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RECRUTAS DE ÁRCON
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Todos unidos por um ideal —
O segundo passo: rumo a Árcon!
***
***
***
Nada aconteceu nos vinte dias que se seguiram à visita ao mercado, mas Toffner
teve tempo para convencer-se da veracidade das informações de Markh, o caçador.
Realmente, todos os dias saíam grandes naves transportadoras do regente com voluntários
destinados a Árcon.
Mas no vigésimo segundo dia aconteceu.
Dois supercouraçados pousaram no espaçoporto de Tagnor. Tratava-se de veículos
espaciais esféricos de mil e quinhentos metros de diâmetro, acompanhados de uma série
de gigantescas naves de transporte. Um exército de robôs de guerra — monstros
metálicos de três metros de altura — saiu das duas naves de guerra e entrou em formação.
Os braços armados situados na altura do ventre, capazes de girar num ângulo de cento e
oitenta graus e supridos de energia pelas baterias arcônidas, giraram lenta e
ameaçadoramente. Assim que o exército acabou de entrar em formação, imobilizou-se de
uma hora para outra. Alguém desativara os robôs.
Esse alguém não demorou a aparecer.
Um arcônida, inconfundível pela arrogância e pelo uniforme vistoso, no qual mal
havia lugar para os distintivos e condecorações, dirigiu-se à superfície do planeta Zalit e
exigiu que o levassem imediatamente ao palácio do Zarlt.
Toffner não soube o que aconteceu e o que foi discutido por lá, mas os
acontecimentos dos próximos dias não deixaram dúvidas sobre isso.
O Zarlt publicou uma proclamação dirigida a toda a população, na qual ordenou que
todos os homens jovens se apresentassem à comissão de recrutamento dirigida por Calus,
um almirante arcônida. Os exames seriam iniciados ao amanhecer do dia seguinte.
Qualquer recusa daria lugar à aplicação de penas gravíssimas.
A proclamação foi publicada na imprensa diária e transmitida constantemente
durante as programações de televisão. Qualquer pessoa tomaria conhecimento da mesma,
e não se admitiria desculpa. Indicou-se um prazo, e a ordem da apresentação seguia
certos critérios, baseados na idade ou na profissão.
Jeremy Toffner calculou que disporia exatamente de dez dias; depois desse prazo
estaria sujeito a penalidades.
Seriam dez dias tão longos e tão terrivelmente curtos em Zalit.
Na noite do mesmo dia passou apressadamente pelas ruas de Tagnor, a fim de
alcançar seu esconderijo. Por várias vezes notou grupos que discutiam acaloradamente, e
que conversavam sobre assuntos sem importância, enquanto passava por eles. Mas não se
iludiu. Sabia sobre o que estavam falando.
Irradiou a notícia alarmante e solicitou novas instruções. Por uma questão de
precaução ligou o gravador automático. Se durante sua ausência chegasse alguma
mensagem, esta seria gravada, depois de decodificada. Poderia ouvi-la a qualquer
momento. Dessa forma não perderia nenhuma mensagem que viesse fora da hora
marcada.
Saiu do cubículo, trancou-o cuidadosamente e deixou que a parede de rocha natural
voltasse a encobrir a porta. Nem mesmo os olhos desconfiados de um policial
descobririam a fenda que, além de ser muito fina, corria num traçado irregular.
Caminhou o mais depressa que pôde pelos corredores debilmente iluminados, pois
desejava chegar à superfície o quanto antes. Se alguém o encontrasse por ali, teria de
responder a algumas perguntas. Mas isso não era o pior. Nesses subterrâneos ficavam as
jaulas dos animais, os vestiários e os aposentos dos gladiadores e os pavilhões de
treinamento. Cabia-lhe andar por ali para verificar se tudo corria bem. No entanto,
preferia evitar qualquer contato com as autoridades de Tagnor.
Chegou à sua residência, situada num edifício-funil, sem que ninguém o
incomodasse. O número de policiais que patrulhavam a cidade era maior que nos outros
dias, mas ninguém o abordou. Depois das pequenas demonstrações a que já assistira, não
era de admirar que o policiamento fosse intensificado.
Tirou a chave do bolso e esteve a ponto de enfiá-la na fechadura, quando uma
sombra se destacou em meio à escuridão do corredor. A sombra aproximou-se e parou a
seu lado. Toffner quase morreu de susto.
Teria sido descoberto? Será que seu jogo chegara ao fim?
Quando ouviu a voz que se dirigiu a ele, suspirou aliviado.
— Não se assuste, Garak, sou eu.
Era Markh, o caçador! Tratava-se de um amigo de Toffner, com o qual costumava
fazer negócios.
— Você me deu um susto — disse Toffner e apertou a mão de Markh. — Por que
resolveu esperar-me aqui? Você sabe onde encontrar-me de dia.
— Vamos entrar, Garak. O que tenho a lhe dizer não deve ser ouvido por mais
ninguém.
Toffner sentiu a insistência que vibrava na voz de seu interlocutor e não fez outras
perguntas. Começou a desconfiar de que o acaso viera em seu auxílio, embora sua
situação começasse a tornar-se crítica. Devia tentar reunir os dois fatores, para extrair o
maior proveito possível da situação.
Abriu apressadamente a porta e deixou que o caçador entrasse. Voltou a fechá-la e
certificou-se de que, durante sua ausência, ninguém entrara para instalar algum
microfone. Costumava proceder assim todas as noites; tal procedência não passava de
uma rotina de importância vital. Markh contemplou-o em silêncio.
— Tudo em ordem. Vamos sentar. Sobre a mesa havia uma garrafa bojuda com
vinho. Tomaram alguns goles. Toffner lançou um olhar indagador para o caçador.
— O que o trouxe até aqui, Markh? Fale à vontade, pois ninguém poderá ouvir-nos.
Suponho que você deva ter um bom motivo para vir a esta hora; não deve ter vindo por
puro prazer.
O rosto de Markh, que costumava ser tão juvenil e tostado pelo sol de Voga,
mostrava uma palidez espantosa. Apesar disso, porém, era mais escuro que o de um
europeu que acaba de passar um mês na zona do equador. No entanto, faltava-lhe a
tonalidade do cobre, característica de todos os zalitas. Em seus olhos havia uma
expressão de pavor. Markh devia ter sentido muito medo.
Por quê? Pois o recrutamento só seria iniciado no dia seguinte.
— Você viu as naves que se encontram no espaçoporto? — principiou. Toffner
limitou-se a acenar com a cabeça. — Eu sabia que isso acabaria acontecendo. Levarão
todos os jovens. Estão travando uma guerra e não conseguem vencê-la. Ou então
preparam um grande golpe contra alguém que deve ser mais forte que Árcon. E querem
que nós os ajudemos.
— Deve ser mais ou menos isso — disse Toffner.
— Pois então. O que pretende fazer? Ir com eles para morrer?
— Quem lhe disse que eles nos levarão? — disse Toffner para estimular o espírito
de contradição do amigo. Só assim poderia saber tudo que precisava saber. — Talvez seja
apenas um exame de rotina, para qualquer eventualidade.
— Será que para isso teriam de trazer um exército de robôs?
— Talvez não. Acontece que Árcon gosta de fazer demonstrações de força. Você
não acha que a presença dos robôs constitui prova de que o Império não corre qualquer
perigo? Do contrário, o regente não poderia dispensar suas tropas.
— Eu já lhe disse o que estão tramando — disse Markh, insistindo em sua suspeita.
— Talvez só precisem dos robôs de guerra mais tarde. E quando isso acontecer,
estaremos ao lado deles.
Toffner refletiu.
— Suponhamos que sua suposição seja correta. O que pretende fazer? Recusar-se e
correr o risco de enfrentar os fuzis energéticos dos arcônidas?
— Pouco importa que eu morra agora ou dentro de pouco tempo, a bordo de alguma
nave e em meio a um grupo de robôs desalmados.
— Vai arriscar-se? — Toffner lançou um olhar indagador para Markh. Quando
notou o gesto afirmativo de Markh, acrescentou:
— Por que veio falar justamente comigo? O que posso fazer por você? Terei de
apresentar-me daqui a dez dias, e não tenho a menor dúvida de que me julgarão apto.
Markh inclinou o corpo.
— Fiquei sabendo há poucas horas. Deverei apresentar-me dentro de dois dias,
Garak! Dois dias!
— E daí?
Toffner fingiu-se de indiferente, mas em seu interior rugia uma verdadeira tormenta.
Seria esta a chance de, depois de três anos de faina, conseguir um verdadeiro amigo e
aliado? Ou estaria próximo ao fim?
— E daí? Não quero ir com os arcônidas. Prefiro viver nas catacumbas que ficam
embaixo de sua arena, proscrito e escondido, procurado pela polícia, transformado num
prisioneiro voluntário. Será que ainda não compreendeu?
Toffner compreendia perfeitamente. Evidentemente o caçador sabia que para ele só
havia uma possibilidade de escapar aos comandos de recrutamento. Teria de esconder-se
num lugar em que ninguém o encontrasse. E que lugar poderia ser melhor que as
catacumbas existentes embaixo da cidade de Tagnor? Muitas delas eram antiqüíssimas, e
parte delas desabara, parte fora esquecida.
— Nas galerias que ficam embaixo da arena? — repetiu o agente, para ganhar
tempo. — O que espera conseguir com isso? Afinal, você não pode passar o resto dos
seus dias sem sol e longe dos homens.
— Nem pretendo fazer isso, Garak. Um belo dia, quando tiverem arranjado um
número suficiente de soldados, os arcônidas irão embora. Depois poderei sair do
esconderijo e começar vida nova. Quando o tal do Calus tiver dado o fora, os policiais do
Zarlt já não terão o menor interesse por mim.
