You are on page 1of 9

1.

08 setores da atividade "Un homme pauvre qui ne tire de la


agrícola; terre par son.travaü que des denrées
2. O papel da fronteira de peu de valeur, qui s'en nourrü,
agrícola. qui n'actiête rien et ne vend rien,
ne travaille que pour lui seul: il vit
âan» la misêre; lui et la terre qu'il
cultive ne rapportent rien à rétai:"
François Quesnay
O Brasil é um país que conhece intensos movi-
mentos migratórios internos. Para se ter uma
Pedro Calíl Padis * idéia da importância desses deslocamentos de
população, basta lembrar que, em 1970, 1/3 da
população brasileira não habitava mais as suas
cidades de origem. .
Uma parte considerável desses movimentos
migratórios ocorre no interior do mercado de
trabalho, cujas causas têm sido bastante estu-
dadas ," No entanto, uma outra parte desses
movimentos de população se dirige para áreas
do território ainda desocupadas. Portanto, esses
movimentos populacionais se processam no ex-
terior do mercado de trabalho, isto é, nas regiões
que se convencionou chamar de "fronteira agrí-
cola". Sabemos que tais deslocamentos popula-
cionais são muitas vezes considerados como sim-
ples movimentos migratórios, porém quer-nos
parecer que eles apresentam certas característí-
cas e conseqüências completamente diferentes
dos movimentos migratórios ordinários.
De um modo geral, não se ressaltam senão os
aspectos positivos e pioneiros do avanço da fron-
teira agrícola. Embora estes sejam bastante
consideráveis, não se pode ignorar os aspectos
negativos do rápido alargamento do territó-
rio ocupado.

1. OS SETORES DA ATIVIDADE
AGRíCOLA
Os países subdesenvolvidos podem ser classifi-
cados como aqueles que apresentam uma econo-
mia pouco diversificada e pouco complexa. De
modo geral, esses países apresentam o setor
primário muito importante, o terciário que se
comporta como tributário do primário e, final-
• Ex-professor da EAESP; mente, o secundário pouco desenvolvido e, na
Doutor em Economia pela PUCSP; quase totalidade das vezes, extremamente de-
diplomado de Estudo Superiores pendente, financeira e tecnologicamente, do
pela Universidade de Paris. exterior.
Atualmente prepara a tese Até época bastante recente, na grande
de Docteur d'État às Sciences maioria desses países, a aceitação da divisão in-
Economiques, na Universidade de ternacional do trabalho, imposta pelos economi-
Paris, sob a direção do camente dominantes, acentuou a oposição de
Prof. Celso Furtado. dois grupos de países: de um lado os índustría-
R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, 13(4) : 85-93, out.Zdea, 1973

