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A PIXAÇÃO EM CONTEXTOS DE LETRAMENTO VERNACULARES

Daniele Regina de Oliveira (Bolsista Fundação Araucária), e-mail:


praalmeida@uol.com.br

Universidade Estadual de Londrina/ Departamento de Letras Vernáculas e


Clássicas/CLCH

Área e sub-área do conhecimento: Linguística, Letras e Artes/Letras

Palavras-chave: Letramento, pichação, gêneros discursivos.

Resumo

O objetivo do presente trabalho é investigar as especificidades e modos de um


fazer "poético" no trabalho com a linguagem produzido através de um gênero
discursivo presente nas práticas sociais de letramentos vernaculares e pouco
visibilizado: a pichação. A partir de um deslocamento que visa um olhar crítico
para esse "espaço" constitutivamente heterogêneo, um contexto em que estão
envolvidos/imersos os sujeitos em suas vivências cotidianas, procuramos
tornar visível a exploração das potencialidades da linguagem na “fabricação” ou
“modos de fazer” poético. Sob tal viés, amplia-se o conceito de “poesia”,
permitindo uma maior valorização de outras produções culturais, sobretudo no
universo escolar, tornando possível a visibilização do hibridismo, da
ambivalência e da indeterminação presentes na linguagem, desestabilizando e
revisando aparentes certezas.

Introdução e objetivo

Abordando a questão da linguagem e seu caráter hibrido, observando as


diferenças entres sujeitos enunciativos e o confronto de representações que se
instala nas práticas sociais letradas relacionadas a formas de expressão
popular, buscamos analisar produções que manifestem o fazer de um trabalho
com a linguagem aliado à criação poética presentes em práticas letradas da
cultura popular e que muitas vezes não são reconhecidas ou valorizadas por
serem desprivilegiadas nos espaços institucionais que legitimam a escrita..
Esses trabalhos se dão num espaço constituído de forma heterogênea, por
sujeitos trabalhadores imersos num contexto de vida cotidiano e que se
comunicam com produções de características singulares, feitos com sua
própria língua, e que ao utilizarem sua variante linguística aliada ao trabalho
com a língua, podem indicar um tipo de resposta à repressão sofrida por quem

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o produz, “constituindo uma forma de resistência a leis históricas de um estado
de fato” (Certeau, 1998).
O presente trabalho procura investigar um gênero textual pouco
visibilizado como forma de expressão social e apontar os aspectos menos
visíveis relacionados a uma forma de arte popular: a pichação. Trata-se de uma
manifestação fortemente relacionada ao urbano, caracterizada pela imagem de
subversão e que se posiciona como veiculo de comunicação de jovens que se
sentem excluídos e marginalizados da sociedade no geral. Por meio de
pichações, os sujeitos falantes conquistam um espaço dentro da sociedade,
expondo ideias e opiniões, utilizando traços artísticos e poéticos que
geralmente são ignorados ou não interpretados por quem os vê.

Procedimentos metodológicos

Em nossa pesquisa, utilizaremos a investigação qualitativa (BOGDAN,


R.; BIKLEN, S., 1994). Consideramos tal tipo de investigação pertinente para o
trabalho com nosso objeto de análise, na medida em que busca analisar
minuciosamente os dados, respeitando a forma como esses foram registrados
e transcritos, pois, para essa forma de investigação, nada é trivial e tudo pode
oferecer pistas para uma compreensão mais esclarecedora do objeto de
estudo. Interessa-se mais pelo processo do que pelos resultados e produtos,
ou seja, busca compreender como as pessoas negociam os significados, como
começam a utilizar certos termos e rótulos, como determinadas noções
começam a fazer parte do senso comum, qual a história natural daquilo que se
pretende estudar etc. Tende, ainda, a analisar os fatos de maneira indutiva, ou
seja, a análise dos dados coletados não visa à confirmação de verdades
preconcebidas e atribui vital importância aos significados.

Resultados e discussão

A pichação, segundo Pennachin (2003), é o resultado da relação de


indivíduos com o espaço social urbano, de onde recebem informações,
influências e passam por experiências que serão exteriorizadas nos muros
(Pennachin, 2003, p. 3).
Em nossa pesquisa, encontramos mensagens que demonstram um
enunciador consciente da situação atual política do país, temática constante
nos muros. Críticas, denúncias e questionamentos demonstram uma
preocupação de sujeitos com sua própria situação social; sujeitos da parte
marginalizada da população e que representam uma grande parcela da
população trabalhadora.
A pichação também se apresenta como intervenção artística nos muros,
com a utilização de recursos estéticos em suas produções, destacando-se
assim nos espaços públicos onde tais práticas de letramento acontecem pelas

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marcas textuais deixadas por sujeitos que trabalham a linguagem utilizando
táticas de um fazer poético no seu “dizer” o mundo.

Imagem 2.1
Imagem 2.2

Na imagem 2.1 (Atualmente, a tua mente, atua ou mente?) podemos


identificar um trabalho e atenção especial com o uso da linguagem a partir da
construção verbal feita pela desconstrução da palavra atualmente, com o jogo
a partir do significante “mente” (sufixo em “atualmente”) para outras
possibilidades de significação: “mente” (substantivo), “mente” (verbo),
provocando novos efeitos de sentido. Essa pichação procura chamar a atenção
para o caráter da mentalidade das pessoas na sociedade atual, questionando
seu modo de agir e de ser.
Na imagem 2.2, também encontramos o uso do recurso da repetição
sonora numa produção poética focada nos sentimentos do emissor, na forma
de expressão. O ritmo criado transmite sensação de fluidez, as palavras choro,
rio e mergulho reforçam um sentido de liquidez e movimento. A sonoridade se
alia ao conteúdo, com a presença de uma mudança do tom de nostalgia e
tristeza em que o poema tinha sido iniciado, para um sentimento de plenitude e
felicidade do sujeito que se encontra profundamente com seu próprio interior.

Conclusão

A inclusão de textos semióticos em materiais didáticos no espaço


escolar possibilita uma mudança significativa no ensino, pois faz com que a
leitura, análise e reflexão de um texto pelo aluno se expandam, além de
aproximar o aluno dos meios de comunicação multimodais presentes em seu
cotidiano. Ampliando-se a concepção de escrita, é possível compreender
melhor seu impacto social, as mudanças e transformações que decorrem de
seus usos e o reflexo que isso traz para a vida do homem comum.
As produções populares, quando visibilizadas, valorizam os sujeitos que
as produziram, deslocando-os de uma cultura marginal e estigmatizada para
um local onde possam ser pensadas e reconhecidas como constituintes de

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uma cultura nacional. Essa visibilidade contribui para que sistemas de valores
sociais legitimados e excludentes sejam questionados, oferecendo a
possibilidade de que no processo educativo produções verbais mais próximas
ao cotidiano dos alunos sejam trabalhadas.
Referências

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