Toffner teve suas dúvidas.
— Não sei se devo concordar com você. Muita gente terá a mesma idéia. Se o
afluxo de recrutas diminuir muito, procurarão localizar os elementos faltantes. E onde
serão iniciadas as buscas? É claro que será nas catacumbas.
Markh não respondeu imediatamente. Manteve um silêncio obstinado. Toffner via
perfeitamente que o zalita já se arrependera por ter informado alguém sobre seus planos.
Mas depois de alguns minutos, o caçador voltou a levantar a cabeça.
— Sempre fizemos bons negócios e somos amigos. Se eu lhe pedir, você me
ajudará? Tenho dinheiro, Garak. Só lhe peço que me forneça mantimentos. Prefiro um
cubículo nas pedras a uma luxuosa nave arcônida. Acho que você compreende.
Toffner percebeu que não deveria forçar a situação.
— É claro que quero ajudá-lo e sei muito bem onde poderei escondê-lo. Mas, de
uma hora para outra...
— Ainda disponho de dois dias. Voltarei a Larg e providenciarei para que alguém
cuide dos meus negócios. Será um velho, que ninguém convocará para o exército. Ele
dirá que estou numa caçada e ainda não voltei. É bem possível que se esqueçam de mim.
Trarei minha fortuna em dinheiro, que não é pequena. Além disso, trarei um amigo.
Trata-se de uma pessoa que também não está interessada em entrar para o serviço das
armas.
— Revelou seus planos a alguém? — perguntou Jeremy em tom apavorado. — Não
acha que foi uma leviandade?
— Trata-se de Kharra, o negociante de vinhos. Você o conhece. Bem, ver-nos-emos
daqui a dois dias. Pode ser aqui em seu apartamento, à mesma hora?
Toffner apertou a mão de Markh.
— Confie em mim. É possível que vocês não fiquem sós em seu esconderijo.
Também não estou com a menor vontade de dizer adeus ao planeta Zalit. Um belo dia,
Calus terá de ir embora.
Markh levantou-se; parecia muito satisfeito. Agradeceu efusivamente e, ao despedir-
se, prometeu tomar cuidado para não provocar suspeitas.
Jeremy Toffner voltou a ficar só.
Quando se viu na cama e fechou os olhos, teve um desejo ardente: queria receber
instruções concretas pelo hiper-rádio.
Encontrava-se num beco sem saída...
2
O cruzador ligeiro Burma, da classe Estado, deu alguns hipersaltos que o levou a
vários pontos da Via Láctea, e acabou pousando no espaçoporto de Terrânia. Ao proceder
dessa forma, o comandante seguia uma regra geral, segundo a qual não se devia confiar
exclusivamente no neutralizador de vibrações, montado em série, muito embora tal
aparelho neutralizasse os abalos causados pelos hipersaltos, tornando impossível a
localização goniométrica da nave. Mas a experiência havia dado aos terranos uma amarga
lição: um aparelho desse tipo está sujeito a falhas, e quando estas ocorrem, todas as
tentativas de camuflagem se tornam inúteis. E a descoberta da posição da Terra
representaria o fim.
O comandante da Burma emitiu uma ordem geral no sentido de que ninguém
deveria sair da nave. Fundamentou a medida com o fato de que o cruzador ligeiro voltaria
a decolar dentro de trinta minutos no máximo.
Depois pediu a presença do Tenente Behrends, encarregado da estação
retransmissora destinada ao tráfego com os agentes.
Dali a cinco minutos, Rhodan e Bell entraram no convés de comando da Burma e,
depois de cumprimentarem ligeiramente o comandante, acompanharam o Tenente
Behrends para a sala de rádio.
Behrends era um oficial jovem, mas muito competente e experimentado. Há anos
pertencia à equipe que mantinha contato com os agentes espalhados por todos os cantos.
Rhodan conhecia-o pessoalmente e sabia que podia confiar nele. As precauções tomadas
por Behrends constituíam a melhor prova disso. Afinal, a importantíssima mensagem
poderia ter sido transmitida como qualquer outra. Havia uma probabilidade de 99 por
cento de que esta não fosse captada por qualquer pessoa não autorizada. Mas Behrends
achou que o um por cento que sobrava ainda representava um risco excessivo.
— Foi o senhor que recebeu a mensagem? — perguntou Rhodan para certificar-se,
quando finalmente se viram a sós na sala recheada de equipamentos técnicos e aparelhos
de todos os tipos. — Quem a expediu? Será que foi Jeremy Toffner, nosso agente em
Zalit?
O Tenente Behrends interrompeu o que estava fazendo e virou-se abruptamente.
Fitou Rhodan como se o administrador fosse um fantasma.
— É de Toffner, Sir — gaguejou. — Como foi que o senhor soube?
Rhodan sorriu.
— Era o que eu imaginava.
Behrends recuperou-se do espanto.
— Não falei com ninguém sobre isso e tratei o assunto com o maior sigilo. Por
motivos de segurança preferi não retransmitir o texto da mensagem ao Marechal Mercant.
E, apesar de tudo, o senhor já sabe de que se trata. Não compreendo, Sir.
— Foi apenas uma suposição, tenente. Vejo que se confirmou. Mas tranqüilize-se;
eu já esperava notícias importantes de Zalit. Na verdade, já as esperava há algumas
semanas.
O Tenente Behrends parecia mais tranqüilo, pois chegou à conclusão de que não
cometera nenhum erro. Aliás, isso seria incompreensível...
Com as mãos ágeis ligou o projetor sonoro e colocou o dedo sobre os lábios. A
transmissão não era muito nítida; havia interferências. Faltavam algumas palavras, mas o
sentido era claro. Era fácil substituir os fragmentos.
Rhodan e Bell mantiveram-se em silêncio, prestando atenção à voz de um homem
solitário, que dependia exclusivamente da própria capacidade para prestar seus serviços à
Terra. Vivia em meio a uma raça estranha e nunca sabia se assistiria ao amanhecer do dia
seguinte. Os agentes cósmicos mereciam todo respeito, pois eram os homens mais
valentes e mais solitários do Universo.
— Há algumas horas Árcon vem obrigando os zalitas a entrarem no serviço da
frota. Não fazem exceções. A ação vem sendo dirigida por um certo Almirante Calus. É
relativamente jovem e desenvolve uma atividade espantosa para um arcônida. O Zarlt
submeteu-se sem oferecer a menor resistência. Kosoka, o Zarlt, é um velho debilitado
que faz tudo que Árcon lhe pede. Aguardo novas instruções.
Rhodan estava prestando atenção, mas a voz de Toffner já silenciara.
— Como soube que esta notícia é tão importante? — perguntou, dirigindo-se a
Behrends. — Seu texto não parece ser muito sigiloso.
— É possível — respondeu o tenente, que já tinha vencido o espanto. — Acontece
que Zalit é o mais importante dos nossos postos avançados e o mais exposto. Em hipótese
alguma, devemos perdê-lo, e é por isso que agi com tamanha cautela. Além disso, a
mensagem confirma que Árcon está recrutando tropas, fato que também resulta das
mensagens recebidas de outros mundos coloniais. Fiz questão de evitar que alguém saiba
que em Zalit existe um terrano. E o regente deverá ter exatamente essa suspeita se ficar
inteirado de nossa reação.
— Muito bem — disse Rhodan e lançou um olhar benevolente para o jovem tenente.
— Agiu com grande circunspeção; merece elogios. É bem verdade que tomaremos nossas
medidas, mas quando Árcon perceber alguma coisa, já será tarde. Isto é, se tudo correr de
acordo com os planos. E faço votos sinceros de que seja assim.
O Tenente Behrends levantou-se.
— Quer voltar a ouvir a mensagem, ou posso apagá-la?
— Apague-a, Behrends. E volte a seu posto. Nos próximos dias, você receberá uma
mensagem relativa a Toffner. Providencie para que seja transmitida imediatamente. Deve
ser condensada e codificada ao extremo. É muito importante.
— Posso imaginar — respondeu Behrends e fez continência.
Rhodan e Bell saíram da sala de rádio. Do lado de fora encontraram-se com o
comandante.
— Decole dentro de cinco minutos — ordenou Rhodan.
Quando voltou a sentir o pavimento do espaçoporto sob os pés, sentiu-se aliviado.
Sem dizer uma palavra, subiu ao planador juntamente com Bell.
O campo de pouso foi ficando para trás.
— E agora? — perguntou Bell. — Vamos acelerar nossos planos?
Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:
— Não aceleraremos tanto nossos planos, mas principalmente a execução dos
mesmos. Ainda bem que já preparei tudo. A ação infiltração será iniciada ainda hoje.
— Tomara que ela seja bem sucedida — disse Bell, olhando atentamente para a
frente, de onde os telhados de Terrânia se aproximavam velozmente.
O comando que executaria a operação estava preparado.
Tratava-se de duzentos homens muito bem treinados para a execução da tarefa.
Ninguém sabia de que se tratava, mas todos desconfiavam de que a operação a ser
executada assumia a maior importância. Há vários meses os homens estavam sendo
submetidos a intensos treinamentos hipnóticos que lhes transmitiriam todos os
conhecimentos que um zalita deve possuir. Falavam sem o menor sotaque a língua do
planeta Zalit, entendiam o arcônida e estavam familiarizados com a respectiva tecnologia.
Entre esses duzentos homens havia competentíssimos astronautas, operadores de rádio,
cientistas de todas as especialidades, mutantes e ex-agentes do Serviço de Segurança.
