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ANTONIO GRAMSCI, PAULO FREIRE E O EDUCADOR COMO

INTELECTUAL NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

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Mariza Rotta - PUCPR
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Fábio Inácio Pereira - PUCPR

Grupo de trabalho - História da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente trabalho propõe-se refletir sobre o educador como intelectual nos movimentos
sociais a partir das concepções de Antonio Gramsci e Paulo Freire. A prática do educador
como intelectual é compreendida como uma ação comprometida com a luta por
transformações relacionadas às realidades concretas dos grupos que representam. Os
“Cadernos do cárcere” como a “Pedagogia do Oprimido” são aqui referenciados como
contribuições recorrentes no desvelamento dos diferentes vínculos entre educação e política,
que fundamentam a práxis dos educadores. Os textos foram interpretados criticamente e com
foco no referencial de intelectual que propõem como referências importantes nas lutas sociais,
os pensadores que contribuem por meio de suas obras e pelo exemplo de engajamento político
nas lutas populares. A reflexão contribuiu para a compreensão de aspectos importantes do
legado dos autores a partir da concepção de intelectuais e sua participação nos movimentos
sociais que propuseram: intelectuais que ultrapassam o nível da interpretação do mundo e se
engajam nas lutas de emancipação com um trabalho de construção de uma nova concepção de
mundo que passa por um reforma intelectual e moral, contrapondo-se culturalmente aos
intelectuais representantes dos interesses dominantes, demonstrando em sua condição uma
textura de elementos diversos, mas inseparavelmente conexos com a racionalidade, a
objetividade e a subjetividade que move a vocação ontológica de movimentar a história. Esse
movimentar enseja a prática do diálogo com o aprofundamento da tomada de consciência, que
nada mais é do que um conhecimento problematizador da realidade, conhecimento este que
vai requerer do homem uma ação transformadora sobre o objeto cognoscível e que, no caso, é
a realidade opressora.

Palavras-chave: Intelectuais. Movimentos Sociais. Antonio Gramsci. Paulo Freire.

1
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR e membro do Grupo de
Pesquisa: Fundamentos históricos, filosóficos da teoria e da prática pedagógica em Paulo Freire. E-mail:
mzrotta@gmail.com
2
Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR e membro do Grupo de
Pesquisa: Fundamentos históricos, filosóficos da teoria e da prática pedagógica em Paulo Freire. E-mail:
fabio.inacio@pucpr.br

ISSN 2176-1396
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Introdução

O ponto de partida deste texto é a compreensão do caráter fundamental da reflexão


crítica sobre a prática do educador no contexto dos movimentos sociais. E como elemento
norteador da abordagem, à necessária apropriação do conhecimento acerca do processo
histórico e, especificamente, da sociedade capitalista.
Uma maneira de pensar a educação do educador como intelectual é a partir do modo
como a sua atividade acontece concretamente, assim, a que se fugir de todo tipo de abstração.
Afinal, como fazer social à prática desse educador constitui parte do processo de reprodução
material da sociedade e como tal ele é interpelado a responder a determinadas demandas
gerais. De outro modo, a prática do educador pode ser considerada na medida em que remete
a atividades educativas articuladas com as lutas sociais. Nesta perspectiva o fazer social
ganha um caráter político, remetendo à própria transformação dessa sociedade.
Na tradição crítica de pensar a educação e a prática do educador encontra-se a posição
de Karl Marx, em uma das teses sobre Feuerbach, afirmava: “A doutrina materialista da
transformação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias têm de ser
transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado” (MARX;
ENGELS, 1984, p. 108).
Situada a ação do educador em meio aos movimentos sociais, nesta perspectiva da
proposta mais avançada de transformação social, o educador deveria considerar o momento que a
humanidade se encontra, ante a crise do processo de produção e reprodução do capital. Neste
âmbito, caberia a ele a compreensão da necessidade da sua própria educação e do entendimento
da crise que, afetando todas as formas da existência humana, tem consequências específicas sobre
a formação desenvolvida no contexto dos movimentos sociais.

