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ISBN n°978-85-7500-053-5
Fotolito da Capa
Duble Express e
Bibliografia.
02-2267 CDU-35.071.3
Ou seja, o Estado reduz sua atuação direta, em nome próprio, nos seto- 8 3, o problema do controle da regulação
Um dos temas mais preOcupantes reside na disciplina da regulação, con-
res econômicos c de prestação de serviço. Deixa campo livre à iniciativa priva- —
da. incentivando o desenvolvimento do mercado. Mas, em contrapartida, o Es- iderada em si mesma como uma forma de controle estatal. A concentração de
ompetências normativas e administrativas no âmbito estatal propicia riscos sé-
tado impõe forte regulação sobre a atividade dos particulares. Essa "regulação"; C A redução da atuação direta do Estado e o incremento da competência re-
rios.
consiste em restrição à autonomia privada das escolhas acerca dos fins e dos
gulatória não asseguram, de modo automático, a obtenção de resultados satisfa-
meios. Isso equivale a afirmar que a situação jurídica das empresas privadas não
tórios. O Estado pode formular escolhas equivocadas c manejar de modo inade-
é idêntica àquela existente no modelo estatal anterior. Na concepção prévia, a
quado seus poderes regulatórios.
forma primordial de o Estado buscar a obtenção de certos resultados consistia A instauração de um modelo regulatório demanda, então, a consagração
na sua atuação material direta, em nome próprio. Os particulares dispunham de de instrumentos organizatórios orientados a controlar o desempenho das funções
margem de autonomia muito mais ampla. No modelo regulatório, o Estado ces- correspondentes. Ou seja, é necessário c imprescindível produzir uma estrutura"
sa sua atuação direta e propicia ampliação da atividade privada. Mas o regime institucional voltada a controlar a regulação estatal.
jurídico da atividade privada não é mais o mesmo. A liberdade anterior é regi-Ui-
,/ gida. Poderia dizer-se que os particulares são autorizados a atuar com maior ri. As Finalidades da Regulação =ri
amplitude quantitativa, mas com menor liberdade qualitativa. Os particulares .Na doutrina econômica, é usual apontar a regulação estatal como instru-
tomam-se, em certa medida, instrumentos de realização dos fins públicos espe- mento_para suprir as deficiências do mercado. Essa visão foi sendo alterada ao
cíficos. A regulação estatal se orienta a imprimir à atividade privada a realiza- influxo dos acontecimentos, especialmente na segunda metade do século XX.
No entanto, pode dizer-se que a alteração consistiu muito mais numa ampliação
ção de objetivos compatíveis e necessários ao bem comum. Enfim, surgem cons."
da dimensão da regulação" do que numa revisão essencial das concepções ini-
trangimentos à atividade privada que não existiam no modelo anterior.
ciais. .
O objetivo da regulação é conjugar as vantagens provenientes da capa-
cidade empreSarial privada com a realizaçãO de fins de interesse público. Espe-
9.1. A proposta da auto-regulação do mercado
cialmente quando a atividade apresentar relevância coletiva, o Estado determi- " Algumas escolas econômicas afirmam que os mecanismos de mercado
nará os fins í atingir, mesmo quando seja resguardada a autonomia privada no seriam aptos a produzir, por si sós c autonomamente, a realização dos fins de
tocante à seleção dos meios. interesse público. Ainda que cada agente econômico oriente sua atuação à ob-
Mas a regulação estatal se exterioriza ainda como ampliação do contro- tenção da solução egoística mais satisfatória, o resultado conjunto seria a satis-
le-fiscalização. Essa é uma decorrência direta e imediata da ampliação do con- fação do bem-comu m.'à Portanto e segundo essas escolas," a proposta política
trole-regulação. Em um modelo peculiarizado pela ampla liberdade de atuação, mais satisfalória consistiria na redução da intervenção estatal, a qual apenas se
é desnecessária a fiscalização. Quanto maiores os constrangimentos e menor a admitiria quando verificado algum defeito no funcionamento do mercado. Sob
margem de liberdade dos agentes econômicos, tanto mais necessária se torna a esse ângulo, regulaçãd consiste no oposto ao livre funcionamento do mercado.
fiscalização sobre eles. Essa concepção somente pode ser interpretada como uma formulação
Assim, o Estado Regulador se caracteriza pela instituição também de teórica. Nunca se verificou concretamente, em país algum. Mais precisamente,
mecanismos jurídicos.0 materiais de acompanhamento da atividade privada. Os a intervenção externa é condição dc possibilidade da existência -do mercado."
