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Esmagados,

mas não derrotados


O IMPACTO DA VIOLÊNCIA PERSISTENTE
SOBRE A IGREJA NO NORTE DA NIGÉRIA

ESTE MATERIAL FOI PRODUZIDO PELA PORTAS ABERTAS EM


PARCEIRA COM A CHRISTIAN ASSOCIATION OF NIGERIA

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Resumo
Os cristãos estão sendo alvos no Norte ca) em 12 estados do Norte, no ano 2000,
da Nigéria. De 2006 a 2014, entre 9.000 e aumentou a discriminação contra os cris-
11.500 cristãos foram mortos. Mais de um tãos. A violência persistente levou a uma
milhão foram afetados, muitos desaloja- maior segregação das comunidades cris-
dos de seus lares, e 13 mil igrejas foram tã e muçulmana.
destruídas ou abandonadas. Entre 1857 e Os cristãos dizem que seu maior de-
2014, o número de cristãos aumentou de safio espiritual hoje é compreender a vio-
virtualmente zero para 31,2 % da popula- lência religiosa e ‘amar seus inimigos’. A
ção. Hoje, a frequência da igreja caiu para liderança da Igreja tem falhado até agora
menos da metade em algumas das áreas em produzir uma visão coerente, uma es-
mais violentas. Em outras, a presença cris- tratégia ou um plano para lidar com a cri-
tã quase foi extinta. se. O que se requer da Igreja é uma visão
Entre os criminosos, estão os grupos holística da fé cristã, em que a salvação
radicais islâmicos como o Boko Haram, pessoal é acompanhada de transforma-
pastores fulani muçulmanos armados e ção social. O que se requer do governo
a elite religiosa e política muçulmana do nigeriano e da comunidade internacional
Norte. A introdução da sharia (lei islâmi- é uma maior atenção e ação estratégica.

O futuro da igreja na Nigéria


ainda é incerto

Resumo do relatório de pesquisa ‘Esmagados mas não derrotados, o impacto da violência persistente
sobre a Igreja no Norte da Nigéria’, Portas Abertas Internacional, Arne Mulders, Fevereiro de 2016

Portas Abertas RELATÓRIO NIGÉRIA 3

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Expulsos Por quê?
A violência no Norte da Nigéria resultou A Nigéria é um país partido em dois. religião, a realidade no Norte do país é
em milhares de mortes, incluindo uma es- Enquanto o sul é economicamente estável radicalmente diferente. Isso se aplica não
timativa entre 9.000 e 11.500 cristãos entre e goza de relativa paz, o Norte é atribulado apenas aos 12 estados do extremo Norte
2006 e 20141. Muitas propriedades de cristãos pelos ataques contínuos de grupos violen- que introduziram a sharia em 2000, mas
foram destruídas e 13 mil igrejas demolidas, tos, insegurança econômica e social, e con- também nos estados do cinturão médio
abandonadas ou forçadas a fechar2. Líderes flitos étnico-religiosos. sem a sharia, onde a lei islâmica não foi
das igrejas do Norte estimam que a congrega- Os cristãos que vivem em regiões formalmente implementada.
ção rural média tem entre 50 e 100 membros. afetadas têm suportado o grosso dessa Uma pesquisa de Portas Abertas In-
Portanto, essa significativa redução de igrejas violência e insegurança. O Norte é o lar ternacional mostra que décadas de vio-
afetou até 1,3 milhão de cristãos, muitos dos de uma substancial população cristã, esti- lência religiosa direcionada tem tido um
quais agora estão deslocados internamente. mada em 30 milhões3. Essa situação tem impacto ainda maior sobre a igreja na
Em várias áreas, a presença cristã quase se tornado cada vez mais hostil para os região Norte do que previamente espe-
foi extinta. Em algumas regiões do nordeste, cristãos nas últimas décadas, levando a rado. A coesão social entre muçulmanos
a igreja perdeu tantos membros que não está crescente marginalização e discriminação, e cristãos tem sido afetada gravemente.
claro como irá reconstruir suas comunidades. bem como amplos ataques que têm esca- A confiança mútua se quebrou e muçul-
lado nos últimos 15 anos. manos e cristãos têm se tornado cada
1
Chegou-se a essas estimativas usando-se as Embora a Nigéria seja um Estado se- vez mais separados, retirando-se para
estatísticas do Nigeria Watch, comparando-as cular com uma constituição que garante suas próprias comunidades nas cidades,
à população de cristãos no Norte da Nigéria e liberdade de pensamento, consciência e subúrbios e regiões rurais distintas.
calculando-se uma porcentagem adicional de
ataques direcionados a cristãos.
2
Congregações afetadas no Norte da Nigéria na
Associação Cristã de grupos de igrejas da Nigéria Baseado em cifras fornecidas pelos líderes da igreja nigeriana, membros da Associação Cristã da
3

(2000-2014). Nigéria, Portas Abertas Internacional e World Christian Database.

