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Marçal Justen Filho

1-4 edição, Dialética, 2002; 11 reimpressão, Dialética, 2008

Ia Filei, 87. é marca registrada de


Oliveira Rocha - Comércio e Serviços Ltda.

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www.dialetica.com.br

ISBN n°978-85-7500-053-5

Na capa, reproduz-se, em destaque,


obra de Marola Omartem.

Projeto (miolo)/Editoração Eletrônica


Mars

Fotolito da Capa
Duble Express e

Ao Professor CAIO TÁCITO, especialista emérito


sobre (também) o "Direito das Agências".
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIF')
ICilmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Justen Filho, Mareai Ao Professor Yves Mény e ao Instituto Universitário Europeu,


O direito das agências reguladoras
independentes / Mareai Justen Filho. --
cuja generosidade foi fundamental para tornar possível esta obra.
São Paulo: Dialética, 2002.

Bibliografia.

Para Março!, Augusta e Lucas.


1. Agências reguladoras independentes
I. Titulo.
Para Monica.

02-2267 CDU-35.071.3

Índices para catálogo sistemático:


1. Agências reguladoras independentes : Direitos :
Direito administrativo 35.071.3
30 O DIREITO DAS AGENCIÁS REGULADORAS INDEPENDENTES MARÇAL JUSTEN FILHO