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agentes econômicos devem não só buscar objetivos delimitados pelo Estado, mas Como obsenfa BURICARD ERERLEIN. "na prática, a regulação de primeira ordem, orientada •
à eliciéncia,'d suplementada por uma regulação de segunda ordem, social ou política, que,
'também cumprir as formalidades destinadas a comprovar a correção de sua con-
muito freqüentemente, relaciona-se com a correção de efeitos indesejados do mercado
duta. O Estado exige que os particulares tornem sua atuação muito mais trans- muito mais do que com a correção de defeitos do mercado" (Regulating Public Utilities
parente não apenas em face dos controles burocráticos estatais, mas também in Europe: Mapping the Problem. EU! Working Paper RSC n°98/42, Florença. European
perante a comunidade em seu todo. Essa transparência já era aplicada na siste- li
University Instante, p. IS).
Sobre o Tema, confira-se MARIA ROSARIA FERRARESE, Diriltel e Aierall(), Torino. Gianni-
mática anterior, quando se tratava de prestação de serviços públicos pelos parti- chelli, 1992. pp. 03-76.
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culares, em nome e risco próprios (concessão ou permissão de serviços públi- Por exemplo, FalEortrot 14. HPYEK,•The Cims,iu,tiost of Liberty. The University of Chica-
cos). Mas é ampliada grandemente, inclusive admitindo-se a fiscalização atra- 30
go Press, 1960.
Nesse sentido, MARIA ROSARIA FERRARESE afinna que "A institucionalização do mercado
vés da participação de' entidades representativas dos usuários e da comunidade é, então. impensável se prescindir da existência de um garante externo, seja ele a moral
em seu todo. OU o direito- (Diriti() e Mercar°, cit., p. 72). Em sendo similar. EROS GRAU, O Discurso
32 O DIREITO DAS AGENCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES MARÇAL JUSTEN FILHO 33
Isso não impede que determinados setores da sociedade e algumas ativi- (b) bens coletivos, (c) extemalidades, (d) deficiências (assimetrias) de in for-
dades sejam reservados à auto-regulação.3' ., • inflação e desequilíbrio."
rr 9.3. A rega/ação social - a segunda "onda regulatória" 51 mercado, inclusive com o incentivo dos mecanismos regulatórios. Mas é dever
da autoridade reguladora adotar todas as providências para reprimir manifesta:
Mas essas concepções mais antigas vêm sendo objeto de intensa revisão, ções indesejáveis do mercado e promover a realização de valores não econômi-
a propósito do que se poderia identificar como uma segunda onda intervencio- cos. Existem valores econômicos e sociais a realizar. A eficiência é um dos pon-
nista. Trata-se da regidação social, que assume outras propostas. Constatou-se tos a considerar, mas não é• o único nem o mais importante. Isso significa que
que o mercado, ainda que em funcionamento perfeito. pode conduzir à não rea- inúmeras decisões adotadas pela regulação produzem o acréscimo de custos na
lização de certos fins de interesse comum. A tais questões já eram sensíveis produção e circulação de bens e serviços, os quais não seriam necessariamente
mesmo os enfoques mais tradicionais, que reputavam cabível a intervenção es- gerados num sistema de absoluta competição. Essas decisões são orientadas a
tatal orientada a assegurar asedistribuição de rendas e a produzir consumo obri- assegurar a realização de determinados valores não econômicos. •
gatório de certos serviços (educação, por exemplo). A segunda concepção é a defendida pelosfree tnarketeers - os defenso-
Essas considerações acerca das deficiências do mercado eram acolhidas res do mercado livre. Para esses, a finalidade da regulação é propiciar o estabe-
mesmo antes da configuração do modelo de Estado Regulador. Muitas vezes, o lecimento de um mercado ou simular a competição que existiria se mercado
combate a tais problemas fazia-se por via da atuação direta do Estado, mas tam- houvesse. A regulação é enfocada como uma espécie de manifestação espúria e
bém era costumeira kadoção da disciplina legislativa com.° remédio. Não foi por indesejada." Deve ser eliminada assim que possível ou, girando tal não se ca-
acaso, portanto, que todos os Estados - ainda antes da consagração do modelo racterizar, manter-se dentro dos limites mais reduzidos possíveis.