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Condutores
da violência
As diferentes expressões de violência
direcionada contra cristãos no Norte da Ni-
géria têm um denominador comum: o de
defender os interesses de muçulmanos, a
identidade muçulmana e a posição domi-
nante do islã na sociedade.
Os criminosos dessa violência incluem
grupos radicais islâmicos como o Boko Ha-
ram, pastores muçulmanos fulani e tam-
bém a elite política e religiosa de muçulma-
nos do Norte.
Alguns cristãos tornaram as coisas piores,
contribuindo para o conflito devido a seu
próprio tribalismo, agendas políticas, ódio,
retaliação e violência. Nem todos os cristãos
têm respondido bem ao conflito e à violên-
cia. Isso às vezes incita reações violentas de
muçulmanos, seguindo a agressão executa-
da por pessoas que eles consideravam ser
cristãs. Os muçulmanos têm agido por frus-
tração pelo sentimento de marginalização
socioeconômico no estado de Plateau. Muitos cristãos ainda pregam a paz e o amor
com todos. Outros, contribuem para o conflito

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Boko Haram
A insurgência do Boko Haram começou A insurgência chegou ao pico em 24 Chade e Camarões5. Jovens muçulmanos
em 2009 com o objetivo declarado de tor- de agosto de 2014 com o estabelecimen- desempregados estão se juntando a com-
nar a Nigéria em um país puramente islâ- to do califado de Gwoza e a subsequente batentes muçulmanos bem treinados des-
mico. Em meados de 2014, ficou claro que violência em larga escala nos três estados ses países. Sua recompensa não é o paga-
isso estava tendo um impacto devastador do nordeste (Borno, Yobe e Adamawa). As mento, mas saques: mulheres, bens e terras.
na igreja no Norte da Nigéria. pessoas eram mortas, feridas e traumatiza- As vítimas incluem muitos cristãos. Ata-
das. Mulheres e meninas eram estupradas, ques a igrejas, propriedades, lares, lojas, es-
sequestradas e forçadas a se casar. O nú- colas e clínicas cristãs têm causado caos ge-
mero de pessoas deslocadas internamen- neralizado. Muitos cristãos se mudaram para
te e que fugiam para países vizinhos subiu áreas mais seguras, deixando um pequeno
dramaticamente. remanescente nos locais problemáticos.
O Boko Haram e outras seitas radicais Enquanto as comunidades cristãs se en-
islâmicas, com suposto apoio político4, têm colhem, os muçulmanos, incluindo alguns
recrutado muçulmanos pobres de países de países vizinhos, vêm ocupar as áreas va-
vizinhos para pelejarem na jihad. Estão su- gas ou comprar propriedades danificadas a
postamente recrutando crianças do Níger, preços muito baixos.

4
Baseado em cifras fornecidas pelos líderes da igreja nigeriana, membros da Associação Cristã da Nigéria,
Portas Abertas Internacional e World Christian Database.
5
World Watch Monitor, ‘The man who talks to Boko Haram’, March 2015: https://www.worldwatchmonitor.
org/2015/03/3786031/
Grupo radical islâmico recruta homens 5
BBC News, ‘Niger hit by Nigeria’s Boko Haram fallout’, April 2014: http://www.bbc.com/news/world-
e crianças pobres para a ‘guerra santa’ africa-27111884