Fronteira agrícola e população ativa


l1zados e de outro os agrícolas. No Brasil, essa sidera que o processo de industrialização empo-
aceitação foi tal que ainda há quem diga breceu boa parte da população rural.
que ele é um país "essencialmente agrícola". No interior do setor agrícola de um país sub-
Ainda no começo deste século, um ministro da desenvolvido, podemos identificar três subseto-
Fazenda, Joaquim Murtinho, encontrava eco ao res, cujos características principais não são
afirmar que "os brasileiros eram inferiores aos sempre as mesmas e cuja importância para a
norte-americanos, do ponto de vista da raça e economia no seu conjunto pode variar segundo
da força. Por isso, o desenvolvimento industrial o comportamento dos mecanismos internos e/ou
não é possível no Brasil". 2 E como gozava de internacionais. Assim sendo, temos: a) o subse-
"autoridade científica" junto aos mais altos po- tor que produz para o mercado internacional;
deres decisórios da jovem República, ele prati- b) o subsetor que produz para o mercado inter-
camente destruiu a atividade industrial existen- no; c) o subsetor de subsistência. Examinemos
te, crendo que, ao reforçar o setor agrícola, es- rapidamente as características de cada um des-
tava ajudando o Brasil a satisfazer sua vocação ses setores.
de "país agrícola". O ramo que produz para exportação tem, nor-
É somente com a deterioração das relações de malmente, uma importância considerável para
troca afetando os produtos primários, sobretudo os países subdesenvolvidos, isto é, se o país em
a partir de 1929, que essas idéias começam a questão é muito dependente da exportação de
mudar. No caso brasileiro, o surto industrial da um ou de alguns produtos agrícolas, esta produ-
década dos 30 e ( sobretudo, a corrida desenvolvi- ção torna-se a atividade condutora de toda a
mentista e industrializante dos anos 50 modifi- economia.
caram sensivelmente as políticas adotadas: se Esta importância decorre de vários fatores:
antes era preciso concentrar-se na atividade é o setor exportador que assegura a possibili-
agrícola, por essa época, era a atividade indus- dade de importação da maior parte ou mesmo
trial que atraía todos os esforços. da totalidade dos produtos industrializados. De
Não há dúvida de que é a industrialização o certa maneira, pode-se dizer que o setor agríco-
meio mais rápido de desenvolver um país e que la de exportação "substitui" a atividade indus-
a situação dos países que ainda dependem con- trial do país.
sideravelmente da agricultura não é das mais Por outro lado, esse ramo da atividade econô-
favoráveis. Entretanto, não se pode com isso mica é, freqüentemente que apresenta os mais
admitir que agricultura é sinônimo de subde- altos níveis de rentabilidade econômica no inte-
senvolvimento. rior do país. Por essa razão, tem lugar uma
Sabe-se que a partir da II Guerra Mundial, considerável concentração de recursos financei-
vários países da América Latina conheceram ros, econômicos e humanos o que, algumas ve-
uma rápida expansão industrial. No entanto, zes, provoca a superprodução e, por conseguinte,
a baixa dos preços no mercado internacional.
a quase totalidade deles conheceu, durante gran-
A menos que fatores exógenos provoquem uma
de parte dos anos 60, uma certa desaceleração transformação - como foi o caso da crise de
das taxas de crescimento." 1929 - essa concentração de recursos engendra
A razão fundamental dessa queda é justa- uma diversificação muito fraca da produção;
mente a forma de industrialização adotada: por conseguinte, uma insatisfação da demanda
86 produção de uma gama enorme de produtos de de vários produtos, entre os quais, certos pro-
consumo, sem levar em consideração a efetiva dutos agrícolas. 4
capacidade do mercado interno e com um bru- Finalmente, o setor terciário, na sua quase
tal processo de concentração de renda. damente - é estabelecida em função dessas
Indiscutivelmente, uma das razões fundamen- totalidade, é tributário do setor agrícola de ex-
tais desta concentração de renda é o relativo portação. Com efeito, o setor bancário, a admi-
desprezo do setor primário. De fato, durante nistração pública, os serviços de transporte, o
todo o tempo, considerou-se que o desenvolvi- próprio orçamento nacional, não são senão fun-
mento da agricultura seria uma "conseqüência ções das exportações. Além disso, grande
natural" do desenvolvimento industrial. Porém, parte da infra-estrutura - a rede viária, nota-
em economia não há milagres: a agricultura exportações.
não pode desenvolver-se na ausência de uma Não obstante, o setor agrícola de exportação
política bem determinada, sobretudo se se con- é, ele mesmo, uma função do mercado interna-
Revista de Administração de Empresas
cional, isto é, do comportamento da demanda movimentos migratórios internos começaram a
externa: se as quantidades procuradas ou os substituir as correntes de população vindas do
preços aumentam no mercado exterior, o setor exterior.
de exportação apresenta uma tendência à ex- Este fenômeno de atração de mão-de-obra
