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AGROECOLOGIA E

ASSOCIAÇÃO
SULINA DE CRÉDITO E
ASSISTÊNCIA RURAL
DESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
ASCAR

Porto Alegre/RS
BRASIL
V.2, nº 1,
Jan/Mar 2001
Revista trimestral publicada pela Emater/RS

Dicas
Econotas
Eco Links
Resenhas

Agroecologia,
sustentabilidade e
alternativas ao Fórum Social
capitalismo global Mundial
Globalizar a solidariedade
é possível

Como produzir
milho variedade
Editorial
Globalização, identidade local e ética ambiental
Para a satisfação dos editores, este número processo de emancipação coletiva que reforce e
marca o início do segundo ano de circulação de amplie os diferentes tipos de movimentos sociais
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. contrários à globalização, movimentos estes emer-
Neste curto período de tempo, os debates relati- gentes em todo o mundo. Demonstrando a exis-
vos aos fenômenos que haviam recomendado o tência de sustentação teórico-conceitual para
seu lançamento se mostraram crescentes, tanto aprofundamento da proposta de Fernández Durán
em abrangência como em profundidade de análi- sob o ponto de vista da agricultura e do rural, o
se, justificando, sobremaneira, a linha editorial artigo de Sevilla Guzmán aponta estratégias para
adotada. Não obstante, a Revista continua sendo promover processos de desenvolvimento rural
um dos poucos veículos abertos à discussão, teó- sustentável a partir da reconstrução do poder lo-
rica e prática, de conteúdos e propostas alternati- cal, em bases participativas. Idéias desta nature-
vas ao modelo de desenvolvimento rural conven- za vêm sendo praticadas no Estado através do
cional. Este, por sua vez, mantém perigosa inér- Orçamento Participativo, que orienta as priorida-
cia de avanço, em que pesem os muitos exem- des de ação da Secretaria da Agricultura e coloca
plos, cada vez mais dramáticos, das externalida- o poder público e a sociedade lado a lado na to-
des socioambientais negativas que oferece. Nes- mada de decisões estratégicas para a promoção
te contexto, o denso artigo assinado por do desenvolvimento rural do Rio Grande do Sul.
Fernández Durán avalia que a expansão do mo- Ainda, segundo Sevilla Guzmán, a recuperação das
delo hegemônico, em seu processo de desarticu- culturas locais, como mecanismo de resistência
lação das economias locais, já gerou uma onda de à pausterização global, pode se dar através da ade-
desgarrados qu e su pera os 120 milhões de quada utilização de características peculiares ao
migrantes, contra a qual o mundo que se preten- processo de desenvolvimento rural de base agro-
de desenvolvido tem, como defesa, as opções béli- ecológica. Sugerindo estes caminhos, o referido
cas. Segundo sua avaliação, o modelo neoliberal, autor sustenta que a Agroecologia "está assenta-
ao mesmo tempo em que força o êxodo, inviabiliza da na busca e identificação do local e sua identi-
o trânsito e a absorção da mercadoria trabalho, dade para, a partir daí, recriar a heterogeneidade
ampliando um potencial de conflito sem prece- do meio rural, através de diferentes formas de
dentes na história. Mesmo na hipótese descabi- ação social coletiva, de caráter participativo". Em
da de manutenção do crescimento econômico, o abordagem mais específica, na qual examina mo-
aprofundamento da crise se afigura inevitável, pois delos locais emergentes no sul do País, a partir
a capacidade de reforma endógena do capitalismo da introdução de estilos de Agricultura Orgânica
global se revelou nula, enquanto os limites eco- ou Ecológica, Schmidt oferece artigo coerente e
lógicos da autopreservação planetária já foram consistente com os pressupostos assumidos nos
rompidos. As simples evidências de que não mais demais artigos publicados neste número. Suge-
existem territórios e esferas da atividade huma- rindo que instrumentos de certificação poderão
na a serem submetidos à lógica mercantil, e de converter-se em importante reforço para a incor-
que a escassez de água para consumo humano e poração de agricultores familiares na linha de pro-
outros efeitos da ocidentalização do mundo estão dução ecológica, o autor enfatiza a dimensão éti-
multiplicando a fome e os conflitos armados, cujo ca como necessária e indispensável para susten-
limite é o dos armamentos nucleares, são sufici- tar "a construção de um meio rural vivo e mais
entes para sustentar sua tese de que a manu- equilibrado em termos sociais e ambientais". Fi-
tenção da vida exige não apenas acabar com o sub- nalmente, cabe destacar a reportagem sobre o
desenvolvimento da periferia como também, e Fórum Social Mundial. Resgatando os temas da
antes, acabar com o desenvolvimentodo centro. "Los globalização, das identidades locais e de novos
indivíduos desposeídos no tienen otra salida que valores solidários e éticos, mostra que, na per-
reinventar la totalidad de su mundo", afirma o cepção de importantes lideranças e organizações
autor. Para tanto, propõe a reconstrução das es- de diversos continentes, um outro mundo é possí-
truturas comunitárias, a partir da realidade lo- vel. Aliás, em consonância com esta perspectiva,
cal, pois o enfrentamento da crise ecológica exige a Via Campesina, considerada a mais importante
consonância com o meio ambiente e a recupera- federação de camponeses do mundo, propõe, a
ção de formas tradicionais de relação homem-na- partir de Porto Alegre, em oposição ao Fórum Eco-
tureza, com ênfase para valores de uso e não para nômico Mundial realizado em Davos (Suiça), que
valores de troca. Entendendo ser necessário mun- "globalizemos la lucha, globalizemos la esperanza".
dializar as resistências, com anteposição do cida- Mais uma vez, desejamos a todos uma boa leitu-
dão planetário, à ditadura global do capital, reco-
menda a construção de redes internacionais, em
ra destes e de outros temas que compõem a pre-
sente edição. 3
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SUMÁRIO Revista da Emater/RS
v. 2, n.1, Jan/Fev/Mar 2001
Reportagem 5
Fórum Social Mundial e a agricultura Coordenação Geral: Diretoria Técnica da EMATER/RS

O pinião 11
Conselho Editorial: Ângela Felippi, Alberto Bracagioli, Ari
Henrique Uriartt, Dulphe Pinheiro Machado Neto, ErosMarion
Negociar com o clima? Mussoi, Fábio José Esswein, Francisco Roberto Caporal,
Caporal, Francisco Roberto Gervásio Paulus, Jaime Miguel Weber, João CarlosCanuto, João
CarlosCosta Gomes, Jorge Luiz Aristimunha, Jorge Luiz Vivan,
Relato de Experiência 14 José Antônio Costabeber, José Mário Guedes, Leonardo Alvim
Beroldt da Silva, Leonardo Melgarejo, Lino De David, Luiz
Adubação verde de verão Antônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renato dos
Müller, André SantosIuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Antonio Claro.

Artigo 18 Editor Responsável: Jorn. Ângela Felippi - RP 7272


Editoração de Texto: Mariléa Fabião Borralho
La necessidad de alternativas al capitalismo global
Projeto Gráfico e Ilustração: Sérgio Batsow
Ramón Fernández Durán Diagramação: Nina de Oliveira
Charge: Santiago
Alternativa Tecnológica 33 Revisão: Deise Mietlicki
Fotografia: Kátia Farina Marcon, Leonardo Melgarejo,
Produção de semente própria de milho variedade
Rogério da S. Fernandes

Artigo 35
Periodicidade: Trimestral
Tiragem: 3.000 exemplares
Uma estratégia de sustentabilidade a partir da Agroecologia Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.
Gúzman, Eduardo Sevilla de Distribuição: Biblioteca da EMATER/RS

Tópico Especial 46
EMATER/RS
Rua Botafogo, 1051
Bairro Menino Deus
Econotas 57 90150-053 - Porto Alegre - RS
Telefone: (051) 233-3144

Dica Agroecológica 59
Fax: (051) 233-9598

Uso do enxofre e calda sulfocálcica para tratamento Endereço eletrônico da revista


fitossanitário http://www.emater.tche.br/docs/agroeco/revista/revista.htm

E-mail: agroeco@emater.tche.br
Eco Links 61
A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma

Artigo 62
publicação da Associação Riograndense de Empreendimentos de
Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS.
Agricultura orgânica: entre a ética e o mercado? Osartigospublicadosnesta Revista são de inteira responsabilidade
Schmidt,Wilson de seus autores.

Cartas
Resenha 74 Asinstituiçõesinteressadasemmanter permuta podemenviar cartas
paraabibliotecáriaMariléaFabião Borralho, EMATER/RS, Rua

Normas editoriais 82 Botafogo, 1051, 2°andar, Bairro Menino Deus, CEP 90.150.053
Porto Alegre/RS ou paraagroeco@emater.tche.br.
ISSN 1519-1060

4 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.| Porto Alegre| v.1| n.2| p.1-84| jan./mar.2001

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Reportagem
FSM
A globalização da esperança
A construção de uma nova sociedade ba-
seada na solidariedade. A frase busca sin-
tetizar o objetivo das múltiplas dis-
cussões e experiências ocorridas
em Porto Alegre, durante o pri-
meiro Fórum Social Mundial
(FSM), realizado de 25 a 30
de janeiro. Registraram
presença 4.702 represen-
tantes de 117 países nas 16
conferências, mais de 400
oficinas, acampamentos e
encontros, unidos pela con-
vicção de que um outro mun-
do é possível. O Fórum teve
o apoio do governo do Estado
e da prefeitura de Porto Alegre.
O eixo comum para o grande volu-
me de temas debatidos foi a busca de
saídas contra a exclusão social e a luta
por um mundo mais democrático e
igualitário. Configurando-se como espaço para reprodução social, o acesso à riqueza e à sus-
a troca de experiências e realização de articu- tentabilidade, com entusiástica afirmação do
lações, o FSM não convergiu para um docu- papel reservado à sociedade civil e da impor-
mento unitário, viabilizando a emergência de tância dos espaços públicos, do poder político
vários compromissos e a articulação de dife- e da ética, num mundo mais ajustado às ne-
rentes oportunidades de ação. Coerentes en- cessidades da maioria dos seus habitantes.
tre si, estes resultados foram construídos a par- Entre os novos paradigmas e os novos valores
tir de exemplos trazidos do mundo todo. Nas evidenciou-se a importância de uma nova
palavras do sociólogo português Boaventura ética, como base para o controle social do Es-
Santos: "nós queremos salientar as diferen- tado, em suas várias dimensões.
ças, queremos os princípios da igualdade e da Neste sentido, o FSM se revelou como es-
diferença andando juntos nessa nova socieda- pécie de fonte abastecedora de corações e
de civil, pois temos o direito de sermos iguais mentes irmanados pela certeza de que o fu-
quando a diferença nos descarta e sermos di- turo do planeta depende da construção de uma
ferentes quando a igualdade nos descaracteri- consciência cidadã, em escala global. Ativis-
za". tas de várias nações reforçaram suas convic-
Divididos em quatro eixos, os temas do FSM ções, retornando mais confiantes para suas
versaram sobre a produção de riquezas e a áreas de intervenção setorial, conscientes de
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Reportagem
que estão imersos em questões dialogaram
movimento de escala permanentemente em
global a favor da vida. todas as conferências e
A qualidade política debates, oficiais e de
do encontro se revelou bastidores. Relatos de
como marca histórica experiências, acordos
na trajetória das orga- firmados e proposições
nizações populares e na compuseram uma gama
luta pela autonomia dos de alternativas que con-
povos. Produzindo cons- tinuam a ser construí-
ciência coletiva a res- das nas diferentes par-
peito de que um novo tes do mundo.
mundo é possível, o FSM
resultou em organiza- A g r i c ul t ur a
ções populares mais for- f a mi l i a r é o
tes e mais unidas, arti- c a mi nho
culadas por propósito co- A terra deve ser tra-
mum e com pautas de- tada como bem comum,
terminadas para perío- não como mercadoria, e
dos subseqüentes. As- a reforma agrária de
sim, no próximo ano, o nada servirá se não for
FSM ocorrerá novamen- Mar estabelecida a agricul-
Mar cha
cha pelas r uas de Por to Alegr e mar ca aber tur a do
te em Porto Alegre e, si- Fó r um tura de base familiar.
mu ltaneamente, em Essas duas idéias con-
outros locais do planeta, na mesma data que o sensuais foram apresentadas e debatidas na
Fórum Econômico de Davos. conferência Como garantir as múltiplas funções
A experiência de construção participativa, da terra, durante o FSM.
desenvolvida pelos governos municipal de Por- Segundo os números apresentados, atual-
to Alegre e estadual do Rio Grande do Sul, ser- mente 75% dos camponeses brasileiros vivem
viu como referência e base de lançamento abaixo da linha da pobreza. Na Colômbia e na
para movimento internacional de luta contra Venezuela, a miséria atinge 57% e 86% dos
o neoliberalismo. agricultores, respectivamente. No mundo in-
Estimular a luta coletiva do homem contra teiro, há 800 milhões de famintos. E a terra
o capital é a síntese maior de um projeto que continua sendo desrespeitada como recurso
se expande no planeta com o primeiro FSM, a natural, tratada como mercadoria e geradora
partir de Porto Alegre. De 2002 em diante, se- de conflitos no mundo inteiro.
rão motivadas rodadas de fóruns sociais em "A agricultura familiar consegue resolver
outros lugares do mundo, de dois em dois anos, melhor o problema da fome, gera mais em-
até que prevaleça a solidariedade, até que os pregos e distribui mais renda", defendeu a
valores éticos superem os econômicos e a jus- economista Tânia Bacelar, uma das paine-
tiça social se estabeleça. listas. Ela ressaltou que o estímulo à produ-
E para os envolvidos com os temas agricul- ção nas pequenas propriedades traz reflexos
tura e meio ambiente, dois grandes desafios positivos sobre o êxodo rural, impedindo o
estiveram em pauta: como combater a exclu- inchaço das grandes metrópoles e possibili-
6 são social e a degradação ambiental. Estas tando a formação de cidades de pequeno e

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Reportagem "A fome da humanidade não cessará
enquanto o mundo for alimentado por
médio porte. agricultores famintos, que sonham em
Segundo o vietnamita Dau Thê Thuan, do fugir para as cidades. Há que construir
Instituto Nacional de Ciências Agronômicas, novas posturas. Recuperar a auto-estima,
a agricultura familiar foi a maneira encon- assegurar preços que permitam ao agri-
trada por seu país para superar o problema cultor familiar reconstruir sua vida e
crônico da fome. Hoje, o Vietnã é o segundo produzir a base da qualidade para a
maior exportador de arroz do mundo, atrás ape- vida nascidades".
nas da Tailândia, e o terceiro maior exporta- Marcel Mazoyer
dor de café, depois do Brasil e da Colômbia.
O ex-ministro da agricultura do Chile
Jacques Chonchol disse que a globalização do Fórum Social Mundial foi a formação de
aumentou as exportações, mas acabou com a uma aliança internacional de agricultores
agricultura de subsistência e instituiu o tra- contra o modelo neoliberal e seus efeitos ne-
balho assalariado no campo. Ele defendeu a gativos. Realizada através da Via Campesina,
intervenção do Estado na formulação de polí- movimento mundial de agricultores, esta ali-
ticas públicas de estímulo à agricultura fa- ança assegura integração e cooperação en-
miliar, como suporte tecnológico e programa tre os agricultores familiares dos quatro con-
de segurança alimentar. "É necessária a dis- tinentes. A idéia da formação desta frente foi
tribuição de renda, facilitando o acesso à ter- desenvolvida durante o evento, nos contatos
ra, à tecnologia e às políticas públicas. Não dos movimentos de agricultores com um gran-
queremos a reforma agrária pregada pelo Ban- de número de entidades sociais, sindicatos,
co Mundial", ressaltou Chonchol. ONGS, igrejas, universidades. Essas entida-
Já na oficina Pauperização, crise e margi- des querem continuar a lutar em conjunto e
nalização do campesinato, eixos prioritários de em âmbito mundial, consolidando-se como ca-
mobilização internacional, Marcel Mazoyer tra- nais interconectados para expressão de resis-
tou de tema semelhante. Segundo ele, no tência e oposição ativa às organizações e in-
mundo existem 1,3 bilhão de agricultores, teresses representativos do capital especula-
mas apenas 28 milhões têm acesso à meca- tivo internacional.
nização e aos benefícios da globalização. "O Com o lema Globalizemos a luta, globalize-
modelo hegemônico é minoritário. Não se di- mos a esperança, a aliança comporá agendas
fundiu e está concentrado nas mãos de pou- permanentes e internacionais, de protestos
cos", disse o professor do Instituto Nacional contra a Organização Mundial do Comércio e
de Agronomia de Paris. "A soberania alimen- organismos internacionais que sustentam o
tar é fundamental para as nações. O livre co- modelo neoliberal. "Nós os seguiremos onde
mércio mundial é maltusiano, reduz a deman- estiverem", disse Rafael Alegria, de Honduras,
da alimentar proporcionalmente à redução da representante da Via Campesina, em entre-
produção agrícola. Por isso, é fundamental a vista coletiva no FSM, junto com Francisca
comunicação entre os agricultores. Os agri- Rodrigues, do Chile, Paul Nicholson, do País
cultores da França precisam saber da histó- Basco, Henry Saragih, da Indonésia, e Egídio
ria dos agricultores da América Latina para Brunetto, do Movimento dos Trabalhadores
que possam se fortalecer. É dessa globaliza- Rurais Sem Terra. Os protestos estão marca-
ção que precisamos". dos para datas e locais de reuniões de entida-
des como a Organização Mundial de Comér-
A l i a nça e nt r e a g r i c ul t o r e s cio, o Fundo Monetário Internacional, o Ban-
Um dos resultados imediatos importantes co Mundial, Área Livre de Comércio das Amé- 7
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Reportagem "Para sonhar com um mundo dife-
rente, mais democrático, sem pobres,
precisamos primeiro resolver o proble-
ricas, o G-8 e Banco Asiático. ma da propriedade da terra. A refor-
A Via Campesina é um movimento de cam- ma agrária é a principal solução para o
poneses sem-terra, pequenos proprietários, desenvolvimento, como mostrou o
trabalhadores rurais, povos indígenas. "Somos hemisfério norte, que chegou ao que
a maior parte dos trabalhadores do mundo. é distribuindo terras para impulsionar
Éramos nós que produzíamos alimentos. Ago- as economias internas"
ra, querem nos substituir pelas multinacio- João Pedro Stédile
nais", disse Rafael Alegria, referindo-se à afir-
mação do megaespeculador George Soros de
que as multinacionais produzem mais que os do convênio. Este projeto se ajusta à principal
agricultores. atividade da agricultura familiar, à pecuária
Para a Via Campesina, o modelo neoliberal leiteira, já que aqueles departamentos são es-
é excludente e perverso, arrasa os mercados pecializados na produção de leite e derivados.
regionais e produz alimentos contaminados. Para celebrar o acordo, foi realizado o Ato
"Nós, como agricultores, produzimos vida e de Irmanamento, no assentamento São
queremos produzir vida saudável". Virgílio, em Herval, no dia 28 de janeiro, reu-
nindo agricultores brasileiros e franceses,
Pe q ue no s p r o d ut o r e s i r manad o s além de autoridades locais e a ex-primeira-
Paralelo às conferências do FSM, o gover- dama francesa Danielle Mitterand.
no do Rio Grande do Sul e a Fundação France
Liberté, presidida por Danielle Mitterrand, T r ansg ê ni co s x se g ur ança ali me nt ar
assinaram acordo no qual o Estado passa a "Os transgênicos representam uma ame-
ser interveniente no processo de irmanamen- aça à segurança alimentar", denunciou o di-
to dos agricultores. Os beneficiados são as- retor da Greenpeace no Brasil, Roberto
sentados pela reforma agrária nas comuni- Kishinami, durante o FSM. Os organismos
dades de Pedras Altas, Herval, Arroio Grande geneticamente modificados (OGMs) foram um
e Pedro Osório. A formalização do compromis- dos temas mais discutidos no evento, em de-
so envolveu também a Fundação Holos, a Con- bates que estabeleciam a relação dos trans-
federação Camponesa dos Departamentos de gênicos com segurança alimentar, autonomia
Jura, de Saône et Loire e a Rede de Agricul- dos agricultores, biossegurança e saúde dos
tu ra Su stentável do D epartamento de consumidores.
Mayenne. Uma das presenças mais marcantes foi a
As entidades francesas irão participar com do Greenpeace, que reconheceu que é preci-
tecnologia, crédito e suporte para o desenvol- so destacar mais nas campanhas de protesto
vimento da produção leiteira em 40 assenta- a oligopolização das sementes e o risco de
mentos nas cidades irmanadas. empobrecimento da diversidade biológica com
Pelo acordo, a Fundação Holos irá elaborar a implantação dos organismos geneticamen-
o projeto de cooperação e a Fundação France te modificados. Kishinami ressaltou que nes-
Liberté trabalhará pela obtenção de créditos te início de século todas as crises ambientais
para os agricultores assentados nas cidades são globais _ poluição química, risco à biodi-
irmanadas do RS. As entidades francesas dos versidade, escassez de água, contaminação
pequenos produtores se encarregarão de pro- dos oceanos _ , ao contrário do que ocorria no
mover a troca de experiências, levando agri- início do século passado, com crises regionais
cultores gaúchos para viagens de conheci- localizadas.
8 mento junto aos departamentos signatários Com os problemas ambientais há uma cri-
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Reportagem
se de acesso aos benefícios da
vida moderna, reforçou o ecologis-
ta. "Um norte americano consome
hoje 16 vezes mais energia do que
um brasileiro. O planeta não su-
portaria um nível de vida igual ao
dos Estados Unidos para toda a hu-
manidade", alertou, ressaltando a
importância de mudar o atual
modelo de desenvolvimento, pois
é preciso rever os padrões de aces-
so aos recursos da natureza.
Foi reafirmada a posição de
manter o Rio Grande do Sul como
Mosaico
Mosaico montado no FSM com pedr as dos paí ses par ticipantes
território livre da produção de
transgênicos. "Dizer que os alimentos trans- monopólio das multinacionais. Convocou: "é
gênicos vão resolver o problema da fome no necessária uma briga global e intensiva pelo
mundo é uma promessa demagógica", afirma uso da semente".
o deputado estadual e especialista em OGM "Não se pode patentear coisas relativas à
Elvino Bohn Gass. De acordo com ele, o pro- vida", defendeu a economista chilena Rayén
blema não está na quantidade de alimentos Martinez, postando-se contra o patenteamento
produzidos, mas na sua distribuição. Para de sementes. "A propriedade das sementes
Bohn Gass, há muita desinformação. Os agri- não pode ser privada. Deve ser coletiva", acen-
cultores, ao plantarem esses alimentos, acre- tuou. Durante a conferência, a organização
ditam que irão aumentar sua produtividade. internacional Via Campesina propôs uma
Porém, nos Estados Unidos já existe um re-
torno às plantações tradicionais, motivado por "Os poderosos tendem a se apropri-
uma grande insegurança e problemas de co- ar do conceito de sustentabilidade.
mercialização. Sustentabilidade é incompatível com
Para o biólogo francês Jacques Testart, pre- busca desenfreada de lucro, com
sente nas discussões sobre OGMs, deixar a padrão rentista do solo. Implica com-
decisão de comprar ou não produtos transgê- preensão da função da terra como
nicos nas mãos dos consumidores é uma aber- habitat, significa recursos naturais
ração porque nem os especialistas sabem pre- comuns, de uso público, compreensão
cisar os riscos que o consumo destes alimen- de que é de todos o dever e o direito
tos podem provocar à saúde humana e ao meio de usufruir e zelar pelos patrimônios
ambiente. naturais"
Para o ecologista José Lutzenberger, os Tânia Bacelar
camponeses eram os grandes criadores da
diversidade de sementes. Antes das empre-
sas multinacionais de sementes comprarem campanha de manutenção e socialização de
as empresas menores que possuíam maior sementes nativas.
diversidade, havia 10 mil variedades de arroz
diferentes para cada parte do planeta. Hoje, Í nd i o s a c a mp a d o s e l a b o r a m
são as mesmas em todo o mundo por conta do r e i v i nd i c a ç õ e s 9
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Reportagem

Raf
Raf ael
ael Alegr
Alegr ia
ia em ato contr a os tr ansgê nicos em Nã o- Me- Toque

Os integrantes do acampamento dos povos de cada país, políticas públicas para as mu-
indígenas Confederação dos Tamoios, ocorri- lheres, o direito dos índios de patentear seus
do durante o FSM, aproveitaram o evento para conhecimentos e a consolidação da conven-
elaborar documento com propostas e reivin- ção 169 da Organização Internacional do Tra-
dicações dos povos indígenas. O relatório fi- balho (OIT), que se refere ao direito de posse
nal foi dividido entre aspectos mundiais e e utilização das terras por parte dos índios.
exigências nacionais. No aspecto nacional, as propostas buscam
Na questão internacional, a comunidade aprovar um novo Estatuto do Índio, a ser elabo-
indígena presente exige o direito a uma edu- rado a partir das opiniões dos próprios indíge-
cação diferenciada (bilíngüe e bicultural), po- nas, a formação e capacitação de professores
líticas de proteção ambiental em áreas indí- índios, o reconhecimento das escolas indíge-
genas, reconhecimento das organizações in- nas, que a saúde do índio seja também res-
dígenas constituídas, respeito à constituição ponsabilidade do governo federal, assim como
a elaboração de progra-
"Há que resgatar o saber popular. No altiplano peruano, em mas habitacionais, a im-
declividades onde qualquer agrônomo moderno juraria que a plantação de políticas
agrícolas, o reconheci-
atividade agrícola é impossível, os índios ergueram uma civili-
mento da convenção 169
zação que durou milhares de anos e alimentaram milhões de
pessoas com tecnologia que os cientistas modernos entendem da OIT e a conclusão das
demarcações das terras
atrasadas. Fizeram isso combinando terraços com rodízios de
cultivos e fertilização natural. Eles inventaram uma combinação indígenas nos próximos
cinco anos.
de cultivos que estamos abandonando e que, no entanto,
Cerca de 700 índios, de
toda ciência moderna ainda não conseguiu igualar. A simples
120 etnias, participaram
combinação de milho, feijão e abóbora, benéfica para o solo,
do acampamento. O docu-
completa nutricionalmente e barata." ".
mento foi entregue à co-
10 Jacques Chonchol
ordenação do fórum. A
A

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O pinião
Negociar com o clima?
Soluções ecotecnocráticas para o efeito estufa

