certo precedente na última fórmula de mes
tre Julião atrás citada, mas a atitude que ali já se esboçava surge profunda
mente assimilada e proclamada em relação a situações concretas, para justi
ficar a criação de normas de carácter universal, tal como os princípios em
que se baseiam.
Não é menos surpreendente assistir aqui ao súbito começo da activida-
de legislativa, que embora se exerça em colaboração com a cúria régia, tal
como já vinha sendo costume na Península para os finais do século xn66,
se exprime aqui em nome pessoal do rei e sem qualquer apelo para o con
sentimento dos barões e magnates. A única referência à cúria aparece na
notícia de ordem redactorial que precede o conjunto de leis, para indicar o
«conselho» dos prelados e dos vassalos. De facto, o poder legislativo aqui
exercido com tanta naturalidade só virá a ser proclamado como direito
próprio do rei nas Partidas de Afonso X 67.
Ao mesmo tempo, a actuação política de Afonso II, expressa também
noutros actos que mencionaremos no parágrafo seguinte, não pode deixar
de se comparar com a de certos soberanos da sua época, como Filipe Au
gusto e Frederico II. O primeiro, sem fazer proclamações de princípio nem
inovações radicais, transformou os quadros administrativos do seu reino
com o estabelecimento de um corpo de baillis itinerantes para vigiar a acti-
vidade dos prêvots e rodeou-se de conselheiros especializados em determi
nadas matérias. Fê-lo, porém, no âmbito dos domínios que dele depen
diam directamente; quanto aos outros territórios do seu reino, procurou
sobretudo garantir a fidelidade e a submissão dos vassalos68. O segundo
61 «Porque de bõo principe é purgar a sa provinda de maos homêes» (Lei 27, Leg., p. 179);
«Porque a nós pertence de fazermos mercee a mezquinhos e de os defendermos dos poderosos»
(n.° 22, p. 177).
62 «Sem razon parece que aquel que é atormentado dar-lhi homem outro tormento» (n.° 3,
p. 164); «Nos parece desaguisada que aqueles que som a serviço de Deos de serem aguardados por
poderio segral» (n.° 14, p. 172).
63 «O demandador deve seguir o foro do demandado» (n.° 11, p. 170); «O homem livre possa
fazer de si o que quiser» (n.° 19, p. 174); «O s mtitrimónios devem a seer livres» (n.° 22, p. 173).
64 «O mal que logo nom tolher(em) crece, e d’uu homezio que logo nom matam no começo,
nacem muitos homezios e danos e perigos do reino e das gentes» (n.Q 13, p. 171).
65 «Havemos muitas vezes que vai a mal o que foi feito por bem» (n.° 11, p. 170); «A sanha
sooe a embargar o coraçom que nom pode veer dereitamente as cousas» (n.° 21, p. 175); «Porque
os matrimónios devem a ser livres e os que som per prema nom ham bõa cima» (n.° 22, p. 175).
Algumas das justificações aqui propostas e outras leis de 1211 procedem directamente do código
de Justiniano, como mostrou G. Barros, I, pp. 113-115. Cf. Braga da Cruz, 1975, pp. 187-188,
nota 15.
66 L. G. de Valdeavellano, 1970, pp. 442-443.
67 Id., ibid.
68 F. Lot & R. Fawtier, 1958, II, pp. 145-147.
74
transpôs para o domínio político não poucas ideias de Inocêncio III, rei
vindicando em seu favor o princípio da autonomia do príncipe. Foi ele
que proclamou aquilo que os glosadores do Liber Augustalis ou Constitui
ções de Amalfi (1231) chamam um «novo direito». Aí, de facto, apresenta-
-se a si próprio como uma fonte donde brota a Justiça, como o defensor
dos fracos injustamente oprimidos, o novo César que só presta contas «ao
julgamento da razão, que é a mãe do direito»69.
Sem teorizar de maneira tão poderosa e incisiva como o imperador,
mas vinte anos antes dele, o nosso rei põe ousadamente em prática um po
der que implicitamente considera supremo, independente e universal. Só o
pode ter aprendido de uma longa convivência com os legistas da corte de
seu pai, sobretudo com mestre Julião, que ele recompensa tão generosa
mente logo no princípio do seu reinado70, e que provavelmente tinha for
mado ele próprio, ou enviado a Bolonha e reunido à sua volta, uma plêia
de de legistas. São os que, à morte do Mestre, se tornam os principais
auxiliares do rei e que ele invoca expressamente nos seus diplomas71.
É, sem dúvida, este entendimento entre Afonso II e os legistas o que dá
uma coerência nova à sua obra governativa.
Apesar de tudo, não pode deixar de se notar uma constante ambigui
dade nos decretos de 1211. Aparentemente, as leis têm um âmbito de apli
cação universal, pelo próprio facto de invocarem princípios absolutos e de
na sua formulação nada transparecer que lhes limite o alcance dentro do
«reino»72.
Mas a sua capacidade de punir parece só se estender aos domínios ou a
pessoas sobre as quais exerce directamente a sua autoridade. Assim, por
exemplo, na lei que defende os «mezquinhos» contra os poderosos, embora
se apresente como baseada num princípio universal, só prevê uma pena pa
ra aqueles que do rei tiverem terras (n.° 25, pp. 177-178). A que proíbe
aos poderosos «levarem» seja o que for do que venderem, começa por refe
rir um mau costume de Coimbra, «come em todalas vilas da nossa Estre
madura, come em todalas partes do reino», mas também só prevê castigo
para os que recebem terras ou alcaidarias do rei (n.° 2, p. 164). Esta lei, de
resto, parece dar a entender que o ponto de vista do rei se situa primeiro
em Coimbra, depois na Estremadura, ou seja, nos domínios régios e só de
pois no resto do reino, onde de facto a sua autoridade é mais longínqua e
quase sempre exercida por meio de intermediários. O mesmo se deve en
tender quando diz «assi da nossa terra come dos das outras» (n.° 3,
p. 164). Sendo assim, pergunta-se se, quando fala de «sa província» e a
identifica com «nosso reino» (n.° 27, p. 179), pensa só nas terras onde tem
jurisdição directa ou também nas de regime senhorial. Todavia, noutras
leis, como por exemplo na que dá aos homens livres a garantia de poderem
escolher livremente o seu senhor, parece referir-se de facto a todo o reino,
75
pois as penas aplicam-se a todos os infractores, mesmo aos nobres em geral
(n.° 19, p. 174).
Seja qual for a doutrina, a prática seguida por Afonso II parece ter
consistido principalmente em exercer uma autoridade efectiva nos seus do
mínios, sem contestar propriamente a autoridade nobre ou clerical sobre
coutos e honras, e sem pretender intervir aí, limitando-se nesta matéria a
evitar a sua extensão abusiva em detrimento das terras da Coroa. O sistema
das confirmações parece resumir bem a sua atitude a este respeito. Signifi
ca, afinal, uma forma de legalização dos poderes senhoriais, por esse meio
expressamente reconhecidos quando aceitam o senhorio régio73. Ou seja,
apesar de as leis de 1211 constituírem um conjunto aplicável a todo o rei
no, deviam servir de norma também aos senhores, mas provavelmente não
bastavam só por si para os oficiais régios perseguirem e castigarem os no
bres e os eclesiásticos que as infringiam.
73 M PH C, pp. 7-11; Gama Barros, pp. 440-442. O sistema das confirmações parece ter inspi
rado também Afonso IX de Leão, pelo menos desde 1226: J. González, 1944, vol. II does. 474 a
490, etc.; cf. ibid., vol. I, p. 498.
74 A. D. de Sousa Costa, 1963, pp. 306 e 510; M. Pacaut, 1957, pp. 134-135.
75 A. D. de Sousa Costa, ibid., p. 506.
76 Id., IV, 17.7, cit. ibid., p. 511.
76
Ora, esta doutrina era já afirmada, creio eu, no próprio prólogo das
leis de 1211, quando aí se estabelece um paralelismo entre as leis régias e
os «decretos» de Roma, para se declarar, desde logo, que sejam nulas quais
quer leis ou acções futuras que contrariarem umas ou outras. Não me pa
rece, bem ao contrário, que este prólogo deva ser interpretado como uma
sujeição da lei civil à canónica, como fizeram alguns historiadores do di
reito77.
Deve ser justamente esta doutrina a que está subjacente à reacçao de
Afonso II contra os célebres decretos laicales de Fr. Soeiro Gomes, por ele
tão violentamente condenados. Referia-se justamente à confiscação dos
bens dos hereges, acerca da qual mestre Vicente pretendia limitar a decre
tai de Inocêncio III78, comentada em sentido contrário à opinião de Tan-
credo79. O rei devia considerar a pena de confiscação uma questão tempo
ral, que não caía sob a alçada da lei eclesiástica. Invocava a confirmação da
autoridade de todos os reis portugueses e de si próprio por vários papas,
para condenar sob as mais severas penas o que considera uma intromissão
na esfera do poder civil80.
Assim se inicia em Portugal uma tradição de autonomia do poder civil
que, sem voltar a suscitar da parte do monarca, que eu saiba, afirmações de
princípio tão explícitas, continua a sustentar a posição régia durante os fre
quentes conflitos que se seguiriam desde esta época até à de D. Dinis. Nes
tes, segundo parece, o pomo da discórdia reside nas questões disputadas
ratione materiae e ratione personae, simultaneamente pela jurisdição ecle
siástica e pela civil, como veremos adiante81.
A f o n so III e D . D in is
A partir de Afonso III, o clero invoca sobretudo o direito canónico, cuja
autoridade ninguém contestava, para fazer as suas reivindicações práticas.
Por isso, D. Dinis dirigiu os seus esforços no sentido de fixar regras que
determinassem o foro competente nos casos de conflito. A sua actuação as
tuta e firme levou, por exemplo, o bispo Egas de Viseu a redigir uma obra
com o significativo título De libertate ecclesiae, que teve depois um certo
sucesso em Castela, mas da qual não resta nenhum manuscrito portu
guês82. Aqui, porém, o problema da relação entre o poder espiritual e o
77 O texto, na versão provavelmente mais fiel do LLP, é o seguinte: «estabeleceo que as suas
leis sejam guardadas, e os dereitos [ler «decretos»] da Santa Egreja de Roma, convém a saber que
se [outras] forem feitas ou estabeleçudas contra eles [ler «elas»] ou contra a Santa Egreja que nom
valham». Basta, portanto, subentender «outras» para o paralelismo ser perfeito. A opinião contrá
ria, dos autores citados por G. Braga da Cruz, 1975, p. 188, é por este também recusada, mesmo
sem propor uma leitura mais correcta do texto de 1211. Entre aqueles conta-se N . Espinosa G o
mes da Silva, 1985, pp. 124-125, que acrescentou novos argumentos à sua interpretação na
2.a edição da mesma obra, 1991, p. 162.
78 Decretales, V, 7.10 (ed Friedberg, pp. 782-783).
79 M. Pacaut, 1957, pp. 152-155.
80 Sobre a discutida interpretação destas leis, acerca das quais não foi citada nunca, creio, a
doutrina de mestre Vicente, ver F. da Gama Caeiro, 1983, onde refere as opiniões de Herculano
e de L. G. de Azevedo.
81 Ver infra, n.° 3.2., pp. 133-134.
82 A. Garcia y Garcia, 1970, pp. 219-281.
77
temporal também não se coloca em termos teóricos ou doutrinais, mas da
forma mais pragmática e casuística, alegando, para cada eventualidade pre
vista, a legislação canónica correspondente.
Mesmo nesta obra, onde se estende ao máximo o foro eclesiástico,
nunca se ultrapassa a ideia de que a Igreja é livre na sua esfera e, por isso,
não se pode sujeitar ao rei. Longe de invocar a doutrina da superioridade
espiritual, permanece, ao nível da teoria, dentro da ideia implícita de que o
poder civil é também soberano na sua esfera. O que se disputa é o limite
entre as duas83.
As «REGALIAS»
Através de questões como estas, e face aos poderes senhoriais, foi-se fir
mando a noção de que pertenciam exclusivamente ao rei determinados di
reitos que ele não podia partilhar com ninguém. A ideia aparece já com
clareza no Fuero Viejo de Castilla, provavelmente bem conhecido entre nós,
o qual, embora redigido só em meados do século xiv, retoma um texto do
século precedente, anterior, portanto, às Siete Partida,y84. Diz ele:
«Estas euatro cousas son naturales al senorio dei Rey, que non las deve dar a
ningund ome, nin las partes de si, ca pertenescen a ele por razón de senorio
natural, Justicia, Móneda, Fonsadera, e suos yantares.»85
Esta ideia, tão pouco conforme com as concepções feudais, já era cor
rente nos meios eclesiásticos imbuídos do direito romano. Inspira as ex
pressões de algumas bulas papais. Assim, por exemplo, uma de Inocên-
cio III de 1216, onde se fala claramente dos iura regalia e da iurisdictio
regia como de poderes e jurisdição postos em causa pelas reivindicações se
nhoriais das irmãs do rei Afonso II, mas que os procuradores do rei consi
deravam inalienáveis (BPIn. III, n.° 214). Mas logo a seguir, em 1217,
Honório III menciona também os costumes hispânicos que vigoram em
matéria de doações régias a nobres (M HV II, doc. 17). Aquela bula trans
mite, sem dúvida, as alegações dos procuradores de Afonso II, e esta, as
dos procuradores das infantas. Pouco tempo depois, em 1223, nos acordos
de Sancho II com as suas tias, apesar de tão desfavoráveis ao rei, é tam
bém, decerto, por influência de conceitos vigentes na cúria romana e na
corte afonsina que o rei confirma os forais dados por elas, como se isso
fosse necessário para terem validade, se afirma que os dependentes das in
fantas estão sujeitos à obrigação de participar no exército do rei e se men
cionam direitos régios inalienáveis.
Verifica-se, assim, que a ideia de haver direitos «naturais» e inalienáveis
do rei em Portugal aparece precocemente. Faz depois o seu caminho por
que, em 1236, ao dar à Ordem de Santiago o castelo de Sesimbra, San
cho II exclui «o direito que nos outros nossos castelos d’Alentejo aos reis
83 Ver, sobretudo, ibid.9 p. 264: «Reges et principes non debent episcopis imperare sed inclina-
bunt caput etus... nec eos sibi submittere quoniam eos manet “obsequendi necessitas non auctori-
tas imperandi” nissi forte episcopus a rege feudum teneret.»
84 T. de Sousa Soares, in Gama Barros, I, pp. 384-385.
85 Fuero Viejo, I, 1.1 cit. por L. G. de Valdeavellano, 1970, p. 445.
78
fica resguardado»86. Em 1242, fazendo doação análoga de Idanha e Salva-
terra aos Templários exclui os iura regalia de moeda, colheita, exército e
anúduva87. Deve notar-se neste último documento a mão do chanceler
mestre Vicente que, como bispo da Guarda, era senhor de Idanha.
Convém, todavia, mostrar que nenhuma daquelas «regalias» exclui as
ambiguidades a respeito do direito senhorial. Com efeito, todas elas foram
também concedidas a senhores, até a de cunhar moeda, que Afonso Henri
ques atribuiu ao arcebispo de Braga em 1128 (D R 87), mesmo que ele
nunca a tivesse exercido de facto. Assim, a fossadeira era cobrada por se
nhorios particulares88890, e o «jantar» ou hospedagem era um direito tipica
mente senhorial. Quanto à justiça, uma vez que os senhores eram também
responsáveis por ela nos seus domínios, deve aqui entender-se a justiça su
prema, ou a manutenção da paz, no sentido em que falámos anteriormen-
te. É possível também que a recomendação de o rei não alienar a «fossadei
ra» se justifique pela ideia de que lhe pertence, de facto, este tributo de
origem pública. O diploma de 1242, acima citado, apoia esta interpre
tação.
Em Portugal parece terem sido, efectivamente, os direitos de cunhar
moeda, de administrar a justiça suprema e também de comandar o exérci
to, as atribuições próprias do rei, ainda antes da época de Afonso III.
E mais obscura a origem da noção de que o rei tinha uma jurisdição espe
cial sobre as terras ermas, coisas abandonadas, minas, águas e caminhos,
que não é mencionada no Fuero ViejoS9. Penso que deriva do princípio
muito antigo, e talvez já deturpado, de que a autoridade régia se exercia de
maneira especial sobre os homens livres e se exprimia, neste caso, por pres
tações públicas ou de origem fiscal. Seria isso, justamente, o que permitiu
aos soberanos do século xm considerarem-se os senhores de todas as terras
que os não tivessem. Mas a aplicação deste direito às matas, caminhos e
minas só se tornou sistemática na época de D. Dinis.
Através destes múltiplos caminhos se foi precisando a enumeração dos
regalia e a definição da autoridade régia como um poder específico. Assim,
em 1245, quando o conde de Bolonha jura, em Paris, aplicar a justiça para
fazer reinar a paz no reino, incluindo nesta ideia a de defender a Igreja, de
respeitar os costumes dos concelhos, dos cavaleiros e do clero, de ouvir os
conselhos daqueles prelados que ele pudesse consultar segundo as necessi
dades do tempo e do lugar, integra-se perfeitamente na noção de missão
régia do século anterior. Cede, pois, a todas essas exigências, mas declara
expressamente que salvaguarda o iure meo et regni portugalensis9®.
Cinco anos depois, tornado rei e tendo de responder às reclamações
apresentadas pelos bispos nas cortes de Guimarães, volta a fazer a mesma
ressalva:
«ad quos, saluo iure regie m aiestatis nostre corone regrti nostri... in presencia nos-
tra et baronum nostrórum decrevimos proponendum» (Leg., p. 185).
79
Em 1254 e nos seguintes, a partir do de Beja, Afonso III declara também
nos forais: «retentis in ea mihi meis regalenguis» (Leg., p. 640), sistemati
zando aquilo que afirmara seu irmão, ou os juristas da cúria por ele, em
1236 e 1244.
Em lei de 1254 ou 1261, o mesmo rei afirma claramente o poder le
gislativo: «ca tal quero que seja costume de meu reino» (Leg., p. 247).
Noutro diploma sobre a imunidade nos coutos, e os serviços que se têm de
prestar aos respectivos detentores e os direitos de maladia, declara que o
direito senhorial deriva do seu e está sujeito ao seu controlo e vigilância:
«ca outro juiz nom deve conhecer de tal cousa... senom aquel per que foi dado
o couto, ou aquel que em seu logar veer, e esto é em el-rei» (Lei 198, Leg.,
p. 303).
Embora não seja expresso com tanta clareza, pode citar-se também a
este respeito a justificação da lei sobre as «assuadas» resultantes da vingança
privada e dos abusos sobre os mosteiros, que eram praticados sobretudo
por nobres. Aí afirma implicitamente o direito de os julgar, pois tais vio
lências eram:
«muito a meu dano e dos meus filhos d ’algo e dos meus moesteiros e das ordiis
e de todo meu poboo et de todolos outros do meu reino» (Leg., pp. 221-222).
Ora, por essa época, estava em plena actividade a escola jurídica constituí
da por Afonso X, e muitas das ideias do imperador começavam a correr in
sidiosamente nas cúrias régias, apesar da sua deposição por Inocêncio IV
no concílio de Lião, dias antes de ter deposto também Sancho II. Afon
so X não defenderia com menos vigor do que o nosso Afonso II o princí
pio da autonomia do poder civil na sua esfera, e várias vezes se insurgiria,
como Afonso III, contra aquilo que pensava ser a abusiva extensão dos po
deres eclesiásticos92.
Como se sabe, o Fuero Real e as Siete Partidas de Afonso X foram tra
duzidos para português e largamente utilizados entre nós93. Já desde a épo
ca de Afonso III se encontram citações implícitas a textos do Fuero Real\
traduzido entre 1273 e 1282, o que significa que inspirava de facto os ju
ristas da corte94. Ora, a doutrina do Fuero Real acerca do rei e da sua auto
80
ridade única não deixa lugar a qualquer dúvida. Usando a clássica metáfora
do corpo humano, e apelando, ao mesmo tempo, para o paralelismo exis
tente entre a ordem celeste e a terrestre, compara a posição de Cristo como
«cabeça, e começamento dos angios e dos archangeos» com a do rei, como
cabeça da «corte terreal», pois Deus,
«pôs el-rei em seu logo por cabeça e começamento de seu poboo todo assi co
mo posse-si cabeça e começamento dos angios e dos archangeos e deu-lhi po
der de guiar e de mandar seu poboo. E mandou que todo pobuu en úu e cada
uu per si obedeecessem e honrassem e presassem e que guardassem sa fama boa
e sa honra como seus coorpos mesmos».
A p o lít ic a d e D . D in is
81
dias posesse el en’outrim a justiça, per que el é rei, e per que há o maior estado
cThonra que é, ca pela justiça assinaladamente é o rei temudo e honrado na sa
terra»97.
C o n clu sã o
82
priar-se de certos bens (os regalia), mostrou-se o senhor da moeda e das
terras sem dono, montou um tribunal régio bem organizado e que chegava
a todo o lado, apresentou-se como a origem e o responsável pelo bom de
sempenho da justiça senhorial, afirmou e praticou largamente o poder le
gislativo. Já não era um primus inter pares, era um verdadeiro monarca,
«imperador no seu reino»100. D. Dinis podia, pois, tirar todas as conse
quências da prática exercida pelo seu pai, elevar o princípio da supremacia
régia às suas consequências. Em grande parte com mais sucesso do que o
seu (provável) modelo Afonso X, mas não sem revoltas e contestações, que
lhe amarguraram o fim da vida.
2 3 . Governo central
Uma das características das monarquias feudais é a assimilação da cúria ré
gia ao conselho dos vassalos que lhe prestam homenagem e dos barões que
acompanham o chefe e constituem a sua comitiva. A privatização do poder
não permite ao senhor governar arbitrariamente. Tem de o fazer com o
acordo e a colaboração dos seus homens, daqueles a quem ele deve, em
boa parte, a sua posição. Eles, por sua vez, devem ao senhor, como obriga
ção decorrente do contrato feudal, a participação nos seus conselhos e não
apenas o auxílio militar.
Apesar de todas as diferenças que separam o rei dos senhores, este mo
delo de organização do governo feudal foi normalmente o adoptado nas
cúrias régias até ao fim do século xn, com a diferença de que desde cedo se
desenvolveu na comitiva régia o grupo dos clérigos, com funções simulta
neamente religiosas e técnicas, em colaboração com o chanceler. É deste
grupo em crescimento constante que brotam os funcionários, cujo perfil
técnico e burocrático se vai acentuando e que vão invadindo outras esferas
dos órgãos do governo. Ocupam-se de funções judiciais, pela escrita con
trolam as funções fiscais e pela competência técnico-jurídica tornam-se os
indispensáveis conselheiros do rei. A componente feudal do palácio régio,
no entanto, não desaparece facilmente. Durante algum tempo, os dignitá
rios encarregados das funções domésticas (mordomo) e guerreiras (alferes)
colaboram nas responsabilidades governativas respectivamente no plano
administrativo e no plano militar. Mas a importância crescente dos cargos
técnicos tende a reduzir as suas atribuições, conferindo-lhes um carácter
honorífico, ao mesmo tempo que se multiplicam os cargos menores, tam
bém de carácter doméstico, mas cujas atribuições e especialização acentua
ram o prestígio da corte, conferindo-lhe dimensões e complexidade que
não podiam ser facilmente imitadas pelos senhores101.
Este breve panorama da evolução dos órgãos do governo central deve
aproximar-se, como têm feito, de resto, todos os nossos historiadores do
direito, da evolução das assembleias ditas representativas que são as cortes,
e que de facto vão ganhando em importância, pelo alcance político das
suas decisões, a partir de meados do século xm.
100 Sobre esta fórmula, ver a obra de F. Calasso cit. por L. Genicot, 1968, p. 144.
101 Sobre o carácter «doméstico» dos cargos da cúria régia e a sua lenta transformação em fun
ções «públicas», ver Leontina Ventura, 1992, I, pp. 126-143.
83
Assim se processa a formação dos órgãos do governo central que cons
tituem expressão concreta, embora ainda rudimentar, do Estado.
A CÚRIA FEUDAL
A aproximação da primitiva cúria régia portuguesa das comitivas feudais
seria chocante para a nossa historiografia tradicional, mas creio ser indis
pensável para não atribuir ao conjunto dos órgãos políticos medievais por
tugueses características que só se encontram no fim do século xm . De fac
to, a dominante inicial da monarquia parece-me ser mais correctamente
caracterizada pelo modelo feudal do que insistindo em ver nela a expressão
precoce de um modelo de tipo estatal, que de facto viria a revestir, mas só
muito mais tarde, quando se observa a mesma tendência também noutros
países europeus102.
O ALFERES E O MORDOMO
O carácter feudal começa na designação de «cúria» e na singularização dos
três cargos de mordomo, signifer e chanceler, pois correspondem a igual es
quema nos países de além-Pirenéus. De lá vêm concretamente os próprios
termos de «cúria» e de «mordomo»103. A diferença peninsular reside no
cargo do chefe militar, cuja fimção estava, na Península, como os termos
signifer ou vexilifer indicam, ligada à posição de portador das insígnias ré
gias, e não à chefia da cavalaria, como nos países francos. A relação com o
combate a cavalo sugerida pela palavra «alferes» (cavaleiro) vem-lhe do
mundo árabe. De resto, este termo não é tão frequentemente empregue
nos documentos solenes da cúria, como a mais tradicional de signifer.
O que importa, porém, é que o mordomo-mor, mesmo sendo um car
go de grande importância desde o princípio da monarquia, não parece ter
propriamente funções administrativas fora da cúria e dos domínios régios.
A sua competência parece, até, ligada, na época de Afonso III, à vigilância
da prestação de contas pelos almoxarifes e à superintendência da concessão
de forais rurais dos domínios régios. É nestes expressamente nomeado co
mo se fosse ele quem preside ao trabalho dos cobradores de rendas e dos
mordomos menores nas terras da Coroa104. É possível, no entanto, mas
por circunstâncias especiais, que em várias ocasiões os mordomos-mores
desempenhassem funções de quase primeiro-ministro, como sugere até o
próprio facto de o cargo ser vitalício, salvo em casos excepcionais105. As
sim, por exemplo, Ermígio Moniz aparece em 1132 como «sub potestate
eiusdem (infantis) totius Portugalensis provinde prefecto»106. Pêro Anes da
102 Ver uma confirmação do que aqui dizemos em Leontina Ventura, 1992, I, pp. 43-48,
55-73.
103 L. G. Valdeavellano, 1970, pp. 452-453.
104 Ver a maioria dos forais de 1255-1258 atribuídos às pequenas povoações de Trás-os-
-Montes e da Beira Alta.
105 Rui de Azevedo, 1958, pp. c xv ii -c x v iii .
106 BF 7; c£: «regis nostri eiusque dapiferi, qui omnibus sequenti gradu preerat Ermigii, cuius
anima requiescat in pace, maximi et prudentis uiri et nostri domini regis supra omnes consilia-
rii...», Vita Tellonis, in SS, p. 65a.
84
Nóvoa é considerado a sombra negra de Afonso II pelo papa Honó-
rio III107, e aquele a quem o mesmo papa se dirige especialmente, embora
mencione também outros conselheiros do rei em 1224108. Mas já nesse
mesmo reinado o mordomo-mor passa a lugar secundário. Começa a ser
citado depois do alferes-mor na lista de subscrições dos documentos solenes.
Durante o reinado de Sancho II surge temporariamente acima do alfe
res, decerto em virtude das perturbações que então se deram. Assim, Mar-
tim Anes, que até 1229 subscrevia os diplomas régios a seguir ao mordo
mo, passa, excepcionalmente, já num diploma desse ano, a assinar antes
dele; e depois, desde 1255, sempre em primeiro lugar, desaparecendo a fi
gura do mordomo até ao fim do reinado109. A precedência do alferes, ape
sar de ser um cargo não vitalício e desempenhado por pessoa da confiança
pessoal do rei como, por exemplo, os seus próprios irmãos bastardos, expli
ca-se justamente por estar ligado à sua pessoa, como indica a própria ex
pressão signifer regis, em contraste com a habitual de maiordomus curiae.
A regra mantém-se sem excepção no reinado de Afonso III110. Nesta altura
o mordomo não é apenas o chefe da cúria. Desempenha também, como
dissemos, o cargo de superintendente na administração das terras da Co
roa. Está presente com o chanceler na prestação de contas dos almoxarifes
e dos ovençais da casa real111. E possível, no entanto, que a efectividade da
função pertencesse normalmente ao vice-mordomo, que entre 1249 e 1273
aparece nos documentos régios112. Esta duplicação deve corresponder ao
novo aumento de prestígio do mordomo com a nomeação de D. João de
Aboim, e ao mesmo tempo à intervenção dos almoxarifes na administração
das terras da Coroa. A tradição de o mordomo não exercer directamente
algumas das suas funções administrativas, mas por delegação num auxiliar,
era, de resto, muito antiga. Esse auxiliar para os assuntos domésticos da ca
sa real chamava-se, desde 1133, dapifer; speculator, dispensator, subdapifer,
procurator regie domus, ou spensator cibarie regis, mas a sua designação passa
a fixar-se no primeiro destes termos desde 1172113.
Entretanto, tendo o infante D. Sancho começado em 1169 a exercer
funções régias juntamente com Afonso Henriques, passou a haver dois
mordomos, um de cada monarca. Mas em 1172 os seus cargos voltaram a
unir-se, passando a função a ser exercida na titularidade por um rico-
-homem, como o mais alto grau hierárquico da corte, e as funções práticas,
como dissemos, pelo dapifer ou vedor. Ao passo que o primeiro estava liga
do à cúria (maiordomus curiae), o segundo estava ligado ao rei e à sua casa
{dapifer regis)114. Esta situação mantém-se durante todo o reinado de San
cho I com as mesmas dominantes e poucas oscilações.
85
Durante o reinado de Afonso II desaparece o oficial subalterno do
mordomo. Numa lei de 1222 o rei ordena ao alferes, ao mordomo e ao
chanceler que, quando se ausentarem da corte, o informem de quem dei
xam em seu lugar; caso contrário, ele próprio nomearia substitutos até re
gressarem. Depreende-se daqui que não tinham subalternos permanentes.
Por outro lado, mencionando a mesma lei quatro livros «de recabedo», três
dos quais estavam a cargo dos referidos oficiais, pode deduzir-se que todos
eles tinham rendimentos e encargos de que eram responsáveis (Leg.,
p. 179)115.
115 Aos dados aqui apresentados acrescentem-se os recolhidos por Leontina Ventura, 1992, I,
pp. 48-51, 77-88, onde se fazem algumas precisões de pormenor.
86
guns deles: o reposteiro-mor, o escanção, o barbeiro, o cevadeiro, o falcoei-
r o e o uchao116.
De qualquer maneira, com Afonso II multiplicam-se os oficiais inferio
res. Alguns deles começam a confirmar documentos da cúria como, por
exemplo, o cevadeiro, o saquiteiro, o uchao e o escanção em 1218 (ML
IV, f. 111), o reposteiro em 1217 e 1219 (M L IV, f. 96; VM H, n.° 191),
o falcoeiro em 1219 (VMH, n.° 192).
Como era de esperar, estes cargos mantiveram-se durante o reinado de
Sancho II, apesar da provável desorganização da corte. Entre os confirman-
tes dos documentos régios aparecem o saquiteiro (Leg., pp. 610-612), o
uchão, o escanção (Leg., pp. 612, 616; Herculano II, 628), o copeiro, no
me mais corrente do escanção (Herculano, ib id ), o reposteiro (Leg.,
p. 604)117.
R em o d ela çõ es de A fo n so III
Estes cargos sofreram uma remodelação em 1258, como se sabe pelo regi
mento da casa real da mesma data, pelo qual o rei
«mandou temperar sa casa e toda sa companha... a D. Gil Martins moordomo
da corte e a Estev5 Eanes chanceler e a D. Joam d Avoim e a D. Egas Lourenço
e a Rui Perez subrejuiz, com outros do conselho d’el rei» (Leg., p. 198).
O seu objectivo foi, em grande parte, evitar despesas excessivas e con
sistiu provavelmente em reduzir o número de ovençais. Os mencionados
expressamente são dois escudeiros que levavam as armas e o pendão d’el-
-rei, vários cavaleiros que eram armados por ele, oficiais para a estrebaria, a
repostaria, a cozinha, a copa, a capela, e o pessoal para a caça, composto
nesta ocasião por um monteiro e quatro falcoeiros (Leg., pp. 198-199).
Três anos depois, este último grupo recebe o reforço de mais um monteiro
e três açoreiros (Leg., pp. 199-200). Entre os serviçais mencionam-se tam
bém lavadeiras, regueifeiras, azeméis, cavalariços, três jograis e um alfaiate.
Todo este pessoal estava sob as ordens do mordomo e ao chanceler (Leg.,
pp. 198-199). Efectivamente, ainda hoje se encontra um recibo de uma
enorme quantidade de vitualhas para a corte, entregues pelos almoxarifes e
homens do rei, como produto de serviços e de colheitas, aos dois uchãos
da corte, entre 1257 e 1270, e cuja recepção eles atestam por intermédio
do cavaleiro Vasco Afonso, perante o mordomo-mor, o chanceler, três clé
rigos do rei e o seu notário118. Afonso III era um homem que gostava de
contas certas e que vigiava cuidadosamente os gastos, como demonstram
vários documentos do seu reinado.
D. D in is
A sobriedade imposta pelo Bolonhês deve ter dado lugar a maiores largue
zas durante o reinado de seu filho. Num documento de 1321, encontra
mos o uchão e escanção-mor (diferente de copeiro), o confessor e capelão-
87
-mor, um físico, três indivíduos cuja função não se indica, um serviçal ou
encarregado da cozinha, dois escrivães do rei, dois tabeliães gerais do reino,
quatro cavaleiros, nove escudeiros, dois açoreiros, dois falcoeiros, o arabi-
-mor e seu irmão, o copeiro, o saquiteiro, o fruteiro, o camareiro, dois al
gozes, três cozinheiros, dois arinteiros (encarregados da baixela), dois por
teiros e um tabelião do rei119.
O s CLÉRIGOS DA CÚRIA
A menção de alguns destes ofícios mostra que a casa real incluía no âmbito
dos oficiais domésticos os escrivães e os tabeliães, e o capelão ou confessor.
Este último é um ofício muito antigo, pois aparece já no princípio do sé
culo xii, ainda antes de Afonso Henriques tomar o título de rei (D R 110,
139, etc.). Tornar-se-ia um cargo importante quando o confessor surge co
mo conselheiro pessoal. Assim, por exemplo, em 1254 o capelão D. M a
teus figura entre os mais importantes conselheiros do rei, juntamente com
outros clérigos que deviam constituir o corpo de juristas que consultava
(ML IV, escr. 31). O ofício de capelão foi muitas vezes desempenhado por
franciscanos e dominicanos desde o tempo de Afonso III. Havia também o
ofício de esmoler, que não se limitava, como seria de esperar, a distribuir
esmolas, mas se encarregava de recolher metais preciosos e mesmo ferro e
cobre, guardados no tesouro do rei, talvez para mandar fundir120.
Mas o grupo dos «clérigos» da corte era fundamentalmente constituído
por juristas ligados à chancelaria, ao tribunal régio e mesmo ao controlo
dos almoxarifes que agora temos de examinar121.