pansão; o que provoca uma elevação geral do pelo setor em expansão não encontra, entretan-
nível da atividade econômica em seu conjunto, to, uma contrapartida se a situação é a inversa:
no interior do país. Nesse caso há uma nova quando a demanda internacional apresenta um
concentração de recursos na atividade exporta- movimento de retração, não se pode dizer que
dora, que se traduz, ordinariamente, por um os movimentos migratórios seguirão um "cami-
aumento dos investimentos no setor. nho de volta". A população não pode voltar às
Teoricamente, tem-se necessidade de capitais suas origens. Ocorre então um remanejamento
financeiro e técnico, de força de trabalho e de na distribuição dessa população ativa, seja entre
novas terras (ou de recuperação daquelas exis- os setores de atividade econômica, seja no inte-
tentes), para fazer crescer a produção agrícola. rior do território.
Todavia, em certos países - e o Brasil é um É exatamente o grau de complexidade e de
excelente exemplo - onde o tamanho do terri- diversificação da economia que determinará a
tório é de grandes proporções, a produção agrí- direção que deverá tomar esta força de trabalho
cola pode se fazer de forma largamente exten- tornada excedente. São as características da
siva. Assim, as necessidades de capitais finan- economia que determinarão se esta população
ceiro e técnico se reduzem enormemente. Como permanecerá no setor rural ou se ela se dirigirá
o preço da terra não é muito elevado, é mais aos setores urbanos.
fácil e mais vantajoso aumentar a área cultiva- Se a economia tem apenas o setor de exporta-
da e, dessa maneira, fazer crescer a produção fí- ção, a retração deste último provocará uma re-
sica, do que adotar técnicas e métodos que au- gressão do conjunto, da economia às atividades
mentariam a produtividade, seja pela mecani- de subsistência. Foi esse, mais de uma vez, o
zação, seja por investimentos de recuperação do caso no Brasil. Um dos exemplos mais vivos é
solo. o período que se seguiu à decadência do ciclo
Portanto, quando se fala em concentração de açucareiro."
fatores de produção, pensa-se, sobretudo, na Contudo, se a economia for dotada de um cer-
força de trabalho, ou seja: o setor agrícola de to grau de diversificação, com um mercado in-
exportação, durante as fases de expansão, atrai terno consistente, a retração do setor externo
uma quantidade crescente de população ativa. pode criar condições favoráveis ao crescimento
Ocorre, porém, que nem sempre o país ou a re- econômico, isto é, ao alargamento das ativida-
gião que conhece essa expansão tem uma dis- des existentes e mesmo ao aparecimento de ou-
ponibilidade suficiente de força de trabalho tras. Isto significa diversificar a produção, so-
para fazer face a essa expansão de demanda. bretudo a industrial, desde que a manutenção
É exatamente essa situação que dá lugar aos de um fluxo monetário seja possível. 7
movimentos de população, por vezes muito con-
As conseqüências provocadas por estas duas
sideráveis. No caso brasileiro podem-se encon-
situações-limite são, evidentemente, muito dis-
trar vários exemplos de situações como esta.
tintas. 87
Durante o ciclo açucareiro (1532-1680), assim
como no da mineração (1700-1780), as ne- A regressão ao estágio de subsistência signi-
cessidades de força de trabalho foram satisfeitas fica o desaparecimento quase completo do fluxo
pela "importação" de escravos africanos. Na monetário e, portanto, de uma grande parte do
época em que a atividade cafeeira se expandia comércio de mercadorias. Inversamente, a ex-
muito rapidamente e a força de trabalho escra- pansão do setor de mercado interno significa,
va era insuficiente (a partir de 1850), o País normalmente, uma realocação de recursos, o que,
criou condições à imigração européia. li via de regra, aumenta a produtividade global
Porém, a partir do momento em que o País da economia.
passou a dispor de uma oferta potencial de for- O subsetor agrícola que produz para o mer-
ça de trabalho, as necessidades do setor de ex- cado interno tem um comportamento que, sob
portação começaram a ser satisfeitas por uma certos aspectos, difere muito daquele do setor
redistribuição interna da população. Isto é, os agrícola de exportação.
Fronteira agrícola
Com efeito, o subsetor para o mercado interno demográfico, o subsetor agrícola de mercado in-
deve satisfazer uma dupla demanda: a de pro- terno tem uma renda que, embora relativamen-
dutos de alimentação e a de matérias-primas te decrescente em relação à renda nacional, é
para a indústria de transformação. É muito di- crescente em termos absolutos reais. Esta situa-
fícil precisar a cada momento qual destes dois ção, aliada à crescente concentração da renda
componentes da demanda global de produtos em mãos dos proprietários, aniquila qualquer
agrícolas é o mais importante. interesse em fazer evoluir a atividade agrícola.
De qualquer modo, porém, pode-se dizer que Considerando-se, como já se assinalou, que