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Ataques Fulani
Os ataques a fazendeiros cristãos nos conflito socioeconômico adotou um tom Muitos foram mortos ou feridos e muitas
estados do cinturão médio por pastores distintamente religioso com fontes locais casas e igrejas destruídas. Os fulani captura-
muçulmanos fulani são outra expressão de convencidas de que as comunidades cristãs ram terra e bens. Seus apoiadores assumiram
violência. Ao longo dos séculos, tem havido enfrentam níveis maiores de ataque do que as terras da população cristã original e estão
antagonismo entre fazendeiros e nômades seus vizinhos muçulmanos6. sequestrando estudantes para casá-las com
pela terra. Muitas tribos locais resistiram o islã por muçulmanos. Alguns observadores acredi-
No Norte da Nigéria, os muçulmanos fu- séculos e se tornaram cristãs em consequ- tam que os fulani estão sendo usados como
lani vagam com seu rebanho em busca de ência da atividade missionária no século XX. ferramenta por políticos para dominar as re-
pasto e água. O aumento da desertificação Conflitos entre os fulani e essas tribos se in- giões cristãs e eliminar a presença física e po-
os tem levado gradualmente em direção ao tensificaram a partir de 2011, especialmente lítica de cristãos8.
sul, o que resulta em conflito com os fazen- na corrida para as eleições presidenciais de
deiros não muçulmanos nos estados do cin- 2015. As regiões do governo local em Ja-
turão médio. Juntamente com os pastores, ma’a, Kachia, Kagarko, Kaura e Sanga, no sul
tem havido uma migração em massa em di- de Kaduna, em particular, foram gravemente
reção ao sul, colocando pressão pelo acesso afetadas, com alguns vilarejos atacados três
a terra, empregos e fundos do governo. Este vezes entre janeiro e maio de 20147.

6
Adamu, Abdulbarkindo and Alypse Ben, ‘Violent Conflict in Di¬vided Societies: The Case Study of Violent Conflict in Taraba State (2013 - 2015)’ November 2015,
pequisa para Portas Abertas Internacional: https://www.worldwatchmonitor.org
7
Adamu, Abdulbarkindo and Alypse Ben, ‘Migration and Violent-Conflict in Divided Societies: Non-Boko Haram Violence against Christians in the Middle Belt region
of Nigeria’, March 2015, pesquisa para Portas Abertas Internacional: https://www.worldwatchmonitor.org/research/3777637
8
Adamu, Abdulbarkindo and Alypse Ben, ‘Migration and Violent-Conflict in Divided Societies: Non-Boko Haram Violence against Christians in the Middle Belt region
of Nigeria’

Portas Abertas RELATÓRIO NIGÉRIA 7

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Exemplos
de violência persistente
LASSA Em 2007, alunos de uma escola cristã de
Lassa, ao sul do estado de Borno, é o ensino médio foram acusados de produzir
lar da tribo Margi. Muitos margi se con- um desenho de Maomé. Todos os alunos
verteram ao cristianismo no século XIX. cristãos foram atacados e expulsos. Oito
A violência do Boko Haram alcançou igrejas foram incendiadas e seus membros
Lassa em 2012, alvejando igrejas, missões, forçados a fugir. Exceto por alguns policiais
escolas, delegacias, cristãos e pessoal do e empresários cristãos do sul, nenhum cris-
governo. Muitos fugiram para se escon- tão hausa nativo permaneceu na cidade.
der nas florestas. Desde 2007, as minorias cristãs nos vi-
A igreja na região está sendo grande- larejos ao redor de Tudun Wada Dankadai
mente afetada pela violência. Ao todo, 36 de têm sido seriamente marginalizadas. Os
50 distritos de igreja fecharam, juntamente cristãos são proibidos de comprar terreno
com 1359 igrejas. E 356 pastores, 346 pasto- ou construir igrejas em terra nativa. Todas
res assistentes e 1390 obreiros ficaram de- as escolas missionárias e hospitais foram Pastores cristãos que enfrentaram
sempregados. Muitos cristãos fugiram para tomados pelo governo e as crianças cristãs a violência, receberam cartas de
o exterior ou foram realocados para regiões têm as bolsas de estudo negadas. As me- encorajamento de todo o mundo
mais seguras. ninas cristãs normalmente são sequestra-
das e forçadas a casar com muçulmanos.
TUDUN WADA DANKADAI Fontes locais relatam que negócios cris- fim de terem permissão de entrar em esco-
Tudun Wada Dankadai é uma cidade tãos foram fechados e os cristãos raramente las do governo, ou devem ser realocados
no estado de Kano. Um milhão dos nove são empregados como funcionários do go- para escolas no cinturão médio. Em conse-
milhões de habitantes de Kano são cris- verno. Jovens cristãos têm de ser educados quência disso, muitos cristãos de Kano es-
tãos nativos. em casa ou assumir nomes muçulmanos a tão migrando para o cinturão médio.