Um dos oficiais mais importantes era o Major Art Rosberg, especialista em
transmissão de matéria. Sabia como se construía um transmissor, aparelho que
desempenharia um papel importantíssimo na operação a ser executada, fosse ela qual
fosse. O major, um tanto ranzinza, baixo e grisalho, era uma sumidade em sua área de
especialização, mas não gostou de ser investido de uma hora para outra no comando de
duzentos homens. Supervisionava, juntamente com um amigo, o Capitão Gorlat, o
treinamento do grupo de especialistas.
Naquela noite, os dois mais uma vez estavam reunidos e se entregavam às suas
especulações. Gorlat sabia mais do que queria confessar. Afinal, participara regularmente
das conferências realizadas com os dirigentes do Império. Mas o sigilo a que estava
obrigado também se aplicava às suas relações com Rosberg.
— Tomara que a coisa não demore muito — disse o major em tom contrariado.
— Já estou ficando nervoso de tanto esperar.
— Receio que seus nervos ainda terão de suportar cargas bem maiores — respondeu
Gorlat em tom contrariado; realmente estava falando sério. — Se não estou muito
enganado, não teremos de esperar muito tempo pela ordem de entrar em ação. A Burma
chegou hoje de tarde. Sabe que se trata de um cruzador da classe Estado que serve de
estação retransmissora.
— E daí? O que é que nós temos com isso?
Gorlat não queria revelar demais, mas aproveitava todas as oportunidades para
animar o major.
— É claro que também não sei exatamente. Mas o fato é que Rhodan e Bell subiram
a bordo e permaneceram no cruzador durante meia hora, aproximadamente. Depois disso
a Burma partiu.
— Isso pouco me importa — disse o Major Rosberg e encheu o cachimbo. — Tenho
inveja do pessoal que viaja nas naves. Bem que gostaria que o vento de Marte voltasse a
fustigar meu rosto.
— Talvez isso aconteça muito em breve — disse Gorlat em voz de oráculo, sem
desconfiar de que essa profecia se cumpriria com tamanha rapidez. — O treinamento
propriamente dito está concluído em todos os setores. Só estamos esperando a ordem de
entrar em ação.
Antes que Art Rosberg tivesse tempo para responder, o aparelho de comunicação
que se encontrava sobre a mesa emitiu um zumbido. Tratava-se de um videofone do tipo
usual, que dispunha de pequena tela de imagem.
Com um movimento um tanto preguiçoso, Rosberg pôs a mão na caixa e comprimiu
o botão.
Quem estaria chamando àquela hora da noite? Só poderia ser alguém que quisesse
pedir licença para sair, ou então...
Quando reconheceu o rosto de Rhodan, estremeceu de susto.
— Major Rosberg? O Capitão Gorlat está aí? Ah, já o estou vendo. Preste atenção,
Gorlat! Neste momento entra em vigor a ordem X. Providencie tudo que se torne
necessário. Decolaremos dentro de três dias, com a Drusus.
Gorlat levantou-se de um salto.
— Entendido, Sir! — respondeu, ficando em posição de sentido. — Tomarei todas
as providências. — Lançou um olhar ligeiro para Rosberg e perguntou: — Já posso
informar o major?
Rhodan sorriu.
— Informe-o, Gorlat, senão acaba estourando de curiosidade. Ainda precisaremos
dele.
A tela apagou-se.
Rosberg fitou a superfície leitosa, virou-se lentamente e olhou para Gorlat, que
retribuiu o olhar com um sorriso.
— O que foi que o chefe disse?
Gorlat fez um gesto vago.
— Disse que já lhe posso contar tudo. Aguarde um momento; tenho que dar minhas
ordens, a fim de que não haja qualquer atraso no cronograma.
Usou o videofone de Rosberg.
O major ficava mais pálido a cada minuto que passava, mas em seus olhos ardia a
chama da excitação.
A espera e a inatividade haviam chegado ao fim!
***
***
***
Sem dizer uma palavra, Rhodan contemplou David Stern, chefe da equipe de rádio
da Drusus, enquanto este irradiava a mensagem codificada. Naquele mesmo instante, essa
mensagem seria captada pela Burma, que a retransmitiria imediatamente. Dentro de um
minuto tal mensagem poderia chegar às mãos de Jeremy Toffner, se ele por acaso se
encontrasse perto do aparelho.
Mas havia boa margem de tolerância.
A Drusus e a Califórnia circulavam em torno do sistema solar a que pertenciam, a
uma distância de dez bilhões de quilômetros. Rhodan permaneceria ali para aguardar o
último sinal de Zalit, que representaria a confirmação do recebimento da ordem e a data.
Só depois valeria a pena iniciar a operação.
A existência do Império Solar estava por um fio!
***
Só isso.
Sikermann pegou a fita.
— Quer dizer que chegou a hora, Sir?
— Voltarei agora mesmo para a Califórnia juntamente com Gucky. Comece a
acelerar dentro de três segundos. Percorra o trecho que nos separa de Zalit em quatro
transições, conforme foi previsto. Levará duas horas para chegar ao planeta — olhou para
o relógio. — Às dezessete horas, tempo de Terrânia, o receptor estará em Zalit, pronto
para entrar em funcionamento. Boa sorte, Sikermann! Bem que precisaremos.
Sikermann apertou a mão de Rhodan. Depois virou-se abruptamente e saiu correndo
em direção à sala de comando.
David Stern viu o pequeno rato-castor colocar-se ao lado do administrador e
segurar-lhe a mão. Subitamente o ar começou a tremeluzir. Quando voltou a olhar,
Rhodan e Gucky haviam desaparecido.
Quase no mesmo instante, os conjuntos propulsores da Drusus começaram a uivar.
Compensando totalmente a enorme pressão produzida pela aceleração, a nave saiu
da órbita solar e tomou a rota do primeiro ponto de transição.
Rhodan e Gucky já se haviam materializado a bordo da Califórnia
Três minutos depois, o cruzador ligeiro também saiu velozmente em direção ao
espaço interestelar.
O jogo entre os impérios estelares teve seu início.
Era um jogo de vida e morte...
***
***
Quando a Drusus emergiu da quarta transição, Zalit era uma grande esfera, situada a
menos de vinte milhões de quilômetros. Naturalmente, uma esfera somente na tela, pois,
a olho nu, o planeta era apenas uma estrela muito luminosa. Afinal, um minuto-luz é uma
distância nada desprezível.
Sikermann era a calma em pessoa. Sabia que só tinha três minutos de vantagem. A
Drusus deu início imediatamente à manobra de desaceleração. O transmissor de matéria,
que se encontrava no âmbito de ação do transmissor fictício, foi ligado. Assim que
chegasse a Zalit, teria de estar pronto para a recepção.
Rhodan possuía um único transmissor fictício. Recebera-o do grande imortal do
planeta Peregrino. Até então, tentara em vão construir outro exemplar. O aparelho
trabalhava na quinta dimensão e realizava o transporte instantâneo de objetos para
qualquer lugar.
Com os transmissores comuns, a coisa era diferente. Já eram fabricados na Terra.
Porém seu alcance era limitado e só funcionavam quando havia um transmissor e um
receptor. O transmissor fictício da Drusus transportaria um receptor desse tipo para o
planeta Zalit. Rhodan desejava que houvesse um receptor apto para entrar em
funcionamento nesse planeta do sol Voga.
Sikermann exibiu um sorriso. No que dependesse dele, as coisas dariam certo...
O alarma soou na sala de comando.
— Duas naves aproximam-se à velocidade da luz, Sir! Transmitem no código
arcônida. Exigem que nos identifiquemos.
Sikermann continuou a ser a calma em pessoa. Olhou tranqüilamente para o relógio.
— Rechacem-nas! — disse. Ainda dispunha de quarenta segundos. — Usem todo o
armamento.
A Drusus tinha uma superioridade enorme sobre as duas naves de reconhecimento.
Antes que os arcônidas — talvez se tratasse de um povo colonial — iniciassem o ataque,
um punho imaginário tangeu-os vários milhões de quilômetros pelo espaço a fora. Seus
conjuntos propulsores falharam e as naves ficaram impossibilitadas de manobrar. A
muito custo, conseguiram manter a rota por meio do suprimento energético de
emergência. Contentaram-se em avisar o Almirante Calus de que uma nave desconhecida
de tipo arcônida penetrara no sistema e não fornecera sua identificação.
Trinta segundos depois do momento em que a Drusus emergiu do hiperespaço, o
alarma soou em todo o sistema solar de Voga.
Sikermann reduziu fortemente a velocidade e penetrou na atmosfera de Zalit. Até
que Stern o avisasse de que o receptor estava captando o sinal goniométrico, ficou
circulando em torno do planeta. Antes que o transmissor fictício fosse ativado, o
dispositivo de mira adaptou-se automaticamente a esses sinais.
Em um segundo, o campo de descarga do transmissor ficou vazio. A estação
receptora de matéria fora transportada para algum lugar do planeta Zalit. Se tudo tivesse
corrido de acordo com o programa, naquele momento devia encontrar-se a dez metros do
transmissor de sinais goniométricos que continuava a funcionar.
A Drusus descreveu uma curva e voltou a disparar para o espaço. Não se aproximara
a mais de cem quilômetros da superfície de Zalit.
Mas os arcônidas não estavam dormindo. Seu sistema de alerta funcionava muito
bem. Mais de duzentas unidades robotizadas reagiram ao alarma transmitido pelos dois
cruzadores atacados. O regente de Árcon desconfiava de que, caso surgisse um
supercouraçado da classe Império, só poderia tratar-se de arcônidas — ou dos malditos
terranos!
Era claro que o computador-regente não sabia praguejar. Se possuísse qualidades
humanas, não teria deixado de fazê-lo. Mas, como não as tinha, contentou-se com a
lógica dos seus cálculos.
Calus recebeu a ordem prosaica de abrir fogo contra qualquer nave do tipo arcônida
que se recusasse a fornecer a identificação.