a produção agrícola para o mercado interno é a grande maioria dos produtos agrícolas conhe-
muito mais diversüicada que aquela para o ce uma demanda caracterizada por uma muito
mercado internacional, o que não constitui fraca elasticidade-renda, fica evidente que o
novidade. Porém, é preciso sublinhar que desenvolvimento do setor agrícola não decorre
isto se constitui num fator importante, à forçosamente do desenvolvimento industrial do
medida que se traduz numa certa "estabilida- país, se os resultados desse desenvolvimento
de" ao setor agrícola de mercado interno. É evi- beneficiam apenas uma pequena parcela da
dente que este setor pode sofrer as conseqüên- população. _
cias de uma retração da demanda internacional Sabe-se que o nível de vida das populações
de produtos agrícolas. Mas, mesmo assim, de subdesenvolvidas é muito baixo. E, apesar disso,
forma indireta, isto é, como conseqüência de a taxa de crescimento da produção agrícola para
uma baixa do nível de poder de compra da po- alimentação (a parte reservada ao mercado in-
pulação. No entanto, a expansão deste setor terno) é muito baixa. De fato, no caso brasilei-
pode-se dar de forma mais constante, dado que, ro, ela se coloca muito abaixo da taxa global
em condições normais, a demanda interna de de crescimento e, em alguns casos, mal acom-
produtos agrícolas é bastante "estável", pois panha a taxa de crescimento demográfico. 9
poucos são os produtos agrícolas de alimenta- Isto posto, pode-se afirmar que, em certas con-
ção - notadamente em países subdesenvolvi- dições, o setor agrícola para o mercado interno
dos - que apresentam grande elasticidade de não é capaz de absorver a força de trabalho "li-
demanda. Pode-se mesmo dizer que as oscila- berada" pelo setor agrícola de exportação. O
ções para cima ou para baixo da produção, dos setor de mercado interno, na melhor das hipó-
lucros e da produtividade do setor agrícola de teses, absorve a força de trabalho que se dirige
mercado interno são muito mais um fato do "normalmente" para ele. Podemos encontrar
comportamento da oferta que da procura. Esta, um exemplo muito ilustrativo do que se afirma,
evidentemente, tem uma influência enorme so- observando o desemprego provocado na região
bre as dimensões da produção. Se, por exemplo, norte do Paraná, quando da- adoção do progra-
a repartição da renda nacional apresenta uma ma de erradicação do café, em 1965/66.
tendência a tornar-se cada vez mais desigual, Desde que isto é verdade, admite-se facilmen-
a demanda de produtos agrícolas não evoluirá te que o excedente de força de trabalho, criado
senão muito lentamente. Portanto, a "satisfa- pela retração do setor exportador e/ou pela in-
ção" das necessidades traduzidas por uma pro- capacidade de absorção do setor de mercado in-
cura efetiva pode ser obtida sem grandes pro- terno, irá engrossar as correntes do êxodo rural
88 blemas para a oferta. ou será absorvido pelo setor de subsistência.
No caso brasileiro, por exemplo, onde a con- Há ainda outro aspecto importante a ser
centração da renda é extremamente acentuada, considerado e que se refere ao mesmo tempo ao
a satisfação da demanda de produtos de alimen- setor agrícola de mercado interno e ao setor
tação é proporcionada por uma atividade agrí- agrícola de exportação: é a estrutura da pro-
cola, cuja evolução é quase nula. É um erro priedade da terra.
grosseiro afirmar que o setor agrícola é eficaz Na maior parte dos países subdesenvolvidos
simplesmente porque ele é capaz de satisfazer - e o Brasil não constitui, em absoluto, uma
a demanda efetiva. 8 Como o nível de preços exceção - a propriedade da terra, assim como
agrícolas segue aproximadamente o nível geral a repartição da renda nacional são muito con-
de preços e como, de modo geral, a demanda centradas. Grande parte, portanto, da área
global de produtos agrícolas aumenta a uma cultivada - isto é, da parte do território efeti-
taxa aproximativamente igual à do crescimento vamenteintegrada no mercado nacional- per-
Revista de Administração de Empresas
tence a um pequeno número de pessoas. lt evi- seqüentemente, uma baixa no nível de vida do
dente que estes proprietários detêm grandes fa- grupo. Este fenômeno, por sua vez, provoca tam-
zendas, cuja produtividade não é sempre pro- bém uma "expulsão" de população e, desta vez,
porcional nem à qualidade das terras - quase quase sempre dos mais jovens.
sempre as melhores - nem ao tamanho da Para a população expulsa da zona rural, não
propriedade. De fato, podemos dizer que nesses se apresenta senão uma única e velha alterna-
casos há um desperdício do fator capital. tiva: migrar para a cidade e tentar um emprego
De outro lado, temos um enorme número de nos setores urbanos da atividade econômica ou
proprietários agrícolas que dispõem tão-somente continuar na atividade agrícola, mas num outro
de uma pequena parte da superfície cultivada. ponto do território.
Nestes casos fica bem claro que, em termos de A segunda hipótese é, para certos grupos, a
