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Danilo R.

Streck

A educação popular e a (re)construção do


público. Há fogo sob as brasas?*

Danilo R. Streck
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Educação

El pueblo más feliz es el que tenga mejor tes últimos anos, talvez advertisse quanto aos aconte-
educados a sus hijos, en la instrucción del cimentos que o país vive na esfera política.1 A queda
pensamiento, y em la dirección del do Muro de Berlim, com razão festejada pela direita
sentimiento. e pela esquerda, revelou a fragilidade ou a inexistência
de alternativas políticas viáveis e capazes de mobili-
(José Martí, 2001, p. 375)
zar os cidadãos e as cidadãs. Deparamo-nos com um
vazio de alternativas que o Muro, em sua insensatez e
Vaya a saber por qué tengo certeza
facciosidade, apenas escondia. A educação, nesse ce-
Que el fuego
nário, assumiu discursos e práticas que oscilam basi-
Nunca se convierte
camente entre a sobrevivência e a adaptação. A pró-
Del todo en cenizas
pria resistência, historicamente uma marca forte da
(Eduardo Cavallieri, 2003, p. 4) educação popular, perdeu o seu sentido. Quando mui-
tos acreditavam no renascimento da esperança, vie-
ram novas desilusões, dessa vez contando com o pro-
Introdução
tagonismo de forças consideradas progressistas.
Os acontecimentos da cena política afetam dire-
Uma observação atenta da produção teórica da
tamente a educação popular, que tinha sobejos moti-
educação, e especialmente da educação popular, nes-

* Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho de Educação 1


Apuração de denúncias de utilização de recursos não de-
Popular da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em clarados para financiamento de campanhas políticas e para com-
Educação (ANPEd), na 28ª Reunião Anual, sobre a temática “Educa- pra de votos de parlamentares sendo analisadas em Comissões
ção popular no Brasil e na América Latina: relendo conceitos”. Parlamentares de Inquérito (CPI).

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A educação popular e a (re)construção do público

vos para festejar a ascensão ao poder, em nível nacio- popular; e, na conclusão, um breve olhar para a edu-
nal, de partidos identificados com as lutas populares. cação popular com base na metáfora do labirinto.
A plataforma do Partido dos Trabalhadores (PT) e de
outros partidos da esquerda incorpora muitas das pau- O reencontro do público
tas e reivindicações produzidas nos encontros e nas
práticas de educação popular, e havia sido gerada a A educação não pode carregar a culpa pelos pro-
expectativa de aplicação deles na vida política nacio- blemas da vida pública, mas ela também não pode ser
nal. Parecia chegada a hora de mudar o país, quando isentada de colaborar para a geração da realidade so-
na realidade o que se percebe é, paradoxalmente, um cial. A maioria dos educadores e das educadoras tra-
aprofundamento da secular cultura do silêncio denun- balha hoje com base no axioma de que a educação
ciada por Paulo Freire já antes da Ditadura Militar. sozinha não transforma o mundo, mas que sem a edu-
Dessa vez não por imposição, mas por desilusão.2 O cação também não haverá transformação. Reverten-
senso de orfandade3 aprofunda-se e amplia-se. do esse pensamento, pode-se afirmar que a educação
Pretendo, neste texto,4 ensaiar um posicionamen- não é capaz, sozinha, de criar as dificuldades vividas
to diante do tema, tendo como ponto de partida a na esfera pública, e não pode ser por elas responsabi-
assertiva de que, apesar de todas as mudanças, per- lizada, mas que também esses fatos contaram com a
manece como fato ineludível que a educação é – tam- contribuição da educação. O mínimo que se deve di-
bém e sempre – um ato político. A discussão estará zer é que a maioria dos dirigentes da sociedade teve
ancorada nos seguintes eixos: uma busca do foco da acesso a longos anos de educação em escolas e uni-
questão, tendo como fio da argumentação a centrali- versidades. Outros se formaram na militância de se-
dade da noção de público; um alargamento do olhar, tores da sociedade muito próximos da educação po-
remetendo às origens pouco explícitas da educação pular.
A educação popular surgiu na margem da socie-
dade, muitas vezes abertamente contra a educação
2
Veja-se estas palavras premonitórias de Paulo Freire:
formal. Nas discussões das décadas de 1970 e 1980
“Sempre insuportável nas esquerdas foi seu sectarismo e
era muito comum encontrarmos argumentos contra e
dogmatismo, que as fazia quase ‘religiosas’, arvorando-se em do-
a favor da possibilidade de uma autêntica educação
nas da verdade, seu excesso de certezas, seu autoritarismo, sua
popular dentro do sistema escolar, uma vez que o ca-
compreensão mecanicista da História e da consciência. Daí resul-
ráter controlador era visto como inerente à ordem ins-
tavam a desproblematização do futuro e a redução da consciência
titucional da qual a escola faz parte. O livro coletivo,
a reflexo da realidade exterior” (Freire, 1995, p. 38).
escrito no início dos anos de 1970 e assinado por
3
A idéia de orfandade está referida ao conceito “órfãos da
Barreiro (2000, p. 110), é muito explícito nesse res-
utopia”, assim definido por Stein (1993, p. 71): “Quando falamos
peito: “Dizer que uma área de relações sociais foi ou
órfãos da utopia, parece que estamos nos referindo, justamente, à
está sendo institucionalizada significa que ela está
idéia de que foram-se as esperanças. Foram-se aqueles horizon-
tendo os seus modos e limites de existência social
tes onde se articulavam os ideais que prometiam realizar uma so-
fixados ao mesmo tempo em que se determinam tam-
ciedade ideal”. Stein vê nessa perda do objeto almejado (o socia-
bém os modos e limites das ações sociais a ela vincu-
lismo) a possibilidade de construir relações mais autônomas.
ladas”. Dois fatos que contribuíram para definir os
4
O texto faz uso de dados obtidos no projeto de pesquisa
rumos dessa discussão foram a ida de Paulo Freire à
“Processos participativos emancipatórios na América Latina como
Secretaria de Educação na cidade de São Paulo5 e a
mediação pedagógica para a constituição do público”, o qual con-
ta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi- 5
Paulo Freire foi titular da Secretaria de Educação da Ci-
co e Tecnológico (CNPq). dade de São Paulo de 1989 a 1991. Os quatro objetivos que mar-