O CHANCELER
Tem-se pensado, e é provavelmente verdade, que os chanceleres da primei
ra dinastia são como que a sua permanente éminence grise. A verosimilhan
ça da hipótese torna-se cada vez maior à medida que se aprofunda a inves
tigação nesta área. Deixando de lado os primeiros notários da cúria, Pedro
Roxo (1128-1140), Mendo Feijão (1112-1133), e outro Pedro (1135-
-1141), todos eles clérigos da Sé de Braga, encontramos o cargo desempe
nhado desde 1142 por um indivíduo provavelmente formado em Direito,
mestre Alberto (1142-1169). Devia ser oriundo de Coimbra, e talvez cóne
go regrante do mosteiro de Santa Cruz. Redigiu alguns dos mais impor
tantes diplomas do nosso primeiro rei e participou nas decisões da cúria
que conduziram à conquista de Santarém e Lisboa, a todas as campanhas
de Afonso Henriques até ao desastre de Badajoz, e ainda nas principais
acções diplomáticas junto do rei de Leão e Castela e da Santa Sé. O seu
mandato coincide, de facto, com o período mais activo e empreendedor
do reinado afonsino. Colaborou com ele outro chanceler de segunda ca
tegoria, Paio (1147-1153), e sucedeu-lhe Pedro Feijão (1169-1181), pro
119 A. Pimenta, 1937, pp. 71 e segs. = C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 37.
120 P. de Azevedo, 1913b, pp. 240-241, doc. de 1261.
121 Marcelo Caetano, 1934, pp. 31-32. Sobre as funções burocráticas na corte régia, ver A. L.
Carvalho Homem, 1990, pp. 209-211.
88
vavelmente parente do já citado Mendo Feijão, o qual era cónego secular
da Sé de Braga e da colegiada de Guimarães. Devia ter sido proposto pelo
arcebispo D. João Peculiar122.
Sucedeu-lhe o célebre mestre Julião Pais (1183-1215), que permanece
na chancelaria durante o final do reinado de Afonso Henriques e todo o
reinado de Sancho I e o princípio do de Afonso II123.
Era um homem criado na corte e formou-se, talvez, em Bolonha, onde
aprendeu o direito justinianeu, como se depreende das leis de Coimbra
de 1211, cuja redacção decerto lhe pertence. Casado e com filhos, dispondo
de considerável fortuna composta, entre outros bens, por doações régias de
todos os soberanos a quem serviu, deve ter inspirado os actos mais decisi
vos de Sancho I e, muito provavelmente, interveio na formação pessoal de
Afonso II, como sugerimos antes. De outro modo não se compreende on
de se teria ele inspirado para a sua ousada e inovadora política, tão firme-
menté orientada para o efectivo exercício dos poderes monárquicos.
Segundo uma investigação inédita de L. Ribeiro Soares124, mestre Ju
lião teria sido filho de Paio Delgado, um dos cavaleiros que estiveram na
conquista de Lisboa, e que foi fundador da linhagem dos Albergarias125.
Pertenceu a uma família onde era frequente a profissão clerical e o desem
penho de altos cargos da hierarquia eclesiástica. Assim, seu irmão Pero Pais
teria sido pai do chantre de Lisboa, Fernando Peres, que, de facto, era so
brinho do chanceler, trabalhou com ele na cúria e se fez dominicano de
pois de ter fundado o mosteiro cisterciense de São Paulo de Almaziva126.
Outro irmão, Martinho, foi o fundador da linhagem dos Rebolos, entre os
quais se encontram dois cónegos, de Lisboa e de Évora. O próprio Julião
Pais foi pai de um deão da Sé de Coimbra também chamado Julião, de
mestre Gil, cónego e tesoureiro da Sé de Viseu ou de Coimbra, e, ainda,
na hipótese de Ribeiro Soares, do célebre Pedro Julião, ou Pedro Hispano,
que veio a ser papa com o nome de João XXI. Este último parentesco pa
receu, porém, pouco provável a José Antunes127.
A confirmarem-se estas ligações, explicar-se-iam alguns acontecimentos
do reinado de Afonso II, a começar pelo próprio facto de o papa Inocên-
cio III, apesar das pressões a que foi sujeito, ter acabado por lhe dar razão
na controvérsia com suas irmãs128. Para a organização da corte, teve a
maior importância o facto de mestre Julião haver reunido uma plêiade de
juristas, entre os quais se conta mestre Vicente que, depois de ser professor
em Bolonha, veio a desempenhar o cargo de chanceler. Os nomes destes
juristas aparecem em documentos régios de 1218. Eram o cardeal Gil;
mestre Paio, chantre do Porto; Silvestre Godinho, futuro arcebispo de Bra
89
ga e grande canonista; Fernando Peres, o já citado sobrinho de mestre Ju-
lião; mestre Lanfranco; Miguel, mestre-escola de Braga; mestre Domingos,
também de Braga; Joáo Peres, arcediago de Toledo; mestre Mendo, chan
tre de Lamego; mestre João Raolis, de Lisboa. O grupo de clérigos do rei
inclui também, por esta altura, vários médicos, igualmente citados nos
mesmos diplomas129. Nem todos são tão importantes. Um grupo de auxi
liares, provavelmente sob a ordem de mestre Paio, chantre do Porto, con
firma constantemente os documentos régios a seguir aos nobres, que evi
dentemente apoiavam a firme política do rei.
Formou-se assim uma tradição que as contradições da época de San-
cho II não conseguiram destruir. E embora não se possa definir com tanta
precisão a figura dos chanceleres seguintes, excepto a de mestre Vicente, é
provável que fossem também personalidades de relevo. Quero-me referir
a Gonçalo Mendes (1215-1228), que sucedeu a Julião Pais, depois de o ter
auxiliado na cúria régia desde 12Õ2130, e que teve de suportar a oposição
da nobreza senhorial durante o reinado de Afonso II131 e as agitadas con
tradições políticas do começo do de Sancho II. Apesar da influência senho
rial, conseguiu que lhe sucedesse um homem da linha de mestre Julião, o
já citado mestre de Bolonha, Vicente (1224-1236?), que sustentou a conti
nuidade dos serviços de chancelaria durante o difícil período que o país
atravessou por esses anos132. É mais obscura a personalidade de Durando
Froiás (1236?-1248), o fiel chanceler de Sancho II que o acompanhou no
exílio.
N o reinado de Afonso III, a orientação pessoal que o rei imprimiu à
política não impediu que também surgisse com grande relevo o seu chan
celer Estêvão Anes (1245-1279) que ele manteve no cargo durante todo o
seu reinado e que, com as suas prováveis qualidades de bom gestor, deve
ter colaborado na política monetária do rei. Estas qualidades não agrada
vam muito na cúria, onde tinha fama de avarento e mesquinho133. Sob
D. Dinis, os chanceleres sucedem-se mais rapidamente, constituindo o seu
cargo boa recomendação para o episcopado. Assim, Pedro Martins (1279-
-1281), Domingos Anes Jardo (1281-1287), cujo interesse pelos estudos
clericais é bem conhecido, e Estêvão Anes Brochado (1296-1318) torna-
ram-se respectivamente bispos de Coimbra, Évora e Lisboa. Outros, como
João Pires de Alprão (1288-1295) e Francisco Domingues (1318-1325),
foram figuras apagadas. De facto, o novo cargo de escrivão da câmara> de
sempenhado durante anos por Estêvão da Guarda, diminuiu a importância
do chanceler134.
90
O TRIBUNAL RÉGIO
Os clérigos da cúria, sobretudo os peritos em direito, colaboraram também
activamente na organização do tribunal régio. Este foi-se desenvolvendo se
gundo duas linhas principais: a jurisdição nos pleitos relativos à nobreza ou
a questões entre nobres e eclesiásticos, e como tribunal competente para
punir os oficiais e outros delegados régios que não cumpriam devidamente
as suas funções. E provável que fosse ainda uma instância de apelo para re
correr de sentenças dadas pelos juízes locais, nos julgados e concelhos; mas
esta competência talvez fosse mais teórica do que efectiva, excepto quando
a corte chegava a um lugar e lhe apresentavam casos controversos. Por fim,
a instituição de meirinhos, juízes de fora e corregedores permitiu generali
zar esta última função135.
Não se conhecem senão casos raros destas actividades, até Afonso II136.
De facto, as leis de 1211 prevêem a sua intervenção em muitas infracções
cujas penas se indicam. A presença dos juristas e dos clérigos na corte permi
te supor a sua plena actividade, provavelmente sob o controlo directo do
rei. Tornou-se, porém, mais independente no fim do reinado de Afonso II,
como se depreende de surgir então nos documentos, desde 1222, um so-
brejuiz do reino (ou do rei). Mas já antes, em 1205 e 1215, se mencionam
«sobrejuízes do rei» para julgar casos levados ao tribunal régio; são prova
velmente nomeados ad hoc e em número variável, conforme os pleitos137.
Quando o cargo se estabiliza e torna permanente, o seu titular encarrega-se
de instruir e preparar os julgamentos submetidos ao rei e de aconselhar a
sentença138, se é que, por vezes, não a dava ele próprio por delegação do
rei. A competência da cúria régia como tribunal de apelo é expressamente
prevista nesta época, no foral de Idanha de 1229 (Leg. 615), especialmente
significativo por ter sido dado simultaneamente pelo rei e pelo bispo, que
era mestre Vicente. O cargo de sobrejuiz veio depois a desdobrar-se, pois
aparecem dois sobrejuízes desde os primeiros anos do reinado de Afonso
III (Leg. 638, de 1253). Vinte anos mais tarde, o número de casos subme
tidos ao rei era já suficiente para se nomear um terceiro sobrejuiz (Leg.,
pp. 729, 730, 731) ou, melhor, provavelmente, como aparece especificado
num foral de 1277, um vice-sobrejuiz (Leg., p. 736).
O funcionamento do tribunal régio no tempo de Afonso III foi por ele
organizado de maneira minuciosa, pois existe uma abundante legislação so
bre direito processual que, pelo seu teor, se vê ser emanado da cúria régia e
destinar-se a ela, mas deve ter servido de modelo para todo o reino139.
Nessa altura o tribunal é de facto autónomo, isto é, dá ele próprio as sen
tenças, mas pode recorrer-se para a pessoa do rei. Chama-se a este apelo
135 O complicado problema do tribunal régio como instância de recurso é tratado por Marcelo
Caetano, 1981, pp. 400-410.
136 Um dos mais interessantes é o pleito entre Santa Cruz e o bispo de Coimbra, julgado por
Sancho I, em que o rei acaba por se enfurecer contra o formalismo jurídico: BPIn. III, n.° 87,
pp. 178-179.
137 Leontina Ventura, 1992, I, pp. 62-65, para esta informação e as questões seguintes.
138 Marcelo Caetano, 1954, p. 31; id., 1985, p. 309.
139 E a maioria das leis sem data publicada nas Legs., pp. 255-280, e ainda de algumas das leis
de datas duvidosas.
91
«recurso de suplicação» ou «agravo». Esta prática deve ter dado origem ao
aparecimento do cargo dos «ouvidores da suplicação», novo nome dado a
um dos sobrejuízes que, no princípio do século xiv, confirmavam as sen
tenças dos «ouvidores da corte». Em 1282 temos notícia de os sobrejuízes
serem quatro. Mas da especialização de cada um deles só há notícia desde
Afonso IV140. Nesta altura já as complicações resultantes do formalismo
processual eram tantas e tão bem conhecidas dos que recorriam ao tribunal
régio, que foi necessário D. Dinis promulgar algumas leis tendentes a evi
tar os abusos daí decorrentes141.
De facto, existe um documento de Pedroso em que o procurador do
mosteiro descreve os passos que teve de dar até conseguir uma sentença, na
qual os monges estavam vivamente interessados. Tendo o abade do mostei
ro sido citado pelo juiz da Feira para o tribunal régio no prazo de vinte e
sete dias, em virtude de uma inquirição sobre algumas das suas proprieda
des, o seu procurador compareceu perante o sobrejuiz do rei em Coimbra.
Aí esteve durante quinze dias sem conseguir sentença favorável, pois era
necessário consultar o registo dos reguengos da Feira. Adiado o pleito por
mais nove dias, a sentença não foi ainda dada nos quinze seguintes. O pro
curador foi então citado para Gaia, para quando o rei aí passasse. Lá esteve
o pobre monge mais quinze dias sem nada conseguir até que o sobrejuiz o
convocou para Coimbra nos oito dias seguintes. De novo nesta cidade,
passaram-se outros quinze dias. Nem assim o ouviram ou absolveram, ape
sar das suas constantes alegações. Sem nada conseguir, teve de ir procurar a
corte a Soure, onde de novo se adiou a sentença, então remetida para o tri
bunal régio em Pombal e daí ainda para Leiria. O caso não acabou aqui,
nem sabemos como terminou, pois o documento está incompleto; mas é
possível que os monges acabassem por obter sentença favorável, pois de
contrário não guardariam o documento que relata o processo142. Por este
relato se pode imaginar que só em caso de grande necessidade se apelava
para a justiça régia, e que o recurso das sentenças locais só fosse feito por
indivíduos ou instituições poderosas, capazes de recorrer a especialistas que
não se perdessem nos meandros e formalismos da justiça. Sendo assim, os
tribunais locais deviam ter continuado a funcionar normalmente, e só por
força do controlo ou da intervenção dos meirinhos, dos juízes de fora e
dos corregedores não levariam os casos até ao fim143.
Das sentenças sobre casos respeitantes à nobreza ficaram muito menos
testemunhos, e estes geralmente bastante vagos, excepto, que eu saiba,
num caso de vindicta privada relatado pelo Livro das Linhagens e que me
rece a pena recordar.
João Pires de Vasconcelos, o Tenreiro, tinha de vingar o assassinato de
92
seu parente Gil Martins da Ribeira por Aires Eanes de Freitas. Este último
foi realmente morto por ele com ajuda de Pêro Alvelo. Um irmão de Aires
Eanes, com outros fidalgos seus parentes, citaram então os dois assassinos
para um repto diante do rei Sancho II, mas só Pêro Alvelo compareceu.
O Tenreiro, convocado por três vezes, não se dignou responder. Então, o rei,
«havendo seu concelho com peça de bõos e de cavaleiros filhos d’algo que eram
com ele, houve a dar sentença, pesando-lhe muito, e a sentença foi esta: que aa
revelia do dito Joham Pirez de Vasconcelos, porque nom veera aos tempos que
lhe forom assiinados, como manda o dereito e custume dos reis, que o dava
por feitor, assi como o devia a seer PedfEanes Alvelo, e que a pena que o dito
Pedr’Eanes devia haver que se tornasse a el todo e que o dito Pedr Eanes Alve
lo fosse livre e quite. E entom veo a beijar a mao a el rei PedfEanes e os ou
tros cavaleiros que o acusavam, e disserom que o mantevesse Deus e que julga
ra como mui boo rei e dereito» (LL 36 E9).
As FIN A N Ç A S RÉGIAS
144 Leis 5, 6 e 13 de Afonso II: Leg., pp. 166, 167 e 171; Leis de Afonso III: Leg., pp. 190,
221-223, 224-226, 266, 273; Leis de D. Dinis; LLP, pp. 80-81, 190-191, 207-208. Cf. FR 4, 17,
20, pp. 156, 185-189, 196-197; cf. Marcelo Caetano, 1981, pp. 248-251, 367-371.
145 J. P. Ribeiro, 1813, doc. 31, de 1279.
146 Ibid., doc. 29.
93
do assim, verifica-se que o cargo que mais se aproxima do controlo fi
nanceiro é o do reposteiro-mor, apesar de este na sua origem ser um
simples encarregado das alfaias e do vestuário. Parece estar normalmente
em Coimbra e vigiar entradas e saídas de dinheiro juntamente com o al
moxarife da cidade.
Estes documentos, no entanto, dizem respeito apenas a ingressos em
dinheiro, que parecem provir sobretudo dos rendimentos da moeda e das
entregas feitas pelos moedeiros, sacadores da moeda e porteiros-mores. C o
mo este último cargo está ligado à execução da justiça e à recepção dos ca
sos judiciais, pode depreender-se que ele estivesse encarregado de recolher
o produto do rendimento dos tribunais régios147.
Conclui-se destas informações que os rendimentos da Coroa eram
guardados normalmente pelos almoxarifes e outros recebedores, quando
não eram entregues para os gastos, sobretudo os géneros. O que não era
consumido e os rendimentos de outra natureza, sobretudo os da justiça ré
gia e os lucros dos moedeiros, eram recolhidos por estes e pelo porteiro e
levados ao tesouro, onde o reposteiro-mor tomava conta deles com a ajuda
do almoxarife de Coimbra. Aquele dinheiro de que o rei necessitava era le
vantado pelo clérigo guardador dos dinheiros do rei. A intervenção do co
peiro devia-se provavelmente à especial confiança que o rei nele depositava,
e não, decerto, à inerência do cargo.
As contas da casa de D. Dinis de 1278-1282, embora se destinem
principalmente a registar a recepção da baixela, de panos e de outros bens
preciosos, assim como despesas com tecidos, alfaias e alguns alimentos,
mostram que as entregas de pratas, armas e outros objectos de luxo eram
feitas nas mãos do reposteiro ou do escanção pelo copeiro, o reposteiro ou
escanção anteriores, o guarda do «armazém» (se eram armas), o almoxarife
de Lisboa ou o vice-mordomo. As despesas, porém, estavam a cargo dos al
moxarifes não só de Lisboa, mas também de Guimarães, de Santarém e até
de Faro, o que quer dizer que eles guardavam a maioria das somas recebi
das. Eram por isso encarregados de certas despesas por conta da corte. De
qualquer maneira, o reposteiro-mor aparece aqui de novo como o maior
responsável pelas finanças da casa real. Verificamos, em todo o caso, que
nem todos os meios financeiros da casa real se concentravam nas suas
mãos, uma vez que os almoxarifes das várias cidades do reino não lhe en
tregavam tudo aquilo que recebiam148. Pode imaginar-se a dificuldade de
gerir este sistema pouco coerente.
A C Ú R IA R ÉG IA C O M O C O N SE L H O
94
bros do séquito real, como tribunal e como conselho. Embora não se en
contrem facilmente referências ao seu funcionamento antes de 1211, pode
supor-se que as decisões solenes dos nossos dois primeiros reis tivessem si
do tomadas em assembleias constituídas por vassalos que viviam habitual
mente na corte, pelos ricos-homens governadores das terras, por eles con
vocados, ou que aí estavam de passagem, e pelos prelados das dioceses e
abades dos principais mosteiros e ainda pelos mestres das ordens milita
res149. De facto, encontra-se uma grande quantidade de diplomas de Afon
so Henriques e de Sancho I confirmados por membros de todas estas cate
gorias, o que se deve entender como indício de reuniões ordinárias ou
extraordinárias da cúria. As segundas distinguem-se das primeiras por se
rem expressamente convocadas para deliberar sobre assuntos de maior im
portância. Mesmo quando não se encontram quaisquer documentos ates
tando a confirmação de membros da cúria como, por exemplo, no tratado
de Sancho I com Afonso IX de Leão, em 1194 (DS 74), deve supor-se que
ele não se tivesse decidido sem consultar pelo menos alguns membros da
cúria; o mesmo se deve admitir das decisões acerca das grandes expedições
organizadas tanto por este rei como por seu pai150.
No entanto, a primeira notícia que possuímos acerca de uma reunião
extraordinária e deliberativa da cúria régia encontra-se no breve prólogo à
reunião de Coimbra de 1211, onde se declara que o rei ouviu o conselho
do arcebispo eleito de Braga, de todos os bispos do reino e dos «homens
de religiom», dos seus ricos-homens e dos seus vassalos (Leg., p. 163).
O possessivo que acompanhava a menção das duas últimas categorias reve
la as concepções feudais que nessa altura estão ainda subjacentes ao funcio
namento da cúria. A presença dos prelados é como que um sancionamento
divino da autoridade régia e a garantia de que as deliberações se confor
mam com os preceitos sagrados151.
As CO RTES
95
Neste momento estamos já em presença de uma assembleia verdadeira-
mente política, que ultrapassa as decisões de carácter feudal, predominan
tes até ao fim do reinado de Sancho I. Efectivamente, segundo a opinião
de Marcelo Caetano, as reuniões que antecederam as cortes de 1254, mes
mo as de Coimbra de 1211 e as de Guimarães de 1250, não são propria
mente cortes, apesar de se possuírem as leis da primeira e os capítulos do
clero e uma deliberação sobre a nobreza relativos à segunda (Leg., pp. 185-
-191)152. As cortes só se iniciariam com a participação dos concelhos, que,
segundo o mesmo autor, foram convocados pela primeira vez em 1253. De
facto, numa carta régia deste ano fala-se do «conselho» dos ricos-homens
da cúria, dos conselheiros do rei, dos prelados, dos cavaleiros, dos merca
dores e dos cidadãos e homens-bons dos concelhos do reino (Leg., p. 192).
A assembleia de Leiria de 1254, considerada normalmente a primeira em
que participaram os concelhos, seria, na verdade, uma espécie de prolonga
mento da anterior. O tabelamento dos preços ou lei da almotaçaria resulta
ria da primeira reunião, e a quebra da moeda da segunda153.
Esta opinião parece muito verosímil. Já não me parece o mesmo da sua
ideia de que os concelhos participavam nas cortes «em condições muito di
ferentes dos outros membros do clero e da nobreza, por dever feudal de
aconselhar o suserano»154. Com efeito, sendo os concelhos pessoas colecti-
vas dependentes do rei, e sabendo-se que, pelo menos em Castela, chega
ram a prestar expressa homenagem de fidelidade aos seus senhores155, tere
mos também de englobar a sua convocação nos próprios conceitos feudais.
De facto, como veremos noutro parágrafo156, existem indícios de que tam
bém entre nós se considerasse a dependência dos concelhos para com o rei
sob uma perspectiva feudal. Também não seria tão alheio como isso à
mentalidade feudal a convocação dos representantes dos concelhos no rei
no de Leão por Afonso IX em 1188 e no princípio do século xm . Apesar
de iniciada nesta perspectiva, a intervenção dos vilãos alterou a fisionomia
da cúria régia, e, nesse sentido, pode efectivamente falar-se de mutação es
sencial. De facto, mesmo que os procuradores dos concelhos fossem tam
bém englobados nas obrigações decorrentes da fidelidade vassálica, já con
taminada pelo conceito de «natureza», a tradicional prática de assembleias
deliberativas que traziam dos seus concelhos, cujo carácter era muito dife
rente do das cúrias feudais, levava-os a participar nelas com outro espírito.
As decisões passaram a orientar-se para questões pragmáticas e económicas,
como as da quebra da moeda e do lançamento de contribuições extraordi
nárias, para as quais o rei necessitava do consentimento de todos aqueles
que de alguma maneira participavam no poder.
Por outro lado, é exagerado considerar estas assembleias como represen
tantes dos três «estados» ao reino. Não se encontrava ainda definido o di
reito de os cidadãos intervirem no processo deliberativo e muito menos de
os indivíduos presentes representarem o conjunto do «estado» a que per
tenciam e deliberarem em nome dele, como se esse «estado» fosse uma co-
96
lectividade dotada de alguma consistência ou coerência. Os procuradores
dos concelhos eram os únicos que actuavam em representação de alguma
coisa: não do conjunto do «terceiro estado», mas apenas dos seus respecti-
vos municípios. Nem o próprio facto de os vilãos se porem de acordo para
os «capítulos gerais» (que não sabemos se já existiam nesta época) permite
supor que se considerassem representantes de uma ordem ou classe social.
O que se tratava, na verdade, era de obter o consenso dos diversos senho
res e organismos do reino para que as decisões que a todas as comunidades
diziam respeito pudessem surgir como promotoras da paz e da justiça,
principais deveres do soberano. De contrário, seriam unilaterais e, como
tal, tendentes a subverter uma sociedade que prezava fundamentalmente o
respeito pelos costumes e direitos adquiridos e se insurgia contra as inova
ções. E certamente o propósito fundamental do respeito pelos costumes e
pela justiça, no sentido medieval, aquele que permite também aos partici
pantes, e sobretudo aos representantes dos concelhos e do clero, reclamar
contra os abusos da administração régia. Daí nasceram os «capítulos» das
cortes, geralmente sob a forma de reclamações concretas, com a respectiva
resposta dada pelo rei ou os seus representantes157.
Seguindo a lista organizada por Marcelo Caetano podemos, então,
considerar como cortes, ainda no reinado de Afonso III, além da reunião
de Leiria de 1254, as de Abril de 1261 em Coimbra, e de Dezembro de
1273 em Santarém, uma para tratar da quebra da moeda, a outra das re
clamações do clero e outros assuntos. Durante o de D. Dinis, há notícia
das seguintes: Abril (?) de 1282 em Évora, ainda para tratar de questões re
lativas ao clero; Junho de 1285 em Lisboa, sobre as inquirições gerais; Ju
lho (?) de 1288 em Guimarães sobre o mesmo assunto; 1289, em data e
lugar desconhecidos, de novo sobre os conflitos com o clero; Março de
1291 em Coimbra, para responder a reclamações da nobreza, sendo aí pro
mulgada uma lei sobre as heranças (LLP, p. 72); Junho de 1305 em Lis
boa, donde pelo menos saiu a lei sobre tabeliães e selos dos concelhos
(LLP, p. 203); finalmente a de 1323 (não mencionada por aquele autor)
para tratar das questões levantadas pela guerra civil, e convocada a pedido
do infante158. Todas elas se conhecem mal. Só a partir da época de Afon
so IV se encontram registados com alguma continuidade os capítulos das
cones, através dos quais podemos conhecer melhor o seu funcionamento.
A própria ausência de documentação expressa, no entanto, mostra a inexis
tência de regulamento estável e de delimitação clara de competências. Estas
hesitação e variabilidade não admiram. As cortes constituíam uma impor
tante novidade no panorama político do século xm . Só se tornariam um
recurso corrente da política régia a partir do segundo quartel do século se
guinte159.
157 Estes capítulos surgem já em 1254, como se deduz de comparação dos agravos de Coimbra
e Montemor, de 1250 (que não devem resultar de cortes), e a resposta dada aos de Santarém em
1254; M. Caetano, 1954, does. 2 e 22. T. de S. Soares, no entanto, pensa que aqueles agravos po
diam ter sido apresentados nas cortes de Guimarães: id., 1984. Convém situar as cortes portugue
sas no contexto peninsular. Para isso, ver J. L. Martin, 1988.
158 C. 1419, cap. 42 (ed. Silva Tarouca, pp. 122-123).
159 Sobre a evolução das cortes portuguesas no fim do século xiv e no século xv, ver Armindo
de Sousa, 1990.
97
O C O N SE L H O R É G IO
C o n clu sã o
98
que constitui a contrapartida do poder régio. A meu ver, a participação dos
cidadãos nos actos políticos não resulta propriamente de uma colaboração
activa na edificação da paz e da justiça, que depende sobretudo da preser
vação das tradições e dos costumes, mas justamente da resistência dos súb
ditos às inovações que o príncipe faz para poder manter uma posição única
e garantir a sua supremacia política acima de todos os poderes sociais e
económicos existentes no reino, o que o obriga a criar um organismo bu
rocrático complexo e hierarquizado. As inovações que o levam a buscar o
consenso dos cidadãos convidam-nos a eles a concedê-las condicionalmente
e, assim, a participarem de facto nas deliberações políticas.
99
os responsáveis das comunidades locais; depois tende a estender este tipo
de vigilância sobre os próprios senhorios leigos ou eclesiásticos. A principal
diferença entre o que se passa em Portugal e no resto da Europa consiste
em que a instabilidade e a modéstia das casas senhoriais e a maior depen
dência dos governadores das terras para com o rei permitiram a este esten
der os seus poderes sem grande dificuldade.
O s RICOS-HOMENS E AS «TERRAS»
Comecemos, pois, por ver quais são e como se prolongam os vestígios do
antigo sistema dos governadores de terras, designados, no século xii, «ri
cos-homens» ou «tenentes». Veremos depois como se estendem a todo o
reino os instrumentos de coordenação análogos aos que o rei criou para os
domínios da Coroa.
Efectivamente, quando o conde D. Henrique recebe o Condado Por
tucalense, já este estava dividido em «terras», cada uma das quais tinha à
sua frente um potestas, sénior; dominus terre, princeps ou imperator terre.
E muito improvável, no entanto, que esta divisão cobrisse todo o território
do condado. Efectivamente, e transmitindo apenas impressões gerais resul
tantes de um longo contacto com os documentos, mas que necessitariam
de uma investigação sistemática e minuciosa para se tornarem mais segu
ras, tenho a convicção de que a autoridade dos senhores das «terras» fora
dos seus domínios patrimoniais era bastante vaga; revestia formas de pro-
tecção e defesa análogas às do rei para o conjunto do reino, mas a sua ex
tensão territorial era muito imprecisa. Chegavam até onde não havia ou
tros poderes suficientemente fortes. Assim, os limites das «terras» variavam,
conforme viessem ou não a surgir poderes locais ou regionais. Isto podia
acontecer mais facilmente na periferia das «terras». Provavelmente, pouco
ou nada intervinham nas comunidades das montanhas ou dos burgos, e
mesmo em algumas zonas onde se mantiveram as associações de vizinhos
sob a presidência de um juiz. Também não intervinham nas terras conside
radas domínios patrimoniais dos condes e do seu sucessor, o rei, nem nos
territórios dos bispos e dos mosteiros mais poderosos.
Assim, se em algumas «terras» o rico-homem exercia uma verdadeira
autoridade, tanto mais firme e exigente quanto maiores eram os seus do
mínios pessoais e o número de igrejas que dele dependiam, noutras não
existia praticamente nenhum poder intermédio entre as comunidades lo
cais e o rei163.
Os JULGADOS
Esta situação permite apresentar uma hipótese acerca da natureza e da rela
ção que os «julgados» tinham com as «terras» governadas pelos ricos-
-homens, problema até agora considerado insolúvel pelos nossos medieva-
listas. A interpretação que proponho baseia-se na frequência da menção do
iudex nas sanctiones medievais anteriores ao ano 1100 e na variedade de de
163 Depois de publicadas as edições anteriores desta obra, a matéria aqui esboçada foi objecto
de uma investigação sistemática, para a época de Afonso III e os seus antecedentes, por Leontina
Ventura, 1992, I, pp. 100-112, 254-301.
100
signação das circunscrições territoriais verificada ainda nas inquirições de
1220.
Efectivamente, isolando os documentos em que se prefere mencionar o
iudex como cobrador das multas, e não o «tenente», vamos encontrá-lo nos
formulários de Lorvão, Guimarães, Leça e Vacariça. A sua presença é rara
ou secundária nos de Pendorada, Arouca, Coimbra e Braga. Dir-se-ia,
pois, que a tradição do tribunal presidido pelo juiz do lugar, independente
da organização senhorial, é mais forte em áreas rurais ao sul do Douro e na
periferia de uma cidade, como o Porto, ou um burgo que é ao mesmo
tempo sede de condado, como Guimarães. Nos outros locais, os poderes
do juiz desaparecem perante os dos senhores, ou seja, nas zonas rurais de
Entre-os-Rios e de Arouca, e nas cidades episcopais de Coimbra e Braga164.
Ora a designação das circunscrições por «terras», «julgados» ou «ter
mos» encontra-se sobretudo nas inquirições de 1220. Aqui, são julgados, e
não «terras», os de Bouro, Pedralvar, Travassos; e são «termos» os de Viei
ra, Couto de Braga, Guimarães, Lousada, Felgueiras, Aguiar de Sousa, Fer-
reira e Refojos de Monte Córdova; todas as outras são «terras». Os «ter
mos», como o nome sugere, seriam áreas bem definidas em torno de um
centro; os «julgados» e as «terras», aquelas em que o poder público não se
situa num local, mas se difunde numa área mais vaga. Se considerarmos
que só as «terras» estão sujeitas a ricos-homens e que nos «termos» e nos
«julgados» existem poderes próprios, embora não necessariamente indepen
dentes do rico-homem, poderíamos deduzir daí que se encontram áreas
onde a autoridade do juiz se manteve perante a do rico-homem, ou seja,
em Guimarães, na área ao sul de Vizela (Lousada, Felgueiras, Aguiar de
Sousa, Ferreira, Monte Córdova) e nas terras altas de Bouro, Vieira e Tra
vassos. Nos dois primeiros casos, estaríamos perto das zonas onde o iudex
aparece nos documentos mencionados, por influência da permanência do
sistema judicial, isto é, em torno de Guimarães e do Porto. As terras desig
nadas por «termos» e «julgados» em 1220 teriam, pois, sofrido menos do
que outras a sobreposição da autoridade senhorial. Mesmo que teorica
mente estivesse dependente de alguma «terra» governada por um rico-
-homem, a função do juiz não teria sido absorvida por ele.
Contra esta interpretação pode levantar-se a objecção de, na zona a sul
do rio Vizela, onde em 1220 apareceu um conjunto de «termos», se encon
trar desde cedo uma forte implantação senhorial. Esta, todavia, como vi
mos no vol. II, pp. 132-159, possui a característica especial de não ser do
minada por nenhuma grande linhagem. Justapõem-se na mesma paróquia
ou em paróquias vizinhas casais de seis ou sete linhagens de poderes equi
valentes. Ou seja, a presença simultânea impede a predominância de uma
delas.
R elaçõ es entre «t e r r a s» e ju l g a d o s
101
não corresponde de modo algum à realidade. Nas subscrições dos diplomas
régios aparecem frequentemente os nomes de ricos-homens ligados às ter
ras que governam. Parece até esboçar-se a tendência para que a sua rede
cubra todo o território nacional que não depende dos concelhos. Conclui-
-se, assim, que, do ponto de vista dos inquiridores, interessava apenas ano
tar a maneira como os reguengos e terras da Coroa se agrupavam sob uma
autoridade não senhorial. Para eles, o que importava era a relação entre os
dependentes do rei e as suas autoridades. Estas eram os juízes, e não os ri
cos-homens. Assim, a realização das inquirições deve ter tido como uma
das suas mais importantes consequências responsabilizar os juízes na admi
nistração não só judicial mas também económica dos domínios régios. Co
mo o rei tinha bens praticamente em todas as freguesias, a rede dos julga
dos parece cobrir todo o território inquirido, ao contrário do que acontecia
em 1220 .
Estas observações vão ao encontro da que fez M. H. da Cruz Coelho,
baseada na cronologia da sucessão dos mandatos dos juízes e dos ricos-
-homens na região de Axouca. Concluiu que aí se verificava a independên
cia do juiz em relação ao rico-homem165. Podia, portanto, admitir que
aquele continuava a ser eleito pela assembleia dos vizinhos, apesar de a au
toridade senhorial ser tão antiga nesta zona.
Assim, sendo o processo de criação dos julgados diferente do das «ter
ras», não admira que não coincidam. De facto, podiam normalmente exis
tir vários julgados numa só terra. Mas a restauração dos julgados na época
de Afonso III, mesmo onde eles se tinham praticamente atrofiado ou desa
parecido, levou a que aí a sua área coincidisse com a das «terras».
Por outro lado, também as «terras» evoluem. Assim, já em 1982 apre
sentei a hipótese de algumas delas, como a da Maia, se ter subdividido em
Maia, Refojos e Vermoim, as de Basto e Sousa se fragmentarem em Celori-
co e Cabeceiras de Basto, Aguiar de Sousa e Santa Cruz de Sousa, ao passo
que outras se associam temporariamente, como as de Penafiel de Sousa
com Benviver ou com Arouca e Lamego. A terra de Baião talvez englobas
se primitivamente as que depois aparecem em Penaguião ou Mesão Frio e
em Gestaçô ou mesmo em Tendais166. E assim sucessivamente, conforme
as vicissitudes das partilhas hereditárias e alianças familiares ou o dinamis
mo e as ambições dos ricos-homens, que em determinados momentos leva
vam mais longe a sua autoridade, mesmo sobre terras que antes não esta
vam sujeitas a nenhum «tenente».
É possível que Afonso II nao introduzisse modificações importantes
neste sistema incoerente. Mas, no reinado de Sancho II, esboça-se a ten
dência para cobrir todo o território por uma rede de ricos-homens, alguns
dos quais com jurisdição sobre áreas bastante vastas. O que sabemos da
época não permite considerar este facto como o resultado de qualquer re
forma administrativa de iniciativa régia, mas antes da decisão dos mais po
derosos, para preencher o vazio do poder que o soberano não controlava.
E neste período que aparecem designações como «tenens Ripam Minii» e
102
«tenens Beiram» (Leg., p. 610 de 1228-1229) ou, mesmo, «tenens a Dorio
usque ad Limiam» e «tenens a Limiam usque Minium» (Leg., p. 6 12 ,
de 1229). A vastidão destas últimas áreas leva a admitir uma tentativa de
substituir o poder régio em grandes zonas que os senhores como que dis
tribuem entre si. É de supor que tal tentativa não substituísse nem supri
misse os poderes tradicionais dos senhores sobre «terras» menores e já fixa
das nos séculos xi ou x i i . Mas prepara a época de Afonso III, em que se
verifica a tendência para cobrir o território nacional ou grande parte dele
por uma rede de terras onde o rei se fazia representar pelo rico-homem.