Ou seja, o Estado reduz sua atuação direta, em nome próprio, nos seto- 8 3, o problema do controle da regulação
Um dos temas mais preOcupantes reside na disciplina da regulação, con-
res econômicos c de prestação de serviço. Deixa campo livre à iniciativa priva- —
da. incentivando o desenvolvimento do mercado. Mas, em contrapartida, o Es- iderada em si mesma como uma forma de controle estatal. A concentração de
ompetências normativas e administrativas no âmbito estatal propicia riscos sé-
tado impõe forte regulação sobre a atividade dos particulares. Essa "regulação"; C A redução da atuação direta do Estado e o incremento da competência re-
rios.
consiste em restrição à autonomia privada das escolhas acerca dos fins e dos
gulatória não asseguram, de modo automático, a obtenção de resultados satisfa-
meios. Isso equivale a afirmar que a situação jurídica das empresas privadas não
tórios. O Estado pode formular escolhas equivocadas c manejar de modo inade-
é idêntica àquela existente no modelo estatal anterior. Na concepção prévia, a
quado seus poderes regulatórios.
forma primordial de o Estado buscar a obtenção de certos resultados consistia A instauração de um modelo regulatório demanda, então, a consagração
na sua atuação material direta, em nome próprio. Os particulares dispunham de de instrumentos organizatórios orientados a controlar o desempenho das funções
margem de autonomia muito mais ampla. No modelo regulatório, o Estado ces- correspondentes. Ou seja, é necessário c imprescindível produzir uma estrutura"
sa sua atuação direta e propicia ampliação da atividade privada. Mas o regime institucional voltada a controlar a regulação estatal.
jurídico da atividade privada não é mais o mesmo. A liberdade anterior é regi-Ui-
,/ gida. Poderia dizer-se que os particulares são autorizados a atuar com maior ri. As Finalidades da Regulação =ri
amplitude quantitativa, mas com menor liberdade qualitativa. Os particulares .Na doutrina econômica, é usual apontar a regulação estatal como instru-
tomam-se, em certa medida, instrumentos de realização dos fins públicos espe- mento_para suprir as deficiências do mercado. Essa visão foi sendo alterada ao
cíficos. A regulação estatal se orienta a imprimir à atividade privada a realiza- influxo dos acontecimentos, especialmente na segunda metade do século XX.
No entanto, pode dizer-se que a alteração consistiu muito mais numa ampliação
ção de objetivos compatíveis e necessários ao bem comum. Enfim, surgem cons."
da dimensão da regulação" do que numa revisão essencial das concepções ini-
trangimentos à atividade privada que não existiam no modelo anterior.
ciais. .
O objetivo da regulação é conjugar as vantagens provenientes da capa-
cidade empreSarial privada com a realizaçãO de fins de interesse público. Espe-
9.1. A proposta da auto-regulação do mercado
cialmente quando a atividade apresentar relevância coletiva, o Estado determi- " Algumas escolas econômicas afirmam que os mecanismos de mercado
nará os fins í atingir, mesmo quando seja resguardada a autonomia privada no seriam aptos a produzir, por si sós c autonomamente, a realização dos fins de
tocante à seleção dos meios. interesse público. Ainda que cada agente econômico oriente sua atuação à ob-