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conquista do poder local por governos que assumi- ram que competir no mercado nacional por recursos, o
ram uma proposta de educação popular. A educação que teve implicações na escolha de prioridades e na
popular passou, assim, a aproximar-se do lugar onde definição dos objetivos.
se gera o discurso pedagógico hegemônico, com to- Entre os riscos, está o comprometimento de uma
das as vantagens e com todos os riscos.6 incipiente identidade. A discussão sobre refundamen-
As vantagens são um maior reconhecimento da tação ou refundação da educação popular, realizada
educação popular entre outras tendências pedagógicas7 no início dos anos de 1990, é um indício de que, ao
e compreensões do ensinar-aprender, como o constru- incorporar outras práticas e espaços educativos, ha-
tivismo, o reprodutivismo ou o behaviorismo. Além via também a necessidade da busca de uma lingua-
disso, os lugares de fazer uma educação voltada para a gem que correspondesse a essas novas realidades.8
transformação social não estavam mais tão claramente Por exemplo, uma vez que o projeto pedagógico de
delimitados como nos tempos da Ditadura Militar, e as uma secretaria de educação assume a educação po-
linhas da educação formal e não-formal tornaram-se pular como diretriz, precisa-se prever a incorporação
mais permeáveis. Ou seja, a educação popular saiu de de todos os segmentos da população dentro do dis-
seu enclausuramento, e as atitudes de defesa e contes- curso. Educação popular, nesse caso, de certa forma
tação deram lugar a uma busca para participar de for- volta a ter a conotação de educação pública, de todos.
ma propositiva da vida nacional. Ela não estava mais Como encontramos expresso por Martí (2001, p. 375)
restrita a sindicatos, igrejas, entidades e grupos de ca- na segunda metade do século XIX: “Educação popu-
ráter alternativo e popular, mas incorporou-se ao fluxo lar não quer dizer exclusivamente educação da classe
da política e da pedagogia. Acrescente-se a isso um pobre, mas que todas as classes da nação, que é o
outro fato de não menor importância: com a diminui- mesmo que o povo, sejam bem educadas”.
ção ou o redirecionamento de recursos do exterior para O risco maior consiste em perder o que talvez
o financiamento de projetos de organização e mobili- tenha sido uma das grandes contribuições de Peda-
zação popular, as entidades de educação popular tive- gogia do oprimido e que foi magistralmente destaca-
da por Fiori na apresentação desse livro:

caram a ação da administração Freire foram: a) acesso dos setores Os métodos da opressão não podem, contraditoria-
populares à escola e permanência nela; b) democratização da es- mente, servir à libertação do oprimido. Nessas sociedades,
cola, abrangendo alunos, direção, professores e comunidade; c) governadas pelos interesses de grupos, classes e nações
qualificação da educação em termos de infra-estrutura e acadêmi- dominantes, a “educação como prática da liberdade” pos-
cos; d) combate ao analfabetismo. Essa experiência administrati- tula, necessariamente, uma “pedagogia do oprimido”. Não
va está registrada no livro A educação na cidade (Freire, 1991). pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da liberação
6
A revisão dos temas do GT de educação popular da são os do oprimido que se libera. (in Freire, 1981, p. 3)
ANPEd, feita por Costa e Fleuri (2001, p. 11), aponta para essa
tentativa de, no contexto da elaboração da nova Constituição Fe- O que está em jogo nessa tese não é se deve ha-
deral brasileira na segunda metade da década de 1980, inserir a ver educação para todos (ricos e pobres), mas que a
produção nas discussões sobre a política educacional do país, es-
pecialmente as políticas de formação de jovens e adultos.
7
Veja-se, por exemplo, o livro Pensamento pedagógico
8
A refundação estaria, segundo Mejía e Awad (2001, p.

brasileiro, de Gadotti (1988), no qual a educação popular aparece 95), na mudança de foco nos “destinatários” (pobres, classe po-

referida sobretudo à obra de Carlos Rodrigues Brandão. No mes- pular) para o processo de empoderamento pelo qual os segrega-

mo texto, Gadotti destaca que o conceito se tornou demasiada- dos e desiguais teriam condições de enfrentar as condições que

mente vago. geram a exclusão.

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A educação popular e a (re)construção do público

educação do oprimido exige uma dinâmica própria, res, os povos indígenas, os camponeses, os desem-
que lhe permite acesso à palavra negada. E isso tal- pregados, os moradores de rua ou os trabalhadores da
vez tenha sido ofuscado quando a educação popular indústria e do comércio, cada um desses segmentos
tornou-se uma “perspectiva”, entre outras, para a edu- sociais com suas formas de organização, pautas de
cação de todos. luta e projeto de sociedade. O ponto de chegada que
Ao mesmo tempo, seria muito impróprio defen- se deseja pode variar desde a ampliação de espaços
der para a educação popular uma ortodoxia que ela na sociedade existente até a criação de um modelo
jamais teve ou pretendia ter. Pelo contrário, uma de alternativo, parcial ou totalmente distinto daquele que
suas especificidades estava exatamente no seu cará- existe. Talvez uma característica definidora da edu-
ter iconoclasta e, em conseqüência, na quase impos- cação popular seja exatamente essa busca de alterna-
sibilidade de enquadrar as práticas em algum tipo de tivas a partir de lugares sociais e espaços pedagógi-
definição que lhes fizesse jus. A começar pela polis- cos distintos, que têm em comum a existência de
semia do conceito popular, que abriga conotações necessidades que levam a querer mudanças na socie-
muito distintas entre si, tais como: classe social, clas- dade.10 É uma prática pedagógica realizada num es-
ses subalternas, pobres, marginalizados, oprimidos e paço de possibilidades.
excluídos.9 Vigil (1989, p. 120) chamou a atenção para A convivência de culturas muito diferentes que
a complexidade do tema e alertou para o perigo de se colocam a pergunta pela identidade individual e
que, no afã de sistematizar e definir, se afogassem as coletiva é um dado da vida e da história da América
práticas: “As posições um pouco duras e até dogmá- Latina. Argumedo (2004, p. 184) afirma:
ticas não colaboram para a melhor compreensão de
um fenômeno tão original como este dos setores po- a problemática das identidades sociais e culturais cons-
pulares da América Latina”. Por exemplo, como se titui uma faceta essencial para a matriz do pensamento po-
pode analisar os modos de produção dos povos indí- pular latino-americano; um elemento constitutivo do hu-
genas ou da atual economia solidária dentro dos refe- mano, uma instância ineludível da concepção acerca da
renciais de classe social? Como classificar culturas natureza do homem e da evolução política e histórica.
em que convivem práticas sociais e políticas tradici-
onais, modernas e pós-modernas? Aceitar que a própria busca de identidade seja
Apesar da confluência identificada geralmente constituiva do que se é como povo implica um outro
na forma de deficiência (de escola, de acesso à saúde, tipo de atitude diante de nossa realidade. O filósofo
de falta de emprego etc.), historicamente a educação venezuelano Vallenilla (1993) sugere que a originali-
popular não tinha como ponto de partida um único dade do pensamento latino-americano não aparecerá
lugar, e também não tem como ponto de chegada um com uso de artifícios ou mesmo da força – como o
único projeto. O ponto de partida pode ser as mulhe- fórceps num parto. Não faria sentido, também, proje-
tar futuros cheios de novidade, mas descolados da