Particularmente Antônio Gramsci (1891-1937) e Paulo Freire (1921-1997) em suas


abordagens teórico práticas apresentam familiaridade com as preocupações dos movimentos
sociais no campo da educação e da sociedade capitalista, por essa conotação seguidamente
são referenciados por contribuírem com o desvelamento dos diferentes vínculos entre
educação e política, tanto na perspectiva da resistência à ideologia dominante, quanto na que
sugere a necessidade de intervenções criativas, fundamentadas e consistentes no contexto de
uma educação popular.
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Gramsci e Freire: a relação teórico prática de pertencimento aos movimentos sociais

A análise da forma de pensar dos autores mostra, não somente a proximidade do


pensamento de Gramsci e Freire, mas em particular, a influência exercida sobre a construção
da definição de movimentos sociais e o modo como deram a ela consistência filosófica e
política.
Freire reconhece os movimentos sociais como forças por excelência capazes de alterar
situações de injustiça construídas na história (FREIRE, 2000). Na primeira nota de seu livro
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Pedagogia do Oprimido , refere-se aos movimentos sociais de forma contundente. A nota
revela elementos que permitem compreender a concepção de Freire sobre os movimentos
sociais como sendo: portadores de uma rebeldia que impulsiona a sociedade; respondendo a
desafios específicos de uma classe, de um grupo social, de uma questão social emergente; ao
mesmo tempo portadores de uma preocupação essencial, de caráter universal, que no caso
seria a busca de humanização; lugares de constituição do homem e da mulher como sujeitos;
movimentos da atualidade indicam a ultrapassagem de uma visão antropocêntrica em direção
a uma visão antropológica (STRECK, 2009).

A identificação destas características definidoras dos movimentos sociais, Freire se


aproxima da tradição inaugurada por Gramsci de uma preocupação com a organização social
e com a educação para além dos muros escolares, uma formação que poderia acontecer no
próprio local de trabalho do operário ou do camponês, chamado de: “os trabalhos educativos,
que devem ser realizados com os oprimidos, no processo de sua organização” (FREIRE,
1981, p. 46). Neste sentido os próprios conselhos de fábrica, experiência de organização
democrática popular que foi fundamental na constituição do pensamento político de Gramsci,
demonstrava a capacidade de organização dos trabalhadores sobre a produção e a preparação
política, entre outras atividades. Inclusive por ele reconhecido como um importante
instrumento de educação dos trabalhadores como intelectuais forjados para a luta
revolucionária.

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O livro foi escrito em 1968, no Chile, no período de seu exílio.
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Nota de rodapé de Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1981, p. 30): “Os movimentos de
rebeldia, sobretudo de jovens, no mundo atual, que necessariamente revelam peculiaridades dos espaços onde se
dão, manifestam, em sua profundidade, esta preocupação em torno do homem e dos homens, como seres no
mundo e com o mundo. Em torno do que e do como estão sendo. Ao questionarem a civilização do consumo, ao
denunciarem as burocracias de todos os matizes; ao exigirem a transformação das Universidades, de que resulte,
de um lado – o desaparecimento da rigidez nas relações professor-aluno; de outro – a inserção delas na
realidade; ao proporem a transformação da realidade mesma para que as Universidades possam renovar-se; ao
rechaçarem velhas ordens e instituições estabelecidas, buscando a afirmação dos homens como sujeitos de
decisão, todos estes movimentos refletem o sentido mais antropológico do que antropocêntrico de nossa época”.
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Os conselhos de fábrica tornaram-se um marco para a organização dos trabalhadores e


a luta por seus direitos. Fiori assegura que a ideia central de Gramsci, era incluir todas as
pessoas, agentes sociais, no novo projeto de transformação, fazendo com que passassem de
simples executores a dirigentes do processo produtivo.

[...] a ideia central de Gramsci era que todos os operários, todos os empregados,
todos os técnicos e mais tarde todos os camponeses e logo todos os elementos ativos
da sociedade deveriam tornar-se, fossem ou não inscritos no sindicato e
independente do partido a que pertencessem, e mesmo que não militassem em um
partido, mas apenas pelo fato de serem operários, camponeses, etc., de simples
executores a dirigentes do processo produtivo; de peça de um mecanismo regulado
pelo capitalismo a sujeitos; em essência, que os órgãos democraticamente eleitos
pelos trabalhadores (os Conselhos de fábrica, de fazenda, de bairro) fosse investidos
debaixo do poder tradicionalmente exercido na fábrica e no campo pela classe
proprietária e nas administrações públicas pelo delegado do capitalista (FIORI,
1979, p. 150).