Quando a ordem chegou a Zalit, a Drusus já havia desaparecido no hiperespaço, sem
deixar o menor vestígio. Mas, praticamente no mesmo instante, surgiu a Califórnia e
correu diretamente para o cinturão defensivo das naves robotizadas colocadas em estado
de prontidão.
No momento em que Zalit surgiu na tela, Rhodan viu ao mesmo tempo, por assim
dizer, as bocas dos canhões energéticos de mais de trinta cruzadores ligeiros e outras
naves de guerra.
A solicitação de fornecer a identidade não obteve resposta.
Os robôs cumpriram as instruções que haviam recebido. Abriram um fogo mortífero
contra a nave esférica, que acabara de emergir do hiperespaço e procurava romper suas
linhas.
A Califórnia parecia precipitar-se contra um muro feito de energia.
4
O Zarlt Kosoka estava sentado em seu trono. A importância desse trono era
puramente simbólica; em termos reais não valia um centavo. Dirigiu seus olhos, apenas
ligeiramente avermelhados, para um jovem oficial, que falava de modo autoritário.
— Zarlt, tenho a impressão de que você ainda não se deu conta da gravidade da
situação. Não basta transmitir minhas ordens de má vontade; você tem de cuidar para que
elas sejam executadas. Em toda parte, seus soldados praticam uma espécie de resistência
passiva. Ainda ontem permitiram que um desertor fugisse.
— Sim, trata-se de um homem ao qual nem sequer deram oportunidade de despedir-
se da família, antes de ser levado para Árcon. Submeto-me às ordens de Árcon a
contragosto, porque não tenho outra alternativa, Almirante Calus, mas não posso deixar
de manifestar meu desagrado pelos métodos que estão sendo usados pelo Império.
— Você terá de obedecer, caso queira continuar no cargo — respondeu Calus em
tom frio. — E, o que é o principal, você deve deixar de pensar. Quem pensa é o regente, e
ele o faz por todos nós.
O Zarlt fez um gesto afirmativo.
— Sei, almirante. Mas tenho a impressão de que o computador não quer dispensar o
auxílio humano. Por que será que de repente sente tanta necessidade de soldados e
oficiais? Até agora os robôs sempre conseguiram arranjar-se sozinhos.
— O regente não governa por ele, mas por nós. E no momento que um perigo grave
nos ameaça, todos devem colaborar para removê-lo.
Calus proferiu estas palavras sem pestanejar. Teve o cuidado de não revelar que
havia outros motivos para que o computador passasse a incluir os arcônidas e os zalitas
em seus planos. O regente chegara à conclusão de que não conseguiria arranjar-se sem o
auxílio de seres orgânicos. Um império estelar não poderia ser defendido indefinidamente
apenas com exércitos de robôs. Tornava-se necessário empregar seres humanos.
Mas o fato também representava o primeiro sinal da derrota do computador-regente.
— Por que Árcon não se contenta com os voluntários?
— Porque os homens, voluntariamente dispostos a lutar por nosso Império, são
poucos. Os zalitas andam moles; em Árcon trataremos de endurecê-los de novo. O
treinamento é curto, mas abrange todas as áreas da arte da guerra.
O Zarlt fitou atentamente o Almirante Calus, e perguntou:
— Que naves foram estas que hoje atacaram ou procuraram atacar Zalit. Não
pertencem ao Império?
Calus fez um gesto de desprezo.
— Devem ser piratas ou terranos. Sei lá. Talvez quisessem desembarcar agentes,
talvez pretendessem apenas testar nossas defesas. Seja lá quem forem, não voltarão.
O Zarlt esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas viu-se interrompido pela entrada
de um oficial arcônida. Calus respondeu com um gesto indiferente à continência de seu
subordinado e perguntou:
— O que houve? Por que me incomoda?
— Trata-se do exame dos recrutas, almirante. Hoje faltaram mais de duzentos. Suas
residências foram revistadas, mas estão desaparecidos. Os membros de suas famílias não
têm a menor idéia de onde possam estar.
— É o que dizem! — disse Calus em tom furioso e caminhou nervosamente de um
lado para outro. — Acho que devemos abandonar toda e qualquer consideração e
responsabilizar os membros da família pela insubordinação dos homens. Onde poderão
estar escondidos? — Dirigiu-se ao Zarlt: — Você sabe dizer?
O Zarlt respondeu que não. Calus refletiu por algum tempo. Depois dirigiu-se ao
oficial:
— Nos próximos dias falarei ao povo de Zalit. Providenciarei para que todas as
estações de telecomunicação se mantenham de prontidão para uma transmissão de âmbito
planetário. Acho que depois de minha fala as dificuldades diminuirão.
O oficial retirou-se.
Calus disse em tom irônico:
— Aliás, para que Zalit precisa de um exército? Não existe o menor perigo de
revolução e o planeta goza de proteção do Império. Para que soldados? Acho que
incorporaremos o exército zalita à frota. Alguma objeção, Zarlt?
Surgiu uma ligeira pausa. Os dois homens fitaram-se por algum tempo.
Finalmente o Zarlt sacudiu a cabeça.
— Não. É claro que não tenho nenhuma objeção.
Calus sorriu, parecia satisfeito.
***
A solicitação dos campos defensivos da Califórnia foi tão intensa que praticamente
não sobrou energia para o armamento. O resto da energia armazenada foi conduzido para
os conjuntos propulsores, para que a nave conservasse a capacidade de manobrar.
O General Deringhouse estava sentado à frente dos controles. Procurava desviar a
nave das unidades de bloqueio. Normalmente isso seria praticamente impossível, mas a
Califórnia era mais veloz que as naves dos arcônidas. Mais veloz e mais ágil.
Rhodan sabia que os homens que deveriam participar do comando se encontravam
junto aos transmissores, onde aguardavam suas ordens. Não poderiam desperdiçar um
segundo sequer.
— Romper!
Foi a única palavra que dirigiu a Deringhouse.
E este rompeu as linhas.
A nave realizou uma tremenda aceleração, descreveu uma curva fechada e afastou-
se velozmente dos atacantes. Até parecia que iria entrar em transição. Os atacantes
transformaram-se em perseguidores, mas foram ficando para trás. Os disparos de
radiações erravam o alvo ou se desfaziam no campo defensivo.
Zalit crescia rapidamente. Pouco importava onde se encontrava o receptor que
participaria da transmissão de matéria, da mesma forma que, numa transmissão de rádio,
a localização do receptor não assume qualquer importância.
Rhodan falou para dentro do microfone do sistema de intercomunicação:
— Primeiro comando: saltar!
Quase cem homens comprimiam-se nas cinco jaulas energéticas dos transmissores
de matéria. No momento em que soou a voz de comando de Rhodan, o impulso de
transmissão foi desencadeado. Em apenas um segundo, as jaulas ficaram vazias.
Os cem homens se materializariam em algum lugar na superfície do planeta. Mais
precisamente, no lugar exato em que o agente Toffner colocara o transmissor de sinais
goniométricos e em que agora se encontrava a estação receptora.
Em algum lugar... Conforme Harno lhe mostrara, era uma caverna.
Rhodan esperou dez segundos, a fim de que os outros membros dos comandos
tivessem tempo de preparar-se.
— Segundo comando: saltar! Levantou-se e, dirigindo-se a Deringhouse, disse:
— Espere exatamente cinco minutos. Depois dê o fora daqui e coloque-se na
posição de espera, onde encontrará a Drusus. Faça um trabalho bem feito.
— Sim senhor — disse o general. — Desejo-lhe boa sorte.
— Obrigado. Até breve.
Rhodan virou-se apressadamente e saiu da sala de comando. Teria de apressar-se, a
fim de que a operação não sofresse um retardamento desnecessário. Quando chegou ao
hangar, as últimas peças de equipamento dos tripulantes da Califórnia estavam sendo
colocadas nos transmissores. Rhodan seria o último a arriscar o salto. Levaria as armas e
o equipamento especial.
Entrou na quinta jaula energética e olhou para o relógio. Os outros já deviam ter
saído das jaulas do receptor. Esperaria mais vinte segundos...
O oficial que comandava a operação de transporte cumprimentou-o.
— Tudo de bom, Sir!
— Obrigado — respondeu Rhodan.
Faltavam dez segundos.
O alarma encheu a nave. A voz de Deringhouse anunciou pelos alto-falantes:
— Atenção, atenção! Voltamos a ser atacados por grupos muito fortes. Transição
dentro de vinte segundos. Transição dentro de vinte segundos.
Rhodan dispunha de cinco segundos! Era tempo de sobra.
Empurrou a chave transportadora para baixo... e no mesmo instante viu-se no
interior do receptor colocado em Zalit. Não sentiu a desmaterialização. Apenas o quadro
que via diante dos olhos modificou-se. No lugar em que pouco antes se encontravam as
paredes lisas da Califórnia, surgiram as rochas ásperas da gigantesca caverna.
Os homens corriam apressadamente de um lado para outro. Alguns aproximaram-se
rapidamente para cuidar do equipamento. Com um ligeiro olhar, Rhodan certificou-se de
que tudo correra de acordo com o plano.
O receptor estava muito bem escondido. Dificilmente se poderia imaginar um lugar
melhor. A caverna podia abrigar todos os homens e sua situação devia ser tal que não
poderia ser descoberta.
Saiu da jaula energética e encontrou-se com Atlan e Bell, que supervisionavam a
descarga.
— Até agora tudo correu conforme planejamos — disse Bell e saltou para o lado,
quando alguém passou com um volume pesado. — Gostaria de saber onde estamos.
Toffner não nos forneceu qualquer detalhe...