tamanho, cada unidade produtiva é demasiado única possível. Partem eles, então, para outros
pequena e que pelos efeitos do processo de he- cantos do País, procurando ser aproveitados nas
rança, o tamanho médio destas propriedades atividades agrícolas existentes. Se não encon-
tende a diminuir. O que se observa, então, é um tram trabalho, deslocam-se para regiões ainda
desperdício do fator trabalho. não habitadas, onde vivem, durante certo tem-
Do ponto de vista da população ativa, as con- po, no setor de subsistência.
seqüências diretas destes dois tipos de proprie- O setor de subsistência é, portanto, uma es-
dade são muito diferentes. pécie de reservatório de força de trabalho. Nos
No caso das grandes propriedades, encontra- países subdesenvolvidos e, segundo o grau de
mos uma população de empregados, cujo efetivo subdesenvolvimento, este subsetor agrícola tem
depende do tipo de atividade agrícola. Se se pro- importância e função diferentes. Vejamos então
duz café, por exemplo, o efetivo empregado é o que se entende por "subsistência".
bastante elevado, porque este produto exige um
Consideramos como subsetor de subsistência
grande e mais ou menos constante contingente
o conjunto das atividades agrícolas cujo fim
de força de trabalho. No entanto, se a atividade
essencial é prover dos produtos necessários ao
é a pecuária, a situação é completamente dife-
seu autoconsumo o grupo de população que aí
rente. A criação de novos empregos é pratica- trabalha.
mente nula. Lamentavelmente, no caso brasilei-
ro, podemos observar uma tendência muito ní- Embora de forma esporádica uma parte da
tida à substituição de certas áreas de lavoura produção possa ser vendida no mercado interno,
por áreas de pastagem. A gravidade desta subs- este fato não é capaz de justificar o conjunto
tituição é consideravelmente maior quando das atividades. Quer-se dizer, portanto, que as
a qualidade dos solos é alta, e a densidade de- relações e os laços do setor de subsistência com
mográfica na região é elevada. O aparecimento o de mercado são frágeis.
deste fenômeno é seguido de uma "expulsão" Desde que aceitemos este conceito de econo-
de população. mia de subsistência, podemos avançar na obser-
De modo geral, portanto, a grande proprie- vação de alguns aspectos do comportamento
dade não é capaz de absorver uma quantidade deste subsetor.
de força de trabalho proporcional à importância No caso brasileiro, encontramos um setor de 89
relativa desta propriedade sobre a área total subsistência que evoluiu consideravelmente,
cultivada, seja porque aí se desenvolvem ativi- quer quanto ao seu comportamento, quer quan-
dades que empregam muito poucas pessoas, seja to às suas características.
porque a grande propriedade não é inteiramen- Se considerarmos, por exemplo, o período
te aproveitada, o que a torna improdutiva. compreendido entre o fim do ciclo açucareiro,
No entanto, no caso da pequena propriedade por volta de 1680, e o início do ciclo mineiro,
- e que se torna cada vez menor por efeitos' em torno de 1700, veremos que, durante estes
de herança - o fenômeno é diferente. Em razão dois decênios, a quase totalidade da população,
de ter-se tornado muito pequena, a propriedade anteriormente empregada na atividade açuca-
não é mais capaz de oferecer oportunidades de reira, não produzia senão uma quantidade de
trabalho ao conjunto das pessoas aí residentes bens' apenas suficiente à sua sobrevivência.
(normalmente, uma família). Observa-se, então, Aliás, a inexistência de um mercado interno não
uma baixa da produtividade do trabalho e, con- oferecia alternativa. 10
Fronteira agrícola
Fenômeno semelhante pode ser identificado, e meio, mas cujas causas determinantes foram
aproximadamente um século mais tarde, no as mais diversas.
momento da conclusão do ciclo do ouro. O estado do Paraná é um bom exemplo de-
No entanto, o fenômeno apresenta caracterís- monstrativo do que se diz. Sua região norte foi
ticas diferentes a partir do momento em que ocupada em razão da conjugação de alguns fa-
começa a formação de um conjunto de força tores, sendo os dois mais importantes a crise
de trabalho assalariado. As relações de trabalho sofrida pela atividade cateeíra durante os
e a repartição da renda, como conseqüência da anos que se seguiram à crise de 1929 e a orga-
existência de um salário, vão transformar-se em nização de uma empresa imobiliária, cuja polí-
novos parâmetros do problema da incapacidade tica de vendas favoreceu, de certa forma, mesmo
do sistema econômico em absorver toda a oferta àqueles que não tinham grandes recursos. Por
de força de trabalho. outro lado, a infra-estrutura estabelecida e a
As crises estruturais e/ou conjunturais da evolução, seja da economia brasileira, seja do
economia vão obrigar esta mão-de-obra, torna- mercado internacional do café, favoreceram a
da ociosa, a procurar novas formas de sobrevi- integração mais ou menos rápida desta região
vência. no conjunto da economia do País.
Como o conjunto econômico, organizado em Em outra região deste mesmo estado, a su-