regulatório - dispunham de instrumentos de combate às deficiências econômi- A terceira alternativa -é a dos propugnadores da good governance (boa
governança). Consiste em reconhecer que a regulação se traduz em atos gover-
cas do Mercado.
namentais, os quais devem ser razoáveis e proporcionados. Tanto podem ser
Com a drástica redução da atuação estatal direta, incrementou-se a con-
adotadas decisões compatíveis com a idéia do mercado livre como da realiza-
cepção da regulação econômica como meio de controle das deficiências do mer-
ção de valores não econômicos. Talvez essa concepção não tenha tomado parti-
cado. No entanto, verificou-se que a realização de inúmeros outros fins, de na- .`
do acerca das finalidades a atingir. Quaisquer que sejam as finalidades da regu-
tureza sociopolítica, também deveria ser tomada em vista pela regulação. A in-
lação, o importante é adotar decisões legítimas, o que se afirma preponderante-
tervenção estatal de natureza regulatória não poderia restringir-se a preocupações mente através da adoção de um procedimento adequado.
meramente econômicas. O Estado não poderia ser concebido como um simples Essa classificação deve ser interpretada em termos, tal como se passa com
"corretor dos defeitos econômicos" do mercado, mas lhe incumbiria promover todas as teorizações acerca de fenômenos culturais concretos. Os modelos teó-
a satisfação de inúmeros outros interesses, relacionados a valores não econômi- ricos não correspondem necessária e precisamente à configuração dos fatos so-
cos. Assim, o elenco dos fins buscados através da regulação escapa facilmente
de uma abordagem exclusivamente econômica. .
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Social PoliCy and EC0110111iC Regulauirs: Some lssues from the Refira: gUtility Regula-
É necessário proteger o meio ambiente e os direitos de minorias, por 41 fim Regulation and Deregidarion. Oxford. Clarendon Press, 1999, pp. 276 e ss.
exemplo. A racionalidadc econômica poderia induzir a práticas ecologicamente A tradução poderia ser "marqueiciros do mercado social" não fosse a noção pejorativa que
se desenvolveu entre nós para a expressão "marqueteiro". De todo o modo, a própria uti-
reprováveis. Reconhece-se que o patrimônio do ser humano não se reduz aos lização do vocábulo marqueteiro, em português, desperta forte reação. Talvez a tradução
bens econômicos, mas abrange inúmeros bens imateriais. mais própria seja defensores sociais do mercado.
Num modelo de Estado de Bem-Estar, inúmeras dessas finalidades já Nessa linha de abordagem,"CAssusu lembra o cfrcuto vicioso reg:datário: quanto mais o
Estado regula, mais surgem desequilíbrios e desvios, o que conduz à renovação do exer-
permeavam a disciplina jurídica da atuação privada. Ademais disso, instituições
cício da competência regulatória e assim por diante, agravando continuamente o proble-
estatais estavam vinculadas à sua realização. A idéia de um Estado Regulador ma (Regolazione e Concorrenza, em Regolazione e COIICOITCIIZti (a Cura di Giuseiwe
não significa a extinção da atuação estatal nesses planos, mas impõe uma inten- Tesouro e Marco D'Alberfi), Bologna, II NIulino - Autorità Garante della Concorrenza e
sificação da regulação jurídica sobre outios remas. del Mercam, 2000, p. 23).
40 O DIREITO DAS AGÉNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES
MARCAI_ J,USTEN FILHO 41
•
ter o conjunto essencial de medidas reguladoras ao crivo-do Judiciário. Diversamente se Nesse sentido e com precisão, FLORIAM° AZEVEDO MARQUES NETO observa que -a Questão
passava no modelo anterior, em que se privilegiava a intervenção direta. O Judiciário não Posta não se coloca em tomo da privatização ou não da produção de utilidades publicas,
podia senão controlar os aspectos abstratos da atuação direta do Estado Administrador, mas na existência efetiva de controle apto a preservar os interesses públicos difusos en-
sendo extremamente problemático substituir-se Materialmente a ele. volvidos numa dada situação" (A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes,
em Direito Administrativo Econômico, Malheiros - SBDP, 2000. p. 74). .