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2 O Direito Natural clássico: definição e características

O pensamento acerca do Direito Natural remonta à Grécia antiga, com a formulação


jusnaturalista de ARISTÓTELES (384-322 a.C.).

O Estagirita foi com razão chamado de “pai do Direito Natural”, pois é a partir dele que o
pensamento humano formulou as categorias necessárias para um conhecimento depurado do
Direito Natural1 294.

Assim, vislumbrando a vida social, e o conjunto das relações jurídicas, ARISTÓTELES define a
Justiça como virtude, consistente no hábito de dar a cada um o que é seu, nas vertentes do
“justo natural” (que em todos os lugares tem a mesma força) e do “justo legal” (decorrente da
lei positiva de determinado lugar)2

A doutrina jusnaturalista foi também empreendida pelo pensamento estóico, mormente com
Marco Túlio CÍCERO (106-43 a.C.), em suas obras De Legibus e De Republica3 com
repercussões no próprio Direito Romano.

Destarte, com esses alicerces, a Escolástica, principalmente com S.TOMÁS DE AQUINO (1225-
1274)4 , estabeleceu de forma profunda uma doutrina do Direito Natural Clássico5

Apresentado esse breve escorço histórico6 , para que seja possível uma definição de Direito
Natural com bases sólidas, é preciso que se entenda o verdadeiro sentido do próprio termo
“Direito Natural”, apreendendo-se corretamente seu significado e suas características; e isso é
necessário porque ao longo da história nem sempre houve concordância acerca do significado
dessa expressão7.

1 Cf. J. HERVADA. Historia de laCiencia cit., p. 53. No mesmo sentido é o ensinamento de M.VILLEY, ao afirmar que, para o
conhecimento do objeto e das fontes do Direito, nada mais proveitoso do que a leitura de Aristóteles e S. Tomás de Aquino, cujos
ensinamentos sobre a doutrina do Direito Natural podem servir para preencher os vazios da teoria jurídica contemporânea; e ao
pregar que “ao Zurückzu Kant do final do século XIX, deve ser preferido este outro adágio: Zurück zum Aristoteles !”. Cf.
Abrégédudroitnaturelclassique. In: Archives de Philosophiedudroit, n.6. Paris: Sirey, 1961, pp. 27-28 (tradução do autor).
2
Uma parte da justiça política é natural, a outra é legal. A natural tem a mesma eficácia em todos os lugares, e não depende de
nossa opinião; a legal é originariamente indiferente, se deve ser assimou de algum outro modo, mas, uma vez posta, deixa de ser
indiferente” : Ética a Nicômaco, livro 5, cap. 7, 1135 a (consultamos a edição espanhola, do Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales – Madrid, 2002. Tradução de Maria Araujo e Julián Marías, com introdução e notas deste, p.81).

3
Consultamos LasLeyes. Tradução espanhola, introdução e notas de Álvaro D ’Ors. Madrid: Instituto de EstudiosPoliticos, 1953. O
jusnaturalismo de CÍCERO é analisado com mais detalhes no item 4.2.2, infra.
4
Especialmente no Tratado da Justiça feito na Suma de Teologia (II-IIae).
5Para J. HERVADA, a doutrina do Direito Natural formulada por S. TOMÁS DE AQUINO é “uma teoria completa, que se projetará

sem interrupção até nossos dias”. Cf. Historia de laCiencia cit., p. 142.
6 Jacques MARITAIN formula da seguinte maneira a síntese histórica do Direito Natural: “A idéia autêntica da lei natural é uma