C a p o r a l , Fr a n c i s c o R o b e r t o *
bio Climático (realizada em Haia, Holanda, de
13 a 24 de novembro de 2000) sabem que os
As evidências científicas e as projeções
efeitos maléficos do aquecimento global re-
sobre as mudanças climáticas e seus efeitos
cairão, principalmente, sobre os países mais
no presente e no futuro são, simplesmente,
pobres e sobre as populações mais pobres nes-
assustadoras. Não obstante, os países ricos,
tes países, de modo que para eles vale mais
industrializados e opulentos do Norte acabam
continuar com seus negócios e com sua de-
de boicotar mais uma tentativa de estabele-
senfreada corrida poluente.
cer limites às emissões contaminantes, es-
Os limites de emissões de CO2 estabeleci-
pecialmente de CO2, ainda que sabendo tra-
dos pelo Grupo Assessor das Nações Unidas
tar-se da principal causa do efeito estufa. E,
sobre Gases de Efeito Estufa já foram sobre-
mais uma vez, vão tratar de transferir a solu-
passados. E isto acontece não por um afã
ção do problema para os países periféricos do
poluidor do homem moderno, senão que por
Sul ou para as zonas periféricas destes países.
conseqüência inevitável do modo de produção
Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão,
capitalista, modelo cuja "Segunda Contradi-
os reis do boicote à VI Conferência sobre Cam-
ção" vem sendo analisada por especialistas,
à luz das Leis da Termodinâmica (em resu-
* O autor é Engenheiro Agrônomo, Diretor Técnico da
mo, estão sendo destruídas as bases de re-
EMATER/RS, Mestre em Extensão Rural pelo CPGER/
UFSM e Doutor em Agronomia pela Universidad de cursos naturais necessários para a continui-
Córdoba - Espanha. Escrito em Dez./2000. dade do modo de produção).
Email: caporal@emater.tche.br Este artigo foi elaborado Assim, diante do poder econômico que di-
com base em diferentes documentos, dentre os quais rige as decisões de congressos e governos
destacamos texto de José Santamarta, Diretor da nacionais, a questão climática parece que
Revista World Watch em Espanhol. continuará a ser tratada como mais uma
Email: worldwatch@nodo50.org "oportunidade de negócio", ainda que as ten- 11
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O pinião
dências atuais sobre as emissões de CO2 nos lhões de dólares/ano (a maior parte destina-
deixem pouco lugar para o otimismo. da a projetos relacionados com créditos de
As Nações Unidas admitiam um cresci- emissões), como se estivéssemos falando de
mento da temperatura global na ordem de 1° vender melancia na feira.
C no próximo século e um crescimento do ní- Como "alternativa" à necessária redução de
vel do mar de até 20cm. Para isto a concen- emissões pelos países ricos, as políticas ecotec-
tração atmosférica de CO2 deveria ser de no nocráticas nos próximos períodos vão estar con-
máximo 350 ppm. Atualmente, já chegamos centradas nos chamados "direitos de poluir", na
aos 367 ppm. A média atual mundial de emis- compra e venda de "commodities ambientais",
sões é de 4,6 t de CO2 por habitante/ano, no incentivo ao plantio de árvores nos países
havendo estudos que determinam a necessi- em desenvolvimento, para a ampliação dos
dade de se reduzir a 1,8 t de CO2 até 2030 e a chamados "sumidouros de carbono".
0,55 t de CO2/habitante/ano a longo prazo. A idéia dos "sumidouros de carbono" pas-
Mas tudo isto será impossível se os países sou a ser moda nos países ricos e objeto de
ricos não reduzirem suas emissões atuais, programas das organizações internacionais
que variam, em média, de 7 a 10 t de CO2/ que eles controlam, como o FMI, o Banco Mun-
habitante/ano. Inclusive, cabe destacar que dial e a ONU. Em resumo, se trata de desen-
os Estados Unidos da América, principal res- volver e financiar projetos de plantio de espé-
ponsável pelo fracasso da recente Conferên- cies de árvores de rápido crescimento (como
cia sobre o Clima, têm somente 4,6 % da po- eucaliptos e pinus), de modo a criar proces-
pulação mundial e emitem aproximadamen- sos de "aprisionamento" do CO2 emitido. Fi-
te 24 % do total de CO2 produzido no mundo, nanciados por "verdes" dólares, estes projetos
chegando a absurdas 20 t/habitante/ano, en- criariam novas "commodities ambientais", o
quanto seus governos se negam a reduzir ape- que tem tido espaços nos debates em congres-
nas 7 % deste potencial poluidor, mesmo sa- sos, em academias, assim como a adesão de
bendo que as emissões de gases de efeito es- muitos ingênuos e verdes cidadãos.
tufa tenham aumentado em 21,8 % entre Os debates, no entanto, estão centrados na
1990 e 1998, naquele país. falsa ilusão de um "ganho econômico adicio-
Deste modo, nem as mais engenhosas e nal por plantar árvores e preservar matas
maquiavélicas proposições governadas pelas cultivadas" (as matas nativas são outra his-
"forças do mercado" serão capazes de dar con- tória) e, em geral, não estão acompanhados
ta deste problema, como pretendem os defen- de qualquer reflexão sobre o impacto socio-
sores das flexibilizações, uma vez que os es- ambiental que poderia resultar de tais em-
tudos mostram a necessidade de uma redu- preendimentos (grandes monocultivos de es-
ção de pelo menos 80% dos níveis atuais de pécies exóticas).
emissões de gases de efeito estufa. Se imaginarmos isto acontecendo num
Esta tendência de tratamento neoliberal Estado como o Rio Grande do Sul _ e esta moda
para a questão climática, capitaneada por al- de origem neoclássica e ecotecnocrática já se
gumas multinacionais, especialmente do se- ensaia entre nós _ em breve vamos ter gran-
tor automotivo e do petróleo, tem levado à bus- des monocultivos homogêneos (improdutivos?)
ca de soluções ecotecnocráticas, sabidamente de espécies clonadas de eucaliptos e pinus
insuficientes para o enfrentamento à grave (talvez outras) ocupando espaços dos campos
crise ambiental em que estamos imersos. e bosques nativos, empurrando e desalojando
Neste sentido, já se fala em um mercado pessoas e pondo em risco a existência da
12 mundial de carbono da ordem de 30 a 40 bi- fauna e flora nativas, acabando com a biodi-
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O pinião
versidade local. O impacto ao ambiente local al, consomem 66 % da energia mundial pro-
e regional dos monocultivos homogêneos de duzida, o que exige outro debate sobre a distri-
árvores de rápido crescimento ainda está por buição das responsabilidades pela crise ambi-
ser estudado, mas é certo que como todo ental de nossos dias. Por sorte, começaram a
monocultivo, tende a gerar mais desequilíbrio ser fechadas as usinas nucleares, que alguns
ambiental. insistem em dizer que produzem energia lim-
A idéia dos "sumidouros de carbono", além pa, esquecendo que seus resíduos radioativos
do mais, pode transformar-se em um estímu- podem causar problemas por centenas de anos.
lo ao desmatamento dos bosques naturais Tudo isto deixa claro que, enquanto os paí-
para permitir o acesso a "créditos de emis- ses ricos não admitirem diminuir a poluição
são" pelo plantio de novas árvores. Assim que causam e, neste caso, suas emissões de
mesmo, não nos garante nada em termos de CO2, todas estas idéias ecotecnocráticas se-
futuro, pois é possível que o "carbono armaze- rão insuficientes para resolver o problema do
nado" nestas árvores seja liberado à atmosfe- efeito estufa, cujos resultados colocam em
ra por um incêndio natural ou provocado. risco a vida sobre o planeta. Está na hora, pois,
Até aqui, nenhum projeto sério para en- da sociedade civil mobilizar-se, pois os gover-
frentar o problema foi devidamente tratado, nos de nossos países do Sul (e a representa-
por isso não se fala em políticas para dimi- ção do Brasil, em Haia, mostrou isto) estão,
nuir os subsídios aos combustíveis fósseis, mais uma vez, submetidos ao poder político e
para reduzir o consumo de fertilizantes quí- econômico dos países do Norte e ao "lobby" de
micos ou o uso de cimento (cada tonelada de algumas empresas transnacionais para as
cimento consumida causa a emissão de 498 quais o "direito de poluir" faz parte do seu ne-
quilos de CO2), assim como não há política gócio, ainda que isto signifique a continuida-
para incentivar o transporte coletivo e o trans- de de um modelo de desenvolvimento compro-
porte ferroviário ou para eliminar as queima- vadamente insustentável.
das em campos e florestas, para incentivar Enquanto seguem as soluções ecotecnocrá-
as reciclagens e, muito menos, para incenti- ticas, estão se derretendo as geleiras, está
var o uso das energias alternativas dos ven- crescendo o nível do mar, estão aumentando
tos, do sol, do hidrogênio. as ocorrências de enchentes e outras catás-
Por falar em energia, outro grande proble- trofes no mundo todo e logo experimentare-
ma ambiental, cabe registrar que os países do mos outro alerta da natureza: o calor e as al-
Norte, com apenas 25 % da população mundi- terações climáticas deste verão. A A

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R elato
de Experiência

Programa de adubação verde


do município de Porto Mauá
M ü lle r , A n d r é *

1 I nt r o d ução
O município de Porto Mauá
está situado na Região Noro-
este do Estado do Rio Grande
do Sul, junto à região costei-
ra do Rio Uruguai, fronteira
com a Argentina. Sua base
econômica é a atividade agro-
pecuária desenvolvida em cer-
ca de 550 propriedades rurais,
distribuídas em 10 comunida-
des rurais. Destacam-se a produção de grãos fertilidade do solo. A introdução de outras es-
(milho e soja) e a atividade leiteira. No en- pécies de cobertura de solo e para adubação
tanto, acompanhando as tendências do mo- verde, tais como a ervilhaca e o nab o
delo agrícola vigente, as pequenas proprieda- forrageiro, também vem assumindo importan-
des rurais têm enfrentado enormes dificul- te papel nesse processo, seja na redução dos
dades para a sua manutenção e sobrevivên- custos de adubação nitrogenada das lavouras
cia, devido não apenas ao alto custo dos insu- de grãos, seja na melhoria da estrutura dos
mos, mas também pela gradual desvaloriza- solos. Os resultados vêm se mostrando
ção dos preços dos produtos agrícolas tradicio- satisfatórios, o que pode ser constatado no
nais produzidos na região. Além disso, atual- aumento da produção de milho solteiro ou
mente se observa nessas propriedades uma mesmo na produção de milho e soja consorci-
diminuição da fertilidade das terras, uma vez ados. Existem, pois, perspectivas futuras po-
que a extração de nutrientes, que se dá atra- sitivas em relação ao programa de adubação
vés das colheitas, supera a adição de nutri- e cobertura verde em Porto Mauá. De qual-
entes via aplicação de insumos minerais e quer maneira, ainda se faz necessário supe-
orgânicos. rar problemas de manejo em algumas espéci-
Neste contexto, a prática da adubação ver- es, evitando-se competições por nutrientes
de vem sendo estimulada e difundida, com o com a cultura principal cultivada na área.
fim de favorecer o desenvolvimento das lavou-
ras de milho e soja. Entretanto, o manejo e 2 A d ub ação v e r d e d e v e r ão na
utilização destas espécies ainda devem ser r e g i ão co st e i r a d o Ri o Ur ug uai
aperfeiçoados visando melhorar o aproveita- A adubação verde de verão era praticamen-
mento das terras, assim como os níveis de te desconhecida na região. Tradicionalmen-
te, se empregavam no verão apenas o sorgo e
* Eng. Agr., Chefe do Escritório Municipal da EMA- o milheto como culturas forrageiras. Mais tar-
TER/RS de Carlos Barbosa. Relata o trabalho desenvol- de, espécies como crotalária, mucuna e
vido enquanto atuava como extensionista rural em Porto guandu, apesar de pouco conhecidas dos pro-
14 Mauá. Fone: 0 XX (54) 461-1505. dutores, despertaram a curiosidade de alguns
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R elato
de Experiência

"pioneiros" e, aos poucos, passaram a ser verde e as culturas tradicionais de verão,


adotadas pelos pequenos agricultores. como soja e milho.
A partir de 1997, através da Secretaria
Municipal de Agricultura e EMATER, promo- 3 Est r a t é g i a s ut i l i z a d a s p a r a
veu-se a distribuição de pequenas quantida- a mp l i a r c ul t i v o s d e a d ub a çã o
des de sementes de crotalária, mucuna e ve rd e
guandu-anão a agricultores membros do Con- Desde que se iniciaram os trabalhos de ex-
selho Municipal de Desenvolvimento Rural, perimentação e divulgação das espécies de
com o objetivo de ampliar o conhecimento so- cobertura de solo e adubação verde no muni-
bre estas espécies e difundi-las a outros agri- cípio, vêm se usando uma série de procedi-
cultores. Observou-se, então, que as condições mentos e estratégias que permitem a parti-
de clima e solo da região costeira permitiam cipação de agricultores no processo. Ou seja,
um desenvolvimento diferenciado de algumas as unidades e eventos desenvolvidos estão
espécies em relação a outras regiões mais servindo como palco privilegiado de discussões
frias ou de maior altitude. Cabe salientar que e intercâmbio de conhecimentos e experiên-
as referências de trabalho, uso e emprego de cias entre técnicos e agricultores. Dentre as
espécies de verão baseavam-se na pesquisa principais estratégias até agora utilizadas,
e prática de técnicos e agricultores da região destacam-se as seguintes:
Oeste Catarinense e, também, em estudos aCriação de unidades demonstrativas em
desenvolvidos nas regiões Planalto Médio e todas as comunidades rurais, usando as es-
Missões do Rio Grande do Sul, feitos pela pécies de maior interesse para os agriculto-
COTRIJUÍ e FUNDACEP. Este aporte de dados res (crotalária juncea, crotalária spectabilis,
contribuiu substancialmente para a avalia- guandu-anão, mucuna cinza, feijão-de-porco
ção de Unidades de Observação implantadas e soja preta);
em 1997/98, servindo como suporte técnico aEstímulo ao emprego de plantas de cober-
e demonstrativo para vários municípios da tura de solo na fruticultura (citros, abacaxi e
região. Dias de campo e excursões foram rea- banana), destacando-se o uso de crotalária,
lizados, com o intuito de ampliar os conheci- mucuna e feijão-de-porco;
mentos práticos sobre as plantas de cobertu- aTroca/distribuição de sementes aos agri-
ra de solo (espécies de verão). cultores interessados, através de venda dire-
Na unidade de experimentação principal ta ou pelo sistema troca-troca, visando à pro-
foram implantadas 16 espécies de verão, en- dução de sementes tanto de espécies de in-
tre elas algumas exóticas praticamente des- verno como de verão nas propriedades rurais;
conhecidas, como a anileira e as sesbânias. aInstalação de áreas demonstrativas para
Durante as demonstrações e dias de campo, recuperação e manejo em áreas de pousio e/
procurou-se enfatizar o seu uso e manejo ou degradadas que apresentavam baixa ferti-
(como cultura solteira ou intercalar) e os seus lidade ou em parcelas de lavoura de fumo e
benefícios, inclusive como alternativa para a milho, visando à reciclagem de nutrientes e
alimentação de gado leiteiro, suínos, aves, pei- redução no aporte de insumos químicos du-
xes e coelhos, sob as formas de pastejo direto rante o ciclo da cultura principal;
consorciado, corte para forragem ou silagem. aInstalação de unidades de demonstração
Entretanto, vale assinalar que ainda existem e de observação nas comunidades rurais, com
entraves para a adoção plena destas espécies vistas a melhor conhecer o emprego e mane-
pelos agricultores no município. O principal jo das plantas de cobertura e procedimentos
deles é representado pela concorrência dire- para a produção de sementes em pequenas
ta por área entre as espécies de adubação áreas, assim como para avaliar a produção de 15
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massa verde, cobertura de solo, competição do milho, facilitando assim a colheita deste.
com inços e aporte de nutrientes;
aRealização de Dias de Campo em comu- c) Consórcio com forrageiras
nidades ou em nível municipal e microrregi- A consorciação de milheto com crotalária
onal; juncea e guandu permite a obtenção de
silagem com um maior percentual de proteí-
4 Re sul t a d o s p a r c i a i s a l c a nça d o s na bruta quando comparado ao obtido a partir
Os trabalhos de adubação verde e de cober- da silagem de milheto isoladamente. Além
tura do solo em Porto Mauá têm abarcado prin- disso, animais leiteiros têm mostrado boa
cipalmente nos seguintes processos: aceitação dessa forragem, seja sob a forma
de silagem, seja como pasto fornecido direta-
a) Consórcio com frutíferas mente no cocho. No entanto, necessitam-se
O uso do feijão-de-porco, crotalária, mucuna mais testes sobre consorciação de pastagens,
e guandu (em cultivo solteiro ou em consórcio com vistas a adequar as proporções de cada
de espécies) proporcionou bons resultados, tan- espécie e, por conseguinte, alcançar uma
to na melhoria da fertilidade quanto na redu- melhor qualidade nutricional da forragem a
ção e controle de ervas invasoras, especial- ser obtida mediante consórcio.
mente nos citros. Observamos um papel im-
portante desempenhado pela mucuna-cinza d) Consórcio com outras culturas
na supressão, redução e/ou eliminação de Estão sendo obtidos bons resultados atra-
gramíneas indesejáveis. Nas frutíferas tropi- vés do uso de feijão-de-porco consorciado com
cais, como o abacaxi, em áreas de microcli- a cana-de-açúcar, visando ao suprimento de
ma na costa do Rio Uruguai, o uso do feijão- adubação nitrogenada, bem como a redução
de-porco nas entrelinhas pareadas reduziu a de inços (principalmente milhã, grama-fina
presença de inços e, por conseguinte, os re- e papuã). O uso de crotalária e feijão-de-porco
querimentos de adubação nitrogenada. como plantas de cobertura de solo em lavou-
ras de mamona, seja em sistema de plantio
b) Consórcio com milho direto ou em cultivo mínimo, também está
As diversas espécies de adubação verde fo- sendo experimentado e acompanhado com o
ram semeadas em épocas diferentes nas en- propósito de reduzir ou substituir a adubação
trelinhas da cultura: no plantio do milho, aos química convencional. Nos próximos anos,
40 dias (momento da enverga) e na floração. pretende-se incrementar o uso de espécies
Os melhores resultados foram obtidos na se- de gramíneas em consórcio com leguminosas,
gunda situação, pois a adubação verde não es- buscando-se atingir um melhor equilíbrio de
tabeleceu competição com o milho, aprovei- nutrientes para esta cultura.
tando-se, além disso, uma das operações de
trabalho na cultura do milho. Todas as espé- e) Produção de sementes em pequenas la-
cies apresentaram rendimentos relativos su- vouras
periores ao cultivo solteiro, destacando-se o Atualmente, existe pouca oferta de semen-
feijão-de-porco, pelo fato deste fornecer nitro- tes de algumas espécies e, por isso, seus pre-
gênio durante o ciclo do milho. As demais es- ços são elevados em Porto Mauá. Nesse sen-
pécies contribuíram com aporte de nutrien- tido, o acompanhamento no manejo, visando
tes para as culturas subseqüentes. Situação à produção de sementes, tem se revestido
especial ocorreu com a mucuna-cinza, a qual, num importante desafio para o incremento
por ser de ciclo longo e apresentar um rápido da adubação verde. Embora a região do Vale
16 crescimento, pode ser plantada após a dobra do Rio Uruguai apresente aspectos favoráveis
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de Experiência

quanto ao clima, algumas espécies de ciclo tos tecnológicos por parte dos agricultores, em
médio a longo (crotalária juncea e mucunas especial nas áreas com fruticultura. No caso
cinza e preta, por exemplo) ainda necessitam da recuperação de áreas degradadas ou em
ser melhor estudadas quanto à época de plan- sistemas intercalares com culturas anuais,
tio. Ademais, é preciso estabelecer e/ou con- a adoção deverá ser ritmada pela visualização
solidar parcerias com instituições de pesqui- dos resultados práticos e pelo domínio do uso
sa e ensino, com o objetivo de aprimorar co- e manejo das espécies por parte dos agricul-
nhecimentos e técnicas de manejo para a pro- tores e técnicos.
dução de sementes em pequenas áreas. aUm aumento das áreas destinadas à pro-
dução de sementes. Devido ao alto custo das
f) Recuperação de áreas degradadas sementes de certas espécies, alguns agricul-
O uso da crotalária e da mucuna em áreas tores estão se especializando nessa produção
de baixa e média fertilidade, respectivamen- para a comercialização. Neste caso, o acom-
te, está permitindo a obtenção de excelentes panhamento técnico será fundamental, em
resultados. O uso da mucuna cinza tem per- função das dificuldades de ordem climática e
mitido a recuperação de áreas de pousio em dos problemas de manejo ainda existentes na
apenas um ou dois ano, representando uma produção de sementes com boa qualidade.
importante vantagem em relação ao sistema aA implantação de unidades de estudo e
tradicional de pousio utilizado na região, o de pesquisa na microrregião costeira, em par-
qual demanda um período médio de 3 a 4 anos, cerias ou convênios com universidades e ins-
ademais de diminuir a incidência de inços tituições de pesquisa, visando melhor avali-
na área em questão. ar os resultados práticos destas espécies,
Como conseqüência dos processos referi- aprofundando-se os conhecimentos sobre sua
dos acima alcançou-se, até o presente mo- adaptação nas condições edafo-climáticas lo-
mento, uma área cultivada de 150 ha com cais e, com isso, ampliando os registros bibli-
espécies de inverno, envolvendo 150 produto- ográficos existentes.
res. Para o período de verão, a área cultivada Em suma, as espécies para adubação ver-
foi de 50 ha (incluindo cultivos em consórcio de e cobertura de solo _ que vêm sendo estu-
entre plantas cultivadas e dadas e difundidas em
espécies de adubação ver- Porto Mauá _ possuem
de e cobertura do solo), com u m enorme espaço a
a participação de 50 agri- ser potencializado nas
cultores. pequenas e médias pro-
priedades do município.
5 Pe r sp e c t i v a s p a r a Devemos, então, somar
a ad ub ação v e r d e esforços, consolidar par-
d e v e r ã o na r e g i ã o cerias, realizar experi-
Em face das ações rea- mentos com a participa-
lizadas e dos resultados até ção direta dos agriculto-
agora alcançados, existem res, ampliando assim as
perspectivas otimistas em possibilidades de êxito
relação ao programa. Espe- do programa em curso,
ra-se, pois: na perspectiva do De-
aUma adoção gradual senvolvimento Ru ral
das práticas e procedimen- Sustentável. A A
17
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A r t i go
La necesidad de alternativas
al capitalismo global*

D u r á n , R a m ó n Fe r n á n d e z * * militares, qu e
bajaron cuando
cayó el Muro de
1 La i ng o b e r nab i l i d ad d e l nue v o Berlín. No hay
( d e s) o r d e n mund i a l que olvidar que
Los dos principales bloques del Centro, el en este amplio
espacio norteamericano (Estados Unidos y espacio geográfi-
Canadá) más el espacio europeo occidental (la co se u b ica el
Unión Europea y su área de influencia) han grueso del poder
consolidado una nueva estructura y estrate- económico
gia de la Organización del Tratado del Atlántico transnacional y
Norte (OTAN), bajo un firme y reforzado financiero, cuyos
liderazgo estadounidense, para defender sus agentes son los que más se benefician de los
intereses e intervenir en el mundo del capi- procesos de globalización en marcha, desta-
talismo global y de la post-guerra fría 1 , cando, en este sentido, especialmente Esta-
volviendo a incrementar sus presupuestos dos Unidos. Además, poseen las dos principa-
les monedas del planeta - el dólar y el euro -,
y una gran parte de sus poblaciones disfrutan
*Este artículo se ha confeccionado a partir de un texto más de un nivel de consumo que sería impensable
amplio del autor titulado: "Capitalismo Global, Resistencias sin una tremenda aportación de recursos de
Sociales y Estrategias del Poder. Un recorrido histórico por todo tipo del resto del mundo. Estos dos bloques,
los procesos antagonistas del siglo XX, y perspectivas para y muy en concreto Estados Unidos, son los que
el siglo XXI". Madrid, octubre de 2000. han salido más favorecidos de las crisis finan-
* * Miembro de Ecologistas en Acción y del cieras de la segunda mitad de los noventa,
Movimiento contra la Europa de Maastricht y la pues aparte de la expansión de sus mercados
18 Globalización Económica. financieros (los flujos de capital se han refu-
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A r t i go Unión Europea y Estados Uni-
giado en este espacio, "huida hacia la calidad", dos son los que han salido más
provocando - hasta hace poco - una fuerte alza
de sus bolsas), la quiebra y devaluación de las
favorecidos de las crisis financi-
monedas periféricas les ha concedido una eras de la segunda mitad de los
reforzada capacidad de compra sobre el resto
del planeta (un doble "efecto riqueza"). Sobre noventa, pues aparte de la expan-
todo los activos en dólares, pues esta divisa sión de sus mercados financieros,
se ha revalorizado casi un 30% respecto del
euro. Además, la gestión por parte del Fondo la quiebra y devaluación de las
Monetario Internacional (FMI) de la crisis
monedas periféricas les ha conce-
económico-financiera del sudeste asiático y
de Japón, les ha permitido acceder a la com- dido una reforzada capacidad de
pra, o control, de gran parte de las grandes
empresas e instituciones bancarias de dicha
compra sobre el resto del planeta
región. En América Latina el proceso de
privatizaciones, y su control por parte del ca-
pital de Europa y Estados Unidos, principal-
mente, ya estaba en marcha desde finales de
los ochenta, habiéndose visto reforzado por las p.e., los recursos energéticos). Y esta actua-
crisis financieras de los noventa. ción puede llevarse a efecto al margen de lo
No es de extrañar que intenten defender, que dictamine la, en teoría, máxima repre-
conjuntamente, aunque con ciertas tensiones sentación política mundial: las Naciones Uni-
internas (ansias y prácticas de unilateralismo das (véase los ejemplos de Kosovo o de Irak),
por parte de Estados Unidos), esta posición de dejando en papel mojado el llamado derecho
privilegio. Y para ello han reforzado una internacional. En paralelo, se acuñaba el
estructura militar, la OTAN, de carácter llamado "intervencionismo humanitario", que
supraestatal, a la que han remozado conside- intenta legitimar, en cierto supuestos, las
rablemente tras la caída del muro de Berlín. nuevas ansias intervencionistas de Occidente
En la nueva estructura se contempla un pilar tras el velo "humanitario" (González Reyes,
europeo de defensa, la UEO, que permitirá a 2000). Y más recientemente tras el camuflaje
los países europeos actuar, de forma autóno- de la lucha contra el narcotráfico (Plan
ma en algunos casos, en su área de influen- Colombia, p.e.).
cia, entendida ésta de forma flexible. La OTAN La reacción ante esta arrogancia de
actualizó su estrategia el año pasado en su Occidente fue inmediata. Los Estados perifé-
reunión de Washington, al tiempo que amplió ricos, que ya venían manifestando su creci-
su cobertura hacia el Este, con la incorpora- ente descontento contra los procesos de glo-
ción de nuevos miembros que anteriormente balización económica y financiera (en espe-
estaban dentro del Pacto de Varsovia. En la cial sus élites, pues dichos procesos les
nueva estrategia se contempla, entre otras marginan progresivamente, suponen una
cosas, la posibilidad de intervenir práctica- nu eva "colonización" y dependencia, y
mente en cualquier lugar del globo, desbor- socavan la legitimidad de su dominio),
dando el espacio noratlántico previo, si están manifestaron su rechazo ante este nuevo paso
en peligro los intereses vitales de Occidente de Occidente, que significaba el inicio de la
(para garantizar la gobernabilidad de zonas voladura controlada de las Naciones Unidas.
clave, o el acceso a materias primas básicas, Y, por consiguiente, una marginación adicio- 19
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A r t i go
nal. En especial los principales Estados fuera las tensiones sociales correspondientes que
de la Organización para la Cooperación y De- afectarán de lleno a una sociedad energívora,
sarrollo Económicos (OCDE): Rusia (crecien- y sobre todo a los sectores más dependientes
temente aislada), China, India, Indonesia... del oro negro: la agroindustria y la movilidad
Quizás, ésta fue una importante razón, junto motorizada. Occidente, pues, prepara ya la
con la marginación en las negociaciones pre- retórica y los escenarios de intervención, si
vias a la Ronda del Milenio, y a lo que ésta fallan los mecanismos de sumisión actuales,
suponía para ellos, de su actitud de rechazo reforzados en la zona tras la Guerra del Golfo,
que derivó, junto con la potente movilización cuando se garantiza una presencia continu-
social, en el fracaso de la cumbre de Seattle. ada de las tropas occidentales, en especial de
Y también de la posterior reunión, este año Estados Unidos.
(2000) en la Habana, del G-77, que agrupa a Fuera de las áreas clave para el funciona-
más de 133 países de la Periferia, en los que miento del capitalismo global, y de las rutas
habitan cinco sextas partes de la población estratégicas del comercio mu ndial, la
mundial, en la que éstos plantaron cara a la gobernabilidad, si quiebran los instrumentos
globalización neoliberal que diseña Occidente de dominio "normales" que no permitan el
en su beneficio casi exclusivo (El País, business as usual, se intentará garantizar
11.4.2000). No es que estuvieran en contra mediante intervenciones de las Naciones
de la globalización, sino que pedían, ilusamen- Unidas, con "cascos azules" de países de la
te, una globalización que les favoreciera Periferia. O bien, directamente, mediante
también a ellos, es decir, a las élites2 . El úni- fuerzas mercenarias privadas. Esto es lo que
co sector social que se ha beneficiado del "de- ya hacen en ocasiones muchas empresas
sarrollo" en los espacios periféricos. transnacionales en territorios concretos de
Una vez desaparecido el "Imperio del Mal", dónde extraen recursos (energéticos, mine-
muerto de muerte natural el "comunismo", rales, forestales...). En el resto de muchos de
el "viejo enemigo", las Periferias se perfilan los espacios estatales donde se ubican dichos
como el espacio de donde pueden provenir los enclaves, no importa que reine el caos o el
retos principales al dominio del Centro sobre desorden más absoluto, donde sólo cuenta la
el conjunto del planeta. Ello se intenta ley de los "señores de la guerra", mientras
teorizar a través del "Choque de Civilizacio- que se pueda asegurar la extracción, proce-
nes" (Huntington, 1997), pues hay que deli- samiento y transporte de los productos
mitar los "nuevos enemigos", y dentro de este imprescindibles para el funcionamiento de la
enfoque se resalta el peligro que representa Fábrica Global. En esta tesitura se halla ya
el auge del fundamentalismo islámico, sobre prácticamente el conjunto del Africa subsaha-
todo en el mundo árabe (y en concreto en Ori- riana, ante la mirada cada vez más indife-
ente Medio), el área del globo más refractaria rente y distante de la Aldea Global.
a la penetración de los valores occidentales, Finalmente, en la gestión de la ingober-
y donde se ubican las principales reservas de nabilidad cobra cada día más importancia el
petróleo del mundo. Dentro de quince o veinte control y manejo de los flujos migratorios a
años, prácticamente todo lo que quede de pe- escala mundial. Los flujos migratorios se han
tróleo en el planeta estará en esa región, disparado en las dos últimas décadas en todo
pues el resto de las explotaciones se habrán el planeta, en paralelo con los procesos de glo-
agotado (British Petroleum, 1999). La actual balización económica y financiera. Más de
alza del crudo avanza ya escenarios de 120 millones de personas desarraigadas se
20 encarecimiento (y escasez) de petróleo3, con desplazaban a finales de los noventa por el
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mu n d o ( N a ir y para intentar fre-
Lucas, 1997), a nar, vanamente,
causa de guerras esta presión mi-
locales (muchas gratoria. Berlus-
de ellas residuos coni ha llegado a
de los enfrenta- plantear, desde la
mientos Oeste- oposición, que la
Este en la Perife- marina de guerra
ria Sur), grandes italiana disparara
proyectos de in- en altamar con-
fr a es tr u ctu r a s tra las embarca-
(macroempresas, ciones de inmi-
sobre todo), crisis económicas y financieras grantes. La nueva OTAN contempla también
(agudizadas por la actuación del Banco Mun- entre sus objetivos, llegado el caso, el control
dial y el FMI, que en ocasiones derivan en de los flujos migratorios. Y se intenta
conflictos civiles y bélicos), desarticulación de involucrar a los países limítrofes con Occiden-
economías locales por el "desarrollo", actua- te en el control de los flujos migratorios ("Es-
ciones de grupos paramilitares para expulsar tados tapón"), a cambio de "ayudas económi-
a campesinos de sus tierras, etc. Esta cifra cas". En este contexto proliferan las mafias
se ha visto sustancialmente incrementada que se dedican a traficar con esta mercancía
tras las crisis monetarias y financieras que humana, que hacen verdaderas fortunas con
sacuden las Periferias desde 1997. El grueso este nuevo "tráfico de esclavos". Y desde el
de estos flujos migratorios se produce entre Centro se bombean sin escrúpulos otra vez
los propios países periféricos, desestabilizando hacia las Periferias, desde las llamadas "zo-
en muchos casos sus economías y estructu- nas internacionales de retención", verdaderos
ras estatales. Si bien una parte importante espacios sin ley, a los "ilegales afortunados"
de éstos se orientan, cada vez más, a inten- que lograron alcanzar la "tierra prometida"
tar penetrar en la "tierra prometida" del Cen- (ensalzada por la propia Aldea Global).
tro para acceder a una "vida mejor". Este precario (des)orden mundial se
Pero Occidente se blinda contra esta marea mantiene en un frágil equilibrio porque
humana que llama a sus puertas. Se permite todavía la economía crece, principalmente el
el tránsito del conjunto de mercancías, pero ámbito de la gran actividad productiva y el co-
no de esa mercancía tan peculiar que es la mercio mundial (dominado por las transnaci-
fuerza de trabajo. O al menos no en la cuantía onales)4, y porque los mercados financieros
asombrosa que pugna por entrar. Simplemen- son capaces, por el momento, de dar una ele-
te porque no se necesita. Se permiten tan sólo vada rentabilidad al capital y, en menor me-
aquellos volúmenes necesarios para desarro- dida, a los ahorros de las clases medias (al-
llar los trabajos más penosos, serviles (servicio tas) del Centro, y a lo poco que queda de ellas
doméstico y de cuidados) y degradantes en las Periferias 5. Este "efecto riqueza" es el
(prostitución), o para quebrar la estructura sa- que está tirando del crecimiento mundial. Se
larial de determinados sectores, o bien para produce no para satisfacer las necesidades
atender a la abultada demanda de técnicos básicas de la población mundial, sino para la
especializados para la "Nueva Economía". Y demanda siempre en ascenso, hasta ahora,
cada día se dedican más recursos económi- de unos 500 millones de personas en el mun-
cos, policiales, tecnológicos y hasta militares do (Ramonet, 1999). Pero qué pasará si se 21
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desatan nuevas crisis financieras, y especi- tanto prepararse, resistir y enfrentar esos
almente si se produce una severa corrección posibles escenarios de colapso, en los cuales
de los mercados bursátiles en el Norte. Es se encuentran ya importantes sectores de la
decir, un crack financiero en el Centro, y es- población mundial. Ni el Mercado, ni el Esta-
pecialmente en Wall Street, como ha alertado do, ni el Desarrollo son, hoy en día menos que
hasta el propio Greenspan, presidente de la nunca, una solución a este estado de cosas,
reserva federal estadounidense. La consecu- pues la capacidad de reforma del capitalismo
encia de ello sería una brusca interrupción global (fuera de la lógica de la acumulación
del crecimiento, una probable depresión- de "más madera") se puede afirmar, sin lugar
deflación mundial de impacto muy superior a a dudas, que en la actualidad es nula.
la de los años treinta, y una volatilización de El Mercado, porque su propia dinámica no
la riqueza de los sectores que son el sustento hace sino agudizar los desequilibrios y desi-
de la erosionada legitimidad de las estructu- gualdades a todos los niveles, y porque se
ras estatales en los países de Centro, y de los acerca el momento en que sea imposible
débiles mimbres que aún apuntalan muchos mantener el crecimiento económico continuo
Estados de la Periferia. Lo cual derivaría en en que su funcionamiento se basa. De hecho,
una agudización sin precedentes de las hay una tendencia a la baja del crecimiento
tensiones y conflictos anteriormente menci- de las economías nacionales y la economía
onados, y una muy probable incapacidad de mundial. No sólo porque ya quedan cada vez
las estructuras de poder económico, político e menos territorios y esferas de la actividad
ideológico para gestionar la ingobernabilidad humana por someter a la lógica mercantil,
que todo ello acarrearía, al menos en su diseño con lo cual, se quiera o no, antes o después,
actual. se frenará el crecimiento económico. Sino
porque, principalmente, ya estamos
sobrepasando los límites ecológicos a
escala planetaria, y ello está derivan-
Se produce no para satisfacer las necesida- do en la destrucción (y alteración) de
des básicas de la población mundial, sino la base material en la que se asienta
este modelo depredador. "La eviden-
para la demanda siempre en ascenso, hasta cia de esto puede observarse en las