função dos mercados nacional e internacional doeste, o fenômeno teve características muito
não é capaz de fornecer os meios de manutenção diferentes. Do começo do deslocamento da po-
a boa parcela da população ativa, esta vê-se pulação à integração da economia local às eco-
obrigada a criar, por si mesma, de forma direta nomias do estado e do País, o processo de
e fora do mercado, os bens necessários à sua ocupação foi muito mais difícil e irregular que
própria subsistência. aquele da região norte. Pode-se mesmo afirmar
Como a terra, na parte já ocupada do terri- que, contrariamente ao que se deu nesta região,
tório, pertence a proprietários que, mais ou me- a ocupação do sudoeste foi marcada desde o co-
nos, bem ou mal, a exploram e como os setores meço pelo problema da terra: o tamanho e a
urbanos não são capazes de absorver mais mão- estrutura da propriedade e a luta desigual entre
de-obra, esta população, cuja força de trabalho pequenos e grandes proprietários.
tornou-se excedente, não tem outra alternativa Um único aspecto é comum aos dois movi-
senão a de partir em direção das partes do terri- mentos. Ambos foram resultantes de crises que
tório total ou parcialmente não ocupadas. A se manifestaram no setor agrícola e ambos fun-
primeira grande conseqüência deste fato é um cionaram como "válvulas de segurança" de uma
alargamento da ocupação efetiva do território, situação que tinha se tornado difícil. Se não
simultâneo à redução das pressões sobre o mer- tivesse sido possível deslocar a fronteira agrí-
cado de trabalho. cola na época dessas duas crises, as pressões
sociais teriam sido muito mais fortes.
2. O PAPEL DA FRONTEIRA Sabe-se que o subemprego, o desemprego dis-
O que é preciso assinalar, portanto, é que nestas farçado, o sazonal ou o aberto são alguns dos
condições a política de emprego de um governo problemas que se colocam sempre a qualquer
torna-se fácil. Ou, mais precisamente, nos paí- economia. As nações de capitalismo evoluído,
90 ses cuja fronteira agrícola ainda não foi defi- isto é, os países capitalistas desenvolvidos, en-
nitivamente fixada, existe sempre a possibili- contraram uma possibilidade de sustentar os
dade de conduzir a parte excedente da força de seus desempregados. É preciso assinalar, entre-
trabalho a fazer avançar a fronteira agrícola. tanto, que o desemprego neles representa um
Este fenômeno, evidentemente, pode ser de- custo social que, por vezes, torna-se bastante
terminado por várias razões diferentes: ele tan- considerável.
to pode resultar de uma ação deliberada dos po- É evidente que, por maiores razões, o proble-
deres públicos e/ou de grupos privados, como ma do desemprego, sob todas as suas formas,
ser um movimento mais ou menos "espontâ- se apresenta nos países subdesenvolvidos. As
neo" da população. soluções encontradas por estas nações são as
No caso brasileiro, o deslocamento da frontei- mais diferentes possíveis. Desde a solução "clás-
ra agrícola é um fenômeno mais ou menos con- sica", que se resume em "exportar" para os paí-
tínuo depois de, aproximadamente, um século ses desenvolvidos uma parte da força de traba-
.Revista de Administração de Empresas
lho excedente, até à redução da idade de apo- tivamente da força de trabalho. A segunda, e
sentadoria, podemos encontrar um leque enorme talvez a mais importante, é a de que, apesar da
de "soluções". forte taxa de urbanização e da multiplicação do
No primeiro caso, os exemplos são muito nu- número de cidades e vilas, quase metade da po-
merosos, sejam de países europeus, tais como pulação total ainda habita a zona rural (44%
Portugal, Espanha, Iugoslávia; sejam de africa- em 1970).
nos como Argélia, Marrocos, Tunísia; ainda de Entretanto, se nos lembrarmos que no recen-
latino-americanos, como Porto Rico e México. seamento brasileiro, "considera-se população
No segundo caso, na América Latina, o exemplo urbana aquela recenseada nas cidades e vilas
do Uruguai é muito signüicativo. (meio urbano e suburbano) e população rural
Contudo, o que nos importa realmente é ver aquela recenseada fora dos limites das cidades
que o Brasil é um caso que apresenta caracte- e vilas", 12 veremos que o efetivo real da popu-
rísticas muito específicas. lação rural é muito mais importante do que
Apesar da elevada taxa de crescimento demo- aquele apresentado pelo último recenseamento.
gráfico (3 % ao ano), do alto grau de urbaniza- Esta hipótese torna-se mais verossímil a par-
ção (aproximadamente 5% ao ano), e da fraca tir das considerações seguintes.
taxa de participação da população na for- a) Em 1970 existia no Brasil exatamente 7 834
ça de trabalho nacional, o Brasil não apresenta aglomerações urbanas, das quais 3 952 cidades
problemas muito graves de desemprego urba- e 3882 vilas. Consoante o último recenseamento,
no. 11 E isto se explica por duas razões princi- a distribuição destas aglomerações, segundo o
pais. A primeira é a de que apenas uma peque- tamanho do efetivo da população, era a se-
na parcela da população feminina participa efe- guinte:

Distribuição das aglomerações urbanas segundo o tamanho do


efetivo da população
1970
Cidades Vilas

Efetivo da população Número de cidades Efetivo da população Número de vilas

-- de 500 174 - de 200 991


500 -- I 000 620 201- 500 1 377
1 001 -- 2000 940 501 _. 1 000 917
2 001 -- 5 000 1 111 1 001 _. 2000 376
5 001 -- 10 000 516 2001 - 5000 130
10 001 -- 20 000 288 5 001 - 10 000 30
+ de 20 000 303 +de 10000 61

3 952 3 882

Fonte: Sinopse preliminar do Censo DemorrACieo, 1970,quadros 8 e 9, p, 92-5.

Como se pode observar no quadro acima, naram e, em seguida, entraram em completa


quase metade das cidades e mais de 90% das decadência.
vilas são aglomerações que têm menos de 2 mil A história destas pequenas cidades e vilas é 91
habitantes. O total da- população. destas aglo- sempre a mesma: a expansão de uma atividade
merações é de, aproximadamente, 3,6 milhões primária exigiu um certo agrupamento, cuja
de habitantes (a população urbana total é de quase única finalidade era a de ser um ponto
52,8 milhões). de reunião para trocar produtos. Na sua grande
Não se pode considerar estas aglomerações maioria, estes núcleos urbanos, sobretudo aque-
como verdadeiros núcleos urbanos. A ausência les situados na fronteira agrícola, não têm ele-
quase completa de todas as características de tricidade, escolas, hospitais, médicos, estradas,
uma atividade ou de uma vida urbana, permite- igrejas etc. Na realidade, eles não são muito
nos classüicá-Ias como núcleos proto-urbanos, mais que uma rua bordejada de pequenas casas.
sobre o futuro dos quais não se pode fazer mui- Considerar como urbanas as populações que
tos prognósticos. A história do Brasil é rica em vivem nestes pequenos núcleos é alargar inde-
exemplos de vilas ou mesmo de cidades que, de- vidamente a concepção do "fenômeno urbano".
pois de conhecerem rápido crescimento, estag- De fato, nestes núcleos onde as atividades do
Fronteira agríCOla
setor terciário são de significação quase nula e Em segundo lugar, pelo fato de atrair parte
onde as atividades do secundário absolutamente da população para uma região totalmente íno-
não existem e, acima de tudo, cuja população cupada e que ficará por certo tempo desprovida
trabalha nas atividades agrícolas, seria demais de equipamentos sociais, a fronteira reduz os
considerar sua população como urbana. custos sociais do conjunto do sistema. A redu-
b) Nos outros, à exceção dos grandes centros ção dos níveis de consumo e da participação da
urbano-industriais, pode-se encontrar uma po- população no produto nacional contabilizado,
pulação suburbana, cuja importância numérica facilita a formação de capital para investimen-
chega, por vezes, a ultrapassar o efetivo da po- tos nos setores "desenvolvidos" da economia.
pulação dita urbana. Que fazem essas pessoas? E. finalmente, a partir do momento em que
No Brasil são chamadas, comumente, de "volan- a economia começa a ter necessidade de um
tes", isto é, pessoas prontas a fazer não importa aumento da oferta de alimentos ou de maté-
o quê. Mas, na realidade, a parte mais impor- rias-primas, ela faz um pequeno esforço para
tante de sua remuneração provém do trabalho "integrar" a fronteira agrícola no sistema de
agrícola. Como? Durante o período de colheita, mercado.
os caminhões vêm buscar uma força de trabalho Neste momento, muitas transformações se
ociosa e muito barata, na parte suburbana das produzem na região de fronteira agrícola. Estas
cidades e vilas.. transformações, extremamente visíveis no caso
Esta população é considerada, também, como do sudoeste paranaense, são relativas à estrutu-
"população urbana". Mas, na realidade, é uma ra da propriedade da terra, ao nível da comer-
força de trabalho ligada à atividade agrícola. cialização dos produtos, ao nível das atividades
Pode-se, portanto, facilmente concluir que, do setor terciário e, o que é mais importante;
apesar do aumento das aglomerações urbanas e ao nível mesmo da população ativá. Portanto,
do crescimento da população que habita as a integração da região de fronteira no mercado
cidades, a pressão da oferta de força de traba- pode criar condições - e normalmente as cria
lho sobre o mercado urbano não é suficiente- - para um novo deslocamento da população.
mente forte para exigir uma política de empre- Num país onde, apesar das fortes taxas de
go mais agressiva. Por outro lado, pode-se dizer crescimento observadas, mais da metade da po-
que este conjunto de força de trabalho funciona pulação não tem acesso ao mercado de produtos
como uma espécie de reservatório no qual a pro- industrializados em razão do seu muito baixo
cura de mão-de-obra pode satisfazer-se segundo nível de renda, as teses relativas à "elasticida-
as suas necessidades. de" da atividade agrícola não têm nenhum sen-
A fronteira agrícola, por sua vez, é capaz de tido.
absorver durante um certo período - o de ex-
Vários autores 13 estudaram o problema da
pansão - parte desta força de trabalho que
capacidade da agricultura brasileira ois-ã-ot« do
está fora do mercado.
crescimento da demanda de produtos agrícolas.
Já dissemos que na fronteira, durante certo Parte desses autores crê que a estrutura agrária
tempo, não se produz senão para a auto-subsis- brasileira é convenientemente adaptada às ne-
tência. Dissemos, também, que os núcleos urba- cessidades do País. Nada é mais falso que esta
nos situados nesta fronteira são inteiramente afirmação.
92 desprovidos de, praticamente, todos os equipa- Já há vários anos foi aprovada no Brasil uma
mentos sociais. Qual é a significação deste fato lei sobre a reforma agrária. Vários organismos
para o conjunto econômico de um país subde- foram criados e reformados, mas quase nada de
senvolvido, em geral, e do Brasil, em particular? concreto foi feito no que se refere à reforma
Primeiramente, é preciso considerar que estes ou à transformação das estruturas agrárias,
fenômenos favorecem a concentração da renda apesar da evidência da gravidade do problema.
nacional. Retirando parte da força de tra- Por que?
balho do mercado, o deslocamento contínuo da A parte os problemas políticos, devemos con-
fronteira agrícola reduz, de forma indireta, a siderar o fato de que a metade da superfície do
massa de salários pagos. Como, ao mesmo tem- território nacional ainda está por ocupar. O des-
po ela funciona como um reservatório de força locamento contínuo da fronteira agrícola, asso-
de trabalho, cria uma situação favorável à ma- ciado aos movimentos migratórios que se pro-
nutenção dos baixos níveis de salário. cessam no interior do mercado de trabalho,
Revista de Administração de Empresas
anula as pressões mais fortes e disfarça o pro-
blema. Apesar da evidência da necessidade de
uma reforma da estrutura de propriedade da
terra, esta não terá lugar senão no dia em que
as "válvulas de segurança", tais como a fron-
teíra agrícola, tenham desaparecido.
Evidentemente, ninguém que se tome seria-
mente pode se opor à completa ocupação do
território do País, nem ao aproveitamento dos
seus recursos naturais. Seria, entretanto, neces-
sário que esta ocupação fosse feita de modo mais
ordenado a fim de que todos os brasileiros pu-
dessem participar dos benefícios do progresso e
do desenvolvimento. O