Deve admitir-se, em todo o caso, que a autoridade do rico-homem sobre
a «terra» era um tanto imprecisa, excepto quando ele a aproveitava para se
apropriar de domínios outrora públicos ou pertencentes ao rei e, mesmo, a
outros senhores. Com efeito, nesses territórios havia muitos domínios imu
nes, pertencentes a dioceses, mosteiros, ordens militares, ao rei e mesmo a
outros senhores de categoria inferior, que, como todos os nobres, estavam
também isentos de obedecer ao rico-homem nos seus domínios patrimo
niais.
A irregularidade do poder e a fragmentação dos territórios dependentes
dos ricos-homens não os impediam, no entanto, de intervir na administra
ção da justiça, o que eles faziam pessòalmente ou por intermédio de um
meirinho, que assistia aos julgamentos dos juízes locais e recebia nessa altu
ra a parte das coimas que pertencia ao senhor da terra. É o que se deduz
de vários documentos dos séculos x i e x i i comentados por Gama Barros
para aproximar as funções destes meirinhos das dos funcionários de igual
nome previstos nos forais do tipo dos de Ávila e dos de Salamanca167. De
dois desses documentos verifica-se que os meirinhos do rico-homem po
dem não ser apenas simples funcionários inferiores com encargos de tipo
policial, mas também delegados permanentes com jurisdição sobre áreas re
lativamente vastas da terra do senhor e dotados de préstamos, o que signi
fica que tinham para com ele, pelo menos nesta época, uma relação de ca
rácter feudal.
R efo rm a de A fo n so III
Com a inclusão das terras de herdadores nos domínios régios, já no tempo
de Afonso II, mas sobretudo no de Afonso III, a autoridade do rico-
-homem perde cada vez mais o seu conteúdo e torna-se imprecisa ou ten-
dencialmente honorífica. Reduzia-se, decerto, a pouco mais do que a ter a
responsabilidade de convocar o exército, se o rei o ordenava. Ora, esta
eventualidade deve ter-se tornado muito rara nas zonas senhoriais de En-
tre-Douro-e-Minho, onde o poder dos senhores era tradicionalmente
maior. Manteve-se, talvez, com maior vigor nas zonas próximas das fron
teiras galega e leonesa, para reforçar as forças militares dos concelhos limí
trofes que o rei estabeleceu justamente como polos de defesa nacional.
Apesar disso, nos diplomas solenes da cúria do tempo de Afonso III, e
ainda em alguns da época de D. Dinis, muitos dos ricos-homens que figu
103
ram nas subscrições continuam a ostentar os seus títulos de «tenentes», o
que significa que o rei lhes mantém as suas honras, embora desprovidas já
de grande conteúdo. Em muitos forais prevê-se que a autoridade do rei se
exerça por meio do rico-homem ou do seu prestameiro. Mas como o rei
declara, noutros, que o exclui, e sobretudo porque, desde Afonso III, o
controlo régio se exerce por meio do alcaide, a capacidade de intervenção
do rico-homem nos concelhos deve ter-se tornado praticamente nula168.
Assim, a designação de «rico-homem», que durante o século xn e a pri
meira metade do seguinte se atribui exclusivamente ao governador de uma
terra, como equivalente de «homem que possui e exerce o poder público»,
evolui para sinónimo de «magnate», ou de «nobre de categoria superior».
Astuciosamente, no entanto, Afonso III mantém a entrega das insígnias
bem concretas do «pendão e caldeira» quando nomeia alguém «rico-
-homem»169, o que equivalia a conferir-lhe autoridade pública. Além disso,
mantém-se, pelo menos até ao fim do seu reinado, a ideia de que o rico-
-homem está pessoalmente vinculado ao rei. De facto, quando nos textos
da cúria se fala dos ricos-homens, pressupõe-se durante todo este período e
mesmo em alguns do reinado de D. Dinis que eles são de facto detentores
de autoridade e estão ligados ao rei por uma relação pessoal, como se de
preende de ele lhes chamar os seus ricos-homens.
Os autores que até aqui têm tratado da relação entre o rei e os ricos-
-homens partem do princípio de que eram nomeados pelo rei e podiam ser
mudados quando ele desejava. Baseiam-se, para isso, na afirmação categóri
ca de Gama Barros. Este, no entanto, apenas examinou a sucessão de uma
quantidade considerável de nomes de governadores de terras em Leão e
Castela, para concluir das mudanças (não de afirmações expressas acerca
das condições em que elas se fizeram) que só podiam ser de nomeação ré
gia170. Ora, baseando-me apenas em documentos portugueses que testemu
nham a sucessão dos tenentes em Portugal, creio ter provado que é necessá
rio distinguir as terras de Entre-Douro-e-Minho das situadas mais a sul.
Assim, enquanto nas primeiras os senhores, salvo excepção, exercem o
cargo vitaliciamente e se sucedem dentro da mesma família ao longo de vá
rias gerações, embora não necessariamente de pais para filhos, nas outras
ficam pouco tempo no cargo e podem mudar facilmente. Estão no primei
ro caso as tenências de Maia, Sousa e Basto, Penafiel, Benviver, Lamego,
Baião, Bragança, Lanhoso, Bouro e, provavelmente, Valadares, Nóbrega,
Cerveira, Portocarreiro, Paiva e talvez outras. Deixando de lado terras que
devem resultar da fragmentação de outras maiores, podemos, pelo contrá
rio, considerar típicas do segundo caso- as terras de Santa Maria, Lafões,
Viseu, Trancoso, Gouveia, Guarda, Covilhã e Seia.
A lógica desta distribuição parece evidente: existe uma zona de fundas
raízes senhoriais onde a sucessão familiar se impôs por costume e onde o
rei, se intervinha, se limitaria a confirmar o novo responsável; noutras re
giões onde a senhorização é mais tardia e onde, por outro lado, a proximi
168 Sobre as reformas de Afonso III, ver os dados reunidos de forma sistemática por Leontina
Ventura, 1992, I, pp. 275-287.
169 LL 23 A l; cf. C E M D , n.» 26.
170 Gama Barros, I, pp. 223-240.
104
dade da fronteira é maior, o rei permanece o responsável, e por isso no
meia para essas «terras» jovens nobres que aí se exercitam na carreira
militar. Apesar de a fronteira ter avançado rapidamente para a linha do Te
jo a partir de 1147, parece que Afonso Henriques manteve o costume da
nomeação, mesmo em terras cujo governo já não implicava responsabilida
des militares tão prementes171.
Esta síntese, que creio válida até ao fim do reinado de Sancho I, deve
prolongar-se ainda algumas décadas, mesmo sob o governo de Afonso II.
Mas as perturbações da época de Sancho II e as novas medidas tomadas
por Afonso III provocaram decerto algumas alterações sucessórias, que no
entanto seria difícil interpretar na sua globalidade sem um estudo minu
cioso das listas de tenentes. Será preciso verificar se a infracção à regra su
cessória se deve à intervenção do rei ou à falta de descendentes masculinos.
De qualquer maneira, creio não se justificar a opinião de Gama Barros
acerca da amovibilidade dos tenentes ad nutum regis. A arbitrariedade de
nomeação por parte do rei só se verifica em alguns casos.
Quanto aos alcaides, parece evidente que, na maioria dos casos, são de
nomeação régia. Isto não impede de se verificar uma certa tendência para
a sucessão familiar, como acontece em Santarém com a família dos Dades
e em Atouguia com a família do mesmo nome. Pode acontecer, porém,
que o rei intervenha também, mesmo nestes casos, devido a acidentes su
cessórios naturais. De facto, a sucessão daquelas famílias verifica-se apenas
durante duas ou três gerações.
Os in t e r m e d iá r io s : a lm o xa rifes e m e ir in h o s
105
perante o mordomo-mor da cúria, o chanceler, o vice-mordomo e três clé
rigos do rei. Deste documento se deduz que o referido almoxarife tinha,
durante determinados períodos dos anos de 1251 a 1263 (na sua maioria
períodos curtos, de menos de um ano), recebido as rendas não só do julga
do de Guimarães mas também das terras de Celorico de Basto, Montelon-
go, Sousa, Penafiel, Aguiar de Sousa, Benviver, Penafiel, Vermoim, Gon-
domar, Maia, Neiva, Prado, Penafiel de Bastuço, São Martinho de Riba
Lima e Panóias, e dos julgados de Felgueiras e Lousada, e ainda as dizimas
dos panos de Viana e de Valença e as colheitas de Entre-Douro-e-Minho e
dos mosteiros de Pedroso, Grijó e Oya173.
Ao mesmo tempo, o controlo das funções dos juízes e mordomos dos
julgados, por meio dos almoxarifes, era também exercido, no plano judicial
e na cobrança da parte das coimas que pertenciam ao rei, pelos cobradores
das anúduvas, os meirinhos, os porteiros e, mesmo, os sobrejuízes, como se
depreende das reclamações feitas pelo arcebispo de Braga contra o rei nas
cortes de Guimarães de 1250. Com efeito, o arcebispo acusa Afonso III de
não impedir que esses funcionários tivessem lucros abusivos das coimas e
das prestações que dividiam com os ricos-homens e que os faziam ricos em
pouco tempo174. Ora, a intervenção destes funcionários sobre as activida-
des judiciais nas terras não consistia apenas, certamente, na cobrança das
coimas, mas também na vigilância dos próprios tribunais. Estas reclama
ções, assim como vários documentos mencionados por Gama Barros175, fa
zem supor que logo a seguir ao fim dá guerra civil, terminada nos primei
ros meses de 1248, Afonso III tivesse instituído um corpo de meirinhos de
«terras» ou de julgados, ou mesmo de áreas mais vastas, e que estes a partir
das terras da Coroa começassem a intervir na justiça local, em casos que
anteriormente pertenciam à jurisdição dos ricos-homens. Assim se explica
que dividissem com eles os seus rendimentos, adoptando atitudes concilia
tórias compreensíveis, para não serem demasiado hostilizados. A censura
do arcebispo seria ilógica se eles fossem nomeados pelos ricos-homens ou
se se limitassem a áreas que não caíam sob a sua alçada.
OS MEIRINHOS-MORES
Ora, é a funcionários do mesmo nome, mas responsáveis por comarcas
mais vastas, que Afonso III incumbe também de intervirem nas questões
suscitadas por queixas de igrejas ou de mosteiros contra membros da no
breza (Leg., pp. 221-223, 253). A Eei 57 de Afonso III, datada provavel
mente de 1261, constitui praticamente um regimento das suas funções. Sa
bemos por ela que o meirinho está encarregado de superintender em
questões que implicam a pena de degredo, na violação de caminho públi
co, na vigilância do cumprimento das ordens do rei, na violência sobre
mulheres, na perseguição de «ladrão conhecido», nas agressões cometidas
173 J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 29. Certos nomes de locais deste documento, como Ruilhe,
Coronado, Paços e Vila Chã, devem corresponder a celeiros onde se recolhiam rendas dos reguen-
gos.
174 Capítulos de Braga, n.os 1, 5, 6, 9, 10,;* 11, 12, 13, in Leg., pp. 185-186.
175 Gam a Barros, XI, pp. 124-147.
106
contra porteiros e juízes ou contra prelados de igrejas que nao tinham por
teiros e ainda em casos resultantes do apelo para o rei, por vingança priva
da. Nestas matérias, porém, só intervinham a pedido dos queixosos. Esta
vam encarregados de receber as fianças segundo o foro da terra e de
proteger os queixosos (Leg., pp. 252-253)176.
Era uma inovação importante. Constitui o ponto de partida para uma
intervenção decisiva na administração da justiça por parte dos ricos-
-homens e permite uma vigilância efectiva das actividades judiciais nas ter
ras e nos julgados. Como Gama Barros observa com exactidão, esta medi
da de Afonso III deve filiar-se nas promessas que o conde de Bolonha fez
em Paris de assegurar a paz pública177, perturbada pela anarquia generaliza
da dos últimos anos do reinado de Sancho II. Assim, é de crer que a insti
tuição de meirinhos independentes dos ricos-homens obtivesse na fase ini
cial o apoio do próprio clero, interessado em que o rei protegesse os seus
bens ameaçados. Pelos vistos, a aplicação da medida não correspondeu
à expectativa dos bispos; mas, em vez de recuar perante os seus protestos,
o rei não fez mais do que aperfeiçoar o sistema.
N a opinião, bastante verosímil, do mesmo autor, os meirinhos-mores
que existiram no reinado de Afonso III foram normalmente meirinhos de
comarca, isto é, com jurisdição mais vasta do que as «terras», e eram desig
nados para executar comissões extraordinárias sem carácter permanente178.
Parece-lhe incerta a existência de meirinhos-mores com jurisdição sobre to
do o reino, mesmo quando certos indivíduos se intitulam «meirinho-mor
de Portugal». Seja como for, alguns, como Nuno Martins de Chacim, de
sempenham as funções durante vários anos179. Outras vezes, parecem al
cançar uma certa permanência em áreas menores como, por exemplo, João
Fernandes de Cambra, meirinho-mor de aquém-Douro. Sabemos que este
tinha um subordinado, também designado como meirinho, para a Terra
de Santa Maria180. Por outro lado, a intervenção efectiva dos meirinhos-
-mores está amplamente atestada por bastantes documentos em que eles
intervêm para reprimir abusos de cavaleiros e, mesmo, de ricos-homens
contra igrejas e mosteiros181. Garantem, assim, a efectiva intervenção do
poder régio mesmo em terras de regime senhorial, onde os ricos-homens se
tinham revelado incapazes de assegurar a paz e a justiça. Afonso III apro
veitou da maneira mais eficiente as questões entre nobres e clero, para es
tender sobre ambos a sua autoridade. Note-se, porém, que este facto não
significa de modo algum a ingerência nas questões internas das honras e
dos coutos, onde os seus senhores, leigos ou eclesiásticos, deviam conside
rar a administração da justiça como uma prerrogativa pessoal e inalienável.
Como veremos no parágrafo seguinte, o rei não contesta nunca o princípio
nem a legitimidade do regime senhorial.
107
O REI E OS CONCELHOS
Tudo isto se passa no Norte de Portugal, onde esse regime vigorava efecti-
vamente e onde se prolongaram por mais tempo vestígios da autoridade
intermediária dos ricos-homens. No resto do país, porém, onde predomi
nava a organização concelhia sob a autoridade, quer do rei quer dos senho
res, as condições eram diferentes. Desde as concessões dos primeiros forais,
o rei exerce a sua autoridade por meio de um funcionário permanente que
0 representa, o alcaide, ou, nos concelhos de Riba-Côa e do tipo do foral
de Salamanca, por meio de um grupo de alcaides. A primeira forma, no
entanto, generalizou-se por toda a parte, mesmo na Beira Alta, onde vigo
rava frequentemente o foral de Salamanca. Em vários forais prevê-se a vigi
lância da vida do concelho por meio do rico-homem ou do seu prestamei-
ro. Noutros, ela exclui-se expressamente. Mesmo naqueles casos, a sua
possibilidade de intervenção devia ser muito reduzida, pelo que diremos a
seguir acerca do alcaide.
Efectivamente, este não se limitava a representar o papel de mero vigi
lante delegado pelo rei; intervinha efectivamente nas operações de tipo po
licial, era ele quem prendia os acusados e os criminosos, e cobrava um cer
to número de multas. Como vimos acerca dos funcionários concelhios,
estes queixavam-se constantemente da sua tendência para invadir atribui
ções do concelho. Por outro lado, pelo menos nos concelhos do Sul, havia
mordomos permanentes do rei, encarregados da cobrança das rendas e das
multas que lhe pertenciam e que actuavam por meio de saiões e porteiros.
Esta rede de funcionários directamente dependentes do rei e sem qualquer
relação com o rico-homem tornava mais fácil a sua organização e a vigilân
cia régia. Esta passou a fazer-se, pelo menos desde o tempo de Afonso III,
por meio dos almoxarifes, como vimos igualmente a propósito dos conce
lhos182.
Como se não bastasse a intervenção e coordenação dos funcionários in
feriores por meio dos almoxarifes e meirinhos, a administração régia ser
viu-se ainda de outro meio que foi a criação de um corpo de escrivães do
rei, colocados nos concelhos e julgados. Conhecemos a sua existência desde
1253 como dependentes do rei e não de qualquer poder inferior, concelhio
ou senhorial: «meis scribanis de uillis» (Leg., p. 196). A importância destes
funcionários, encarregados principalmente de registar as cobranças e as
multas, tornou-se maior na época de D. Dinis, que passou a colocá-los
mesmo em terras de jurisdição senhorial, como as da Ordem de Santiago.
Com efeito, reclamando a Ordem, em 1310, por o rei pretender nomear o
tabelião de Alcácer do Sal, ele acaba por desistir, mas declara: «meterei
1 meu scrivam jurado... pera guardar os meus direitos e pera os haver de
veer, tal que faça fe nos meus direitos»183. Está na mesma ordem de ideias
a instituição, pelo mesmo rei, de um guardador de selos em cada concelho,
independente tanto dos magistrados como do próprio tabelião, segundo a
lei que já comentámos também noutro lugar184.
111
a senhoras de Riba Douro, Baião ou da Silva, e eles desempenham, apa
rentemente em harmonia com o rei, os cargos de mordomos-mores e de
alferes1.
1 Para toda a primeira parte deste parágrafo, ver J. Mattoso, 1982a, pp. 115-170.
2 Cf. J. Mattoso, 1992b.
3 LV 1M7; LL 22 A5; 37 B2.
4 GAH, pp. 34-36.
5 LL 13 A2.
6 LL 37 B2; LD 12A 1-4.
7 LL 21 G6.
8 LD 7 A 1 .
9 LL 26 A3.
10 J. Mattoso, 1985, pp. 77-85. Sobre a criação de membros da família real por nobres, ver
Leontina Ventura, 1992, I, pp. 241-246.
11 J. Mattoso, 1981, pp. 299-306.
112
Por outro lado, o apoio dos partidários do poder régio ao vencido permite,
primeiro, a aliança de Afonso III com as famílias tradicionais, ou o que
ainda restava delas, e depois a sua completa neutralização pelo casamento
das filhas com cortesãos fiéis.
Os CA VA LEIRO S
A fo n so III
Com efeito, o triunfo do Bolonhês, ajudado pelas forças dos concelhos e
com o apoio da Igreja, permite-lhe agir com a maior independência para
com a nobreza tradicional. Por outro lado, a montagem de um aparelho de
funcionários não nobres e a activa reorganização dos rendimentos da Co
roa oferecem-lhe recursos suficientes para favorecer directa ou indirecta-
mente as acumulações de terras dos seus mais fiéis servidores, mesmo
quando eles procedem de famílias relativamente modestas como os Aboins,
Briteiros, Pimentéis, Vasconcelos e outros. A corte aparece, assim, como a
eficaz distribuidora de riqueza e de poder, ao mesmo tempo que cria tam
bém uma imagem de prestígio social sustentada pela adopção de hábitos
de convivência mais requintados, à imitação das cortes provençais ou da de
Castela16.
113
Esta política não absorve completamente a oposição de alguns sectores
da nobreza contra o rei, que se manifesta, agora, pela preservação de tradi
ções que elogiam a fidelidade a Sancho II, com o apoio da corte castelhana
e de vários trovadores17, e que provavelmente se sustenta de uma inconfes-
sada antipatia para com a astúcia centralizadora e a eficácia administrativa
do Bolonhês. Mas a contestação parece manter-se agora num estádio difu
so. O vigor intelectual e a criatividade dos jograis, que a corte também sus
tenta e que apoiam não menos vivamente o rei, contribuem para neutrali
zar as manifestações verbais da oposição18. De resto, não podia haver
dúvida de que Afonso III pacificara o país, cumprindo assim os seus deve
res de defensor da justiça. Mesmo as suas intervenções no sentido de arbi
trar divergências entre nobres e igrejas ou para temperar a vingança privada
deviam ser reconhecidas como necessárias para a classe dominante não se
destruir a si própria19.
D . D in is
17 C E M D , n.° 61, 78; LL 44 H 6, 47 C4, 62 111, 66 G l; C. 1419, caps. 8-10 (ed. Silva Ta-
rouca, I, pp. 235-243); J. Mattoso, 1981, pp. 279-283.
18 J. Mattoso, 1985, pp. 409-435.
19 O que aqui dizemos sobre as relações de Afonso III com a nobreza deve ser revisto com aju
da da tese de doutoramento de Leontina Ventura, I, 1992, pp. 149-176, 471-508.
20 Gama Barros, II, pp. 444-447. Para o caso particular do julgado de Braga, ver J. A. Pizarro,
1990.
21 A. Ballesteros Beretta, 1963; C. González Minguez, 1973.
22 LL 9A 1 4 , 15; 10 E l i , 12, 13; 11 C9.
23 J. Mattoso, 1985, pp. 293-300.
114
O REI COMO SUSERANO
Começando pelo primeiro, convém desde logo acentuar que a vassalidade
inclui apenas alguns nobres24. Nem podia ser de outro modo. Estabelece
vínculos de tal ordem que implicam uma obrigação pessoal e sagrada de fi
delidade. A sua ruptura unilateral é asperamente censurada como traição.
Reveste uma gravidade muito maior do que a recusa de obediência ou su
jeição de um súbdito que habita no reino, mas não jurou ser fiel. Em Por
tugal pode não ser indispensável, como não era na Itália25, uma homena
gem formal, ou seja, uma explicitação verbal ou gestual do contrato
vassálico. Ou então reduzindo-se, como em Leão e Castela, ao simples bei-
ja-mão, deixa poucos vestígios na documentação escrita26. Encontra-se ex
pressamente referida na tenência de castelos, mas não é fácil encontrá-la
noutros casos. Pode, no entanto, considerar-se implícita quando o rei usa a
respeito de simples nobres ou de ricos-homens o possessivo «meus» que
traduz inegavelmente a relação pessoal. Dificilmente se pode admitir
que na civilização oral e gestual da alta Idade Média esta relação não fosse
expressa e selada por um ritual, mesmo muito simples, que conferia justa
mente a esse vínculo o carácter sagrado. Ora a utilização de um possessivo
para com um nobre associa-se, nos mesmos documentos, a referências à f i-
delitas, ao servitium, ao «amor»27. Também não é difícil encontrar referên
cias a recompensas beneficiais precárias para compensar o serviço vassálico,
que pode não ser sempre de carácter estritamente militar28. O carácter pre
cário destas concessões acentua-se com vocábulos do género do verbo tene-
re de, ou de expressões como de manu alicuius. A sua relação com a condi
ção de vassalo nobre torna-se especialmente clara quando o benefício é
constituído por cavalo e armas, ou por uma torre ou castelo29.
D ificuldades de interpretação
A dificuldade que se encontra na interpretação dos documentos anteriores
ao século xiv resulta de eles empregarem constantemente vocábulos e ex
pressões que não designam apenas as relações feudo-vassálicas, mas se apli
cam também a situações completamente diferentes. Assim, beneficium utiliza-
-se para exprimir também favores gratuitos e de simples benevolência ou
generosidade30; vassalus encontra-se desde a primeira metade do século xii
para apontar dependentes não nobres31; hominium pode significar um pac
to jurado, com algumas formas e expressões contaminadas por noções feu
dais, mas sem implicar dependência de nenhum dos contraentes para com
115
o outro32; prestimonium e aprestamum aplicam-se também a concessões agrá
rias feitas a camponeses e a contratos sobre bens eclesiásticos com clérigos,
etc.33; tenere de manu, embora mais raramente, pode também aplicar-se a
concessões revocáveis de natureza não feudal e entre pessoas não nobres34.
Assim, verifica-se uma vasta difusão dos termos que designam os compro
missos pessoais, o que só pode significar uma enorme diluição dos concei
tos e das instituições feudais35 e torna normalmente difícil de distinguir os
compromissos resultantes da natureza (no sentido medieval), dos que de
correm do contrato36.
Mesmo sendo difícil delimitar as questões e isolar os casos do contrato
feudal típico, podem encontrar-se em número suficiente. A existência de
esquemas feudais é também a única explicação para um certo número
de casos, afinal mais numerosos do que parecia à primeira vista. Convém
também não esquecer que o feudalismo português se caracteriza por uma
grande fluidez das relações e pela instabilidade dos vínculos vassálicos, o
que se exprime em termos técnicos pelo facto de não se chegar a dar uma
completa articulação entre os laços de natureza pessoal e os de origem realy
como já referi a propósito da nobreza37. Ora, estas características encon-
tram-se também nas relações entre o rei e os seus vassalos, embora em grau
menor do que na vassalagem senhorial, sobretudo, como veremos, no caso
dos alcaides.
32 H. Grassotti, 1969, pp. 216-258. Caso único em D R 31, entre D. Urraca e D. Teresa. Cf.
L. Ventura, 1992, I, p. 173.
33 Um boi e arado: LF 204; um casal: LF 422; castanheiros: A. Fernandes, 1971, p. 98; o ter
ritório diocesano: D P IV 77 = LF 528; etc.
34 «Tenuit illam... quidam homo noster villanus», D S 166.
35 C f H. Grassotti, 1969, pp. 74 e segs., 195 e segs., 216 e segs.
36 Ibid., pp. 420, 984-987, 1036-1041.
37 Ver vol. II, pp. 185-187.
38 J. Mattoso, 1982a, pp. 89-90.
39 D C 421, partindo do princípio de que a palavra «infanção» designa, nesta época, um de
pendente a título pessoal: ver vol. II, pp. 87-106.
116
nando» (D R 62) e refere-se aos «serviços fiéis» que lhe prestou Sarracino
Viegas, senhor da terra de Benviver (D R 65). Afonso Henriques, em vários
documentos dirigidos a Monio Rodrigues de Arouca em 1129 e 1130 fala
no «amore tue dilectionis», e no «idoneo obséquio tue servitutis», no «bo-
no seruitio quod semper mihi fecistis et facturi estis» e ainda no «seruitio
bono et fidelitate que mihi fecistis et facis» (D R 97, 98, 110 ). Também es
tes senhores eram tenentes. Não pode igualmente deixar de se referir a ex
pressão usada nos forais do tipo de Santarém-Lisboa-Coimbra de 1179,
onde o rico-homem governador da terra se chama «meus nobilis homo»
(D R 335).
Por meados do século x ii , a chancelaria de Afonso Henriques parece
menos sensível à sua relação pessoal com determinados ricos-homens. Apa
recem, mesmo assim, fórmulas que designam a cúria como uma assembleia
feudal: «coram meis baronibus» (D R 161, 269, de 1137 e 1158). Encontra-
-se uma referência a Egas Fafes «eiusdem regis barone» (LF 218, de 1160).
Ele dirige-se a Egas Gomes (Guedeão) chamando-lhe «alumpno et fideli
vassalo meo», para lhe agradecer o «bono et placenti seruicio quod asidue at-
que deuote mihi fecisti» (D R 351, de 1183). Mas com Sancho I as refe
rências a vassalos especialmente fiéis e a evocação de relações pessoais tor-
na-se frequente. Chama «vassalos» a Fernão Fernandes de Bragança (DS
97), a Álvaro Martins, que tinha sido morto em Silves (DS 44), ao conde
Gonçalo Mendes de Sousa (DS 195, 217). Os usos feudais da mesma épo
ca são claramente expressos em relação ao conde leonês Pedro Fernandes,
que suponho ser o senhor de Castro, no acordo com Afonso IX: «debeo
petere Petrum Fernandi in curia mea ante me et ante meos uassallos et an
te uassallos regis die statuta qua possit rex Legionis mittere suos uassallos
ad meam curiam per fidem bonam et sine maio ingenio» (DS 74).
Afonso II, certamente porque pretende urgir a obrigação de vassalagem
que para com ele têm os ricos-homens, como meio de afirmar sobre eles a
sua autoridade, começa a usar a expressão «meu rico-homem»40, que depois
se torna corrente nos documentos régios até à época de D. Dinis, mas foi
sobretudo usada na de Afonso III, certamente pela mesma razão que apon
támos acerca de seu pai. No reinado de D. Dinis a relação feudal do rei
com os ricos-homens vai-se diluindo. Em compensação, surge neste mo
mento um contrato feudal muito conhecido e frequentemente invocado
por usar a expressão «feudo» e se integrar facilmente no tipo de contratos
deste género feitos fora da Península: é o que resulta das diversas conces
sões ao almirante Manuel Pessanha em 1317 e 131941. Mas o exemplo não
leva a restaurar a vassalidade dos magnates.
OS ALCAIDES. A HOMENAGEM
Por outro lado, fosse por influência dos usos feudais de além-Pirenéus ou
por outra razão, torna-se costume, pelo menos no caso dos alcaides dos
castelos, exigir deles uma homenagem expressa.
40 LF 499; M. H. Coelho, 1977, doc. 231; Leg., p. 180. Este último documento é especial
mente significativo pelo uso das expressões «amor meus» e «terram quam de me tenuerit» a respei
to do «meu rico-homem».
41 Silva Marques, I, does. 38 a 43 e 48.
117
Não é totalmente seguro que assim fosse quando aparece a primeira
utilização do termo que conheço, no primeiro testamento de D. Sancho I,
de 1188. O rei refere-se, de facto, a um certo número de castelos que
constituíram locais de «segurança» da rainha e de suas filhas, enquanto elas
quisessem, até voltar ao «ius et hominium» do rei que lhe sucedesse
(DS 30). Esta expressão sugere já que os respectivos alcaides prestassem um
efectivo juramento de fidelidade. Poucos anos depois, no entanto, no acor
do de 1194 com o rei de Leão, já «homenagem» tem o rigoroso significado
de compromisso feudal. Aí se indicam os castelos que são designados como
«segurança» ou penhor do cumprimento e cujos alcaides prestarão home
nagem ao rei alheio. Para não haver lugar a dúvidas, a obrigação daí decor
rente é a seguinte: «det ei seruitium de istis castellis sicut uassallus domino
bona fide et sine maio ingenium» (DS 74). E, embora no seu testamento
de 1210 não utilize a expressão «homenagem» senão no sentido de «pacto
jurado», pressupõe também nele a especial relação de fidelidade dos nobres
que designa para serem os garantes no seu testamento. É perante eles que o
príncipe D. Afonso jura cumpri-lo. Se não o fizer, «non dent ei castra que
tenent donec resipiscat et totum emendet» (DS 203); ou seja, são dispensa
dos do juramento de fidelidade. Poucos anos depois, na concórdia entre
Sancho II e as infantas suas tias, em 1223, também aparece a referência ex
pressa da homenagem que os alcaides dos seus castelos teriam de prestar ao
rei, ou de os alcaides serem vassalos dele42.
Depois destes anos, as referências a «homenagens» de cavaleiros pela
detenção de torres ou castelos, mesmo a pessoas privadas como bispos,
priores e abades, é mais frequente. Robert Durand aponta exemplos desde
123743. A obrigação de o alcaide fazer homenagem ao rei exprime-se em
alguns forais, desde 1258, em circunstâncias bem significativas.
Assim, no foral de Melgaço, Afonso III pretende justamente exigir a
homenagem directa do alcaide para que ele seja fie l ao rei e não ao rico-
-homem, como aí se diz. Os habitantes do concelho deverão «receber» o
rico-homem que «tiver» a terra, mas o alcaide deve ser posto pelo rei «et
faciet mihi menagium de ipso meo castelo» (Leg., p. 685). N o foral de
Montalegre declara-se que o concelho pode escolher um cavaleiro fidalgo
entre os seus vizinhos contanto que seja do agrado do rei e que lhe preste
homenagem pelo alcáçar (Leg., p. 729). O mesmo acontece em Monforte
do Rio Livre (Leg., p. 730).
O costume da homenagem por castelos é atestado também pelos capí
tulos do clero contra Afonso III em 126744 reproduzidos no acordo de
D. Dinis com o clero em 1289, e no codicilo ao testamento deste rei
em 129945. Aquele documento é especialmente interessante porque men
ciona alguns termos técnicos do contrato. Dizem, pois, os prelados, que
quando os
«ricos-homens ou outros cavaleiros recebem castelos d’el-rei pera tee-los e guar-
118
dá-los por sas soldadas, fazem-lhis menagem que em toda maneira daram el
irado e pagado se os castelos erfoutra maneira ficarem ende por trahedores estes
casteleiros taaes quando vem guerra ou em tal que façam mal, fingem que vem
guerra e eles e os seus homêes filham pam e vinho e vacas e porcos e as outras
viandas das eigrejas e dos bispos e dos clérigos e dos homêes e dizem que as fi
lham pera teer os castelos guardados» (LLP, p. 350).
46 C E M D , n.° 61, 78, LL 44 H 6, 47 C4, 62 111, 66 G l; C. 1419, caps. 8-10 (ed. Silva Ta-
rouca, I, pp. 235-243); J. Mattoso, 1981, pp. 279-283.
47 Supra, parte II, n.° 2.4., p. 100 deste volume.
48 DS 53 e 129, de 1191 e 1200. Ver novos dados sobre o problema da vassalidade régia em
Leontina Ventura, 1992, I, p. 247.
49 H. Grassotti, 1969, pp. 110-111, 273-275.
50 DS 120, 171. Cf. A. Fernandes, 1970, pp. 161-184. Ver também Leontina Ventura, 1992,
I, pp. 241-246.
119
não se recebessem na corte senão escudeiros, e que seria o rei a dar-lhes ca
valo e armas. Impunha-lhes assim uma especial obrigação de fidelidade
(Leg., p. 198). A relação vassálica dos cavaleiros da mesnada real é também
expressa pelo facto de à sua morte os parentes terem de dar lutuosa a el-
-rei, e lhe restituírem a loriga ou lorigão se os tiverem, assim como o escu
do e a lança, mas não a loriga do cavalo, as brafoneiras e outras armas
(Leg., pp. 199-200). Do ambiente da casa real da época de Afonso III po
demos ter uma imagem na narrativa sobre a juventude de Vasco Martins
Pimentel (LL 35 A I) e em dezenas de cantigas de escárnio que aludem ao
serviço de jograis e cavaleiros da corte e ao seu pagamento em dinheiro e
outros bens51.
É muito provável que os cavaleiros da casa real sejam sobretudo jovens
filhos de nobres, mesmo da alta nobreza. Temos ainda a lista dos vassalos
da casa real de D. Dinis, que Afonso III lhe atribui em 1279, e por aí po
demos saber de quem se tratava, e as «contias» em panos e dinheiro que
recebiam para seu sustento. Aí aparecem Gil Nunes de Chacim, Durão
Martins de Parada, Pero Coelho, Vasco Lourenço Magro, Martim Fernan-
des Cogominho, Fernando Anes Brochado, Martim Pires Curvo, Estêvão
Vasques da Cunha, Martim Martins Zote, Fernão Martins da Cunha, Lo-
po Afonso Alcoforado, Fernão Furtado, Estêvão Anes de Fermoselhe, João
Anes Redondo e outros menos conhecidos52. O exame destes nomes revela
que se trata invariavelmente de filhos de vassalos nobres que frequentavam
ou residiam na corte.
A fidelidade que o rei esperava deles era evidentemente maior do que
dos outros nobres do seu reino, mesmo dos seus ricos-homens. Também
para eles se fizeram narrativas exemplares que contavam histórias de vassa
los que levaram a sua fidelidade até à abnegação da própria vida e de toda
a sua família, como Egas Moniz, exaltado pelo dedicado e ambicioso trova
dor da casa de Afonso III, João Soares Coelho53. Era justamente o pai de
Pêro Anes Coelho, da casa de D. Dinis, atrás citado, e o avô do fiel vassalo
que Afonso IV encarregou de matar Inês de Castro (CA, II, 367).