Mas a regulação estatal se exterioriza ainda como ampliação do contro- tenção da solução egoística mais satisfatória, o resultado conjunto seria a satis-
le-fiscalização. Essa é uma decorrência direta e imediata da ampliação do con- fação do bem-comu m.'à Portanto e segundo essas escolas," a proposta política
trole-regulação. Em um modelo peculiarizado pela ampla liberdade de atuação, mais satisfalória consistiria na redução da intervenção estatal, a qual apenas se
é desnecessária a fiscalização. Quanto maiores os constrangimentos e menor a admitiria quando verificado algum defeito no funcionamento do mercado. Sob
margem de liberdade dos agentes econômicos, tanto mais necessária se torna a esse ângulo, regulaçãd consiste no oposto ao livre funcionamento do mercado.
fiscalização sobre eles. Essa concepção somente pode ser interpretada como uma formulação
Assim, o Estado Regulador se caracteriza pela instituição também de teórica. Nunca se verificou concretamente, em país algum. Mais precisamente,
mecanismos jurídicos.0 materiais de acompanhamento da atividade privada. Os a intervenção externa é condição dc possibilidade da existência -do mercado."
2/
agentes econômicos devem não só buscar objetivos delimitados pelo Estado, mas Como obsenfa BURICARD ERERLEIN. "na prática, a regulação de primeira ordem, orientada •
à eliciéncia,'d suplementada por uma regulação de segunda ordem, social ou política, que,
'também cumprir as formalidades destinadas a comprovar a correção de sua con-
muito freqüentemente, relaciona-se com a correção de efeitos indesejados do mercado
duta. O Estado exige que os particulares tornem sua atuação muito mais trans- muito mais do que com a correção de defeitos do mercado" (Regulating Public Utilities
parente não apenas em face dos controles burocráticos estatais, mas também in Europe: Mapping the Problem. EU! Working Paper RSC n°98/42, Florença. European
perante a comunidade em seu todo. Essa transparência já era aplicada na siste- li
University Instante, p. IS).
Sobre o Tema, confira-se MARIA ROSARIA FERRARESE, Diriltel e Aierall(), Torino. Gianni-
mática anterior, quando se tratava de prestação de serviços públicos pelos parti- chelli, 1992. pp. 03-76.
21
culares, em nome e risco próprios (concessão ou permissão de serviços públi- Por exemplo, FalEortrot 14. HPYEK,•The Cims,iu,tiost of Liberty. The University of Chica-
cos). Mas é ampliada grandemente, inclusive admitindo-se a fiscalização atra- 30
go Press, 1960.
Nesse sentido, MARIA ROSARIA FERRARESE afinna que "A institucionalização do mercado
vés da participação de' entidades representativas dos usuários e da comunidade é, então. impensável se prescindir da existência de um garante externo, seja ele a moral
em seu todo. OU o direito- (Diriti() e Mercar°, cit., p. 72). Em sendo similar. EROS GRAU, O Discurso
32 O DIREITO DAS AGENCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES MARÇAL JUSTEN FILHO 33

Isso não impede que determinados setores da sociedade e algumas ativi- (b) bens coletivos, (c) extemalidades, (d) deficiências (assimetrias) de in for-
dades sejam reservados à auto-regulação.3' ., • inflação e desequilíbrio."