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JOS cidade é controlar o estado. Se os muçul-
A cidade de Jos, no estado de Plateau, manos hausa-fulani ganharem controle
tem experimentado repetidas crises desde da cidade de Jos, terão também comple-
1994. Pastores fulani atacaram vilarejos de to controle do estado de Plateau.
maioria cristã em regiões rurais, ao sul da
cidade. Em agosto de 2013, 51 cristãos fo-
ram mortos nos vilarejos de Bolgang, Ma-
gama, Karkashi e Kuka, na região de Lang-
tang, sul do estado de Plateau. Suas casas
foram incendiadas e suas famílias foram
deixadas sem um lugar para viver. A vio-
lência em Jos e no estado de Plateau tem
resultado em milhares de muçulmanos e
cristãos mortos, feridos e deslocados. Pro-
priedades públicas foram destruídas, mes-
quitas, igrejas e escolas foram atacadas,
gado roubado e vilarejos inteiros saquea-
dos. Esses conflitos foram primariamente
sobre acesso a recursos econômicos e ter-
ra, mas a religião foi também vista ampla-
mente como motivação adicional.
Encontro com viúvas em Jos.
Jos é a capital do estado de Plateau e Mulheres perdem seus maridos
o centro de poder e negócios. Controlar a em invasões do Boko Haram

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Contexto
para a violência contra os cristãos
O povo da Nigéria ainda luta com a para incluir grandes partes dos estados do
ideia de estado-nação. Sua primeira iden- cinturão médio, que tinham sido excluídos
tidade é retirada de suas tribos, grupos anteriormente do califado de Sokoto do
étnicos, regiões e religiões. A religião e a século XIX.
etnicidade moldam a identidade dos prin- A política colonial inicialmente im-
cipais grupos no Norte da Nigéria e são pedia missionários de entrar em regiões
manipulados por políticos a fim de dividir dominadas por muçulmanos no extremo
e governar. Norte. Todos os habitantes dos emirados
No contexto desse relatório que olha muçulmanos eram considerados muçul-
o impacto da perseguição na igreja, os manos. Essa proibição significava que
três condutores de perseguição contra os recursos missionários limitados eram
os cristãos no Norte da Nigéria são a elite canalizados para os emirados não muçul-
religiosa e política muçulmana do Norte, manos, resultando em grande crescimen-
grupos radicais islâmicos e pastores fulani to da igreja.
armados. Isso, com a cultura existente de
violência na Nigéria, afeta particularmente
a minoria cristã. Essas dinâmicas estão fir-
memente enraizadas no passado.
O Norte da Nigéria é uma construção
colonial britânica. A administração colonial
trabalhou com as estruturas de governo
Grupos tribais e étnicos se formam
existentes, como os emires hausa-fulani lo- para manipular e ditar regras
cais. O governo dos emires foi estendido conhecidas como ‘identidade local’

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Portas Abertas RELATÓRIO NIGÉRIA 11

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A elite
religiosa e política
muçulmana do Norte
Após a Nigéria ter ganhado a indepen-
dência em 1960, os muçulmanos hausa-
-fulani permaneceram no poder na região
Norte e reforçaram seu domínio sobre as es-
truturas políticas para se tornarem uma elite
religiosa e política no Norte. A posição dos
cristãos no Norte se deteriorou mais após a
independência.
A Nigéria foi governada por muçulmanos
do Norte entre 1979 e 1999. Mas, quando a
democracia foi estabelecida em 1999, no
mandato do presidente cristão Olusegun
Obasanjo, a elite do Norte ficou alarmada que
sua dominância religiosa, econômica e políti-
ca pudesse estar em perigo e o caráter islâmi-
co de sua sociedade pudesse estar em risco.