9
Mejía e Awad (2001, p. 22-29) analisam as raízes históri-
cas do conceito popular e defendem que hoje o conceito exclusão
10
A análise de Paludo (2001) confirma que “o alternativo

permitiria abranger as várias faces do “outro” que não apenas re- na educação sempre foi muito mais vigoroso fora dos espaços da

clama a participação num “novo universal reconstruído a partir educação formal. Foi nos momentos de grande movimentação

das diferenças”, mas desenvolve a capacidade de fazer perguntas exterior à escola que ela, abrindo-se para a sociedade, foi por ela

sobre um novo tipo de desenvolvimento e de relações. Trata-se de permeada, vivendo momentos fortes de inovação e criação,

encontrar o seu lugar no contexto das discussões sobre globaliza- viabilizando-se como espaço de realização de uma contra-hege-

ção e mudanças paradigmáticas. monia” (p. 182).

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realidade. Deveríamos, antes, ser como os poetas: é uma localização física, mas a “organização da so-
“instrumentos do ser e portadores de seus mistérios”. ciedade que resulta do agir e falar em conjunto” (idem,
O segredo do poeta consiste em deixar-se penetrar p. 211). É pelo falar e pelo ser ouvido por outros que
pelos mistérios da realidade que, por sua vez, se en- se constitui a esfera pública.
contram no cotidiano e no familiar. “Deixemos que a Segundo, o termo público remete ao próprio
América apareça e a experiência do ser venha à luz mundo, na medida em que é um espaço compartilha-
através do tempo extasiado do futuro” (idem, p. 425). do e constituído por mediações criadas por homens e
Nesse sentido, não cabe falar saudosamente da mulheres. Para que exista um público, uma das con-
recuperação de uma identidade seja de América Lati- dições essenciais é a permanência. Ou seja, precisa
na ou de educação popular, a qual, de fato, nunca che- haver certo grau de convicção de que esse mundo não
gou a existir como um ponto fixo. As prioridades e terminará amanhã, que ele sobreviverá à minha mor-
ênfases dessa busca por tornar a educação parte do te como indivíduo. Segundo Arendt, a crença da imi-
movimento das mudanças variaram de acordo com as nente parusia nas primeiras comunidades cristãs (o
necessidades e desafios que dado contexto colocava. fim do mundo com a segunda vinda de Cristo) seria o
Na medida em que a educação popular afirmava a exemplo de uma crença que não favoreceu o desen-
não-dicotomização entre teoria e prática, uma das ta- volvimento da esfera pública.
refas da reflexão era e continua sendo a definição de A educação popular procurou ser uma prática
eixos articuladores. Esse eixo articulador já foi a re- político-pedagógica de formação do público a partir
sistência à Ditadura, a participação na definição da de um lugar que se identificava com quem estava de
política educacional, a revisão das bases epistemoló- fora ou por baixo na escala social, dependendo das
gicas e, mais recentemente, o confronto com a ques- teorias explicativas do popular. Na teoria freireana, a
tão da diversidade cultural. alfabetização fazia parte da possibilidade do dizer a
Um dos grandes temas geradores, hoje, é a cons- sua palavra, uma palavra colada à ação. A utopia de
trução do público como bem comum. Isso se verifica uma sociedade transformada alimentava essas práti-
no esgotamento da democracia representativa e na cas. Hoje há, no mínimo, fatores novos a considerar.
busca de complementação por formas de participa- Um deles é que o lugar das aparências se complexifi-
ção direta. Exemplos disso estão hoje em toda a par- cou, especialmente por meio do papel desempenhado
te, através de mecanismos como o orçamento partici- pelas novas tecnologias de comunicação e informa-
pativo e a instalação de instrumentos de planejamento ção. A ágora atual é formada tanto por associações de
e controle social com a participação de cidadãos e bairro como por comunidades virtuais.
cidadãs. No Brasil, a criação de conselhos, a partir da Além disso, o grau de desilusão leva a crer não
Constituição Federal de 1988, em todas as esferas da mais na parusia, mas na falta de perspectiva para o
vida pública, sinaliza um outro momento de com- futuro. Uma pesquisa entre jovens da Argentina,
preensão de cidadania. As limitações, na prática – por divulgada pelo Instituto Internacional para la
exemplo, com a assimilação dos representantes de Educación Superior em América Latina y el Caribe
movimentos sociais e populares às lógicas dos gover- (Boletin IESALC, 2005), revela que nada menos que
nos –, indicam sobretudo a distância, quando não o 37,8% deles colocam como perspectiva mudar-se para
abismo, que separa a realidade das possibilidades. outro país. Entrevistas sobre a perspectiva de futuro
É pertinente retomar Arendt (2004) quando iden- para os jovens numa vila da cidade de São Leopoldo,
tifica duas características correlatas no conceito de no Rio Grande do Sul (Schmiedt Streck, 2004, p. 254),
público. Primeiro, o público é o lugar da aparência, revelaram que o sonho de trabalho para muitos não
ou seja, onde tudo pode ser visto por todos e tem a passa de se tornar guardador de carro, quando não
maior divulgação possível. A pólis, nesse sentido, não algum envolvimento explícito com drogas. Que con-

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A educação popular e a (re)construção do público