A perspectiva de abordagem da tarefa e papel do educador, como foi proposto por


Gramsci, contribui para compreender a sua urgência e também para problematizar a questão
da formação de sujeitos que assumam o seu papel como seres históricos.
Neste contexto do ponto de vista teórico, a análise marxista dos movimentos sociais
compreende a interlocução privilegiada, como as elaborações clássicas de Gramsci nos
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cadernos redigidos no cárcere que, sob diferentes prismas, contribuiu para o entendimento do
conteúdo político expresso na ação dos movimentos sociais, tendo como referência os
processos sociais engendrados em cada tempo histórico.

A construção histórica da organização política requer a análise concreta da atuação


dos movimentos sociais em cada conjuntura para entender os distintos conteúdos e formas
que assumem suas mobilizações. Refere-se à necessidade de organização da classe para a
construção de uma nova hegemonia, não somente exercida por uma classe sobre a sociedade.
Para Gramsci (1999/2002), a construção de uma hegemonia das classes subalternas requer
uma intensa “preparação ideológica das massas”, um trabalho de construção de uma nova
concepção de mundo que passa por uma reforma intelectual e moral.
Nos referenciais gramscianos, as transformações sociais passam pela criação de novos
valores culturais. Uma contra-hegemonia, conduzida pelos intelectuais e pelos movimentos
sociais, dariam vazão a uma nova visão de mundo e coesão social, permitindo a ação de um
bloco histórico que se contraponha ao pensamento hegemônico. Nesse sentido Gramsci

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No Brasil os cadernos foram publicados em 6 volumes a partir de 1999, com tradução e edições divididas entre
Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira.
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(1968) observa que o intelectual orgânico da classe trabalhadora seria uma espécie de
comunicador ativista dos movimentos sociais, contrapondo-se culturalmente aos intelectuais
representantes dos interesses dominantes.
Gramsci também remete ao papel do intelectual orgânico das classes subalternas na
compreensão da dinâmica das superestruturas como fonte de inspiração para a constituição de
pedagogias que possam servir de intervenção nas práticas educativas das escolas. Manacorda
(1990, p. 21-22) resume de forma muito precisa o modo como o autor trata o tema, recorrente
ao longo de sua vida: a importância do acesso à cultura, que lhe dê autonomia e
independência em relação aos intelectuais burgueses, o necessário caminho da organização
dos trabalhadores, e a crítica à escola conservadora. Importante para a elaboração de uma
postura contra hegemônica, que de modo especial contribua para a compreensão crítica dos
processos educativos que os educadores precisam elaborar e que estão presentes na sociedade
capitalista.

Na situação concreta, determinada por uma forte presença capitalista, ele postula a
necessidade urgente de uma iniciativa cultural autônoma do proletariado e nessa
perspectiva sublinha o valor de uma educação intercambiável e de um controle
recíproco, desejando que no proletariado se forme uma hierarquia espiritual que,
autônoma em relação às direções culturais tradicionais, esteja apta a formar homens
diferentes, que não sejam homens de ‘caos específicos’, de ‘uma única atividade’,
mas que sejam completos (MANACORDA, 1990, p. 29)