Muçulmana no Norte da
Nigéria. Abertura põe em risco
a hegemonia islâmica

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Estados
da Sharia

A participação muçulmana na política cresceu de virtualmente zero, em 1857,


é tradicionalmente forte na África devido para cerca de 30 milhões hoje (31,2%).
a sua crença de que religião e estado (din Os cristãos agora formam a maioria nos
wa dawla) são um e indivisíveis. seis estados do Norte. O crescimento rá-
Para garantir essa crença, a sharia apri- pido da igreja é visto como ameaça aos
morada foi implementada em 12 estados interesses e identidade da base de poder
do Norte em 2000. Isso deu origem ao te- muçulmana estabelecida no Norte, e à
mor entre os cristãos e precipitou a pre- predominância do islã na região.
sente crise.
A despeito da presença cristã subs-
tancial nesses estados da sharia e em
outras áreas dominadas por muçulma-
nos, há muito tempo, os cristãos têm sido
marginalizados, discriminados e alvo de
violência. A sharia aprimorada acelerou
esse processo de marginalização. Como
resultado, muitos cristãos migraram para
regiões mais seguras e os que permane-
ceram ficaram cada vez mais vulneráveis.
Muitos não muçulmanos no Norte se Cristãos recebem treinamento
tornaram cristãos no século XX. A igreja para enfrentar perseguição

Portas Abertas RELATÓRIO NIGÉRIA 13

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Crise
de Identidade
Normalmente, na Nigéria, as identidades califado Sokoto era baseada na escravidão, A crise pós-eleitoral de 2011 resultou em
tribal e religiosa são inextrincavelmente inter- com os hausa-fulani tratados como objetos e muitos cristãos mortos, juntamente com
ligadas. A rivalidade intertribal tem aumen- convertidos ao islã pela força. Esse legado en- membros muçulmanos do partido de opo-
tado. Três grandes tribos dominam a política gendrou resistência à dominância hausa-fu- sição. Alguns observadores creem que os
no país. No Norte da Nigéria, os muçulmanos lani nas esferas da religião, economia, cultura políticos do Norte conspiram para incapacitar
hausa-fulani são a maioria9. e política. Essa tensão continua a impactar as o regime de Goodluck, encorajando insur-
Essa questão é complicada pela história relações intertribais. reições do Boko Haram e aumentando os
de escravidão. A economia do século XIX do O cristão do sul, Olusegun Obasanjo, ataques de pastores muçulmanos fulani no
tornou-se presidente em 1999 e foi sucedi- cinturão médio10.
do por um presidente muçulmano, Umaru Um novo Partido do Congresso foi forma-
Yar’Adua. Yar’Adua foi sucedido em sua morte do sob o mandato do muçulmano do Norte
pelo vice-presidente, o cristão do sul Goo- Muhammadu Buhari que ganhou o poder
dluck Jonathan que, mais tarde, recebeu um nas eleições presidenciais em março de 2015.
mandato eleitoral em 2011. Com esta suces- Embora Buhari tenha reprimido o Boko Ha-
são, a elite muçulmana do Norte temeu que ram, muito pouco é feito sobre a violência
o poder estivesse mudando para o sul cristão, hausa-fulani contra os cristãos no Norte da
juntamente com o acesso às substanciais ren- Nigéria. Este problema parece ser negligen-
das de petróleo da Nigéria. ciado e a violência continua.

9
As outras duas tribos são os igbos e os yorubas.
10
Ver: World Watch Monitor, ‘The man who talks to Boko Haram’; Adamu, Abdulbarkindo and Alypse Ben,
Política nigeriana agrava ‘Migration and Violent-Conflict in Divided Societies: Non-Boko Haram Violence against Christians in the
situação do cristão Middle Belt region of Nigeria’.