dições existiriam aqui para gerar uma cultura do pú- O que está posto para debate é a importância de, na
blico? Ou, se quisermos, um ethos que propicie con- medida em que se entende a educação popular como
dições efetivas de participação? uma intervenção político-pedagógica, clarear o foco
Dentro desse contexto, é compreensível que ou o direcionamento da ação. O argumento é que a
muitas práticas de educação popular tendam a encer- noção de público como bem comum seria hoje um
rar-se em si, numa tentativa de sobrevivência, ou as- importante ponto de convergência da discussão sobre
sumir o caráter reivindicatório diante do Estado como temas como culturas, metodologias e institucionali-
o grande ator social. Analisando a sociedade civil e dades.
as alternativas de ação dentro dela, Bonamusa (1997)
identifica três tendências que podem ajudar no dire- Um olhar a partir de estratégias
cionamento das práticas de educação popular. A pri- pedagógicas clandestinas
meira delas enfatiza o fortalecimento das organiza-
ções, especialmente aquelas de caráter popular, sem Tendo como pressuposto que a educação popu-
necessariamente uma referência ao Estado. A demo- lar pode desempenhar um importante papel para su-
cracia realiza-se e esgota-se dentro das organizações. prir o déficit na compreensão e, sobretudo, na vivência
Bonamusa chama essa tendência de sociocêntrica. do público, proponho um alargamento no olhar, que
Talvez encontrássemos dentro dessa categoria mui- pode ter várias direções. Limito-me neste ensaio ao
tos dos empreendimentos de economia solidária. que chamo pedagogias encobertas, inspirado em dois
A outra tendência pauta suas ações em relação pensadores que procuram ajudar nessa articulação do
com o Estado, visto como o principal ator e represen- público “desde baixo” ou desde a “comunidade das
tante do público. Bonamusa denomina essa tendên- vítimas”. O primeiro é Boaventura de Sousa Santos
cia de estadocêntrica ou neocorporativista. O objeti- (2004), que propugna a necessidade de uma sociolo-
vo prioritário da ação educativa e das práticas sociais gia das ausências para dar visibilidade a práticas não-
seria o de gerar capacidade de interlocução especiali- hegemônicas; e o segundo é Enrique Dussel (1993),
zada com o governo que tem a prerrogativa de inter- que, por ocasião dos festejos do quarto centenário do
pretar o que seria o interesse público. A especializa- “descobrimento da América”, escreveu o livro O en-
ção dos movimentos sociais para criar mecanismos cobrimento do outro: 1492 a origem do mito da mo-
de intervenção é um desses desdobramentos. dernidade. A crença que me anima é a mesma expos-
Uma terceira tendência relaciona o fortalecimen- ta numa das epígrafes: que, por baixo das cinzas que
to da sociedade civil com o fortalecimento do públi- encobrem uma grande parte de nossa história peda-
co. O público não se confunde com o estatal, mas re- gógica na América Latina, há brasas. Esse fogo é im-
fere-se a uma esfera de negociação do interesse portante para enraizar a educação popular com vista
coletivo entre diversos grupos e com os governantes. à reconstrução de uma esfera pública na qual haja tanto
Conforme Bonamusa (idem, p. 78), “a relação entre condições de cada cidadão e cada cidadã dizer a sua
governo e organizações da sociedade civil se coloca palavra quanto o sentimento de pertença a um mundo
como uma intermediação mediada pela multipolari- que tem a sua permanência construída coletivamente.
dade do espaço público, superando a relação bipolar Uma história haitiana (Leis, 1986) relata que nas
e direta da segunda tendência”. Parte essencial dessa noites escuras o feiticeiro, Senhor da Palavra, desen-
concepção é a “concertação” entre diferentes atores terra um corpo previamente adormecido, que, por
da sociedade civil e do governo em espaços públicos meio da feitiçaria, é convertido em escravo e vende
abertos, com controle dos cidadãos. sua força de trabalho aos proprietários de terras da
Essas três perspectivas não precisam ser vistas região. Torna-se um trabalhador sem consciência, dis-
de modo mutuamente excludente ou de forma linear. posto a obedecer a qualquer ordem sem resistir, sem

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argumentar, sem questionar, sem perguntar e sem or- a experiência de muitos educadores. Em suas pala-
ganizar-se para sua defesa. No entanto, os moradores vras:
da região conhecem o antídoto, e sabem também que
a versão de que o escravo é um morto-vivo tomado Compreendi então qual era o abismo que separava
pelo espírito de Mu-Ntu (a alma de um falecido) é minha ciência e meus métodos da realidade à qual preten-
falsa. As pessoas então pegam sal, o antídoto, e pene- dia chegar com eles. [...] A discussão sobre os paradigmas
tram nos jardins e plantações para aspergi-lo sobre o me indicou uma pista, mas logo se revelou insuficiente, uma
escravo, até que desperte, voltando a ser pessoa, hu- vez que a referida discussão gira sempre dentro do mesmo
mano, gente. campo de significações do mundo externo ao povo. (p. 12)
Os dias e as noites do Haiti são, em proporções
diferentes, os dias e as noites da América Latina. Sua análise levou-o à constatação de que existe
Melhor, correspondem à forma como essa parte do algo como uma episteme popular, distinta tanto da
mundo foi inventada pelos pensadores mais brilhan- episteme moderna quanto da pós-moderna, e por isso
tes do Ocidente. Hegel, por exemplo, é categórico impossível de ser captada pelos instrumentos teóri-
quando afirma que a distinção entre o Velho e Novo cos fornecidos dentro desses referenciais.
Mundo não é apenas externa. Segundo ele, aqui o es- A episteme é entendida por ele como a matriz
pírito ainda não se manifestou, e quando se manifes- que “define as condições de possibilidade do que se
ta, como no caso das culturas do Peru e do México, pode pensar, conhecer e dizer em um momento histó-
tem o caráter de “uma cultura inteiramente particu- rico determinado, além da forma possível de um de-
lar, que expira no momento em que o Espírito se apro- terminado fazer e da própria existência de alguns fa-
xima dela” (apud Dussel, 1993, p. 19). É esse espírito zeres” (idem, p. 37). Nesse sentido, ele afirma que a
único e verdadeiro, tantas vezes alojado nas balas dos episteme não é pensada, mas pensa-se dentro dela e a
canhões e nas pontas das espadas, que pode destruir partir dela. Seu argumento é que a episteme popular é
sem escrúpulos, junto com templos e bibliotecas, o regida por uma lógica distinta daquela que rege o pen-
jeito que esses povos haviam criado de se fazerem samento e a ciência hegemônicos.
humanos nessas terras. Nessa mesma direção, Argumedo (2004) descar-
Os quinhentos anos da aportagem de Colombo ta como absurda a idéia de que as tradições político-
(1492) e Cabral (1500) ao que hoje é a América e o populares das classes subalternas da América Latina
Brasil serviram para colocar lado a lado, quando não tenham uma formação eclética: um pouco de marxis-
em choque, as versões que cercam esses aconteci- mo, de pensamento social cristão, de liberalismo e
mentos. Por um lado, festejos pela integração no fascismo, entre outros:
mundo da civilização européia, e, por outro, as de-
núncias pela usurpação das terras e pela destruição A partir dos diversos fatores que agem nas realidades
das culturas. Interessa-nos este segundo lado da his- políticas da América Latina, não é tão fácil então fazer tábula
tória, na esperança de resgatar alguns elos perdidos rasa com as concepções populares, considerando que se está
que ajudem na reconstrução de nossa memória pe- na presença de uma mistura sem conteúdos essenciais nem
dagógica. O pressuposto é de que, junto com o fronteiras, de experiências não processadas, de ativismos
silenciamento das culturas, foram silenciadas as suas cegos, de política sem cultura. (p. 181)
pedagogias, que continuaram sobrevivendo na clan-
destinidade. Haveria uma matriz de um pensamento popular
Ao conviver e trabalhar com a população de um historicamente construído, a partir da qual as idéias
bairro popular, o cientista social venezuelano Moreno são adaptadas, transformadas ou rejeitadas. A autora
Olmedo (1993) constatou um fato que é seguramente identifica quatro períodos históricos para a constitui-

