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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Departamento de Serviço Social
Curso de Graduação em Serviço Social
Disciplina: Fundamentos do Pensamento Sociológico
Professor: Giovanni Boaes
Aluno: Felipe Anacleto Matrícula: 20170050657

Análise da Carta do Cacique Seatlle a luz da teoria de Ferdinand Tönnies

Ferdinand Tönnies, pensador alemão que viveu entre a metade do século XIX e
começo do século XX, forneceu grandes contribuições no tocante a caracterização,
descrição e análise da sociabilidade humana. Apesar de ser considerado um autor
esquecido nos anais da Sociologia, como afirma Cássio Brancaleone (2008), suas
proposições se consolidaram no âmbito dos jargões sociológicos. Sua principal obra,
Comunidade e Sociedade, é referência até hoje para pesquisadores que se dedicam a
analisar como ocorrem as interações do homem, bem como as modificações destas
consoantes às transformações das estruturas da sociedade.
O autor utiliza o conceito de vontades para definir um fator que tem papel
fundamental na constituição das estruturas sociais, pois está ligado a natureza das
interações humanas. As vontades são classificadas em naturais e arbitrárias. As naturais
dizem respeito a determinações biológicas de nosso corpo, como a nutrição, a
autopreservação e a reprodução. Seria um equivalente psicológico do corpo
(BRANCALEONE, 2008). De acordo com a vontade natural, as relações humanas
seriam intrínsecas e, portanto, teriam sentido em si mesmas. As arbitrárias, por sua vez,
estão ligadas a interesses, deliberações e atitudes racionais e calculadas. Assim, seriam
exteriores, condicionadas a propósitos sem relação com a interação social em si.
Uma comunidade – estrutura social menor cujas relações entre os membros são
mais estáticas e coesas, baseadas na tradição, em costumes que são passados de geração
a geração – seria composta pela vontade natural de seus integrantes. Já uma sociedade,
seria caracterizada pelas vontades arbitrárias dos milhares de indivíduos, cada vez mais
diversificados e múltiplos em suas aspirações, ideologias e costumes.
Embora os dois tipos de estrutura social tenham suas distinções muito bem
clarificadas por Tönnies, um não elimina o outro. Mesmo que nossa sociedade de hoje
seja movida pelas determinações do capitalismo, com relações de venda, compra e troca
de mercadorias, exploração do trabalhador, entre outros aspectos deste modelo
econômico e de organização social, algumas comunidades continuam a existir nesse
meio.
É o caso das aldeias e reservas indígenas, algumas alocadas até aos arredores dos
espaços urbanos, que ainda resistem apesar de um passado de cruel exploração,
desapropriação e desenraizamento de suas terras, tradições e costumes. Todavia, a cada
ano que se passa, há uma redução da concentração dessas comunidades no Brasil, tanto
que a maioria delas atualmente está situada na região norte, localidade do país que ainda
conta com parte significativa de sua fauna e flora originárias.
A Carta do Cacique Seattle é um documento que retrata o sofrimento da
população indígena por ser deslocada de suas terras e seus estilos de vida. Em tom
emocionado, o líder dos índios pele-vermelhas da tribo Suquamish tenta defender o seu
povo da ameaça do então presidente norte-americano Franklin Pierce de comprar as
terras aonde vivem. É possível constatar claramente através do discurso do cacique que
a maneira como ele trata a terra, os animas e a vegetação é diferenciada dos indivíduos
urbanos. Fica evidente o amor e o zelo por tudo àquilo que lhe foi dado pela natureza.
Destaco o seguinte trecho:

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de


viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um
estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A
terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai
embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a
terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os
direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si
os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem
vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um
selvagem que nada compreende (CULTURA BRASIL, online).

O homem urbano não entende esta relação de amor e respeito dos índigenas para
com as terras aonde vivem porque são gananciosos, tem em seu objetivo de vida
apropriar-se dos recursos naturais para produzir desenfreadamente uma quantidade
exorbitante e diversa de produtos que o farão lucrar, algo próprio da sociedade como
uma estrutura baseada em interesses, meios e fins, segundo Tönnies. Trata-se também
de uma expressão daquilo que Georg Simmel chama da “economia do dinheiro”,
abordada por ele nas metrópoles, mas já constatada com esse interesse do governo
americano em meados do século XVIII.
Apesar de ter sido realizado há séculos atrás, algumas das falas do cacique
podem ser observas na sociedade atual. Quando ele fala que o homem branco pagará
por tudo que está fazendo contra a terra, realiza nada mais que uma previsão do que
aconteceria mais a frente. Estamos vivenciando diversas transformações climáticas que
certamente são influenciadas pela ação humana na natureza, vista no desmatamento das
florestas, no derramamento de esgoto nos rios e lagos, entre outras agressões ao meio
ambiente.
Dessa forma, creio que é um documento fundamental para se compreender a
diferença entre os interesses que norteiam os indivíduos nas comunidades e nas
sociedades. Algo constantemente abordado na obra de Ferdinand Tönnies.

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