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O impacto
na vida da igreja
Segue-se um resumo baseado em 102 • Três entre quatro cristãos no Norte da Nigé-
entrevistas com membros de 44 congre- ria consideram que o futuro será sombrio.
gações que representam os cinco blocos • Três entre quatro entrevistados disseram
de igrejas denominacionais da Associação que se tornou mais difícil, para os cristãos
da Nigéria. no Norte da Nigéria, ser promovido ou
• A frequência à igreja e seus membros ca- conseguir emprego no governo. Os en-
íram para menos da metade nas regiões trevistados acreditam que pessoas com
mais violentas no Norte da Nigéria, mas nome cristão não consigam emprego
aumentou nos estados do cinturão médio nem promoção.
para onde muitos cristãos se mudaram. • Os cristãos dizem que o maior desafio espi-
• A igreja declinou em influência e recursos ritual é compreender a violência religiosa e
enquanto a pobreza aumentou. ‘amar seus inimigos’. Reunião de cristãos. Frequência
em igrejas diminuiu pela metade
• Oitenta porcento dos entrevistados dis- • O principal desafio emocional é lidar com o
seram que os sentimentos em relação trauma infligido pela violência persistente,
aos muçulmanos tornaram-se mais ne- como muitos experimentaram, viram ou
gativos devido à violência persistente. ouviram sobre a violência brutal em suas Sessenta e cinco porcento dizem que sua
Eles confessaram lutar com sentimentos comunidades. fé pessoal aumentou. Setenta porcento di-
de suspeita, medo e desconfiança. Os • O principal desafio social é superar a des- zem que o número de cristãos compromis-
cristãos temem entrar em regiões de confiança mútua, o medo e o ódio entre sados em suas igrejas cresceu.
maioria muçulmana por causa da violên- cristãos e suas contrapartes muçulmanas. • Em algumas regiões, parece haver uma
cia direcionada. A violência persistente • Significativamente, os cristãos que se recu- nova dinâmica em que os cristãos estão fa-
levou a uma maior segregação das co- sam a ser expulsos mostram um crescen- zendo campanha por sua liberdade através
munidades cristã e muçulmana. te compromisso com sua fé e suas igrejas. de participação na política.

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Vozes Cristãs
De acordo com 80% dos entrevistados, Os cristãos estão vendendo suas casas em regiões Nós vemos a necessidade
o número de cristãos que perseveram, a dominadas por muçulmanos e se mudando para outros de ganhar poder político.
despeito de perdas e traumas pessoais, lugares que são mais cômodos. Meu esposo e eu nunca Então, estamos entrando na
aumentou. Muitos cristãos enfrentam dia- deixaremos o ambiente dominado por muçulmanos política em grande número e
riamente o desafio da vida e da morte: eles porque Deus tem sido fiel. estamos mais conscientes”.
se apegam a Deus, perseveram em sua fé, Ele é nosso protetor e uma
A violência
vivem a Bíblia e experimentam milagres. das muitas maneiras que
despertou os
podemos mostrar-lhes amor A igreja está ciente
membros e agora
é vivendo entre eles”. da violência relacionada
eles veem maior
à religião, mas não
necessidade
preparada por completo
de oração...
Muitos muçulmanos querem para resisti-la... Amor
Para mim, isso
se tornar cristãos, mas têm medo pelos perseguidores
aumentou
de serem mortos ou pressionados é muito difícil; a igreja
grandemente
por companheiros muçulmanos”. precisa trabalhar nisso”.
minha fé em Deus”.

Os poucos que permanecem sofreram perda


A violência pessoal de entes queridos e de bens. Cremos que
desenvolveu o ódio Deus é o doador de todas as coisas e que Ele proverá
nos cristãos; então, eles tudo que foi perdido no tempo apropriado. Somos
Violência desperta a necessidade precisam de cura para encorajados porque sabemos que os cristãos no
de oração no cristão nigeriano amar seus inimigos”. mundo inteiro estão orando por nós”.

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Respostas
e Perspectivas

A liderança da Igreja a nível nacional e como é o caso para a minoria cristã no Nor-
regional falhou, até agora, em produzir uma te da Nigéria, apenas o fato de se tornarem
visão coerente, estratégia ou plano para li- pacificadores e amar seus inimigos não re-
dar com a crise. As igrejas confrontadas solverá a difícil situação dos cristãos.
com a violência pela primeira vez ficaram O que se requer agora é ação do Estado
surpresas, chocadas e paralisadas. Houve e que a Igreja desenvolva uma visão holísti-
pouco em sua teologia, fundamento ou ex- ca da fé cristã, em que a ênfase em crenças
periência para prepará-los. pessoais esteja ligada a um compromisso
Alguns cristãos descrevem a luta con- de transformação social e engajamento
tra uma passividade inata. Isso pode estar político unido.
ligado ao sentimento de piedade do movi-
mento missionário do Ocidente que enfati-
za a responsabilidade individual do cristão
para seguir Jesus e se preparar para o Céu,
ignorando as circunstâncias terrenas. En-
quanto os cristãos tomaram uma aborda-
gem individualista para sua fé e para o con-
flito, os muçulmanos permanecem como
uma comunidade bem organizada.
Como em outros campos de
Entretanto, se o Estado falhar em pro- refugiados, crianças são as principais
ver proteção suficiente para seus cidadãos, vítimas de hostilidade contra cristãos