ahora, de unos 500 millones de personas en masas forestales que desaparecen,


la expansión de la erosión y el dete-
el mundo. rioro de los suelos (y por consigui-
ente la disminución del suelo fér-
2 M á s a l l á d e l me r c a d o , til), el agotamiento de los recursos
d e l e st ad o y d e l d e sar r o l l o hídricos, el colapso de los recursos pesqueros,
De cualquier forma, haya o no haya crack, las temperaturas en ascenso, la fusión de los
opción seguramente más probable a corto glaciares, la muerte de los arrecifes de coral,
plazo, los límites de todo tipo: económicos, y la creciente desaparición de las especies
sociales, políticos y ecológicos se perfilan cada de plantas y animales (...) Conforme la
vez más claramente en el medio y, por economía global se expande, los ecosistemas
supuesto, largo plazo, como distintos frenos a locales están colapsando a un ritmo que se
la expansión irrefrenable del actual modelo acelera" (Brown, 2000). Mientras el índice Dow
económico y productivo. Se hace imperioso por Jones, de Wall Street, subía de 3000 a
22 principios de los noventa a 11000 en 1999, el
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A r t i go Las pretendidas conquistas del
deterioro ambiental alcanzaba máximos his- Estado del Bienestar fueron
tóricos en el umbral del milenio, haciéndose posibles por el alto crecimiento
patentes los límites ecológicos planetarios.
El Estado, porque su propia esencia se basa económico en esa etapa, que
en la imposición del orden y los intereses de
profundizó los desequilibrios
una minoría sobre la mayoría social. Y si bien
en un momento histórico determinado (du- ecológicos, y por las relaciones
rante los "treinta años gloriosos") la presión
política y social, las características del capi-
de explotación centro-periferia,
talismo de la época, y el marco geoestratégico que se intensificaron también en
mundial, hicieron factible que en los espacios
centrales (solamente) se desarrollara el dicho periodo
llamado "Estado social", esa situación se puede
dar definitivamente por zanjada, sin vuelta
atrás posible. Las pretendidas conquistas del
Estado del Bienestar fueron posibles por el alto "beneficiados", los espacios centrales, es decir
crecimiento económico en esa etapa, que Occidente, y un vasto territorio vampirizado
profundizó los desequilibrios ecológicos, y por por el "desarrollo", las Periferias Sur y Este,
las relaciones de explotación centro-periferia, que nunca podrán salir de su condición
que se intensificaron también en dicho periodo. dependiente (histórica, en el caso del Sur, o
El Estado es una poderosa, costosa, compleja, sobrevenida, en el del Este), pues ésta es la
burocrática, jerarquizada y antidemocrática otra cara, obligada, del "desarrollo" de los
estructura que necesita también del creci- espacios centrales. El mito del "desarrollo" se
miento económico continuo para mantener- desmorona a ojos vista, ya que éste no es sino
se. Y, por consiguiente, la inviabilidad del cre- el sometimiento absoluto de los países peri-
cimiento económico continuo en el futuro, féricos a la lógica del capitalismo global,
socava también su propia capacidad de después de haber sido "liberados" de su
mantenimiento en el porvenir. Además, la subordinación colonial (Sachs, 1996) o del "so-
reestructuración a que le somete el capita- cialismo real". Para acabar con el "subdesar-
lismo globalizado actual, hace aún mucho más rollo" periférico es preciso terminar primero,
difícil cualquier tipo de reforma que le haga o paralelamente, con el "desarrollo" del cen-
caminar hacia la equidad y la sostenibilidad tro. En el barco mundial del "desarrollo" cada
ambiental. Máxime cuando las vías institu- vez viajan menos pasajeros, mientras que los
cionales para llevar a cabo dichas reformas náufragos de éste se agolpan masivamente a
están quedando absolutamente esclerotiza- su alrededor. Los náufragos son sobre todo las
das. A ello se añade que, ni siquiera en el poblaciones de las Periferias, aunque cada vez
Centro, el Estado "está en condiciones de más se les unen sectores crecientes de la
ofrecer seguridad a cambio de pasividad" (En- población de los países centrales. El "desarro-
cyclopedie des Nuisances, 1989). llo" y el "progreso" tan sólo generan un plane-
Y el Desarrollo, porque se ha demostrado ta de náufragos y desarraigados (Latouche,
como un tremendo espejismo, una trampa 1993).
mortal, para los países periféricos. El "desar- El capitalismo global ha extendido el ámbito
rollo", como apuntó Serge Latouche, no es sino de la economía monetaria de forma horizon-
la occidentalización del mundo (Latouche, tal (expansión geográfica) y vertical (distin-
1993). Y en ese proceso hay unos espacios tas facetas de la actividad humana), alcan- 23
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A r t i go
hacia el que se desliza el mo-
delo en su caída no nos arras-
tre inexorablemente, es preci-
so estar preparados para ello.
La progresiva constatación
de la inviabilidad de las opcio-
nes reformistas del capitalis-
mo global realmente existen-
te, es lo que está propiciando
la confluencia de las activida-
des de denuncia, desde pers-
pectivas neokeynesianas 6 y
anticapitalistas, contra la ló-
zando niveles difícilmente imaginables hace gica del mercado mundial y las instituciones
unas décadas. La dependencia del dinero es que lo impulsan. Llama la atención como a lo
hoy en día (casi) absoluta a escala planetaria. largo de los últimos años se han ido decan-
Un dinero que va suprimiendo la naturaleza tando en la lucha contra el FMI, el Banco
social del individuo, y cuya creación y Mundial o la Organización Mundial del Co-
reproducción controlan cada vez más los po- mercio, las opciones más rupturistas que
deres económicos y financieros, sin prácti- ponen el énfasis en la desaparición de estos
camente ningún control político o social. Se organismos, pues va haciéndose patente la
nos ha hecho dependientes del dinero para imposibilidad de su transformación para pro-
acceder a la satisfacción de nuestras necesi- mover la equidad y la sostenibilidad ecológi-
dades básicas y para desarrollar nuestras po- ca. Lo mismo se podría decir respecto de las
tencialidades humanas y de relación social. propuestas (trampa) de un gobierno mundial
Pero al mismo tiempo se hurta a ingentes que pudiera controlar la lógica del capitalis-
cantidades de la población mundial el acceso mo global. Pues si la transformación de las
a este preciado bien, ya sea a través de un actuales estructuras estatales se convierte
trabajo asalariado, o autónomo dependiente, en una tarea casi imposible en el camino
o mediante una prestación del Estado. Hoy en hacia otra sociedad, la posibilidad de que un
día empieza a ser cada vez más la exclusión nuevo entramado institucional planetario, es
social que la explotación económica lo que decir, una especie de gobierno mundial, que
amenaza a la humanidad. Es preciso pues se construyera a partir de éstas y otras es-
salirse del ámbito de la economía monetaria tructuras supraestatales existentes, pudiera
y del mercado, para construir otro tipo de permitir el iniciar la transformación hacia un
sociedad. Además, no queda otra opción. No modelo que promoviera la igualdad, en la
sólo basta con resistir, es preciso empezar a diversidad, lasolidaridad, y el equilibrio con
construir ya, con toda la dificultad que ello el entorno, se convierte en un reto sencilla-
conlleva, otro tipo de sociedad dentro de ésta. mente inimaginable. Sólo será desde fuera
Algo así dicen los zapatistas, al expresar que de la lógica del ciclo de acumulación, desde
no quieren tomar el poder, sino construir un fuera de las estructuras de poder existentes,
mundo nuevo. Pues la sociedad actual tarde o y desde abajo,no desde arriba, como se pueda
temprano lo más probable es que se desmoro- transitar hacia un mundo nuevo, si es que
ne, como de hecho está ocurriendo ya en dis- antes no nos anega el caos social generaliza-
24 tintos lugares del mundo. Y para que el caos do. La hipótesis más probable caso de no
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agroecomar01.p65 24 19/06/01, 16:35


A r t i go
Todas las experiencias de trans-
actuar colectivamente los sujetos sin poder,
dominados, explotados y excluidos. "Los formación alternativa de la
individuos desposeídos no tienen otra salida sociedad al margen del mercado
razonable que la de reinventar la totalidad de
su mundo" (Encyclopedie des Nuisances, y de la lógica patriarcal dominan-
1989).
te, tienen un gran valor como
En este sentido, todas las experiencias de
transformación alternativa de la sociedad semillas y polos de referencia de
(más allá del trabajo asalariado, de nuevas
formas de producción y consumo responsable,
lo que puede llegar a ser una
de formas de vida, de relación interpersonal y transformación a mayor escala
de género, y creación de estructuras comu-
nitarias, de trueque y desarrollo de monedas
locales7 ...) al margen del mercado y de la ló- munitarias, de los nuevos ámbitos de comu-
gica patriarcal dominante, tienen un gran va- nidad, se debe producir principalmente a par-
lor como semillas y polos de referencia de lo tir de lo local. Lo local, que ha sido sometido y
que puede llegar a ser una transformación a desarticulado por el capitalismo global, es
mayor escala. En ese proceso hay que dar una necesario en gran medida restaurarlo ex
enorme importancia a la reconstrucción de novo. Una restauración que posibilite hacer
nuestras mentes, tan colonizadas por el pen- compatible su existencia con el entorno na-
samiento occidental dominante, para recom- tural en el que forzosamente se debe desar-
poner nuestro yo escindido. Rescatando los va- rollar su actividad. La crisis ecológica global
lores humanos, e incorporando, entre otros sólo podrá enfrentarse reconstruyendo lo lo-
valores transformadores, la noción de mesu- cal en consonancia con el medio, incremen-
ra y el concepto de límite, contra el ansia de tando su autonomía y autosuficiencia, en la
dominio, consumo irrefrenable y hedonismo medida de lo posible, y desvinculándose para-
insolidario del mundo occidental. Tarea que lelamente de la dependencia del mercado
no sólo es individual, sino que debe ser sobre mundial. La recuperación del mundo rural (a
todo colectiva o grupal. través de experiencias agroecológicas), y el
Se debe recuperar el espacio colectivo como consiguiente freno (y desmontaje) de lo urba-
lugar de génesis y reflexión, de elaboración no y de la movilidad motorizada, cumplirá un
de pensamiento crítico, de superación de la papel trascendental en esta restauración de
sociedad atomizada, y especialmente como lo local. Recomposición que se debe impulsar
lugar de transformación. Esta reconstrucción a partir de la complejidad del mundo actual,
de los sujetos individuales y colectivos debe recuperando probablemente formas tradicio-
permitir la emancipación de nuestro imagi- nales de relación de la actividad humana con
nario, de tal forma que, al mismo tiempo, el medio, que han demostrado a lo largo de la
potenciemos nuestra capacidad de participa- historia su bajo impacto ambiental. Pero des-
ción y autogestión. Es preciso descolonizar de la perspectiva de una sociedad en la que
nuestro imaginario, individual y colectivo, se ha producido un considerable mestizaje, y
para poder cambiar verdaderamente el mun- cuyos valores urbano-metropolitanos es pre-
do. ciso transformar profundamente, si bien
teniendo en cuenta también las aportaciones
3 La r e c o nst r uc c i ó n d e l o l o c al positivas que en el camino de la liberación
La reconstrucción de las estructuras co- humana se han producido indudablemente en 25
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A r t i go
La reconstrucción de lo local
el ámbito de la ciudad. permitirá ir edificando modelos
La reconstrucción de lo local permitirá ir
productivos y sociales más des-
edificando modelos productivos y sociales más
descentralizados y autónomos, de carácter di- centralizados y autónomos, de
verso y adaptados a las peculiaridades espe-
cíficas de cada lugar y región del planeta. Mo-
carácter diverso y adaptados a las
delos que no necesiten de enormes burocra- peculiaridades específicas de
cias alienadoras (públicas o privadas) para su
gestión, lo que posibilitará ir desmontando y cada lugar y región del planeta.
someter a control popular las actuales
megaestructuras (empresas transnacionales,
grandes instituciones...), así como hacer necesaria la sociedad del género humano para
progresivamente superflua la existencia de ser feliz" (Encyclopedie des Nuisances, 1997).
los Estados. Modelos que utilicen tecnologías Es aquí donde cobra importancia y perspecti-
blandas, de pequeña escala, plurales, adapta- va la necesidad de vincular la transformaci-
das a las necesidades del ser humano y la ón de lo local, con otras luchas de resistencia
naturaleza, y no que estén concebidas para y transformación, locales y globales, para
maximizar el beneficio del capital. Ello per- reforzarse mutuamente. Es preciso mundia-
mitirá la progresiva reapropiación real de los lizar las resistencias, globalizar las luchas,
medios productivos y de las estructuras y los conseguir un contrapoder ciudadano planeta-
procesos de decisión por la población en su rio a la dictadura global del dinero, pues
conjunto. Modelos, también, que no necesiten nuestra resistencia tiene que llegar a ser tan
del crecimiento económico continuo, y del transnacional como el capital. Pero ello se debe
consu mo de energía (no renovab le) en hacer a partir de lo local. Este necesario
ascenso, para sustentarse, lo que permitirá equilibrio entre lo local y lo global, es funda-
restaurar el equilibrio con el medio. Modelos mental para no caer en una falsa realidad vir-
que permitan reducir la tendencia actual a tual de luchas globales, que se convocan a tra-
maximizar la entropía, basando su funciona- vés del ciberespacio, que no están enraizadas
miento en la ú nica fu ente de energía en una verdadera resistencia y transforma-
inagotable: aquella que proviene del sol. En ción local.
este sentido, liquidar el actual sistema En este proceso será necesario profundizar
monetario y financiero internacional, basado en la construcción de redes internacionales
en la lógica del interés compuesto, es un ele- contra el enemigo común: el capitalismo glo-
mento clave para poder digerir el "crecimiento b al, qu e permitan la conflu encia de la
cero" a escala mundial. pluralidad de antagonismos que confrontan las
A nadie se le escapa la enorme dificultad instituciones que lo representan, superando
de estas tareas, pues el funcionamiento del posibles sectarismos. Redes que funcionen
propio sistema impide esta reconstrucción de como verdaderos ecosistemas, altamente
lo local al margen del mercado mundial. Esta interconectadas, y que al mismo tiempo
actividad es en sí misma antagonista con la posibiliten la descentralización y autonomía
lógica dominante. Pero su plasmación podría de las partes, arraigadas y basadas en la
ser una simple fuga personal o colectiva sin diversidad de lo local, que vinculen diferen-
conexión con otros procesos antagonistas y de tes identidades, con vocación de sumar
transformación social. De cualquier forma, voluntades transformadoras, que generen
26 "nadie se puede salvar sólo, (ya que) es confianza mutua y hagan factible el intercam-
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001

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A r t i go
bio enriquecedor y el mestizaje. Su funcio- insensibilicemos ante ésta, y para que nos
namiento debería propiciar la acción directa reagrupemos pasiva y sumisamente, en base
no violenta, la desobediencia civil, el boicot al miedo colectivo, en torno a las estructuras
ciudadano, la desocupación del espacio del de poder, que disponen del monopolio legíti-
poder, como vía principal para la emancipaci- mo de la violencia. Es preciso romper este cír-
ón colectiva. En esta dinámica de confluencia culo infernal, pues en esa dinámica son los
debería quedar claro el rechazo a los integris- sujetos más débiles y desposeídos los que
mos de cualquier naturaleza, que en muchas tienen todo que perder, y porque entrando en
ocasiones enfrentan también el capitalismo esa espiral nunca podrá salir un mundo
global. Así como la denuncia clara de los mo- nuevo.
vimientos de extrema derecha que se oponen, Llama la atención la aparición de diferen-
en ocasiones, a la lógica del mercado mundi- tes tipos de movimientos sociales que a es-
al. Todo ello permitirá la convergencia, en la cala mu ndial cu estionan las distintas
diversidad, contra el pensamiento único del expresiones de violencia que promueve la
capitalismo global, desde una perspectiva sociedad del capitalismo global. Estas dinámi-
liberadora. 8 cas son portadoras, a nuestro entender, de un
Por otro lado, la violencia ha sido el ins- mensaje y u na práctica enormemente
trumento principal al que han recurrido las sugerente. El movimiento de mujeres contra
diferentes estructuras de poder y explotación la violencia en Estados Unidos, que reciente-
a lo largo de la historia para imponer su mente, sin impulso institucional, ha logrado
dominio. Y en la actualidad es la vía que de sacar a la calle a más de un millón de
forma creciente utiliza el mercado, el Estado personas (fundamentalmente mujeres), de-
y el "desarrollo" para establecer su ley, si nunciando la pasividad del Estado y la sociedad
fallan los mecanismos "normales" de subor- ante la proliferación de armas de todo tipo, la
dinación y sumisión. La violencia es también violencia indiscriminada que ello implica, y
el eje común que recorre los distintos los valores que supone. O los movimientos con-
comportamientos desordenados, asociales, tra la brutalidad policial y contra la pena de
que propicia la desintegración y desestructu- muerte en Estados Unidos. El primero, ha
ración, individual y social, que promueve la tenido un amplio seguimiento en los últimos
expansión del capitalismo global. Es el camino tiempos, ante la expansión creciente de la
predilecto que utilizan los antimovimientos barbarie policial. El segundo, a pesar de ser
sociales (fascistas, xenófobos, racistas, más minoritario, está creando, en ocasiones,
integristas...) para impulsar su credo. La for- nuevas expresiones de solidaridad, de gran
ma asimismo en que, en muchas ocasiones, contenido humano, entre familiares de las
se expresa el dominio patriarcal sobre las víctimas de la violencia y los convictos de
mu jeres, y u na componente patológica ejercerla encarcelados. En Europa occidental
asociada a los valores y comportamientos el desarrollo de los movimientos antifascistas,
masculinos. Y es, igualmente, la senda que, antixenófobos y antirracistas ("Ningún ser
de cara al futuro, nos propone el poder para la humano es ilegal", campañas contra la
resolución de los conflictos en ascenso que existencia de fronteras...), también están
provoca el desarrollo del libre mercado mun- poniendo el énfasis, cada vez más, en la críti-
dial. No en vano, es ese uno de los mensajes ca de la violencia de la ultraderecha (y del
hegemónicos que promueven los mass media, Estado) contra las minorías étnicas, los
y todo aquello que compone la realidad virtu- colectivos de inmigrantes y los marginados,
al (p.e., los videojuegos), para que nos en general. 27
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001

agroecomar01.p65 27 19/06/01, 16:35


A r t i go
En la Periferia, se asiste asimismo a la ex- mo global, en sus múltiples expresiones.
pansión de movimientos contra la violencia Profundizar en el conocimiento de las raíces
indiscriminada (y no tan indiscriminada), de la violencia, para no ocultar y desconocer
ante el cáncer que supone su desarrollo ex- sus causas, con el fin de poder enfrentarlas.
ponencial para estas sociedades. Los movimi- Y también repensar las formas de lucha y
entos ciu dadanos contra el au ge de la liberación que todavía utilizan la vía armada
violencia en Colombia, o en distintas ciuda- como medio principal de oposición a la lógica
des en Brasil, denunciando la connivencia dominante. Las vanguardias armadas se han
entre las estructuras policiales, las mafias y ido demostrando, en general, como un meca-
los grupos paramilitares, son un buen ejemplo nismo que tiende a imponer la lógica militar
de ello. En distintos lugares del mundo, en el en su confrontación con el poder, supeditando
Centro y en la Periferia, se producen también a los movimientos sociales a dicha lógica, y
movimientos contra el nuevo auge del mili- reforzando en muchas ocasiones a las propias
tarismo, del armamentismo y la proliferación estructuras estatales que dicen combatir, por
de conflictos bélicos. Y en muchas partes se la legitimación de la violencia estructural del
va creando, poco a poco, un estado de opinión Estado que inducen. Sobre todo en un mundo
acerca de la necesidad de actuar contra la donde el control de los mass media está abso-
violencia en ascenso que sufren las mujeres lutamente en manos del poder. Otra cosa es
en todos los ámbitos de la sociedad, y en es- contemplar la necesidad de la autodefensa,
pecial en el mundo invisible del hogar. Así ante la creciente violencia estructural. En
como se constata la aparición de distintos este sentido, es ilustrativo el contenido de
movimientos de solidaridad con los presos, las resistencia de la guerrilla zapatista, el EZLN,
principales víctimas de la violencia institu- y su disposición a actuar no como vanguardia
cional de este orden mundial injusto, que se iluminada separada de la sociedad, sino, como
van hacinando de forma imparable, en ellos mismos dicen, a mandar obedeciendo.
condiciones infrahumanas, en las prisiones Una concepción radicalmente distinta a la que
del planeta. ha predominado hasta ahora en los movimi-
Hoy, más que nunca, es preciso impulsar entos armados.
una reflexión crítica sobre lo que significa la Pero indudablemente todas estas ansias de
violencia estructural del mundo del capitalis- liberación humana son todavía más o menos
minorita ria s , y la
población mundial en
su conjunto se encu-
entra enclaustrada
en la jaula de hierro
del capitalismo glo-
bal. Sin siquiera te-
ner la capacidad de
imaginar qu e otro
mundo es posible.
Quizás cuando se ha-
ga (aún más) paten-
te, de forma genera-
lizada, que este mo-
28 delo no tiene futuro,
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001

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o que el (quizás poco) que tiene es aterrador, para ofrecer una idea de futuro, al tiempo que
puedan liberarse nuevas energías de trans- nos incita a no pensar. "La tan cacareada
formación, que lleguen a sectores más modernidad ha dejado atrás hace tiempo su
amplios de población. Tal vez, "el fin de impulso ascendente y creador para entrar en
cualquier posibilidad de identificación con el un ciclo declinante y nihilista" (Saña, 1994).
progreso económico determine una ruptura La agonía de esta "civilización" hace tiempo
histórica cuya eficacia desmoralizadora ya que está en marcha. Y, a pesar de su
hemos probado, pero cuyos efectos beneficio- arrogancia, sabe (internamente) que su co-
sos están por llegar" (Encyclopedie des lapso se puede producir "de la noche a la
Nuisances, 1989). Será entonces, a lo mejor, mañana", como le acontenció al bloque del
cuando la sociedad se pueda desembarazar del Este, hace algo más de una década, aquejado
encefalograma plano en el que parece que le por un cúmulo de contradicciones internas, y
ha sumido la dictadura de la imagen de la presionado también desde Occidente. Las
Aldea Global, y pueda volver a pensar y soñar. contradicciones y límites a los que se debe
Abandonando su cómoda pero alienante enfrentar el capitalismo global, conforme pasa
instalación en la realidad virtual, para recons- el tiempo, para evitar su colapso, son de igual
truir sus conciencias y subjetividades, con el o superior magnitud. Pero en esta ocasión,
fin de volver a la (dura) realidad para intentar en contraste con lo que ocurrió en la caída
cambiarla. del imperio romano, "los bárbaros" saldrán de
Lo cual permitirá acentuar la ruptura de dentro, pues ya no hay un "afuera" (Negri y
esta imagen especular, hasta hace poco sin Hardt, 2000).
réplica, de la que se había dotado el capitalis-
mo global, profundizando en la brecha que los 4 La me t r ó p o li s co mo e sp aci o d e
movimientos antagonistas de fin de siglo ya l a c r i si s g l o b a l
han abierto (Seattle, Washington, Melbourne, Esos posibles escenarios de crisis global,
Praga...) y están en trance de ensanchar. Será que repetimos que ya, de una forma u otra,
en ese momento, cuando las falsas bellezas se están dando, se manifestarán prioritaria-
virtuales de la postmodernidad se vean con- mente en las metrópolis. Pues las metrópolis
frontadas, en toda su crudeza, con las son las "catedrales" del mercado mundial, del
verdaderas miserias reales que están al otro "desarrollo" y de la actuación del Estado. Si
lado del espejo, desenmascarándose brusca- los tres fallan como resultado de la crisis del
mente "el presente como la culminación de capitalismo global, será en ellas donde prin-
los tiempos" (Subcomandante Marcos, 2000). cipalmente se manifieste la quiebra de este
Hace poco, en un acto quizás premonitorio, modelo. Las metrópolis se convertirán, pues,
el anuncio de una multinacional nos alertaba en los espacios "privilegiados" de la crisis del
que "el futuro es una idea vieja, (y que había) capitalismo global 9. Algo similar ocurrió con
que inventar el presente", con el fin de que Roma, una ciudad en torno a un millón de
pudiésemos disfrutar de "este falso presente, habitantes previa al colapso del imperio, y que
desembarazado de futuro, viejo horizonte de en pocos años disminuyó bruscamente su
las existencias serenas de antaño" (Encyclo- población cuando éste quebró. Iniciándose un
pedie des Nuisances, 1997). El "presente per- proceso de ruralización que duraría casi mil
petuo" (junto con la pérdida de la memoria años. Pero hoy en día no hay una Roma, hay
histórica) en el que parece que se ha instala- bastante más de trescientas ciudades en el
do la sociedad del capitalismo global, es un mundo que sobrepasan el millón de habitan-
buen indicador de la incapacidad del sistema tes, muchas de ellas alcanzan ya los diez 29
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millones, y algunas pocas se sitúan en el en- más difícil, si cabe, que transformar la
torno de los veinte millones (Naciones Uni- realidad actual de una manera consciente.
das, 1996)10. Sería pues preciso poder conducir De cualquier forma, pasaron los tiempos de
consciente, colectiva y ordenadamente este la visión optimista en el devenir de la historia.
proceso, que muy probablemente se dé, antes Se acabaron las épocas del mesianismo, de
o después, pues este modelo es sencillamen- los sujetos objetivamente revolucionarios que
te insostenible, con el fin de que los "costes" se ven impelidos a cumplir una misión histó-
sociales y ambientales sean lo más reducidos rica. Sólo desde una visión profundamente
posibles. Si no, lo hará posiblemente la pesimista del devenir de la humanidad, es
Historia con unas consecuencias difíciles decir, conscientes de las enormes dificultades
imaginar (Fernández Durán, 1993). que habrá que encarar en el futuro, pero
Pero no somos optimistas. La crisis del ca- también teniendo en cuenta con el ansia de
vivir, será posible construir un mun-
do nuevo.
Las metrópolis son las "catedrales" del El pensamiento único se está
mercado mundial, del "desarrollo" y de la viendo obligado cada vez más a
justificarse y hacer frente a la cre-
actuación del Estado. Ellas se convertirán, ciente ingobernabilidad (y antago-
pues, en los espacios "privilegiados" de la nismo) que el capitalismo global pro-
voca. El viento parece que ya no le
crisis del capitalismo global. sopla de cola. Otra cosa es que nos
sople a nosotros.
Todavía el viento es racheado
pitalismo global podría precipitarlo directa- (quizás durante bastante tiempo) y nos azota
mente hacia el caos, donde predominaría la directamente en la cara. Y el parte meteoro-
ley del más fuerte, y donde el ser humano se lógico apunta a la aparición de fuertes bor-
convertiría en un lobo para con otros congé- rascas y a una aguda caída de las temperatu-
neres. Sería pues conveniente no llegar a ese ras. Es preciso pues agruparse, solidariamen-
punto de bifurcación, porque salir de él, en el te, para resistir el frío y darnos calor, espe-
corto o medio plazo, constituiría una tarea aún rando a que lleguen nuevas primaveras. A A

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A r t i go
5 Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s

BEAUCHARD, Jacques: O u Va la Ville. "Actions Civiliza ciones. Bar cel o n a: Paidós 1997.
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montañas del sureste mexicano. México, abril,
H U N TIN G TO N , Sa m u el P. : Ch o q u e de 2000.