1 Um trabalho interessante sobre os movimentos


migratórios no Brasil e que apresenta uma boa biblio-
grafia é o de Jordão Netto, Antonio. As migrações
internas para o Estado de São Paulo. Revista ela Pon-
tifícia Universidade catôuc« de São Paulo, v. 36, 1969.
2 Citado por Peláez, C. M. As conseqüências econô-
micas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no
Brasil entre 1889e 1945.Revista Brasileira de Econo-
mia, v. 25, n. 3, 1971.
3 Para uma demonstração detalhada, ver Padis, Pe-
dro Calil. Crises de conionoture ou problemes de
structurer - un e8saisur te comportement de l'écono-
mie brésiZienneentre 1960 & 1970. Dossier de Recher-
ches apresentado na Universidade de Paris I, Pan-
théon Sorbonne, 1972.
4 Uma análise muito interessante deste renõmeno
pode ser encontrada em Furtado, Celso. Formação
econômica do Brasil. Fundo de Cultura, 1959.capo 13.
Ver também do mesmo autor Teoria e política do de-
senvolvimento econômico. Nacional, 1971. esp, capo
11 a 16.
li Cf. Furtado. op, cito capo 20 a 24.
6 Idem, ibid. capo 12 a 15.
7 Uma análise detalhada do caso latino-americano
é apresentada por Furtado, Celso. Formação econô-
mica ela América Latina. Lia Ed., 1969.capo 11. Sobre
o caso brasileiro, ver do mesmo autor, Formação eco-
nômica do Brasil, cito capo 30 a 32.
8 Uma crítica a esse tipo de raciocínio pode ser en-
contrada em Furtado, Celso. Agricultura y desarrollo
económico: consíderacíones sobre el caso brasileií.o. 93
Trimestre Econ6mico, México,n. 153,p. 13-6,jan./mar.
1972.
9 Cf. Padis. op. cit. capo4. Ver também Singer, Paul.
Desenvolvimento e crise. São Paulo, DEL, 1968.esp.
capo 2 e 3.
10 Cf. Furtado. op. cito lococit.
ESTAMOS DE OLHO
11 Sobre a evolução da força de trabalho e do em-
prego no Brasil, ver Singer, Paul, Força de trabalho EM TUDO O aUE
e emprego do Brasil - 1920/1969Cadernos CEBRAP
s» 3. São Paulo, 1971. DIZ RESPEITO A
ECONOMIA
12 Sinopse preliminar do Censo Demográfico. 1970.
p. 11.
13 Ver: Prado Jr., Caio et alll. A agricultura subde-
senvolvida. Petrópolis, Editora Vozes, 1969.Ver tam-
bém Furtado, Oelso. Agricultura y desarrollo ... Tri-
CONJUNTURA ECONÔMICA
UMA PUBlICAÇAo DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
mestre Econ6mico, cit.
Fronteira açricola

You might also like