9.2. A regulação exclusivamente econômica - a primeira "onda regulatória" 2 .1.°Deficiênci a na concorrência


. a5
91
Mas a proposta regulatória não se relaciona propriamente ao desempe- (e) Ade
esdficeiê
nnperieano,
ig a concorrência caracteriza-se quando não existe disputa
nho dessa condição de possibilidade do mercado. Não se trata de respaldar o 'suficiente e equilibrada no mercado, o que impede que os mecanismos ineren-
funcionainento espontâneo do mercado e, sim, interferir sobre ele, de modo a tes à atividade econômica produzam seus efeitos.positivos. A impossibilidade de
alterar a evolução normal dos fatos. funcionamento perfeito do mercado pode derivar de inúmeros fatores e manifes-
Numa etapa inicial, esse enfoque se traduziu numa intervenção vincula- tar-se através de diferentes circunstâncias. O caso mais evidente reside na mo-
da preponderantemente (mas não exclusivamente) a queSiões econômicas. Em ' nopolização por certo agente, que logra obter situação de predomínio a ponto de
face dessas concepções, a regulação se caracterizou como uma marcante inter- . seus produtos tomarem-se os únicos disponíveis para os consumidores. Isso per-
venção estatal destinada a suprir as deficiências e as insuficiências do mercado." mite ao agente econômico irimor preços e condições, ampliando sua margem de
A regulação estatal se toma necessária (c legítima) naqueles aspectos em que o lucro abusivamente e reduzindo a eficiência econômica do sistema.
le . próprio mercado não lograr atuar de modo satisfatório. Isso se passaria nos ca- Lembre-se que o monopólio natural, indesejável sob o prisma da ausên-
os em que as forças de mercado não conduzisserii à situação de maior eficiên- cia de concorrência, envolve um benefício potencial para o consumidor. Por um
cia. lado, o monopólio natural se configura quando a natureza da atividade e as cir- -
Verifica-se uma situação de eficiência econômica quando (a) é impossí- cunstâncias a ela inerentes tomam economicamente inviável a multiplicação das
vel produzir uma mesma quantidade de produto final utilizando uma combina- estruturas empresariais para produção e (ou) circulação de bens c serviços. Isso
ção de insumos e outros fatores de produção mais baratos, ou (b) é impossível equivale a afirmar que a supressão do monopólio configuraria solução de me-
produzir uma maior quantidade de produto final utilizando a mesma combina- nor eficiência econômica, acarretando elevação dos preços praticados em face
ção de insumos e outros fatores da produção." do consumidor. Mais ainda, as hipóteses de monopólio refletem situação de re- -
k
As visões originárias do início do século XX reputavam que a regulação tornos crescentes de escala. São as hipóteses em que a ampliação do número de
refletia a necessidade de um agente externo adotar providências destinadas a
consumidores permite benefícios crescentes para todos, especialmente para os
eliminar defeitos ou insuficiências do mercado. Tratava-se, portanto, de concep- futuros consumidores?'
ção que'reduzia a dimensão da regulação à produção de objetivos propriamente