No t as
1
Japón, junto con otros países de la OCDE de oferta, provocando un probable brusco
(Nueva Zelanda, Australia...) de la cuenca del encarecimiento del crudo. "No es imaginable la
Pacífico, quedan bajo otros esquemas de sustitución en el tiempo que queda, del
"protección" y acción militar, en conjunción con transporte aéreo, marítimo o terrestre, o de la
Estados Unidos, que no alcanzan ni de lejos el agricultura mecanizada, por las energías eólica,
papel preeminente de la OTAN. solar nuclear que sólo producen electricidad
2
Piden acceso a los mercados del Centro, (Prieto, 2000).
4
recursos financieros y tecnología barata, el 0,7% En gran medida a costa de la pequeña y
del PIB de los países del Norte para ayuda al mediana actividad productiva, y de introducir
"desarrollo", reducción de la deuda externa, no en la esfera de la economía monetaria
inclusión de ningún tipo de normativa social, actividades hasta ahora al margen del mercado.
5
ambiental, laboral mínima mundial de obligado Q ue mantienen sus ahorros en divisas
cumplimiento, etc. (El País, 11.4.2000). fuertes, y en m uchos casos en acti vos e
3
En algún momento entre el 2004 y el 2010 instituciones financieras fuera de sus países, al
se alcanzará el pico máximo de producción, a abrigo de sacudidas financieras en relación con
partir de ese momento la producción decaerá. sus monedas respectivas.
La demanda entonces superará a la capacidad 6
Imposibles de materializar hoy debido a la
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A r t i go
No t as
lógica actual del capitalismo global. (PGA, 2000)
7 9
Experiencias de trueque y creación Signos de ello no faltan. Quizás, uno de los
autónoma de monedas locales, que permitan más paradigmáticos, por su magnitud, fueron
satisfacer las necesidades humanas básicas y las revueltas sociales en Los Ángeles en 1992.
desarrollar las potencialidades humanas, Pero continuamente asistimos a crisis, estallidos
individuales y colectivas, al m argen de la sociales y revueltas en las metrópolis, del Centro,
dictadura que implica las formas de creación del Sur y del Este, que nos indican que las
de dinero y acceso al mismo. Vía necesaria para metrópolis se transforman en espacios del
una gran parte de la población dependiente que desorden, crecientemente ingobernables. Es
va quedando al margen de la economía decir, en los lugares de máxima entropía social.
10
monetaria del capitalismo global, y para aquella La globalización económica acelera los
que decida voluntariamente salirse de su procesos de urbanización a escala planetaria,
dinámica. Este será uno de los caminos para la cuya intensificación se inició con la revolución
reconstrucción de las economías locales, bajo industrial, alcanzando ya a la mitad de una
criterios sociales y medioambientales, decididos población mundial (de seis mil millones de
autónoma y colectivamente, fuera de la lógica personas) en pleno proceso de explosión
excluyente y depredadora del mercado mundial. demográfica (en el Sur). Este porcentaje era del
8
Gran parte de estos planteamientos son los 3% a principios del siglo XIX, del 15% a comienzos
que inspiran el funcionamiento de la red AGP del XX y del 33% en 1950 (Beauchard, 1993).

32
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ATlternativa
ecnológica

Produção de semente própria


de milho variedade
Um dos problemas enfrentados pelo peque- O q ue é p r e ci so p ar a p r o d uzi r
no agricultor que planta milho é o alto custo se me nt e d e mi l ho v ar i e d ad e
das sementes, principalmente de cultivares
híbridas. Uma das formas de diminuir esse Para produzir a semente própria de milho
custo e evitar a compra de sementes de mi- variedade é necessário manter a variedade
lho todos os anos é a produção de milho varie- pura. Na hora de plantar o milho variedade,
dade. Desta forma, o agricultor poderá redu- devemos nos certificar de que, durante a sua
zir a dependência de insumos adquiridos fora floração não ocorra o cruzamento do pólen de
da propriedade, o que constitui um dos objeti- outras cultivares próximas. Isso se consegue
vos do enfoque agroecológico. através de uma das seguintes maneiras (ou
as duas juntas).
O q ue é mi lho vari e d ad e
É um milho cuja semente não é resultado a) Isolando a lavoura de milho no espaço:
de um cruzamento de duas outras linhagens A área destinada para a produção de se-
ou variedades, isto é, não é uma semente hí- mentes deve ser plantada a uma distância
brida. Em condições ideais de produção (ferti- mínima de 500 metros de outras lavouras de
lidade do solo, regime de chuvas, temperatu- milho, caso o pendoamento dessas lavouras
ra, etc), as cultivares híbridas podem produ- ocorra na mesma época;
zir mais que o milho variedade, mas quando
não ocorrem essas condições ideais, o milho b) Isolando a lavoura no tempo:
variedade pode produzir tão bem ou até me- Caso não seja possível manter essa distân-
lhor que o híbrido. cia mínima de outras lavouras de milho, a 33
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ATlternativa
ecnológica

variedade que escolhemos


para a produção de semen-
te, é desejável que, no mo-
mento da colheita, se pro-
ceda uma seleção das me-
lhores fileiras ou, se pos-
sível, das plantas com as
melhores espigas. Assim,
maiores serão as chances
de obter plantas com carac-
terísticas parecidas.

A l g uns e x e mp l o s
d e mi lho vari e d ad e
opção é realizar o plantio em diferentes épo- Existem variedades de milho tradicionais
cas, de maneira que se garanta um período conhecidas de muitos agricultores (por exem-
de aproximadamente um mês de diferença en- plo, caiano, cunha, dente-de-cão, palha roxa,
tre as épocas da floração do milho para se- etc), e outras que são resultado do melhora-
mente e do que está próximo deste. mento da pesquisa. Entre estas últimas cita-
Vale observar que o isolamento no espaço
mos a BR S Planalto, BR S Sol da Manhã, BR S
ou no tempo da lavoura de milho-semente so- 4150, BR 106, BR 451 QPM, BR 473 QPM, BR
mente é necessário se as variedades em tor- 5202 Pampa, AL 25, AL 30, AL 34, AL Mamdur,
no da área forem diferentes. Assim, uma al- FUNDACEP 34, FUNDACEP 35 e a RS 21
ternativa interessante é reservar a área cen- (lançada pela FEPAGRO no ano passado).
tral da lavoura para produzir sementes, pois
as plantas que estão em volta já funcionam
como uma barreira para evitar a mistura de Responsáveis técnicos:
pólen com outras variedades. Eng. Agr. Gervásio Paulus - Assessor Especial da
Diretoria da EMATER/RS.
Se l e ç ã o d e se me nt e s Eng. Agr. Dulphe Pinheiro Machado Neto - Chefe da
Uma vez garantida a não-contaminação da Divisão Técnica (DIT) da EMATER/RS.

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A r t i go
Uma estratégia de sustentabilidade
a partir da Agroecologia*

G u zm á n , Ed u a r d o S e v illa * * e da globalização econômica, assim como aos


cânones da ciência convencional, cuja crise
epistemológica está dando lugar a uma nova
Resumo epistemologia, participativa e de caráter polí-
O presente artigo é uma reflexão, a partir tico. Ao contrário da ciência convencional, que
da Agroecologia, a respeito da emergente éti- utiliza uma forma de conhecimento atomista,
ca ecológica e sociocultural, que nos leva a mecânica, universal e monista, a Agroecolo-
repensar os estilos de desenvolvimento rural, gia, respeitando a diversidade ecológica e so-
dentro de uma perspectiva de sustentabilida- ciocultural e, portanto, outras formas de co-
de. O texto é parte de um trabalho maior, em nhecimento, propugna pela necessidade de
que o enfoque agroecológico é apresentado gerar um conhecimento holístico, sistêmico,
como contraponto à lógica do neoliberalismo contextualizador, subjetivo e pluralista, nas-
cido a partir das culturas locais. Neste senti-
do, o artigo procura destacar aspectos em que
* Texto traduzido e adaptado por Francisco Roberto
a Agroecologia, como um novo campo de estu-
Caporal, mediante autorização do autor. Trata-se de
dos, pode contribuir para o desenho de estra-
parte do texto original intitulado Ética Ambiental y
tégias de desenvolvimento rural sustentável,
Agroecología: elementos para una estrategia de susten-
enfatizando alguns elementos que podem ser-
tabilidad contra el neoliberalismo y la globalización
económica. Sevilla Guzmán, E., ISEC - Universidad de vir como orientadores para a ação. Ademais,
Córdoba, España, 1999, 30p. (mimeo). se desenvolve uma reflexão sobre a importân-
* * O autor é Doutor em Sociologia, Professor Catedrá- cia do desenvolvimento local ou endógeno,
tico e Diretor do Instituto de Sociología y Estudios destacando a necessidade de construção e
Campesinos - ISEC, da Escuela Superior de Ingenieros reconstrução do conhecimento local, como
Agrónomos y de Montes - ETSIAM, Universidad de estratégia básica para processos de transição
Córdoba, España. agroecológica.
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Palavras-chave: tanto das relações entre as pessoas como das
Agroecologia, desenvolvimento rural susten- pessoas com os recursos naturais. Tais for-
tável, sustentabilidade, conhecimento local. mas de resistência constituem as respostas
locais a uma generalizada agressão sociocul-
1 I mp a c t o s e r e si st ê nc i a s tural, manifestando-se através de uma gran-
O pensamento científico convencional, de quantidade de elementos específicos de
através do conceito de desenvolvimento, defi- cada etnoecossistema. Dito em outras pala-
niu como o "progresso" para as zonas rurais a vras, nasciam as respostas endógenas,
sua homogeneização sociocultural e, com isso, surgidas a partir da própria cultura local.
levou à erosão do conhecimento local, que foi
desenvolvido e apropriado mediante a intera- 2 Um o ut ro e nf o q ue d e
ção entre os homens e a natureza, em cada d e se nv o l v i me nt o , a p a r t i r
específico ecossistema. Esta erosão aconte- d a A g r o e co l o g i a
ceu através de um processo de imposição pau- O conceito de desenvolvimento rural que
latina das pautas de relações econômicas, aqui estamos propondo, amparado nos princí-
sociais, políticas e ideológicas vinculadas à pios da Agroecologia, se baseia no descobri-
"modernização", definida e entendida como tal mento e na sistematização, análise e poten-
a partir da identidade sociocultural ocidental. cialização dos elementos de resistência locais
Diante desta imposição e invasão cultural, frente ao processo de modernização, para,
as culturas locais reagiram de diferentes através deles, desenhar, de forma participa-
maneiras, ainda que, em geral, a estrutura tiva, estratégias de desenvolvimento defini-
de poder estabelecida neste processo e guia- das a partir da própria identidade local do et-
da pela lógica do lucro e do mercado tenha noecossistema concreto em que se inserem.
causado a submissão (primeiro formalmente A Agroecologia, que propõe o desenho de
e, mais tarde, em muitos casos, de forma real) métodos de desenvolvimento endógeno para
dos elementos especificamente locais relaci- o manejo ecológico dos recursos naturais,
onados aos recursos naturais de cada etnoe- necessita utilizar, na maior medida possível,
cossistema, a esta outra lógica. Assim, o modo os elementos de resistência específicos de
industrial de uso dos recursos naturais foi cada identidade local. Em nossa opinião, a
substituindo as formas de manejo (campone- maneira mais eficaz para realizar esta tarefa
sas) tradicionais, vinculadas às culturas lo- consiste em potencializar as formas de ação
cais, de maneira que o contexto social, tec- social coletiva, pois estas possuem um poten-
nológico e administrativo, como nova forma cial endógeno transformador. Portanto, não se
de gestão, atu ou como mecanismo trata de levar soluções prontas para a comuni-
homogeneizador que implementou, de forma dade, mas de detectar aquelas que existem lo-
paulatina, um modo de vida "moderno", hostil calmente e "acompanhar" e animar os proces-
e dissolvente das formas de relação comuni- sos de transformação existentes em uma di-
tária existentes nas comunidades rurais, nâmica participativa. Este é o núcleo central
onde os valores de uso sempre prevaleciam de nossa proposição teórica e metodológica. 1
sobre os valores de troca. Assim, a ferramenta central de nossa aná-
Não obstante, apesar da persistência des- lise é a agricultura participativa, que trata
te processo de modernização, as comunida- de gerar elementos para o desenho de méto-
des locais geraram múltiplos mecanismos de dos de desenvolvimento endógeno, a partir do
resistência para sobreviver a um contexto for- contexto e com base nos princípios da Agroe-

36 temente hostil à natureza de suas relações, cologia. Através da agricultura participativa,

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A ferramenta central de nossa
pretendemos o desenvolvimento participativo análise é a agricultura
de tecnologias agrícolas, como orientação que
participativa, que trata de gerar
permite fortalecer a capacidade local de expe-
rimentação e inovação dos próprios agriculto- elementos para o desenho de
res, com os recursos naturais específicos de
métodos de desenvolvimento
seu agroecossistema. Se trata, pois, de criar e
avaliar tecnologias autóctones, articuladas endógeno, a partir do contexto e
com tecnologias externas que, mediante o
ensaio e a adaptação, possam ser incorpora- com base nos princípios da
das ao acervo cultural dos saberes e ao siste- Agroecologia
ma de valores próprio de cada comunidade.
Ressalte-se que, apesar de sua crítica à
agronomia convencional desenvolvida em
estações experimentais (que favorece um cul-
tivo específico contra o sistema produtivo em mos que é possível estabelecer a elaboração
sua totalidade; que prioriza o mercado frente de um plano de desenvolvimento sustentável
à reposição de nutrientes; que subestima o para uma zona rural. Vejamos, então, as ca-
conhecimento local, entre outros erros de racterísticas que devem ser levadas em con-
enfoque), a agricultura participativa utiliza ta neste processo.
múltiplas formas de experimentação, mas não
pretende substituir a pesquisa realizada nas a) Integralidade
estações experimentais ou negar a investi- Ainda que o manejo dos recursos naturais,
gação científica. O que pretende é modificá- através da agricultura, da pecuária e da silvi-
la, transformando o núcleo central de poder cultura, seja o elemento inicial para o esta-
que esta detém, baseado na ciência conven- belecimento das estratégias de desenvolvi-
cional, por outro núcleo, agora baseado no co- mento, estas estratégias devem ser aplica-
nhecimento local, porque este responde às das ao conjunto das potencialidades e oportu-
prioridades e capacidades das comunidades nidades de aproveitamento dos distintos re-
rurais, aceitando, ademais, que estas são cursos existentes na comunidade. Desta for-
capazes de desenvolver agroecossistemas efi- ma, deve-se buscar o estabelecimento de ati-
cazes, rentáveis e sustentáveis. vidades econômicas e socioculturais que
Neste sentido, Calatrava (1995) propõe um abranjam a maior parte dos setores econômi-
modelo de desenvolvimento rural ao qual atri- cos necessários para permitir o acesso aos
bui as características de "integral, endógeno meios de vida da população, em busca da me-
e sustentável". Isto é, contra as correntes do- lhoria do bem-estar da comunidade.
minantes na atualidade, aquele autor atribui
a dito modelo um caráter agrícola/agrário e b) Harmonia e equilíbrio
uma natureza ecológica, considerando que Os esquemas de desenvolvimento, gerados
não existe desenvolvimento rural se este não a partir da base material dos recursos natu-
estiver baseado na agricultura e na sua arti- rais do agroecossistema, devem ser realiza-
culação com o sistema sociocultural local, dos buscando-se uma harmonia entre cres-
como suporte para a manutenção dos recur- cimento econômico e manutenção da quali-
sos naturais. Com base neste trabalho, e re- dade do meio ambiente. Deve existir sempre
alizando as modificações oportunas para um equilíbrio entre os sistemas econômico e
adaptá-lo ao enfoque agroecológico, entende- ecológico. Como se depreende do anterior, as 37
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A r t i go
comunidades rurais em questão, do grau
de desenvolvimento da administração lo-
cal, entre outros fatores”.

d) Minimização das externalida-


des negativas nas atividades pro-
dutivas
Este é um tema delicado e que, em geral,
vem determinado pela natureza da dependên-
cia do mercado e dos agentes da circulação.
atividades agrícolas devem ser realizadas Normalmente, os sistemas agroalimentares,
mantendo, também dentro do setor, um cará- através dos insumos de natureza industrial e
ter integral, ou seja, buscando um processo estandartizada, geram uma estrutura de po-
de integração agrossilvopastoril que permita der vinculada às "casas comerciais", na mai-
a manutenção do equilíbrio ecológico. oria dos casos multinacionais (ou vinculadas
a elas) que impõem a lógica do manejo indus-
c) Autonomia de gestão e controle trial dos recursos naturais, introduzindo, com
Os próprios habitantes da zona devem ser isto, as fontes de degradação e determinan-
os responsáveis pela gestão e controle dos ele- do, desta forma, a necessidade de levar a cabo
mentos-chave do processo. Isto não quer di- a internalização das externalidades dentro dos
zer que nossa proposta tenha um caráter já estreitos limites da sustentabilidade. Como
"autárquico", ao contrário, a intervenção pú- é sabido, as externalidades negativas da agri-
blica deve existir em um certo grau dentro do cultura industrializada geram diferentes im-
processo. Entretanto, como mostra a experi- pactos à biosfera: impactos no solo, na atmos-
ência, os processos de desenvolvimento ru- fera, nos recursos hídricos, na biodiversida-
ral, ao longo do tempo, foram impostos pela de, muitas vezes incontroláveis. Por isto, em
intervenção pública, o que não deve ocorrer. nossa proposta de desenvolvimento rural sus-
Tal imposição, muitas vezes, ocorreu de for- tentável joga um papel fundamental o esta-
ma inconsciente por parte da administração, belecimento de redes locais de intercâmbio
já que esta, ao estabelecer as infra-estrutu- de insumos localmente disponíveis, como ele-
ras organizativas necessárias para o estabe- mento de resistência e enfrentamento ao con-
lecimento dos processos, introduzia, também, trole externo exercido pelas empresas comer-
um contexto social, tecnológico e administra- ciais introdutoras dos elementos de natureza
tivo alheio aos mecanismos socioculturais da industrial (o que gera impactos negativos no
comunidade, gerando, com isto, barreiras à manejo dos recursos naturais), tanto na fase
participação local. Como assinala Calatrava de produção como na fase de comercialização.
(1995: 314), "o tema da autonomia, estreitamente A geração de mercados alternativos de insu-
ligado ao problema da intervenção pública nos mos e produtos tem um papel-chave como es-
processos de desenvolvimento rural, é um tema tratégia de resistência.
muito delicado e polêmico, sobre o qual é difícil
estabelecer soluções genéricas, pois a necessi- e) Manutenção e potencialização dos cir-
dade de intervenção pública (na comunidade lo- cuitos curtos
cal) é função das características da zona, do grau Estreitamente vinculada à característica
de desenvolvimento geral da região e do país, antes assinalada, aparece esta, como uma
38 do contexto institucional genérico que afeta às estratégia para manter e potencializar, na
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medida do possível, os mercados locais já que naqueles lugares onde os homens recuperam
os mercados de circuitos curtos permitem a co-evolução com seu ecossistema.
adquirir a experiência e controle na busca de Vale a pena que nos fixemos neste ponto,
mercados regionais e mais amplos. E, somente para considerar a definição que Sidney W.
após o conhecimento da complexidade dos pro- Mintz (1989) apresenta sobre o campesinato
cessos de intercâmbio nos mercados conven- caribenho como "ranura histórica"2 . Este au-
cionais e do estabelecimento de mecanismos tor, mediante uma análise de tipo histórico-
de defesa frente à estrutura de poder carac- antropológica, estudando o manejo dos recur-
terística destes mercados (em geral, vincula- sos naturais de diversas gerações e o siste-
dos à dimensão econômica da globalização), é ma de dominação política em que estas esti-
possível dar-se o passo no sentido de introdu- veram imersas, chegou à conclusão de que,
zir-se em mercados de circuitos mais longos. superados os períodos de tempo em que o con-
Inclusive, quando o debate interno entre as trole colonial europeu manteve os campone-
redes alternativas de comercialização, gera- ses em forma de escravidão, estes começa-
das no nível local, assim o aconselhar, é pos- ram a desenvolver um conhecimento local
sível pensar-se em mercado de exportação de plasmado em formas de manejo agrossilvopas-
natureza solidária. É muito difícil, entretan- toril análogo ao que era realizado em épocas
to, estabelecer uma estratégia de ação gene- anteriores, pelas suas gerações passadas. Isto
ralizada sobre este ponto. O importante, em quer dizer que o homem possui a capacidade
nossa opinião, é assegurar uma tendência a de ler os "indicadores naturais" que lhe são
minimizar a dependência do exterior das co- oferecidos pelo ecossistema e de interpretar
munidades e das redes convencionais de co- as inter-relações da "trama da vida". Isto é,
mercialização. os ciclos climáticos na natureza, junto com
as formas de vida vinculadas a um meio am-
f) Ut iliz ação do conheciment o local v in- biente específico, oferecem, por si só, respos-
culado aos sistemas tradicionais de manejo tas locais de natureza ecológica que são apre-
dos recursos naturais endidas e apropriadas pelo conhecimento lo-
Esta é outra característica central no en- cal. Não é necessária a existência de um
foque agroecológico, já que as "respostas" à manejo camponês ou indígena (produto da
agressão modernizadora surgem, em geral, sabedoria acumulada pela transmissão oral
desta base epistemológica. Dito em outras pa- do conhecimento durante muitas gerações)
lavras, a co-evolução local possui a lógica de para se obter o desenvolvimento de tecnologi-
funcionamento do agroecossistema, naquelas as de natureza ambiental específicas para um
zonas em que o manejo tradicional histórico dado agroecossistema. É a lógica ecológica
mostrou condições de sustentabilidade. So- existente nos ciclos naturais, vinculada a
mos conscientes de que, na maior parte das cada aspecto de natureza, que possibilita a
zonas rurais das "sociedades avançadas" ou geração do conhecimento local. Nos agroecos-
em regiões fortemente impactadas pela lógi- sistemas fortemente artificializados, onde o
ca da modernização, a erosão do conhecimen- manejo tem uma natureza profundamente
to local foi tão forte que parece tremendamen- industrializada, também é possível gerar um
te difícil o "resgate" destes conhecimentos conhecimento local que aporte soluções es-
locais. Não obstante, existe uma contunden- pecíficas para cada realidade. Este conheci-
te evidência empírica que nos mostra a pos- mento oferecerá respostas análogas àquelas
sibilidade de recriação e, inclusive, de inova- que, há séculos atrás, estabeleceram os ha-
ção de tecnologias de natureza ambiental, bitantes da mesma zona, realizando um ma- 39
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nejo ambiental dos recursos naturais. turismo rural. A pluriatividade que propomos
Cremos que a evidência até agora acumu- se baseia mais na complementaridade de ati-
lada nos permite desenhar sistemas de ma- vidades e supõe uma recuperação de práti-
nejo dos recursos naturais de natureza agro- cas ecológica e economicamente sustentá-
ecológica, com base no conhecimento local, veis que historicamente se realizavam na
inclusive naquelas zonas de manejo fortemen- comunidade. Neste sentido, o turismo rural
te industrializado. Os processos de transição (e outras iniciativas semelhantes e deriva-
da agricultura convencional a um manejo das) só é válido no contexto das estruturas
agroecológico são, por conseguinte, suscetíveis associativas existentes na comunidade ru-
de ser realizados, independentemente da zona ral para reforçar seus laços de solidariedade
em que nos encontremos. Como afirma e buscando uma complementaridade de ren-
Calatrava (1995: 315), "Em se tratando de uma das que permita a melhoria do nível de vida
zona de agricultura industrial, inclusive muito dos agricultores.
intensiva, deve-se analisar detidamente seu ní- Todas estas características de um novo
vel de sustentabilidade e tentar, a partir dos pon- estilo de desenvolvimento, acima comenta-
tos de estrangulamento, reconduzir o sistema em das, necessitam ser entendidas a partir do
busca de contextos de sustentabilidade. Isto não conceito de "endógeno", como passamos a
implica, necessariamente, a implantação da agri- abordar a seguir.
cultura ecológica em sentido estrito, senão que a
recondução gradual dos sistemas agrícolas em 3 O e nd ó g e no c o mo c o nst r ução
direção a situações ecologicamente desejáveis"3. so c i a l r e c r i a d o r a d a
he t e r o g e ne i d a d e no me i o r ur a l
g) Pluriatividade, seletividade e comple- Ainda que, etimologicamente, endógeno
mentaridade da renda signifique "nascido desde dentro"4, seu signi-
As estratégias de desenvolvimento rural ficado está distante de ter um caráter estáti-
sustentável, aqui propostas, se baseiam no co, até porque a mudança social não só é ubí-
princípio agroecológico que indica a necessi- qua, senão que, ademais, se produz com gran-
dade de articular os elementos de sustentabi- de intensidade e vigor nas comunidades ru-
lidade existentes nas formas históricas de rais e nos sistemas tradicionais de manejo
manejo, com as novas tecnologias de nature- dos recursos naturais. Nos lugares onde tais
za ambiental. Quer dizer, estão baseadas na sistemas, pela sua durabilidade na história,
geração de uma "modernidade alternativa" provaram ser sustentáveis, a mudança soci-
quanto ao manejo dos recursos naturais. O uso al e a inovação tecnológica são uma constan-
múltiplo do território e o aproveitamento de te, ainda que, na maior parte dos casos, re-
todas as suas potencialidades, mediante a sultam invisíveis aos "olhos urbanos". Como
reutilização da energia e materiais, buscan- deixamos claro quando nos referimos à res-
do a reposição dos elementos deteriorados, posta da Agroecologia, esta articula o tradici-
constitui uma prática histórica mais recen- onal (com sustentabilidade histórica) com o
te, pretende inventar de novo, agora com o novo (tecnologias e processos de natureza
nome de pluriatividade. Entretanto, a prática ambiental). É somente unindo ambas as ca-
real dos programas sobre pluriatividade, no racterísticas que a aplicação dos princípios
contexto das estratégias de desenvolvimento da Agroecologia chega a garantir um risco mí-
rural integrado, se limitou à introdução de nimo de degradação da natureza e da socie-
atividades não-agrícolas no trabalho dos agri- dade produzido pela artificialização dos ecos-
40 cultores, especialmente aquelas vinculadas ao sistemas, por um lado, e pelos mecanismos

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de mercado, por outro. ção de um repertório ecológico e cultural pró-
Levando-se em conta o que antes menci- prio, que não é senão o produto dos intercâm-
onamos, o "endógeno" não pode ser visualizado bios gerados entre o pedaço da natureza (agro-
como algo estático e que rechace o externo. Ao ecossistema) que adquire uma identidade
contrário, o endógeno "digere" o que vem de específica na co-evolução e os contínuos ele-
fora, mediante a adaptação à sua lógica etnoe- mentos externos que dinamizam esta, intro-
cológica e sociocultural de funcionamento. Ou duzindo uma mudança sociocultural e uma
seja, o externo passa a se incorporar ao endó- alteração da sucessão ecológica, retardando-
geno quando tal assimilação respeita a identi- a e simplificando o ecossistema em compa-
dade local e, como parte dela, a autodefinição ração com seu estado pré-agrícola.
de qualidade de vida. Somente quando o exter- Ainda que no ecossistema exista um me-
no não agride as identidades locais é que se nor número de espécies e tipos biológicos, o
produz tal forma de assimilação. legado cu ltu ral introdu zido mediante a
Os mecanismos de assimilação do externo domesticação leva consigo um acervo cultu-
por parte da localidade ocorrem através de ral que, mesmo que simplifique também a
atores locais, os quais incorporam a seus "es- estrutura do solo e a diversidade das distin-
tilos de manejo dos recursos naturais" aque- tas populações vivas, fortalece a circulação de
les elementos externos que não sejam agres- nutrientes, gerando, por sua vez, um mais
sivos ou contrários a sua lógica de funciona- rápido crescimento e uma maior vulnerabili-
mento. É por isto que os processos de moder- dade do sistema. Definitivamente, o homem
nização, como forma de agressão, que impõem artificializa a natureza através da cultura,
uma homogeneidade sociocultural são recha- deixando impressa nela a sua marca (huella)6
çados por aqueles grupos e indivíduos que e introduzindo, deste modo, sua específica
mantêm uma lógica de funcionamento de identidade.
natureza endógena. Em todo caso, as forças Portanto, é falsa a crença generalizada de
sociais existentes na localidade são hetero- que a identidade concreta de uma localidade
gêneas, razão pela qual determinados "esti- é produto de seu isolamento. Ao contrário, as
los de manejo dos recursos naturais" incor- respostas socioculturais e ecológicas, resul-
poram, acriticamente, os elementos moder- tantes da co-evolução, são produtos tanto do
nizantes, vendo-se sujeitos às suas formas de manejo dos recursos naturais, como das ex-
erosão ecológica e cultural. Portanto, para plicações que dada cultura atribui aos resul-
entender cabalmente "o endógeno", é neces- tados obtidos. Quando as respostas são ade-
sário compreender o que aqui denominamos quadas à localidade (comunidade) e a suas
"estilos de manejo dos recursos naturais"5. condições concretas e específicas, se produz
Assim, utilizamos o conceito de estilos de a geração de um potencial endógeno, eviden-
manejo dos recursos naturais, com referên- ciando as próprias possibilidades e limitações.
cia ao espaço sociocultural e ecológico que O mais relevante das respostas socioculturais
existe entre o homem e os recursos naturais, e ecológicas geradas a partir do local são os
gerado como conseqüência da co-evolução no mecanismos de reprodução e as relações so-
interior de um específico etnoecossistema. ciais que surgem destas respostas. É nos pro-
Significa, pois, aqueles ajustes entre os ele- cessos de trabalho e nas instituições sociais
mentos da biosfera (ar, água, solo e diversi- geradas em torno deles, onde aparece a au-
dade biológica) e a matriz cultural que permi- têntica dimensão do endógeno.
te sua articulação, gerando tecnologias espe- Para finalizar, podemos afirmar que o en-
cíficas e locais. Isto, por sua vez, leva à apari- foque agroecológico pretende ativar este po- 41
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tencial endógeno, gerando processos que consistente definição oficial de sustentabili-
dêem lugar a novas respostas e/ou façam dade que leva a crer que a repetição e o apro-
surgir as velhas (se estas são sustentáveis). fundamento dos processos de difusão de ino-
O mecanismo de trabalho, através do qual se vações, em sua vertente mais moderna, de-
obtém esta ativação, é constituído pelo forta- nominada intensificação verde, podem trazer
lecimento dos marcos de ação das forças so- a solução para os descaminhos do desenvol-
ciais internas à comunidade local. É assim vimento convencional. Por isto, é importante
que se realiza a apropriação, por parte dos ato- precisar aqui o que é o "sustentável" sob o
res locais, daqueles elementos de seu entor- ponto de vista da Agroecologia, para evitarmos
no (tanto genuinamente locais, como generi- as armadilhas da sustentabilidade presente
camente exteriores) que permitem a que es- no discurso ecotecnocrático8.
tes atores estabeleçam "novos cursos de ação". O fazemos tomando como base os ensina-
mentos de Gliessman (1990), que afirma que
a sustentabilidade não é um conceito absolu-
to, mas, ao contrário, só existe mediante con-
Para finalizar, podemos afirmar textos gerados como articulação de um con-
que o enfoque agroecológico junto de elementos que permitem a perdura-
bilidade no tempo dos mecanismos de repro-
pretende ativar este potencial dução social e ecológica de um etnoecossis-
endógeno, gerando processos tema. Assim, os contextos de sustentabilida-
de, que buscamos através da Agroecologia,
que dêem lugar a novas respostas devem ser construídos a partir de ações que
tenham em conta, entre outros, os seguintes
e/ou façam surgir as velhas (se
elementos:
estas são sustentáveis) a) a ruptura das formas de dependência que
põem em perigo os mecanismos de reprodu-
ção, sejam de natureza ecológica, socioeco-
4 Co mo c o nc l usã o : a nômica e/ou política;
sust e nt a b i l i d a d e no e nf o q ue b) a utilização daqueles recursos que per-
d a A g r o e co l o g i a mitam que os ciclos de materiais e de ener-
Para a Agroecologia, o desenho de modelos gia existentes no agroecossistema sejam o
agrícolas/agrários alternativos, de natureza mais fechados possível;
ecológica, constitui-se no elemento median- c) a utilização dos impactos benéficos que
te o qual se pretende gerar estratégias de de- se derivam dos ambientes ecológico, econô-
senvolvimento sustentável, utilizando como mico, social e político, existentes nos diferen-
núcleo central o conhecimento local e as "pe- tes níveis, desde a propriedade até a socieda-
gadas"7 que, através da história, este gerou de maior;
nos agroecossistemas, produzindo ajustes e d) a não-alteração substantiva do meio am-
soluções tecnológicas específicas de cada lu- biente quando tais mudanças, através da
gar, isto é, gerando, criando e/ou recriando o trama da vida, podem significar transforma-
endógeno. Entretanto, como sabemos, a arti- ções significativas nos fluxos de materiais e
culação transnacional dos Estados, através energia que permitem o funcionamento do
dos organismos internacionais, gerou um fal- ecossistema. Isto significa a necessidade de
so discurso ambiental, estabelecendo uma in- tolerância ou aceitação de condições biofísi-
42 cas, em muitos casos, adversas;
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e) o estabelecimen- tentabilidade, devem
to dos mecanismos
Novas estratégias de ação, garantir o incremento
bióticos de regeneração orientadas para a construção de da biodiversidade e da
dos materiais deterio- diversidade cultural,
rados, para permitir a contextos de sustentabilidade, minimizando, ao mes-
manutenção, a longo devem garantir o incremento da mo tempo, as depen-
prazo, das capacidades dências às quais os
produtivas dos agroe- biodiversidade e da diversidade etnoecossistemas es-
cossistemas; tão submetidos. No que
cultural, minimizando, ao mesmo
f) a valorização, re- diz respeito às formas
cuperação e/ou criação tempo, as dependências às quais de relação com os re-
de conhecimentos lo- cursos naturais, estas
cais, para sua utiliza-
os etnoecossistemas estão devem atender não so-
ção como elementos de submetidos mente à utilização dos
criatividade, que me- mesmos, mas também
lhorem o nível de vida a sua conservação, em-
da população, definido a pregando, para isto, tec-
partir de sua identidade local; nologias respeitosas para com o meio ambi-
g) o estabelecimento de circuitos curtos ente. Ademais, as intervenções externas de-
para o consumo de mercadorias que permi- vem garantir a abertura de espaços na admi-
tam uma melhoria da qualidade de vida da nistração que permitam a efetiva participa-
população local e uma progressiva expansão ção dos atores locais.
espacial do comércio, segundo os acordos par- Por fim, a Agroecologia, como enfoque ci-
ticipativos alcançados pela sua forma de ação entífico que promove o desenvolvimento ru-
social coletiva; e finalmente, ral sustentável, está assentada na busca e
h) a potencialização da diversidade local, identificação do local e sua identidade para, a
tanto biológica como sociocultural. partir daí, recriar a heterogeneidade do meio
Assim, novas estratégias de ação, orienta- rural, através de diferentes formas de ação
das para a construção de contextos de sus- social coletiva de caráter participativo. AA