Pelas linhas desenhadas por Gramsci é possível compreender que o educador participa
dos processos no interior da escola, aproveitando os espaços de contradição, principalmente
quando a hegemonia ocorre em consenso, auxiliando os alunos a desvelarem a ideologia
predominante e elaborarem um pensamento contra ideológico no interior da escola e por
extensão, na sociedade.
As concepções de Paulo Freire constituem a possibilidade de elaborar uma pedagogia
capaz de ser expressiva na perspectiva de uma educação crítica, transformadora e libertadora.
Freire (2001a) coloca o ser humano como inacabado e, portanto, aberto como ser
social e político que se constrói nas relações com os outros seres humanos que cria sua
peculiar maneira de ser, que demonstra em sua condição, uma textura de elementos diversos,
mas inseparavelmente conexos com a racionalidade, a objetividade e a subjetividade.
Demonstrando a vocação ontológica de transgredir, de fazer rupturas, de movimentar a
história, aqui vista como o amanhã incerto, mas construído mediante a ação transformadora
do hoje (FREIRE, 2000a, p. 40).
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Desse modo, a humanização é a possibilidade de nossa condição de ser inconcluso,


mas há ainda outra possibilidade que é a desumanização. Daí que para Freire, apenas a
humanização seria nossa vocação ontológica, negada na opressão, mas afirmada no desejo de
justiça. Esse cenário leva a articulação de um pensamento contra hegemônico não apenas em
caráter filosófico, mas como prática educativa, que possibilite a ascensão das massas por meio
da desconstrução das ideias dominantes, alimentadas no limiar pela esperança que faz parte
da condição humana, pois sem a mesma, não haveria história e nem opção por uma educação
libertadora.
Compor-se como educador em meio à sociedade é tarefa árdua, que requer capacidade
de resistir a todos os meios de agressão que o sistema exerce no sentido de tirar de cada
sujeito o direito de construir sua própria identidade com liberdade e autonomia, participando
da construção da história coletiva da sociedade.
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Esse cenário ganha contorno especial na obra Pedagogia da Indignação que faz
contundentes ressalvas a uma visão de mundo que não vê as ideologias, a luta de classes e que
favorece um processo educativo despolitizador, contrário ao desenvolvimento da cidadania.
Freire afirma que a educação para hoje é a que melhor adapte homens e mulheres ao
mundo tal qual está sendo. Nunca, talvez se tenha feito tanto pela despolitização da educação
quanto hoje (FREIRE 2000, p. 95). O autor confia que é possível que os educadores
participem de forma positiva da construção de uma educação na/para cidadania, o que não é
um processo fácil, mas que também não é impossível.
A concepção de educação tem como ponto de partida uma clara opção pela libertação
dos oprimidos e da opressão. Nesta concepção não cabem os velhos referenciais da educação
conservadora, pois o processo educativo passa a ser a teoria e a prática da conscientização, do
diálogo, da comunicação, da autonomia e da liberdade.
A conscientização, enquanto ultrapassagem da mera tomada de consciência da
realidade, no sentido clássico, implica a apreensão da lógica de opressão, a que estão
submetidas às classes oprimidas, e o comprometimento com as lutas de libertação dessas
mesmas classes. O processo de conscientização é transformador porque promove o
engajamento dos educandos, agora como intelectuais, na luta ideológica entre as classes
sociais.
A prática do diálogo, como a relação primordial de convivência entre educador e
educando, traz a questão da necessidade existencial, do existir com o outro. Os homens são

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O último livro do autor no qual se encontram suas “Cartas pedagógicas”, publicado em 2000.
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educados como sujeitos de diálogo e comunicação. Conscientizados de que somente na


dialogicidade, capaz de estabelecer sínteses entre antagônicos, o processo de humanização se
realiza. E se realiza porque é a comunicação que constrói os homens como sujeitos que,
reciprocamente, se municiam.
Na relação de diálogo e comunicação, os educandos se constroem como intelectuais
capacitados, político-culturalmente, para tomarem decisões por si mesmos, ou seja, de
maneira autônoma. O fazer-se em relação, como sujeitos autônomos, é a prática radical de
fazer a história, pela conscientização, para o encontro com a verdade, que no sentido
gramsciano, é revolucionária. A autonomia é a expressão e a prática da liberdade, da
liberdade de quem conhece e de quem atua na história.

Educador como intelectual nos movimentos sociais

O escopo de discutir o educador como intelectual é refletir sobre o papel que o mesmo
desempenha na disputa pela hegemonia, em especial a função educativa cultural dos
intelectuais no exercício de lutas de classes que envolvem as relações sociais cotidianas. Na
perspectiva dos autores elencados, o educador intelectual detém por acepção a função de
produzir e socializar os conhecimentos que em determinadas instâncias defendam o
engajamento político.
Nessa seara, busca-se compreender qual conteúdo deve ser objeto de ensino e de onde
surgem?