Lembre-se, no entanto, que a situação inversa (monopsônio) também
econômicos. Não por acaso, isso propiciou a difusão da expressão "regulação
pode ser aqui abrangida. O monopsônio se configura quando há um único agen-
econômica" - o que retratava a idéia de que se enfrentavam questões relaciona-
te em condições de adquirir produtos no mercado, o que lhe assegura pos3ibili-
das a um certo âmbito das políticas públicas.
dade de impor sua conveniência em facé de uma pluralidade de fornecedores. O
Sob esse aspecto tradicional, a regulação envolvia determinados proble-
funcionamento espontâneo do mercado pode produzir a concentração econômi-
mas atinentes à atividade econômica, relacionados a algumas questões específi-
ca e a eliminação de potenciais competidores. O resultado seria que o funciona-
cas. A regulação estatal consistiria em unia emulação do mercado, visando a
mento espontâneo e não controlado do mercado poderia acarretar a destruição
produzir os mesmos efeitos que as forças de mercado poderiam gerar.
de mecanismos inerentes a ele próprio.
Em princípio, as deficiências de mercado' envolveriam algumas situa-
Mas a hipótese abrange situações intermediárias, em que se verificam
ções básicas, que poderiam ser assim sintetizadas: (a) deficiência na concorrên-
Práticas incompatíveis com a concorrência. Algumas vezes, tal deriva de acor-
Neoliberat.., cit.. p. 63. Esse autor, aliás, evidencia comi; os Estados pretensarnente par-
tidários de um enfoque neoliberal adotam políticas fortemente protecionistas. , Da mesma autora, para uma abordagem mais ampla e aprofundada, Defesa da Concor-
rência e Globalização Econômica (o C011WOM da Concentração de Empresas). Malhei-
3 ' Confira-se a excelente monografia sobre o lema, dc autoria de Vital Moreira, Auto-Regu-
lação Profissional e Administração Pública, Coimbra. Almedina, 1997. 35 rns, 2002,
Nesse sentido, CIANDOMENICO MAJORE, La Communauté EUrOpéenne: un Etat Régulateur,
32 Como afirma Cume SALOMÃO Fulo, "A regulação não visa a eliminar falhas do mbrca- cit„ p 76.
do, mas sim a estabelecer uma pluralidade de escolhas e um amplo acesso ao conhecimen-
to econômico, que jamais existirá em um mercado, livre" (Regulação da Atividade Eco- Nesse sentido, CAux-ro SALOMÃO FILHO (Regulação da Atividade Econômica..., cit., p. 43).
nómica.... cit., p. 42). A situação relaciona-se, na maior parte dos casos, â questão do.custo marginal decrescente.
33 Nesse sentido, ROBERT Coorna e Tuomns ULEN, Lcnv and ECOnOnliCS. 33 ed., Reading - Os grandes investimentos necessários à estruturação empresarial são absorvidos na me-
Massachusetts, Addison - Wesley, 2000, p. 12. dida em que se é obtido o ponto ótimo. A partir de um certo nível de atividade, a produ-
34 Sobre o tema, confira-se ANA MARIA DE OLIVEIRA NUSDED, A Regulação e O Direito daton- ção de mais uma unidade econômica (custo marginal) faz-se por valores cada vez mais
corrência, em Direito Administrativo Económico, Malheiros - SBDP, 2000, pp. 163 e ss. PCRUZidOS.
34 O DIREITO DAS AGENCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES
MARÇAL JUSTEN FILHO 35

