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Um Retrato para Sempre

De Simone Wicca

– Agora, meu neto, me chegue aquele álbum.

Aponta um velho álbum de fotografias pousado na poeira do armário. Era


ali que, às escondidas, ela vinha tirar vingança do tempo. Naquele livro a
Avó visitava lembranças, doces revivências.

Mas quando o álbum se abre em seu colo eu reparo, espantado, que não há
fotografia nenhuma. As páginas de desbotada cartolina estão vazias. Ainda
se notam as marcas onde, antes, estiveram coladas fotos.

– Vá. Sente aqui que eu lhe mostro.

Finjo que acompanho, cúmplice da mentira.

– Está a ver aqui seu pai, tão novo, tão clarinho até parece mulato?

E vai repassando as folhas vazias, com aqueles seus dedos sem aptidão, a
voz num fio como se não quisesse despertar os fotografados.

– Aqui, veja bem, aqui está sua mãe. E olhe nesta, você, tão pequeninho! Vê
como está bonita consigo no colo?

Me comovo, tal é a convicção que deitava em suas visões, a ponto de meus


dedos serem chamados a tocar o velho álbum. Mas Dulcineusa corrige-me.

– Não passe a mão pelas fotos que se estragam. Elas são o contrário de nós:
apagam-se quando recebem carícias.

Mia Couto, em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (São
Paulo: companhia das letras, 2003).

quando começamos a pensar na programação integrada à exposição ‘ano do cão’, sugeri ao roger
sassaki propor uma atividade motivada por duas coisas que presenciei acompanhando seu serviço
de retrato usando placa úmida de colódio. uma delas foi a ação realizada no lançamento da revista
zum em 2016. fizemos muitas fotos naquele dia e pra além dos retratos individuais, as pessoas
queriam mesmo era fazer foto de casal. naquela ocasião, a iluminação que carregamos até a
biblioteca mario de andrade funcionava melhor para retratos singulares, e explicávamos isso para o
público, mas nenhuma justificativa persuadia os casais a mudarem de ideia. a outra situação
aconteceu durante o festival valongo de 2017, quando o roger levou toda a sua parafernália para
fazer foto em frente ao museu Pelé, onde aconteciam as palestras do evento. uma coisa me marcou
muito aquele dia. um retratado estava muito curioso para saber quanto tempo duraria aquele retrato
que fazíamos dele com sua amada. o fato é que em tempos de relacionamentos líquidos, aquele
interesse quase impertinente chamou minha atenção. quando pensamos em ambrótipos, é
importante lembrarmos que estamos lidando com materiais bastante estáveis: prata e vidro. àquela
pergunta o roger deu uma resposta ainda mais constrangedora: ‘é possível que esse retrato dure
mais do que a memória de seus familiares a seu respeito’. e essa resposta, assim, afiada mereceu
uma explicação, já que a cara do casal foi de dúvida e assombro. ele completou que as fotos em
ambrótipo costumam ‘durar tanto tempo intactas que muitas vezes passam de geração a geração até
que os familiares que a possuem já não conseguem identificar os parentes naquela imagem’. de fato,
é comum que as imagens antigas, já desprovidas de nome e sobrenome, acabem parando numa
grande caixa nos mercados de pulgas onde uma infinidade de anônimos se amontoam. tem uma
série de artistas contemporâneos que se ocupam de colecionar esse tipo de imagens e contar novas
histórias dos retratados, ficcionando sobre quem fossem/sejam eles.
não sei se é desejo inconsciente, mas essa vontade do casal ser registrado em placa úmida parece ter
algum fundamento na permanência. o fato é que estamos falando de uma imagem muito durável.
um retrato para sempre. tão inabalável quando gostaríamos que fosse um relacionamento quando
estamos realmente apaixonados. e nem sempre é, mas naquele pedacinho de vidro há cabimento
para essa vontade.
e assim, no meio dessas reflexões, chegamos a essa atividade: um retrato para sempre.
vai rolar na casa ranzini, dia 9/6/2018, das 11h às 16h. pode (e é desejável) toda configuração
possível de casais. infelizmente, poliamor ficará com iluminação um pouco prejudicada, mas
mesmo assim, é possível também. o resultado é uma jóia como essas:

roger sassaki e simone wicca em mini-ambrótipo


beth lee e edison angeloni em mini-ambrótipo
venha. traga seu amor.
informações:
um retrato para sempre
o que: fotos de casal em placa úmida de colódio
quanto:
• consultar valores em contato@imagineiro.com.br
quando: dia 9/6/18, das 11h às 16h.
onde:
casa ranzini | imagineiro
rua santa luzia, 31
liberdade – são paulo

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