Os próprios conceitos que usamos em nossa formação intelectual e em nosso


trabalho estão fora da realidade, muito distantes da sociedade concreta. Em última
análise, tornamo-nos excelentes especialistas, num jogo intelectual muito
interessante – o jogo dos conceitos! [...] minha insistência de começar a partir de sua
descrição sobre suas experiências da vida diária baseia-se na possibilidade de se
começar a partir do concreto, do senso comum, para chegar a uma compreensão
rigorosa da realidade. Não dicotomizo essas duas dimensões do mundo – vida diária
do rigor, senso comum do senso filosófico, na expressão de Gramsci (FREIRE;
SHOR, 1986, p. 131).

É na perspectiva da integração com o conjunto de relações sociais existentes em uma


determinada sociedade que se encontra, na visão de Antonio Gramsci, a explicação do que
seja o intelectual. Para o autor, a noção de intelectual não se encontra nas atividades ou em
seus atributos, ou seja, ao fato de exercer atividades intelectuais (GRAMSCI, 1989, p. 18).
E sim, detêm função orgânica importante no processo da reprodução social, na medida
em que ocupam espaços sociais de decisões práticas e teóricas, tornando-os objeto de longa
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análise nos cadernos do cárcere. Que traz como ponto base dos intelectuais o trabalho pela
formação de uma nova cultura, que pode ser compreendida como uma contra hegemonia, que
tem como objetivo final as lutas organizativas no seu momento histórico e social.
Gramsci compreende que os intelectuais possuem uma função social de porta vozes
dos grupos ligados ao mundo da produção. E compreende que nem “todos os homens são
intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais”
(GRAMSCI, 2004, p. 18). De acordo com Manacorda (1989, p. 147), Gramsci enfoca a
temática dos intelectuais no âmbito da divulgação ideológica, na qual, a escola exerce um
importante papel. E a questão da educação do educador deve partir do princípio de que há
uma função social e política da condição de educador.
Na perspectiva de Paulo Freire, o educador como intelectual entre outras atribuições
deve ter: “compreensão do processo produtivo” (FREIRE, 2011, p. 55); “ensinar exige
apreensão da realidade” (FREIRE, 2011 p. 67); “humildade de admitir que não sou o sujeito
do processo de aprendizagem” (FREIRE, 2011, p. 24); “a curiosidade de investigar e conhecer
pensar do povo” (FREIRE, 1981, p. 101); “a inserção é um estado maior que a emersão e
resulta da conscientização da situação. É a própria consciência histórica” (FREIRE, 1981, p.
102).
Na perspectiva de Giroux (1997, p. 29), os educadores teriam o papel de fornecerem
aos estudantes os conteúdos e práticas necessárias para tornarem-se agentes da ação
transformadora. Como uma importante forma de intervenção a prática do educador deveria
criar no educando a prática de “assumirem riscos”, para a “mudança institucional” e
envolverem-se na luta “contra a opressão e a favor da democracia fora das escolas”.

Enquanto intelectuais, combinarão reflexão e ação no interesse de fortalecerem os


estudantes com as habilidades e conhecimento necessários para abordarem as
injustiças e de serem atuantes críticos comprometidos com o desenvolvimento de um
mundo livre da opressão e exploração. Intelectuais deste tipo não estão meramente
preocupados com a promoção de realizações individuais ou progresso dos alunos nas
carreiras, e sim com a autorização dos alunos para que possam interpretar o mundo
criticamente e mudá-lo quando necessário (GIROUX, 1997, p. 29).