herança do pensamento greco-cristão. Não se reporta apenas a Grotius, que, na realidade, começou a deformá-la, mas antes mas
antes dele, a Suárez e a Francisco de Vitória e, antes deles ainda, a Santo Tomás de Aquino. Só este incluiu a matéria dentro de
uma doutrina totalmente consistente, mas expressa infelizmente num vocabulário pouco claro, de modo que suas qualidades mais
profundas foram logo desconsideradas e omitidas. Podemos ainda reportar-nos a um passado mais antigo, até Santo Agostinho,
os Padres da Igreja e São Paulo. Lembremo-nos daquele dito de São Paulo: ‘ quando os Gentios, que não possuem a Lei, praticam
por natureza as coisas contidas na Lei, esses Gentios, não tendo a Lei, são uma lei para si mesmos ...’ (São Paulo, Rom. 2-14).
Podemos mesmo ir além, até Cícero, até os Estóicos, até os grandes moralistas da Antiguidade e os seus grandes Poetas,
particularmente Sófocles. Antígona – que tinha plena consciência de que, transgredindo a lei humana e sendo por ela aniquilada,
estava obedecendo a um mandamento melhor, às leis não escritas e imutáveis – é a eterna heroína da lei natural. Pois que, como
ela o diz, essas leis não escritas não nasciam do capricho de hoje ou de ontem, ‘mas vivem sempre e para sempre e nenhum
homem sabe de onde provêm’ (Sófocles, Antígona) ”. Cf. O Homem e o Estado. 4a ed. Rio de Janeiro: Agir, 1966, p.87.
7
próprio termo “natural”, e o sentido de “natureza”, tanto na linguagem coloquial quanto no sentido
filosófico, têm múltiplos significados, o que por si só evidencia a dificuldade dessa tarefa conceitual. Cf.
J. HERVADA. Historia de laCiencia cit., p. 27.
É importante, pois, que se busque uma definição de Direito Natural, bem como o
detalhamento de suas características.

O Direito Natural trata-se de tema árduo, em relação ao qual chega a reinar uma certa
confusão terminológica 8, que afetou até mesmo o estudo de cientistas do Direito do quilate
de Kelsen9 e Bobbio10

Por isso, visando um aclaramento conceitual, após essa breve exposição introdutória passamos
a registrar, a modo de compilação, a definição de Direito Natural (nessa concepção clássica,
aristotélico-tomista e com raízes no próprio Direito Romano) e a explanação de suas principais
características, feita por vários doutrinadores que se debruçaram sobre o tema.

8
Essa confusão terminológica e conceitual revela-se, por exemplo, na seguinte questão: quando os positivistas lançam críticas ao
jusnaturalismo, a qual “Direito Natural” estão se referindo: à concepção clássica do Direito Natural, ou a sua formulação
racionalista advinda a partir do século XVII?
9 “As críticas que Kelsen pensa dirigir contra a idéia do Direito Natural demonstram que ele não conhece nem mesmo

minimamente sua forma principal. A forma primeira e autêntica do Direito Natural deve ser estudada diretamente em seus
criadores: Aristóteles, pai da doutrina e Santo Tomás, que a coroa com uma teologia, além de ser maravilhoso intérprete”. Michel
VILLEY. Abrégé Du droit naturel classique cit., p. 26 (grifo e tradução do autor).
10 “No trabalho de Norberto Bobbio ‘Alguns argumentos contra o Direito Natural’ (em: Kelsen, Bobbio e outros, Critica delDerecho

natural, Madrid, Taurus, 1966) criticam-se as doutrinas de Hobbes, Pufendorf, Achenwall, Rousseau, Thomasius, Grocio y Wolff,
todos pertencentes às escolas racionalista e naturalista do Direito Natural (...)” : cf. Carlos Ignacio MASSINI CORREAS. Sobre el
realismo jurídico (Los fundamentos delderecho natural clasicoenelpensamiento de Michel Villey). Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1978, p. 34. No mesmo sentido é a observação de Dario QUAGLIO (cf. Giorgio Del Vecchio: ildirittofraconcetto e idea, pp. 50-51) :
“Quando Bobbio critica o Direito Natural, tem presente de modo particular o jusnaturalismo moderno; tanto isso é verdade que
este ponto de vista emerge também da leitura das obras escritas depois daquela por nós até agora citada – Giusnaturalismo e
positivismo giuridico. (...) Nas palavras de Bobbio pode-se distinguir uma equação entre jusnaturalismo e jusnaturalismo
moderno” ). E realmente, pela leitura do capítulo VII da obra de Norberto BOBBIO Giusnaturalismo e positivismo giuridico
(2a ed. Milano: EdizionidiComunità, 1972), intitulado “argumentos contra o Direito Natural” (pp. 163-178), percebe-se que as
críticas ali feitas referem-se ao Direito Natural Racionalista, e não ao Direito Natural Clássico – veja-se, por exemplo, as referências
ao pensamento de Grócio, Hobbes, Pufendorf e Rousseau. Na interessante observação de J. HERVADA, tal ataque ao Direito
Natural racionalista equivale à “tentativa de matar um cadáver”: cf. História de laCiencia cit., p. 27.

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