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Recomendações
PARA A IGREJA são, planejamento e ação para lidar com
O desafio que se apresenta à igreja no o impacto da violência persistente.
Norte da Nigéria é muito maior do que se • Terá de encontrar maneiras de apoiar os
imaginava anteriormente. Ela terá de encon- cristãos afetados, trabalhar visando a paz
trar uma forma de existir em regiões onde a e promover coesão social.
presença cristã se tornou virtualmente extin- • A igreja necessitará da ajuda do governo
ta. Terá de lidar com trauma como consequ- federal, estadual, local e da comunidade
ência dos contínuos ataques violentos. Preci- internacional para trabalhar pela renova-
sará fornecer liderança e direção aos cristãos ção e transformação da comunidade cris-
sobre como lidar e responder à violência. As tã, assim como da sociedade mais ampla
comunidades cristãs nos estados da sharia, no Norte da Nigéria.
em especial, enfrentam o desafio de ter de • A igreja deve se erguer com uma visão e
resistir à pressão do ambiente que os margi- estratégia para o futuro. Deve encontrar
naliza e os discrimina. soluções que lidarão com a crise em to-
No entanto, ainda há uma grande presen- dos os níveis: espiritual, emocional, socio-
ça cristã no Norte da Nigéria que poderia se cultural, econômico e político.
unir e permanecer forte, juntamente com os • Os formuladores de políticas nas igre-
cristãos no sul. Para isso, a igreja no Norte terá jas, governo e sociedade devem se unir
de encontrar uma maneira de evitar voltar-se para elaborar respostas abrangentes
para si mesma e, em vez disso, enfrentar os para pôr fim à violência e restaurar a si-
seguintes desafios: tuação no Norte, onde muçulmanos e
Fortalecer a igreja e
permanecer firme na fé é o • A igreja da Nigéria precisa desenvolver cristãos possam novamente viver juntos
maior desafio dos nigerianos uma resposta integrada em termos de vi- em liberdade.

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Elementos de tal estratégia poderiam 7. Aumentar o envolvimento político atra-
incluir: vés de cristãos maduros de maneira
1. Levantar uma liderança forte para lidar construtiva e significativa.
com os desafios da violência persis- 8. Lidar ativamente com a crise humanitá-
tente nos níveis local, regional e na- ria e promover o desenvolvimento so-
cional e que possam defender a paz e cioeconômico.
a segurança. 9. Posicionar-se pela fé cristã e seus valo-
2. Treinamento rigoroso de pastores para res, e manifestar-se contra o sistema
que possam apoiar melhor suas co- de clientelismo político, corrupção e
munidades para enfrentar os desafios impunidade em todos os níveis da so-
da perseguição e do deslocamento ciedade.
interno. 10. Estabelecer apoio legal aos que enfren-
3. Preparação dos membros das igrejas tam perseguição religiosa, incluindo um
para lidar com a violência religiosa. sistema de monitoramento para docu-
4. Equipar a Igreja para lidar com o sofri- mentar os ataques.
mento e ‘amar seus inimigos’.
5. Treinar os jovens para permanecerem
calmos no meio da violência e capacitá-
-los economicamente para combater o
flagelo do desemprego de jovens.
6. Combater o desespero através de acon-
selhamento de trauma e treinar conse- Preparação de líderes e apoio
lheiros de trauma. aos jovens é estratégico

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Recomendações
PARA O GOVERNO
As seguintes recomendações são um ex-
trato da Declaração da Associação Cristã da
Nigéria(ACN)11. Esta declaração foi escrita em
resposta às descobertas do relatório de Portas
Abertas, ‘Esmagados, mas não derrotados’. Ela
inclui recomendações da ACN para as autori-
dades da Nigéria, em nível estadual e local, e
para a comunidade internacional.
Chamamos, em termos fortes, a atenção
do governo federal da Nigéria, os governos
dos estados do Norte e do cinturão médio, a
comunidade nigeriana e a comunidade inter-
nacional para resolver essa situação, restaurar
a paz, aplicar a justiça e trazer reconciliação no
Norte da Nigéria para que os cristãos, junto
com outros cidadãos, experimentem segu-
rança, equidade, liberdade e prosperidade;
e possam se recobrar dos danos materiais e
trauma psicológico.