M o n a r q u ia e f e u d a l is m o
Creio, pois, que o rei utilizou os esquemas feudais para estabelecer laços
pessoais com alguns nobres, sobretudo com os cavaleiros da sua mesnada,
os governadores das terras e os alcaides. Tal como aconteceu com os sobe
ranos capetíngios, a homenagem feudal ou o discurso ideológico sobre as
obrigações decorrentes da vassalidade foram postos ao serviço do fortaleci
mento monárquico, e não da fragmentação do poder54. Não parece, no en
tanto, que se possa encontrar qualquer vestígio de um esforço no sentido
de os vassalos do rei apertarem eles próprios os laços de suserania com vas
salos inferiores, ou seja, de estabelecer mecanismos que em alguma coisa se
51 Sobre os cavaleiros do rei no tempo de Afonso III, ver Leontina Ventura, 1992, I, pp. 113-
-123, 170-176.
52 A. Brancamp Freire, 1916, pp. 57-59.
53 J. Mattoso, 1985, pp. 409-435.
54 E. Bournazel, 1975. Para outros países, ver L. Genicot, 1980, pp. 351-352.
120
assemelhassem aos da «pirâmide feudal». Pelo contrário, como vimos a
propósito dos forais de Melgaço e de Montalegre, o rei exigia que os alcai
des lhe prestassem homenagem directamente a ele e não ao rico-homem, o
que, de resto, concorda perfeitamente com a política firmemente seguida
por ele de criar estruturas de controlo directo de todas as autoridades infe
riores e de as tornar independentes dos governadores das terras.
O R EI E O R E G IM E SE N H O R IA L A T É A F O N S O I I
121
Conhecem-se bem algumas das suas acções efectivas neste domínio: as lu
tas, com suas irmãs que pretendiam exercer direitos régios em territórios
deixados por Sancho I, a prática de exigir a confirmação de muitas cartas
de couto e de alguns forais, a iniciativa de mandar fazer inquirições gerais,
a partir de 1220 , para impedir a sonegação de direitos régios e fixar as
prestações devidas ao rei. São questões bem conhecidas. A sua política não
foi continuada por Sancho II. Durante os últimos anos do seu reinado de-
sencadeou-se uma grave crise que desembocou em guerra civil. Estes factos
são também conhecidos56.
A fo n so III
Já vimos que Afonso II e Afonso III utilizaram as inquirições para impedir
a extensão das imunidades em detrimento dos reguengos e das terras da
Coroa e, ao mesmo tempo, para garantir a sua inteira supremacia sobre to
das as terras que não estavam directamente sujeitas a ninguém. Impediam
assim os ricos-homens e outros senhores de se apossarem de bens de herda-
dores e de outras terras. Não punham em causa o poder senhorial, mas a
sua proliferação. Todavia, a criação de um corpo de oficiais que intervi
nham para julgar conflitos entre nobres, ou destes com igrejas e mosteiros,
permitiu-lhes, em certos casos, penetrar nos senhorios para aí perseguirem
ladrões, malfeitores ou inimigos do rei.
Desta prática se queixava já o arcebispo de Braga em 1250 (Leg.,
p. 186). Por seu lado, o bispo do Porto não se queixava só disso mas tam
bém de os agentes régios contestarem a justiça do bispo no couto do Por
to. A resposta que o rei dá a este protesto é especialmente interessante,
porque declara que, se o fez, foi apenas para reparar a negligência do juiz
do bispo, ou em virtude do direito de apelação que para ele se podia fazer.
Logo a seguir, o bispo queixa-se de o porteiro do rei penhorar dentro do
couto do Porto; o rei responde que o fez apenas em virtude da negligência
do juiz do bispo, pois ele não queria fazer a devida justiça às partes (Leg.,
p. 188). Ou seja, afirma-se aqui o direito de controlar a justiça senhorial
para suprir os seus defeitos ou rever as suas sentenças.
Apesar dos protestos dos referidos prelados, não parece que o rei esti
vesse disposto a ceder neste ponto. Deve, no entanto, reconhecer-se que o
caso do Porto é provavelmente excepcional, em virtude dos especiais inte
resses do rei nesta cidade; não se pode, só partir deste caso, presumir a ha
bitual e maciça intervenção dos juízes régios nas terras imunes. O funda
mento teórico do direito que assistia ao rei é por ele expresso numa lei não
datada acerca da jurisdição senhorial e das dúvidas que poderia levantar
a sua legitimidade, embora o que aí se trata não seja o direito de contestar
a justiça senhorial, mas de julgar da sua legalidade em determinado lugar,
o que já era pressuposto pelas inquirições de Afonso II:
«ca outro iuiz não deve conhecer de tal cousa nem deve esto a desembargar
nem ouvi-lo senom aquel per que foi dado o couto, ou aquel que em seu logar
véer, e esto é en’el-rei» (Leg., p. 198).
56 Sobre a crise de 1245-1248, ver a recente revisão, com dados inéditos, por Leontina Ventu
ra, 1992, I, pp. 400-470.
122
Nem por isso o rei deixa de defender os direitos dos senhores, como se
vê da lei de 1265 sobre as anúduvas, onde determina que elas não poderão
ser exigidas pelos oficiais régios dos que estão em senhorio alheio, ou rece
bem soldada de seus senhores, dos fidalgos, dos habitantes de coutos e
honras antigas (Leg., pp. 216-217). O mesmo se diga da lei de 1261 (?)
que proíbe o exercício da maladia nos coutos de igrejas ou dos mosteiros
(Leg., p. 209).
D . D in is
É preciso esperar o reinado de D. Dinis para ver o referido princípio ex
presso com toda a clareza e se tirar dele, como consequência normal, a
possibilidade de intervenção do rei nas terras imunes.
Efectivamente, em 1317, censurando aqueles senhores que ameaçam os
súbditos por eles interporem para o rei o recurso das suas sentenças,
afirma:
«em todalas doações que os reis fazem a alguus, sempre fica aguardado pera os
reis as apelações e a jostiça maior, e outras cousas multas que ficam aos reis, em
sinal e em conhecimento de maior senhorio» (MPHI, doc. 34 = OA III 74, p. 2).
E em 1324 afirma que o porteiro do rei tem o direito de entrar nas honras
para «chamar» e «constranger», da mesma maneira que o juiz o pode fazer
para os habitantes do seu julgado (ibid., doc. 39). Não se deve esquecer,
no entanto, o contexto desta lei. A circunstância que permite ao juiz régio
«chamar» e «constranger» é a protecção ou o acolhimento de criminosos e
malfeitores na terra imune. Compreendem-se bem as razões de tal prescri
ção na fase final da guerra civil ae 1319-1324. De qualquer maneira não
se afirma nela o direito de o juiz régio julgar, sem mais, os súbditos das
terras senhoriais, mas de perseguir nela os malfeitores que noutros locais
praticaram crimes e aí buscam o refúgio.
De facto, o princípio do livre exercício dos direitos senhoriais nas hon
ras e coutos legitimamente estabelecidos é constantemente afirmado pelo
rei. Assim, por exemplo, no preâmbulo da ordem para iniciar as inquiri
ções de 1290, afirma que foram os próprios fidalgos e os eclesiásticos que
viam as suas terras invadidas por outros nobres que pediram a sua inter
venção (MPHI, doc. 16). Não se tratava só de impedir a proliferação se
nhorial à custa das terras da Coroa, mas também com o prejuízo de outros
senhores incapazes de se defenderem dos poderosos. Em 1311, ao promul
gar uma lei em que proíbe aos fidalgos adquirir terras em honras alheias, o
rei reconhece a existência dos direitos senhoriais legítimos e apresenta-se
como protector dos fidalgos de menor categoria e poder (LLP, p. 214). Por
isso, apesar de sustentar uma luta tão renhida e persistente contra a exten
são das honras57, o rei repete muitas vezes a ideia de que deseja manter a
jurisdição senhorial em todos os lugares onde ela for legítima.
A vigilância régia podia fazer-se nos senhorios particulares por meio de
tabeliães nomeados pelo monarca, que receavam o juramento dos juízes do
lugar, como sabemos se fazia em Amarante, da Ordem do Hospital58.
123
De facto, não se tratava de uma luta contra a nobreza como classe so
cial, nem de contestar uma das bases na sua superioridade. Pode certamen
te admitir-se a sinceridade de D. Dinis, ao apresentar-se como defensor da
baixa nobreza, porque também noutro lugar exprime claramente o seu
propósito de preservar o fundamento material da função militar da classe
nobre. Trata-se da lei de 1291, que proíbe aos mosteiros herdarem bens
dos seus professos. E extremamente significativa a justificação que o rei dá
desta medida a que hoje chamaríamos anticlerical. Diz ele que as terras dos
fidalgos
«som minguadas e mui pobres e exerdadas das possissões e das heranças de sas
avoengas», e por isso «nom podem viver em meu reino nem servir-mi tam bem
nem tam compridamente como serviram os filhos d’algo e a outras gentes que
forom ant’eles ós outros reis que forom ante mim, per razom que dizem
que quando sas filhas entram nas ordées e i morrem professas que as ordees veem
aos beens e aas heranças... e per esta razon sae das avoengas e das linhas em
descendendo e enalheam-se pera todo sempre». D aí «tanto prigoo poderia se
guir, que o reino nom haveria i liidemos defensores quando i mester fosse com
mingua d’haver». Faz, pois, esta lei, «consiirando prol dos meus reinos e dos
meus filhos d’algo e doutras mhas gentes que hão a defender o reino e consii
rando a ajuda per que o reino podesse seer melhor defeso e melhor emparado
se lhi pefaventuira, acaecesse guerra de mouros e d’outras gentes» (LLP, p. 73).
59 Do mosteiro de Castro de Avelãs, 1284 (MPHI, doc. 44); de Vairão, 1311 (J. P. Ribeiro,
1810, I, doc. 75); de Pedroso, 1315 (ibid., doc. 76); etc.
60 Sobre as inquirições, ver em geral e para o caso de Santa Maria: L. Krus et alii, 1989,
pp. 49-62; para o caso de Caminha: M. Helena Coelho, 1990, I, pp. 204-207; para o caso de
Braga: J. A. Pizarro, 1990. Sobre a sucessão dos Sousas, ver L. Krus, 1993 ou 1994, pp. 51-99.
61 M. Barroca, 1989, pp. 21-22.
124
autoridade com o direito de tornar cavaleiro quem não é nobre de sangue.
E ele, portanto, o senhor e juiz do acesso à classe nobre, o único que pode
suprir o defeito do nascimento:
«De direito antigo e das leis dos emperadores que entre nós forom nenhuu ho
mem do concelho nom pode seer cavaleiro nem haver honra de cavalaria se-
nom per seu rei ou per seu filho que há-de peitar per seu mandado d’el rei»
(LLP, pp. 202-203).
C o n c lu sã o
Mesmo com as precauções tomadas pelo rei, para assim se apresentar como
o defensor da nobreza, do seu equilíbrio interno e da sua posição social co
mo classe, os fidalgos da nobreza senhorial nem por isso deixaram de con
siderar que as intervenções de D. Dinis ameaçavam seriamente o próprio
fundamento das prerrogativas aristocráticas. O vigor com que se armaram
e combateram os exércitos régios mostra que desencadeavam uma cólera há
muito tempo contida. Não se deixavam convencer pelos alegados bons
propósitos do rei. De facto, o crescimento do Estado não podia parar.
A reserva dos poderes públicos para o soberano, senão em todos os níveis,
pelo menos como árbitro supremo e absoluto do seu exercício, não podia
deixar de conduzir à contestação do próprio princípio da apropriação de
poderes públicos por pessoas privadas. Faltavam, todavia, alguns séculos
para que o processo de desenvolvimento do Estado atingisse este ponto.
125
Não se pode esquecer que, na origem das questões entre a Igreja e o
Estado (utilizemos este termo para simplificar, mesmo antes de ele estar
completamente formado), reside, afinal, o facto de ela ser a grande inspira-
dora da ideia da unicidade do poder, atribuindo-o todo a Deus. Surge as
sim a noção de unicidade do poder temporal e, consequentemente, da cen
tralização régia. De maneira ainda mais decisiva, a Igreja inspira os
monarcas do Ocidente, organizando-se ela própria num sistema centraliza
do, que reúne a pouco e pouco os mecanismos necessários para fazer che
gar todas as ordens do topo até à base, e vigiar atentamente a sua execu
ção. Antes de os monarcas pensarem em reunir em si todos os poderes
e monopolizarem os mecanismos transmissores da autoridade, já os papas o
faziam em Roma, para instruírem, vigiarem, julgarem e punirem os bispos
de toda a Cristandade, já mandavam os seus legados a toda a parte, já rei
vindicavam a qualidade de juízes supremos, como instância de recurso, já
reservavam o poder de legislar, já teorizavam acerca da natureza, da origem
e dos limites da sua autoridade, já definiam as relações entre ela e a dos
reis e imperadores, já dispunham, mais de um século antes de aparecerem
as primeiras réplicas no campo civil, de um código jurídico, ordenado, ló
gico, complexo e baseado em princípios universais (o Decretum de Gracia-
no), já protegiam e vigiavam atentamente os estudos universitários de D i
reito e escolhiam, preferentemente aí os seus melhores e mais eficazes chefes
e auxiliares O que Gregório VII (1073-1085) não conseguiu pela força dos
princípios, realizou-o Alexandre III (1159-1181) pela capacidade de orga
nização, preparando o caminho para que viesse a desabrochar a incontestá
vel autoridade de Inocêncio III (1198-1216).
D e A fo n so I a Sa n ch o I
126
de Compostela, acusar Sancho I e seu pai de outras intromissões no campo
canónico, nomeadamente na escolha dos bispos de Lisboa e de Évora e ao
ordenar a sua sagraçao pelo arcebispo de Braga (ibid., n.° 45).
De facto, Sancho I seguiu o mesmo caminho. Prestou obediência ao
Papa (DS 22 ), mas também confirmou os privilégios eclesiásticos de Santa
Cruz (DS 55), deu à Sé de Coimbra as igrejas construídas e a construir no
termo da Covilhã (DS 9), confirmou a redução do número de prebendas
da Sé de Coimbra pelo seu bispo (DS 34), assim como a divisão dos rendi
mentos da colegiada de Santarém e a limitação do número dos seus cóne
gos (DS 52), interveio na nomeação do pároco de Abiul (DS 231), impôs
aos bispos portugueses contribuições para a diocese de Silves, obrigou os
templários e os hospitalários de Silves a pagar dízimo ao bispo e impediu
de aí construírem igrejas (DS 42; BPIn. III, n.° 53), obrigou os clérigos
que saíam do reino a jurar que não iriam à cúria romana (BPIn. III,
n.° 154, p. 296), interveio nas questões entre os cónegos do Porto e o seu
bispo (BPIn. III, n.os 77, 87; CCSP, p. 500), e entre o mosteiro de Santa
Cruz e o bispo de Coimbra, chegando a mandar prender este último
(BPIn. III, n.° 87, pp. 165, 168), além de se envolver noutros problemas
internos da mesma diocese63; enfim, tentou impedir os bispos portugueses
sufragâneos de Compostela de prestar obediência ao metropolita
(BPIn. III, n.° 73).
Todavia, o que provocou as suas questões com o bispo do Porto, Mar-
tinho Rodrigues, não foi a intromissão em questões eclesiásticas, mas a ati
tude deste acerca do casamento do infante D. Afonso com Urraca de Cas
tela, sua parente afastada. É evidente que o bispo, por sua vez, tomava daí
pretexto para incomodar o rei e o príncipe com as censuras eclesiásticas,
em virtude de o rei favorecer os burgueses do Porto, revoltados contra a
autoridade episcopal64.
Ora esta questão e uma outra, menos conhecida, com o bispo de
Coimbra, que suscitou violências de ambas as partes, levou o papa Inocên-
cio III a intervir em 1 2 1 1 . Isto deu-lhe ocasião para censurar o rei em ter
mos gerais, por ele escrever arrogantemente ao Papa e se intrometer em
questões da Igreja que não lhe diziam respeito. Aconselhou-o então a não
usurpar os direitos eclesiásticos, assim como o Sumo Pontífice não usurpa
va os direitos reais, e deixar-lhe o juízo dos clérigos, assim como ele lhe
deixava o dos leigos65. De resto, o próprio Sancho I reconheceu como to
dos estes terrenos eram escorregadios. Ao tentar promover a concórdia en
tre os cónegos de Santa Cruz e o bispo de Coimbra acabou por perder a
paciência com os meandros da argumentação canónica. Desabafou: «Não
quero ouvir mais [...] Este negócio não é para leigos» (BPIn. III, n.° 87,
p. 168). De facto, a confusão dos poderes tinha de cessar. Impunha-se a
delimitação. Mas foram precisas muitas lutas antes de ela se poder realizar
na prática.
63 Potthast, 1487-1489 = SBP, 1810-1812, duas das quais estão publicadas por extenso em
MHV, I, n .°4 4 9 , 450. Cf. Teresa Veloso, 1988, pp. 366-367.
64 J. A. Ferreira, 1923, I, pp. 190-202; A. E. Reuter, 1928, pp. 7-11; M. de Oliveira, 1959,
pp. 43-46.
65 Potthast, n.° 4187 = SBP, n.° 1811.
127
Afonso II: o poder temporal e o poder espiritual
Quem primeiro tentou definir os campos, em termos legais, foi Afonso II,
adoptando certamente conceitos que lhe eram sugeridos pelo chanceler Ju-
lião e alguns dos quais já tinham sido objecto de concessões parciais de
privilégios por parte de Sancho I66.
Efectivamente, as leis de 12 11 isentam os clérigos dos tribunais civis
(Lei 12 ) do pagamento de certas colheitas e da prestação de serviços nos
castelos e da atalaia (Lei 14), de dar pousadia a oficiais régios e de pagar
tributos e foros ao rei (Lei 17); põem em vigor o princípio de que os cléri
gos devem ser julgados no tribunal eclesiástico (Lei 12) e declaram que o
rei submeterá à confirmação do bispo a nomeação de clérigos por ele feita,
em virtude do direito do padroado (Lei 9). Além disso, em 1218 concede
solenemente a todas as dioceses do reino o dízimo dos rendimentos dos re-
guengos67. No sentido inverso, proíbe as ordens e os mosteiros de comprar
bens fundiários (Lei 10 ), recusa-se a aceitar os «decretos» de Fr. Soeiro Go
mes acerca da confiscação de bens de hereges (Leg., p. 180), e reivindica
perante as infantas, mesmo protegidas por todos os poderes eclesiásticos, o
direito de reservar para si o senhorio dos bens legados por Sancho I.
A aplicação do princípio da separação mostrava-se difícil porque as infantas
recorriam ao Papa, porque os funcionários régios consideravam certos bens
eclesiásticos sujeitos às colheitas68, e porque, na questão com o arcebispo
de Braga, Estêvão Soares da Silva, o rei ou os seus partidários não resisti
ram à tentação de empregar a força, por intermédio de gente dos conce
lhos de Coimbra e de Guimarães69.
A dificuldade vinha de dois lados: a Igreja tendia a interpretar os privi
légios de isenção do foro, do serviço militar e das imposições fiscais à luz
dos direitos senhoriais, ou seja, tendia a transformá-los em jurisdição pró
pria sobre estas matérias, o que o rei não podia deixar de considerar como
usurpação. Assim, os tribunais eclesiásticos procuram alargar constante
mente o seu âmbito: não apenas sobre os clérigos e as causas espirituais
(heresia, juramento falso, legados pios, causas matrimoniais) que se podiam
transformar facilmente em formas de pressão sobre leigos, mas também so
bre os bens eclesiásticos, o que os tribunais civis dificilmente podiam acei
tar, se a sentença causava prejuízo a leigos70. A isenção do serviço militar71
transforma-se em reclamação de dispensa, não só para os clérigos mas tam
bém para os colonos das suas terras, mesmo que não se situem dentro dos
66 D S 72, de 1194, sobre o julgamento de clérigos pelo bispo de Coimbra; D S 79, sobre o jul
gamento dos de Lisboa; D S 89, isentando os clérigos de Guimarães da «voz e coima»; D S 201,
isentando os cónegos de Coimbra e os regrantes de Santa Cruz da colheita e de outros tributos e
obrigações; D S 202, dispensando o clero de Coimbra e de todo o reino de ir ao fossado ou a ou
tras expedições, excepto em casos de invasão de Mouros; D S 204, concedendo várias imunidades
aos cónegos de Guimarães.
67 Publicados em A. D. de Sousa Costa, 1963, pp. 67-73.
68 Bula Quod solite salutationis, de 22 de Dez. 1220, in MHV, II, n.° 343 = A. D. Sousa Cos
ta, 1963, pp. 94-96.
69 J. A. Ferreira, 1928, I, pp. 367-407; A. E. Reuter, 1928, pp. 16-21; A. D. de Sousa Costa,
1963, pp. 91-109.
70 Gama Barros, II, 190-231.
71 Fortunato de Almeida, 1967, p. 160.
128
coutos, e, consequentemente, a recusa de prestar o serviço de anúduva para
a reparação de muralhas e castelos72. Finalmente, a isenção fiscal serve de
pretexto para recusar contribuições como a colheita, ou tributos para a
construção de pontes e caminhos73, e reforça a negativa das anúduvas.
O direito de asilo dos perseguidos pela justiça nos recintos sagrados irrita
os meirinhos e alcaides que vêem assim escapar-lhes os criminosos74.
Por outro lado, as concessões feitas pelos reis, mesmo por Afonso II,
também se transformam elas próprias em fontes de conflito: os mordomos
régios nem sempre entregam os dízimos75, e a sua falta serve de pretexto
para censuras e questões; a isenção de colheitas, anúduvas, talhas, etc., dá
lugar a dúvidas quanto à sua aplicação em casos concretos76.
O mais grave, porém, talvez não fosse a dificuldade de delimitar os
campos, que se sobrepunham em matérias tão numerosas e cujos detento
res tentavam alargar constantemente. A criação de uma burocracia e de
uma hierarquia fortemente organizada nas dioceses, com o apoio do papa
do, as tensões entre as diversas forças que no interior delas também exis
tiam, levantavam graves questões internas dentro da própria Igreja, opondo
os cónegos ao bispo, os religiosos isentos à autoridade diocesana ou uns
contra os outros, as confrarias contra párocos e mosteiros, bispos que não
se entendiam quanto às fronteiras das suas dioceses ou contestavam a auto
ridade do metropolita, e assim sucessivamente. Ora os contendores que se
opõem uns aos outros por razões de princípio ou por ambição pessoal não
resistem à tentação de procurar apoio ora na autoridade civil local ou na
cional, ora na autoridade papal, ou mesmo na protecção dos soberanos vi
zinhos, como o rei de Leão. E, assim, a intervenção das autoridades dos
concelhos, dos mordomos régios, dos membros da cúria, dos clérigos do
rei, para apoiar uma das partes em litígio, suscita da parte da outra o re
curso a Roma e, para melhor atingir os seus fins, leva-a a acusar a autori
dade régia em bloco. Assim, os conflitos envenenam-se, do lado do rei ou
dos seus homens, com violências e represálias, e do lado dos bispos, com
excomunhões, interditos, recusa da sepultura eclesiástica, recurso à maior
severidade das penas em matéria de impedimentos matrimoniais. A divisão
dos próprios clérigos, que em alguns casos não acatam as sentenças de ex
comunhão e de interdito, e por isso dão mais força às autoridades civis,
também não contribui para encontrar soluções pacíficas e duradouras.
E assim as acusações formuladas nas bulas papais só revelam, geralmen
te, as razões de uma das partes, ocultando as das outras. Esquecem sobre
tudo um aspecto fundamental do problema, que é a invasão de campos
antes pertencentes pacificamente aos tribunais concelhios e régios, por um
processo de extensão constante e da jurisdição eclesiástica, análogo ao que
impulsionava os senhores a multiplicar as honras.
72 Cf. concordata de 1289, n.° 9, in LLP, p. 345; de 1309, n.° 6, LLP, p. 157.
73 Cf. LLP, pp. 129-130 de 1309; G. Pereira, 1885, does. 34 e 35 de 1309 e 1311; M. H.
Coelho, 1983, doc. 19 de 1312.
74 Gama Barros, II, pp. 239-246; L. M. Duarte, 1990.
75 Artigos de 1267 contra Afonso III, n.os 7 e 10; Herculano, 1980, III, pp. 132-133; suple
mento à concordata de 1289, n.° 1, in LLP, p. 364.
76 Ver os documentos citados na nota 73.
129
A prova de que assim é encontra-se facilmente examinando as bulas
papais que tentam unir as forças clericais divididas: as que advertem ou,
mesmo, excomungam clérigos e dignitários eclesiásticos que colaboram
com o rei, como os conselheiros de Afonso II77, que censuram bispos e ou
tros membros do clero por não acatarem sentenças de excomunhão e inter
dito78, que intervêm mais concretamente nas questões entre mestre Vicente
e o bispo de Lisboa79, em torno da eleição do bispo de Lisboa depois da
morte de D. Soeiro (1234), ou da eleição do mestre João Raolis, deão de
Lisboa80, dos conflitos entre dioceses81 e entre os bispos e cónegos82, das
acusações feitas pelo bispo do Porto, Pedro Salvadores, contra Franciscanos
e Dominicanos83, e assim sucessivamente.
Daí os aspectos complicados e, mesmo, contraditórios destas questões,
a proliferação dos conflitos sustentados por interesses muitas vezes alheios
à oposição entre o rei e os prelados, as bruscas ausências de documentação
que não permitem saber como findaram os pleitos, as reconciliações apa
rentemente inesperadas.
De facto, a controvérsia não podia cessar enquanto o poder régio não
tivesse coordenado suficientemente os mecanismos da actuação dos seus
funcionários e não lhes fornecesse instruções uniformes e constantes; e, por
outro lado, também não podia abrandar enquanto nas dioceses se não ti
vessem definido com algum rigor as regras das promoções e os direitos das
diversas instituições e autoridades, de modo a estabelecer um certo equilí
brio entre as diversas forças que nelas actuavam84.
A crise de 1245
Ora, a crise de 1245 levou uma parte dos bispos do reino a pedir uma in
tervenção decisiva da Santa Sé para poderem colocar no trono português
um rei favorável à Igreja e que ao mesmo tempo a defendesse dos abusos e
das violências que sofriam constantemente por parte de muitos nobres
e outros leigos85. Como é sabido, o conde de Bolonha e irmão do rei, pro
vavelmente com o apoio da corte francesa onde então reinava São Luís, e
por intrigas nas quais ele próprio deve ter desempenhado papel relevante86,
foi nomeado por Inocêncio IV curador e defensor do reino, por deposição
de Sancho II, alguns dias depois de se ter encerrado o concílio de Lião,
130
onde foi também solenemente deposto o imperador Frederico II87. A entre
ga do poder foi precedida pelo solene juramento do conde em Paris, consi
derado normalmente, desde Herculano, como a expressão de que os prela
dos pretendiam com ele sujeitar o novo rei à tutela eclesiástica88. Ora, uma
leitura desprevenida deste documento mostra, peio contrário, que os com
promissos são bastante vagos e se destinam fundamentalmente a instaurar
a paz e a justiça no reino. As exigências dos bispos consistem sobretudo em
pedir especial protecção para os bens e as pessoas eclesiásticas. As medidas
interpretadas como de tutela resumem-se à promessa de obedecer à Igreja
romana (n.° 13) e de ouvir o conselho dos bispos que o rei puder chamar,
na medida em que o tempo e o lugar o aconselharem (n.° 14). Mas o con
de não se esquece de ressalvar os direitos do rei e do reino (n.° 16)89.
Afonso III
As circunstâncias em que o novo governo se iniciou, e sobretudo a invul
gar capacidade administrativa de Afonso III, permitiram-lhe de facto paci
ficar o reino, mas fê-lo, como vimos90, à custa da implantação de um siste
ma de controlo eficaz das autoridades locais, por meio de intermediários
encarregados de as vigiarem. Ora este processo não podia ter deixado de se
revelar rapidamente como uma ameaça contra aquilo a que os clérigos cha
mavam a «liberdade da Igreja»91.
Assim o sentiram os bispos que de tais procedimentos se queixaram
nas cortes de Guimarães de 1250 (Leg., pp. 185-189). Apesar disso, e mes
mo não esquecendo os conflitos que depois se agravaram no Porto entre o
rei e o respectivo bispo92, parece não se encontrarem vestígios de conflitos
graves até 1266. De facto, ainda em 1262 os bispos se dirigiram ao Papa
pedindo-lhe para legitimar o segundo casamento do rei com Beatriz de
Castela, logo que morreu a sua primeira mulher, a condessa Matilde93.
O bispo de Évora cedeu parte dos dízimos da sua diocese durante dez anos
para ajudar a reedificar as muralhas de Beja94. O rei interveio frequente
mente para acudir a protestos de igrejas e mosteiros contra os abusos dos
nobres95.
Em 1266, porém, rebenta a luta que se vinha preparando com a edifi
cação de duas instituições fortemente organizadas. Desta vez, ao contrário
do que acontecera nas décadas anteriores, os bispos estão quase todos uni
131
dos contra o rei96 e apresentam em Roma um extenso libelo em quarenta e
três artigos, com outras tantas acusações em matéria de opressão contra as
liberdades eclesiásticas, mais cinco artigos acerca de matérias civis.
Participavam nessa acusação todos os bispos do reino, excepto o de
Lisboa, que era D. Mateus, o antigo mestre-escola da Sé. Parece que agiam
por iniciativa do arcebispo de Braga, Martinho Geraldes97.
Do teor das acusações verifica-se que uma parte diz respeito a reais
problemas de jurisdição, aparentemente agravados por juízes e meirinhos
régios passarem a sentir-se detentores de um poder seguro, e menos im
pressionados do que nas décadas anteriores pelas penas da excomunhão
lançadas pelos bispos e seus delegados (art.os 2 2 , 25, 33, 34, 36, 38,
42)98.
Outra resulta de estar ainda em processo de implantação o pagamento
dos dízimos, mal aceites pelos fiéis e contra os quais os concelhos procura
vam lutar, apoiados, decerto, por magistrados régios (art.os 2 , 5 , 6, 7 e 10 ).
Um terceiro grupo de questões procede da senhorialização régia realizada
desde 1258 e que não podia tolerar as extensões da propriedade e da juris
dição eclesiástica, em detrimento das terras da Coroa (art.os 4, 20 , 23, 24,
29, 30, 34). O último engloba os problemas relacionados com o exercício
das chamadas liberdades ou privilégios eclesiásticos nas matérias indicadas
e que os oficiais régios se mostram zelosos em reduzir ao mínimo (art.os 4,
9, 12 , 20 , 22 , 26, 28, 31, 33, 35, 36, 37, 42, 43).
À nova capacidade de coligação dos bispos, que até aí faltara, não cor
responde agora tanta prontidão em os apoiar, da parte do Papa, como na
época de Inocêncio III, Honório III, Gregório IX e Inocêncio IV. As acu
sações não são aceites sem serem primeiro examinadas, e as ameaças de
censura pontifícia prevêem prazos, atenuações, recursos. O Papa, não con
fiando totalmente no relatório dos prelados, espera alguns meses para en
viar um delegado para averiguar o fundamento das acusações; suspende
temporariamente a excomunhão decretada pelo arcebispo de Braga; envia
uma bula prudente ao rei99. Esta reserva permite um prolongamento das
negociações durante um período suficientemente longo para mudarem os
seus protagonistas. Afonso III serve-se habilmente desses casos favoráveis
com a sua costumada astúcia. De facto, entre 1268 e 1279 sucederam-se
seis papas no sólio pontifício. No mesmo período, os bispos portugueses
foram quase todos substituídos: o rei, que já em 1267 era acusado de fazer
pressão sobre os cabidos para serem eleitos bispos da sua confiança (art.os 1 e
41), não deixou de aproveitar a ocasião para propor clérigos que o apoia
96 Discute-se acerca da posição de alguns bispos e dignitários eclesiásticos para com Afonso III.
Ver uma minuciosa análise dos casos de Pedro Hispano e de Fernando Anes de Portocarreiro em
José Antunes, 1990; id,> 1993.
97 A. E. Reuter, 1928, pp. 61-70. O libelo foi resumido por Herculano, 1980, III, 131-140;
ver, a partir da documentação pontifícia, RP, XI, 669. Publicado por M. Alegria F. Marques,
1990, pp. 499-521.
98 Já èm 1250 o bispo do Porto dizia que os «meirinhos e outros homens do rei não dão nem
uma palha pela excomunhão»; e o rei responde que isso é uma temeridade a reprimir: Leg.,
p. 189.
99 Bula Qui de $alute\ SBP, n.° 1978 = Potthast, n.° 20 431, publ. nos RP, XI, p. 162.
132
vam, como Durando Pais em Évora (1267)100. Quando finalmente o con
flito chegou ao desenlace, com a nomeação do franciscano Fr. Nicolau pa
ra dar a última sentença, estava-se já no fim da vida de Afonso III101. Ele
conseguiu ir adiando algum tempo a sua execução, que só se tornou defi
nitiva quase no fim do ano de 1277. Em Janeiro de 1279, já muito doen
te, o rei fazia perante vários eclesiásticos declarações tendentes a um com
promisso, oferecia reparações e obtinha a absolvição para poder morrer
tranquilo102.
D . D in is
Assim, D. Dinis recebia com o trono uma situação não completamente re
solvida, mas já preparada para o apaziguamento. Foi talvez a sua ideia acer
ca da supremacia régia, o seu propósito de edificar uma burocracia estatal
eficaz e a estratégia de preferir soluções de fundo, aquilo que retardou,
mesmo assim, uma solução rápida. De facto, teve o bom senso de buscar a
via dos acordos colectivos com os bispos, nas chamadas concordatas de
1289 e de 1309.
A primeira foi preparada por uma reunião dos prelados na Guarda em
1282103, mas a Santa Sé demorou o seu tempo a confirmá-la, até se chegar
finalmente ao texto de 1289104. Este retomava a maioria dos pontos das
queixas apresentados ao Papa em 1267. As dificuldades nem assim cessa
ram: em 1292 surgem novos protestos dos bispos do Norte (Porto, Guar
da, Lamego e Viseu), que o rei resolve, atendendo às novas acusações pelo
meio tornado habitual desde 1282. Renovaram-se em 1309, com o bispo
de Lisboa, o que deu lugar a um novo texto chamado habitualmente a
«concordata dos 22 artigos» que, apesar de não ter tido o acordo de todos
os bispos, parece não haver suscitado resistências generalizadas. Só o de Vi
seu não se conformou. Redigiu um De libertate ecclesiae para exprimir a
sua oposição105.
As questões com Fr. Estêvão, bispo do Porto e, depois, de Lisboa, pa
rece que pouco tiveram que ver com os problemas de outrora106. Entretan
to, multiplicando-se as eleições episcopais de clérigos afectos ao rei, este
passava a ter do lado do poder sagrado alguns dos seus melhores auxiliares,
naturalmente dispostos a encontrar, eles próprios, soluções para os confli-
10? As perturbações no catálogo episcopal de Coimbra, que não chega a aceitar a transferência
de Mateus Martins, de Viseu, antigo capelão régio em 1268 (que fica na cúria romana desde esta
data até 1279, para depois regressar a Viseu), e no de Lamego, onde não se chega a confirmar D o
mingos Pais (1217-1274), vêm certamente agravar as relações entre o rei e a cúria romana
(cf. A. E. Reuter, 1928, p. 75; M. Gonçalves da Costa, 1977, I, pp. 136-137; Fortunato de Almei
da, 1967, I, pp. 270-273, 277; M. Alegria F. Marques, 1990, pp. 258-262). Em Lisboa continuou
D. Mateus até 1282.
101 O relatório de Fr. Nicolau, utilizado por Herculano, 1980, III, pp. 183-188, foi publicado
por M. Alegria F. Marques, 1990, pp. 525-573.
102 ML, IV, f. 259.
103 A. E. Reuter, 1928, pp. 84-85.
104 Ibid ., pp. 86-87.
105 A. Garcia y Garcia, 1976, pp. 219-281.
106 F. Félix Lopes, 1962-1963, pp. 62-71.
133
tos que continuavam, inevitavelmente, a surgir a nível local, entre clérigos
zelosos ou ambiciosos, e mordomos, alvazis ou meirinhos não menos agres
sivos107.