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A educação popular e a (re)construção do público

ção dessa matriz. O primeiro é o das culturas pré- menos de dois dólares ao dia (Banco Mundial, 2006).
colombianas. Entre elas, encontramos povos que de- Ao longo da história, a sobrevivência foi parte da ex-
pendiam da caça e coleta até povos com um elevado periência dos índios, dos escravos negros, dos imi-
nível de desenvolvimento científico. Os maias tinham grantes e de crescentes parcelas da população, margi-
um calendário mais sofisticado que o gregoriano, e a nalizadas em nome do progresso e da civilização, ou
arquitetura da cidade de Tenochtitlán igualava-se às simplesmente da ganância das classes dominantes.
melhores cidades européias. Tanto entre os astecas Sobreviver nessas condições é uma arte e requer
quanto entre os incas havia um sistema educativo que estratégias pedagógicas com um nível de sofisticação
dava sustentação ao seu desenvolvimento tecnológi- igual ou maior do que aquelas que se encontram nos
co. Entre os povos “menos desenvolvidos” do ponto manuais didáticos da pedagogia hegemônica. É uma
de vista tecnológico as estratégias pedagógicas esta- pedagogia da qual pouco se sabe, porque é gerada no
vam embutidas nos seus elaborados rituais religiosos clandestino, muitas vezes fora do âmbito do legal ou
e na riqueza dos mitos ou nas muitas formas de trans- da formalidade oficial, entre as necessidades de ali-
mitir e elaborar saberes que os ajudavam a viver em mentar-se e curar-se, enfim, viver. As situações a se-
seu meio. Por exemplo, segundo Meliá (1979), como guir têm a intenção de apontar dimensões ou identifi-
negar a competência da educação quando um menino car elementos daquilo que neste ensaio se entende por
consegue apresentar 661 nomes de plantas e 336 no- pedagogia da sobrevivência.
mes de aves? Na catedral de Lima, no Peru, uma senhora indí-
O segundo período é o das conquistas, um perío- gena rezava ajoelhada diante do esquife com os res-
do de devastação das culturas indígenas e africanas, tos mortais de Pizarro, colocado na entrada do tem-
com fortes e violentos conflitos. Segue-se o período plo. A primeira reação, ao ver a cena, foi de revolta
do domínio colonial, entre os séculos XVII e XVIII, por ver essa mulher, possivelmente vinda de um bair-
quando a resistência aberta tinha-se tornado pratica- ro pobre encravado nos Andes, humilhar-se diante de
mente inviável. Por fim, há o período dos processos alguém que havia transformado aqueles descenden-
político-culturais, a partir da emancipação, com a inte- tes dos incas em estranhos e indesejáveis na própria
gração de novos atores sociais e a crescente formação terra. O que se poderia pedir, numa reza diante de
de uma intelectualidade identificada com as camadas Pizarro, senão a clemência para continuar viva, que
subalternas. Essa periodização da formação de uma com o tempo foi ganhando a forma de pedido por saú-
matriz da vertente popular do pensamento latino-ame- de para um filho ou emprego para o marido?
ricano possibilita identificar algumas estratégias peda- Interpreto a cena como expressão de uma atitu-
gógicas, as quais, mais adiante, servirão de suporte para de de sobrevivência dentro de um mundo que se tor-
a educação popular. Aqui elas são entendidas como nou avassaladoramente cruel em sua dominação e
pedagogias, por formar um conjunto de saberes e de onde as forças de resistência aberta haviam sido ani-
práticas com relativa coerência interna própria. quiladas. Os dominados aprenderam as táticas do dis-
farce: sob a aparente aquiescência (no caso de Pizarro,
Uma pedagogia de sobrevivência até de veneração), mantinha-se a cumplicidade atra-
vés das línguas originárias, das festas e de outros cos-
A sobrevivência pura e simples constitui-se, tal- tumes. Cito mais uma vez Argumedo (2004, p. 146):
vez, na marca mais distintiva da grande maioria do “São povos destruídos, aniquilados, que se resguar-
povo latino-americano. Hoje é o problema do desem- dam em antigos códigos para manter sua condição
prego crônico e das condições de vida, às vezes entre humana frente a um poder arrasador”.
precárias e subumanas, para aproximadamente um Outra situação é a expressão pelo transe nas reli-
quarto da população latino-americana que vive com giões mediúnicas, ou da glossolalia no pentecostalis-