Bíblias infantis distribuídas em


campos de refugiados na Nigéria

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1. Segurança: Apelamos… ria alcance as comunidades dos estados missão para ser usada para promover
• Ao governo federal para assegurar que de Plateau, Sul de Kaduna, Nasarawa, Ta- injustiça, impunidade e discriminação.
todos os cidadãos sejam protegidos, in- raba e Benue. • À comunidade internacional para mo-
dependentemente de suas filiações étni- nitorar a aplicação desse princípio.
co-religiosas. 3. Legal: Instamos…
• À comunidade internacional para moni- • Ao governo da Nigéria para que adote 5. Econômica: Instamos…
torar e defender que a segurança de cada medidas efetivas a fim de evitar que se • Aos governos estaduais para que garan-
nigeriano seja garantida pelos governos sancionem violações de liberdade reli- tam tratamento igualitário, desenvolvi-
local, estadual e federal. E também para giosa quando ocorrerem, assegurando a mento e capacitação econômica de to-
prestar muita atenção à difusão regio- devida responsabilidade. das as entidades dentro dos estados da
nal do Boko Haram, tomando medidas • Às autoridades da Nigéria para que Nigéria, tanto aos habitantes do estado
pró-ativas para conter a ameaça de sua conduzam uma investigação profunda como aos deslocados de outros lugares.
insurgência, investigar de perto e aplicar nas atrocidades cometidas contra civis • Ao governo nigeriano para garantir
sanções aos seus patrocinadores. no Norte da Nigéria e ao Conselho de que seja fornecida assistência aos ne-
Direitos Humanos da ONU para que for- cessitados, reabilitação e reconstrução
2. Ajuda Humanitária: Nós… me uma Comissão de Inquérito sobre às vítimas do Boko Haram, dos ataques
• Agradecemos à ajuda das ONGs e do go- abusos aos direitos humanos no Norte dos pastores fulani e de outras formas
verno pelos deslocados internamente e da Nigéria. de violência direcionada, independen-
instamos a verificações e controles para te de localização.
assegurar que toda ajuda humanitária 4. Política: Instamos…
alcance todas as pessoas afetadas, inde- • Ao governo nigeriano para estimular 6. Sociocultural: Apelamos…
pendente de afiliação étnico-religiosa. salvaguardas para garantir que a reli- • Ao governo federal para implementar
• Pedimos também que a ajuda humanitá- gião não seja usada ou que tenha per- completamente a constituição nigeriana

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e a Carta da ONU nos Direitos dos Povos de a grupos religiosos para estabelecer Número de crianças não escolarizadas
Nativos, garantindo equidade para todas e administrar suas instituições e práticas, é um problema para cristãos
as comunidades étnicas e religiosas. dentro da moldura legal da nação.
• Ao governo da Nigéria e à comunidade
internacional para que dê séria atenção 8. Educação: Apelamos…
à questão corrente da violência contra • Aos governos estaduais e federal para
mulheres, que é exacerbada em tem- que garantam a rápida reconstrução das
pos de violência. escolas no nordeste da Nigéria.
• Aos governos estaduais e federal para
7. Religião: Defendemos… que garantam a reabilitação educacional
• O fortalecimento da seção 10 da Consti- de crianças não escolarizadas, educação
tuição de 1999, pela qual o Governo não para adultos e oportunidades de treina-
deve, expressamente ou por conduta de mento para os deslocados internamente,
suas práticas e políticas, adotar ou pa- garantindo a implementação de um cur-
recer adotar qualquer religião oficial no rículo que encoraje a tolerância religiosa
nível local, estadual ou nacional. e o pluralismo, e incluindo flexibilidade
• A verdadeira liberdade de pensamento, na educação religiosa para crianças de
consciência e religião, incluindo liberda- crenças não majoritárias.

Christian Association of Nigeria (CAN) Declaration: Nigeria Renew, February 2016: https://www.
11

worldwatchmonitor.org/research/CANdJointDclaration

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“Este relatório nos dá a oportunidade
de que o mundo inteiro saiba,
especialmente o país, o que os cristãos
da Nigéria estão passando”.
REV. MUSA ASAKE, SECRETÁRIO GERAL, ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DA NIGÉRIA

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