Além disso, D. Dinis teve a habilidade de procurar na própria legisla
ção canónica as regras para a delimitação das duas jurisdições. O tribunal
régio compilou essas regras, fez as necessárias distinções e manteve firme-
mente o princípio de reivindicar a jurisdição temporal. A codificação des
ses princípios deve ter sido largamente difundida pelos tribunais locais para
que pudesse ser aplicada por toda a parte108.
Por outro lado, depois da luta desenvolvida por Afonso III para evitar
a extensão dos senhorios eclesiásticos, e devido à vigilância que a partir de
então fizeram também todos os detentores de terras imunes para delas ex
pulsarem a concorrência jurisdicional dos privilegiados109, acabou por dis
suadir as instituições eclesiásticas de se apropriarem de terras da Coroa.
A Igreja tinha de se contentar com a recepção dos dízimos, primícias e ou
tras contribuições que, de facto, um rei como D. Dinis se preocupou ma
nifestamente em pagar110. De resto, as leis contra a amortização da pro
priedade eclesiástica, que já tinham sido iniciadas por Afonso II ao proibir
as ordens e os mosteiros de comprar bens fundiários (Leg., p. 169), aplica
das também por Sancho II (Leg., p. 182), mas que Afonso III não parece
ter urgido, foram agravadas e completadas por D. Dinis desde a lei de
1286 (LLP, p. 162 = OA, II, 14, p. 174), sucessivamente regulamentada a
partir de 1291111. Embora ela não impedisse totalmente as aquisições do
clero, dotou o Estado de um instrumento legal adequado para poder inter
vir. Efectivamente, a ampliação do património eclesiástico tornou-se muito
mais moderada a partir daí.
O PA D RO A D O R É G IO E A N O M EA ÇÃ O D O S B ISP O S
107 Ver, por ex.: J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 37, de 1286; G. Pereira, 1883, does. 24 e 36
de 1309 e 1311.
108 LLP, pp. 57-60 (parte delas copiadas ibid., p. 380), 130-132, 132-136.
109 São inúmeros os prazos, aforamentos e outra documentação da época que proíbem a trans
missão da propriedade a privilegiados. Apenas um exemplo do mosteiro de Vairão de 1304:
J. Mattoso, 1985, pp. 145-148. A lei de 1261 de Afonso III dá cobertura legal a esta exclusão:
Leg., p. 209. Renovada noutros termos por D. Dinis em 1311: LLP, p. 214.
110 Does. de 1281, 1294, 1304, 1307 e 1308, respectivamente em P. de Azevedo, 1930, doc.
57; M. H. Coelho, 1983, doc. 13; ]. P. Ribeiro, 1836, V, p. 379; TT . Gav. VII 10.20 (G TT, II,
p. 485); C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 27.
111 LLP, pp. 73-74 = OA, II, 15, p. 176. Ver também LLP, p. 205 de 1305, pp. 74-75 c 209-
-210 de 1309. Gama Barros, II, pp. 270-280.
112 A. D. de Sousa Costa, 1963, nota 195; Leg., pp. 168-169. Para Sancho II, ver L. G. de
Azevedo, VI, pp. 181-187.
134
rições113; A reserva dó padroado das novas igrejas por altura da concessão
de forais tornou-se praticamente de regra desde 1258114. O rei aproveitou-
-se disso para designar párocos e abades da sua confiança, o que não dei
xou de levantar alguns protestos em 1267 (n.° 1) e 1289 (n.° 1: LLP,
p. 342). As listas de igrejas do padroado régio contribuíram para fixar os
direitos115.
Em segundo lugar, reduziu-se a liberdade de eleição dos bispos que até
meados do século xm foi de regra. A partir de 1266, como vimos, o nú
mero de bispos que foram eleitos por sugestão do rei tornou-se cada vez
mais numeroso. Desde 1267 surgem também bispos nomeados pela Santa
Sé para substituir os que morrem na cúria. Os primeiros destes são francis-
canos e distinguem-se mais pelo seu zelo pastoral do que pela concorrência
ao poder temporal116. Surge assim um episcopado favorável à centralização
do poder régio, e por vezes tão colaborante nas empresas do monarca co
mo Durando Pais, de Évora; Mateus, de Lisboa; Domingos Anes Jardo,
de Lisboa; João Martins de Soalhães, em Braga e Lisboa; Martim Pires de
Oliveira, também em Braga; Estêvão Anes Brochado, em Coimbra; e assim
sucessivamente. As divergências, resultantes, em última análise, da capaci
dade de auto-organização da Igreja desenvolvida graças ao seu quase mo
nopólio intelectual desde a época gregoriana, acabaram por se absorver
quando os reis, utilizando também os intelectuais e os juristas, consegui
ram copiar para seu benefício a poderosa máquina administrativa montada
pela Igreja sob a orientação da cúria romana.
A S O R D E N S M IL IT A R E S
113 Esta questão foi cuidadosamente estudada, para a arquidiocese de Braga, por M. Alegria
F. Marques, 15190.
114 Leg. pp. 691, 693, 705, 712, 730, 731, etc.
115 Rol de 1270: TT, Gav. X. 3.15 (GTT, I, p. 589); cf. rol de 1320; F. de Almeida, 1971, IV,
pp. 90-144.
nó p r y asco para a Guarda, 1267; Fr. João Martins para a Guarda, 1278; Fr. Telo para Braga,
1279; Fr. Estêvão para o Porto, 1310, e Lisboa, 1313.
117 Só os domínios dos Hospitalários foram estudados por J. A. de Figueiredo, 1800. Mas exis
te um excelente mapa dos domínios de todas elas em R. de Azevedo, 1937, aqui reproduzido no
mapa 16.
118 Em 1210 são eles que têm uma parte do tesouro régio (DS 194).
119 Leg., p. 170, n.° 11; A. D. de Sousa Costa, 1963, notas 64 e 79. Mas confia a ambos a
guarda dos bens dos príncipes até eles serem maiores: A. C. de Sousa, 1739, I, p. 35.
135
tícias claras acerca deles. Mas não pode deixar de se notar que, à sua mor
te, o rei reserva uma parte de certos bens para indemnizar os Templários,
sem dúvida por tê-los prejudicado (ML, IV, f. 255). Em Évora havia con
seguido que os freires de Avis lhe cedessem o alcácer novo depois de o te
rem construído120. Captou de tal modo a simpatia de alguns freires, como
o hospitalário Afonso Peres Farinha, que ele se tornou um dos seus gran
des auxiliares e confidentes121. Realizou acordos com os freires de Avis e
Santiago para o Alentejo e o Algarve, que favoreciam nitidamente o rei122.
Estabeleceu várias convenções com os Éspatários acerca dos direitos senho
riais no Alentejo123. Usou, portanto, da sua habitual astúcia na resolução
dos problemas por acordos parciais e pragmáticos.
D. Dinis, porém, não se contentou com estas medidas pontuais. Como
em tudo, sistematizou e procurou institucionalizar um poder efectivo sobre
as ordens militares. O seu esforço orientou-se sobretudo no sentido de tor
nar os Éspatários portugueses independentes do mestre castelhano. Conse
guiu que, em 1288, fosse eleito um provincial português, mas o mestre
contestou a separação, que foi revogada pela Santa Sé em 1295. Em 1314
os Éspatários portugueses tentaram de novo a separação124 e, a partir de
1317, uma embaixada portuguesa, na qual D. Dinis pôs o maior empe
nho, procurou em Roma obter o sancionamento da Santa Sé125, sem toda
via conseguir senão um adiamento da questão até ao século xv. Mas a pro
víncia portuguesa foi, desde então, um facto consumado.
Em segundo lugar, o rei procurou tornar efectiva a sua autoridade so
bre os Templários. Parece que já em 1288 conseguiu a eleição de um pro
vincial autónomo126. Mas a extinção da ordem pela Santa Sé em 1312 ofe
receu-lhe a ocasião de realizar os seus propósitos da maneira mais prática.
Primeiro, parece ter tentado apoderar-se de todos os bens da ordem supri
mida. Depois, tratou com a Santa Sé a criação de uma ordem portuguesa
para a qual passaram os bens dos Templários, o que conseguiu em 1319,
depois de laboriosas negociações127. Foi, como se sabe, a Ordem de Cristo,
que ficava assim praticamente à mercê da Coroa.
Quanto às outras duas ordens militares, a de Avis sempre tivera rela
ções bastante superficiais com a de Calatrava128. A do Hospital parece não
ter preocupado o rei, talvez porque os priores portugueses, na linha de
Fr. Afonso Peres Farinha e do seu sucessor, sempre estiveram muito próxi
mos da Coroa, e agiram com suficiente independência para com o grão-
-comendador da Hispânia. O auxílio que D. Dinis recebia deles eviden-
ciou-se nas suas lutas com o infante D. Afonso, durante as quais
colaboraram activamente no cerco de Portalegre e de outras fortalezas129.
136
A supremacia do rei sobre as ordens militares foi implicitamente reco
nhecida pela Santa Sé ao conceder, em 1320, a D. Dinis o produto de
uma parte das rendas de todas as igrejas do reino, para utilizar nas despesas
da guerra contra os Mouros, nomeadamente no combate à pirataria sarra
cena. Esta concessão deu origem a uma célebre lista dos rendimentos das
igrejas do reino publicada por Fortunato de Almeida130.
O REI E O PAPADO
137
«beijo a terra diante dos seus pés»135. Sancho II, que também se desaviera
com os bispos portugueses e era mais pusilânime, não deixa de lhe reco
mendar os filhos e o Reino repetindo a fórmula vassálica usada pelo pai, e
deixa-lhe mil maravedis136. Afonso III, excomungado, aparentemente indi
ferente às iras e ameaças do Papa e de todos os seus representantes, roga-
-lhe, apesar de tudo, «tanquam dominum corporis mei et anime mee», que
confirme e faça cumprir o seu testamento, e deixa-lhe cem marcos de pra
ta137. Mas já nao utiliza a expressão própria do vassalo. Enfim, D. Dinis,
mais seguro de si, apresenta-se como «filho obediente da Santa Igreja de
Deus» e não da pessoa do Papa, e recorda-lhe os seus deveres na execução
dos seus legados, pois «é theudo de fazer comprir as vontades dos passados
e de manter justiça em feito d5alma». Mas a sua generosidade é maior que
a de seu pai, pois envia a Roma quinhentos marcos de prata138.
C o n clu sã o
135 Sobre as relações de Afonso II com a Santa Sé, ver a tese de doutoramento de M. Teresa
Veloso, 1988, cuja principal utilidade consiste em publicar, na íntegra ou em extractos, a maioria
dos documentos pontifícios. Para os de Inocêncio III, porém, é preferível usar a excelente edição
integral de A. de J. da Costa (1989).
136 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 50.
137 Ibid ., p. 57. Sobre as relações de Afonso II com a Santa Sé, ver a recente tese de doutora
mento de M. Alegria F. Marques, 1990, que, embora baseada sobre uma rica documentação, pou
co acrescenta ao que se sabia anteriormente sobre este tema.
138 A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 103-104.
138
Antes de 1250
Não há, é claro, revoltas abertas. Os próprios concelhos mais fechados e
coesos, como os de Riba-Côa e da Beira Alta, aceitaram a representação ré
gia pelos alcaides e pelos alcaides, a presença dos mordomos nos reguen-
gos, a cobrança fiscal pelos almoxarifes. Se puseram em prática a prescrição
dos seus foros, que proibia, em certos casos, o apelo à justiça régia139, não
ficou notícia disso. Mas também não se submeteram passivamente ao livre-
-arbítrio dos alcaides e dos mordomos régios. Seriam necessárias muitas pá
ginas para dar notícia de todos os processos, protestos e reclamações feitas
pelos concelhos perante a autoridade régia de que temos conhecimento,
sobretudo a partir de 1250, ou seja, a partir do momento em que o rei
lança em todo o reino os seus oficiais, representantes e emissários. Não po
demos afirmar, no entanto, que as primeiras reclamações de que há notícia
mais detalhada, e que datam justamente de 1250 segundo toda a probabi
lidade, se devam apenas à intromissão dos funcionários que agiam por or
dem de Afonso III, ou se, afinal, reconhecendo a sua autoridade, os povos
o julgavam capaz de pôr cobro a abusos da inteira responsabilidade de ma
gistrados locais, que haviam aproveitado o ambiente desordeiro anterior
para praticarem impunemente os seus excessos. De facto, já em 1227 San-
cho II ordenava aos álcaides e a outros oficiais seus que não interferisseín
na actividade judicial dos alvazis de Lisboa em matérias respeitantes a ma
rinheiros, pescadores, mouros e judeus140.
Afonso III
Assim, a reclamação contra a pretensão de o rei escolher os alvazis de
Coimbra, desprezando o direito de o concelho os eleger, a confiscação do
paul de Montemor-o-Velho e as excessivas exigências de anúduvas para
construção das muralhas de Marvão aos cavaleiros do mesmo concelho são,
de facto, indícios de maior interferência da autoridade régia141. Mas os
protestos contra os alcaides e os ricps-homens que pousam indevidamente
nas casas dos vizinhos, contra os excessos praticados pelo alcaide na prisão
de réus e nos tributos do açougue142 podem decerto justificar-se por abusos
antigos que os concelhos talvez esperassem ver agora reprimidos graças à
nova força demonstrada pelo rei.
De facto, não é provável, pelo menos até ao fim do reinado de D. Di-
nis, que se devam considerar os alcaides propriamente como agentes da
centralização régia, apesar de eles serem os representantes da sua autorida
de junto dos concelhos. Com efeito, o rei aceita frequentemente os protes
tos que os visam a eles, e promete reprimi-los143. Pelo contrário, as recla
139 Alfaiates, n.° 338, in Leg., p. 828. Ver no vol. II, pp. 337-360.
140 Silva Marques, 1944, Supl., doc. 3.
141 Agravamentos dos concelhos de Coimbra e de Montemor, in Marcelo Caetano, 1934, doc.
22, n.os 1, 9 e 12.
142 Ibid., n.os 3, 5, 6 e 7.
143 Lisboa, 1204, 1227, 1254: DS 155; Silva Marques, Supl., doc. 3; M. Caetano, 1954, doc.
22 (n.os 3, 5, 6); Évora, 1286: Gabriel Pereira, doc. 22; Santarém , 1309: C. M. Baeta Neves,
1980, I, doc. 28; Torres Vedras, 1318: J. M. Cordeiro de Sousa, 1957, doc. 13; Lei geral de 1264:
Leg., pp. 213-215.
139
mações contra mordomos, porteiros e almoxarifes são muito menos bem
aceites. O rei apoia constantemente a sua implacável exigência de tributos
e o seu zelo na detecçao de manobras feitas para escapar ao fisco, incita à
minúcia com que reclamam dízimos, portagens e açougagens de produtos
novos, de pequenas coisas e de todos os géneros144, exorta ao rigor com
que arrebanham gente para as jeiras e anúduvas, para construir ou reparar
muralhas, pontes, caminhos e rossios145. A diferença entre uma prática e
outra explica-se facilmente: os alcaides recolhiam provavelmente como pro
ventos próprios as multas que exigiam, enquanto os cobradores de rendas e
tributos tinham que dar contas aos clérigos da casa real. Os agentes da
centralização são os segundos e não os primeiros.
Mas para sujeitar os concelhos à sua autoridade, Afonso III nem sem
pre recorreu directamente à intromissão de funcionários seus nos órgãos
municipais. No Alentejo, por exemplo, favoreceu a implantação de senho
rios nobres, eclesiásticos e das ordens militares, em detrimento dos conce
lhos de Évora, Beja, Montemor-o-Novo, Monsaraz e Estremoz, como se
adoptasse uma estratégia sistemática de enquadramento de comunidades
cuja independência excessiva parecia temer, por senhorios particulares que
então lhe davam maiores garantias de fidelidade, como acontecia nomeada
mente com os cortesãos D. João de Aboim e Estêvão Anes146.
D. D inis
Por outro lado, também se nota uma diferença entre a época de Afonso III
e a de D. Dinis: acentua-se a tendência para julgar os protestos dos conce
lhos no foro judicial. Assim, o rei entrega aos tribunais, aparentemente
mais independentes, a solução das questões controversas, ficando acima das
mesquinhas querelas fiscais147. Sinal de que, depois de uma época em que
tudo se resolvia casuisticamente, localmente, e em que se esperava o favor
ou a clemência do rei, se começa a impor a necessidade de proceder segun
do princípios gerais e não apenas invocando a velha regra de que se devem
respeitar os costumes e o foro da vila ou os privilégios obtidos. O rei invo
ca cada vez menos o que já se usava no local ao tempo de seu pai e de seu
avô e começa a enunciar princípios universais. Não quer dizer que os con
celhos ganhem muito com isso, antes pelo contrário.
Os concelhos, por seu lado, também se organizam melhor. Inspirando-
-se talvez no procedimento adoptado para a representação em cortes, por
meio de procuradores, designam-nos também para tratarem as suas ques
tões nos tribunais da corte, e por vezes a sua função torna-se permanente.
Neste caso, porém, parece que o próprio rei intervém na sua designação
144 Santarém, 1254 e 1309: Marcelo Caetano, 1954, doc. 2; Évora, 1306: G. Pereira, 1885,
does. 31 e 32; Penacova, C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 35. Ver também os foros longos de
Santarém e suas adaptações.
145 Leg., 216-217 de 1265; Coimbra, c. 1250: M. Caetano, 1954, doc. 22 (n.° 12); Évora,
1311: G. Pereira, 1885, doc. 36.
146 Hermenegildo Fernandes, 1991, pp. 37-42.
147 Ver, p. ex.: Évora, 1306: G. Pereira, 1885, does. 31 e 32; CabanÕes, 1292: C. M. Baeta N e
ves, 1980, I, doc. 19; Porto de Mós, 1309: ibid., n.° 25; Santarém, 1309: ibid., n.° 28; Gulfar,
1315: ibid., n.° 34; Penacova, 1317: ibid., n.° 35.
140
ou, ao menos, na sua confirmação. De um documento de 1293 relativo
aos dois procuradores do concelho de Évora, parece mesmo deduzir-se que
o rei chega a nomear um dos procuradores e a proteger outro, do qual o
concelho tinha queixa148. Os foros longos de Beja prevêem o cargo de um
procurador permanente escolhido pelo alcaide, alvazis e homens-bons, que,
ao tomar posse do ofício, jura defender o concelho, guardar os seus foros,
usos e costumes, de maneira a que o rei e seus ovençais não vão contra eles
(Leg., II, p. 73). Tratava-se pois, em princípio, de uma forma de organiza
ção contra a ofensiva centralizadora da Coroa.
De qualquer maneira, a intervenção do rei ou dos seus ovençais é cada
vez mais frequente. Os concelhos não só têm de se defender contra as exi
gências minuciosas dos oficiais do fisco mas vêem também ameaçada a sua
capacidade de escolher os juízes, como vimos em Coimbra por volta de
1250, e sentem-se esbulhados das suas terras de sesmos, matas, terrenos co
muns e bravios. O rei apodera-se delas directamente, como em Coimbra e
Montemor na mesma ocasião149, manda entregar terras dos sesmos a privi
legiados sem se importar com a resistência dos concelhos150, ordena que
eles revejam a distribuição das presúrias151. N a época de Afonso III os pro
testos contra estas ocupações de terras não são ouvidos; mas a liberdade de
eleição é geralmente reconhecida. Surge então a exigência de os novos ma
gistrados judiciais, no início de cada mandato, jurarem sobre os Santos
Evangelhos, que darão «o seu direito a el-rei, e a todos os seus povos, o seu
e todos aqueles que a seu juízo veerem». Os almotacés, porém, e os outros
funcionários do concelho não invocam a obediência ao rei, mas a obriga
ção de guardar e fazer guardar todos os direitos ao concelho; os jurados,
porteiros e procuradores prometem obedecer ao que os juízes e almotacés
mandarem152.
O R E I, « S E N H O R » D O S C O N C E L H O S
Assim, o rei não aparece só como um grande proprietário sobre cujas ter
ras, colonos e instrumentos de produção ou comercialização o concelho
não tem jurisdição alguma, nem apenas como o senhor da terra que, à ma
neira senhorial, cobra impostos e vigia a justiça. Começa também a usar da
sua autoridade para impor regras de administração interna do concelho,
tendendo a esquecer a sua autonomia. Esta inevitável consequência da in
tegração municipal num vasto organismo político, coordenado por um go
verno único, não resulta apenas da progressiva intromissão dos funcioná
rios régios a partir do campo fiscal, mas também de uma tendência mais
geral para apertar mais fortemente os laços que unem os concelhos ao rei.
Esta estratégia política começa por utilizar o próprio vínculo de natureza
senhorial que os torna seus súbditos.
141
De facto, como indiquei atrás153, é provável que os concelhos, pelo
menos, em algumas ocasiões, sobretudo no princípio do seu reinado, pres
tem homenagem de fidelidade ao monarca, tal como aconteceu em Caste
la154. Também aqui temos notícia da homenagem prestada pelo concelho
de Belmonte, que pertencia ao senhorio do bispo de Coimbra, apesar de o
foral ter sido dado simultaneamente pelo bispo e pelo rei (DS 119). Em
1290 os juízes e vizinhos da vila, por meio de um procurador, fizeram ho
menagem ao senhor do concelho «por nos e pelo dito concelho e por cada
uu do concelho desse castelo»155. Mas os municípios do rei também de
viam prestá-lo, provavelmente com a fórmula empregada em duas cartas de
origens tão distintas como Freixo e Sintra, uma a Afonso III, em 1273,
outra a D. Dinis, em data desconhecida:
«Nós concelo e juizes de Freyxeo beijamos vossos pees e vossas mahoos e a
terra ante vos come a senor de mercee.» (Leg., p. 728)
«O alcaide e os alvaziis e o concelho de Sintra enviiam homildosamente
beijar as vossas maaos em terra d’ante os vossos pees como a senhor natural
onde atendem bem e mercee.» (C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 6)
V ÍN C U L O FE U D A L E V ÍN C U L O «N A T U R A L »
142
terra, e que outro homem nom ha sobre eles jurdiçom nem poder de os livrar
daqueles dereitos que os reis devem a fazer senom reis tam solamente.» (LLP,
p. 202 de 1305)
I d e o l o g ia m o n á r q u ic a
O R E I, «P R O T E C T O R » D O S C O N C E L H O S
143
reitos que convosco devem haver» (LLP, p. 202); promulgava outra lei
contra as pousadias dos ricos-homens, infanções e cavaleiros, as quais afec-
tavam sobretudo os concelhos, como se vê do seu próprio teor (LLP,
pp. 76-78, de 1311); protegia quase sempre os municípios contra as exco
munhões dos clérigos, como se deduz dos frequentes protestos dos bis
pos160; dava instruções para os magistrados concelhios limitarem os privilé
gios dos clérigos de ordens menores, casados, advertindo que o faz não só
«per razom daquelq que a mim é mester de vós pera meu serviço, como
daquelo que vós havedes mester pera vosso proveito e das vossas terras»
(LLP, pp. 206-207, de 1305).
De facto D. Dinis parece ter procurado uma estreita ligação com os
concelhos. Em 1299, no seu testamento, instituiu um conselho de regência
para assistir a rainha D. Isabel enquanto o herdeiro fosse menor. Faziam
parte dele cinco eclesiásticos (três bispos, o abade de Alcobaça e o confes
sor do rei); um único nobre, o meirinho-mor João Simão, aquele mesmo
que depois fez o zeloso discurso de Santarém; e seis homens-bons eleitos
pelos concelhos das principais cidades do reino. Estes, embora pertences
sem às cidades indicadas pelo rei, representavam todos os concelhos de re
giões mais vastas: um de Evora, eleito pelos da Estremadura; um de Coim
bra e um da Guarda, pelos da Beira e de entre Douro e Mondego; e um
de Guimarães pelos de Entre-Douro-e-Minho. Estes vilãos viveriam na ca
sa do príncipe herdeiro, teriam os ofícios que a rainha lhes confiasse e as
sistiriam ao conselho de regência. Esta determinação mostra, pois, que não
era pura fantasia o especial apelo que se lê no mesmo testamento:
«E estremamente rogamos os nossos concelhos de que nos fiamos mui
cumpridamente pela lealdade que em eles há, que sirvam a rainha e a guardem
e lhe ajudem a cumprir todas estas cousas.» (ML, V, f. 331)
160 Artigos de 1267, n.os 7, 8, 10, 12, 29, in Herculano, 1980, III, p. 133; Artigos de 1289,
n.os 6, 8, 9, 11, in LLP, pp. 344-345.
144
pais pedem para repousar em vez de combaterem, contestam o lugar que
para isso foi escoíhícfo e, chegada a hora da verdade, fogem vergonhosa
mente para a mata de Loures161. Pode ser exagero do cronista, favorável ao
partido do infante e que desprezava os vilãos dos concelhos. Mas talvez a
lealdade elogiada por D. Dinis não fosse tanta como ele imaginava. Talvez
o je i confundisse a benevolência dos mercadores e homens-bons que gosta
vam <le frequentar a corte e tiravam proveito disso, com o sentir comum
dos vilãos. Estes não podiam esquecer facilmente a actuação minuciosa e
implacável dos almoxarifes, a apropriação de matas e pauis, os favores a fi
dalgos à custa dos municípios, o desprezo pela justiça dos alvazis pouco co
nhecedores do direito romano, os atentados cada vez mais frequentes à au
tonomia dos concelhos.
Efectivamente, D. Dinis, em vez de confiar nos documentos autentica
dos pelo selo dos concelhos, exige que os contratos fossem selados com as
suas próprias armas e insígnias por um indivíduo por ele designado e que
não podia ser tabelião nem magistrado municipal (LLP, p. 204, lei de
1305). Obriga os concelhos a apresentar os juízes eleitos à sua confirmação
(Foros de Beja, n.° 171, in Leg., II, p. 73), quando, em 1261, Afonso III
ainda ordenava ao alcaide que não fizesse pressão sobre os vizinhos para
elegerem como alvazil ou almotacé alguém do seu favor (Leg., p. 214). Os
processos contra os municípios aumentam em número, mas deixam de se
registar os agravamentos dos concelhos nas cortes162.
Assim, mesmo quando o rei parece favorecê-los, a sua autonomia vai
desaparecendo, absorvida pela uniformização que a administração régia
lhes impõe, pelo controlo sobre as magistraturas e os tribunais, pela gene
ralização dos tributos, pela imposição das regras processuais dos tribunais
da corte163164. Além destes indícios, que são a inevitável consequência da cen
tralização política, pode citar-se ainda no mesmo sentido o costume de o
rei entregar o senhorio de alguns concelhos a membros da família real. Ce-
de-os «com todos seus direitos e com o senhorio deles», ou seja, os donatá
rios passarão a receber os referidos direitos e a nomear os oficiais que os re
presentam. A administração da justiça faz-se, porém, por meio do apelo ao
senhorio, e deste para o monarca. Assim aconteceu, por exemplo, com os
concelhos de Óbidos, Abrantes e Porto de Mós cedidos por D. Dinis a sua
mulher, D. Isabel, em 1281 (e confirmados em 1287) , assim como com
os concelhos de Évora, Vila Viçosa, Vila Real, Gaia e Vila Nova, cedidos
pelo mesmo rei em arras a D. Beatriz quando ela casou com o infante
D. Afonso em 1297165. Durante esta época, as concessões de senhorios de
concelhos e outras terras ainda se faziam em favor das rainhas, dos infantes
ou dos bastardos como o conde D. Pedro ou Afonso Sanches. Estas últi
145
mas, porém, abriam o caminho para as benesses a privados da casa real co
mo se faria cada vez mais frequentemente durante todo o século xiv.
C o n clu sã o
4.1. Coesão
A coesão interna de um país com contrastes tão fundos como aqueles que
evocámos, e que serviram para estruturar a primeira parte deste ensaio, não
se pode pressupor como um facto adquirido. À primeira vista, deveriam,
até, ser maiores os factores de divisão que os de unidade. O clima, a geo
grafia física e as civilizações importadas separam o país em dois. Porque
não se formaram duas nações? Deixando aos teóricos explicações mais fun
das, limitar-me-ei a seguir uma via empírica, que consistirá em ir rastrean-
do os vestígios dos diversos níveis de associação regional, para tentar desco
brir a sua relação com um ordenamento global do espaço e as suas
consequências no plano político-administrativo.
G e o g r a f ia h is t ó r ic a : estr u tu r a ç õ es r e g io n a is
147
país1. Ora, no Norte e no Centro, a configuração geográfica e humana
apresenta uma enorme variedade de situações, de barreiras e de contrastes,
o que torna mais difíceis e problemáticas as sínteses e interpretações glo
bais. Além disso, está sujeita, creio eu, a mais movimentos e reordenações
que o Sul. Como tantas outras partes deste ensaio, o presente parágrafo
não é um ponto de chegada ou a síntese de trabalhos já feitos, mas um de
safio a investigações futuras, cuja ausência prejudica a compreensão de al
guns fenómenos fundamentais da nossa História.
Uma coisa me parece certa: a unidade nacional não é um dado adqui
rido nem um dom da natureza. Não existe à partida. Os diversos ordena
mentos territoriais que se vão detectando ao longo dos séculos não têm to
dos o mesmo sentido. Existem forças de sentido contraditório. A umas
podemos chamar centrípetas; a outras, centrífugas. Por isso nem sempre é
fácil encontrar os vectores fundamentais nem descobrir as fases por que
passam as soluções e equilíbrios encontrados pelos poderes concorrentes.
As circunscrições político-administrativas, que, em princípio, as deviam
manifestar, para além de não terem o mesmo sentido fixo e rígido que hqjé
revestem, por lhes faltarem, até ao século xiv, fronteiras espaciais bem defi
nidas, podem considerar-se indícios de afinidades económicas e sociais,
mas nem sempre as exprimem com fidelidade. Ora, são sobretudo estas
que interessam, porque acabam por se impor, de uma maneira ou de ou
tra, às decisões administrativas, que nem sempre as têm em conta. Tenho
de confessar que estas precauções são, infelizmente, demasiado importantes
para poder utilizar com inteira segurança os dados de que disponho.
Começarei por distinguir os níveis de estruturação possível. O senhorio
ou o concelho são a unidade ínfima. Acima deles estão, no Norte, os julga
dos e as «terras». Mas as «terras» podem englobar vários julgados; no Cen
tro e no Sul estão praticamente ausentes da documentação. Aqui, surgem
quase só os concelhos, por vezes com dimensões tão extensas como as das
«terras» do Norte. Num terceiro nível, podemos considerar os antigos con
dados, anteriores ao século xi, que praticamente desaparecem como unida
des administrativas, para depois ressurgirem sob outras formas, com as re
modelações de Afonso III. Penso que, em termos de ordenação territorial,
se podem equiparar os antigos condados com as regiões confiadas aos mei
rinhos-mores, a que Gama Barros chama «comarcas». Entre estas duas fases
parece-me lícito considerar as dioceses como unidades aproximadamente
do mesmo nível, apesar de tanto os condados como os meirinhados (cujo
âmbito não era claro nem fixo) tenderem a englobar mais de uma diocese.
As PA RÓ Q UIA S SU EV ICA S
148
apoio para o controlo de áreas sem fronteiras estanques; pontos que, por
sua vez, eram comandados por outro centro, a sede diocesana. O sistema
evoca mais a imagem da constelação do que a da rede de territórios contí
guos. A eficácia da organização dependia da relação orgânica de tais cen
tros com a respectiva área de influência, e da sede diocesana com eles. N a
medida em que tal relação se mantém, a estrutura prolonga-se igualmente
ao longo dos séculos. De facto, pode provar-se a permanência de um certo
número de paróquias suévicas, transformadas, na Idade Média, em «ter
ras», julgados ou arcediagados.
Deve notar-se, porém, que as identificações entre paróquias suévicas e
«terras» ou arcediagados medievais até agora feitas se situam predominante
mente em regiões de fraca densidade populacional do Norte, ou seja, em
Trás-os-Montes e no Alto Minho, mas só foi possível encontrar algumas,
poucas, em regiões mais habitadas. O que quer dizer, creio, que estas sofre
ram alterações mais profundas no ordenamento do seu território2. Além
disso, verifica-se também que a maioria dos centros suévicos estava situada
em locais que deixaram de ser sedes de freguesia, o que quer dizer que
houve uma deslocação do respectivo centro ordenador.
De facto, o próprio Parochiale representa apenas uma fase de um pro
cesso de reordenação territorial. A sede do bispado do Porto resultou da
transferência do bispo de Magneto para aquela cidade, e Chaves havia per
dido o seu bispo, quem sabe se por transferência para Tuy ou Orense. As
dioceses de Coimbra, Viseu, Astorga e Braga tinham-se dividido havia
pouco, dando lugar respectivamente às de Idanha, Lamego, Orense e
Tuy3.
O que me parece mais importante na comparação do Parochiale com o
elenco das dioceses da Reconquista é que, ao passo que a memória das pa
róquias suévicas se perde frequentemente, sobretudo nas zonas onde houve
maiores remodelações, os centros diocesanos mantiveram-se nos mesmos
locais e com a mesma função territorial, apesar das perturbações resultantes
de fenómenos demográficos, hoje difíceis de reconstituir. Esta permanência
não pode fazer esquecer que o atrofiamento da vida urbana retirou às cida
des uma boa parte da sua importância, como estruturadoras das respectivas
áreas, e que a emigração de vários bispos para o Norte durante a mesma
época ainda contribuiu mais para enfraquecer o seu poder ordenador. Ora,
este fenómeno corresponde à emergência das comunidades locais e ao en
fraquecimento dos poderes político-administrativos civis, no Norte sujeito
aos soberanos cristãos ou entre as duas fronteiras. Pelo contrário, a zona
dominada pelos muçulmanos caracterizou-se pelo papel dos centros urba
nos, mesmo daqueles que não eram sedes diocesanas, quer como pólos de
actividades económicas quer como sedes de autoridades políticas.
2 Ver A. de J. da Costa, 1959, I, p. 133; id., 1981, p. 91; A. de Almeida Fernandes, 1968,
pp. 120-122, a consultar com reservas. Veja-se também a esclarecedora demonstração de F. López
Alsina, 1988, pp. 154-196, para várias «paróquias» da Galiza setentrional, e ainda uma síntese do
problema para o território bracarense em Rui C. Martins, 1990.
3 Pierre David, 1947, pp. 68-70.
149
A s C IR C U N SC R IÇ Õ E S ISLÂ M ICA S
O «R E P O V O A M E N T O » D O SÉ C U L O IX : P O R T U C A L E E C O IM B R A
150
dos condes explica, até certo ponto, que as restaurações diocesanas nessa
altura tivessem sido efémeras7. Só a partir da restauração de Braga, em
1070, se pode falar em efectiva função das cidades episcopais na reordena
ção territorial do Norte do país. Até lá, é provável que os principais caste
los ou fortalezas, estabelecidos muitas vezes sobre antigos castros, e por isso
chamados frequentemente civitates na documentação anterior ao sécu
lo x i i 8, constituíssem os pontos fundamentais de apoio da rede administra
tiva orientada pelos condes. A implantação de fortalezas em lugares altos,
governados por chefes que preferiam vigiar de longe as vias de comunica
ção do que situar-se imediatamente junto delas, é bem a expressão concre
ta do novo sistema9. A escolha de Guimarães para residência dos condes de
Portucale, de preferência ao Porto ou a Braga, tem, deste ponto de vista, o
mesmo significado.
O território ocidental da Península a sul da Galiza ficou, assim, entre
gue a dois condes, o de Portucale e o de Coimbra, que outrora haviam
pertencido a duas províncias romanas diferentes, a Lusitânia e a Galécia.
Uma vez, porém, que a oposição política entre o reino de Leão e o califado
de Córdova impedia a ligação de Coimbra com Mérida, capital da Lusitâ
nia, era natural que a mesma cidade se associasse a Portucale, constituindo
como que o seu prolongamento para o Sul, na medida em que o permi
tiam os hábitos de independência então em vigor. Abaixo dos condes, mas
ligados a eles por laços frágeis, as «terras» dos tenentes tinham entre si uma
relação variável, como peças de um puzzle susceptível de várias combina
ções, em virtude das vicissitudes das linhagens e das suas alianças.