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A r t i go
Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r a f i c a s

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44
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A r t i go
No t as
1
Ver Sevilla Guzmán y González de Molina para caracterizar e explicar a heterogeneidade
(1993). "do endógeno". Assim, com o objetivo de tentar
definir as diversas formas específicas de manejo
2
N.T.: No contexto do artigo, ranura histórica dos recursos naturai s exi stentes em um a
se refere a uma fissura ou pequeno espaço comunidade rural, elaboramos há alguns anos
existente nas próprias contradições do sistema (González Molina y Sevilla Guzmán, 1993: 73-
hegemônico. 9) o conceito de "forma social de exploração"
(referente tanto à exploração dos recursos
3
N.T.: Este processo vem sendo tratado na naturais como do trabalho humano). Se trata
EMATER/ RS, a partir do conceito de Transição "da forma específica de relação ou combinação
Agroecológica. entre o trabalho humano, os saberes, os
recursos naturais e os meios de produção, com
4
Ver Ploeg & Long (1994). o objetivo de produzir, distribuir e reproduzir os
5
bens e serviços socialmente necessários para a
A gênese teórica do conceito do "estilo de vida". Ainda que a denominação não tenha sido
cultivar" (Style of Farming) se desenvolveu nos a melhor, o conceito em si mesmo nos permitir
Países Baixos e se deve a E.W. Hofster (1957) e a reelaboração do "estilo de cultivar", como
à Escola de Wageningen sua primeira continuidade teórica.
configuração, tendo cabido a Bruno Benvenuti
6
& Jan Douwe van der Ploeg (Ploeg & Long, 1994) N .T.: A pal avra "huel l a" não tem um a
sua configuração empírica. Tal conceito faz tradução literal para o português que expresse
referência à articulação de: a) o repertório o mesmo significado do castelhano. Ela significa
cultural existente, vinculado a uma forma de as marcas históricas de uma cultura em um dado
manejo; b) a organização específica dos ecossistema.
elementos internos da exploração agrícola 7
concreta; c) o modo de interpretar e modelar as Aqui com o mesmo sentido de huellas ou
relações da propriedade com o mercado e a marcas históricas.
tecnologia; e d) a forma de gestão e a política
8
administrativa da propriedade. Ademais, o Sobre o "discurso ecotecnocrático da
conceito de "estilo de cultivar" possui, em nossa sustentabilidade", ver Alonso Mielgo y Sevilla
opinião, uma grande potencialidade analítica Guzmán (1995).

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TEópico
special

Por um futuro sem contaminantes


orgânicos persistentes

San t am art a, J o s e* Os Contaminantes Orgânicos Persistentes


(COP), POPs em inglês, são substâncias quí-
De 4 a 9 de dezembro tem lugar em Johan- micas extraordinariamente tóxicas e dura-
nesburgo, África do Sul, a 5ª reunião do Comi- douras. As emissões atuais causarão câncer
té Intergubernamental Negociador sobre Conta- e alterações hormonais nos próximos mil
minantes Orgánicos Persistentes (COP). A mai- anos. É necessário e possível deixar de produ-
oria dos COP são compostos organoclorados. A zir este tipo de substância.
química do cloro produz mais de 11 mil com- Entre os COP estão as dioxinas e furanos,
postos organoclorados, a maioria danosos para o DDT e inúmeros agrotóxicos e substâncias
as pessoas, os animais e o meio ambiente em químicas de uso corrente. Os COP são subs-
geral. Foi um erro do desenvolvimento indus- tâncias tóxicas e persistentes, conhecidas
trial, hoje com seus dias contados. como COP, sigla dos Contaminantes Orgâni-
cos Persistentes. A definição completa de um
COP, sem dúvida, é algo mais complexo do que
* O autor é Diretor de World Watch e editor da revista a sigla significa. Além de serem persistentes
World Watch em espanhol. A publicação deste texto (que não se decompõem rapidamente), orgâ-
foi autorizada pelo autor à Revista Agroecologia e nicos (com estrutura molecular baseada no
Desenvolvimento Rural Sustentável. A tradução foi carbono) e contaminantes (no sentido de se-
autorizada e elaborada pelo Engenheiro Agrônomo rem muito tóxicos), os COP têm outras duas
Valdir Secchi, da EMATER/RS. Mais informações propriedades. São solúveis em graxas e, por
podem ser buscadas na página web www.nodo50.org/ conseguinte, se acumulam nos tecidos vivos;
46 worldwatch ou pelo Email worldwatch@nodo50.org e podem se deslocar em grandes distâncias.

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TEópico
special

Estas cinco propriedades juntas os tornam a nós todos. Independentemente de onde vi-
muito perigosos. vemos, provavelmente estaremos contamina-
A aleatoriedade aparente da ameaça se dos por certas quantidades de COP. Estão nos
agrava pelo fato de que a lesão, via de regra, alimentos e na água; provavelmente também
demora em aparecer ou é indireta. Os produ- no ar que respiramos; provavelmente de vez
tos químicos extremamente tóxicos podem em quando entre em contato com nossa pele
esperar seu tempo, envenenando suas víti- se, por exemplo, manipulamos pinturas,
mas de maneiras tais que são muito difíceis dissolventes ou combustíveis.
de se perceber. O benzeno, por exemplo, é um Atualmente, 140 países estão negociando
dissolvente comum. É um ingrediente de al- um tratado para eliminar 12 COP específicos.
gumas tintas, em produtos desengordurados, Esta “dúzia suja” compreende nove agrotóxi-
gasolinas e em vários outros contaminantes cos, um grupo de contaminantes industriais
industriais e comerciais. É cancerígeno e afe- conhecidos como bifenilas policloradas (PCBs),
ta os descendentes de pessoas contaminadas, e dois tipos de subprodutos industriais, as
inclusive os homens, pois a exposição fetal dioxinas e furanos industriais. O tratado se
não é a única maneira pela qual o benzeno chama “Instrumento Legalmente Vinculante
pode envenenar as crianças; também pode para levar a cabo a Ação Internacional em
afetar os cromossomos e prejudicar os genes Certos Contaminantes Orgânicos Persisten-
que seu filho herdará. O benzeno pode preju- tes” e, como seu nome sugere, é um esforço
dicar sem tocar diretamente a criança. louvável, mas tímido. Seus partidários espe-
Os COP são também potentes venenos eco- ram que servirá no futuro como um meca-
lógicos. E, como no corpo humano, seus efei- nismo para eliminar dúzias de outros COP.
tos ecológicos, via de regra, seguem caminhos Mas, ao menos em sua forma atual, não se
tortuosos. Nos EUA, nos anos 60, por exemplo, afronta o problema fundamental. Se quiser-
os biólogos começaram a encontrar evidênci- mos reduzir os riscos do imenso e crescente
as de que o inseticida DDT (diclorodifeniltri- número de produtos químicos sintéticos que
cloretano) e outros produtos químicos simila- estão sendo liberados no ambiente, teremos
res eram perigosos. Mas a evidência não pro- que repensar algumas das noções básicas do
veio dos organismos que haviam absorvido o desenvolvimento industrial.
inseticida diretamente. Veio das águias e fal- Ainda que se desconheça que muitos dos
cões que estavam sofrendo fracassos repro- organoclorados são perigosos, um número
dutivos generalizados. substancial deles apresenta grandes riscos.
Embora os COP sejam tóxicos por defini- Na maioria, esses riscos são o resultado de
ção, seus efeitos à saúde e os impactos ambi- três características comuns. Os organoclora-
entais a longo prazo, em grande parte, são dos são muito estáveis, daí o atrativo de sua
desconhecidos. Mais complexa do que a aná- fabricação, e é por isso também que não nos
lise de um COP individual é a necessidade de livramos deles facilmente. Tendem a ser so-
entender que tipos de interações sinérgicas lúveis nas gorduras, significando que se bio-
são produzidas pela exposição a vários COP acumulam. Muitos têm uma toxicidade crô-
ou a um COP junto com outros produtos quí- nica, significando que, embora a exposição a
micos. A contaminação múltipla é a regra, em curto prazo não seja freqüentemente perigo-
vez da exceção, mas, efetivamente, não se sa, a longo prazo o é. (As razões para a
conhecem seus efeitos. O que sabemos é que toxicidade variam. Alguns organoclorados po-
a maioria dos organismos vivos estão expos- dem imitar substâncias químicas naturais,
tos a uma mistura difusa de COP. E isto afeta como os hormônios, e podem perturbar os pro- 47
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TEópico
special

cessos químicos dos organismos vivos; alguns porém a toxicidade destes continua crescen-
debilitam o sistema imunológico, outros afe- do. As formulações atuais dos agrotóxicos são
tam o desenvolvimento dos órgãos e muitos de 10 a 100 vezes mais tóxicas do que em
promovem o câncer e assim sucessivamen- 1975.
te). Estabilidade, solubilidade em graxas e Hoje, os fabricantes de agrotóxicos querem
toxicidade crônica: o mesmo que os COP. Cer- que seus produtos tenham uma toxicidade
tamente não é necessário que um produto aguda alta e uma toxicidade crônica baixa.
tenha cloro para que seja um COP. Entre os Buscam contaminantes que matem rapida-
COP sem cloro há vários organometais (usa- mente, mas que não permaneçam no campo
dos, por exemplo, em pinturas de barcos) e indefinidamente, como os organoclorados, que
organobrometos (usados como agrotóxicos e com suas toxicidades crônicas substanciais,
como isolantes líquidos em equipamentos elé- já não têm o atrativo universal de antes. Os
tricos). Entretanto, a maioria dos COP conhe- mais novos agrotóxicos provavelmente não
cidos, inclusive a “dúzia suja”, são organoclo- contenham cloro. Isto evidentemente é bom,
rados. mas não o bastante, por duas razões: os agro-
Os agrotóxicos organoclorados são os COP tóxicos que não são organoclorados, às vezes,
mais notórios. Não é surpreendente que os também podem resultar em COP, e quase to-
agrotóxicos sejam dos produtos químicos mais dos os produtos velhos, ainda estão conosco.
perigosos, pois têm sido concebidos para se- Persistem no ambiente e a maioria ainda é
rem tóxicos e são produzidos em grandes quan- usada nos países em desenvolvimento.
tidades. Desde 1945, a produção global de agro- Uma série mais obscura de COP é da famí-
tóxicos tem se multiplicado por 26 (de 0,1 mi- lia de organoclorados que tem sido usada como
lhão de toneladas para 2,7 milhões), apesar isolantes líquidos, como fluidos hidráulicos e
do crescimento ter se rarefeito nos últimos como aditivos em plásticos, pinturas, incluso
15 anos, já que os efeitos à saúde e as preo- em papel decalque sem carbono. Estas são as
cupações ambientais têm inspirado um nú- bifenilas policloradas ou PCBs. Durante dé-
mero crescente de proibições, principalmen- cadas, a estab ilidade extrema, a b aixa
te nos países industrializados. Estas restri- inflamabilidade e a baixa condutividade das
ções têm reduzido a quantidade total de agro- PCBs fizeram-nas o isolante líquido normal
48 tóxicos usados nos países industrializados, nos transformadores. E, considerando que
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TEópico
special

estas são um componente essencial das re- noclorados como o DDT (diclorodifenilcloroe-
des de distribuição de eletricidade, a conta- tano) prejudicam a capacidade reprodutiva de
minação de PCBs é onipresente. Nos países inúmeras aves, as PCBs (bifenilas policlora-
industrializados, foram fabricadas PCBs en- das) afetam todas as espécies de peixes e
tre os anos 20 e finais dos 70; entretanto, são mamíferos marinhos, o Pentaclorofenol (PCP)
fabricadas na Rússia e ainda são usadas em provoca a atrofia da medula óssea, cirrose
muitos países em desenvolvimento. Os cien- hepática e desordens nervosas. As dioxinas
tistas estimam que 70% de todas as PCBs causaram, em 1976, a catástrofe de Seveso
fabricadas ainda estão em uso, ou no meio (escape de 34 a 120 kg de dioxinas na fábrica
ambiente, principalmente nos depósitos de de Hoffman La Roche) e os efeitos tóxicos do
lixo de onde gradualmente vão contaminando agente laranja, usado na Guerra do Vietnã,
os aqüíferos. O Programa das Nações Unidas persistem e continuam matando, 25 anos após
para o Meio Ambiente (PNUMA) recentemen- o término da guerra.
te publicou um guia para ajudar os funcioná- Segundo a OMS, a cada ano ocorrem de 30
rios de países em desenvolvimento a identifi- mil a 40 mil mortes por intoxicação por agro-
car as PCBs. Porém, devido a seus múltiplos tóxicos organoclorados e organofosforados em
usos e os mais de 90 nomes comerciais, só grande parte, e meio milhão de pessoas so-
encontrá-las é uma tarefa ingente e não fa- frem envenenamento por ingestão ou inala-
lamos em eliminá-las. ção. A produção de Lindano deixou uma he-
A maioria dos COP não é produzida inten- rança de 185 mil toneladas de resíduos em
cionalmente, mas são subprodutos, como as Vizcaya e Huesca. Desde a Antártida ao Pólo
dioxinas e furanos, duas classes de COP que Norte, desde o Mar Báltico ou o Mediterrâneo
são resultantes, principalmente, da produção à estratosfera (onde destroem a camada de
de organoclorados, do branqueamento das pas- Ozônio), nenhum rincão do planeta se livra
tas papeleiras e da incineração de resíduos da presença mortal dos mais de 11 mil orga-
sólidos urbanos. Um inventário de emissões, noclorados que são produzidos hoje, compos-
de 1995, realizado pelo PNUMA em 15 países, tos que praticamente não existiam até que
contabilizou cerca de 7 mil quilos de dioxinas nos últimos 80 anos se criou e se expandiu
e furanos emitidos pelos incineradores, que uma nova indústria, a química do cloro.
representavam 69% das emissões totais des- O cloro na natureza está em forma de
sas substâncias, nesses países (sete mil qui- cloretos, retido através de fortes enlaces e,
logramas podem parecer pouco, mas tenha- uma vez livre, é extremamente reativo, ligan-
se em conta que essas substâncias extrema- do-se a átomos de Carbono formando organo-
mente tóxicas são produzidas em quantida- clorados, compostos inexistentes na nature-
des ínfimas). Conhecem-se 210 dioxinas e za, razão pela qual os seres vivos não são ca-
furanos. Entre os subprodutos da fabricação e pazes de decompô-los. Os organoclorados são
uso de organoclorados, é possível que hajam substâncias tóxicas, persistentes e bio-
milhares de COP a descobrir. acumulativas e constituem um grave risco
para as pessoas e para o meio ambiente. Os
Cl o r o organoclorados permanecem no meio ambi-
A química do cloro é a causa de muitos pro- ente dezenas de anos, alguns durante sécu-
blemas ambientais. Gases que contêm cloro, los e, como são muito estáveis e não se dis-
como os Clorofluorcarbonos (CFCs) e os HCFs, solvem em água, acabam por entrar na ca-
destroem o Ozônio estratosférico e são poten- deia trófica, depositando-se nos tecidos graxos
tes gases de efeito estufa, agrotóxicos orga- dos seres vivos. 49
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TEópico
special Os Contaminantes Orgânicos
Persistentes (COP), POPs em inglês,
O cloro e os organoclorados em geral são são substâncias químicas extraordi-
empregados em dissolventes, plásticos como
o PVC, agrotóxicos como o DDT, refrigerantes nariamente tóxicas e duradouras. As
industriais (CFCs), branqueamento do papel
emissões atuais causarão câncer e
e têxteis e tratamento de águas. A indústria
do cloro é a causa da formação das dioxinas alterações hormonais nos próximos
tóxicas, que são os agentes cancerígenos e
teratogênicos mais potentes, com u ma
mil anos. É necessário e possível
toxidade tal que tem sido impossível estabe- deixar de produzir este tipo de
lecer um nível mínimo de exposição, por se-
rem tóxicos em quantidades incrivelmente
substância
baixas. O termo dioxina refere-se a uma fa-
mília de 75 compostos químicos, cuja toxidade
está determinada pela quantidade e posição setembro de 1994, a EPA dos EUA tornou pú-
do cloro; a 2,3,7,8–tetraclorobibenzeno–p– blico, depois de três anos e meio de investi-
dioxina (TCDD) é o composto químico mais tó- gação, um informe de aproximadamente 2 mil
xico de quantos tenham sido sintetizados pelo páginas, no qual se demonstra que as dioxinas
homem. As dioxinas são tão tóxicas por atua- podem provocar câncer e danificar os siste-
rem como se fossem hormônios naturais, mas imunológicos e reprodutivos das pesso-
substâncias muito potentes em pequeníssi- as. O informe atual da EPA é uma ampliação
mas quantidades, pois excitam, inibem ou solicitada pela própria indústria do cloro, que
regulam a atividade de outros órgãos, entre- em 1985 viu-se desagradavelmente surpre-
tanto, ao contrário dos hormônios, a ativida- endida por outro informe da EPA sobre os pos-
de das dioxinas continua indefinidamente du- síveis riscos cancerígenos das dioxinas. A in-
rante anos e anos. As dioxinas atuam dentro cineração de plásticos como o PVC produz
das células do nosso organismo. dioxinas e furanos e o PVC está presente em
O cloro é um gás amarelo-esverdeado, al- todo tipo de resíduos, sejam industriais ou do-
tamente tóxico, de odor penetrante e é mais mésticos. Solvay, ICI e Clorox destinam mui-
pesado do que o ar, e se acumula ao nível do tos milhões de dólares para convencer à opi-
solo. Descoberto por Carl Wilhelm Scheele em nião pública e às administrações sobre o be-
1774, em 1868 foi iniciada a fabricação in- nefício do cloro e do PVC. Um dos objetivos das
dustrial de cloro através do processo idealiza- campanhas de imagens é desacreditar o Gre-
do por Henry Deacon; em 1874 foi descoberto enpeace e outras organizações ecologistas por
o DDT (redescoberto pelo suíço Paul Müller em sua oposição ao PVC e ao cloro em geral.
1939, pelo que recebeu o Prêmio Nobel de Há mais de três décadas, em 1962, Raquel
1948); em 1913 foi patenteado o PVC; quando Carlson havia demonstrado os danos que po-
o mundo entrou na era do cloro, em 22 de abril dem causar os inseticidas organoclorados,
de 1915, quando as tropas alemãs utilizaram como o DDT, e desde então inúmeros pesqui-
o gás cloro contra os britânicos e franceses sadores têm demonstrado os riscos dos com-
em Ypres, Bélgica (a Pátria de Solvay), cau- postos organoclorados bio-acumulativos nos
sando 5 mil baixas e 15 mil intoxicações. seres humanos e na vida selvagem em geral.
Em vários países e em inúmeras cidades A Administração espanhola esperou até 17 de
crescem as iniciativas para eliminar o PVC. fevereiro de 1994 para proibir os agrotóxicos
O PVC cedo ou tarde será proibido, como foi o com cloro, como o DDT, o Aldrin, Dieldrin,
50 DDT, ou mais recentemente, os CFCs. Em
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TEópico
special

Clordano, HCH, Heptacloro ou o Hexacloroben- a produção de CFCs, agrotóxicos, PCBs e ou-


zeno. Ainda hoje o Lindano é vendido livre- tros produtos já proibidos, é uma das causas
mente nas farmácias espanholas para com- que explica o baixo preço do PVC, ao ter-se
bater os piolhos do cabelo das crianças e é uti- convertido este em um autêntico sumidouro
lizado em Murcia e outras zonas agrícolas. para os produtores de cloro-soda. A solução
mais racional seria produzir a soda por ou-
Clo ro - So d a tros meios que não requeiram a produção si-
O cloro não se encontra livre na natureza, multânea de cloro (a tecnologia existe) e dei-
mas combinado em forma de cloretos é um xar de produzir cloro.
elemento abundante e freqüente, retido atra- Na Espanha a cifra máxima de produção
vés de fortes enlaces. A indústria extrai o clo- de cloro foi alcançada em 1989, com 646.210
ro do sal comum (Cloreto de Sódio, NaCl), ao toneladas. Em 1995, foram produzidas 582.037
mesmo tempo que a soda cáustica (Hidróxido toneladas de cloro e o consumo aparente as-
de Sódio) por eletrólise. A água do mar possui cendeu a 580.795 toneladas. Há sete empre-
até 3,5% de NaCl. sas fabricantes. A maior produtora é a
Três são as tecnologias empregadas para multinacional belga Solvay com uma capaci-
fabricar clorados: a de células de mercúrio, dade de produção de 230 mil toneladas dividi-
células de membranas e células de diafrag- das entre as fábricas de Torrelavega (Santan-
mas. As células de mercúrio têm o grave pro- der) e Martorell (Barcelona). A segunda é
blema dos arrastes de mercúrio pelas corren- Energía e Industrias Aragonesas, com uma
tes de Hidrogênio, Cloro, Soda, Salmoura, lo- fábrica em Palos de la Frontera (Huelva) e a
dos e águas residuais. Nas fábricas com célu- terceira é ERCROS com um planta em Flix
las de mercúrio podem-se substituir estas (Tarragona) com capacidade para 120 mil to-
pelas de membranas, com a vantagem de não neladas. ELNOSA tem uma planta capaz de
utilizar mercúrio. A média mundial de emis- produzir 30 mil toneladas anuais em Lourizán
sões, segundo o Banco Mundial, é de 7,5 gra- (Pontevedra), Electroquímica Andaluza tem
mas de mercúrio por tonelada de cloro, cifra uma capacidade de 24 mil toneladas reparti-
que outras fontes elevam até 20 gramas. das entre Vidaseca (Tarragona), Ubeda (Jaén)
A produção mundial de cloro ascende a 40 e Sabiñánigo (Huesca) e Electroquímica de
milhões de toneladas; EUA, com 29,2%, é o Hernani uma capacidade de 10 mil toneladas,
maior produtor. O Japão produz 9%, a Europa em Hernani (Guipúzcoa).
43,4%, Canadá 4,1%, América Latina 5%, Áfri- De 1% a 5% do cloro, segundo países, são
ca 1% e 8,3% corresponde aos países da Ásia, utilizado para potabilizar a água, sendo este
excetuando-se o Japão. As principais multi- um dos poucos usos admissíveis do cloro,
nacionais produtoras de cloro na Europa são embora existam alternativas. Entre as cida-
Solvay, ICI, Dow Benelux, Enimont, Atochem, des européias que já não usam cloro para tra-
Bayer, Hoechst, Akzo e BASF. Os 40% do cloro tar a água estão Amsterdã=, Paris Berlim e
na Europa são destinados à produção de PVC, Munique. A desinfecção da água pode ser re-
26% para a fabricação de agrotóxicos, 10% para alizada com Ozônio, radiação ultravioleta com-
dissolventes (tetracloroetileno, cloreto de binada com água oxigenada e, em geral, com
metila e percloroetileno, entre outros), 6% a prevenção e eliminação da contaminação
para branquear papel e têxteis e o resto a ou- da água.
tros usos, como tratamento de águas (de 2,5%
a 5%) e matérias-primas para a indústria Br a nq ue a me nt o d o p a p e l
química. A redução do consumo de cloro para O branqueamento do papel e têxteis pode 51
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TEópico
special
existem alternativas aos agrotó-
ser realizado sem o emprego de cloro. São
xicos clorados (rotação de cultu-
necessários de 30 a 80 quilos de cloro para
fabricar uma tonelada de pasta Kraft. Cerca ras, controle biológico das pra-
de 10% do cloro empregado no branqueamen-
to acaba reagindo com as moléculas orgâni-
gas, defensivos naturais) e aos
cas da madeira, formando organoclorados, para solventes clorados (métodos
passar aos efluentes da fábrica. As fábricas
espanholas emitem de 3 a 8 quilos de AOX mecânicos, água, dissolventes
(Halógenos Orgânicos Absorvíveis) por tone- naturais)
lada branqueada. Os AOX medem a quantida-
de dos organoclorados presentes nos despejos
finais, mas não sua periculosidade. No pro-
cesso de branqueamento chegam se formar
até 1 mil compostos organoclorados, embora consome 40% do cloro produzido na Europa.
só possam ser identificados cerca de 300. En- Igualmente assistimos a um processo de
tre as alternativas propostas e desenvolvidas deslocalização da fabricação dos produtos mais
no branqueamento com cloro está a desligni- tóxicos, como o dicloro etano (DCE) e o
ficação com Oxigênio, o emprego de água oxi- monocloreto de vinila (MVC), matérias-primas
genada (peróxido de Hidrogênio) ou de enzimas do PVC, até países como o Brasil, México e
naturais e biodegradáveis. Venezuela, e nos últimos anos até os países
Igualmente, existem alternativas aos agro- do Leste Europeu. O transporte de cloro, des-
tóxicos clorados (rotação de culturas, controle de 1980, causou a morte de uma centena de
biológico das pragas, defensivos naturais) e pessoas, deixando dezenas de milhares de
aos solventes clorados (métodos mecânicos, pessoas feridas e centenas de milhares de
água, dissolventes naturais). O dissolvente pessoas tiveram que ser evacuadas, para fu-
percloroetileno, empregado para limpeza a gir aos seus efeitos maléficos.
seco (dry cleaning), é cancerígeno e seu uso O PVC não se biodegrada e sua reciclagem
deve ser evitado a todo custo. As pastilhas para é um mito sem base real, pela grande varie-
desinfetar os vasos sanitários contaminam de dade de produtos com muitos aditivos diferen-
uma maneira desnecessária e irresponsável tes, alguns muito tóxicos, embora se reciclem
com organoclorados as águas residuais. em quantidades irrisórias e a um custo
proibitivo, só por razões de imagem; a indús-
Po l i cl o r e t o d e v i ni l a tria pretende criar a imagem de um material
Ao reduzir-se o consumo de cloro para a ecológico e que pode ser reciclado. Os aditivos
fabricação de produtos perigosos como o DDT, podem conter mais de 50% do peso final e al-
o Lindano, as PCBs e os CFCs que destroem a guns são extremamente tóxicos, como o
camada de Ozônio, o PVC se converteu no cádmio e outros metais pesados. O plástico
sumidouro para os excedentes de cloro. O preço de PVC, utilizado para envolver os alimentos,
do cloro baixou cerca de 35% desde 1986, de- pode chegar a contaminá-los, pela migração
vido à redução da demanda de cloro. É signifi- do plastificador dioctiladipato (DOA). Também,
cativo que as mesmas empresas produtoras as garrafas de PVC para água mineral podem
de cloro, como a Solvay ou Atachem, sejam as apresentar problemas, sobretudo se ficarem
produtoras de PVC; à medida que se fecham abertas e em contato com a radiação solar e,
mercados para o cloro, mais interesse há em além disso, os micróbios podem se reproduzir
52 encontrar novos mercados ao PVC. Hoje, o PVC melhor e mais rapidamente do que nas em-
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TEópico
special