Deixando à mercê a busca pela percepção da conjuntura que traz arraigada o


significado das ideologias, provável lugar que alberga a resposta de Gramsci para o senso
comum. Nesse compasso, cede-se lugar para o processo que hegemonicamente se forma a
partir dos grupos sociais dominantes. Cabe a ressalva que esse status quo em um Estado que
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demonstre uma concepção mais elevada é incorporada pela filosofia . Para Saviani (1980),
avançar do senso comum para a consciência filosófica é passar de uma concepção
fragmentária a uma concepção articulada, ativa e cultivada.
O caminho requer um processo educativo empenhado com a construção de uma nova
hegemonia, que traga em seu arcabouço uma geração de intelectuais comprometidos com a
formação e os interesses de ordem popular. O cenário acena que é tarefa da filosofa da práxis
superar a ideia inexata de que o senso comum é uma filosofia originária e autônoma dos
grupos populares, desmistificando a sua realidade contraditória e alienada.
Freire reafirma que os passos para desmistificar essa realidade ocorrerá pela presença
dos educadores junto ao povo que compõem as classes populares, desafiando esses
educadores a refletirem sobre o que pensam ser ao certo sua função e sintam-se movidos pelo
impulso da defesa da razão de ser educador.

Não podemos acuados pelo medo de uma suposta invasão cultural, negar que as
classes populares possam seguir, para além de suas crenças e saberes de
experiências feitas do senso comum, até um conhecimento mais metódico, rigoroso
e sistemático como é o caso do conhecimento científico (FREIRE, 1999, p. 84).

Esse trajeto se constitui por meio do diálogo, mesmo edificado a partir de cenários
culturais distintos, o passo da possível construção de uma posição emancipadora dos
envolvidos. Abrange um respeito fundamental dos sujeitos, que as relações de autoritarismo
não permitem que se constitua.
Em se tratando dos espaços de educação do intelectual, Paulo Freire considerou como
situação de aprendizagem ideal em espaços nem um pouco tradicionais de educação. Entre os
lugares da prática educativa identificam-se espaços variados em que os “círculos de cultura”
poderiam existir, destacavam-se os locais de trabalho, onde se encontravam os operários
industriais e os trabalhadores do campo. Os círculos, clubes e associações existiam com
relações diretas aos partidos e sindicatos. Esses “lugares” de aprendizagem surgiriam com a
expectativa de inserir a discussão da cultura na ação política e para a construção de uma nova
concepção de mundo (MESQUIDA, 2011).
O estudo do papel do educador, como foi proposto em Gramsci e a sua influência e
concretização em Freire, contribui para compreender a sua urgência e também para
problematizar a questão da formação de sujeitos que assumam o seu papel como seres
históricos.

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Que no estado inferior, como folclore e num estado intermediário, como religião e senso comum.
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Assim como em Gramsci, Freire propõe uma educação emancipadora e rejeita de


forma direta o modelo e a estrutura tradicional de ensino. Sua proposta vai ao encontro à do
filósofo italiano à medida que pretende renovar seu propósito de criar um espaço onde a
educação existe como luta pela libertação (ROSSI, 1982, p. 95).
A partir dos referenciais das associações de cultura de Antonio Gramsci, o educador
brasileiro compreendia que a criação de espaços educacionais alternativos era imprescindível
para a construção e elaboração dos interesses populares e para o processo de sua
conscientização. Essa conscientização poderia ocorrer em vários espaços, nas fábricas, no
campo, no centro comunitário, nos sindicatos, entre outros. Ambos propõem, ainda, a
transformação dos indivíduos em sujeitos, sejam eles camponeses ou operários de fábricas,
conforme o contexto de atuação dos autores, projetavam a sua transformação em sujeitos.

Apoiado nessa tradição do pensamento crítico os autores deixaram um legado teórico


extraordinário, resultado de um intenso e permanente engajamento político. Em outras
palavras, ambos ultrapassaram o nível da interpretação do mundo e se posicionaram na
vanguarda das lutas emancipadoras de seu tempo. A educação é compreendida como estímulo
ao pensamento/cultura e à ação em Antonio Gramsci e como prática conscientizadora e
libertadora em Paulo Freire, em outras palavras, para ambos, ela é práxis.

REFERÊNCIAS

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GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da


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colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização
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MANACORDA, Mario Aligheiro. História da educação: da antiguidade aos nossos dias.


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MESQUIDA, Peri. Paulo Freire e Antonio Gramsci: a filosofia da práxis na ação pedagógica
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