— Aparecerá por aqui; foi o que combinamos — disse Rhodan em tom
tranqüilizador, embora por dentro não se sentisse muito tranqüilo. Caso alguma coisa
tivesse acontecido a Toffner e caso ele se encontrasse num lugar do qual não pudesse
sair, estariam numa armadilha. — Seja como for, estamos em Zalit e por enquanto
ninguém desconfiou. Podemos dar-nos por satisfeitos.
Bell sorriu e, dirigindo-se a Atlan, disse:
— Almirante, como se sente alguém que se parece com um zalita e deverá ser,
futuramente, um dos soldados do exército do computador?
Atlan retribuiu o sorriso.
— Não deve sentir-se muito pior que meu gordo amigo que, dentro em breve, se
transformará num recruta que ficará marchando pelo pátio do quartel.
— Mais uma vez sinto-me satisfeito por não ser um homem — piou Gucky, que se
aproximou no seu andar balouçante. — Os arcônidas não poderão levar-me. Nunca serei
um recruta.
— É claro que não; pois os arcônidas não querem perder a guerra — constatou Bell
e olhou atentamente em torno. — Onde estamos?
Essa pergunta chamou de volta a presente realidade. Rhodan mandou que, antes de
mais nada, as armas fossem desempacotadas e distribuídas. Se houvesse um ataque,
deviam estar preparados.
Subitamente, Gucky disse em meio ao nervosismo:
— Alguém se aproxima lá fora; está junto à entrada da caverna.
Rhodan orientou-se num instante e constatou que a caverna possuía uma única
saída. Colocou um radiador portátil no bolso largo de seu traje, que o caracterizava como
um zalita típico, passou a mão pelos cabelos cor de cobre e foi caminhando em direção à
saída.
— Verificarei quem é — disse e acrescentou: — Gucky, mantenha-se ao alcance da
vista. Assim perceberá quando chegar a hora de fazer alguma coisa.
Era claro que o rato-castor não deixaria de perceber, pois era telepata. Um
pensamento de Rhodan seria suficiente.
E Rhodan, que era um genuíno zalita, saiu da caverna ao ver um único homem
aproximar-se. Ao que parecia, também era uma criatura nascida em Zalit. Mas os
primeiros impulsos mentais captados por Rhodan confirmaram sua suspeita de que o
homem que tinha à sua frente era Toffner.
Acontece que Toffner segurava uma arma, que ia apontando lentamente para
Rhodan. Isso era bom sinal, pois provava que o disfarce era bom, tanto que chegava a
enganar até Toffner, que se encontrava em Zalit há três anos.
— Bom dia, Jeremy Toffner — disse em inglês. — Não precisa gastar sua munição.
Toffner sentiu-se aliviado ao ouvir as palavras pronunciadas em sua língua materna.
Baixou a arma e guardou-a no bolso.
— Graças a Deus! — disse num suspiro e aproximou-se de Rhodan. — Permite que
lhe pergunte quem é o senhor? Parece um zalita...
— Rhodan — disse o administrador e apertou a mão do agente. — Acho que já nos
encontramos antes.
— Já. Foi quando em Terrânia recebi ordens de ir para Zalit. Naquela oportunidade,
o senhor me disse que eu ficaria sozinho por muito tempo. Ao que parece, esse tempo
chegou ao fim.
Olhou para a entrada da caverna, onde alguns homens conversavam de pé. Gucky
encontrava-se em meio ao grupo. Já sabia que as ordens que Rhodan lhe dera haviam
perdido a finalidade.
— Deu tudo certo?
— Até agora sim — respondeu Rhodan com um sorriso. — Como faremos para ir a
Tagnor? Já pensou sobre isso?
— Não sabia quantos homens participariam do comando — disse Toffner a título de
desculpa pela omissão. Em Tagnor existe um lugar em que poderão abrigar-se, mas será
muito difícil entrar na cidade sem que ninguém o perceba. As sentinelas estão espalhadas
em toda parte, e elas fazem o controle de todas as pessoas que passam.
— Não há problema quanto aos documentos.
— Os documentos não bastam, Sir. Também possuo um documento válido.
Acontece que os arcônidas passaram a prender as pessoas que se encontrem na faixa
etária adequada, a fim de que não possam subtrair-se ao serviço militar.
Rhodan refletiu um pouco. O Major Rosberg e o Capitão Gorlat já haviam saído da
caverna. Olhavam em torno com um grande interesse. Ao que parecia, gostaram do vale
com os paredões elevados.
No interior da caverna, o equipamento estava sendo arrumado.
— Quer dizer que o problema se resume em saber como entraremos na cidade para
chegar ao esconderijo preparado por você. O transmissor de matéria não servirá de nada,
pois só temos este exemplar. Além disso, seria muito difícil levá-lo a Tagnor, sem
chamar a atenção. Será que não podemos chegar até a cidade sob a proteção da noite?
— Talvez consigamos. Acontece que Tagnor fica a quinhentos quilômetros. E, sem
dúvida, a marcha pelo deserto seria observada por alguém.
— Naturalmente; o senhor tem razão — Rhodan levantou os olhos para o céu
límpido. Os raios do sol iluminavam a borda superior das rochas íngremes que fechavam
o vale. — Será que aqui estamos em segurança?
— Sim; aqui nos encontramos numa segurança razoável. Caso não tenha
necessidade, ninguém vem ao deserto. É bem verdade que os aviões costumam sobrevoar
a área, mas dificilmente notarão este vale.
Rhodan não respondeu. Lançou um olhar pensativo para Gucky, que passou por eles
para trocar algumas palavras com o teleportador africano Ras Tschubai. John Marshall
estava conversando com Bell. Os homens iam saindo da caverna. Parece que o trabalho
de arrumação estava praticamente concluído.
— Gucky! Ras! — gritou Rhodan, aproximando-se dos seres cujo nome acabara de
pronunciar. — Quero fazer algumas perguntas.
— Fique à vontade! — disse o rato-castor. — Se quiser saber minha opinião,
estamos numa ratoeira.
— Gucky tem razão — disse o africano. — Um vale como este protege-nos dos
olhares dos outros, mas quando tivermos sido descobertos não teremos qualquer saída.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Justamente por isso temos de dar o fora. Quando os arcônidas começarem a
procurar os zalitas que querem fugir do serviço militar, vasculharão também esta cadeia
de montanhas. No momento em que isso acontecer, já deveremos encontrar-nos num
lugar seguro. Acontece que Toffner acaba de explicar que é muito difícil chegar à cidade.
Há sentinelas por toda a parte. Quanto tempo vocês levarão para carregar todos os
homens e o equipamento até a cidade de Tagnor?
A pergunta tinha sua razão de ser. Gucky e Ras eram teleportadores, mas também
estavam sujeitos aos limites traçados pela natureza. Um teleportador poderia levar dois
homens num salto, mas o cansaço das células nervosas era considerável. O processo não
podia ser repetido à vontade. As pausas de descanso eram indispensáveis. A distância era
indiferente. Pouco importava que o salto fosse de quinhentos ou de cinco mil
quilômetros.
Gucky alisou o pêlo. O gesto parecia exprimir certo embaraço.
— Será muito cansativo — disse. — Se Tako ajudar, poderemos terminar em um ou
dois dias. O destino já é conhecido?
— Toffner o mostrará.
— Nesse caso não haverá problema. O equipamento não inclui nenhum objeto
muito pesado. Os volumes maiores serão transportados por Ras e por mim em conjunto.
Quando poderemos começar?
Rhodan sentiu-se aliviado ao perceber a calma com que os dois teleportadores
encaravam a tarefa. Não a julgavam muito fácil, pois isso seria uma irresponsabilidade.
Todavia...
Fez um sinal para Toffner, que se encontrava num ponto mais afastado. O agente
aproximou-se e lançou um olhar curioso para Gucky. Já ouvira falar no rato-castor, mas
nunca tivera oportunidade de vê-lo.
— Estes são Gucky e Ras Tschubai. Ambos são teleportadores. Eles nos levarão
para Tagnor. Primeiro iremos nós quatro, a fim de conhecermos o local. Os outros
seguirão depois. Explique aos dois como é Tagnor. Enquanto isso instruirei os homens
sobre como proceder nesse meio tempo.
Deixou que Toffner ficasse a sós com os dois mutantes e foi para junto de Rosberg,
Gorlat e Bell. Os três encontravam-se na entrada da caverna, de onde podiam ver o vale e
a maior parte do subterrâneo. Ao que parecia, não se sentiam muito à vontade no lugar
em que estavam.
— Bell, você ocupará meu lugar por algumas horas. A fim de examinar nossos
alojamentos, irei a Tagnor com Toffner, Gucky e Ras Tschubai. Se houver algum ataque,
defenda-se com todos os recursos de que possa dispor. Se isso acontecer, teremos de
modificar nossa tática. Talvez os arcônidas acreditem que somos zalitas que querem fugir
do serviço militar.
— Por que não vamos todos? — perguntou Rosberg.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— É impossível. Pelo que diz Toffner, os controles são mais rigorosos e eficientes
do que supúnhamos. É bem verdade que nem por isso nossos planos sofrerão maiores
alterações. Investigarei a situação e voltarei. Espero que, dentro de dois ou três dias,
todos estejamos sãos e salvos nas catacumbas de Tagnor.
As despedidas foram breves. Rhodan pegou a arma de radiações e não se esqueceu
de entregar Harno aos cuidados de Bell. Depois saiu caminhando ao lado de Toffner, Ras
Tschubai e Gucky em direção à entrada do vale.
Os que ficaram para trás viram-nos desaparecer em meio às rochas.
John Marshall, que lera os pensamentos de Rhodan e por isso conhecia-lhe as
intenções, disse:
— Quer dizer que, se não surgir uma alternativa melhor, os teleportadores nos
levarão um por um para Tagnor. Por que não ficamos no deserto? Acho que seria mais
fácil.