balagens de vidro. Em caso de incêndio, o PVC como vidro, borracha, metal, madeira ou ou-
é um material extremamente perigoso, pois tros plásticos menos tóxicos, com o PET
a fumaça contém cloreto de Hidrogênio, pro- (Polietilenotereftalato), o prolipopileno ou o
dutos organoclorados, furanos e dioxinas. Os polietileno. O PVC passará à triste história
brinquedos de PVC não são nada recomendá- junto ao DDT, PCB, PCT e CFCs. O debate so-
veis para as crianças devido aos perigos dos bre os desreguladores endócrinos e os conta-
plastificadores, como o Di-2-etil-hexilftalato minantes orgânicos persistentes deveria ser-
(DEHP). vir para avançar até uma produção industrial
Quatorze por cento de 1,6 milhão de tone- limpa, na qual o cloro não tenha lugar.
ladas de plásticos que vão ao lixo são incine-
rados. Uma parte dos plásticos que vai ao lixo De sr e g ul a d o r e s e nd ó c r i no s
são PVC, em torno das 290 mil toneladas anu- Um grande número de substâncias quími-
ais e cerca de 50 mil toneladas de PVC são cas artificiais que têm sido despejadas ao meio
incinerados na Espanha. Especialmente gra- ambiente, assim como algumas naturais, têm
ve é a incineração de produtos com PVC nos potencial para perturbar o sistema endócrino
hospitais. A incineração de 1 quilo de PVC pro- dos animais, inclusive os seres humanos.
duz até 50 quilos de dioxinas, quantidade ca- Entre eles encontram-se as substâncias per-
paz de provocar câncer em 50 mil animais de sistentes, bioacumulativas e organo-halóge-
laboratório. A incineração do PVC forma nas que incluem alguns agrotóxicos (fungici-
cloreto de Hidrogênio, substância venenosa e das, herbicidas e inseticidas) e as substânci-
corrosiva, de difícil e dispendiosa eliminação as químicas industriais, outros produtos sin-
e, ao final, sempre restam as cinzas com téticos e alguns metais pesados.
metais pesados e outros aditivos, cinzas que Muitas populações animais têm sido afe-
devem ir parar nos desaguadouros especiais tadas por estas substâncias. Entre as reper-
para resíduos tóxicos e perigosos. cussões figuram a disfunção da tireóide em
A produção mundial de PVC é de aproxima- aves e peixes; a diminuição da fertilidade em
damente 20 milhões de toneladas. Na Euro- aves, peixes, crustáceos e mamíferos; a di-
pa, 8% do PVC é consumido em garrafas de minuição do êxito da incubação em aves, pei-
azeite e água mineral; 17,4%, em filmes e xes e tartarugas; graves deformidades de nas-
lâminas; 27%, em tubagem; 21%, em perfis e cimento em aves, peixes e tartarugas; anor-
mangueiras; 8,4%, em cabos; 5,1%, em solos; malidades metabólicas em aves, peixes e
4,1%, em revestimentos; 0,3%, em discos e mamíferos; anormalidades de comportamen-
7,9%, em outros usos. Na Espanha, em 1995, to em aves; desmasculinização e feminização
o consumo foi de 421.485 toneladas. As em- de peixes, aves e mamíferos machos; desfe-
presas fabricantes são três: Hispavic Indus- minização e masculinização de peixes e aves
trial (filial da Solvay) com uma fábrica com fêmeas; e perigo para os sistemas imunológi-
capacidade para produzir 130 mil toneladas co em aves e mamíferos.
em Martorell (Barcelona); Elf Atochem com Os desreguladores endócrinos interferem
uma planta de 75 mil t em Miranda de Ebro no funcionamento do sistema hormonal me-
(Burgos) e outra de 25 mil t em Hernani diante algum destes três mecanismos: alte-
(Guipúzcoa) e Aiscondel com 145 mil t de ca- rando os hormônios naturais; bloqueando sua
pacidade, e duas fábricas, uma em Monzón ação ou aumentando ou diminuindo seus ní-
(Huesca) e outra em Vilaseca (Tarragona). veis. As substâncias químicas desreguladoras
A totalidade dos usos do PVC é facilmente endócrinas não são venenos clássicos, nem
substituível por outros produtos e materiais, carcinogênicos típicos. Limitam-se a regras 53
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TEópico
special

diferentes. Algumas substâncias químicas tes, entre elas, muitas que têm sido identifi-
hormonalmente ativas parecem expor a pou- cadas como desreguladores endócrinos. Por
cos riscos de câncer. outro lado, as carregamos em concentrações
Nos níveis em que se encontram normal- que multiplicam por vários milhares os níveis
mente no entorno, as substâncias químicas naturais dos estrógenos livres, ou seja, es-
desreguladoras hormonais não matam célu- trógenos que não estão envolvidos por proteí-
las, nem atacam o ADN. Seu objetivo são os nas sangüíneas e são, portanto, biologicamen-
hormônios, os mensageiros químicos que se te ativos.
movem constantemente dentro da rede de Descobriu-se que quantidades insignifi-
comunicação do corpo. As substâncias quími- cantes de estrógeno livre podem alterar o cur-
cas sintéticas hormonalmente ativas são “de- so do desenvolvimento no útero; tão insigni-
linqüentes” da auto-estrada da informação ficante como uma décima parte por bilhão. As
biológica que sabotam comunicações vitais, substâncias químicas desreguladoras endó-
atacam os mensageiros ou os alteram. Mu- crinas podem atuar juntas, e quantidades
dam os sinais de lugar. Revolvem as mensa- pequenas, aparentemente insignificantes de
gens. Semeiam desinformação. Causam todo substâncias químicas individuais, podem ter
tipo de estragos. Considerando que as men- um importante efeito acumulativo.
sagens hormonais organizam muitos aspec- Causa grande preocupação a crescente fre-
tos decisivos do desenvolvimento, desde a di- qüência de anormalidades genitais nas cri-
ferenciação sexual até a organização do cé- anças, como testículos retidos (criptorquidia),
rebro, as substâncias químicas desregulado- pênis extremamente pequenos e hipospadias,
res hormonais representam um especial pe- um defeito onde a uretra que transporta a uri-
rigo antes do nascimento e nas primeiras eta- na, não se prolonga até o final do pênis. Nas
pas da vida. Os desreguladores endócrinos po- zonas de cultivo intensivo na Província de Gra-
dem pôr em perigo a sobrevivência de espéci- nada e Almería, onde se usa o endossulfan e
es inteiras, quiçá a longo prazo, inclusive a outros agrotóxicos, foram registrados cerca de
espécie humana. 500 casos de criptorquidias. Alguns estudos
A espécie humana carece de experiência com animais indicam que a exposição à subs-
evolutiva com estes compostos sintéticos. tâncias químicas hormonalmente ativas no
Estes imitadores artificiais dos estrógenos di- período pré-natal ou na idade adulta aumen-
ferem em aspectos fundamentais dos estró- ta a vulnerabilidade a cânceres sensíveis a
genos vegetais. Nosso organismo é capaz de hormônios, como os tumores malignos da
decompor e excretar os imitadores naturais mama, próstata, ovários e útero.
dos estrógenos, porém muitos dos compostos Entre os efeitos dos desreguladores endócri-
artificiais resistem aos processos normais de nos está o aumento dos casos de câncer de tes-
decomposição e se acumulam no corpo, sub- tículo e de endometriose. O sinal mais espeta-
metendo os humanos e animais a uma expo- cular e preocupante de que os desreguladores
sição de baixo nível, mas de longa duração. endócrinos já podem ter cobrado um preço im-
Este modelo de exposição crônica a substân- portante, encontra-se nos informes indicando
cias hormonais não tem precedentes em nos- que a quantidade e mobilidade dos espermato-
sa história evolutiva e, para se adaptar a este zóides têm despencado no último meio século.
novo perigo, seriam necessários milênios não O estudo inicial, realizado por uma equipe
décadas. encabeçada pelo Dr. Niel Skakkebaek e publi-
A maioria de nós carrega no corpo várias cado em 1992, descobriu que a quantidade mé-
54 centenas de substâncias químicas persisten- dia de espermatozóides masculinos havia caí-
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TEópico
special

o branqueio com cloro da pasta de papel e


a incineração de resíduos;
aas PCBs, atualmente proibidas. As
concentrações em tecidos humanos têm
permanecido constantes nos últimos anos,
mesmo quando a maioria dos países in-
dustrializados puseram fim na produção de
PCBs, há mais de uma década.
anumerosos agrotóxicos, alguns proi-
bidos e outros não, como o DDT e seus pro-
dutos de degradação, o Lindano, o Metoxi-
cloro, piretróides sintéticos, herbicidas de
triazinas, kepona, dieldrin, vinclozolina,
dicofol e clordane, entre outros.
ao inseticida endossulfan, de amplo
uso na agricultura espanhola e na Améri-
ca Latina, apesar de estar proibido em di-
versos países.
ao HCB (hexaclorobenzeno), emprega-
do em sínteses orgânicas, como fungicida
para o tratamento de sementes e como
preservativo da madeira.
do 45%, de uma média de 113 milhões por mili- aos ftalatos são utilizados na fabricação de
litro de sêmen em 1940 a apenas 66 milhões PVC. 95% do DEHP (di(2etilexil)ftalato) são usa-
por mililitro em 1990. Ao mesmo tempo, o volu- dos na fabricação do PVC.
me de sêmen ejaculado havia caído 25%, com aos alquifenóis, antioxidantes presentes
uma queda real dos espermatozóides equiva- no poliestireno modificado e no PVC, e como
lente a 50%. Tal redução ameaça a capacidade produtos da degradação dos detergentes. Os
fertilizadora masculina. fabricantes adicionam nonilfenóis ao polies-
Uma política adequada para reduzir a ame- tireno e ao policloreto de vinila (PVC), como
aça das substâncias químicas que alteram o antioxidante para que estes plásticos sejam
sistema hormonal requer a proibição imedi- mais estáveis e menos frágeis. Um estudo
ata de inseticidas como o endossulfan e o descobriu que a indústria de processamento
metoxicloro; fungicidas como a vinclozolina, e embalagem de alimentos utilizava PVC que
herbicidas como a atrazina, os alquilfenóis, continham alquifenóis. Outro informava o
os ftalatos e o bisfenol-A. Para evitar a gera- achado da contaminação por nonilfenol na
ção de dioxinas, se requer a eliminação pro- água que havia passado pelas tubulações de
gressiva do PVC, o percloroetileno, todos os in- PVC. A decomposição de substâncias quími-
seticidas clorados, o branqueio da pasta de cas presentes em detergentes industriais,
papel com cloro e a incineração de resíduos. agrotóxicos e produtos para o cuidado pessoal,
Entre as substâncias químicas de efeitos des- também pode dar origem a nonilfenol.
reguladores sobre o sistema endócrino figuram: ao bisfenol-A, de amplo uso na indústria
aas dioxinas e furanos, que são geradas agroalimentar (revestimento interior das em-
na produção de cloro e compostos clorados balagens metálicas de estanho) e por parte
como o PVC ou os inseticidas organoclorados, dos dentistas. A
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TEópico
special

Re f e r ê nc i a s Bi b l i o g r á f i c a s

CARLSON, R, (1962). Silent spring. Houghton- (POPs): 25-29 january 1999, a brief history of the
Mifflin, Boston. Tradução e edição em espanhol PO Ps negotiations: Earth Negotiations Bulletin, 1
pela Editorial Grijalbo. fev. 1999.
CO LBO RN ,T., DIAN N E DUMAN O SKI et JO HN LO G AN ATH AN , B. G . ; KAN N AN , K. G l o b a l
PETERSON MYERS. Our stolen future (New York: organochlorine contamination trends: as overview.
Penguin Books, 1 9 9 6 ). Edição em espanhol: Ambio Estocolmo, Suécia v. 23, n.3,1994.
Nuestro futuro roba do, de Theo Colborn, Dianne
PIMEN TEL, D., (Ed.) Techniques for reducing
Dumanoski e Pete Myers (1997): Ecoespaña y Gaia-
pesticida use: economic a nd environmenta l
proyecto 2050, Madrid.
benefits New York: John Wiley & Sons, 1997.
CO LBO RN , T.; CLEMEN T C., (Eds.) Chemically
SHANNA, H. SWAN et al. Have sperm densities
i nduced al terati ons i n sexual and functi onal
dechlined? a reanalysis of global trend data.
development: The Wildlife - human Connection,
Environmental health perspectives, nov. 1997.
Princeton Scientific Publisching, N ew Jersey,
Princeton, 1992. SOTO, A.M.; CHUNG K. L. et SONNENSCHEEN
C. The pesticides endosulfan, toxaphene and
GREENPEACE (1993). Tra nsition pla nning for the
dieldrin have estrogenic effects ou human estrogen-
chlorine pha seout: economic benefits costs and
sensitive cells. Environmental Health Perspectives
opportunities. Washington, DC., 1993.
n. 102 p. 380-383,1994..
IISD. The second session of the internacional
US EPA. Scientific reassessment of dioxin: a status
negotiating committee for an international legally
briefing for the administrator. Washington: Office
binding instrument for implementing international
of Research and Development, 1992.
action on certain persistente organic pollutants

56
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Prejuízo à exporta çã o inibidores de enzimas. Mas o importante
"O Japão e a Coréia do Sul não estão com- é que os fitoquímicos desempenham um
prando milho dos EUA", disse o presiden- papel fundamental para o organismo: aju-
te da Associação Americana de Produto- dam a promover a saúde e a prevenir do-
res de Milho. Ele advertiu líderes agríco- enças, oferecendo apoio ao sistema de
las e do governo que "empurrar cultivos defesa interno.
transgênicos aos países compradores, que Os principais fitoquímicos são: compostos
não os querem, irá prejudicar os agricul- sulfurosos, isoflavonas, isocianatos e
tores familiares americanos". As exporta- indoles e clorofila, que estão presentes no
ções americanas de milho têm sofrido uma alho, cebola, soja, ervilha, couve-flor, bró-
redução nos seus volumes negociados em colis, repolho, agrião, nabo, rabanete, al-
função dos transgênicos, especialmente em gas e vegetais verdes.
decorrência do StarLink.
O presidente da AAPM, Keith Dittrich, dis- Cie n tista s d e scon h e ce m e fe ito d e
se também que "a administração, o Con- transgênico
gresso Americano e as organizações agrí- Mais de uma década após o governo ame-
colas e de commodities que sustentam a ricano permitir a primeira liberação no
agricultura atual e as políticas para trans- meio ambiente de um organismo geneti-
gênicos devem admitir que estão errados camente modificado, cientistas admitiram,
em esperar que os agricultores america- em artigo publicado na revista Science,
nos paguem a conta por uma política de que ainda não sabem quais podem ser os
biotecnologia de visão curta, que sugere efeitos dos transgênicos na natureza. As
que consumidores estrangeiros e impor- questões levantadas se referem aos pou-
tadores serão, em última análise, força- cos recursos que o governo americano des-
dos a aceitar os transgênicos". tina para os estudos de risco ambiental e
ao tempo necessário ao entendimento das
Alimentos promotores de saúde interações ecológicas.
Os "nutracêuticos" são alimentos funcio- Apesar do milho e das borboletas monar-
nais, que contém níveis significativos de cas serem dois dos organismos mais estu-
componentes ativos biologicamente, que dados do planeta, a partir das experiênci-
trazem benefícios à saúde, além da nutri- as com milho que recebeu um gene da
ção básica. O que torna funcional um ali- bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) e pro-
mento é a presença ou não de um novo duziu uma toxina que matou a broca-do-
grupo de compostos identificados nas fru- milho européia, os cientistas ainda não
tas e nos vegetais: os fitoquímicos. Ainda conseguiram definir a dimensão do risco
não se sabe a maneira exata como estes do milho transgênico para as borboletas
compostos de plantas agem em nosso cor- monarcas.
po, pois os mecanismos de ação são tão Embora a biotecnologia se tenha adianta-
diversos quanto os compostos: alguns atu- do, a habilidade dos cientistas em prever
am como antioxidantes, outros como conseqüências para a natureza não pro-
grediu, o que exige estudos em escala bem

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Desenv.R
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ur.Sus
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tent.,Porto
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Alegre,
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jan./m
jul./s
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maior para detectá-las. criatividade foram os recursos utilizados
para dar uma resposta à crise. A partir do
Varejistas do Reino Unido não querem final dos anos 90, mais de oito mil granjas
transgênicos urbanas e hortas comunitárias passaram
Dois dos três principais varejistas de ali- a produzir uma enorme diversidade de
mentos do Reino Unido, Tesco e Asda (do plantas, quase totalmente orgânica. Eno
grupo Walmart), anunciaram sua intenção campo, os excrementos animais passaram a
em comercializar apenas produtos deriva- ser utilizados como fertilizantes, melhoran-
dos (carne e leite), de fazendas que utili- do a estrutura do solo. Mais de 200 centros
zam ração livre de transgênicos para seus regionais começaram a atuar na assessoria
animais. A iniciativa deve gerar grande im- a agentes de biocontrole. Nos cultivos da
pacto no mercado internacional de soja e cana de açúcar e da banana é utilizada a
milho e pode beneficiar as exportações mosca lixophaga e a vespa tricogramma,
brasileiras. para combater algumas pragas.
Recentemente, outras multinacionais de
al i m entos - Car r efour , na Bél gi ca, Clonagem humana
Wiesenhof, na Alemanha, e a rede Mc Recentemente, a Associação Médica da Itá-
Donald´ s, de quase toda a Europa - tam- lia anunciou que irá cassar a licença de
bém anunciaram intenção em não comer- médico de Severino Antinori, que, junta-
cializar carnes de animais alimentados com mente com o norte-americano Panos
transgênicos. Zavos, pretende clonar um ser humano.
A rejeição cada vez maior à ração animal A Itália não tem leis contra a clonagem hu-
transgênica na Europa é um desastre para mana mas deve ratificar uma proibição do
multinacionais importadoras de grãos Conselho da União Européia.
como a Cargill, uma das principais forne-
cedoras de soja e milho para a Europa. Soja não transgênica para a Itália
Na era da vaca louca e dos alimentos
AO em Cuba transgênicos, os países industrializados
Durante décadas, Cuba dependeu de olham para a América Latina com a inten-
agrotóxicos e adubos químicos para sua ção de encontrar produtos agrícolas "lim-
agricultura. Hoje, quase todo o alimento pos". A Itália, que adora comer bem, é um
da ilha é orgânico. desses países. O ministro italiano da Agri-
Com a retirada da ajuda da União Sovié- cultura, Alfonso Pecoraro Scanio, afirmou
tica, a partir de 1989, 1,3 milhão de tone- em recente reunião de uma das maiores
ladas de fertilizantes químicos, 17 mil de associações agrícolas italianas, que o Brasil
herbicidas e dez mil de praguicidas não é um país que poderá fornecer sementes
puderam mais ser importadas. Em um ano, certificadas aos produtores italianos que
Cuba havia perdido 80% do seu comércio temem uma invasão das sementes trans-
e os preços do açúcar tiveram uma tremen- gênicas americanas. A preocupação do mi-
da queda. nistro é com a segurança alimentar do
Pessoas, terra, animais, conhecimentos e povo italiano.

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dic A groecológica
Uso de enxofre e calda sulfocálcica
para tratamento fitossanitário
O enxofre é um produto natural que tem po- colocar um pouco (meio copo) do "espalhante
der fungistático. Pode ser usado puro ou, en- adesivo".
tão, ser feita a calda sulfocálcica. Em outro tonel, colocar 4 kg de cal virgem e
queimar com 2 a 3 litros de água morna, reti-
1) USO DE EN XOFRE PURO: misturar, a seco, rada do primeiro tonel. Quando a cal começar
800 g de enxofre e 200 g de farinha de milho a queimar, mistura-se o enxofre, mexendo sem-
bem fina. Diluir 34 g em 20 litros de água e pre com o bastão de madeira. Em seguida,
aplicar sobre as plantas. adiciona-se o restante da água quente, mar-
cando a altura que a mistura alcançou. Ferver
2) CALDA SULFOCÁLCICA: a calda é prepa- a mistura durante uma hora com fogo não
rada com enxofre e cal. muito forte, mexendo com o bastão e repondo
M a teria l: a água evaporada na altura da marca.
- 2 tonéis Após uma hora, deixar o fogo apagar e esfri-
- 1 pano para coar ar a calda. Retira-se a calda do tonel e, com o
- 4 quilos de cal virgem em pó auxílio de um pano, o produto é filtrado (coa-
- 1 balde de plástico do). A calda deve ser guardada em vasilhas
- 5 quilos de enxofre peneirado de vidro, madeira ou plástico bem fechadas.
- 1 bastão de madeira Na hora de preparar a calda, deve-se prepa-
- "espalhante adesivo": farinha de milho, ca- rar somente a quantidade a ser usada nos pró-
chaça ou leite ximos dias, isto é, não deixar a calda envelhe-
cer, usá-la até um mês depois de pronta.
Prepa ro da Ca lda : Para se saber a quantidade de calda para cada
Colocar 25 litros de água limpa em um tonel litro de água, é só utilizar o Aerômetro de
para aquecer ao fogo. Então, retira-se um Baumé, e verificar no quadro a seguir a quan-
balde de água morna e misturamos o enxofre tidade de água a ser misturada para cada tipo
peneirado. Para facilitar a mistura, convém de tratamento que for feito.

Quadro 1: Diluição da calda sulfocálcica, conforme a concentração desejada

º Bé da calda CONCENTRAÇÃO DA CALDA A PREPARAR (ºBé) Exemplo:


original 4,0º 3,5º 3,0º 2,0º 1,5º 1,0º 0,8º 0,5º 0,3º Para preparar uma
33º 9,4 10,9 12,9 20,2 27,3 41,4 52 84 142 calda de 4º Bé, partin-
32º 9,0 10,5 12,4 19,3 26,2 38,7 50 81 137 do de uma calda de
31º 8,6 9,9 11,9 18,5 25,1 38,1 48 77 131
32º Bé: na tabela,
30º 8,2 9,5 11,3 17,7 24,0 36,5 46 74 129
procuramos o encontro
29º 7,8 9,1 10,8 17,0 23,0 34,8 44 71 120
da coluna 4º Bé e a
28º 7,4 8,7 10,3 16,2 21,9 33,3 42 68 116
27º 7,1 8,3 9,8 15,4 20,9 31,9 40 65 110 linha 32º Bé. O número
25º 6,4 7,4 8,9 13,9 18,9 29,0 36 59 101 encontrado (9,0) é a
22º 5,3 6,2 7,5 11,8 16,2 24,7 31 51 86 quantidade de litros de
20º 4,7 5,5 6,6 10,5 14,4 22,0 28 45 77 água para cada litro da
17º 3,7 4,4 5,3 8,5 11,7 17,0 23 37 64 calda original .
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dic A groecológica
Quadro 2: Aplicação da calda sulfocálcica para tratamento
fitossanitário em diferentes culturas

Cultura Doença Concentração Época de Aplicação


Alho Ferrugem 0,3º Bé Fase de crescimento
Caqui Várias 4º Bé Em estado de dormência
Cebola Ferrugem 0,3º Bé Fase de crescimento
Citros (1) Feltro, rubelose, ácaro 0,4-0,8º Bé Antes da brotação
Ervilha Ferrugem 0,3º Bé Fase de crescimento
Fava Ferrugem 0,3ºBé Fase de crescimento
Feijão Ferrugem 0,3ºBé Fase de crescimento
Figo (2) Várias 4º Bé Em estado de dormência
Maçã Várias 4º Bé Em estado de dormência
Maçã Sarna, Monilia 0,5º Bé Fase de florescimento
Pêra Várias 4ºBé Em estado de dormência
Pêra Sarna, Monilia 0,5º Bé Fase de florescimento
Pêssego Várias 3,5º Bé Em estado de dormência
Uva Várias 4º Bé Em estado de dormência

Obs:
Em frutíferas, aplicar no inverno. Controla também musgos, liquens, ácaros e cochonilhas.
(1)Para os Citros, aplicar quando não houver ramos novos.
(2)No caso de aplicação em figo, evitar altas temperaturas.

O BSERV A ÇÕ ES:
® Não misturar calda sulfocálcica com
emulsões oleosas e esperar, pelo me-
nos, três semanas nas aplicações en-
tre uma e outra.
® Recomenda-se todo o cuidado no
preparo e aplicação da calda. Con-
vém usar óculos, chapéu e luvas;
® Usar pulverizadores de latão ou
estanhados interiormente para aplica-
ção, pois a calda ataca o cobre. Caso
necessário, lavá-lo muito bem após ser
usado.
® A calda é aplicada somente com
água e espalhaste adesivo.

Fonte: PAULUS, G.; MÜLLER, A.M. & BAR-


CELLO S, L.A.R. Agroecologia Aplicada:
práticas e métodos para uma agricultu-
ra de base ecológica. EMATER/ RS: 2000,
p. 67-69.
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EL co
inks

Agroe c ologia e DRS

Neste espaço, estão sendo divulgadas informações sobre páginas


Web que contêm dados sobre Agroecologia, desenvolvimento rural
sustentável e assuntos correlacionados. Consideramos que o
acesso a estas informações pode fornecer inúmeros subsídios em
forma de artigos, pesquisas, atividades e experiências desenvolvi-
das, permitindo que sejam compartilhadas e consultadas institui-
ções e pessoas em diferentes países do mundo. Os hiperlynks
destes endereços podem ser encontrados na homepage da
EMATER-RS http://www.emater.tche.br/tecnica_agro_links.htm

http:/ / www.agroecologica.com.br/ http:/ / www.fao.org/ organicag/


Idioma: português Idioma: espanhol e francês
Editora Agroecológica La agricultura orgánica en la FAO
Reúne diversas informações sobre teorias e Este site oferece as informações disponíveis na
práticas relacionados à Agroecologia . Tem um FAO sobre agricultura orgânica. Possibilita
completo banco de dados de eventos, publi- acesso a grande número de documentos,
cações e vídeos. fórum de debates, contatos, dados por paí-
ses, fotografias e vídeos.
http:/ / www.agrorganica.com.br/
Idioma: português http:/ / www.jornalismoambiental.jor.br/
Agrorgâ nica Idioma: português
É um portal autodenominado de agricultura Jornalismo Ambiental
ecológica e saudável. Através dele é possível O jornalismo ambiental tem ocupado seu es-
percorrer um grande número de informações, paço em diversas mídias. Através deste link é
sejam estas entrevistas, dicas técnicas, publi- possível contatar profissionais, entidades,
cações, além de ser possível fazer um cadas- vídeos e artigos de entidades e jornalistas que
tro para participar do Fórum da Rede têm trabalhado com esta temática.
Agrorgânica.
http:/ / www.eco.unicamp.br/ ecoeco/
http:/ / www.permacultura.org.br/ Idioma: português
Idioma: português Sociedade Brasileira de Economia Ecológica
Rede Brasileira de Permacultura Esta sociedade tem como objetivo "repensar a
É uma "porta de entrada" para diversas insti- natureza das atividades econômicas e seus
tuições que trabalham com a perspectiva da efeitos negativos ao meio ambiente, de forma
permacultura no Brasil. São apresentados cur- a buscar equacioná-los em resultados concre-
sos e experiências que vêm sendo desenvolvi- tos que direcionem a um desenvolvimento sus-
das em diversas regiões do Brasil. tentável". Através deste site é possível acessar
artigos, publicações e links com outras enti-
Sugestões: agroeco@emater.tche.br dades congêneres.
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A r t i go
Agricultura
orgânica:
entre a ética e
o mercado?*
S c h m id t , W ils o n * *

Resumo
A agricultura orgânica (AO)
tem sido apontada como um
meio para a construção de um
novo padrão de produção agro-
pecuária e para a reconstrução
da cidadania no campo. Para
isso, é necessário ampliar for-
temente e em um prazo relati-
vamente curto o número de
agricultores que a praticam; o
que, na prática, exige a mudan-
ça dos circuitos de comerciali-
zação. O artigo procura discutir
se, com isso, a AO fica imedia-
tamente submetida aos mes-
mos modos de organização e co-
mercialização da agricultura
convencional, perdendo o seu
conteúdo ético e o seu caráter
contestatório. Inicialmente, ele
trabalha a passagem da AO de uma situação lisa as mudanças nos circuitos de comercia-
de marginalidade para outra em que é vista lização e no perfil do consumidor dos produtos
como elemento estratégico. Em seguida, ana- da AO. Depois, discute como a AO pode ser

* Este artigo se beneficiou dos comentários e sugestões feitos por Vanice D. B. Schmidt, coordenadora técnica, até fins
de 2000, do Programa Desenvolver - Desenvolvimento da Agricultura Familiar Catarinense pela Verticalização da
Produção. Atualmente, ela realiza, na França, estudos sobre os "sinais oficiais de qualidade" utilizados na agricultura.
* * Doutor, Professor do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina
(PGAGR/UFSC). Atualmente, é Bolsista da CAPES - Brasília/Brasil, para realização de Pós-Doutorado no CRBC/
EHESS (Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales), em Paris.
Dentro das atividades de extensão do Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural da UFSC, tem assessorado,
nos últimos anos, a Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral - Agreco, que tem sede em
Santa Rosa de Lima, Santa Catarina.
62 E-mail: wschmidt@mbox1.ufsc.br