dos espúrios entre os agentes econômicos. Em outros casos, isso é resultado de , .


dos. O exemplo sempre indicado refere-se ao cago da poluição produzida por
práticas ofensivas à livre concorrência.
Nos casos de deficiência de concorrência. é necessária a intervenção de ni certo industrial que remeta à comunidade o ônus de arcar com os custos pro-
autoridade que imponha aos agentes econômicos a observância de ações e omis- venientes dos dejetos derivados da sua atividade. O preço praticado pelo indus-
trial não contempla o custo necessário à recomposição do meio ambiente. Como
sões necessárias à obtenção de resultados mais eficientes.
decorrência, o Estado (ou alguns indivíduos) acabam arcando com as despesas
Resta considerar, no entanto; se tal cenário configura uma deficiência do
necessárias para evitar os efeitos danosos da poluição.
mercado ou uma nova característica do capitalismo mundial globalizado. Nessa
A externalidade reflete, sob um certo ângulo, a transferência (indevida)
linha, não se olvidem as ponderações de AvEtiks NINES, válidas hoje mais do que
para terceiros de custos inerentes à atividade econômica. As externalidades po-
nunca, sobre a decadência do mercado, expressão que indica a relação de do-
dem onerar de modo mais específico determinados agentes, os quais teriam de
minação imposta pelas mega-empresas, que dispõem de condições de conformar 4
incorporar em seus preços os reflexos negativos de outras atividades e que não
as relações econômicas a partir de seu poder econômico." Sob esse enfoque, a
estariam diretamente considerados corno componentes da operação econômica
atividade regulatória do Estado pode ser um instrumento de proteção dos inte-
resses capitalistas, na medida em que se estabelecem regras precisas e determi- realizada.
Nada impede, contudo, que a externalidade apresente um aspecto posi-
nadas, destinadas a garantir as expectativas dessas empresas que, em virtude de
tivo, na acepção de que um operador econômico seria beneficiado por circuns-
seu poderio, transcendem os efeitos auto-regulatórios do mercado.
-Tzb tâncias alheias ao processo produtivo propriamente dito.
A extemalidade indica a característica do processo econômico, consis-
9.2.2. Bens coletivos
tente na tendência dos agentes econômicos de excluir a própria responsabilida-
- Na hipótese de bens coletivos, cogita-se de utilidades igualmente neces-
de por determinados custos necessários à sua atuação operacional e de apro-
sárias para todas os membros da coletividade, sem cabimento de apropriação
priar-se de vantagens propiciadas pelas circunstâncias alheias à sua atividade.
individual ou privativa por parte de certos sujeitos. Isso se passa com utilidades
Mas o problema sério a ser enfrentado consiste na externalidade negati-
na área de saúde, educação e assim por diante. Submeter o processo de acesso a
va, aquela em que a atuação espontânea do mercado retratará a remessa à res-
esses bens aos exclusivos mecanismos de mercado conduziria à possibilidade de
ponsabilidade alheia das conseqüências danosas decorrentes de atuação empre-
absoluta exclusão de parcelas significativas da população, o que se traduziria em
sarial.
prejuízos para toda a coletividade. Não é possível admitir que o critério de acesso
Segundo alguns, a questão das externalidades deve ser incluída em ou-
aos bens coletivos seja a maior habilidade individual (abrangida aí também a ti-
tro capítulo. Tratar-se-ia de mera manifestação dos chamados custos de transa-
tularidade do poder econômico). Os mais desvalidos não dispõem de condições
ção."A expressão indica a existência de custos diretos e indiretos necessários à
de obter essas utilidades através do funcionamento espontâneo do mercado.
obtenção completa e efetiva das vantagens buscadas por uma parte através da
Enfim, há uma inevitável interação entre .as opções realizadas individualmente
realização de um negócio.
e o destino da coletividade, o que pressupõe uma conjugação racional de con-
De todo o modo, a externalidade revela a insuficiência do processo eco-
dutas entre todos? Muitas vezes, a racionalidade da conduta coletiva apenas
nômico para produzir, de modo imediato, os efeitos reputados como relevantes
pode ser obtida através da atuação de um agente externo, capaz de dimensionar
ou necessários à satisfação do interesse comum.
a extensão dos efeitos negativos coletivos derivados da busca individual pela
auto-satisfação. Esse agente externo poderá configurar-se como uma instituição 9.2.4. Assimetria na informação
supra-individual, o que abrange inclusive a figura do Estado.'
As assimetrias de informação referem-se à diversidade de conhecimen-
to dos agentes envolvidos no processo produtivo. Alguns deles dispõem de in- -
9.2.3. Externalidáles (custos de transação')
formações fundamentais acerca das circunstâncias necessárias à tomada de de-
As externalidades consistem em circunstância% que produzem efeitos
- cisões. São, geralmente, os agentes diretamente relacionados com o processo
econômicos relevantes, mas que não se refletem diretamente nos preços prati-
Produtivo. Mas a grande massa de sujeitos participa das relações econômicas (e
3' Os Sisiernas Económicos. Coimbra, 5/ed., 1994, separata do Boletim de Ciências Econô- de outra natureza) sem dispor de conhecimento equivalente, de modo que suas
micas, pp.' 200 e ss. decisões são imperfeitas ou inadequadas. O domínio do conhecimento se trans-
3' A propósito dc situações dessa ordem, é usual aludir-se ao "dilema do prisioneiro": A forma em instrumento de relevância fundamental não apenas sob o ângulo dire-
expressão remete a uma fórmula utilizada por uma corrente filosófica bastante prestigia- to e imediato da capacidade produtiva, mas também a propósito de inúmeras
da, denominada "teoria do jogo". Sobre o tema, confiram-se as considerações adiante rea- j9 Nesse sentido,
lizadas. BRETER, STEWART, SuNSTEIN e SprTRER, sióministimire Liar and ReguMuny
Poliny. 4' ed., N. York, Aspen Law de Business, 1999, p. 7. -
MARÇAL JUSTEN FILHO 39
38 • O DIREITO DAS AGÉNCLOS REGULADORAS INDEPENDENTES