— Seria muito mais difícil operarmos daqui. Se ficarmos em plena cidade de
Tagnor, as coisas se tornarão mais fáceis.
Bell levantou os olhos para o céu.
— Quando deverá anoitecer aqui?
— Dentro de, aproximadamente, quatro horas — respondeu Rosberg, que já colhera
informações detalhadas. — Até lá o chefe deverá estar de volta.
Bell lembrou-se das obrigações que lhe cabiam como representante de Rhodan.
Entrou na caverna e certificou-se de que, junto à parede da caverna, todo o equipamento
estava bem arrumado e empilhado. Cada membro do comando saberia o que teria de
fazer e quais os objetos que teria de levar, quando chegasse a hora para isso. Na caverna
havia uma boa quantidade de volumes com armas, um laboratório bioquímico, um
laboratório físico, mantimentos e equipamento especial.
Quando o Major Rosberg, o Capitão Gorlat e John Marshall entraram correndo na
caverna, Bell verificava os volumes.
— Um avião! — gritou o major em tom exaltado, agitando os braços. — Passou
sobre o vale em vôo baixo; parece que estão procurando alguma coisa. Tomara que não
desconfiem de nada.
Bell olhou para as caixas. Seria inútil desempacotar um pequeno canhão de
radiações. Além disso, a montagem seria muito demorada. Se fossem utilizados,
racionalmente, numa ação maciça...
— Ninguém deverá aparecer fora da caverna! — gritou e correu para a entrada.
Avançou cautelosamente até um ponto em que podia ver todo o vale. Enxergou também
um pedacinho do céu.
Era um planador de asas curtas. A maneira de voar revelava que possuía campos
antigravitacionais. O veículo aéreo foi descendo e quase chegou a tocar o chão no fundo
do vale.
Bell escondeu-se atrás de uma rocha e fez um sinal para o interior da caverna.
— Dez homens para cá! — gritou e destravou sua arma. — Tenham cuidado. Não
deveremos ser descobertos antes da hora.
John Marshall foi um dos que rastejaram para junto de Bell.
— Quantos serão? — perguntou, já deitado ao lado de Reginald.
— Veremos. Estou curioso para ver se são arcônidas ou zalitas.
Sua paciência não foi submetida a uma prova muito prolongada.
O planador pousou. O ruído do motor cessou. Dali a pouco, uma escotilha da cabina
abriu-se e quatro vultos saltaram. Eram robôs.
— O piloto é um arcônida; um oficial — Marshall estava oferecendo seu relato. —
Consigo captar seus pensamentos. Trata-se de uma verificação de rotina. Pousaram aqui
por puro acaso.
— Que azar! — disse Bell. — Se vierem para cá, teremos de colocá-los fora de
ação. O que deveremos fazer com o piloto? Se escapar, o diabo estará às soltas. Virão
com bombas e verdadeiros exércitos. Quer dizer que ninguém deverá escapar.
— André Noir! — disse Marshall, falando no minúsculo transmissor de laringe.
O hipno do Exército de Mutantes logo captou o sinal. Rastejou para junto de
Marshall.
— Você me chamou?
— Devemos impedir o piloto de decolar quando destruirmos os robôs. Você será
capaz disso?
Noir fez um gesto afirmativo.
— Farei o possível. Talvez consiga fazer com que abandone o aparelho. Mais tarde
aplicar-lhe-ei um bloqueio hipnótico, e ele se esquecerá de tudo. Talvez consiga mesmo
mandá-lo para Tagnor com uma lembrança falsa dos fatos.
— Excelente — disse Bell e passou a concentrar-se sobre os robôs que se
aproximavam.
Subitamente um dos homens-máquina parou e chamou a atenção dos outros para
alguma coisa que vira na areia.
— São os rastros dos nossos pés! — Marshall compreendeu imediatamente do que
se tratava. — Encontraram nossas pegadas.
— Ótimo! — disse Bell numa súbita resolução. — Assim escaparemos ao
sofrimento de uma espera prolongada. Noir, tente a sorte. Quanto a nós, cuidaremos dos
robôs curiosos.
Os robôs conferenciaram através dos aparelhos embutidos em seus corpos. Os
círculos de armas começaram a rodar. Ao que parecia, procuravam um alvo. Voltaram a
colocar-se em movimento. Separaram-se, já que ainda não haviam identificado o
objetivo.
Bell avançou e levantou a arma de radiações. Um dos robôs caminhava em direção à
entrada da caverna.
— Abriremos fogo ao mesmo tempo, a fim de pegá-los de surpresa — cochichou
para os outros. — Antes que possam ativar seus campos defensivos, deverão estar
liquidados.
Era perfeitamente possível destruir um robô de guerra com uma arma de radiações
portátil, desde que se conhecesse os pontos sensíveis dos monstros eletrônicos.
E desde que se acertasse logo. Uma vez ativados os campos energéticos dos
colossos, eles se tornariam praticamente invulneráveis.
Bell levantou a mão esquerda. Os homens estavam distribuídos de maneira tal que
cada robô poderia ser alvejado por dois ou três deles.
Bell baixou a mão, e, no mesmo instante, as fúrias do inferno ficaram soltas. Num
instante, os raios energéticos saíram das armas, perfuraram a blindagem dos robôs,
atingiram peças vitais e as gaseificaram. Um cérebro eletrônico reage com uma rapidez
espantosa. Porém, quando não está em condições de funcionamento, deixa de reagir. Foi
o que aconteceu com três dos robôs.
O quarto teve mais sorte. Ativou o campo defensivo que o encerrou numa
campânula invisível, feita de energia de elevada potência, que não deixaria passar
qualquer porção de matéria ou outras formas de energia.
O robô logo começou a responder ao fogo.
Bell abaixou-se e sentiu as costas esquentarem. O bombardeio energético atingira a
parede de rocha, da qual começaram a cair pingos grossos. O segundo tiro foi mais baixo;
quase chegou a atingir Bell de raspão. Os feixes energéticos disparados pelos homens
“tatearam” em direção ao robô, mas o campo defensivo refletiu a energia.
— Betty! — cochichou Bell em tom assustado. Sabia que sem a intervenção da
telecineta não teriam a menor chance contra o monstro. Betty também era telepata e seria
capaz de ler seus pensamentos. — Betty Toufry!
Betty era uma mulher jovem — e continuaria a sê-lo. A ducha celular aplicada no
planeta Peregrino prolongara sua vida por seis decênios. Captou os impulsos
desesperados de Bell e compreendeu imediatamente. Não perdeu tempo. Correu em
direção à entrada da caverna e, com um ligeiro olhar, avaliou a situação. Três robôs
haviam sido colocados fora de ação. Estavam no chão, destruídos.
Mas o quarto robô caminhava em direção a Bell, que achava-se deitado atrás de uma
pedra e lhe enviara o pedido de socorro.
Estava em cima da hora!
Bell ouviu os passos pesados da máquina de guerra que se aproximava. Nunca
saberia por que escolhera justamente a ele, ignorando as outras pessoas que atiravam. Se
Betty não agisse logo...
De repente, os passos cessaram. Um dos membros do comando soltou um grito; era
um grito de alívio. Bell arriscou-se a levantar a cabeça acima da pedra e respirou aliviado
diante do que viu. Betty ouvira e compreendera seu pedido de socorro.
O robô cambaleou. Subitamente perdeu o apoio dos pés e tombou. Com a queda, o
campo defensivo foi desligado. O robô procurou reativá-lo. Entretanto, nesse instante,
uma grande pedra levantou-se a poucos metros dele, como se tivesse sido agarrada pela
mão de um fantasma. Subiu rapidamente, parou bem em cima do robô e subitamente
caiu, como se a mão a tivesse soltado. Atingiu com toda força a cabeça supersensível do
monstro e esmagou o importante dispositivo positrônico. O corpo do robô amoleceu,
como se fosse o de um homem, e estirou-se ficando completamente imóvel.
Mas o perigo ainda não havia passado.
Assim que irromperam as hostilidades, o planador levantou vôo. Parou vinte metros
acima do fundo do vale. Ao que parecia, o piloto estava refletindo sobre o que deveria
fazer. Mas logo descreveu uma espiral descendente e voltou a pousar.
O piloto saiu da cabina e num caminhar duro e estranho seguiu em direção à entrada
da caverna.
André Noir, que estava deitado perto de Bell, levantou-se.
— Tenho o piloto sob controle, Mr. Bell — disse com certo triunfo na voz. — Foi
fácil entrar em seu cérebro, pois o rapaz parece ser muito degenerado. Não tem muita
coisa na cabeça.
— Excelente! — disse Bell e também se levantou. Enfiou a arma de radiações no
cinto do uniforme. — Vamos dar uma olhada nesse sujeito.
Dirigiu-se ao telepata.
— Marshall, o senhor e Noir tentarão extrair dele tudo que possa assumir certa
importância. Depois colocaremos dados falsos em sua memória e deixaremos que volte
para casa.
— Não seria conveniente ficarmos com o planador? — indagou Noir.
— Não. Sentiriam falta dele e começariam a procurá-lo. O que faríamos com isso?
Afinal, o planador de Toffner está escondido embaixo dessa rocha saliente. Acho que
será mais vantajoso deixarmos que o piloto regresse à base com informações falsas.
Precisará de uma explicação plausível para a falta dos quatro robôs.
Noir soltou um suspiro.
— Está bem; cuidemos do arcônida.
Dali a meia hora, quando o planador levantou vôo e saiu em direção a Tagnor, o
arcônida sentado atrás dos controles era o mesmo de antes...
Mas esse arcônida sofrerá o implante de uma memória artificial!