As D IO C E SE S
7 Ver M. de Oliveira, 1958, pp. 95-97; A. Palomeque Torres, 1966, pp. 450-491.
8 C. A. Ferreira de Almeida, 1978b.
9 Ver vol. II, pp. 114, 122, 124.
10 A. de Amorim Girão e Paulo Merêa, 1943.
151
tos jurídicos romanos, embora nunca ultrapassasse, a norte, o rio Ave.
O facto da extensão para sul foi definitivamente reconhecido no plano
eclesiástico em 1122, mas ainda era contestado em 125311.
Todavia, fosse por motivos próprios de clérigos eruditos, conhecedores
de livros e de memórias antigas, fosse por razões objectivas, não se esquecia
facilmente a existência de dois polos, um situado no Porto e outro em
Coimbra, e a relação de um com o norte, e do outro com o sul do Douro.
Os redactores dos Annales Portucalenses Veteres, tanto o que redigiu a
secção que vai até 1080 como o da continuação até 1122 não consideram
ainda os dois antigos condados como uma unidade política. Para eles, sem
pre que designam o conjunto, falam da província portucalense (ou regio por-
tucalensis) e da civitas Colimbria12. Os notários dos documentos, igualmen
te. Ao falar da autoridade do conde D. Henrique, de D. Raimundo e de
D. Teresa, ou mesmo do rei de Leão, dizem que eles governam «Colimbria
et Portucale» (D C 810, de 1094), «a flumine Mineo usque in Tagum»
(D C 849, de 1097), «in Colimbria... et in Portugal» (D C 884, de 1098),
«in Colimbria» (D C 931, de 1100), etc. Encontram-se expressões deste gé
nero até 116513. O território portucalense, como se verifica de documentos
redigidos a sul do Douro, considera-se fazer parte de um todo mais vasto,
que é frequentemente a Galletia, pelo menos até ao ano 110014. A inclusão
na Hispânia, ou sob um governo situado em Toledo, sem menção da Gali
za, suscita fórmulas documentais desde 1086 (D C 660, 665, 743), mas
torna-se mais frequente a partir de 110315.
É também necessário notar que, pelo menos em Braga, os clérigos não
esqueciam que havia uma antiga província eclesiástica cuja fronteira era o
Douro. Um documento de 1072 diz mesmo, para distinguir o território de
Santa Maria do que com ele confinava a norte: «in ripa Durio ex parte gal-
leca»16.
A SU PR E M A C IA D E P O R T U C A L E
152
galensis dominus» (D C 871); em 1102 chama-se-lhe simplesmente «Portu-
galense» (DP, III, 80); no mesmo ano outro escriba di-lo «obtinente... Por-
tugalensem (provinciam) atque vicinitas, quarum una est Uiseo» (DP, III,
84); enfim, em 1118, também se chama a D. Teresa «regina portugalense»
(DP, IV, 79). Estes documentos concordam com o que dissemos atrás so
bre as menções dos diversos territórios nos documentos anteriores ao sécu
lo xi, e que evidenciam igualmente a sobreposição progressiva de Portucale
sobre os outros.
Esta tendência triunfa completamente desde que Afonso Henriques as
sume o poder: a partir daí a maneira mais corrente de o designar nos do
cumentos da chancelaria é «totius Portugalensis provinda princeps» ou ou
tra equivalente; e, depois de tomar o título de rei, «Portugalensium rex».
A diferença entre Portucale e Coimbra esquece-se completamente na chan
celaria régia. Só nos scriptoria dos clérigos mais eruditos, habituados a con
sultar velhos documentos e a entrar nas controvérsias sobre as metrópoles,
permanece a ideia de que o território a sul do Douro fazia, outrora, parte
de uma província chamada Lusitânia.
O cónego regrante de Coimbra que quer indicar a região onde Afonso
Henriques fazia as suas campanhas, a sul do Tejo, utiliza esse nome. Diz
também que o rei de Marrocos quis reconquistar a Lusitânia até ao D ou
ro17. O autor da vida de São Teotónio informa que Afonso Henriques
«dux Portugalis erat... post tocius pene Lusitanie et ex parte Gallecie rex
est effectus» (SS, p. 83b). A mesma ideia aparece nos Milagres de São Vi
cente do chantre Estêvão de Lisboa (SS, p. 96a).
As M E T R Ó P O L E S E C LE SIÁ ST IC A S
17 «Coeitavit venire Collimbriam et sic denique subiueata sibi tota Lusitania usque Dorium.»
(ADA, p. 159).
18 L. Vones, 1980, pp. 271-483.
153
colaboração do bispo do Porto, e explorando as rivalidades entre os prela
dos de Coimbra e de Braga, o arcebispo de Compostela conseguiu fre
quentemente dividi-los.
Deixando de lado as motivações imediatas e as intrigas, verifica-se nes
ta constante oposição entre duas teses a dificuldade de conciliar duas ten
dências divergentes: uma que tenta prolongar um passado de divisão entre
a Galécia e a Lusitânia, e outra que pretende traduzir institucionalmente a
expansão demográfica da área nortenha.
De qualquer maneira, durante a maior parte do pontificado de D. João
Peculiar em Braga, e com o apoio interessado de Afonso Henriques, os
vínculos entre a antiga metrópole da Galécia e os bispados de Coimbra,
Viseu e Lamego foram-se fortalecendo19. A obediência dos bispos de Lis
boa e Évora a Braga foi mais difícil de conseguir, mas, através de complica
das vicissitudes e controvérsias, foi sendo mantida com algumas intermi
tências até à sentença de 1199, dada pelo papa Inocêncio III, a qual
atribui a Braga as sufragâneas de Porto, Coimbra e Viseu em Portugal, e
de Tuy, Orense, Mondonedo, Lugo e Astorga na Galiza. E a Compostela,
as de Lisboa, Évora, Lamego e Guarda, em Portugal, e de Ávila, Salamanca
e Zamora, em Leão20.
Por esta solução de compromisso tornava-se evidente que os interesses
particulares das metrópoles e a sua capacidade de negociação, sustentada
por poderosos recursos financeiros, lhes permitia manter vestígios de uma
organização do espaço que já estava ultrapassada pela evolução demográfica
e política. Sinal de que o puzzle da associação de unidades regionais não
era ainda suficientemente claro para considerar a solução política como a
única possível. De facto, o agrupamento das dioceses do país em dois sec
tores, com as da Beira (Lamego e Guarda) associadas ao reino de Leão, e
as de Lisboa e Évora, ao Sul Mediterrânico, não era totalmente absurda,
a não ser na medida em que elas se faziam dependentes de Compostela,
prolongando artificialmente a extravagante influência de um prelado pode
roso. Deve advertir-se, por outro lado, que o problemà das metrópoles ia
revestindo cada vez menos importância real em virtude da crescente cen
tralização romana que levava a decidir directamente em Roma a maioria
das questões importantes, retirando-se cada vez mais ao arcebispo a ocasião
de intervir nas dioceses sufragâneas.
A solução encontrada tornava-se, assim, até certo ponto, vazia de senti
do. No futuro, deveria servir principalmente para atribuir a bispos leoneses
funções de juízes apostólicos em questões graves, que opunham os reis aos
prelados portugueses, o que contribuía para sustentar certo tipo de laços
entre as diversas unidades administrativas do nosso país com as do reino
vizinho. Por outro lado, trazia de facto uma certa divisão aos bispos portu
gueses. Esta manifestou-se, não poucas vezes, como vimos, nas relações en
tre o rei e a Igreja. A coesão interna no plano eclesiástico foi, por isso, um
processo laborioso e nunca completado até ao século xiv. Constituía a ex
19 N ão sem dificuldades da parte de Coimbra. Ver o libelo de D. João Anaia contra o arcebis
po de Braga in Erdmann, 1935, doc. 4. Sobre as questões entre ambos, vindas já do pontificado
anterior, ver A. de J. da Costa, 1984.
20 M H V I, does. 198, 199, 204 a 207.
154
pressão típica de tradições seculares ultrapassadas pela nova ordenação do
território, e que era difícil absorver completamente.
A EV O LU ÇÃ O D A R E D E A D M IN IST R A T IV A
O que vimos até aqui mostra, em termos muito gerais, a relativa coerência
e a continuidade do sistema administrativo eclesiástico, e, pelo contrário, a
incoerência e a variabilidade do sistema administrativo civil. Esta oposição
parece prolongar-se em termos semelhantes até à época moderna.
Com efeito, a hierarquia eclesiástica constituída por paróquias, arcedia-
gados, dioceses e metrópoles eclesiásticas mantém-se desde o século u até
aos dias de hoje, apesar das perturbações dos séculos vm a xi. A rede terri
torial que a traduz tem, muitas vezes, as marcas dos seus fundamentos, de
correntes simultaneamente da geografia humana e de algumas formações
gentílicas que os Romanos consagraram e que ainda perduravam na época
suévica.
Nada disto se verifica na rede administrativa civil. Com efeito, se algu
mas «terras» e alguns julgados medievais de Entre-Douro-e-Minho e de
Trás-os-Montes coincidem com paróquias suévicas e com arcediagados, a
regra não é geral e não se consegue descortinar qual a relação exacta entre
terras e julgados. Em princípio estes prolongam divisões administrativas
tardo-romanas ou visigóticas, enquanto aquelas resultam da implantação
de poderes de natureza feudal, que podem ou não coincidir com velhas di
visões «paroquiais», e que são dotados de pouca estabilidade. O sanciona-
mento, pelo rei, dos poderes dos ricos-homens administradores das «terras»
não foi suficiente para dotar este sistema de coerência e de continuidade.
N a Beira há também «terras» e julgados, mas a sua estabilidade é ainda
menor e as suas dimensões extremamente variáveis, sem que se perceba a
lógica ae tais alterações21. Por outro lado, além destas divisões existem
também os termos dos concelhos, com dimensões frequentemente compa
ráveis às das «terras». Ora, esta rede não parece basear-se na implantação
de poderes administrativos e fiscais (como os julgados), nem de poderes
feudais (como as «terras»), mas de poderes militares decorrentes da capaci
dade de controlo de uma povoação amuralhada sobre o respectivo territó
rio. A autoridade dos ricos-homens governadores das terras da Beira, da
Estremadura e do Alentejo parece ser problemática, pelo menos a partir de
Afonso III, e nula desde meados do reinado de D. Dinis. Nos castelos o
alcaide aparece como efectivo representante do rei, mas não subordinado
ao rico-homem. Os poderes administrativos dos mordomos, e os judiciais
dos meirinhos e corregedores não coincidiam com os de nenhum deles.
O significado destas observações é muito vasto. Temos de reconhecer,
antes de mais, que não existe, durante o período que nos ocupa, uma tra
dição uniforme e contínua, em termos de administração política, e que as
soluções encontradas resultam geralmente de compromissos entre o poder
central e poderes regionais e locais de natureza diferente. Não são, portan
21 Cf. as listas de governadores de «terras» estabelecidas por Leontina Ventura, 1992, II,
pp. 1014-1030, 1033-1038.
155
to, expressão de afinidades regionais. Não conferem à rede administrativa
um carácter «natural». O poder régio sobrepõe-se a formações fortuitas e
desconexas entre si. A relação entre o poder central e as comunidades de
base é artificial. Ou seja, o país não nasce de «baixo» para «cima», mas de «ci
ma» para «baixo». A Nação não tem uma base «nacional», mas estatal.
A SE D E DA C O R T E REG IA
156
troduzia a partir dela no interior do país, para procurar centros como Gui
marães e Braga, no Norte; Guarda, na Beira, e Évora, Eivas e Beja, no
Sul26. Em comparação com as de seu pai, D. Dinis intensifica as viagens
na Beira e no Alentejo, vai raramente a Trás-os-Montes e à Beira Baixa ou
ao Algarve, mas continua a usar de preferência a grande via próxima do li
toral atlântico. Pelos seus itinerários vê-se, no entanto, que a estrada da
Beira, que liga Coimbra à Guarda, se torna mais frequentada, e que a Es
tremadura pode agora ser visitada em todos os sentidos, sem recorrer cons
tantemente à via principal, como acontecera até aí27.
Pa pel das c id a d e s
157
Nao se deve esquecer que a região a leste da Beira foi, até ao princípio
do século x iii , fortemente condicionada pela rivalidade luso-leonesa. A zo
na de Riba-Côa, cuja forte personalidade está tão marcada nos foros lon
gos, de que tanto nos servimos para tipificar os concelhos mais arcaicos,
pertenceu, até 1297, ao reino de Leão. Os concelhos portugueses entre
Numão e Idanha estiveram sempre condicionados pela situação de guerra
ou de conflito latente, até ao tratado de Alcanises, o que lhes imprime um
comportamento especial, e, em termos de ordenação do território, a oscila
ção entre as influências de um lado e do outro da fronteira. Não se pode
esquecer que o próprio nome de «Beira», estendido a toda a zona das mon
tanhas a sul do Douro, deriva do vocábulo comum gue significa justamen
te a terra ao longo da «fronteira»29.
No Alentejo nota-se o contraste entre a zona nordeste, onde as povoa
ções crescem e proliferam em torno de Évora, e a zona sul, com um único
pólo em Beja, ligado à via do Guadiana, por Mértola, que Estabelece os
contactos com o Algarve. O resto da província é o grande (^escampado,
onde vagueiam os rebanhos das ordens militares. N a vertente db litoral, só
Alcácer do Sal se evidencia, como entreposto das comunicações entre as
pastagens alentejanas e Lisboa e o escoamento pela foz do Sado. Com a
ocupação portuguesa do Alentejo, esta região, que se estruturava como
uma zona de passagem em função das suas ligações com Mérida e Sevilha
de um lado, Lisboa e Santarém do outro, passa a ter como dominantes as
vias norte-sul, que ligam estas mesmas duas cidades ao Algarve, passando
pelo vale do Sado, atravessando o campo de Ourique e a serra algarvia em
direcção a Silves e a Faro, ou indo buscar a linha do Guadiana em direc-
ção a Castro Marim. A ligação com o reino vizinho, durante um certo
tempo afectada pela ruptura com o mundo muçulmano, viria depois a re
cuperar a sua importância, assegurando a prosperidade de Évora e da cons
telação de centros urbanos que a rodeavam30.
Mas o eixo de todo o país, desde a época de Afonso Henriques, é a via
que vai de Lisboa ao Porto, por Santarém e Coimbra. Põe em comunica
ção as duas regiões mais povoadas do país, Entre-Douro-e-Minho e a Es
tremadura. É a grande artéria por onde passam os homens e as mercado
rias, o feixe onde se concentram as trocas e os contactos. Estabelece um
vínculo entre as suas regiões onde à partida predominavam duas formas di
ferentes de organização social e económica, a concelhia e a senhorial. Não
admira, por isso, que nela se situem também os centros políticos: o rei e os
membros da administração régia sabem que aí se implantam os fulcros vi
tais do reino, e que daí podem estender a todo ele a sua vigilância e a sua
força. Dominados tais centros e a estrada que os unia, estava dominado to
do o país. É ele, de facto, o eixo ordenador da economia, da civilização e
da política, aquele que assegura a interacção das suas actividades de maior
amplitude.
29 Ainda tem esse significado em Leg., p. 253, de 1253. Cf. A. Fernandes, 1976, pp. 249-252.
30 João Carlos Garcia, 1986.
158
R e g iõ e s e p r o v ín c ia s
CO N TACTO S HUMANOS
Estas regiões estão em contacto umas com as outras, antes de mais por in
termédio do rei, que as visita, embora com uma frequência desigual. Mas
há também deslocações de mercadores e almocreves, que trazem do campo
os géneros necessários para alimentar a gente das cidades, de trabalhadores
que abandonam as regiões pobres onde os anos maus dizimam os habitan
tes, de jovens a quem a exploração familiar não chega para sustentar, e a
abandonam para ir buscar a subsistência a outro lado, de mouros cativos
que os senhores levam para o Norte e aí se misturam com a população au
tóctone, de membros da nobreza que estabelecem os seus senhorios na Bei
ra, no Ribatejo ou mesmo no Alentejo, de ordens militares cujos mestres e
comendadores procedem de famílias nortenhas ou beirãs, de funcionários
régios que nascem nas cidades, mas percorrem todos os reguengos do
reino.
A julgar pelos fenómenos linguísticos, porém, não é só a camada diri
gente, à qual pertencem alguns dos que mencionei, que intensifica as liga
ções e contactos cuja estrutura tentei reconstituir. Houve importantes
transferências de gente de todas as classes sociais, sobretudo do Norte para
o Sul, como era de esperar, dada a diferença demográfica entre uma e ou
tra regiões. O fenómeno, de resto, é permanente. Por isso merece a pena
recordar a maneira como Orlando Ribeiro exprime a sua resultante, a os
mose entre as duas porções do país, cujos contrastes ele tinha acentuado
antes com tanto vigor.
159
«A acçao do homem teve larga parte no atenuar destes contrastes... Talvez
se pudesse distinguir, na mistura destes elementos, a acçao de duas correntes.
A mais antiga caminhou do sul para o norte: os Romanos levaram a gente dos
redutos castrejos a praticar uma agricultura regular com base na produção de
cereais; na alta Idade Média difundiu-se a vinha em terras de cidra e de cerveja,
e o centeio nas montanhas; modernamente, apenas a oliveira caminhou no
mesmo sentido... A outra corrente, dirigida do norte para o sul, mais moderna,
tomou também maior importância: porque, além dos produtos da terra, afec-
tou os homens que nela vivem e trabalham. A Reconquista desencadeou o mo
vimento de gente de noroeste para o sul e o interior, que em váriâ^ épocas re
cebeu incremento; e, ainda nos nossos dias, prossegue este fluxo de colonização
interna, importante, se não pela massa, ao menos pela continuidade com que
se tem manifestado... Nesta mistura de gente e de plantas, assim como na va
riedade das regiões reside o segredo da unificação portuguesa. Áreas próximas e
muito diferentes, faltam-lhes todavia condições de vida próprias. Que seria do
Norte, superpovoado, se lhe houvesse estancado a emigração? Que seria do «ce
leiro» alentejano se as regiões de população densa lhe não consumissem os pro
dutos da terra?» (Orlando Ribeiro, 1967, pp. 159-160.)
160
O «SISTEM A NERVOSO» DO CORPO NACIONAL
Assim, a coerência do conjunto nacional é-lhe dada pela via que liga entre
si o rosário das cidades próximas do litoral. Une as duas zonas mais impor
tantes do país. Como diz de novo Orlando Ribeiro, «as feições que deri
vam da posição atlântica, dominante apenas no Noroeste, adquirem...
especial importância» no conjunto nacional. No Norte Atlântico «perma
neceram os elementos de civilização mais antigos e mais típicos, aí se cons
tituiu o Estado, desse inesgotável reservatório humano saiu a gente que
aglutinou a Nação». «A unidade de Portugal deve-se, em larga parte», con
clui, «ao predomínio destas regiões: elas constituem no organismo nacional
uma espécie de tronco antigo e robusto» (p. 160).
Se me é permitido, preferia, no entanto, alterar a imagem, inspirando-
-me nela para comparar o «reservatório humano» do Norte à raiz donde
parte o tronco que se estende para sul, ladeando pela base a ossatura mon
tanhosa da Península, e daí se ramifica através dos vales e das vias terres
tres, comandando todo o território. O que faz a força e a unidade do país
não são tanto, creio, as vigorosas e imemoriais tradições da gente do Norte
ou a fecundidade da sua energia expansiva, mas a associação de todos os
elementos vitais de uma comunidade humana — as técnicas, a cultura, as
ideias novas, a capacidade organizadora — numa rede coerente capaz de
estruturar o conjunto. Ora, a conjugação da massa humana com as técni
cas (no sentido mais amplo da palavra) dá-se num espaço próprio, que é a
área das colinas e planícies do litoral atlântico. Ideia, de resto, pouco origi
nal, pois apenas exprime sinteticamente o que o próprio Orlando Ribeiro
(1977) pressupõe e demonstra nas suas mais variadas modalidades e ex
pressões, ao longo da obra em que critica as teses geográficas de Oliveira
Martins, Jaime Cortesão e António Sérgio.
Do ponto de vista histórico, importa salientar que, apesar dos prece
dentes, apesar de a via ter sido aberta e frequentada pelos Romanos, per
corrida pelos mercadores e cavaleiros árabes e pelos exércitos leoneses e ga
legos, não se havia tornado nunca, até à conquista de Lisboa, o eixo vital
do Ocidente peninsular. Até esse momento serviu, como tantos outros tro
ços da rede viária romana, para ligar os grandes entrepostos como Astorga,
Mérida, Sevilha ou Tarragona, onde se recolhiam as mercadorias e as ma
térias-primas que depois se escoavam para o Mediterrâneo. Era pouco mais
que um lugar de passagem em direcção aos referidos centros que, por sua
vez, desempenhavam o papel subsidiário de polos económicos e políticos
orientados para o exterior. Só com a progressiva fixação da fieira de cidades
que a pontuaram, e a partir do momento em que elas passaram a ter vida
própria, constituindo centros orientadores de zonas rurais à sua volta, é que
a referida estrada se transformou em eixo ordenador da concentração hu
mana e da distribuição monetária, da produção, circulação e consumo dos
bens materiais e da administração política. Só a partir de então o seu con
junto alcançou dimensões suficientes para se tornar realmente autónomo.
Foi necessário ultrapassar esta fase para que as terras comandadas por tais
cidades se tornassem o cadinho de uma verdadeira comunidade, com os
seus circuitos internos e a sua língua própria, capaz de preservar tradições
161
que harmonizassem os contributos até então demasiado restritos e inarticu-
lados, das diversas unidades locais e regionais. Até esse momento, estas
unidades podiam, teoricamente, ter-se organizado de outra maneira.
As FR O N T E IR A S
32 Sobre a noção de fronteira na Idade Média, ver Rita Costa Gomes, 1987 e 1991.
33 Foi um dos principais objectivos de T. de Sousa Soares, 1962; id.> 1970.
34 Era o caso quando se tomava como limite um rio, como o Minho a norte, já no princípio
do século xn (HC, II, 42, pp. 303-304), e o Eljas a leste, em 1165 (D R 288).
35 Ver vol. II, pp. 333-334. Para a delimitação das dioceses, ver M. de Oliveira, 1965a,
pp. 28-58; A. D. de Sousa Costa, 1963, p p .*280-355; A. de J. da Costa, 1959, I, pp. 106-114;
M. Gonçalves da Costa, 1977, pp. 113-115.
36 Ver vol. II, pp. 152-154.
37 A. de J. da Costa, 1981, pp. 73-79, 132.
38 Júnias dependente de Osseira: M. D. Yanez, 1983, pp. 357-371; Castro de Avelãs tenta su-
jeitar-se a Castanheira: J. P. Ribeiro, 1813, III/2, d. 38; PUP, 151; LF, 494-495.
39 R. de Azevedo, 1962.
40 L. F. Lindley Cintra, 1959, pp. xxiii -lxxiii .
162
Maior durante o reinado de um soberano fraco, como Sancho II. Mais a
sul, as controvérsias acerca da posse do vale do Guadiana suscitaram
a guerra luso-castelhana de 1253, e só tiveram solução definitiva em 1267,
graças à persistência de Afonso III, que negociou a posse de Moura e Serpa
e o domínio sobre o Algarve41. A ocupação portuguesa do território leonês
de Riba-Côa, consagrada pelo tratado de Alcanises, foi um episódio da in
tervenção de D. Dinis nas guerras civis castelhanas durante a menoridade
de Fernando IV42.
De facto, só era possível resolver por negociações pontuais cada um
destes casos, onde a divisão natural não se impunha automaticamente. As
soluções encontradas exigiram compromissos relativamente arbitrários. Mas
a própria fronteira contribuiu depois para estruturar melhor as áreas de in
fluência dos conjuntos nacionais na Península43. Efectivamente, só a partir
do momento em que ela se definiu se puderam tornar mais conscientes as
noções de importação e de exportação e se relacionou com um espaço de
terminado a oposição entre «nacional» e «estrangeiro», que passou a apli
car-se não só a pessoas, mas também a coisas e, sobretudo, à moeda. A par
tir desse momento, não podia mais haver terras ou indivíduos que não
pertencessem a um determinado reino, muito menos comunidades inteiras
que pudessem negociar a sua fidelidade ao rei que mais as favorecesse44.
As medidas económicas de Afonso III contribuíram, pois, enormemen
te, para definir com rigor a noção de fronteira: era necessário saber a quem
se pagava a décima na transacção das mercadorias com os reinos estrangei
ros e em que pontos se podia fazer o controlo das importações e das expor
tações; os limites da soberania nacional ficaram mais claros com o fomento
das cidades de fronteira, sobretudo junto ao rio Minho45. Todavia, foi
D. Dinis quem mais contribuiu para a transformar numa linha contínua,
sujeita à vigilância de uma sequência de castelos que ele mandou construir
ou restaurar com infatigável perseverança, segundo um programa, prova
velmente bem consciente, de estabelecimento definitivo dos limites espa
ciais do reino46. O tratado de Alcanises foi o coroamento desta política.
Mas ela compreendeu também a confirmação da política de desenvolvi
mento urbano nas fronteiras, a fundação do primeiro couto de homiziados
em Noudar (1308), a implacável luta contra a constituição dos senhorios
de seu irmão D. Afonso em Marvão, Portalegre e Arronches. O rigor com
que a política fronteiriça de D. Dinis foi executada valeu a Portugal a deli
mitação praticamente definitiva do seu território47.
163
C onclusão
O organismo formado pelo conjunto de zonas bem diferentes entre si, mas
comunicando umas com as outras por meio da rede de cidades da linha
próxima do litoral, encontra nela a sua coerência. Completou-se com o re
corte nítido do espaço por ele ocupado. A partir desse momento, foi tam
bém possível determinar melhor as relações do conjunto com o exterior e a
função que neles desempenhavam os pontos de escoamento e de acesso.
Surgiu assim, claramente definido e estruturado por iniciativa do poder ré
gio (ou seja, do Estado), o corpo material da Nação.
4.2. Identidade
Como vimos mais acima, ainda em 1165 havia quem continuasse a consi
derar Portucale uma unidade distinta do condado de Coimbra. Ao mesmo
tempo, encontrámos indícios de desde 1098 se começar a designar o con
junto dos dois condados sob o nome único de Portucale, que depois se foi
tornando cada vez mais exclusivo. As informações que dei a esse respeito
destinavam-se a deduzir daí o processo de expansão da área de influência
do Porto, como centro ordenador de um espaço cada vez mais amplo e
que tendia sobretudo a estender-se para sul.
Interessa agora tentar descobrir como é que os homens que viviam no
reino foram descobrindo que pertenciam a uma unidade política diferente
das outras existentes na Cristandade. O fenómeno tem uma base real, ob-
jectiva, que tentámos reconstruir no parágrafo anterior. Era a condição ne
cessária, mas não suficiente, para os seus habitantes tomarem consciência
de um conjunto autónomo e a exprimirem em termos ideológicos. Temos,
no entanto, de distinguir a consciência de obedecer a um chefe político e a
de pertencer, independentemente dele, a uma nação. Entramos aqui num
terreno cheio de ambiguidades e de imprecisões. É importante percorrê-lo
tentando não interpretar os dados à luz dos nossos conceitos actuais, que
dependem de uma vivência secular do fenómeno nacional e de uma ideo
logia nacionalista profundamente interiorizada. Os dados recolhidos devem
ser, antes, interpretados à luz de duas noções dominantes no pensamento
político comum da época: a de fidelidade pessoal ao rei, cuja importância
salientei ao tratar das instituições feudais; e a de pertença a uma comuni
dade humana restrita — o concelho ou o senhorio. A segunda é evidente
mente a dominante no plano da consciência individual da maioria da
população. Os contactos, mesmo frequentes e regulares com outras comu
nidades, não significam necessariamente a noção de pertencer, juntamente
com elas, a um organismo mais vasto, que seria a Nação; também não bas
ta para isso a ideia de dever a fidelidade ao mesmo rei.
Para conduzir a pesquisa, é importante ter em conta o grau e o tipo de
cultura dos diversos grupos sociais, cujas expressões tentaremos interpretar
separadamente. As concepções dos clérigos são diferentes das nobiliárqui
cas, e estas das campesinas ou dos vilãos dos concelhos. Os escribas da
chancelaria régia e os juristas da cúria não traduzem as ideias de toda a
gente, mas apenas as da minoria a que pertencem. O que eles pensam e di-
164
zem só é significativo para o seu grupo. Estas distinções não significam,
porém, que as noções difundidas por um grupo cultural nao influenciem
os outros. As concepções expressas pelos clérigos e pelos intelectuais da
corte são particularmente importantes, pois têm quase sempre uma função
ideológica, isto é, pretendem ser universais e destinam-se a ser difundidas
por meio de uma autêntica acção de propaganda.
A C H A N C ELA R IA
S in a is de v a l id a ç ã o
165
isolar o seu nome do do reino, deixando este desaparecer. A personalidade
de Afonso Henriques tornava-se então mais absorvente e era projectada pe
los clérigos da chancelaria, como emblema suficientemente significativo do
poder e da autoridade. Conformavam-se assim com os hábitos das outras
chancelarias peninsulares, por influência da rota das bulas papais.
A interpretação que dou do sinal de validação usado entre 1128 e
1150 tem, pois, a maior importância como indicador de um sentimento
colectivo muito precoce por parte do grupo que apoiava Afonso I. Pode
aproximar-se de um indício diferente, e que também não lhe atribui o pa
pel mais importante na conquista da independência, no episódio da Gesta
de Afonso Henriques que considera Soeiro Mendes o verdadeiro vencedor
da batalha de São Mamede.
Continuando a observar os documentos da chancelaria, verificamos
que no tempo de Sancho I se generalizavam os sinais de validação só com
o nome do rei e dos membros da família real (figura 20). Mas por volta da
época em que ele tomou Silves, o glorioso feito impressionou suficiente
mente os notários para surgir outro tipo com maior carga simbólica e sig
nificado mais largo. E o sinal que contém uma estilização cruciforme do
escudo heráldico adoptado já por Afonso Henriques, e com a legenda
«Santius rex Silvii et Algarbi», ou «Sancius rex Portugalis» (figura 20).
O escudo do rei, cujo primeiro exemplar devia datar do reinado anterior, a
julgar por um selo pendente hoje perdido49, torna-se igualmente mais usa
do por essa altura. Creio que se deve interpretar a mutação como indício
de que a autoridade régia deixa de se identificar exclusivamente com a pes
soa do respectivo titular, para se associar às formas do seu exercício e às
proezas em que colaboraram muitos dos seus homens.
O E SC U D O D O REI
166
decorado por um número maior de escudetes, tinha um significado forte
mente militar. E provável que, para os contemporâneos, a colocação dos
escudetes em cruz sugerisse a formação ordenada do exército e, por conse
guinte, a participação dos chefes e dos cavaleiros, ao mesmo tempo que
apontava o motivo religioso impulsionador da luta contra os Mouros. Foi
usado mesmo por um rei tão pouco interessado em feitos militares como
Afonso II. Manteve-se para sempre como o do reino. Só foi alterado por
Afonso III, que lhe acrescentou como «diferença» a bordadura de castelos,
em número variável, entre onze e oito. Quis assim manter um indício da
sua ascendência régia castelhana, como filho de Urraca de Castela e neto
de Afonso VIII, o vencedor da batalha das Navas de Tolosa51. Embora seja
esta, indubitavelmente, a razão da alteração das armas régias, parece-me
provável que também neste ponto funcione a polissemia, e que os repre
sentantes municipais vissem na bordadura dos castelos uma alusão aos con
celhos portugueses sujeitos ao senhorio régio e que, como vimos52, esco
lhiam muito frequentemente o castelo ou as muralhas para os seus selos e
estandartes. A forma adoptada desde esta época apareceria assim aos olhos
dos magistrados municipais como o símbolo correspondente e recíproco
do daqueles escudos concelhios que colocavam os escudetes do rei sobre as
ameias do castelo, como acontecia em Santarém, Marachique, Torres N o
vas, Leiria, Chaves, Montalegre, Óbidos e Cantanhede.
Sendo assim, e independentemente da significação original dos dois
símbolos, a associação, nas armas reais, de figuras heráldicas que podiam
ser interpretadas como evocativas da autoridade sobre os guerreiros (os no
bres) — as quinas — e os concelhos — os castelos — , corresponderia a
considerar como formando um conjunto, harmonizado pela pessoa do rei,
os dois tipos de comunidades existentes no país, aqueles mesmos que são
considerados também como as duas categorias de súbditos do rei na Gesta
de Afonso Henriques (GAH, p. 30).
Sem insistir nesta interpretação, que não sabemos até que ponto pode
ria estar presente no espírito de alguns portugueses dos séculos xm e xiv,
convém, por outro lado, não esquecer que se trata aqui das armas do rei.
Nada prova, também, que alguns vassalos as sentissem como suas. Toda
via, a sua difusão por toda a parte prepara o caminho para a projecção do
símbolo do rei sobre a própria Nação.
Rex P o r t u g a l e n s iu m
167
de Leão: «quomodo currit aqua Elgie inter regnum meum et regnum Leo-
nis et intrat in Tagum» (D R 288). Para a segunda, pode tirar-se partido do
título Rex Portugalensium, que é a fórmula documental mais corrente de
designar o monarca, quer no tempo de Afonso Henriques quer no de San-
cho I. Ora, este costume contrasta curiosamente com os usos das outras
chancelarias peninsulares, nas quais predominava o título hierárquico asso
ciado ao nome geográfico, a um conjunto deles ou a uma cidade como
Toledo. Este costume serviu como argumento a J. A. Maravall para afirmar
que na Hispânia o título régio não estava necessariamente ligado à terra ou
às gentes, mas era uma função de contornos vagos sobre um espaço quase
indiferente53. Pretendia com isso afirmar a unidade da Hispânia e a secun-
daridade das formações nacionais. Mesmo que o argumento fosse válido —
o que me parece discutível — , não se verifica no caso português. Deveria
então significar que o nosso uso implica desde 1128 uma habitual relação
entre o rei e os súbditos, cuja organicidade seria expressa pelo nome de um
conjunto de pessoas.
Reg n u m
168
num non habuerit roboram, sit ipse vel ipsa et regnum in potestate vassalorum
meorum.»
H is t o r io g r a f ia
169
primeira vez, num escrito perdido a que Diego Catalán chamou a Crónica
galego-portuguesa de Espanha e de Portugal59, que não deve ter sido uma
obra da corte régia e que- podia até não ter como objecto principal relatar
as acções dos nossos reis. E ainda mais significativo que o refundidor do
Livro de Linhagens do Conde D. Pedro atribua aos antepassados dos Trastâ
maras um papel tão importante na fundação da casa real portuguesa60.
Podem, em todo o caso, apontar-se alguns precedentes da historiogra
fia régia não clerical. Encontram-se os seus indícios, por exemplo, no rela
tório sobre os bens da Ordem de Santiago de 1317-131961, onde a refe
rência à batalha de Ourique pressupõe uma tradição literária, como
mostrou L. F. Lindley Cintra62. E também, até certo ponto, na referência
feita no discurso de João Simão perante o concelho de Santarém para justi
ficar a recuperação das lezírias por parte da Coroa, em 13056364. A tradu
ção portuguesa da crónica de Rasis pode igualmente indicar-se como in
dício do mesmo sentido, apesar de não ser seguro que se deva atribuir a
D. Dinis a sua in icia tiv a.
O que mais se aproxima de uma crónica régia anterior a. meados do sé
culo xiv é a IV Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra, que isola já como
tema as acções dos reis de Portugal, tendo provavelmente como base a já
referida Crónica galego-portuguesa, mas não se sabe se é um escrito de corte
ou se foi composta em Santa Cruz. Tratar-se-ia de um texto preparatório
do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro?
Seja como for, a viragem decisiva parece ter-se dado com a intervenção
do conde D. Pedro de Barcelos, que quis fazer uma réplica da Primeira
Crónica General, de Afonso X, sem com ela pretender exaltar propriamente
a monarquia portuguesa. De facto, entroncam nos seus textos, quer na
Crónica de 1344 quer no Livro de Linhagens, as composições posteriores
que fazem dos feitos dos reis portugueses o tema de uma obra autónoma.