9.4. Diferentes ideologias acerca da regula 00


brio do mercado, haveria- o sofrimento dramático de parcelas enormes da popu-
CHRISTOPHER MCCRUDDEN destaca que a regulação pode retratar três con-
lação.
A regulação estatal se orientaria, então, a evitar ou a concretização de cepções fundamentais e distintas acerca da atuação estatal."
Existe a posição dos social marketeers,'' que afirmam a enorme comple-
falhas do mercado ou a ampliar a dinâmica dos,fatos. Haveria o suprimento dos
xidade da atuação regulatória. Os benefícios potenciais do funcionamento do -
defeitos do mercado, intervindo sobre os processos de mercado para instaiwar
livre mercado não podem ser rejeitados. nem existe reação contra o processo
uma situação de maior eficiência econômicá. regulatório. Sempre que possível deve propiciar-se o livre funcionamento do

rr 9.3. A rega/ação social - a segunda "onda regulatória" 51 mercado, inclusive com o incentivo dos mecanismos regulatórios. Mas é dever
da autoridade reguladora adotar todas as providências para reprimir manifesta:
Mas essas concepções mais antigas vêm sendo objeto de intensa revisão, ções indesejáveis do mercado e promover a realização de valores não econômi-
a propósito do que se poderia identificar como uma segunda onda intervencio- cos. Existem valores econômicos e sociais a realizar. A eficiência é um dos pon-
nista. Trata-se da regidação social, que assume outras propostas. Constatou-se tos a considerar, mas não é• o único nem o mais importante. Isso significa que
que o mercado, ainda que em funcionamento perfeito. pode conduzir à não rea- inúmeras decisões adotadas pela regulação produzem o acréscimo de custos na
lização de certos fins de interesse comum. A tais questões já eram sensíveis produção e circulação de bens e serviços, os quais não seriam necessariamente
mesmo os enfoques mais tradicionais, que reputavam cabível a intervenção es- gerados num sistema de absoluta competição. Essas decisões são orientadas a
tatal orientada a assegurar asedistribuição de rendas e a produzir consumo obri- assegurar a realização de determinados valores não econômicos. •
gatório de certos serviços (educação, por exemplo). A segunda concepção é a defendida pelosfree tnarketeers - os defenso-
Essas considerações acerca das deficiências do mercado eram acolhidas res do mercado livre. Para esses, a finalidade da regulação é propiciar o estabe-
mesmo antes da configuração do modelo de Estado Regulador. Muitas vezes, o lecimento de um mercado ou simular a competição que existiria se mercado
combate a tais problemas fazia-se por via da atuação direta do Estado, mas tam- houvesse. A regulação é enfocada como uma espécie de manifestação espúria e
bém era costumeira kadoção da disciplina legislativa com.° remédio. Não foi por indesejada." Deve ser eliminada assim que possível ou, girando tal não se ca-
acaso, portanto, que todos os Estados - ainda antes da consagração do modelo racterizar, manter-se dentro dos limites mais reduzidos possíveis.
regulatório - dispunham de instrumentos de combate às deficiências econômi- A terceira alternativa -é a dos propugnadores da good governance (boa
governança). Consiste em reconhecer que a regulação se traduz em atos gover-
cas do Mercado.
namentais, os quais devem ser razoáveis e proporcionados. Tanto podem ser
Com a drástica redução da atuação estatal direta, incrementou-se a con-
adotadas decisões compatíveis com a idéia do mercado livre como da realiza-
cepção da regulação econômica como meio de controle das deficiências do mer-
ção de valores não econômicos. Talvez essa concepção não tenha tomado parti-
cado. No entanto, verificou-se que a realização de inúmeros outros fins, de na- .`
do acerca das finalidades a atingir. Quaisquer que sejam as finalidades da regu-
tureza sociopolítica, também deveria ser tomada em vista pela regulação. A in-
lação, o importante é adotar decisões legítimas, o que se afirma preponderante-
tervenção estatal de natureza regulatória não poderia restringir-se a preocupações mente através da adoção de um procedimento adequado.
meramente econômicas. O Estado não poderia ser concebido como um simples Essa classificação deve ser interpretada em termos, tal como se passa com
"corretor dos defeitos econômicos" do mercado, mas lhe incumbiria promover todas as teorizações acerca de fenômenos culturais concretos. Os modelos teó-
a satisfação de inúmeros outros interesses, relacionados a valores não econômi- ricos não correspondem necessária e precisamente à configuração dos fatos so-
cos. Assim, o elenco dos fins buscados através da regulação escapa facilmente
de uma abordagem exclusivamente econômica. .
40
Social PoliCy and EC0110111iC Regulauirs: Some lssues from the Refira: gUtility Regula-
É necessário proteger o meio ambiente e os direitos de minorias, por 41 fim Regulation and Deregidarion. Oxford. Clarendon Press, 1999, pp. 276 e ss.
exemplo. A racionalidadc econômica poderia induzir a práticas ecologicamente A tradução poderia ser "marqueiciros do mercado social" não fosse a noção pejorativa que
se desenvolveu entre nós para a expressão "marqueteiro". De todo o modo, a própria uti-
reprováveis. Reconhece-se que o patrimônio do ser humano não se reduz aos lização do vocábulo marqueteiro, em português, desperta forte reação. Talvez a tradução
bens econômicos, mas abrange inúmeros bens imateriais. mais própria seja defensores sociais do mercado.
Num modelo de Estado de Bem-Estar, inúmeras dessas finalidades já Nessa linha de abordagem,"CAssusu lembra o cfrcuto vicioso reg:datário: quanto mais o
Estado regula, mais surgem desequilíbrios e desvios, o que conduz à renovação do exer-
permeavam a disciplina jurídica da atuação privada. Ademais disso, instituições
cício da competência regulatória e assim por diante, agravando continuamente o proble-
estatais estavam vinculadas à sua realização. A idéia de um Estado Regulador ma (Regolazione e Concorrenza, em Regolazione e COIICOITCIIZti (a Cura di Giuseiwe
não significa a extinção da atuação estatal nesses planos, mas impõe uma inten- Tesouro e Marco D'Alberfi), Bologna, II NIulino - Autorità Garante della Concorrenza e
sificação da regulação jurídica sobre outios remas. del Mercam, 2000, p. 23).
40 O DIREITO DAS AGÉNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES
MARCAI_ J,USTEN FILHO 41