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A r t i go
impactada pelos preços e pela certificação, que cialização da agricultura convencional, per-
são importantes para o consumidor. Finalmen- dendo, por isso, o seu conteúdo ético e o seu
te, conclui que a estreita associação da AO caráter contestatório.
com a agricultura familiar é a melhor forma Para procurar respondê-la, estruturou-se
de fazer prevalecer as suas dimensões éticas. este artigo - que tem característica de um
ensaio - em quatro partes. Inicialmente, tra-
Palav ras-chav e balham-se as relações da agricultura orgâni-
Agricultura orgânica, Agroecologia, cadeia pro- ca (AO) com o seu ambiente técnico, procu-
dutiva, comercialização, agricultura familiar. rando ressaltar a passagem de uma situação
de marginalidade para outra em que é vista
1 I nt r o d ução como elemento estratégico ou como "um pro-
A perspectiva de trabalhar a agricultura tótipo da agricultura diferente" (Inra, 2000).
orgânica não como um fim em si, mas como Em seguida, analisam-se as mudanças nos
um meio para a "construção de um novo pa- circuitos de comercialização e no perfil do
drão de produção agropecuária e para a re- consumidor dos produtos da AO. Procura-se,
construção da cidadania no campo", para usar então, discutir como a agricultura orgânica,
uma expressão da Carta Agroecológica do Rio vista como prática e não como produto, pode
Grande do Sul (I Seminário Estadual sobre ser impactada por dois aspectos julgados im-
Agroecologia, 1999), exige a ampliação do nú- portantes pelo consumidor: os preços e a cer-
mero de agricultores familiares presentes tificação. Finalmente, conclui-se que a asso-
nesse tipo de cadeia produtiva. A experiência ciação entre AO e agricultura familiar é a
parece indicar que os circuitos curtos de co- melhor forma de fazer prevalecer no mercado
mercialização (feiras, vendas diretas na pro- e entre os atores da cadeia produtiva as di-
priedade ou via "sacolas" ou "cestas" entre- mensões éticas da agricultura orgânica.
gues a domicílio) dificilmente dão conta des-
sa "inclusão". Uma opção consciente e prag- 2 Da r e j e i ção mút ua ao d e saf i o d a
mática pelo grande circuito é percebida, con- p arce ri a
tudo, como uma via dominada por uma lógica Apesar de um suposto "efeito de moda", a
exclusivamente centrada no produto, descon- AO continua representando uma pequeníssi-
siderando as dimensões éticas pregadas pelo ma parcela da produção agrícola brasileira.
movimento de agricultura orgânica. Entre os Antes, ela foi encarada fundamentalmente
objetivos econômicos desse movimento estão, como uma estratégia de resistência e de per-
por exemplo, trabalhar com empresas à esca- manência de agricultores familiares no campo
la humana, preços equitáveis, negociações - no período em que as idéias da moderniza-
em todos os níveis da cadeia, vendas de proxi- ção "conservadora" e "dolorosa" seguiam um
midade. Entre os objetivos sociais e huma- pensamento único - e foi defendida e imple-
nistas, a aproximação entre o produtor e o mentada quase que exclusivamente por or-
consumidor, a cooperação e não competição, ganizações não-governamentais de assesso-
a eqüidade entre todos os atores; mas, tam- ria e apoio. Agora, com a explicitação da crise
bém, a manutenção dos agricultores na terra e da insustentabilidade da agricultura indus-
e a defesa do emprego rural. A pergunta que trial, a AO passou a ser uma idéia veiculada
se coloca é se a busca pela ampliação da agri- também por instituições governamentais ou
cultura orgânica - e dos seus mercados - faz internacionais que antes faziam a apologia
com que ela seja, imediatamente submetida da modernidade industrial. É que, na prática,
aos mesmos modos de organização e comer- não havia outro caminho para elas, com o for- 63
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A r t i go
da agricultura orgânica, aparece no reconhe-
cimento pelas últimas do papel desbravador
A pergunta que se coloca é se a das ONGs. Servem de exemplo os serviços de
pesquisa e extensão rural de Santa Catarina
busca pela ampliação da agricul-
e do Rio Grande do Sul. O primeiro reconhece
tura orgânica faz com que ela seja que as organizações não-governamentais fo-
ram entidades pioneiras na introdução e di-
imediatamente submetida aos vulgação da produção agroecológica em San-
mesmos modos de organização e ta Catarina, como de resto no Brasil (Epagri,
2000). O segundo dá destaque para iniciati-
comercialização da agricultura vas que surgiram na década de 80, reconhe-
convencional, perdendo, por cendo que a maior parte delas foi impulsio-
nada pelas organizações não-governamentais2
isso, o seu conteúdo ético e o seu (Felippi, 2000). Parece pouco, mas devem ser
considerados dois momentos anteriores3. No
caráter contestatório
primeiro, de um lado, a agricultura orgânica
era vista, nestas instituições, como margi-
nal e sem futuro e os seus defensores, como
dogmáticos ou charlatões, com os quais seria
talecimento da proposta de um desenvolvi-
impossível realizar uma discussão racional.
mento sustentável e a clara mudança na pos-
De outro, os técnicos das ONGs, submetidos a
tura do consumidor, que passa a estar preo-
esta falta de reconhecimento e buscando uma
cupado com sua saúde e com a qualidade de
contestação profunda do modelo de desenvol-
vida em geral 1 . Essa "institucionalização" da
vimento, acabavam descartando qualquer pos-
AO é vista, de um lado, como bastante positi-
sibilidade de parceria com estas instituições
va. Mas, de outro, como trazendo o risco de
que eram vistas como um braço importante
uma descaracterização ou mesmo de uma "in-
do próprio modelo. Em um segundo momento,
dustrialização" da agricultura orgânica.
as instituições governamentais quiseram fa-
O desenvolvimento deste tipo de agricul-
zer parecer que sempre defenderam e traba-
tura depende, no entanto, de uma construção
lharam com a agricultura orgânica, utilizan-
nova, feita da confrontação de saberes entre
do como exemplos estudos ou ações isolados,
os sistemas de pesquisa e desenvolvimento
apenas "tolerados" anteriormente. Por isso, es-
voltados ao agrícola e ao rural e os agriculto-
sas pequenas menções representam um pas-
res familiares; de um trabalho efetivo de de-
so importante.
senvolvimento, a ser animado por uma rede
de técnicos competentes, sensíveis e moti-
3 Do ci rcui t o curt o ao lo ngo ,
vados; e de apoio financeiro à produção orgâ- d o co nsumi d o r co nv i ct o ao
nica e aos esforços de reconversão de agri- o c asi o nal : o d e saf i o d a si ne r g i a
cultores convencionais para esse tipo de agri- Hoje, a maioria dos técnicos comprometi-
cultura. É indispensável, portanto, que as es- dos efetivamente com uma proposta de um
truturas, as competências e os recursos do desenvolvimento rural sustentável baseado na
Estado sejam mobilizados neste processo. agricultura familiar (AF) _ estejam eles nas
Um ponto positivo para terminar com a ONGs ou nas instituições governamentais, _
incompreensão recíproca e a rejeição mútua reconhece o papel da AO na diferenciação dos
64 entre ONG e instituições públicas, no campo produtos deste tipo de agricultura e na agre-
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A r t i go
É indispensável que as estrutu-
gação de valor. Isto porque essa estratégia
ras, as competências e os recursos
(temporária) de aumento da renda, pela ven-
da de produtos diferenciados a um preço mais do Estado sejam mobilizados
alto, pode contribuir para a consolidação des-
ta proposta nesse período de "transição agro-
neste processo de desenvolvi-
ecológica" (Costabeber e Moyano, 2000). Mas mento da agricultura orgânica
é preciso que, contraditoriamente, esta es-
tratégia contenha em si o seu próprio fim: a
inclusão de cada vez mais agricultores e, por
conseqüência, a ampliação dos volumes co- do número de agricultores que têm acesso à
mercializados. Isto exige, é claro, a baixa cadeia da AO, é preciso vir ao encontro dos
gradativa de preços. consumidores, especialmente os urbanos. Di-
Recorde-se que a comercialização dos pro- zendo de outra forma, faz-se a defesa da am-
dutos da AO era feita quase que exclusiva- pliação do mercado de produtos orgânicos, mas
mente em circuitos curtos (venda direta ou se resiste à adoção dos circuitos adaptados,
feiras), para uma clientela geralmente inici- em termos físicos e organizacionais, à con-
ada nos debates sobre alimentação e saúde e centração urbana, em um momento em que
já motivada para a compra deste tipo de pro- a demanda por esses produtos puxa a oferta e
duto. Tratava-se de uma opção _ normalmen- estimula o crescimento de circuitos longos de
te feita pelos técnicos _ que era o fruto da pró- comercialização. Como afirma Sylvander
pria resistência ideológica dos militantes das (1993), "não se pode, ao mesmo tempo, pregar
ONGs à inserção nos circuitos longos. E, ao o desenvolvimento do mercado e negligenci-
mesmo tempo, o resultado de uma incapaci- ar a sua localização". Isso não quer dizer que
dade (quantidades e regularidade, padroniza- se deva abandonar os circuitos atuais. Ao con-
ção, logística, gestão) de se inserir nestes trário, eles devem ser fortalecidos, reinven-
mesmo circuitos. tados. A melhor marca de qualidade ainda
Ora, a perspectiva de trabalhar a agricul- continu a a ser a relação de confiança
tura orgânica não como um fim em si, mas estabelecida entre o vendedor e o comprador
como um meio de resistência e de permanên- (Plassard, 1993). Mas é preciso aprender a tra-
cia da agricultura familiar, dentro de um pro- balhar com as sinergias entre os circuitos
grama maior de desenvolvimento rural sus- curto e longo.
tentável e solidário, faz com que se venha tra- O principal ator na cadeia longa são as
balhando a ampliação do número de agricul- grandes redes de supermercados que, também
tores orgânicos. Não se pode esquecer, porém, no Brasil, começam a entrar fortemente na
que os agricultores orgânicos ou em recon- distribuição dos produtos orgânicos. A relação
versão, que foram _ ou estão sendo _ anima- entre os atores da AO com as grandes redes
dos a entrar neste processo, são, antes de tudo, de supermercado é bastante complicada. Uns
produtores e contam com esta atividade para continuam a vê-las como o próprio "diabo".
ter uma remuneração satisfatória do seu tra- Outros preferem considerar que negar a gran-
balho e, assim, viver dignamente e criar seus de distribuição é muito fechado e restritivo.
filhos. Vai se precisar, por isso, mais e mais Primeiro, porque este tipo de distribuição aca-
consumidores deste tipo de produto. A experi- ba eliminando aqueles consumidores que não
ência parece indicar que os circuitos curtos participam dos circuitos de quase confidenci-
dificilmente darão conta dessa expansão. As- alidade atuais4. Depois, porque acaba elimi-
sim, para realizar-se uma efetiva ampliação nando agricultores familiares, principalmente 65
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aqueles que participam (ou tendem a partici- que os preços dos produtos orgânicos devem
par) de esforços maiores de produção e comer- baixar porque há uma diferença muito gran-
cialização em grupo, que resultarão em uma de entre os preços praticados e o nível ótimo
escala maior nas vendas. (Sylvander, 1993). Muitos atores da AO _ em
É claro que as grandes redes de supermer- especial, os técnicos _ afirmam que ela deve
cado não passaram, repentinamente, a ter ser acessível imediatamente aos que têm ren-
simpatia pelas teses e a prática ideológica da das mais modestas. Le Noallec (1999), no en-
agricultura orgânica. Como destaca Hatrival tanto, destaca que "sob essa intenção, louvá-
(1993), suas motivações são bem mais sim- vel e desejável, há uma espécie de peso na
ples: a vontade de melhorar e consolidar sua consciência, que deriva da crítica ao elitismo".
imagem de marca e a pressão do mercado ou Para esta autora (que é presidente de uma
dos concorrentes5. Em suma, o supermerca- associação de consumidores da AO - a UCBio),
dista está interessado em reforçar junto ao baixar muito os preços vai obrigar a diminui-
consumidor a percepção de uma oferta comer- ção do número de empregos e dos salários e o
cial diferente daquela dos seus concorrentes aumento do rendimento, abrindo caminho a
_
percepção capaz de atrair novos clientes - e uma "AO-intensiva" e a uma "AO-indústria",
em harmonia com as aspirações que ele (con- que trarão, como resultado, o desaparecimen-
sumidor) tem _ percepção capaz de fidelizar a to das pequenas estruturas. Para ela, isso é
clientela (Pontier, 1998). Ou seja, o produto seguir o sistema neoliberal, devendo-se bus-
orgânico se transforma em um instrumento car, ao contrário, uma justa remuneração do
de promoção. produtor e do beneficiador-transformador, que
Quanto ao "novo consumidor"6, é normal- leve em consideração a qualidade do trabalho
mente durante uma ida ao supermercado, mo- e do produto. Só isto permitirá que as peque-
tivado por outros tipos de compra, que ele vai nas e médias empresas continuem a viver
dirigir sua atenção aos produtos orgânicos. Em com toda a independência.
geral, trata-se de consumidores "não dedica- Estes pontos de vista devem nos levar à
dos" à comida orgânica e que alternam os ti- reflexão e não ser vistos como posições extre-
pos de alimentação. Eles desejam encontrar mas sobre as quais devemos tomar partido. A
os produtos orgânicos nos circuitos de comer- noção de Rendimentos Crescentes de Adoção
cialização que estão acostumados a freqüen- (RCA)7 aplicada à agricu ltu ra orgânica
tar: os supermercados. Ora, esse consumidor (Pernin, 1994; 1995), por exemplo, nos ajuda
"ocasional" parece estar muito mais próximo a pensar como pode existir coerência entre
da média da sociedade _ em termos econômi- um programa de desenvolvimento rural sus-
cos, de hábitos, de educação formal e de in- tentável para uma região e a possibilidade de
formação _ do que o consumidor "convicto". redução dos preços. As fontes de RCA são: a
Talvez por isso, ele é mais sensível aos ele- aprendizagem, as externalidades de rede, as
mentos mais perceptíveis do produto, como economias de escala em produção, os rendi-
preço (relação produto orgânico versus con- mentos crescentes de informação, as normas
vencional), disponibilidade e certificação. de avaliação econômica e as inter-relações
tecnológicas. Os fenômenos de aprendizagem
4 Pro d uzi r mai s! constituem a principal fonte de RCA na AO. A
I sso t e m um "p re ço "? formação de grupos, condomínios e associa-
Como em tudo o que se refere à produção ções permite a troca de informações técnicas
orgânica, no debate sobre os preços também e de experiências, a realização de seminári-
66 existem divergências. Há os que defendem os de formação, a contratação de assessores.
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Ou seja, pode se pensar em uma aprendiza- pode estabelecer com o seu ambiente técni-
gem técnica coletiva. As externalidades da co, são praticamente ausentes na AO. As difi-
rede se referem principalmente ao efeitos do culdades ainda existentes de relacionamen-
aumento do número de produtores em uma to entre os técnicos que trabalham com a AO
região. Normalmente, ela induz a uma me- e os técnicos da pesquisa agrícola, já mencio-
nor dispersão geográfica dos produtores e, por- nadas neste artigo, explicam esse fato.
tanto, a uma diminuição de custos de trans- O que se pode deduzir desta análise é que
porte para a distribuição de insumos e de aces- o desenvolvimento da AO necessita do cresci-
so ao mercado, ou, ainda, para os trabalhos mento do número de agricultores familiares
de assistência técnica e de certificação. Essa envolvidos e de organizações regionais des-
menor dispersão favorece, da mesma forma, tes produtores. Essa organização deve se dar
a criação de estruturas associativas para o também a jusante da produção _ beneficiamen-
beneficiamento ou transformação e para a co- to, transformação e comercialização _ o que
mercialização dos produtos. Essas atividades vai permitir a redução das margens aplica-
constituirão outra fonte de RCA: as economi- das ao longo do circuito de comercialização e
as de escala. Os rendimentos crescentes em uma baixa no preço ao consumidor, ao mes-
informação se manifestam quando da adoção mo tempo que favorece a adoção da AO por
da AO, como conseqüência da circulação de um número maior de produtores. E, nestas
informações sobre a agricultura orgânica en- condições, os agricultores orgânicos podem se
tre os próprios produtores. Estudos mostram inserir nos circuitos de comercialização já
que a principal influência sobre um agricul- estabelecidos. Para isso, será necessário que
tor, para a passagem propriamente dita à AO, os atores da AO passem a conhecer o merca-
é a de outros agricultores que a praticam. A do, a entender de comercialização e a traba-
norma de avaliação econômica da técnica na lhar informações econômicas. De outra for-
AO _ que é diferente daquela da agricultura ma, ter-se-á, mais uma vez, a transferência
convencional: a produtividade física ou ren- das fontes de poder para os agentes a jusante
dimento (Kg/ha) _ é o preço de venda dos pro- da AO. Dizendo de outra forma, deve-se pen-
dutos e, fundamentalmente, o valor agrega- sar em maneiras de criar efetivamente, a
do, ou seja, a parte que fica efetivamente com montante da cadeia, um poder de negociação
o agricultor. As inter-relações tecnológicas, que permita que os agricultores se apropriem
que se referem às relações que uma técnica dos resultados da qualidade por eles produzi-
67
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da. Evitar que, preocupações
de novo, ocorra do consumi-
uma fuga do va- dor. Trata-se
lor gerado para dos "produtos
os beneficiado- à imagem bi-
res e os distri- ológica", men-
b u idores . E , cionados por
como destaca S ylva n d er
Plassard (1993), (1993). O u
o momento de seja, os produ-
fazê-lo é quando tos "naturais",
o mercado está da "agricultu-
em expansão e ra de preci-
a demanda puxa a oferta. Não se pode esperar são" ou da "produção integrada" ou, ainda, os
que o mercado esteja saturado para fazê-lo. selos de qualidade de redes de supermercado.
Isso pode ser considerado como uma aproxi-
5 Ce r t i f i c a çã o : e nt r e a mação entre "oferta convencional" e "oferta
d e sco nf i ança d o s at o r e s d a A O e orgânica", o que pode gerar confusões mesmo
a c o nf i a nça d o s c o nsumi d o r e s nos consumidores mais atentos (Pontier,
Com a intensificação da produção agríco- 1998). Na percepção do consumidor, a vanta-
la, a industrialização da alimentação e a ur- gem do produto orgânico se baseia quase sem-
banização da população, os consumidores se pre na confiança que ele tem em uma certifi-
sentiram, cada vez mais, em um estado de cação.
insegurança em relação aos produtos indus- Na Europa, essa certificação se dá dentro
triais (Sylvander, 1993). As polêmicas sobre a das normas dos selos de qualidade oficiais
"vacalouca", a contaminação com dioxinas ou regulamentados pelos Ministérios da Agricul-
a utilização de transgênicos só reforçam esta tura de cada país e pela Comunidade Europé-
insegurança. Face a esse quadro, constata- ia. Um "selo" na embalagem informa ao con-
se que os produtos orgânicos desfrutam de sumidor que o produto ou seus ingredientes
uma excelente imagem em termos de "valor foram obtidos segundo um modo de produção
saúde". Isso por causa das técnicas de produ- orgânico. Fundamentalmente, o sistema de
ção, em especial pela não utilização de adu- certificação julga se um processo de produ-
bos químicos de síntese e de agrotóxicos. Ou- ção está em conformidade com as regras es-
tros produtos, no entanto, procuram aprovei- tabelecidas pela normalização. Para a produ-
tar os segmentos de mercado abertos pelas ção orgânica esta normalização proíbe, por
exemplo, a utilização de adubos e de produtos
fitossanitários de síntese, de organismos ge-
neticamente modificados ou de radiações
Na percepção do consumidor, a ionizantes. Não há, a princípio, a análise in-
vantagem do produto orgânico se trínseca da qualidade dos produtos, ou a cha-
mada obrigação de resultados. Caplat e
baseia quase sempre na confiança Giraudel (1996) destacam o artigo 10-2 da re-
gulamentação européia sobre a agricultura
que ele tem em uma certificação
orgânica8: "não pode ser feita nenhuma afir-
68 mação no selo ou na publicidade sugerindo
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ao comprador que a indicação de con-
formidade com o regime de controle
constitui uma garantia de uma qua-
lidade organoléptica, nutricional ou
sanitária superior". Para estes auto-
res, "a agricultura orgânica garante
ao consumidor, portanto, somente
uma metodologia". Ou uma prática,
como preferimos falar no Brasil. Os
controles ou fiscalizações permitirão
unicamente verificar se há o respei-
to às técnicas de produção da agricul-
tura orgânica. É por isso que há uma
grande discussão sobre o que se entende por certificados por pessoa jurídica, sem fins lu-
produção orgânica. crativos, com sede no território nacional,
Normalmente, os setores ligados à agricul- credenciada no Órgão Colegiado Nacional (…)".
tura familiar defendem uma definição que A denominação "produto orgânico" deverá ser
seja a mais precisa e restritiva possível, le- mencionada no rótulo e deve constar da em-
vando em conta, exatamente, os princípios balagem um "selo de qualidade" da entidade
éticos da agricultura orgânica. Porque a tole- certificadora credenciada.
rância _ ou a frouxidão das normas _ vai favo- As ONGs ligadas à agricultura familiar e à
recer, é claro, os oportunistas e os que acei- Agroecologia têm participado ativamente dos
tam ou querem uma agricultura orgânica "pa- debates e da montagem das estruturas que
tronal" ou empresarial. Também por isso, se se seguiram à IN-007 (como a constituição
defende a certificação por um "terceiro" _ nem dos Colegiados Estaduais, a discussão sobre
produtor, nem o distribuidor e nem alguém a os protocolos para o credenciamento de
eles ligado _ , que seja, portanto, independen- certificadoras ou a realização de seminários
te e imparcial, além de competente e eficaz. sobre o tema). Uma parte de seus militantes,
Não se pode esquecer que o comportamento no entanto, considera que se trata de uma
oportunista ou os "atalhos" também são ten- burocratização ou de uma estatização da re-
tadores. Ter a cobertura de um selo orgânico lação entre o produtor orgânico e os consumi-
(e os possíveis diferenciais que ele traz ) sem dores, que é _ e deveria continuar sendo, fun-
o ônus de produzir organicamente é, sem dú- damentalmente, uma relação de confiança.
vida, o melhor "negócio". Outros, julgam que se trata de mais uma for-
No caso brasileiro, o Ministério da Agricul- ma de complicar a vida dos agricultores e de
tura e do Abastecimento estabeleceu, atra- fazê-los pagar por mais um serviço, em um
vés da Instrução Normativa (IN) 007, de 17 de quadro em que seus rendimentos já estão
maio de 1999, "as normas de produção, bastante achatados. Há também os que têm
tipificação, processamento, envase, distribui- carreado seus esforços para a construção de
ção, identificação e de certificação da quali- uma espécie de sistema híbrido: a certifica-
dade para os produtos orgânicos de origem ve- ção participativa. Ela seria feita através de
getal e animal" (Brasil, 1999)9. Segundo a IN- uma rede de associações de agricultores or-
007, "os produtos de origem vegetal ou ani- gânicos, mas teria uma estrutura capaz de
mal, processados ou in natura, para serem atender às exigências da IN-007 (comissão
reconhecidos como orgânicos10 devem ser técnica, conselhos de certificação e de recur- 69
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A certificação participativa seria
sos, descrição clara de sanções etc). Ou seja, feita através de uma rede de
a "certificadora participativa11" buscaria seu
credenciamento junto ao Colegiado Nacional.
associações de agricultores
Entende-se que a iniciativa do Governo orgânicos, mas teria uma
Federal _ que foi feita sob uma lógica pura-
mente mercantil, tendo em conta a pressão estrutura capaz de atender às
de exportadores brasileiros e de importadores exigências da IN-007
europeus _ desencadeou um processo muito
interessante no movimento da agricultura
orgânica do sul do Brasil. Finalmente, a pro-
posta de certificação participativa passou do suficientes); que se coloque no mercado de for-
discurso à tentativa de construção e trouxe ma a valorizar os seus produtos com um dife-
consigo algo fundamental: a aproximação rencial de preço (condições econômicas), que
mais efetiva dos diversos atores que traba- permita a evolução das competências de seus
lham a agricultura orgânica em associação atores (condições organizacionais); que seus
com propostas de fortalecimento da agricul- produtos sejam certificados por um organismo
tura familiar e de desenvolvimento rural sus- terceiro; que saiba fortalecer as relações ins-
tentável. Isso começou a dar corpo a uma rede titucionais nos diferentes níveis; e que reali-
centrada em aspectos mais "pragmáticos" da ze uma comunicação (informação, propagan-
produção e da comercialização da AO, que pas- da) sobre os seus produtos em conformidade
sou a ser chamada apropriadamente de "Rede com a legislação (condições institucionais).
Ecovida". Há dúvidas sobre a capacidade de
uma certificadora ligada a esta Rede compro- 6 Co nc l usã o
var sua independência e imparcialidade e, Existe, hoje, uma preocupação com a for-
mais importante do que isso, de passar ao con- mação de um “agri-organic-business”. A me-
sumidor a imagem de independente e de im- lhor maneira de evitar uma especialização,
parcial, ou seja, de assumir o papel de orga- uma concentração da produção, um nivela-
nismo de controle. Julga-se, por outro lado, que mento por baixo dos preços e da qualidade na
ela tem todas as condições de exercer o papel agricultura orgânica, é associá-la diretamen-
de organismo gestionário, que vai produzir e te com a agricultura familiar e com propostas
administrar os "cadernos de normas 12"; discu- de desenvolvimento regional sustentável.
tir a construção de uma marca coletiva; traba- Ora, para ser reconhecida como sustentável,
lhar uma política de comunicação sobre a agri- a AO deve manter a sua dimensão ética. E
cultura orgânica ligada à agricultura familiar; essa dimensão ética deve se impor, cedo ou
zelar para a efetivação de um programa de for- tarde, até mesmo para os industriais. Para
mação e de assistência técnica; definir ques- isso, é necessário que se dê condições para
tões importantes a serem trabalhadas pela que os agricultores familiares se apropriem
pesquisa agrícola e as possibilidades de apro- pura e simplesmente da AO. Dizendo de ou-
ximação com as instituições que a realizam. tra forma, precisa haver a construção de ins-
Um "pólo de referência" deste tipo poderá trumentos que façam saber ao consumidor que
contribuir para que a agricultura orgânica é este tipo de agricultor que produz essa qua-
consiga a conjunção de quatro condições ne- lidade, graças aos seus conhecimentos, ao seu
cessárias ao seu sucesso. Ou seja, que ela trabalho e ao seu talento. E a certificação pode
tenha a capacidade de "fazer" tecnicamente servir como um instrumento de reforço a esta
70 (condições técnicas, necessárias mas não estratégia. Uma vez informados, os consumi-
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A r t i go
dores de produtos orgânicos também devem construção de um meio rural vivo e mais equi-
fazer sua escolha. Eles precisam diferenciar librado em termos sociais e ambientais.
claramente quando a ética aparece como um Em suma, pode não ser necessário para a
simples argumento publicitário de quando ela agricultura orgânica escolher entre ética e
tem uma clara ligação com a realidade. E ir mercado, se a ética se impuser como uma
no sentido desta última, ou seja, optar por uma condição para a participação no mercado de
AO que esteja contribuindo, de fato, para a produtos orgânicos. A
A

7 . Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s

BRA SI L. M i n i st é r i o d a A g r i cu l t u r a e d o a u Br ési l : i m p o si t i o n s et r ési st a n ces. I n :


Abastecimento. Instruçã o N orma tiva N ° 007, CO NGRESSO MUNDIAL DE SO CIO LO GIA RURAL,
de 17 de ma io de 1999. Brasília, 1999. 12p. 2000. Ana is … Rio de Janeiro: IRSA/ SO BER, jul-
(mimeo) ago., 2000. (CD-ROM - Symposium J - Agricultural
technology, society and life sciences)
CAPLAT, G . ; G IRAU D EL, C. L'a g r i cu l t u r e
biologique et la qualité. IN : PRIEUR, M. (coord.). PERN IN , J- L. L'a g r o b i o l o g i e en Fr a n ce: l a
L'a g ri cul ture b i ol og i q ue : une a g ri cul ture transformation de ses réseaux. IN : NICO LAS, F.;
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71
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001

agroecomar01.p65 71 19/06/01, 16:36


A r t i go

No t as

1
Por isso, considerado por alguns como todos os países europeus. N a origem, se
"consumidor-cidadão" ou "consum-ator". encontra uma rede que orientou sua política
2
O caso do Rio Grande do Sul mereceria de comunicação para os produtos de
uma análise específica, que foge aos objetivos qualidade superior e/ ou para a inovação. Um
deste artigo, com a ocupação de importantes segundo grupo de redes fortemente
cargos das instituições públicas voltadas à majoritário segue aquela primeira. Suas
política agrícola estadual e ao desenvolvimento motivações são diferentes. Tendo observado
rural por quadros das ONGs (ver, por exemplo, uma sensibilização crescente da população
Pelaez e Schmidt, 2000). Este fato não invalida pelos produtos mais sadios e, sobretudo, mais
nosso argum ento, m as, ao contrári o, o respeitosos do meio ambiente, elas desejam,
reforça. antes de tudo, mediar a importância real dessa
3
Esses ar gu m en to s basei am - se em demanda latente e verificar em que medida esta
di scussão sem el hante presente em Inra nova atitude do consumidor se traduzirá em
(2000). uma modificação do seu comportamento de
4
O Brasil ainda não conta com um tipo de compra. Em outros termos, esses distribuidores
estrutura intermediária: os supermercados dão seus primeiros passos para uma possível
especializados em produtos orgânicos, adaptação da oferta e da demanda. E eles não
também chamados de "supérettes". Ele é hesitarão em suprimir os produtos orgânicos
diferente das feiras, julgados, pelos de suas prateleiras se o mercado se mostrar
consumidores, como "lugares míticos de troca" marginal demais. Finalmente, um terceiro grupo
e de encontro. Mas é diferente, também, dos que, mantendo seu ceticismo ou sua reticência
hipermercados, associados a uma imagem à agricultura orgânica, introduz os produtos
negativa, mas nos quais a venda de produtos dela em suas lojas unicamente sob a pressão
orgânicos é vista como inelutável. Na verdade, do mercado, procurando evitar que a sua
as supérettes conseguem as vantagens do clientela se desloque para os seus concorrentes.
supermercado com a qualidade transacional (Hatrival, 1993)
da compra das feiras. Ou seja, elas aparecem 6
Como contraponto ao "velho consumidor"
mais como um lugar onde vai se viver uma de circuitos curtos.
experiência de consumo e menos como um 7
Trata-se de estudar os processos pelos
lugar onde vai se comprar produtos. Por isso, quais uma tecnologia vem a ser superior às
mais do que vantagens objetivas, o ambiente outras. Nesta problemática, os desempenhos
deste tipo de loja é o que é preferido pelos (as capacidades de rendimento) das diversas
clientes. Ao mesmo tempo, no entanto, elas tecnologias presentes não são dadas, mas
oferecem uma riqueza de mercadorias construídas. São os processos de construção
(algumas com mais de 4 mil referências- que o conceito de RCA se propõe a descrever.
produto), uma ótima apresentação dos O ponto de partida da análise consiste em
produtos (embalagens a vácuo, refrigeração, supor que não é porque uma tecnologia tem
conservação), uma qualidade dos materiais desempenho superior que ela é adotada, mas,
utilizados e, sobretudo, credibilidade. Este tipo ao contrário, que uma tecnologia passa a
de loja aparece ao consumidor como capaz terum desempenho maior que uma outra
de garantir a ideologia original da produção porque ela é adotada. (Pernin, 1994)
e do consumo orgânico. (Pontier, 1998) 8
Trata-se do Regulamento CEE 2092/ 91, de
5
Segundo esta autora, o itinerário da 24 de junho de 1991, que diz respeito "ao
aparição de produtos orgânicos nas redes de modo de produção orgânico de produtos
supermercados é globalmente o mesmo em agrícolas e a sua apresentação sobre os

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A r t i go
No t as

produtos agrícolas e os alimentos". organismo de ligação. Ela assumiria, utilizando


9
Tramita na Câmara Federal o Projeto de práticas participativas, o papel efetivo de
Lei n° 659, de 1999, de autoria do Deputado formação, assessoria, vistorias etc, junto aos
Murilo Domingos, que "define sistema orgânico agricultores. Seus procedimentos seriam
de produção agropecuária e produto da fiscalizados pelo certificador, que fará,
agricultura orgânica, dispõe sobre a também, um controle por amostragem junto
certificação, e dá outras providências." aos agricultores. O s lim ites deste artigo
10
A In- 007 considera "produto da impedem, no entanto, que estes pontos sejam
agricultura orgânica, seja in natura ou aprofundados.
12
processado, todo aquele obtido em sistema Os cadernos de normas ou de encargos
orgânico de produção agropecuária e são os documentos que definem as "regras de
industrial". Este sistema de produção, por sua produção" ou as condições a serem
vez, "abrange os denominados ecológico, respeitadas, em todo a cadeia de produção,
biodinâmico, natural, sustentável, pelos membros de uma rede ou por aqueles
regenerativo, biológico, agroecológico e que querem se beneficiar de um selo de
permacultura". qualidade. Eles definem, através de critérios,
11
O uso da expressão não representa a prática. Ou seja, eles contêm o conjunto de
nenhuma ironia. Há, na verdade, limites para procedimentos, de insumos ou ingredientes
o seu credenciamento e à sua legitimidade. que são exigidos ou proibidos, na produção,
Alguns apresentados rapidamente a seguir. no manuseio, no beneficiamento, na
Pode se pensar, de fato, em uma certificação embalagem, no transporte e na
feita por um organismo independente, com com ercialização. Eles são o principal
esta rede participativa funcionando como um instrumento para o controle e a certificação.