Este facto só se pode ter dado, portanto, a partir da época de Afonso IV.
Os C L É R IG O S
Como disse mais acima, a historiografia dos reis de Portugal começa por
ser de origem clerical. O primeiro e mais célebre escrito em que as ideias
«nacionais» despontam é aquele a que Monica Blõcker Walter chamou os
Annales Domni Alfonsi Portugallensium R egis\ADA, pp. 131-161), e que
constituem a ampliação de uma das secções dos Annales Portugalenses Vete-
res, cuja recensão curta tinha sido publicada em edição crítica por Pierre
David65. É obra de um cónego regrante de Coimbra e data do rim do sé
culo x i i 66. O texto, tornado célebre por Herculano67, é o seguinte:
170
«Alguns indignos e estranhos pretendiam apossar-se do reino de Portugal
com o consentimento de sua mãe, a rainha D. Teresa. Ela queria, por soberba,
reinar em lugar de seu marido, excluindo o filho do governo do reino.» Então,
o infante «convocou os seus amigos e os mais nobres de Portugal, que prefe
riam de longe que ele reinasse sobre eles, do que a mãe e os indignos e de na
ção estrangeira» (vel indignos et exteros natione) (ADA, p. 152).
171
Pela mesma época ou um pouco antes, um monge galego de Celanova,
que relatava os milagres de São Rosendo, atribuía a Afonso Henriques ac-
ções ímpias e tirânicas, durante a ocupação daquela zona da Galiza, que
detinha como usurpador. Por isso foi castigado por Deus juntamente com
os seus colaboradores. Embora ele não chame expressamente estrangeiro ao
rei de Portugal, e apesar de o censurar apenas pelo abuso do poder, não es
tá longe de sentimentos nacionalistas71.
A mais clara consciência da nacionalidade por parte de clérigos não é
de admirar, sobretudo no caso dos Cónegos Regrantes de Coimbra, que
produziram várias obras de suporte ideológico ao seu protector Afonso
Henriques, e de exaltação e propaganda à guerra santa, provavelmente por
ocasião das invasões almóadas, para encorajarem os Portugueses à resistên
cia. A função de intérpretes do destino histórico do primeiro rei de Portu
gal devia levá-los a procurar modelos anteriores. Entre eles tinham, decer
to, lugar privilegiado as crónicas dos povos germânicos redigidas por
Isidoro de Sevilha na Historia Gothorum, Wandalorum et Suevorumy que
foram invocadas, por exemplo, por um clérigo de Braga para justificar a
posição da sua Sé acerca dos direitos metropolíticos72. Deviam induzir
aqueles que as liam a considerar-se membros de um «povo» ou uma «na
ção» no sentido medieval do termo73, sem se preocuparem demasiado em
definir com rigor a relação dos Portugueses com os Godos.
Os clérigos que estudavam e ensinavam nas universidades italianas ou
nas da França identificavam-se geralmente com o conjunto amplo dos His-
pani> e por isso é difícil averiguar rigorosamente a sua naturalidade.
Assim, foi motivo de polémica a identificação de Vicente Hispano,
embora esteja hoje determinada com segurança74. Mas mestre João de
Deus (tl2 6 7 ) regista com ênfase a sua origem num dos seus livros mais
difundidos, o Liber poenitentiarius: «ego quem genuit patria pia Portuga-
lensis»75. Noutra obra diz-se cónego de Lisboa «de regno Portugallie oriun-
di»76. Pedro Hispano Portucalense, canonista e decretista menos conhecido
do que o seu homónimo Pedro Julião, diz-se na sua obra Notabilia «Ma-
gistro Petro Yspano Portugalensi»77. Isto não quer dizer que os mesmos au
tores não preferissem, por vezes, dizer-se simplesmente «Hispanos», como
acontece geralmente com Pedro Julião, com mestre Vicente e com o pró
prio João de Deus. Este, por exemplo, diz de si próprio noutra obra: «Ego
quem genuit Yspania clara sodalis.»78 E noutra: «Ego quem genuit Yspania
silva marina.»79
172
A N O B R E Z A E AS SU AS C O N T R A D IÇ Õ E S
80 «Que em todos meus dias nem seja Portugal escomungado»: GAH, p. 46; «que Portugal
nunca seja escomungado em todos meus dias»: p. 46; «houvesse todo Portugal por seu»: p. 36;
«nunca entrasse em Portugal»: p. 36; «ca sairemos nós de Portugal ou vós»: p. 34.
81 «Filharom-lha acá toda a terra de Leom... mais nem lhe filharom Galiza... e foi-se logo para
Portugl»: p. 32; «sairemos nós de Portugal... iredes vós comigo a Galiza»: p. 34; «veo o Emperador
com grande poder que adusse de Aragom e de Castela e de Leom e de Galiza»: p. 38.
82 D. Teresa pede auxílio ao imperador: «e que houvesse todo Portugal por seu. E os Portugue
ses tiveram (leia-se, decerto, «severam») todos com Afonso Anriquiz»: pp. 36-38.
83 J. Mattoso, 1981, pp. 84-83.
84 Id.y 1985, pp. 409-435.
85 L. F. Lindley Cintra, 1957, pp. 202-215.
173
entre a época em que predominam as trovas dos jograis para diversão de
reis e senhores, e aquela em que se impõe a literatura de exaltação da mo
narquia, não havia qualquer lugar para surgir a ideologia «nacionalista».
Esta só se podia exprimir, quando muito, por meio da noção de fidelidade
dos súbditos ao seu rei. É provável que esta noção fosse o terreno mais
propício para dele brotar, fora dos meios clericais, a noção de Pátria que, a
partir da ideia de «natureza», impunha uma incondicional devoção não
tanto à pessoa do rei, mas à própria comunidade nacional. Faltava muito,
porém, para este conceito se exprimir.
Nas cortes senhoriais do Norte do país, onde continuavam a predomi
nar as narrativas familiares, pelo menos até ao fim do século xm , nem se
quer se pode descortinar uma noção de fidelidade ao rei constituindo um
valor por si mesma. O que o mostra mais claramente é a indiferenciação
entre famílias portuguesas e galegas. A osmose entre ambas nota-se na lite
ratura genealógica até à época do Livro do Conde D. Pedro. Os contactos,
as alianças matrimoniais e as transferências de pessoas eram constantes e
continuariam ainda a sê-lo no século xiv-, embora a tendência para a fixa
ção das linhagens, sobretudo das médias, na área de influência do respecti-
vo solar, estabelecesse com suficiente solidez uma nobreza agarrada ao seu
património fundiário86. Foi certamente o enraizamento territorial destas
linhagens e, por outro lado, a. crescente supremacia da corte, que então
aparece aos seus olhos como distribuidora de riqueza e de prestígio, e ao
mesmo tempo como produtora de uma ideologia de fidelidade como con
trapartida das recompensas, aquilo que mais contribuiu para a lenta difu
são entre algumas famílias de um igual sentimento de fidelidade. Não se
deve esquecer, porém, que as profundas tradições de antagonismo da no
breza de Entre-Douro-e-Minho com o rei, fixadas em narrativas de sentido
inequívoco e cuja transmissão era cultivada por várias linhagens, sustenta
vam igualmente um clima de rivalidade para com a corte. Reciprocamente,
o tema do fidalgo rude e provinciano, explorado pelos vassalos do rei, con
tribuía, do lado oposto, para agravar a mesma divergência.
Em resumo, pode distinguir-se na nobreza um sector fortemente sensí
vel à ideologia vassálica, para o qual a relação com o rei se transformaria
facilmente em sentimento e consciência nacional, embora na época em que
estamos não seja ainda separável dela. Outro sector, no qual predomina a
nobreza provinciana do Norte, cultiva as tradições de rivalidade para com
o rei; apesar das suas raízes fundiárias é pouco sensível a tal corrente.
Os m e io s po pu la r es: o s co n celh o s
174
podem fazer presumir que da parte dos respectivos magistrados e homens-
-bons — o que correspondia praticamente à sua camada dominante — ,
existia de facto uma certa ideia do dever de fidelidade para com o rei e que
esta se pudesse transformar facilmente em sentimento nacional. Não nos
iludamos, porém. As generalizações seriam enganadoras. As expressões de
D. Dinis permitem presumir tais noções por parte de uma elite nas princi
pais cidades do país, aquelas nas quais ele escolheu alguns representantes à
comissão de regência prevista no testamento de 1299, mas não se deve ad
mitir facilmente o mesmo em todos os concelhos do reino. Muitos deles
tinham para com o soberano uma relação distante e esporádica. O jura
mento de fidelidade que desde a época de Afonso III eles provavelmente
prestavam, e a obrigação de os magistrados jurarem servir o rei, no mo
mento em que iniciavam as suas funções, contribuíram, é claro, para levar
a toda a parte a noção dos compromissos vassálicos. Mas para muitos vi
lãos, o rei continuava a ser um «senhor», no sentido feudal do termo. Sen
do assim, o respeito do juramento estava condicionado à recíproca obriga
ção de ajuda e conselho por parte dele; podia, portanto, romper-se se ele a
não cumprisse. Seria necessária a transformação do conceito de vassalidade
em compromisso de «natureza» para que a fidelidade se considerasse incon
dicional. Ora esta mudança não era tão espontânea como se pode pensar
hoje. Sendo assim, será necessário esperar pela assimilação, por parte dos
vilãos, da noção de «natureza», que efectivamente começava a exprimir-se
nos documentos régios da época de D. Dinis, para daí poder brotar a ideia
de dever nacional.
Conclusão
177
mais exclusivamente de natureza política, tratámos de examinar as caracte-
rísticas da autoridade que desde o início do período estudado englobou os
dois grandes conjuntos anteriormente identificados, a sua estruturação e a
forma como ela se foi progressivamente sobrepondo aos múltiplos poderes
locais, quer aos de origem senhorial quer aos de origem concelhia, sem
contudo destruir totalmente as diversas formas do poder local. Este proces
so de sobreposição fez-se, como vimos, com o apoio de estratégias elas pró
prias de carácter senhorial, pela monopolização de certas prerrogativas, pela
acumulação de recursos materiais, pelo aperfeiçoamento administrativo,
pela montagem de um aparelho de controlo cada vez mais eficaz e, final-
mente, pela criação de uma ideologia justificadora do uso e do monopólio
de tais poderes. Nada disto, porém, seria eficaz, nem teria a possibilidade
de unir as comunidades locais muitas vezes ferozmente opostas entre si,
nem de articular as diversidades regionais sem qualquer expressão política,
se tal processo não se baseasse em circuitos naturais, se não contasse com
vastas e contínuas deslocações de pessoas vindas do inesgotável alfobre de
gente que sempre foi o Norte Atlântico, se não partisse do conjunto
de centros urbanos onde se concentraram desde o século xii os mais acti-
vos detentores dos poderes económicos e os mais prestigiados elementos do
corpo social, se, enfim, esse conjunto de cidades não fosse ligado por uma
rede de comunicações que primeiro lhes assegurou os contactos e depois
lhes permitiu dominar progressivamente a economia rural, em áreas cada
vez mais vastas e de maior importância.
Surpreendemos, assim, os mecanismos internos da formação da comu
nidade nacional, a partir da base, isto é, das organizações locais. A maneira
como se foram entretecendo os laços e os nós da rede que uniu as comuni
dades locais e as foi tornando interdependentes. E, por outro lado, o im
portante papel que no reforço e na orientação desta rede teve o poder mo
nárquico. Não, evidentemente, em virtude de um hipotético programa de
unificação nacional, totalmente impensável nessa época, mas em virtude da
sua própria orgânica, como poder simultaneamente político e económico e
graças aos meios que utilizou. Quero referir-me em particular aos processos
de racionalização administrativa e de uniformização judicial dentro dos ter
ritórios directamente submetidos à jurisdição régia, que se espalhavam por
todo o território nacional.
Foi necessário, porém, interromper a observação em 1325, para não
tornar o exame demasiado vasto e já impossível de dominar. Ora, nessa da
ta, o processo de formação da nacionalidade estava apenas no começo.
Nesse momento, era ainda difícil verificar até que ponto os factores centrí
fugos ou de desagregação eram já incapazes de se sobrepor aos factores
centrípetos ou de unificação. De facto, estamos já no fim deste período
quando se dá a revolução senhorial de 1319-1324. A própria política de
centralização dá lugar a reacções de sentido contrário, ao aperfeiçoamento
de formas de resistência ou de adaptação, cuja força não é possível ainda
medir nesta época, e cuja função, em termos de nacionalidade, só poderia
ser averiguada num lapso de tempo mais vasto. O processo da formação
nacional, nunca é de mais lembrá-lo, está em devir contínuo. Ainda nos
nossos dias continua a sua evolução. Aquilo a que chamei a «composição»
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é apenas o primeiro capítulo de uma longa história que vem até hoje. Uma
história, de resto, que não pode fazer, nunca, esquecer todas as «oposições»
que, sob formas novas ou muito antigas, continuam a existir também.
Parece-me correcta esta operação para determinar as características de
um povo, para saber como é, e porque é assim. O que exprimi pelo concei
to de «identificação». É preciso agora reconhecer que não basta examinar
apenas o próprio país. Os povos, como as pessoas, pertencem a conjuntos
étnicos ou culturais que é também necessário identificar, para ver até que
ponto são diferentes ou semelhantes a outros. Neste sentido, seria necessá
rio — e não, foi feito — proceder a comparações com outros países. Em
primeiro lugar, naturalmente, com os mais próximos, aqueles que perten
cem à antiga Hispânia: Leão e Castela, Aragão e Navarra. Depois, com os
restantes da Europa, sobretudo os do Mediterrâneo. Só assim as diferenças
e as semelhanças se tornariam verdadeiramente significativas. De facto, até
que ponto Portugal pertence à Hispânia? A que Europa pertence Portugal?
 do Norte, à do Sul? À atlântica, à mediterrânica? Não se trata, é claro,
de fazer ressurgir a velha polémica do germanismo ou romanismo das ins
tituições, mas de transpor o seu significado para uma problemática mais
completa e mais actual.
Estas questões, por sua vez, deveriam traduzir-se noutras mais concre
tamente históricas como, por exemplo: o regime senhorial português é
idêntico ao castelhano-leonês? Quais são as diferenças entre o feudalismo
português e o da França pós-carolíngia? A organização dos concelhos é se
melhante em Portugal e em Castela ou Leão? À de todas as suas regiões?
Que há de comum entre os concelhos portugueses e as comunas da França
do Sul ou da Itália? Não posso deixar de reconhecer a pertinência destas
perguntas.
A operação, no entanto, comportava várias dificuldades, que me fize
ram recuar. A principal consiste em não dispor, sobretudo para a Península
Ibérica, de elementos suficientes. O material bibliográfico espanhol de que
actualmente se pode fazer uso, apesar de ser de tão boa qualidade científi
ca, não resolve, muitas vezes, os problemas que me interessam. Os estudos
disponíveis partem normalmente de pressupostos jurídicos ou económicos
e só muito raramente de conceitos inspirados na antropologia política. Se
ria demasiado trabalhoso interpretar os dados que fornecem, à luz de con
cepções completamente diferentes. Seria, muitas vezes, necessário recorrer
directamente às fontes para responder com rigor às questões mencionadas.
Um segundo obstáculo me impediu de proceder a esta análise. De fac
to, sabe-se que a vizinha Castela é atravessada por uma fronteira cultural
análoga à que divide o Portugal montanhoso do Portugal plano. São, afi
nal, o prolongamento uma da outra. Neste sentido, há uma semelhança
evidente entre Portugal e o reino central da Península. Mas o facto de Cas
tela ter quase sempre constituído uma unidade política com outros reinos
ou províncias de características diferentes, e cada um deles com uma forte
«personalidade», altera substancialmente o quadro histórico e torna as
comparações muito mais complexas. Por outro lado, encontramos também
em Castela uma diferença não menos importante, que resulta de ter englo
bado uma região islâmica com muito maior pujança económica e cultural
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do que o Alentejo português e, portanto, com maior peso sobre a forma
ção nacional que daí resultou. Sendo assim, existem diferenças previsíveis
em termos institucionais e culturais, mas será ainda necessário verificar
exactamente quais são. Ou seja, a oposição entre senhorios e concelhos,
que não é menor em Leão e Castela do que em Portugal, dá certamente
lugar a relações e a processos de influência mútua mais complexos do que
em Portugal. É provavelmente um dos factores — mas não, decerto, o
único — que explica que em Castela não chegasse nunca a aparecer um
poder monárquico tão exclusivo e tão absorvente para com as restantes for
ças económicas e sociais, como desde cedo existiu em Portugal. As tendên
cias, a que poderíamos chamar «empresariais», para não dizer «capitalistas»,
da monarquia portuguesa, peio menos desde a época de Afonso III, e a
complementar tendência para eliminar as forças económicas concorrentes,
actuam também no mesmo sentido.
As dificuldades de comparação entre o nosso país e os restantes da Pe
nínsula Ibérica são, portanto, demasiado grandes para poder executar facil
mente o programa, comparativo que aqui ficou por cumprir. O trabalho de
«identificação» está, pois, incompleto. Mas a tarefa não é, de todo, impos
sível. Espero que um dia seja realizada por alguém.
Ao confessar esta lacuna não posso deixar de a relacionar com a inevi
tável provisoriedade de qualquer estudo como aquele que aqui tentei reali
zar. Se o meu conhecimento do outro é sempre inadequado, incompleto e
provisório, que fará o de um país? Quem pode jamais orgulhar-se de ter
descoberto o segredo da personalidade de alguém, quanto mais de um po
vo? Não é isso, no entanto, que põe em causa a pertinência da via histórica
para o processo da identificação. A narrativa biográfica é, afinal, a melhor
maneira de conhecer alguém. É também pela história de um povo que se
descobre melhor o seu segredo. Por isso, a memória das acções colectivas
constitui o principal fundamento da consciência nacional. Nela reside a
prova de que a Nação resiste ao tempo e às vicissitudes que tem de vencer.
Por isso não é fácil fazer-lhe perder a sua própria identidade. Ela não resul
ta só de estruturas enraizadas na terra e na paisagem, mas da acumulação
de experiências que se prolongam no tempo e que, depois, a memória co-
lectiva regista e selecciona, para ser transmitida à posteridade.
Não deixarei, também, de observar que os dados escolhidos para con
tar a minha história de Portugal foram sobretudo as crenças, a cultura e os
poderes. A própria economia foi vista sob uma perspectiva cultural. As
suas soluções, as suas técnicas, as suas estratégias resultam de aprendizagens
que relevam da cultura tradicional e de contactos com comunidades dife
rentes, dotadas de outros recursos ou conhecedoras de outras técnicas. Por
isso me interessaram constantemente as diferenças regionais e locais e o
processo que provoca as suas alterações no tempo. De facto, as crenças,
a cultura e os poderes variam entre si e nos conjuntos que formam, con
soante se implantam na cidade ou no campo, na corte ou na província, na
montanha ou na planície, no litoral ou no interior. E as influências resul
tantes dos contactos e das transferências populacionais levam a alterações
de sentido diferente, apesar de, em cada local ou região, o clima, o solo e a
natureza se manterem constantes.
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Uma coisa, porém, é tentar a identificação de um país num dado pe
ríodo da sua História, outra é identificá-lo na actualidade. Uma vez feita a
História, no sentido em que procurei defini-la, uma vez prolongada, no
mesmo sentido, até à actualidade, será preciso depois compará-la com a
memória colectiva, tal como veio a constituir-se na sua eventual ingenuida
de e sob formas míticas e, portanto, interpretativas, e ainda com as tradi
ções, a língua, o imaginário popular, os temas preferidos da literatura e da
produção cultural, as instituições vigentes, os valores morais colectivamente
reconhecidos, tudo isso, enfim, que forma o carácter de uma nação. Sem
pre com o cuidado de não confundir as expressões colectivas a que aqui
me refiro com eventuais discursos ideológicos produzidos por grupos mi
noritários, com o propósito de orientarem os destinos nacionais num de
terminado sentido. Trabalho que já não me compete a mim, mas a espe
cialistas de outras matérias. Trabalho que só poderá levar a cabo quem se
apaixonar pelo seu objecto. O que vem a significar que a «identificação»
não é um problema de arquivo ou de registo civil, mas um acto emotivo.
Ao evocar, para terminar este livro, aquilo que há alguns anos se cha
mava «amor da Pátria», mas que agora não podemos referir com as mes
mas palavras sem um certo pudor ou uma enorme hesitação, afectados, co
mo fomos, pelo abusivo uso que então se fez dele, não quero propor uma
receita, mas confessar a minha concepção existencial da História. Ou en
tão, se se quiser, aproximá-la da poesia. O que não significa, de modo al
gum, arbitrariedade ou desprezo pelo seu carácter científico, com toda a
imensa gama de exigências que por isso se requer do discurso histórico,
mas lembrar a pluralidade de recursos que é preciso utilizar para conhecer o
passado.
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221
ÍNDICE
223
52, 68-70, 72, 79, 85, 88, 89, 95, Ausenda Odores - II - 148.
105, 112 , 117, 119, 126, 137, Avenpase - II - 270.
143, 153, 154, 156, 158, 162, Aymard, M. - II - 302.
165, 166, 168, 171-173. Azambuja, família - II - 157.
Afonso Lopes de Baião - II - 187. Azevedo, família - II - 89, 119-121,
Afonso Nunes de Celanova (conde) 140, 156; III - 27.
- II - 126, 128, 129, 147. Azevedo, Pedro de - II - 104, 368.
Afonso Pais de Grijó - II - 141,
Í5L B
Afonso Peres Farinha, frei - II -
195; III - 136. Baião, família - II - 112, 119,
Afonso Pires (bispo do Porto) - II - 139-141, 149, 175, 177, 182; III
347. - 111.
Afonso Raimundes - II - 127. Barbero, Abílio - II - 229.
Afonso Sanches (bastardo) - III - Barbosa, família - II - 126,
44, 47, 145. 128-130, 136, 175-177; III - 1 1 1 ,
Afonso Sanches de Albuquerque - 112 .
III - 50. Barcelos, condes de - II - 110, 186.
Afonso Viegas de Baião - II - 140. Barreto, família - 1 1 - 1 1 7 , 155.
Afonso Viegas de Riba Douro, o Barrios Garcia, Angel - II - 283.
Moço - II - 135, 138-140. Barroca, Mário - II - 78, 220.
Agostinho, Santo - III - 69. Barros, H. de Gama - II - 46, 109,
Aguiar, família - II - 125. 200, 205, 210 , 218, 227, 297,
Aires Eanes de Freitas - III - 93. 323; III - 60, 66, 98, 103-107,
Alão de Bragança, D. - II - 241. 148.
Albergaria, família —II — 157; III — Bartolomeu Joanes - II - 296, 346.
89. Basto, família - II - 125.
Alberto, mestre (chanceler) - III - Beatriz de Castela (rainha de
88. Portugal) - II - 334; III - 131,
Alboazar Ramires - II - 185.
145.
Albuquerque, família - II - 155. Beirante, Maria Ângela - III - 150.
Aldara Pires Espinhei - II - 138.
Bellito (vassalo do alvasil Sisnando) -
Alexandre III (papa) - III - 126.
II - 178.
Ali ben Yusuf - II - 263, 275.
Belmir, família - II - 143.
Almançor - II - 149.
Bento (cónego regrante de S. Vicente
Almeida, C. A. Ferreira de - II -
de Lisboa) - II - 316.
78, 80, 225, 238.
Almeida, Fortunato de - III - 137. Benveniste, Emile - II - 88.
Alvarenga, família - II - 139, 367. Berengária (condessa) - II - 129.
Álvaro (bispo de Lisboa) - II - 171, Bermudo Peres de Trava - II - 138,
339. 152.
Álvaro Anes - 1 1 - 9 5 . Bermudo Soares de Riba Douro - II
Álvaro Gonçalves Pereira, frei - II - - 138.
148. Bernardo (bispo de Coimbra) - II -
Álvaro Martins - III - 117. 162, 339.
Álvaro Peres (alferes) - II - 144. Blocker Walter, Monica - III - 170.
Anaia, família - II - 156. Boa Nunes de Grijó - II - 152.
António de Lisboa, Santo - II - Boléo, Paiva - II - 40.
271, 339; III - 43. Bolonha, conde de - II - 180; III -
Antunes, José - III - 89. 79, 107, 130.
Arões, família - II - 125. Bon Amis (jogral) - III - 51.
Atouguia, família - II - 157; III - Bonifácio VIII (papa) - III - 44,
105. 54.
224
Bouro, família - II - 123. Cogominho, família - II - 157.
Boutroche, Robert - II - 72, 73. Coimbra, bispo de - II - 95.
Braga, arcebispo de - III - 21, 43, Coimbra, bispo de - III ~ 19, 127.
122. Constança Sanches, - II - 301.
Braga, Teófilo - II - 262. Correia, família - II - 135, 155.
Bragança, família - 1 1 - 1 1 2 , 151, Cortesão, Jaime - III - 160, 161 .
153, 154, 174, 194, 241; III - Costa, Avelino de Jesus da - II -
111, 112. 80, 148, 237; III - 14.
Brandão, frei António - II - 130. Costa, família - II - 157.
Braudel, Fernand - II - 43. Crescónio (bispo de Coimbra) - II —
Bravães, família - II - 114, 115, 162.
176. Cunha, família - II - 82, 118, 148,
Briteiros, família - II - 155; III - 156, 174; III - 27.
113.
Brito, Joaquim Pais de - II - 36.
Bulhões, família - II - 157. D
Dade, família - II - 155, 157; III -
c 105.
David, Pierre - II - 237; III - 170.
Cabreira, conde de - II - 152. De La Tour, Imbart - II - 237.
Caeiro, Alberto - II - 19. Dias, Jorge - II - 37.
Caetano, Marcelo - II - 291, 312; Diego Gelmirez (arcebispo de
III - 96, 97. Compostela) - II - 127, 179.
Carlos Magno (imperador) - II - Dinis (rei de Portugal) - II - 48,
194, 195. 57, 65, 80, 104, 1 1 1 , 112 , 122 ,
Carvalho, Herculano de - II - 40, 158, 159, 181, 188, 191, 192,
41. • 197, 205, 235, 236, 248, 255,
Castro, Armando - II - 46, 214, 261, 278, 292, 294, 296, 298,
283, 306; III - 34. 299, 302, 303, 312, 317, 318,
Catalán, Diego - III - 170. 334, 336, 337, 340, 342, 344,
Celanova, condes de - II - 128. 346, 348, 353, 358, 365, 367,
Cerveira, família - II - 156, 176; 369, 374, 376, 377, 379; III -
III - 27. 33, 35, 36, 38, 41-44, 45, 48-52,
Cete, família - II - 142, 145. 54, 55, 61, 62, 64, 67, 68, 77,
Chacim, família - II - 154, 155. 79, 81-83, 87, 90, 92-94, 97, 98,
Châmoa Gomes de Barbosa (ou de 103-105, 108, 114, 117, 118,
Tougues) - II - 108, 128, 133. 120, 123-125, 133, 134, 136-139,
Cid, o Campeador - II - 56, 352; 142, 144, 145, 155, 156, 157,
III - 20. 159, 163, 169, 170, 173-175.
Cid Fredalis - II - 178. Diogo Ferreiro - II - 202.
Cid Gonçalves - II - 143. Diogo Gonçalves de Cete - II -
Cintra, L. F. Lindley - II - 25, 40, 142, 143.
41, 42, 43, 267, 269, 273; III - Domingos, mestre (arcediago de
170. Santarém) - III - 98.
Clemente, Manuel - II - 300. Domingos (mestre da Sé de Braga) -
Coelho, António Borges - II - 262, III - 90.
280, 281, 283. Domingos Anes Jardo (chanceler e
Coelho, família - II - 138. bispo de Évora e de Lisboa) - II
Coelho, Maria Helena da Cruz - II - 346; III - 90, 135.
- 213, 231, 239, 301; III - 16, Domingos Pais (bispo de Lamego) -
19, 22 , 102. III - 133.
225
Dordia Afonso de Riba Douro - II Elvira Peres de Trava - II - 127.
- 135. Elvira Soares - II - 123.
Dordia (ou Doroteia) Mendes da Elvira Vasques (condessa) - II - 126.
Maia - II - 118, 119. Emisu Trastamires - II - 141.
Dordia Viegas de Penagate - II - Ermígio Moniz de Riba Douro - II
124. - 139; III - 84.
Duby, Georges - II - 102, 334. Ermígio Viegas de Baião - II - 140.
Dufourcq, Charles E. - III - 14. Espinhei, família - II - 155.
Durand, Robert - II - 95, 208, Estevainha (ou Estefânia) Soares da
228, 229, 280, 301; III - 14, 20, Silva - II - 125, 135.
33, 118. Estêvão, frei (bispo do Porto e de
Durando Forjaz (chanceler) - III - Lisboa) - III - 98, 133, 135.
90. Estêvão, mestre (chantre da Sé de
Durando Pais (bispo de Évora) - III Lisboa) - II - 265, 339; III - 69,
- 133, 135. 70, 153, 168.
Durão Martins de Parada - III - Estêvão Anes (chanceler) - II - 158,
120. 186, 198, 367; III - 45, 87, 90,
140.
Estêvão Anes Brochado (chanceler e*
E bispo de Coimbra e Lisboa) - III
Edrisi (geógrafo) - II - 254. - 90, 135.
Eduardo I - III - 37. Estêvão Anes de Fermoselhe - III -
Egas (bispo de Viseu) - III - 77. 120.
Egas Eriz la ia - II - 149. Estêvão da Guarda (escrivão da
Egas Fafes de Lanhoso - II - 124, câmara) - III. - 90.
125; III - 117. Estêvão Soares da Silva (arcebispo de
Egas Gomes Barroso (ou Guedeao) - Braga) - II - 135, 171; III -
II - 126; III - 117. 128.
Egas Gomes de Baião - III - 119. Estêvão Vasques da Cunha - III -
Egas Gomes de Sousa - II - 130. 120.
Egas Gosendes de Baião —II — 119, Estrema, família - II - 157.
140, 183. Évora, bispo de - III - 131.
Egas Lourenço da Cunha - III - 87,
98. F
Egas Mauranus - II - 215. Fabião, São - III - 41.
Egas Mendes E sp in h a - II - 141. Fafes, família - II - 124.
Egas Moniz de Ortigosa - II - 214. Fafes Godins de Lanhoso I —II —
Egas Moniz de Riba Douro - II - 124, 125.
97, 110, 125, 129, 131, 135, 137, Fafes Luz de Lanhoso - II - 124.
138-140, 144, 184, 185, 187, Farinha, A. Dias - II - 270, 272.
191, 197, 231; III - 27, 119, Fernandes, A. de Almeida —II —91,
120, 169, 173. 130, 137, 347, 379.
Egas Pais de Penagate - II - 123, Fernandes, Hermenegildo - III -
124. 150.
Elvira da Faia (condessa). Vd. Elvira Fernando (filho de Gomes Nunes de
Gonçalves de Sousa (condessa de Pombeiro) - II - 128.
Faia). Fernando I, o Magno (rei de Castela
Elvira Dias - II - 143. e de Leão) - II - 89, 113, 130,
Elvira Gonçalves de Sousa (condessa 137, 142, 161, 173, 179, 230,
de Faia) - II - 132, 134. 252, 268; III - 68, 116.
Elvira Nunes Velha - II - 116, 117. Fernando II (rei de Leão) - II -
226
144, 146, 154, 268, 269, 334, Fossier, Robert - II - 72, 73, 178.
357; III - 171. Francisco de Assis, São - III - 45.
Fernando III (rei de Castela e de Francisco Domingues (chanceler) -
Leão) - II - 190. III - 90.
Fernando IV (rei de Castela e de Frederico II (rei da Sicília e
Leão) - III - 114, 163. imperador) - III - 74, 80, 131.
Fernando Afonso (bastardo de Freitas, família - II - 155.
Afonso Henriques) - II - 133. Freund, Bodo - II - 224.
Fernando Álvares Cativo. Vd. Fernão Fruilhe, Dona - II - 147, 239.
Peres Cativo.
Fernando Anes Brochado - III - G
120.
Fernando Anes de Portocarreiro - III Garcia (rei da Galiza e de Portugal)
- 132. - II - 113, 230; III - 116, 173.
Fernando Cerveira - II - 115. Garcia de Cortázar, J. A. - II - 82,
Fernando Peres (chantre de Lisboa) - 280, 281, 283.
III - 89, 90. Garcia Fernandes (conde) - II -
Fernão Aires d’Anho Batissela - II - 100.
152. ^ Garcia Mendes de Refojos - II -
Fernão Alvares de Castro - II - 147. 122 .
Fernão Fernandes de Bragança - III Garcia Mendes de (Sousa?), alferes -
- 117. II - 132.
Fernão Furtado - III - 120. Garcia Peres de Bragança, o Ladrão
Fernão Gil - II - 192. - II - 153.
Fernão Gil de Soverosa - II - 184. Gato, família - II - 117.
Fernão Gomes Cativo. Vd. Fernão Gavino Froilaz - II - 150.
Peres Cativo. Geraldo, São (arcebispo de Braga) -
Fernão Lopes - II - 149. II - 123, 162, 177, 241, 339.
Fernão Martins da Cunha - III - Geraldo Domingues (bispo de
120. Placência, do Porto e de Évora) -
Fernão Mendes de Bragança - II — II - 347.
129, 153; III - 52. Geraldo Sem Pavor - II - 352, 353;
Fernão Mendes de Bragança II - II III - 20, 162.
- 153. Gil, mestre (cardeal) - III - 89.
Fernão Pais da Cunha - II - 148. Gil, mestre - II - 214.
Fernão Peres (deão) - II - 312. Gil de Santarém, São Frei - II -
Fernão Peres Cativo - II - 143, 271.
144, 177. Gil Martins da Ribeira - III - 93.
Fernão Peres de Trava - II - 91-93, Gil Martins de Riba de Vizela - II
126, 127, 132, 176; III - 116. - 108, 136, 222; III - 31, 87.
Fernão Peres Ponço - II - 152. Gil Nunes de Chacim - III - 120.
Fernão Pires de Guimarães - II - Gil Vasques de Soverosa - II - 144;
134. III - 31.
Fernão Pires Farinquel - II - 327. Girão, A. de Amorim - II - 81; III
Fernão Vasques Pimentel - II — 186. - 151.
Ferreira, José de Azevedo - II - Godinha Pais Velha - II - 120.
104. Godinho (bispo de Lamego) - II -
Feuchère, P. - III - 16. 171.
Filgueiras, Octávio Lixa - II - 39. Godinho, família - II - 157.
Filipe, o Belo (rei de França) - III - Godinho, Vitorino Magalhães - II -
37, 54. 70.
Filipe Augusto (rei de França) - III Godinho Fafes de Lanhoso - II -
- 74. 124, 125, 180.
227
Godinho Viegas de Azevedo - II - Gonçalo Viegas Maranco - II - 95.
89, 119, 120, 140. Gonçalves, Iria - II - 224, 231.
Gomes, P. Dordio - II - 249. Gondesendes de Paiva - 1 1 - 1 1 9 .
Gomes Echigues (ou Egicaz) de Gontemiro - II - 182-183.
Sousa - II - 89, 130. Gontinha Gonçalves da Maia. Vd.
Gomes Lourenço de Beja - II - Moninha Gonçalves da Maia.
192. Gontinha Nunes - II - 119.
Gomes Mendes Guedeão - II - 126. Gontinha Odores de Moles - II -
Gomes Nunes de Pombeiro (ou de 120.
Toronho), conde - II - 95, Gontinha Pais da Silva - II - 122 .
127-129, 131-133, 138. Gosendo Viegas de Azevedo - II -
Gomes Peres de Alvarenga - II - 140.
367. Grácia (mae do conde D. Pedro de
Gomes Viegas de Penagate - II - Barcelos) - II - 347; III - 44.
124. Graciano - II - 334; III - 126.
Gomes Viegas de Sousa - II - 131. Grassotti, Hilda - II - 87, 181,
Gonçalo de Amarante, Sao - III -
182, 185; III - 67, 119.