***
— Dê-me a mão. — Ras Tschubai impacientou-se diante da hesitação de Toffner.
— Para podermos saltar, precisamos do contato físico — fitou o rato-castor. — O
objetivo já foi identificado?
Gucky fez que sim.
— Se Toffner continuar a pensar intensamente nas catacumbas, iremos parar lá.
Acho que podemos começar.
Os dois teleportadores concentraram-se. O salto foi efetuado sem o conhecimento
direto do destino, mas a seu lado estava alguém que conhecia esse destino e transmitia
seu conhecimento a Gucky por via telepática. E entre Gucky e Ras havia um contato
físico.
Os três homens e o pequeno rato-castor desmaterializaram-se.
Mais ou menos uma hora depois, o Almirante Calus recebeu uma notícia alarmante.
No setor norte da cadeia de montanhas que se estendia entre Tagnor e Larg havia um
grande grupo de rebeldes, que atacara o veículo aéreo dos arcônidas e destruíra quatro
robôs de guerra.
Quando fez o piloto do planador comparecer à sua presença e começou a interrogá-
lo, Calus tremia de raiva. Conseguiu controlar-se a custo e ouviu em silêncio o relato que
lhe estava sendo apresentado.
— Saímos à procura de homens capazes de pegar em armas, conforme as ordens que
havíamos recebido, senhor. Procuramos principalmente nos lugares mais afastados do
deserto. Supõe-se que por lá estejam escondidos zalitas que se recusam a servir ao
Império. Juntamente com outros oficiais vasculhei a parte sul e central da cadeia de
montanhas, mas não descobri nada. Naquela área existem poucos locais em que alguém
possa esconder-se. Mas, mais ao norte, torna-se difícil examinar o terreno, mesmo do
alto. Separamo-nos. Incumbi-me das encostas do leste, em direção a Larg.
Subitamente começaram a atirar contra mim. Descobri um grupo de zalitas
escondido num vale. Segui as ordens que me foram fornecidas: pousei e mandei que os
robôs avançassem. Foram todos destruídos. Levantei vôo para evitar que a aeronave
caísse nas mãos dos rebeldes e voltei imediatamente.
Calus fitou-o com uma expressão zangada.
— Na parte norte da cadeia de montanhas? — o almirante refletiu por algum tempo
e perguntou: — Verificou a posição exata?
— Saberei encontrar o vale, senhor.
— Muito bem! Ainda hoje, antes do escurecer, uma esquadrilha de caças ligeiros
decolará e atacará os rebeldes que se esconderam nas montanhas. Procure pegá-los vivos.
Precisamos de soldados, não de cadáveres. Entendido?
— Pode confiar em nós...
— É o que espero. E não me venha com a alegação de que de repente não consegue
encontrar o vale. Eu o previno para que isso não aconteça. Se a operação não for coroada
de êxito, o senhor será rebaixado para soldado raso.
Dali a dez minutos, a esquadrilha de caças decolou.
O sol já descia para o horizonte. Os aviões corriam para o leste, em direção à noite
que iria cobrir o planeta.
O infeliz oficial com a memória “falsificada” acompanhou-os. Foi seu último dia
como oficial. Calus costumava cumprir suas promessas e suas ameaças.
Acontece que o lugar, onde o oficial acreditava que estivessem escondidos os
rebeldes, ficava dois mil quilômetros ao norte do pequeno vale em que Bell e o restante
do comando esperavam ansiosamente pela volta de Rhodan.
Perry e seus companheiros rematerializaram-se nas grandes cavernas, situadas
embaixo da arena de Tagnor.
Rhodan soltou a mão de Gucky e lançou um olhar para Toffner, a fim de certificar-
se de que estavam no lugar certo. Depois olhou em torno.
O recinto era quadrado e nele se viam vários muros que o dividiam em nichos. O
teto era de pedra pouco trabalhada, mas parecia ser muito forte. Era ligeiramente
abobadado. Nas paredes, que eram lisas e estavam revestidas com um verniz
transparente, viam-se pequenas portas.
— Aqui poderia ser instalado o quartel-general — disse Rhodan e prestou atenção
ao eco de sua voz. — A que profundidade estamos?
— Vinte metros no máximo — respondeu Toffner. — Existem várias saídas. As
portas foram embutidas na parede de tal maneira que são quase invisíveis. As fechaduras
são eletrônicas ou de vibrações orgânicas. Estamos bem embaixo da arena e, portanto, do
centro da cidade. Não se leva mais de cinco minutos para chegar ao palácio do governo.
Rhodan fez um sinal de concordância.
— Excelente. Daqui podemos operar. Os laboratórios serão abrigados nas diversas
salas.
Lançou um olhar penetrante para Toffner.
— Quem conhece este subterrâneo além do senhor? Por que os arcônidas ainda não
tiveram a idéia de procurar fugitivos por aqui?
— Acredito que não tenham conhecimento da existência das catacumbas. Só as
cavernas exteriores são conhecidas, e estas já foram revistadas. A parte interna é fechada
por portas que não foram descobertas. Aqui estamos em segurança. Há três anos meu
esconderijo fica neste lugar.
— Não foi por desconfiança que perguntei, Toffner, mas precisamos ter cuidado.
Não podemos desprezar qualquer fator. Traremos nossos homens e equipamentos. Gucky
e Ras, saltem de volta. Ficarei aqui com Toffner.
O rato-castor esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas acabou acenando com a
cabeça e segurou a mão de Ras.
Teleportaram-se ao mesmo tempo.
— Muito bem, Toffner — disse Rhodan com uma ênfase estranha. — Conte-me
alguma coisa dos dois zalitas que o senhor mantém escondidos. Gucky leu seus
pensamentos. O que houve com eles?
Toffner logo venceu o embaraço.
— São meus amigos, e deveriam ser recrutados. Pediram que os ajudasse, e eu os
escondi. É só. Não têm a menor idéia do que está acontecendo aqui embaixo. O cubículo
em que estão escondidos não tem nenhuma ligação com o pavilhão em que nos
encontramos.
— Talvez, um belo dia, possam ajudar-nos — disse Rhodan, dando a entender que
não condenava o gesto de solidariedade de Toffner. — Têm todo motivo para não
entreterem sentimentos amistosos em relação aos arcônidas. Oportunamente darei uma
olhada neles.
Toffner sentiu-se aliviado.
Mas antes que tivesse tempo de responder Gucky materializou-se juntamente com
Bell.
— Que é isso? Vocês fizeram exercícios de campo?
Bell procurou endireitar o uniforme amarrotado.
— Foi mais ou menos isso. Um oficial arcônida procurou arrancar-nos da caverna.
Estava acompanhado por quatro robôs de combate.
Depois de oferecer um relato sucinto dos acontecimentos, concluiu:
— O piloto contará uma fábula a Calus. Se tivermos sorte, morrerão de tanto
procurar a dois mil quilômetros do vale.
— Tomara — disse Rhodan, enquanto Ras Tschubai materializava-se com um
técnico do comando. Gucky desapareceu no mesmo instante. A seguir, apareceu Tako
Kakuta, um teleportador japonês.
O grande reagrupamento teve início...
Demorou dois dias.
Finalmente instalaram-se no grande pavilhão de pedra e puderam dar início ao
trabalho propriamente dito, que os levaria a Árcon.
5
***
***
***
E bem verdade que o verdadeiro Calus tinha motivos de sobra para admirar-se com
uma porção de coisas. Além de ter sido levado por meio da teleportação a um lugar
totalmente desconhecido, que parecia ficar embaixo da superfície, fitou alguns rostos
estranhos e nada amistosos.
Num canto do recinto em que se encontrava, havia uma espécie de impressora, que
com intervalos de alguns minutos expelia passaportes zalitas autênticos. Um grupo de
homens de guarda-pó branco prendia fotos e modelos de vibrações cerebrais aos
documentos, preenchia-os e os empilhava.
Num ponto mais afastado, um grupo de zalitas estava sentado em torno de uma
mesa tosca e conversava. Alguns liam. Calus viu que à esquerda um nicho fora separado
por meio de plásticos negros. Não podia ver o que havia atrás desses panos. Uma única
vez um homem passou por baixo desses panos e disse a um zalita:
— Os aparelhos estão prontos para entrar em funcionamento, Sir. Se quiser
podemos começar.
— Muito bem.
Com uma expressão indefinível, o zalita ao qual haviam sido dirigidas essas
palavras fitou Calus. Depois de algum tempo começou a falar:
— O senhor já deve ter compreendido o que aconteceu, Calus. Um sósia foi
colocado em seu lugar. O senhor encontra-se em nosso poder e só depois de atingirmos
nossos objetivos, será libertado. Em grande parte, dependerá do senhor quando isso
acontecerá. O senhor se dispõe voluntariamente a prestar as informações que desejamos,
ou teremos de recorrer a uma suave coação?
Calus tinha certeza absoluta de ter caído nas mãos dos rebeldes. Talvez tais rebeldes
contassem com o apoio de seres vindos de outros mundos, que dispunham de faculdades
parapsicológicas.
Nem pensou na possibilidade de ter à sua frente os temíveis terranos dirigidos por
Perry Rhodan!
— Pode perguntar — disse em tom tranqüilo. — Não terei dúvida em dizer aquilo
que posso revelar. Quanto ao resto...
— Quanto ao resto, não se preocupe — disse o zalita, que não era outro senão Perry
Rhodan. — Sua saúde não será prejudicada, pois nossos métodos de interrogatório
hipnótico são totalmente inofensivos. As primeiras perguntas são: qual é o motivo do
recrutamento forçado? Qual é o inimigo contra o qual Árcon está lutando?
Os olhos de Calus estreitaram-se.