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Gonçalves, Reinaldo. sam o montante de investimento inglês, até en-
Glob a liza çã o e d es- tão predominante.
na ciona liza çã o. São O início dos anos 40 marca a expansão e a
Paulo: Paz e Terra, consolidação do capital americano como o ca-
1999. pital estrangeiro hegemônico no país. No perí-
odo seguinte, até 1964, ocorre a industrializa-
Gonçalves, atra- ção brasileira através do processo de substitui-
vés de um texto sim- ção de importações. O investimento externo tor-
ples, consegue con- nou-se mais crítico, ou seja, era selecionado atra-
duzir o leitor a uma vés de um aparato institucional que incentivava
análise crítica em a importação de bens de capital e tarifava a
relação a todo o processo de "globa- importação de bens de consumo. Na década
lização" que vem fazendo do Brasil um dos des- de 70, os investimentos estrangeiros foram in-
tinos do investimento realizado por grandes gru- centivados, para determinadas áreas o capital
pos multinacionais. Segundo o autor, todo o externo era tratado da mesma forma que o ca-
processo de liberalização e privatização que vem pital nacional. Durante a década de 80, o autor
ocorrendo no país faz com que a vulnerabilida- comenta uma certa renacionalização da indús-
de externa aumente a cada fusão ou aquisição tria brasileira. Entretanto, a partir de 1995, ocor-
de empresas nacionais por grupos estrangei- re o mais amplo, profundo e rápido processo
ros. Considerando o investimento externo dire- de desnacionalização ocorrido na história do
to como todo o fluxo de capital estrangeiro des- país (amplamente elogiado pelo FMI).
tinado a uma empresa (residente), sobre o qual Um dos exemplos mais marcantes deste pro-
o estrangeiro (não-residente) exerce controle cesso é o setor brasileiro de serviços. Até a dé-
sobre a tomada de decisão, pode-se observar cada de 90, não havia registro de empresas es-
claramente o motivo que leva a desnacionaliza- trangeiras no setor de serviços de utilidade pú-
ção a aumentar a vulnerabilidade do país. blica, atualmente são poucos os serviços que
Analisando especificamente os mandatos do ainda são controlados pelo Estado (inclusive
Presidente FHC, o autor constata que num perí- serviços estratégicos foram vendidos ao capital
odo de três anos, 1996-1998, o Brasil aumen- estrangeiro). O resultado de todo esse proces-
tou em 80% seu grau de desnacionalização. so está quantificado nos fluxos de repatriação,
A presença do capital estrangeiro no Brasil ou seja, no volume de dinheiro enviado pelas
pode ser identificada desde a época colonial, já filiais instaladas em solo brasileiro para as suas
que a economia primário-exportadora era con- matrizes nos respectivos países de origem, que
trolada por empresas estrangeiras. O século XX em 1995 e em 1997 ultrapassaram a marca de
é também marcado pela influência dos investi- US$ 1 bilhão pela primeira vez na história.
mentos estrangeiros no Brasil. A partir da déca- Os fatores principais que permitem a entra-
da de 20, as empresas internacionais tiveram da do capital estrangeiro no país são a
um papel importante na expansão e na diversi- desregulamentação, as novas condições mun-
ficação da produção industrial brasileira, espe- diais de concorrência e o tamanho do mercado
cialmente na infra-estrutura de transportes. En- potencial brasileiro. A mineração, o setor de
tre a Primeira Guerra e a Grande Depressão, autopeças, de laticínios, de seguros, de super-
há uma grande expansão dos investimentos mercados, bem como o dos meios de comuni-
americanos, que em poucas décadas ultrapas- cação são os mais atingidos pelo processo de
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desnacionalização. O setor bancário, cada vez transpondo fronteiras entre disciplinas e amar-
mais internacionalizado, foi influenciado ainda rando os elos de um conhecimento fragmenta-
pela situação macroeconômica, que extinguiu o do. Foge da comodidade disciplinar para exa-
imposto inflacionário. Um dos poucos setores minar os grandes movimentos que determinam
que ainda tem barreiras à entrada do capital as relações entre sociedade e meio ambiente.
estrangeiro é o da aviação. Diagnostica os processos sociais de apropria-
Gonçalves foi um dos primeiros autores a cri- ção e uso dos recursos naturais e as conseqüên-
ticar o processo de "globalização" e "liberaliza- cias em termos de custos e benefícios sociais e
ção" por que tem passado o Brasil na década ambientais. O diagnóstico mostra também os
de 90. A partir da leitura de Globalização e Des- movimentos de contratendência, a gestação de
nacionalização, é possível compreender de for- um novo conhecimento e a necessidade de uma
ma mais clara o mecanismo que o governo fe- política e de uma pedagogia que o amparem.
deral tem utilizado na desnacionalização do O livro traça linhas mestras, princípios e méto-
capital brasileiro. Utilizando estatísticas recen- dos que podem ser bases para esta nova forma
tes, o autor atualiza o leitor e informa a gravi- de conhecer e de relacionar-se com a natureza.
dade do problema da dependência e da vulne- Para Leff, o saber ambiental é uma reflexão
rabilidade no Brasil. Toda a estratégia econômi- sobre a construção social do mundo atual, "é a
ca liberal implantada no país pelo governo FHC confluência de processos físicos, biológicos e sim-
não compromete apenas os resultados da pró- bólicos reconduzidos pela intervenção do homem
_
xima eleição, compromete o futuro da democra- da economia, da ciência e da tecnologia _ para
cia e da sociedade brasileira enquanto condutora alcançar uma nova ordem geofísica, da vida e
do seu processo de desenvolvimento, afirma da cultura". O saber ambiental é construído pela
Gonçalves. percepção e a atuação sobre campos de conhe-
cimento híbridos, que mostram as continuidades
Resenha elaborada por Daniela Dias da Silva, estagiá- entre disciplinas e possibilitam operar a partir de
ria do Programa de Cooperação Técnica entre novos valores e de uma racionalidade mais am-
EMATER/RS e UFRGS - daniela@emater.tche.br biental e menos instrumental.
O livro questiona a retórica do desenvolvi-
mento sustentável e a lógica da capitalização
dos recursos naturais, bem como a descaracte-
LEFF, Enrique. Sa ber rização cultural. A crítica sobre a
a mbienta l: sustentabi- (ir)racionalidade ecológica do modelo neoliberal
lidad, racionalidad, passa pelas formulações da economia ecológi-
ca. O saber ambiental se forja também na bus-
complejidad, poder. 2.
ed. México- DF: Siglo ca da cidadania e nos movimentos sociais, que
Veintiuno Editores, nunca são somente sociais, mas freqüentemen-
2000. te têm fundo ambiental. O saber ambiental
emergente é o que rege a nova racionalidade
A obra Saber ambiental. Nela devem estar embutidos os prin-
cípios de uma ética renovada, da participação,
Ambiental significa
um esforço de vi ncul ar da educação libertadora e da democracia.
abertamente temas que de alguma maneira O discurso do desenvolvimento sustentável
"inscreve as políticas ambientais aos ajustes da
tenham incidência sobre a questão ambiental,
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economia neoliberal para dar solução aos pro- Uma temática muito recorrente no trabalho
cessos de degradação ambiental", legitimando de Enrique Leff é o da apropriação social dos
assim as regras da economia de mercado. A ló- recursos naturais, sobre as formas de reconfi-
gica ambiental neoliberal também subjuga cul- guração que o capital lhes imprime e, principal-
turas, debilitando suas resistências. Desmante- mente, sobre a questão dos movimentos para a
lam-se as formas tradicionais de manejo dos reapropriação popular da natureza. A distribui-
recursos e a própria agricultura não mais é agri- ção dos recursos é extremamente desigual e a
cultura, visto que perde seu sentido simbólico, busca de uma justiça ambiental é o caminho in-
que é o cimento das relações materiais. dicado pelo autor para resolver os conflitos ge-
Desagregada a cultura, com a perda das raízes rados pela concentração da propriedade dos
e referências, a invasão cultural dominante abre recursos naturais.
caminho para o estabelecimento de novas rela- O saber ambiental desemboca no terreno da
ções de propriedade e de trabalho. educação "questionando os paradigmas esta-
Valores culturais estão freqüentemente asso- belecidos e desvelando fontes e mananciais que
ciados a formas específicas de apropriação e irrigam o novo conhecimento: os saberes indí-
manejo dos recursos da natureza. Por isso mes- genas, os saberes populares, os saberes pes-
mo, movimentos indígenas e camponeses nos soais". Uma pedagogia do saber ambiental
países pobres têm surgido com uma plataforma agrega estes saberes e lhes dá uma nova di-
que combina a preservação dos valores cultu- mensão _ o saber popular já não apenas como
rais à reapropriação do patrimônio de seus re- uma curiosidade antropológica, mas como cul-
cursos naturais. tura viva, feita de tradição e moldada na reali-
Refletindo categorias mais amplas da econo- dade do mundo moderno. A complexidade das
mia, Leff entra na discussão original sobre dívi- relações entre homem e natureza leva à obriga-
da externa. Para ele há três tipos de dívidas: a tória análise transdisciplinar. Para tanto, o sa-
dívida financeira, seja assumida ou não, pagá- ber ambiental passa pela sociologia do conhe-
vel ou não, negociável, refinanciável; a dívida cimento e pelo reconhecimento da necessidade
ecológica, não mensurável mas capaz de ser de trabalhar a consciência no desmonte da ló-
revalorizada, internalizada, redistribuída; e a dí- gica unitária do pensamento. O novo conheci-
vida da razão, que abre caminho a uma mento ambiental coloca as bases para ações
ressignificação e à construção de um desenvol- práticas de educação ambiental e de mudança
vimento alternativo, fundado em uma nova ra- rumo ao desenvolvimento sustentável. Leff apre-
cionalidade produtiva. senta esta mudança dentro de um movimento
O conhecimento do autor sobre os conceitos de geração de novas utopias, sendo o próprio
da termodinâmica permitem-no estabelecer vín- saber ambiental a fonte que a impulsiona.
culos entre os processo de crescimento econô- Ao final, o autor também desenvolve outras
mico e a entropia. A sustentabilidade "material" reflexões que completam e ilustram seus argu-
do planeta não pode ser obtida por meio de mentos sobre o saber ambiental, tais como a
uma sustentabilidade frágil, de corte tecnológi- relação entre demografia e meio ambiente, tec-
co e amparado por medidas mitigadoras. Nes- nologia, saúde e qualidade de vida.
sa altura cabe a reflexão sobre as diferenças Enrique Leff é um autor vastamente reconhe-
conceituais, mas também de desdobramentos cido e merece maior divulgação em nosso país.
práticos _ políticos, sociais e econômicos _, entre A obra Saber Ambiental é uma recompilação de
a economia ambiental e a economia ecológica. materiais _ notas, palestras e escritos _ elabora-
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dos ao longo de dez anos. Mais que isso, a obra do? Como esse processo está ocorrendo no ser-
é produto de textos retrabalhados, onde o mé- viço de extensão rural?
todo e a cosmovisão do autor orientam os ar- Essas e muitas outras questões são tratadas
gumentos e organizam a compreensão sobre por Caporal na sua tese de doutoramento. O
as relações socioambientais no mundo contem- autor aborda de forma extremamente clara todo
porâneo. o processo histórico da extensão rural no mun-
do, no Brasil e no Rio Grande do Sul, procuran-
Resenha preparada por João Carlos Canuto - do em seguida debater a história da ocupação
FEPAGRO - e-mail: dirtec@fepagro.rs.gov.br territorial sulista e como foi e tem sido conduzi-
do o processo social responsável pelo aumento
da qualidade de vida no campo.
A partir do conhecimento da realidade his-
Caporal, Francisco tórica estadual, Caporal procura analisar a ex-
Roberto; La extensión tensão rural gaúcha e suas perspectivas num
a grá ria del sector pú- novo paradigma de produção rural baseada no
b l i co a nte l os desenvolvimento sustentável. As hipóteses dis-
desa fíos del desa r- cutidas pelo autor são as seguintes:
rollo sostenible: el 1ª) A extensão rural da esfera pública res-
caso de Rio Grande ponde a dois elementos, às vezes contraditórios:
do Sul, Brasil (Una é utilizada como instrumento de política do Esta-
aproximación histó- do e deve escutar as demandas dos distintos se-
ri co- críti ca a l a tores da sociedade com os quais se relaciona.
extensionismo rural y 2ª) Ao longo do tempo, não se pode obser-
contribuciones para el paso del para- var uma política estatal clara capaz de afirmar
digma dominante). Córdoba, 1998. 516 p. Tese que o Estado esteve empenhado na busca do
de (Doutorado). Programa de Doutorado em desenvolvimento rural e da agricultura susten-
Agroecologia, Campesinato e História, ISEC - tável. Em geral, os discursos das instituições pú-
ETSIAM, Universidade de Córdoba, Espanha, blicas não se expressam em forma de políticas e
1998. programas orientados ao longo de tal desen-
volvimento.
"... la actividad extensionista, ...,de hecho es 3ª) O Estado, atualmente, através das suas
un conjunto instituições, deixa claro um discurso ecológico
de campos interdisciplinario que, en la no qual se inclui a perspectiva do desenvolvi-
práctica cotidiana de los agentes, mento rural sustentável, o que permite ampliar
se muestra en toda su complejidad y totalidad, o leque da ação extensionista.
absolutamente indivisible, cuyos distintos ele- 4ª) Os clientes da extensão apresentam de-
mentos influyen unos sobre los otros". mandas divergentes e nem sempre relaciona-
(Francisco Caporal) das com o desenvolvimento sustentável. As de-
mandas têm a ver com as diferentes realidades
Nas mais diversas áreas do conhecimento, dos agricultores, assim como com seus proble-
fala-se numa mudança de paradigmas, entre- mas imediatos.
tanto qual é o papel do extensionista dentro 5ª) As idéias das representações dos agri-
dessa nova visão de mundo que vem se forman- cultores sobre a extensão rural e as percepções
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das instituições públicas relacionadas a ela são andar do escritório central. A contribuição dada
muito distintas. nesta obra é essencial aos interessados em co-
As hipóteses citadas são confirmadas a par- nhecer mais sobre o processo histórico-social da
tir do trabalho de entrevistas realizado pelo au- formação dos extensionistas rurais (especialmente
tor. Entretanto, é importante salientar a os gaúchos), bem como discutir qual o papel da
constatação de que a clientela quando solicita- extensão em relação ao futuro da produção agrí-
da procurou sempre sugerir alguma ação no cola. Os extensionistas têm agora uma nova mis-
sentido da aperfeiçoar o serviço de extensão (o são: promover e difundir tecnologias de produ-
que significa claramente a necessidade de uma ção agrícola mais sustentáveis para os agriculto-
maior participação da clientela no processo de res e, dentro desse processo, estar sempre ensi-
atuação da extensão rural). nando e aprendendo com aqueles que também
Cada um dos aspectos envolvidos no pro- acreditam em um mundo menos excludente.
cesso de extensão é discutido de acordo com a
prática "difusionista" tradicional e também com Resenha elaborada por Daniela Dias da Silva, estagiá-
a nova concepção de formação do profissional ria do Programa de Cooperação Técnica entre EMA-
da "extensão rural agroecológica". TER e UFRGS - daniela@emater.tche.br
Segundo o autor, a Extensão Rural Agroeco-
lógica "é um processo de intervenção de caráter
educativo e transformador, baseado em meto-
dologias de investigação-ação participativas que CO LBO RN , T.;
permitam o desenvolvimento de uma prática so- DUMAN O SKI, D. e
cial em que os sujeitos do processo buscam a MYERS, J.P.: O futuro
construção e sistematização de conhecimento rouba do. Porto Ale-
que os leve a atuar conscientemente na realida- gre: L & PM, 1997.
de, com o objetivo de alcançar um modelo de 354 p.
desenvolvimento socialmente equitativo e ambi-
entalmente sustentável, adotando princípios te- Traduzido do
óricos da Agroecologia como critério para o de- original Our Stolen
senvolvimento e seleção das soluções mais ade- Future, editado
quadas e compatíveis com as condições especí- em 1996, o livro é
ficas de cada agrossistema e do sistema cultu- apresentado como "uma con-
ral das pessoas responsáveis pelo seu manejo". tinuação aprofundada e atualizada" da obra
A discussão sobre a necessidade de um novo de Rachel Carson, intitulada Primavera Silenciosa
padrão de serviço público de extensão rural con- (1962). Se trata de uma obra instigante, cujo con-
segue, no trabalho, abranger muito mais do que teúdo, extremamente preocupante, deveria ser do
a simples dicotomia entre um serviço sob total conhecimento de tantos quantos estejam ocupa-
responsabilidade do Estado ou controlado pela dos de salvar o planeta e a humanidade das atro-
iniciativa privada. Uma das questões principais cidades que a sociedade dita moderna tem provo-
do trabalho é o "repensar" sobre a função insti- cado em nome do progresso.
tucional do agente extensionista Aqueles que não tivemos acesso ao alerta de
A tese de Francisco Caporal, brevemente dis- 1962, pelo menos naquela época, agora temos a
cutida neste espaço, encontra-se a disposição possibilidade de atualizar nossos conhecimentos
dos colegas na Biblioteca da EMATER/ RS no 2° sobre os impactos sobre a saúde do homem, dos
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animais e de todas as formas de vida existentes foi somente em meados da década de 70 que
sobre a terra, que vêm sendo causados por pro- ficou evidenciado o efeito hormonal de produ-
dutos criados pela "inteligência" humana e res- tos como o DDT, que chegou a ser considerado
paldados na ciência e tecnologia convencionais. "o pesticida milagroso". Alguns efeitos nocivos
destes produtos são apresentados, em maior
O livro começa com um capítulo em que são detalhe, a partir do quinto capítulo, destacan-
relatados casos empíricos em que as alterações do a possibilidade do DDT agir como um
em hábitos e mesmo a ocorrência de epidemias estrógeno.
e mortandade de animais passaram a constituir Além do DDT, os autores afirmam que cerca
evidências de que estávamos diante de efeitos de 51 químicos sintéticos podem alterar, de al-
tóxicos de diferentes produtos químicos de sín- guma forma, o sistema endócrino. Entre eles,
tese. são destacados os PCBs, as dioxinas e os
Na seqüência, os autores trazem um conjunto furanos, todos produtos presentes no nosso
de informações científicas que vão desvendan- cotidiano ou espalhados no meio ambiente de
do, pouco a pouco, a relação de produtos quí- forma incontrolada. Ademais, os autores rela-
micos sintéticos com a ocorrência de alterações tam experim entos com fungicidas com o o
hormonais em homens e animais, diretamente vinelozolin e derivados da pirimidina, o primeiro
responsáveis por problemas sexuais, reproduti- atuando como "mimetizador", que toma o lugar
vos, imunossupressão tumores etc. E o pior, tais do hormônio sem gerar a "resposta biológica"
efeitos nocivos aparecendo em adultos e jovens ocasionada pela testosterona, enquanto que o
indicavam que tais produtos também funcionam segundo grupo funciona inibindo a capacidade
como "venenos hereditários". de produção de hormônios esteróides, evitan-
Os autores mostram que os agentes quími- do a remessa das mensagens.
cos sintéticos são capazes de alterar as "mensa- Mas os autores mostram, também, a inca-
gens" químicas enviadas pelas glândulas endó- pacidade da ciência e da tecnologia atual para
crinas, modificando as "ordens" dadas por es- "controlar" a dispersão destes produtos nocivos,
tes sistemas, o que evidenciam, especialmente, por todos os lugares e por todo o planeta. Fa-
mediante estudos sobre alterações sexuais. Eles lam sobre os múltiplos usos dos PCBs no mun-
mostram também que agentes químicos sintéti- do "moderno" e seus comprovados efeitos per-
cos podem funcionar como hormônios, desta- versos ao meio ambiente, aos homens e aos
cando os efeitos nocivos causados a bebês no animais.
conhecido caso da talidomida, "que acabou No capítulo 7, os autores desmistificam a re-
como mito da inviolabilidade do útero". Os efei- tórica da "dose diária aceitável", quando o as-
tos do DES também foram associados a outros sunto é alteração hormonal, examinando com
problemas congênitos, como a criptorquidia. detalhes o caso das dioxinas e seus mais de 70
Igualmente, anunciam evidências relacionadas "agentes químicos problemáticos". Lembram o
com a ocorrência de espermatozóides anormais caso de Seveso que, entre outros, passou a ser
e em menor número, testículos poucos desen- emblemático na luta contra os produtos clorados
volvidos, pênis atrofiados etc. persistentes, e nos recordam sobre o uso do
Para evidenciar a demora na identificação de herbicida 2, 4, 5-T na Guerra do Vietnã, relacio-
externalidades negativas e não controladas, oca- nado a evidências de câncer e outros males, in-
sionadas por muito produtos característicos dos clusive, seus efeitos hereditários.
"avanços científicos", os autores informam que Como estas, o livro traz muitas outras reve-
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lações de igual importância e interesse para a artigos, que refletem conteúdos trabalhados no
sociedade em geral, o que nos alerta para o Seminário Internacional sobre Distribuição de
fato de que o avanço da ciência e da tecnologia Riqueza, Pobreza e Crescimento Econômico. As
não é algo por si só benéfico, senão que pode análises são assinadas por J. STIGLITZ (econo-
estar significando impactos incontrolados e mista chefe do Banco Mundial), K. HOFF (eco-
incontroláveis _ muitas vezes desconhecidos _ nomista, titular da Universidade de Maryland e
sobre o homem e o meio ambiente. sênior do BIRD), N. BIRSALL (vice-presidente do
Como assinalava Rachel Carson, na década Banco Interamericano de Desenvolvimento), M.
dos 60, "estamos expondo populações inteiras LUNDBERG e L. SQUIRE (respectivamente, con-
a agentes químicos que, em muitos casos, têm sultor do Gabinete do Economista-Chefe e vice-
efeitos cumulativos. Atualmente, este tipo de ex- presidente sênior de Economia do BID, e diretor
posição começa a acontecer tanto antes como do The Global Development Netword), V. TANZI
durante o nascimento. N inguém sabe ainda (diretor do Departamento de Assuntos Fiscais
quais serão os resultados deste experimento, já do FMI) E J. E. da VEIJA (titular do Departamen-
que não há nenhum paralelo anterior que pos- to de Economia da USP). As diferentes aborda-
sa nos guiar." gens são coerentes e, dada a inserção profissi-
Agora, diante do debate sobre a introdução onal e autoridade dos analistas, possuem enor-
ou não de cultivos e produtos transgênicos em me relevância. Num esforço de síntese, que se-
nosso meio, a leitura deste livro pode ser decisi- guramente não reproduz a clareza das exposi-
va para quem deseja se esclarecer sobre os ris- ções e oculta a farta documentação em que se
cos escondidos em muitos chamados "avanços apoiam as análises, é possível afirmar que o
científicos", que com o passar do tempo vão se documento sustenta as seguintes conclusões:
mostrar um pesadelo para o homem e o meio 1. Contrariamente ao que afirmam as políti-
ambiente, como se mostraram ser o DDT, os cas neoliberais, que recomendam sucessivas
CFCs, os PCBs, as dioxinas, os furanos e tantos privatizações na busca de um Estado mínimo,
outros inimigos da vida sobre a terra. os Governos possuem importância e responsa-
bilidade estratégia, devendo exercer papel ativo
Resenha elaborada por Francisco Roberto Caporal. na elaboração e execução de políticas públicas
Engenheiro Agrônomo da EMATER/RS - voltadas à ampliação de oportunidades econô-
caporal@emater.tche.br micas para as camadas mais pobres. Para tan-
to, devem implementar reformas estruturais e
TEÓ FILO , Edson (org). institucionais de ataque à pobreza que viabilizem
Distribuiçã o de rique- a participação produtiva e organizada dos po-
za e crescimento eco- bres nas economias nacionais. Estas reformas
nômico - Estudos devem incluir o fortalecimento de instituições da
N EAD, v. 2. Brasília: sociedade civil e o controle social do Estado.
Ministério do Desen- 2. Opostamente às premissas do pensamen-
volvimento Agrário, to econômico tradicional é na distribuição e não
2000, 200 p. na concentração de riquezas e bens que devem
ser buscadas formas eficientes para o desen-
O documento é volvimento das sociedades. Modelos economé-
composto por seis tricos aplicados a vários países demostram que

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a Reforma Agrária é fundamental para a modi- 4. Contrariamente a teses tradicionais, de
ficação nas matrizes de distribuição de renda, que agricultura empresarial é mais eficiente e
devendo ser interpretada e implementada como pode responder adequadamente às demandas
instrumento capaz de viabilizar o crescimento da sociedade moderna, o que se observa é que
econômico sustentável. Neste sentido, e contra- a agricultura familiar possui potencial de desen-
riamente a posições assumidas por analistas volvimento superior. Neste sentido, embora ig-
renomados, a Reforma Agrária constitui peça norada pelos formuladores de políticas públi-
fundamental para a retomada do desenvolvi- cas, constitui um dos trunfos de países como o
mento econômico, não carecendo de seus efei- Brasil, em vista da crescente globalização dos
tos sociais positivos para ser legitimada. mercados internacionais.
3. É equivocada a hipótese de que os pro- Surpreendentes, tanto em vista de sua
gramas sociais devem ser separados dos eco- contundência como das culturas institucionais
nômicos, dos quais seriam decorrentes. Ao con- de seus autores, os artigos originais reforçam a
trário, o crescimento econômico revela-se depen- linha editorial adotada pela Revista Agroecolo-
dente de articulações das forças sociais, cuja gia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Assim,
dinamização responde diretamente ao alarga- pela atualidade, densidade e importância dos
mento das oportunidades de acesso dos pobres seus conteúdos, recomendamos, enfaticamen-
à educação e à terra. Nesse sentido, reformas te, a leitura da obra aqui resenhada.
estruturais que garantam estas possibilidades
são instrumentos insubstituíveis para a forma-
ção do capital social e devem constituir priori- Resenha elaborada pelo chefe da Divisão de Planeja-
dade nacional em todos os países com fortes mento da EMATER/RS, agrônomo Leonardo
desigualdades econômicas e sociais. Melgarejo. E-mail: melgarejo@emater.tche.br

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
1. Agroecologiae Desenvolvimento Rural Sustentáveléuma centrados emtemas da atualidade e contemporâneos ao
publicação da EMATER/RS, destinada à divulgação de debate e ao “estado daarte” do campo de estudo aque
trabalhos de agricultores, extensionistas, professores, se refere. Assim mesmo, terão prioridade os textos
pesquisadorese outrosprofissionaisdedicadosaostemas encomendadospelaRevista.
centraisde interesse daRevista.
7. Serão enviados5 (cinco) exemplaresdo número daRevista
2. Agroecologiae DesenvolvimentoRural Sustentáveléum para todos os autores que tiveremseus artigos ou textos
periódico de publicação trimestral que temcomo público publicados. Emqualquer caso, ostextosnão aceitospara
referencial todas aquelas pessoas que estão empenhadas publicação não serão devolvidos aos seus autores.
naconstrução daAgriculturae do Desenvolvimento Rural
Sustentáveis. 8. Ascontribuiçõesdevemter no máximo 10 (dez) laudas
(usando editor detextosWord) emformato A-4, devendo
3. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável ser utilizadaletraTimesNew Roman, tamanho 12 eespaço
publicaartigoscientíficos, resultadosdepesquisa, estudos 1,5 entrelinhas(doisespaçosentreparágrafos). Poderão
decaso, resenhasdeteseselivros, assimcomo experiências ser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final,
e relatos de trabalhos orientados pelos princípios da devidamentenumeradas, devendo ser escritasemletraTimes
Agroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoques New Roman, tamanho 10 eespaço simples. Quando for
teóricos e/ou práticos nos campos do Desenvolvimento o caso, fotos, mapas, gráficosefigurasdevemser enviados,
Rural Sustentável e da Agricultura Sustentável, esta obrigatoriamente, em formato digital e preparados em
entendida como toda a forma ou estilo de agricultura de softwares compatíveis com a plataforma windows, de
base ecológica, independentemente daorientação teórica preferênciaemformato JPG ouGIF.
sobre aqual se assenta. Como não poderiadeixar de ser,
a Revista dedica especial interesse à Agricultura Familiar, 9. Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR
queconstitui o público exclusivo daExtensão Rural gaúcha. 6022/2000). Recomenda-se que sejam inseridas no
Nestesentido, são aceitosparapublicação artigosetextos corpo do texto todasascitaçõesbibliográficas, destacando,
quetratemteoricamenteestetemae/ouabordemestratégias entreparênteses, o sobrenomedo autor, ano depublicação
e práticas que promovamo fortalecimento da Agricultura e, se for o caso, o número da página citada ou letras
Familiar. minúsculasquando houver maisdeumacitação do mesmo
autor eano. Exemplos: Como jámencionouSilva(1999,
4. Os artigos e textos devemser enviados empapel e em p.42); como já mencionou Souza (1999 a,b); ou, no
disquete à Biblioteca da EMATER/RS (A/C Mariléa final da citação, usando (Silva, 1999, p.42).
Fabião Borralho, Rua Botafogo, 1051 – Bairro Menino
Deus– CEP90150-053 – Porto Alegre– RS) oupor 10. Asreferênciasbibliográficasdevemser reunidasno fimdo
correio eletrônico (para agroeco@emater.tche.br) até o texto, naBibliografia, seguindo asnormasdaABNT(NBR
último diadosmesesdemarço, junho, setembro edezembro 6023/2000).
decadaano. Ademais, devemser acompanhadosdecarta
autorizando sua publicação na Revista Agroecologia e 11. Sobre a estrutura dos artigos técnico-científicos:
Desenvolvimento Rural Sustentável, devendo constar o a) Título do artigo: em negrito e centrado
endereço completo do autor. b) Nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)
sobrenome(s), acompanhado(s) denotaderodapé
5. Serão aceitosparapublicação textosescritosemPortuguês onde conste: profissão, titulação, atividade
ou Espanhol, assim como tradução de textos para estes profissional, local de trabalho, endereço e E-mail.
idiomas. Salienta-se que, no caso dastraduções, deve ser c) Resumo: no máximo em10 linhas.
mencionado deformaexplícita, empédepágina, “Tradução d) Corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo,
autorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizada 4 (quatro) tópicos, a saber: introdução,
e não revisadapelo autor”, conforme for o caso. desenvolvimento, conclusõesebibliografia. Poderão
ainda constar listas de quadros, tabelas e figuras,
6. Terão prioridadenaordemdepublicação ostextosinéditos, relação de abreviaturas e outros itens julgados

82 ainda não publicados, assim como aqueles que estejam importantes para o melhor entendimento do texto.

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