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 279


Danilo R. Streck

mo. Esse fenômeno pode ser descartado como mani- intencionalidade da última. Nessa lógica, toda a so-
festação de uma racionalidade deformada ou incapaz, brevivência é certamente resistência, mas há resis-
mas pode ser visto como uma estratégia subversiva e tências que se colocam no nível de lutas intenciona-
clandestina de criar e legitimar verdades e conheci- das e propositivas.
mentos. Na medida em que não é mais o João da es- Mais uma vez constatamos que sabemos pouco
quina ou a Maria benzedeira que falam, mas é um dos processos pedagógicos que se deram e continuam
orixá ou o espírito divino que se manifestam, foge-se se dando dentro desses movimentos de resistência.
aos parâmetros de julgamento aos quais a racionali- Os livros de história da educação na América Latina
dade “normal” é submetida. São formas de sobrevi- informam-nos que as primeiras universidades foram
ver ao que na linguagem acadêmica passou a ser co- fundadas em Lima e no México, no ano de 1551, muito
nhecido como “epistemicídio”. antes da primeira universidade em solo norte-ameri-
Não raro as aprendizagens de sobrevivência dão cano, que foi a de Harvard, criada em 1636 (Weinberg,
origem a práticas que depois são assumidas pela so- 1995), mas eles não nos falam como os povos indíge-
ciedade toda ou validados pela ciência normativa. A nas se organizavam para resistir à força das armas e à
feijoada com os pés e pele de porco – as sobras da imposição da língua dos conquistadores. Aprende-se
casa-grande – transformou-se num prato típico na- sobre a vinda dos jesuítas e de seu esforço para
cional, servido como “comida brasileira” em finos catequizar os gentios indígenas, mas não se aprende
restaurantes de Nova York ou outras metrópoles glo- sobre as expressões de fé das comunidades locais e
bais. As ervas medicinais, muitas vezes associadas a de como essa fé foi um instrumento de resistência.
práticas de curandeirismo, podem dar pistas aos la- Considerando que em meados do século XIX o siste-
boratórios farmacêuticos para “descobrir” elementos ma de ensino oficial brasileiro abrangia em torno de
químicos para seus novos medicamentos. Ou a Igreja 107 mil alunos para uma população de 8 milhões de
pode aprender que o toque de uma mão amiga conse- habitantes, pode-se constatar que a história da educa-
gue fazer milagres. ção costuma passar ao largo dos conhecimentos e dos
No campo artístico, a origem do tango, da capoei- “sistemas de ensino” da vasta maioria da população
ra e das escolas de samba são exemplos de como a (Paiva, 1973).
sobrevivência gera seus próprios saberes e sua estéti- O mesmo pode ser dito em relação aos quilombos
ca. Das manobras do corpo que se prepara para fugir formados pelos escravos fugitivos. Como Palmares,
das chicotadas nasce um jogo de grande riqueza rítmi- o mais conhecido deles, poderia ter resistido durante
ca. Da música dos trabalhadores portenhos nas horas mais de meio século (1630 a 1697) sem a capacitação
de descanso nos botecos surge uma das mais belas ex- de homens e mulheres que ali alimentavam sua espe-
pressões de sensualidade e movimento. Da invasão rança de uma vida com liberdade e buscavam forças
periódica e controlada das ruas centrais das cidades e meios de lutar por ela? Que saberes circulavam nessa
pelos moradores pobres dos morros, a maioria negros, comunidade em forma de mitos, de expressão artísti-
nasce as escolas de samba (Tramonte, 2001). ca, de dizeres e de relações, de conhecimento da geo-
grafia, da cultura do dominador e dos seus instrumen-
Uma pedagogia de resistência tos de violência? (Gonçalves, 2000).
A resistência criou desde cedo suas lideranças
A história da América Latina é também uma his- intelectuais. Entre tantas vozes, uma que se tornou
tória da resistência, e tudo o que foi dito anteriormen- emblemática é a de José Martí, escritor e poeta cu-
te poderia ser descrito como uma forma de resistir à bano que acabou morrendo em combate pela eman-
dominação. A intenção ao distinguir entre sobrevivên- cipação de Cuba. Para ele, resistir não significa en-
cia e resistência (Birgin et al., 2004) é de reforçar a tregar-se a um xenofobismo cego. José Martí foi um

280 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


A educação popular e a (re)construção do público

homem de experiência e espírito cosmopolita que ser entendido também como um desdizer. Deixemos
viveu na Europa, nos Estados Unidos e em vários que ele mesmo explique:
lugares da América Latina, sem jamais perder suas
raízes cubanas e latino-americanas. A matriz peda- O homem do povo não é um ser no mundo, mas uma
gógica popular, se assim o quisermos, não se cons- relação-vivente, que existe nessa situação. Não é subjetivi-
trói pelo princípio da exclusão do diferente, mas pela dade, nem racionalidade, nem indivíduo, mas relação. Na
radicalidade da afirmação do lugar de onde se fala. relação haverão de construir-se – e reconstruir-se – a subje-
Assim, a questão não é se deveriam ser criadas uni- tividade, a racionalidade e a singularidade, se não há mais
versidades numa terra onde elas originalmente não remédio a não ser seguir falando na única língua que te-
existiam, mas o tipo de universidade a ser criada e o mos. (Moreno Olmedo, 1993, p. 461)
conteúdo do ensino e da pesquisa que nelas é rele-
vante. Diz Martí (1983, p. 197): “Enxerte-se em nos- Por conseguinte, o povo não é um agregado de
sas repúblicas o mundo; mas o tronco terá que ser o indivíduos que contratam viver juntos, como propos-
de nossas repúblicas”. to pelo contrato social moderno (Streck, 2003), mas
Em segundo lugar, pode ser destacada a politici- uma complexa rede de relações que inclui aproxima-
dade da ação pedagógica, não reduzível à formação ções e distanciamentos, encontros e desencontros,
técnica. É a formação do humano, no sentido mais uniões e oposições. A partir da relação também não
pleno, combinando conhecimento científico com pai- se pode idealizar o povo. Bastaria olhar as estatísti-
xão e sensibilidade. Martí (idem, p. 83) quer que os cas para ver como grande parte dos assassinatos e dos
educadores (ambulantes) levem pelos campos o co- estupros ocorrem no interior das relações mais próxi-
nhecimento científico junto com “o conhecimento da mas. Ou seja, ao se identificar a relação como base da
doçura, das necessidades e dos prazeres da vida”, episteme popular, não se está propondo um julgamento
ambos conhecimentos necessários para um povo que moral dessa relação em confronto com outras bases
não queira estar condenado a morrer. epistêmicas.
Coloca-se, sim, o desafio de abrir-se a outras ra-
Uma pedagogia de relação cionalidades, conforme muito bem formulado por
Peresson Tonelli (1994, p. 114):
Outro elemento importante nessa matriz peda-
gógica pode ser encontrado no já referido estudo de A pergunta que nos fazemos a este respeito é se exis-
Moreno Olmedo (1993), quando ele propõe que a te apenas uma única racionalidade universal, ou se, pelo
episteme popular, distinta da moderna e fora dos pa- contrário, ocorre uma racionalidade plural; queremos ve-
râmetros da tradicional discussão entre modernidade rificar se existem lógicas populares, ou seja, formas pró-
e pós-modernidade, é uma episteme da relação. O prias de elaborar o conhecimento da realidade e de expressá-
homem do povo, segundo ele, não é nem o homo faber lo, e o quanto estas racionalidades estão sendo levadas em
moderno, nem o homo ludens pós-moderno, mas o conta e estão incidindo de maneira determinante na educa-
homo convivialis. ção popular.
Ele adverte que a relação enquanto raiz matricial
epistêmica não é um conceito, e por isso não se pode Ao lado da racionalidade técnico-científica, he-
explicá-la com palavras dentro de uma lógica discur- gemônica nos processos educativos regulares, ele en-
siva. Sua linguagem própria seria o mito e o símbolo. tão identifica lógicas cujo contexto são os grupos po-
E, como sabemos, todo símbolo explicado é um sím- pulares: uma racionalidade simbólica e uma
bolo fraturado. Ao mesmo tempo, como não se pode racionalidade sapiencial. A primeira delas, ao reme-
deixar de falar desse “mistério”, todo dizer deveria ter à profundidade da experiência, tem como objeto