ciais. São aproximações artificiais a uma realidade concreta destituída de lup.


A configuração de um modelo regulatório significa uma inovação carac-
turas abruptas. Isso justifica a tomada de posição do autor, como partidário da 's
:t tica, consistente na estruturação sistemática da atividade regulatória. Ante- .
concepção regulatória social de mercado, mas com forte influência da idéia da
terís a produção da regulação era aleatória, desorganizada e eventual. Era
boa governança. Isso significa reconhecer que a regulação é uma atividade-
adi' ativa secundária para a realização dos fins do Estado. A consagração
. mi nistrativa que se legitima por seus fins, mas também por seus meios. Não se m a alternativa
rio
uma regulatório significa a eleição da via regulatória como uma forma
pode admitir a atividade estatal de natureza regulatória desvinculada da realiza-
realização do interesse público, o que significa a organização racio-
ção dos valores (econômicos e não econômicos) consagrados constitucionalmen. essencral -de-
nn sisteMa de produção de regulação. Alude-se a modelo regulatório para
te, mas também não se pode olvidar a disciplina jurídica da atuação estatal. Waii
Eação primordial do Estado para produção da regulação. Por isso,
ica ssa vo-
110 "."-re"--
9.5. Síntese acerca das finalidades da regulação te oládeixa de ser um instrumento de mera intervenção no domínio eco-
É indispensável destacar, então, que a idéia de um Estado Regulador não : enômictipãir-a adquirir- amplitude cada vez mais significativa.
envolve abraçar concepções economicamente reducionistas. Se a idéia de regu- um certo ângulo, verifica-se um deslocamento do núcleo da dispu-
lação se desenvolveu nesse âmbito, a tanto não pode ser limitada. As finalida- ta. Num momento pretérito, o centro das disputas envolvia "quem" deveria de-
des regulatórias relacionam-se à realização dos valores fundamentais consagra- ç'. sempenhar certas atividades. Agora, a preocupação reside sobre "como" desen-
dos pela Nação, sejam eles de natureza econômica ou não. ; volvê-las.
\, Substitui-se a controvérsia subjetiva e se instaura uma preocupação
Ou seja, seria uni reducionismo (que já foi praticado no passado) imagi- de cunho objetivo. O que se pretende é obter atividades de interesse coletivo
nar que a regulação estatal se relaciona apenas à obtenção da maior eficiência prestadas de modo satisfatório, independentemente da identidade de quem as
econômica possível. Essa concepção se revelou defeituosa, especialmente a partir presta. .
da análise da regulação comunitária européia. Nesse caso em especial, a regula- Não se negue que a preocupação subjetiva da épáca anterior continha
ção foi utilizada visando à obtenção de determinados finS econômicos de curto uma certa pressuposição objetiva. Supunha-se que o "como" era determinado
(implantação de um mercado único), médio (integração econômica entre os di- pelo "quem". Dito em outras palavras: um serviço seria bem prestado simples-
versos países europeus) e longo (ampliação da competitividade das empresas mente porque exercitado pelo Estado. A experiência comprovou a falsidade da
européias) prazos. asserção - tanto quanto poderá evidenciar a incorreção de uma tese oposta (tal
É evidente que a regulação é um instrumento da realização de fins esco- como a de que um serviço relevante será bem prestado simplesmente porque
lhidos pelo Estado." Mais do que isso, é imperioso tomar consciência dessa atribuído à iniciativa privada). A qualidade do sujeito prestador não é garantia
condição instrumental da atividade regulatória do Estado, sob pena de neutrali- de bom ou mau desempenho.' O fundamental reside na disciplina jurídica e na
zar-se eticamente a ação estatal. Isso equivaleria a subordinar a atuação estatal estrutura econômica acerca das condições do desempenho.
à realização exclusiva de valores econômicos, alterando o núcleo fundamental Justamente por isso tudo é necessário tomar sempre em vista a natureza
da Constituição. instrumental da regulação, para assegurar sua vinculação à realização dos valo-
Defende-se, por isso, -a concepção de ser a regulação um conjunto orde-
nado de políticas públicas, que busca a realização de valores econômicos e não ac res e princípios cuja realização se pretenda." .21
'econômicos, reputados como essenciais para determinados grupos ou para a 10. Implicações da Implantação de um Modelo. Regulattio
coletividade em seu conjunto. Essas políticas envolvem a adoção de medidas de A adoção de concepções regulatórias para o Estado conduz, déusual, à
cunho legislativo e de natureza administrativa, destinadas a incentivar práticas necessidade de revisão'cla disciplina normativa pré-existente.
privadas desejáveis e a reprimir tendências individuais e coletivas incompatíveis •
com a realização dos valores prezados. As políticas regulatórias envolvem inclu- 10.1. Regulação enlatai desordenãda
sive a aplicação jurisdicional do Direito» Como já ressaltado, a intervenção estatal de cunho regulatório sempre se
45 Essa faceta do problema é destacada com maestria por
PAULA A. Fpactom; no excelente verificou nos diferentes momentos históricos. O exercício da competência regu-
Os Fundamentos do Anritruste (RT, 1998, especialmente às pp. 170
e ss.), em que se toma latória ao longo do tempo significou a permanente e contínua edição de regras,
em vista a problemática da disciplina de defesa da concorrência.
Esse é um ângulo de não pequena relevância. Na.medida em que um Estado Regulador cujo conteúdo e finalidade no apresentavam qualquer grau de coordenação.
atua preponderantemente por via normativa, toma-se possível (ao menos em tese) subme- 45

ter o conjunto essencial de medidas reguladoras ao crivo-do Judiciário. Diversamente se Nesse sentido e com precisão, FLORIAM° AZEVEDO MARQUES NETO observa que -a Questão
passava no modelo anterior, em que se privilegiava a intervenção direta. O Judiciário não Posta não se coloca em tomo da privatização ou não da produção de utilidades publicas,
podia senão controlar os aspectos abstratos da atuação direta do Estado Administrador, mas na existência efetiva de controle apto a preservar os interesses públicos difusos en-
sendo extremamente problemático substituir-se Materialmente a ele. volvidos numa dada situação" (A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes,
em Direito Administrativo Econômico, Malheiros - SBDP, 2000. p. 74). .

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