36. Gregório VII (papa) - III - 126.
Gonçalo Anes de Moeiro - II -
Gregório IX (papa) - III - 132.
184.
Grijó, família - II - 150, 223; III -
Gonçalo Gonçalves da Palmeira - II
27.
- 147.
Gualdim Pais (mestre) - II - 135,
Gonçalo Guterres de Moreira da
Maia - II - 142, 150, 229; III - 195.
26. Gueda, o Velho - II - 125.
Gonçalo Mendes (chanceler) —III - Gueda Mendes - II - 125-127.
90. Guedões, família - II - 125, 130.
Gonçalo Mendes da Maia - II - Guerreiro, Viegas - II - 264.
133, 146, 170, 195; III - 112. Guiçoi (ou Visoi) de Sousa (conde)
Gonçalo Mendes de Sousa (conde) - - II - 130.
III - 29, 52, 117. Gunsalvo Pelagis - II - 180.
Gonçalo Mendes de Sousa, o Sousão Guterre Trutesendes de Moreira da
- II - 110, 131, 132, 144. Maia - II - 150, 151.
Gonçalo Pais (rico-homem da
Nóbrega) - II - 122, 184. H
Gonçalo Pais de Paiva (bispo de
Coimbra) - II - 142, 162. Haro, família - III - 40.
Gonçalo Pais Sapo - II - 179, 182. Henrique (conde) - 1 1 - 1 1 7 , 121,
Gonçalo Pereira (conde) - II - 184, 123, 127, 147, 153, 179, 180,
185. 183, 285, 286; III - 26, 70, 100,
Gonçalo Pereira (mestre da Ordem 116, 152, 165.
do Hospital) - II - 148, 198. Henrique (infante de Castela) - II -
Gonçalo Pires Ribeiro - II - 180, 190.
181. Herculano, Alexandre - II - 46, 73,
Gonçalo Raupariz - II - 142. 200, 262, 279, 280, 287, 293,
Gonçalo Rodrigues da Palmeira - II 307, 324; III - 131, 170.
- 129, 135, 147. Hespanha, António Manuel - II -
Gonçalo Rodrigues de Nomães. Vd. 46.
Gonçalo Rodrigues da Palmeira. Hilton, Rodney - II - 227.
Gonçalo Trastamires da Maia - II - Hinojosa - II - 279.
145. Hoguccio - III - 76.
Gonçalo Viegas de Lanhoso - II - Homem, Armando L. Carvalho - III
124, 135. - 98.
228
Honorigo Honorigues - II - 122, João Gosendes (ou Godesendes) - II
184. - 95, 149-151, 156, 179, 181,
Honório III (papa) - II - 338; III - 229; III - 26.
78, 85, 90, 132. João Lourenço (advogado) - III -
Hugo (bispo do Porto) - II - 162. 98.
João Martins (chantre de Évora) -
III - 98.
João Martins, frei (bispo da Guarda)
Ibn Imran - II - 270. - III - 135.
Ibn Zaide - II - 270. João Martins Soalhães (arcebispo de
Idácio - III - 172. Braga e bispo de Lisboa) - III -
Ilduara Mendez (condessa de 135.
Portucale) - II - 142. João Nunes de Cerveira - II -
Inês de Castro - III - 120. 115-117.
Inocêncio III (papa) - II - 334, João Peculiar (arcebispo de Braga) -
335, 351, 356; III - 21, 75, 77, II - 162, 184; III - 47, 89, 154.
78, 89, 92, 126, 127, 132, 137, João Peres (arcediago de Toledo) -
138, 154. III - 90.
Inocêncio IV (papa) - II - 341; III João Peres de Aboim - II - 110,
- 80, 130, 132. 123, 158, 186, 327, 367; III -
Isabel, Santa (rainha de Portugal) - 34, 35, 85, 87, 98, 140, 143.
II - 296, 344, 347; III - 37, 41, João Pires (Redondo) - II - 298,
44, 46, 47, 144, 145. 380.
Isidoro de Sevilha, Santo - III - João Pires Alprão (chanceler) - III -
172. 90.
João Pires da Maia - II - 146.
j João Pires de Vasconcelos, o Tenreiro
Jaime II (rei de Aragáo) - III - 37. - III - 92, 93.
Joáo II (rei de Portugal) - II - 331. João Raolis, mestre (deão de Lisboa)
João XXI (papa) - II - 327; III - - III - 90, 130.
João Simão (meirinho-mor) - III -
89.
João Anaia (bispo de Coimbra) - II 98, 143, 144, 170.
- 97, 162, 184; III - 154. João Soares (arcediago de Calahorra)
João Anes da Cunha - II - 192. - III - 98.
João Anes Redondo - III - 120. João Soares Coelho - II - 158, 191,
João Bolo - II - 191. 192; III - 120.
João da Gaia (escudeiro) - II - 186. João Soares de Paiva, o Trovador -
João das Leis, mestre - III - 98. II - 142; III - 51.
João de Biclara - III - 172. João Viegas de Baião, Ranha - II -
João de Deus (mestre) - III - 43, 140.
44, 172. Julião (bispo de Tavira) - II - 264.
Julião (deão da Sé de Coimbra) -
João Dias de Freitas - II - 143.
III - 89.
João Fernandes de Cambra - III -
Julião Pais (chanceler-mor) - II -
107.
97, 347; III - 71, 72, 74, 75, 89,
João Fernandes de Lima Batissela -
90, 119.
II - 152.
Justa, Santa - II - 265.
João Fernandes de Riba de Vizela - Justiniano - III - 74.
II - 135, 136.
João Garcia (jogral) - II - 192.
João Garcia de Guilhade - II - 191. K
João Gordo - II - 296. Kofman, L. - III - 16.
229
Manuel Pessanha (almirante) - III -
L 37, 117.
Lanfranco, mestre — III - 90. Manuel (rei de Portugal) - II - 235.
Lanhoso, família - II - 124, 135. Maravall, José António - III - 168,
Lapa, Rodrigues - II - 190, 191. 171.
Leão, rei de - II - 286; III - 99, Maria Aires de Fornelos - II - 144.
118, 119, 165. Maria Fafes - II - 124.
Lima, família - II - 151, 152 , 176; Maria Gomes - II - 138.
III - 27, 112 . Maria Gonçalves da Palmeira - II -
Límia, família. Vd. Lima, família. 147.
Lisboa, bispo de - II - 348; III - Maria Lourenço - II - 122 .
130. Maria Pais Ribeira (a Ribeirinha) -
Loba Sarracins Espinha - II - 141. II - 152.
Lobo, família - II - 157. Maria Pires de Vides, - II - 180.
Lopo Afonso Alcoforado —III - Maria Soares - II - 119.
Marinho, família - II - 174; III -
120.
40.
Lorvao, abade de - II - 95.
Marnel, família - II - 149.
Losa, António - II - 215.
Marques, A. H. de Oliveira - II -
Lourenço Anes Redondo - II - 306,
262, 270, 272; III - 15, 19.
367. Marques, Maria Alegria F. - II -
Lourenço Eanes (tabelião de Lisboa) 238.
- III - 50. Marreiros, Maria Rosa - III - 64.
Lourenço Fernandes da Cunha - II Marrocos, emir de - II - 353.
- 123, 148; III - 30. Martim Anes de Riba de Vizela - II
Lourenço Martins (cónego de - 136.
Coimbra) - II - 347. Martim Domingues (clérigo) - II -
Lourenço Pires Froiaz - III - 143. 214,347.
Lourenço Soares de Riba Douro - II Martim Esteves de Moles - II -
- 138. 367.
Lourenço Viegas de Riba Douro, o Martim Fernandes Cogominho - III
Espadeiro - II - 138. - 120.
Lúcio Sarracins Espinha - 1 1 - 1 4 1 . Martim Fernandes de Riba de Vizela
Luís, São (rei de França) - III - - II - 125, 135, 136, 177.
130. Martim Gil de Riba de Vizela - II
Lumiares, família - II - 82, 139; III - 110 , 112 .
- 112. Martim Gil de Soverosa - II - 144.
Martim Martins Zote - III - 120.
M Martim Moniz de Arouca - II -
150, 181.
Machado, José Pedro - II - 270. Martim Pires Curvo - III - 120.
Mackay, Angus - III - 14. Martim Pires da Maia, o Jam i - II -
Madreona Viegas - II - 124. 135, 146.
Mafalda (rainha de Portugal) - II - Martim Pires de Alvim - II - 235.
97; III - 119. Martim Pires de Oliveira (arcebispo
Mafalda, Santa - III - 34, 36, 46. de Braga) - III - 135.
Maia, Clarinda - II - 42. Martim Rodrigues (bispo do Porto)
Maia, família - II - 89, 112 , 113, - II - 147.
128, 130, 132, 136, 145-147, Martim Salvadores - III - 119.
173, 174, 179, 185. Martim Sanches (bastardo de D.
Malandain, A. - II - 230. Sancho I) - II - 146.
Manços, São (bispo de Évora) - II - Martim Vasques de Soverosa - II -
265. 144.
230
Martinho de Soure, São - II - 339. Mendo Gonçalves da Maia - II -
Martinho Geraldes (arcebispo de 89.
Braga) - III - 132. Menéndez Pidal, Ramón - II - 90;
Martinho Pais Rebolo - III - 89. III - 51.
Martinho Pires de Oliveira (arcebispo Merêa, Paulo - II - 46, 81, 91,
de Braga) - II - 337. 181, 182; III - 151.
Martinho Rodrigues (bispo do Porto) Midus (alcaide de Besteiros) - II -
- III - 127. 95.
Martins, Oliveira - III - 161. Miguel (mestre-escola de Braga) - III
Mateus (bispo de Lisboa e confessor - 90.
régio) - III - 88, 98, 132, 133, Miguel Salomão (bispo de Coimbra)
135. - II - 162, 339.
Mateus Martins (bispo de Viseu) - Moninha Gonçalves da Maia - II -
III - 133. 133.
Matilde (condessa de Bolonha) - II Monio da Biscaia (conde) - II -
- 334; III - 131. 174, 176.
Maurício Burdino (bispo de Coimbra Monio Gasco - II - 174.
e arcebispo de Braga) - II - 162. Monio Osores da Ribeira - II -
Máximo, São - II - 265. 152.
Mécia Lopes de Haro - II - 334. Monio Rodrigues de Arouca - II -
Melo, família - II - 155. 141, 184; III - 117.
Mem Afonso de Refojos - 1 1 - 1 2 1 . Monio Viegas de Baião - II - 140.
Mem (ou Mendo) Anaia - II - 97, Morais, Cristóvão Alão de - II -
184. 223.
Mem Cravo - II - 180. Moreira da Maia, família - II -
Mem (ou Mendo) Fernandes de 145.
Bragança - II - 143, 153, 154. Mor Gomes - II - 126.
Mem (ou Mendo) Gonçalves de Mor Martins de Riba de Vizela - II
Sousa - II - 132, 144. - 135.
Mem (ou Mendo) Moniz de Riba Mor Pais (condessa) - II - 182.
Douro - II - 126, 139. Mor Pais de Bravães - II - 116.
Mem Pais «Bofinho»*- II - 120. Mor Pires de Bravães - II - 116.
Mem Peres (prior de Moazares) - II Mor Urraca - II - 215.
- 239. Munoz y Romero - II - 279.
Mem Rodrigues de Briteiros - II -
187, 193, 198. N
Mem Rodrigues de Tougues —II -
132, 133, 147. Nazareth, José Manuel - II - 34.
Mem Soares de Melo - III - 98. Nicolau, frei - III - 133.
Mem Soares (juiz) - II - 233. Nóbrega, família - II - 122 , 123,
Mem (ou Mendo) Viegas de Sousa - 176.
II - 130, 131. Nóvoa, família - II - 176; III -
Mendo (bispo de Lamego) - II - 112 .
171. Nuno Alvares Pereira, o Santo
Mendo (vassalo do alvasil Sisnando) Condestável - II - 148.
- II - 178. Nuno Fernandes (alferes) - II - 144.
Mendo, mestre (chantre de Lamego) Nuno Gomes (conde) - II - 140.
- III - 90. Nuno Guterres - III - 119.
Mendo Feijão (chanceler) - III - 88, Nuno Martins de Chacim - II -
89. 184; III - 107.
Mendo Fernandes de Marnel - II — Nuno Mendes (conde de Portucale)
149. - II - 86, 118, 119.
231
Nuno Pais «Vida» - II - 120. Paio Moniz da Ribeira - II - 152.
Nuno Soares de Grijó - II - 152, Paio Pais - II - 118.
229; III - 26. Paio Pais da Silva, o Caminhão - II
Nuno Soares Velho - II - 93, 117. - 97, 118, 179.
Nuno Vasques de Celanova (conde) Paio Peres (miles de D. João
- II - 126, 128. Peculiar) - II - 184.
Paio Peres Correia - II - 351.
O Paio Peres de Paiva, o Romeu - II -
141.
Odório Mendes de Moles - II - Paio Pires de Riba de Vizela - II -
120. 135.
Oliveira, António Resende de - II - Paio Soares da Maia - II - 133.
184, 196. Paio Soares de Grijó - II - 151.
Oliveira, Ernesto Veiga de - II - 37, Paio Soares de Paiva, o Romeu - II
39. - 142.
Oliveira, família - II - 157. Paio Vasques de Braváes - II - 114,
Oliveira, Miguel de - II - 237. 116.
Ónega Mendes - II - 118. Paiva, família - II - 126, 141, 142,
Ourigo, o Velho - II - 122. 149, 175.
Ourigo Ourigues. Vd. Honorigo Palmeira, família - II - 135, 145,
Honor igues. 147.
Ouroana Mendes de Riba Douro - Pastor de Togneri, Reyna - II -
II - 125. 228, 229, 233, 280, 281; III -
Oveco Garcia de Cete - II - 142. 14, 16-18.
Paterno (bispo de Coimbra) - II -
P 265.
Pedro (bispo de Braga) - II - 162.
Paio (bispo de Évora) - II - 171,
Pedro (chanceler) - III - 88.
339.
Paio (chanceler) - III - 88. Pedro (conde de Barcelos) - II -
110 , 140, 176, 187, 188, 192,
Paio, mestre (chantre do Porto) - III
198, 347; III - 44, 50, 52, 144,
- 89, 90. 170.
Paio Curvo - II - 12 1 .
Pedro (filho de Gomes Nunes de
Paio de Coimbra, frei - II - 339; Pombeiro) - II - 128.
III - 43. Pedro (rei de Portugal) - III - 48.
Paio de Compostela (arcediago) - III Pedro, mestre (deão) - III - 98.
- 171. Pedro Afonso (eremita) - II - 126.
Paio Delgado - III - 89. Pedro Aires Gravei - II - 116.
Paio Godins - II - 119. Pedro de Compostela, mestre - II —
Paio Guterres (alcaide de Leiria) - II 327.
- 118, 122 , 148. Pedro Domingues (clérigo) - II -
Paio Guterres («vigário» de Afonso 347.
VI) - II - 170. Pedro Eanes Alvelo - III - 93.
Paio Guterres da Cunha - II - 118, Pedro Feijão (chanceler) - III - 88.
180. Pedro Fernandes de Bragança - II -
Paio Guterres da Silva - II - 115, 153.
118, 119, 122 , 123, 148. Pedro Fernandes de Castro - II -
Paio Guterres de Froiao. Vd. Paio 179; III - 117.
Guterres da Silva. Pedro Ferreiro (besteiro régio) - III
Paio Honoriques - II - 184. - 119.
Paio Mendes (arcebispo de Braga) - Pedro Forjaz de Trava (conde) - II
II - 117, 132, 162. - 12 1 , 127, 152, 179.
232
Pedro Fromarigues de Riba de Vizela Pêro Pais de Albergaria - III - 89.
- II - 134. Pêro Salgado - II - 346.
Pedro Hispano - II - 271, 338; III Pêro Viegas de Baião, Pai - II -
- 89, 132, 172. 140.
Pedro Juliao - III - 89, 172 . Pestana, família - II - 157.
Pedro Martins (chanceler e bispo de Pimenta, Alfredo - II - 19.
Coimbra) - III - 90. Pimentel, família - III - 113.
Pedro Martins (tabelião de Leiria) - Pinto, Adelina A. - II - 42.
III - 49. Ponço Afonso de Baião - II - 135.
Pedro Nunes Velho - II - 117. Ponço da Cabreira (conde) - II -
Pedro Ourigues - 1 1 - 1 2 3 . 152.
Pedro Pais de Paiva, o Saído - II - Porto, bispo do - III - 33, 122 .
141, 184. Portocarreiro, família - II - 142,
Pedro Pires de Riba de Vizela - II - 155, 174.
135. Portucale, condes de - II - 145.
Pedro Pitões (bispo do Porto) - II - Pradalié, Gérard - II - 179, 263.
162. Propp, Vladimir - II - 132.
Pedro Ponces de Baião - III - 34.
Pedro Ponces de Cabreira - II -
152. R
Pedro Rabaldes (bispo do Porto) - II Rabaldes, família - II - 156.
- 162. Raimundo (conde) - II - 130; III -
Pedro Rodrigues de Pereira - II - 152.
147. Raimundo Pais de Riba de Vizela -
Pedro Roxo (chanceler) - III - 88. II - 135.
Pedro Salvadores (bispo do Porto) - Raimundo Pires de Riba de Vizela -
III - 130. II - 135.
Pedro Sénior (bispo do Porto) - II - Ramirões, família - II - 118, 145,
162. 148; III - 27.
Pedro Velho, - II - 117. Ramiro II (rei de Leão) - II - 174,
Penagate, família - II - 123. 177.
Pereira, família - II - 145, 147, Ramiro Gonçalves - III - 26.
158, 176; III - 27, 112 .
Ramiro Pais da Cunha - II - 148.
Pérez de Tudela, M. Isabel - II -
Ramón Berenguer (conde de
87, 88, 99.
Barcelona) - II - 129.
Pêro Afonso Ribeiro - III - 98.
Ramos, Rui - II - 36.
Pêro Anes Coelho - III - 120.
Pêro Anes da Nóvoa - III - 31, Randulfe, família - II - 156.
84-85, 90. Rasis (geógrafo) - II - 254, 271.
Pêro Anes de Portei - III - 52, 143. Rasis - III - 170.
Pêro d’Espanha - II - 193. Rau, Virgínia - II - 242, 379.
Pêro Esteves - III - 98. Rebolo, família - II - 157; III - 89.
Pêro Galego - II - 193. Refojos de Lima, senhores de - II -
Pêro Galinha - II - 193. 156.
Pêro Garcia - II - 193. Riba de Vizela, família - II - 125,
Pêro Martins Pimentel - III - 43. 134-136, 146, 175, 177; III -
Pêro Mendes de Azevedo - II - 112 .
12 1 . Riba Douro, família - II - 112,
Pêro Mendes - III - 119. 113, 136, 137, 141, 142, 149,
Pêro Pais da Maia (alferes) - II - 150, 161, 175, 177; III - 1 1 1 ,
146. 112 , 116.
Pêro Pais da Silva, o Escacha - II - Ribeira, família - II - 152, 176; III
120. - 27, 112 .
233
Ribeiro, família - II - 125. Sancha Pires de Belmir - II - 143.
Ribeiro, Orlando - II - 20, 31, 32, Sánchez-Albornoz, Cláudio - II -
41, 42, 43, 69, 154, 251; III - 87, 90, 233, 262, 279, 280; III -
159-161. 14.
Ricardo Guilherme (chantre de Sanchis, Pierre - II - 242, 330.
Lisboa) - III - 98. Sancho (infante; futuro D. Sancho I)
Rio Tinto, família - II - 145. - II - 132; III - 85.
Rodrigo (mordomo de D. Henrique, Sancho I (rei de Portugal) - II -
infante de Castela) - II - 190. 80, 96, 97, 115, 117, 122 , 132,
Rodrigo (ou Rui) Anes Redondo - 135, 144, 147, 148, 152 , 153,
III - 98, 143. 156, 177, 204, 220, 241, 275,
Rodrigo Fernandes - II - 152. 327, 334; III - 51, 62, 69-72, 85,
Rodrigo Forjaz de Leão - II - 108; 89, 91, 95, 96, 105, 112 , 113,
III - 31. 117, 118, 119, 122 , 127, 128,
Rodrigo Forjaz de Trava ou 135, 137, 156, 166, 168.
Trastâmara - II - 12 1 , 132-134, Sancho II*(rei de Portugal) - II -
64, 141, 142, 144, 158, 180, 187,
147; III - 173.
204, 205, 260, 298, 334, 344,
Rodrigo Gonçalves de Pereira - II -
347, 348, 358; III - 31, 44, 63,
147. 76, 78, 80, 82, 85, 87, 90, 93,
Rodrigo Martins (porteiro) - III -
102, 107, 112-114, 118, 119,
119. 122, 130, 134, 138, 139, 163,
Rodrigo Mendes de Bragança - II -
169.
184. Sancho Nunes de Barbosa (ou de
Rodrigo Peres Veloso (conde de Celanova) - II - 126-129, 153.
Toronho) - II - 152, 184. Sá Nogueira, Bernardo - III - 50.
Rodrigo Sanches - II - 152. Santo Condestável. Vd. Nuno Alvares
Rosário, frei António do - II - 239. Pereira, o Santo Condestável.
Rosendo, São - II - 241; III - 172. Santos, Cândido dos - II - 80.
Rowland, Robert - II - 34. Sarracino Viegas, o Espinha - II -
Rufo Festo - III - 172. 141; III - 117.
Rui Dias de Urro - II - 143. Sebastião (rei de Portugal) - III -
Rui Gomes de Briteiros - II - 180. 70.
Rui Martins - III - 98. Senhorinha de Basto, Santa
Rui Mendes de Bragança - II - (abadessa) - II - 130, 241.
153. Sérgio, António - III - 161.
Rui Peres (sobrejuiz) —III - 87. Serra, Pedro da Cunha - II - 272.
Russel, J. P. C. - III - 17. Sigurd (príncipe da Noruega) - II -
264.
Silva, família - II - 115-117, 12 1 ,
S 123, 148, 156, 176; III - 111.
Silvestre Godinho (arcebispo de
Sampaio, Alberto - II - 200, 237. Braga) - II - 338; III - 89.
Sancha Bermudas de Trava - II - Silvestre Pires - II - 351.
138. Simão Nunes de Curutelo - II -
Sancha Henriques - II - 128, 153.
. 117‘
Sancha Henriques de Portocarreiro - Sisenando, São - II - 265.
II - 142. Sisnando (bispo do Porto) - II -
Sancha Martins de Riba de Vizela - 136.
II - 135. Sisnando Davides (alvazil de
Sancha Pais - II - 121. Coimbra) - II - 118, 178, 179,
Sancha Peres - III - 119. 181, 263.
234
Soares, Luís Ribeiro - III - 89. Telo (fundador de Santa Cruz de
Soares, Torquato de Sousa - II - Coimbra) - II - 339.
75, 233, 237, 279, 280, 287. Teotónio, São - II - 264, 265, 339;
Soeiro (bispo de Lisboa) - II - 338; III - 153.
III - 130. Teresa (condessa de Portugal) - II -
Soeiro Aires de Valadares - II - 114, 12 1 , 123-125, 131, 140-142,
114, 116. 147, 149, 176; III - 26, 112,
Soeiro Dias de Cete - II - 143. 116, 152, 153, 171, 173.
Soeiro Fromarigues de Grijó - II - Teresa (rainha de Leão) - II - 96,
150, 151; III - 26. 334; III - 119, 165.
Soeiro Galindes - II - 120, 182. Teresa Afonso (infanta) - II - 119,
Soeiro Gomes, frei - III - 77, 128. 129.
Soeiro Gueendes (ou Gueedaz) da Teresa Afonso das Astúrias - II -
Várzea - II - 120, 182. 137.
Soeiro Guterres - II - 118, 123. Teresa Anes de Valadares - II - 116.
Soeiro Mendes da Maia I, o Bom - Teresa Martins de Riba de Vizela -
II - 108, 135, 146.
II - 118, 130, 133, 146, 179-182.
Teresa Rabaldes - II - 151.
Soeiro Mendes da Maia II —II —
Toda Viegas de Arouca - II - 140,
146.
141, 184, 229.
Soeiro Mendes da Maia - III - 116.
Tougues, família - II - 128, 132,
Soeiro Mendes de Sousa, o Grosso -
177.
II - 131, 132, 135; III - 112 ,
Trastâmara, família - II - 194; III -
166. 52, 170.
Soeiro Mendes de Tougues, o Mãos Trava, condes de - II - 174, 176.
dÁgua. Vd. Soeiro Mendes Facha. Trava, família - II - 116, 127, 176;
Soeiro Mendes Facha - II - 108, III - 112 .
133, 134. Trutesendo Galindes de Paiva - II -
Soeiro Nunes Velho II - II - 116. 119, 141.
Soeiro Pais de Paiva, o Mouro - II - Trutesendo Guterres de Moreira da
141-143. Maia - II - 150, 229; III - 26.
Soeiro Pires da Silva, o Escacha - II
- 135.
Soeiro Pires de Azevedo - III - 34. U
Soeiro Pires de Valadares - II - 184.
Uffo Belfager - II - 112.
Soeiro Viegas de Riba Douro - II -
Urgeses, família - II - 155.
138.
Urraca (rainha de Leão e Castela) -
Sousa, família - II - 89, 112 , 126, II - 124, 125, 127, 334; III -
128-130, 132, 134, 136, 144, 116.
149, 175, 185, 343; III - 27, Urraca de Castela (rainha de
1 1 1 , 112 , 124. Portugal) - II - 334; III - 127,
Soverosa, família - II - 143, 144, 167.
176, 177; III - 27, 112 . Urraca Fernandes de Lumiares - II -
108.
T Urraca Mendes de Bragança - II -
143.
Tancredo, mestre - III - 77. Urraca Mendes de Sousa - II - 125.
Tavani, Giuseppe - II - 242. Urraca Rabaldes - II - 122, 148.
Telo, frei (arcebispo de Braga) - II - Urraca Viegas de Riba Douro - II -
344; III - 135. 129; III - 119.
235
Urro, família - II - 142, 143, 145. Velasquida Rodrigues - II - 121.
Uzberto, família - II - 156. Velho, família - II - 116, 117, 120;
III - 27.
Veloso, família - II - 194.
V
Ventura, Leontina - II - 184.
Valadares, família - II - 114, 176; Veríssimo, São - II - 265.
III - 27. Vicente Anes César - III - 98.
Valdeavellano, L. G. de - III - 67. Vicente Hispano. Vd. Vicente,
Van Bath, Slicher - II - 301. Mestre.
Varela, família - II - 135. Vicente, mestre (bispo da Guarda) -
Várzea, família - II - 140. II - 338.
Vasco, frei (bispo da Guarda) - II - Vicente, mestre (chanceler e bispo da
344; III - 135. Guarda) - III - 76, 77, 79,
Vasco (conde) - II - 179. 89-91, 130, 172.
Vasco Afonso (cavaleiro) - III - 87. Vicente, São - II - 265, 327, 339.
Vasco Fernandes de Soverosa - II - Vigil, Marcelo - II - 229.
144. Vivaldo - III - 34.
Vasco Lourenço Magro - III - 120.
Vasco Martins (bispo do Porto e de X
Lisboa) - II - 347.
Vasco Martins Pimentel - III - 120. Ximena Fernandes - II - 183.
Vasconcelos, família - II - 155, 174; Xira, família - II - 157.
III - 113.
Vasconcelos, José Leite de - II - Y
264. Yaqub Almançor - II - 122, 255,
Vasco Nunes de Bravaes - 1 1 - 1 1 4 . 263, 275.
Vasco Pires de Bragança, Veirão - II
- 153.
Vasco Sanches de Barbosa - II - Z
129. Zamora, bispo de - III - 171.
Vataça - III - 38, 41, 46. Zote, família - II - 117.
236
Fig. 1
Relevo
1. Termo de Guimarães 9. Terra de Panóias 17. Termo de Vieira 25. Termo do Couto de Braga
2. Terra de Penafiel de Bastuço 10. Terra de Agilar de Pena 18. Penafiel de Soaz 26. Termo do Castelo de Refojos
3. Terra do Prado 11. Terra de Agilar de Riba Lima 19. Termo de S. João de Rei 27. Termo de Ferreira
4. Terra do juiz de Bouro 12. Terra de Ponte (de Lima) 20. Julgado de Pedralvar 28. Termo Aguiar de Sousa
5. Terra de Penela 13. Terra de Santo Estêvão 21. Julgado de Travassos 29. Termo de Felgueiras
6. Terra de Neiva 14. Terra de Monte Longo 22. Santa Cruz de Sousa 30. Termo de Lousada
7. Terra de Faria 15. T erradeC elorico 23. Terra de Santa Maria de Gestaçô
8. Terra de Anóbrega 16. Terra (ou termo) de Lanhoso 24. Terra de Vermoim
Fig.7
Julgados a norte do Douro em 1258
1. Prado 16. Anóbrega 31. Santa Cruz 47. Mesão Frio 62. Murça
2. Neiva 17. Bouro 32. Montelongo 48. Penaguião 63. Alijó
3. Aguiar 18. Entre Homem 33. Travassos 49. Panóias 64. Abreiro
4. Geraz e Cávado 34. Vermoim 50. Miranda e Ledra 65. Lamas de Orelhão
5. S. Martinho 19. Regalados 35. Meires 51. Ansiães 66. Vinhais
e Ponte de Lima 20. Lalim 36. Amarante 52. Vilarinho 67. Rio Livre
6. Correlhã 21. Vila Chã 37. Celorico de Basto 53. Valariça 68. Montenegro
7. S. Estêvão 22. Bouças 38. Cabeceiras de Basto 54. Mós 69. Aguiar de Pena
8. Souto e Rebordões 23. Maia 39. Freitas 55. Urros 70. Faria
9. Caminha 24. Gondomar 40. Vila Boa de Guilhofrei 56. Freixo 71. Penafiel de Bastuço
10. Cerveira 25. Refojos 41. Guimarães de Espada à Cinta 72. Couto de Braga
H .F ra iã o 26. Louzada 42. Benviver 57. Mogadouro 73. Lanhoso
12. Pena da Rainha 27. Felgueiras 43. Canaveses 58. Penarroia 74. S. João de Rei
13. Valadares 28. Aguiar de Sousa 44. Soalhães 59. Ulgoso 75. Penafiel de Soaz
14. Valdevez 29. Penafiel 45. Baião e Penaguião 60. Bragança 76. Vieira
15. Penela 30. Portocarreiro 46. Barqueiros 61. Jales 77. Barroso
N.B. Os limites dos julgados de Trás-os-Montes têm um traçado aproximativo, porque se baseiam apenas na identificação de algumas freguesias. A sul
do Douro os inquiridores raramente indicam as terras ou julgados a que pertencem os lugares inquiridos. Por isso não foi possível traçar os seus limites.
Fig.8
Principais estradas, castelos, solares e mosteiros de Entre-Douro-e-Minho
1. Honra de Tarouquela 7. Honra de Figueira 13. Honra de Pendilhe 19. Honra de Moázeres
2. Honra de Santa Eulália 8. Honra de Argeriz 14. Honra de Vila Cova 20. Honra de Canelas
3. Honra de Alvarenga 9. Couto de Lumiares 15. Honra de Caria 21. Honra de Entre-os-Rios
4. Honra de Resende 10. Honra de S. João de Pendilhe 16. Honra de Fonte Arcada
5. Honra de Britiande 11. Couto de Mões 17. Couto de Tuias Segundo A. Fernandes,
6. Honra de Lalim 12. Couto de Moledo 18. Couto de Canaveses 1978, pp. 117,144-145
Fig. 10
Fundações Monásticas
Fig. 11
Apresentação de igrejas na arquidiocese de Braga
N.B.: Algumas das localizações, sobretudo em Trás-os-Montes e Alto Douro, são aproximadas.
Extraído de M. Alegria F. Marques, 1990, p. 377.
Fig. 12
Emprazamentos: Porções cobradas pelos senhorios
Fig. 21C □
A
Filho segundo ou colateral
Bastardo
• Origem duvidosa (primogénito)
Estratégia matrimonial da nobreza O Origem duvidosa (filho segundo)
(Século XIII)
Famílias da corte
2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1011121314151617181920212223242526272829303132
8 8 1. Barbosa 17. Briteiros
8
□
2 2. Sousa 18. Cête-Urrô
3 8
4 3. Riba de Vizela Lima/Ave
8«
□
5 £3
6 4. Soverosa 19. Silva
7
8 5. Límia 20. Velho
9
10
a: — G
6. Ribeira 21. Azevedo
!1 _
11 7. Trava 22. Lanhoso
12
13 i| □ 8. Família real 23. Guedões
14
15 e bastardos régios 24. Ramirões
16
17
_ □
] c7 Linhagens Minho/Lima
□ -
18 9. Riba de ouro 25. Valadares
19
20 □ □ □ 10. Paiva 26. Bravães
21 c2 8
22 □ □ 11. Paiva 27. Cerveira
23 _ 8
24 12. Tougues 28. Refojos de Lima
□ : _ d
25 À
26
D. 13. Maia 29. Nóbrega
27 14. Bragança 30. Bouro e Penagate
28
29
30
8 Sul do Ave Sul do Ouro
31 15. Pereira 31. Marnel
32
16. Portocarreiro 32. Grijó
Fig.22
Centros urbanos
=
■'3"
Conventos
| .S> ^2
Centros urbanos â
S 1
1 ? j
3 & i í $
Lisboa 21 24 2000 6005 7 27 60 X
Santarém 15 15 1440 8860 4 27 64 60 X
Guimarães 7 6 715 3845 2 11 4 X
Bragança 6 4 450 560 1 1 X
Coimbra 5 7 330 3320 6 26 37 31 X
Évora 5 4 480 1434 2 4 12 X
Guarda 5 9 450 235 1 4 14 X
Covilhã 5 12 450 1145 1 2
Ponte de Lima 4 1 185 120 2
Trancoso 4 9? 200 645 9 X
Lamego 3 3? 150 395 2 2 3
Latões 3 3 100 740 1
Leiria 3 56 300 1 6 15 40 X
Alenquer 3 4 120 2400 1 2
Torres Vedras 3 4 150 3555 12
Óbidos 3 3 135 1700 4
Torres Novas 3 4 120 1900 21
Eivas 3 4? 150 2185 1 2 3 X
Estremoz 3 3? 200 2795 1 7 X
Viseu 2 ? 140 ? 1 6
Ourém 2 4 45 1050 2 21
Montemor-o-Novo 2 5 120 1850 1 11
Abrantes 2 5 150 1780 32
Porto 2 6 7 X
Braga 3 180 3 2
Beja 4 3897 1 1 9 X
Portalegre 8 461 1 4 X
Silves 1
Loulé ? 1065
Faro ? 830 2 1
Tavira ? 970
1 Do rendim ento das igrejas excluiu-se o das sés catedrais e o dos m osteiros m ais im portantes, com dom ínios
m uito extensos fora do aro urbano. D eve-se notar que o os dados fornecidos no texto publicado p or Fortunato de Alm eida
sobre cópia do século xvm nem sem pre m erecem confiança: Fortunato de A lm eida, 1 23
1 971, v. iv, pp. 90-143.
7
6
5
4
2 O s casos duvidosos, assinalados por um ponto de interrogação, referem -se aos centros em que a distinção
entre igrejas do espaço urbano e do espaço rural é duvidoso.
3 Judiarias m encionadas em M. J. Pim enta Ferro, 1979, anteriores ao fim do século XIV, m as cujo aparecim ento
ela não data. Podem , portanto, se r posteriores a 1325.
4 Fonte: A. H. de O liveira M arques, 21980, pp. 51-92
5 Fonte: J. J. Alves Dias, 1980, pp. 473-516.
6 Igrejas m encionadas em TT, Santa C ruz de C oim bra, m. x x i, doc. 48, de 1211, e que não constam da lista de 1320
p or pertencerem ao m osteiro de Santa C ruz de C oim bra.
7 Fonte: V. Rau (dir.), 1962, pp. 15-91.
Fig.23
Aumento da população urbana