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 281


Danilo R. Streck

entrar em relação com o outro, conforme indicado pela lar”.11 Tratava-se, evidentemente, conforme ele mes-
etimologia de símbolo (reunir, juntar). A segunda in- mo gostava de frisar, de um poder recriado. Hoje pa-
dica a busca de um “saber radical” sobre o sentido rece haver um desencanto com a própria possibilida-
último da vida, e também não se dá prioritariamente de de recriação do poder.
no mundo das idéias e conceitos, mas no âmbito das Diante disso, cabe pontuar, a título de fechamento
relações interpessoais. deste ensaio e como abertura das próximas discus-
sões, a recuperação do caráter instituinte da educa-
A educação popular e seu labirinto ção popular. Brandão (1986, p. 66) era enfático num
texto escrito em 1983, durante uma viagem a Cuba e
O labirinto é uma metáfora emblemática da lite- Nicarágua: “Retenhamos esta idéia, leitor. O lugar
ratura latino-americana. Gabriel García Márquez, em estratégico que funda a educação popular é o dos
O general e seu labirinto (1989), descreve Bolívar, movimentos e centros de cultura popular: movimen-
no fim de sua vida, embretado entre seus males e seus tos de cultura popular, centros populares de cultura,
sonhos e se perguntando como sair desse labirinto. A movimentos de educação de base, ação popular”
imagem do mundo como labirinto, lembra Scliar (grifos do original). Os nomes hoje são outros, como
(2003, p. 17) em Saturno nos trópicos: a melancolia são os movimentos da sociedade. Mas eles existem.
européia chega ao Brasil, “é muito ilustrativa de uma O exercício do poder, independente de quem o exer-
época em que os antigos referenciais socioeconômi- ce, sempre deixará expostas as suas margens, e estas
cos desaparecem, dando lugar a dúvidas, dilemas, in- são o hábitat da educação popular. De um modo mais
quietações”. Scliar refere-se ao período renascentis- radical, é possível que hoje a educação popular quei-
ta, quando para esse continente também se transplanta ra fazer-se mais explicitamente contra o poder insti-
a melancolia européia, que aqui encontrará campo tuído do que como uma articulação para chegar ao
fértil para florescer. “Havia motivo para tristeza [...], poder. A força da educação popular está, paradoxal-
um motivo social, histórico: o genocídio indígena, a mente, nos restos de esperança transformados em se-
escravatura negra, as pestilências, a pobreza” (idem, mente de um outro futuro que orienta a busca, e não
p. 244). na criação de futuros fechados que acabam aprisio-
O que caracteriza o labirinto é a perplexidade nando as próprias esperanças. A atenção aos encobri-
diante de caminhos que podem levar a lugar nenhum, mentos e às emergências dará conteúdos à crença de
quando não ao ponto de partida, num aparentemente que, retornando ao poema de Cavalliere, há fogo sob
infindável andar em círculos. Para Ianni (1993), o la- as cinzas.
birinto latino-americano consiste nesse sentimento de A reconstrução do público talvez nem passe pelo
vivermos num mundo e num tempo emprestados, esforço ingente de encontrar saídas do labirinto, ge-
numa realidade opaca em permanente busca de con- ralmente uma empreitada individual ou de grupos que,
ceitos, na qual as saídas anunciadas dificilmente se uma vez obtido o sucesso, se sentem aliviados ou cu-
transformam em saídas de fato.
A educação popular encontra-se hoje, quem sabe
mais do que nunca, confrontada com o seu labirinto. 11
Em outro lugar a definição é ampliada, dessa vez com refe-
Há menos de duas décadas, durante os debates da rência explícita à escola: “Entendo a educação popular como o es-
Constituinte e na antecipação de mudanças com o forço de mobilização, organização e capacitação das classes popu-
envolvimento da educação popular, Paulo Freire (in lares; capacitação científica e técnica. Entendo que esse esforço não
Torres, 1987, p. 74) a definia como “um esforço no se esquece, que é preciso poder, ou seja, é preciso transformar essa
sentido da mobilização e da organização das classes organização do poder burguês que está aí, para que se possa fazer
populares com vistas à criação de um poder popu- escola de outro jeito” (Freire & Nogueira, 1989, p. 19).

282 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


A educação popular e a (re)construção do público

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284 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


Resumos/Abstracts/Resumens

de Brasil (Sudeste, Sur, Centroeste y The paper reports results from an liberales la lógica concurrencia fue
Noreste) en el período 2001-2004. Las interinstitutional research on the más presente y en las licenciaturas
principales acciones son investigadas Brazilian National Course Exam. hubo una centralidad en los procesos
teniendo como ejes analíticos el con- Students, teachers and coordinators pedagógicos. Ambos, entre tanto,
junto de percepciones sobre juventud belonging to 12 higher education fueron alcanzados en sus objetividades
que anclan las iniciativas y las formas courses from different institutions at y tienden a reorganizar sus prácticas
que son propuestas por el Poder Públi- the state of Rio Grande do Sul were según el parámetro de suceso impuesto
co para la interacción con los segmen- interviewed. Results detected the por el modelo evaluativo. Interfieren
tos juveniles. impact of evaluation policies on the en los saberes docentes, silenciando
Palabras claves: juventud; políticas performance of teachers. There were, muchos de aquellos que se
públicas; poder local nevertheless, some variety among the contraponen al padrón impuesto por la
results, when different courses were evaluación, direccionando la cualidad
Maria Isabel da Cunha concerned. Courses focusing on liberal de la práctica pedagógica
Docência na universidade, cultura e professions showed a competitive universitaria.
avaliação institucional: saberes approach while those focusing on Palabras claves: políticas de
silenciados em questão teacher training programmes were evaluación; pedagogía universitaria;
Apresenta os resultados de pesquisa in- more centered on pedagogical proces- saberes docentes
terinstitucional sobre o Exame Nacio- ses. Nonetheless, both profiles were hit
nal de Cursos, conhecido como on their subjectivity and showed a Danilo R. Streck
“provão”, na qual foram entrevistados tendency to reorganization towards the A educação popular e a
alunos, coordenadores e professores de success parameters imposed by the (re)construção do público. Há fogo
doze cursos de graduação, pertencentes evaluation model. The model interferes sob as brasas?
a instituições de ensino superior do es- with teachers knowledge and silences O artigo busca situar a educação popu-
tado do Rio Grande do Sul. Os resulta- many of those contra posing the lar no contexto da reconstrução da esfe-
dos detectaram elementos de impacto patterns imposed by the evaluation, ra pública na América Latina. A partir
das políticas avaliativas sobre as for- directing the quality of pedagogical da volta às suas origens para identificar
mas de atuação dos professores. Hou- practice at the universities. o lugar social e os espaços pedagógicos
ve, entretanto, variação de resultados, Key-words: evaluation policies; nos quais a educação popular se origi-
de acordo com a natureza dos cursos. pedagogical university; knowledge nou, argumenta que um traço distintivo
Nos cursos que preparam para profis- teachers dela é a própria busca, no mesmo senti-
sões liberais a lógica concorrencial foi Docencia en la universidad, cultura y do em que a identidade latino-americana
mais presente e nas licenciaturas houve validez institucional: saberes se constitui como esse lugar de possibi-
uma centralidade nos processos peda- silenciados en cuestión lidades. Analisa a seguir algumas estra-
gógicos. Ambos, entretanto, foram Presenta los resultados de encuesta in- tégias pedagógicas clandestinas, assim
atingidos nas suas subjetividades e ten- terinstitucional sobre el Examen Na- entendidas por se caracterizarem como
dem a reorganizar suas práticas segun- cional de Cursos, conocido como ausência ou ocultamento, respectiva-
do o parâmetro de sucesso imposto “provão”, en la cual fueron entrevista- mente: pedagogia da sobrevivência, da
pelo modelo avaliativo. Interferem nos dos alunos, coordenadores y resistência e da relação. No final,
saberes docentes, silenciando muitos profesores de doce cursos de retorna à imagem do labirinto para defi-
daqueles que se contrapõem ao padrão graduación pertenecientes a nir as perplexidades – históricas e
imposto pela avaliação, direcionando a instituciones de enseñanza superior del atuais – da educação popular.
qualidade da prática pedagógica uni- estado de Rio Grande del Sur. Los re- Palavras-chave: educação popular;
versitária. sultados detectaron elementos de im- América Latina; esfera pública; peda-
Palavras-chave: políticas de avalia- pacto de las políticas evaluativas sobre gogias alternativas
ção; pedagogia universitária; saberes las formas de actuación de los Popular education and the
docentes profesores. Hubo, entretanto, variación (re)construction of the public sphere.
Teaching in higher education, de resultados, de acuerdo con la Is there fire in the embers?
culture and institutional evaluation: naturaleza de los cursos. En los cursos The main purpose of this article is to
the matter of silenced knowledge que preparan para profesiones situate popular education within the

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 371


Resumos/Abstracts/Resumens

context of the reconstruction of the Palabras claves: educación popular; contemporary society.
public sphere in Latin America. It is América Latina; esfera pública; Key-words: curriculum; post-
argued, after returning to the social pedagogías clandestinas colonialism; culture
and pedagogical locations where po-
pular education originated, that a Elizabeth Macedo Currículo como espacio-tiempo de
distinctive trait of popular education is Currículo como espaço-tempo de frontera cultural
the notion of search itself, in the same fronteira cultural La autora defiende que el currículo
sense that the Latin American identity A autora defende que o currículo preci- precisa ser pensado como espacio-
itself constitutes a similar space of sa ser pensado como espaço-tempo de tiempo de frontera entre culturas,
possibilities. This is followed by an fronteira entre culturas, garantindo a garantiendo la centralidad de la
analysis of some clandestine centralidade da categoria cultura em categoría cultural en detrimento del
pedagogical strategies, thus detrimento do conhecimento, caro à conocimiento, caro a la pedagogía crí-
understood since they are pedagogia crítica e ainda hoje tica y todavía hoy sirve de base a las
characterized respectively as absence embasando as discussões do campo. discusiones del campo. Se utiliza en la
or for what is hidden by hegemonic Utiliza-se, na construção da argumen- construcción de la argumentación, de
pedagogical theory: pedagogy of tação, de discussões pós-coloniais, es- discusiones pos-coloniales, especial-
survival, of resistance, and of relation. pecialmente as contribuições de H. mente las contribuciones de H.
At the end there is an allusion to the Bhabha, S. Hall e B. S. Santos. Conclui Bhabha, S. Hall y B. S. Santos.
image of the labyrinth for defining the que tratar o currículo como entre-lugar Concluye que tratar el currículo como
perplexities – past and present – of po- cultural em que se expressam princí- entre-lugar cultural en que se expresan
pular education. pios do Iluminismo e do mercado, mas principios del iluminismo y del merca-
Key-words: popular education; Latin também alternativas geradas na ambi- do, mas también alternativas
America; public sphere; clandestine valência dos globalismos, pode permi- generadas en la ambivalencia de los
pedagogies tir ao currículo rearticular sua dimen- globalismos, puede permitir al currícu-
La educación popular y la são política na contemporaneidade. lo rearticular su dimensión política en
reconstrucción del público. ¿Hay Palavras-chave: currículo; pós- la contemporanidad.
fuego sobre las brasas? colonialismo; cultura Palabras claves: currículo; pos-
El artículo busca ubicar la educación colonialismo; cultura
Curriculum as the space-time of
popular en el contexto de la cultural frontier
reconstrucción de la esfera pública en Rosanne Evangelista Dias e Rozana
The author defends the position that
América Latina. A partir de la vuelta a Gomes de Abreu
the curriculum should be thought of as
sus orígenes para identificar el lugar the space-time frontier between Discursos do mundo do trabalho nos
social y los espacios pedagógicos en cultures. In so doing, the text proposes livros didáticos do ensino médio
los cuales la misma se originó, argu- to guarantee the centrality of the Neste estudo, focalizamos os discursos
menta que un trazo distintivo de la category culture over knowledge, sobre o mundo do trabalho nos livros
educación popular es la propia which is important to critical pedagogy didáticos da área de ciências da cole-
búsqueda, en el mismo sentido en que and fundamental to the discussions ção De olho no mundo do trabalho
la identidad latinoamericana se within this field. Post-colonial theories (editora Scipione), como parte de uma
constituye como este lugar de as proposed by H. Bhabha, S. Hall and política curricular para o ensino médio.
posibilidades. A seguir analiza algunas B. S. Santos are the theoretical Entendemos a constituição de políticas
estrategias pedagógicas clandestinas, contributions that sustain the curriculares como um processo de ne-
así entendidas por caracterizarse argumentation. The text argues that to gociação complexo que inclui influên-
como ausencia u ocultación, respecti- think about curriculum as a cultural cia, produção e disseminação de textos
vamente: pedagogía de la in-between where we can find circulantes que estão sujeitos à recria-
sobrevivencia, de la resistencia y de la contributions from Illuminist theory ção contínua no contexto da prática
relación. Al final, retorna a la imagen and the market, as well as alternatives (Ball). Analisamos como os discursos
del laberinto para definir las perplexi- created in the ambivalence of these sobre o mundo do trabalho são apro-
dades – históricas y actuales – de la global discourses, can rearticulate the priados e recontextualizados
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