— Recuso responder essa pergunta. Aliás, tenho de preveni-lo de que os senhores
acabam de seqüestrar um almirante arcônida, e por isso sofrerão um castigo
rigorosíssimo. Se concordarem em libertar-me, terei muito prazer em usar minha
influência para...
Rhodan sacudiu a cabeça e lançou um olhar para os homens que estavam reunidos
num canto. Já não estava sorrindo.
— Manoli! Sinto muito, mas não temos outra alternativa. Vamos recorrer ao
tratamento hipnótico.
Enquanto um Calus relutante estava sendo submetido aos efeitos dos campos de
choque eletrônicos, caminhava pelas ruas de Tagnor um homem ao qual cabia testar as
primeiras ordens do falso Calus.
Tratava-se do mutante japonês Tako Kakuta, um teleportador. Ninguém desconfiaria
de que aquele corpo pequeno pertencesse a um terrano, quanto mais a um japonês, pois o
tratamento especializado fizera de Tako um verdadeiro zalita. Seus cabelos pretos e
vastos haviam desaparecido. Em vez disso, tinha uma cabeleira cor de cobre. O brilho
esverdeado foi imitado com uma perfeição enganadora. Bastava que Tako inclinasse a
cabeça para que os raios do sol gigantesco de Voga se quebrassem nos microcristais
acrescentados à cabeleira artificial.
Tako passeava tranqüilamente pelas ruas como quem não tem nada a fazer. Viu
poucos zalitas com a sua idade. Os que não estivessem a caminho de Árcon deviam estar
escondidos. Por mais de uma vez conseguiu esquivar-se das patrulhas de busca.
Geralmente essas guarnições, compostas por robôs ou soldados zalitas, eram comandadas
por oficiais arcônidas.
O êxito desse tipo de controle já era muito reduzido. Um zalita que se arriscasse a
andar pela rua só poderia ser um doido, a não ser que tivesse uma boa idade. Ainda se
viam muitos velhos, mas por enquanto estes não tinham nada a recear. Os arcônidas até
chegavam a tratá-los com muita consideração, naturalmente porque esperavam que
poderiam encontrar traidores entre os velhos zalitas.
Quando os alto-falantes públicos começaram a transmitir o discurso diário do
almirante, Tako entrou num restaurante. Sentou a uma mesa e pediu o vinho do planeta,
que era muito saboroso graças ao sol gigantesco que fazia amadurecer as uvas. O rosto
conhecido de Calus parecia fitá-lo da tela.
Ouviu algumas pessoas praguejarem baixinho, mas logo a voz do arcônida superou
os cochichos.
Contemplou Calus e não pôde deixar de reconhecer que, raras vezes, um disfarce
fora tão bem sucedido. Calus era Calus; não havia a menor dúvida. Até mesmo a voz, a
maneira de expressar-se e a entonação eram semelhantes às do verdadeiro almirante. Os
gestos, que serviam para reforçar os trechos mais importantes do discurso, haviam sido
tão bem estudados por Osega que ninguém poderia ter dúvidas sobre a identidade do
almirante.
— Nesta oportunidade mando que todos, repito: todos os homens de Zalit se
apresentem para serem examinados pelas comissões de recrutamento. Só estas decidirão
quem é inapto para o serviço da frota. Dentro de uma semana, todo zalita deverá estar
devidamente registrado. Qualquer um que for encontrado sem um documento visado será
preso.
Tako divertiu-se ao pensar como a situação estava ficando esquisita. Os documentos
a que Calus se referia estavam sendo fabricados na caverna, situada embaixo da arena, e
seriam entregues às comissões de recrutamento.
— Pelo que se diz, existem zalitas que se recusam a prestar serviço voluntário ao
Império. Portanto, para o computador, todos estão sujeitos às leis de guerra, daqui para
frente. Qualquer sujeito apto para a prestação do serviço militar, mas que negue-se a
prestá-lo, poderá ser condenado à morte.
Tako notou que alguns zalitas mais idosos o fitavam. Devia pertencer à categoria
das pessoas a que acabara de aludir o almirante.
Calus prosseguiu. Ressaltou que a paciência do regente de Árcon estava
definitivamente esgotada. O Império estava sendo ameaçado por uma potência estranha, e
o computador era generoso a ponto de confiar os postos mais importantes aos arcônidas e
zalitas. Portanto, seria uma ingratidão... e o discurso prosseguia neste diapasão.
Quando Calus concluiu, houve alguns segundos de silêncio no interior do
restaurante. Finalmente um zalita idoso levantou-se, atirou uma moeda para o dono do
restaurante e dirigiu-se à porta. Antes de sair, virou-se e disse:
— Quem se juntar aos arcônidas será um traidor e um escravo do computador!
Uma vez proferidas estas palavras, desapareceu.
Os que ficaram para trás pareciam suspirar aliviados. Começaram a discutir
apaixonadamente; procuravam convencer uns aos outros. Tako aproveitou a confusão
generalizada para sair do local. Não podia deixar de confessar que Osega fizera um
trabalho perfeito. Estava convencido de que teria enganado até mesmo o regente de
Árcon, se o computador tivesse tido oportunidade de ouvir o discurso.
Tako não se encontrou com nenhuma das patrulhas, que vasculhavam as ruas, e por
isso tornou-se mais arrojado. Foi-se aproximando do espaçoporto e, subitamente, viu-se
diante de uma fileira de guardas. Eram todos robôs. Seus olhos frios e inexpressivos
dirigiram-se para ele como se fosse uma caça pela qual esperavam há muito tempo. Um
deles veio em sua direção. Seria inútil correr. Um robô sabe deslocar-se com uma rapidez
espantosa.
— Documento! — disse a voz rangedora da máquina.
Naturalmente Tako possuía documento. A identidade fora fabricada no dia anterior,
no laboratório situado embaixo da arena. Toffner fornecera todos os dados para isso.
Acontece que não era o documento que importava. Tako tinha a idade apropriada.
Enquanto entregava o documento ao robô, o japonês falou sem pestanejar.
— Quero apresentar-me à comissão de recrutamento. Onde fica?
O robô examinou o documento. Sua programação, que no início previa a prisão do
homem que tinha diante de si, foi modificada. Aquele indivíduo queria apresentar-se.
Para este caso, as instruções eram outras:
— Atravesse a barreira que fica junto ao edifício principal. Ali encontrará um
oficial.
Tako se transformaria em cobaia!
Enquanto caminhava, procurou entrar em contato com John Marshall ou outro
mutante através do microtransmissor. Pouco antes de chegar ao edifício que lhe fora
designado, alguém respondeu:
— Faça de conta que se apresentou para ser examinado. Se lhe perguntarem por que
só apareceu hoje, alegue doença. Estamos cuidando de você. Harno tem sua imagem. Não
se preocupe, dentro em breve o seguiremos.
Tako continuou a caminhar. Sentiu-se tranqüilo. Enquanto Rhodan e seus colegas do
Exército de Mutantes estivessem atrás dele, nada lhe poderia acontecer.
Chegou na hora exata para assistir à chegada do almirante arcônida, que iria realizar
uma inspeção de surpresa na sede da comissão de recrutamento.
6
***
Toffner levou a sério a tarefa que lhe foi confiada. Sabia quanta coisa dependia da
execução da mesma. O Major Rosberg o prevenira quanto a isso. Se fosse preso pelos
arcônidas ou pelos soldados de Zalit, não poderia contar com qualquer auxílio. Além
disso, deveria evitar que sua pista levasse às catacumbas.
Dessa forma, Toffner voltara a ficar só; dependeria exclusivamente de sua
habilidade.
O documento, que Calus assinara, era a única coisa que o tranqüilizava, pois
atestava que a comissão de recrutamento o julgara inapto para o serviço da frota.
Não foi por nada que o Almirante Calus baixou tal ordem, que admitia certas
exceções e permitia a emissão dos respectivos documentos...
Toffner teria de preparar os jogos da arena, que seriam realizados no outono. O
terrano, ou melhor, Garak, tinha necessidade premente de gladiadores. Onde arranjá-los,
se em Tagnor quase não restavam homens capazes? Não teve outra alternativa senão
viajar por aí.
Foi a uma agência e alugou um planador. Desta vez escolheu um modelo maior.
Talvez tivesse de realizar alguns transportes. Por duas vezes as patrulhas o pararam e
controlaram seus documentos. O atestado produziu verdadeiros milagres. Deixaram-no
passar sem dificuldades.
O planador estava estacionado na área de parqueamento. Achava-se cercado por
uma fileira de guardas. E tal situação provocou um sorriso discreto em Toffner.
O que poderia acontecer-lhe?
Conforme esperava, o controle foi rápido e fácil como os anteriores. Permitiram-lhe
que decolasse, depois de ter informado seu destino: a cidade de Larg.
Descreveu uma curva a baixa altitude e constatou que o tráfego civil estava
praticamente paralisado. Vez por outra encontrava-se com um planador militar. Mas estes
não se interessaram por ele. Logo atingiu a periferia da cidade e dirigiu-se para o leste,
para o deserto.
Resistiu à tentação de pousar nas proximidades da caverna. Pelo que se sabia,
ninguém aparecera por lá. Isso só aconteceria nos próximos dias. Seria necessário colocar
o transmissor em recepção e descarregar os volumes que chegassem.
A cadeia de montanhas foi avistada e voltou a desaparecer. Finalmente, Toffner
pousou em Larg sem maiores incidentes. Estacionou o planador e regulou o fecho
positrônico para seu número de identificação. Nenhuma pessoa estranha seria capaz de
abrir a cabina, a não ser que possuísse seu modelo de vibrações cerebrais, o que era
totalmente impossível.
Hhokga, o negociante de tecidos, ficou não apenas surpreso, mas assustado ao rever
tão depressa o homem que conhecia como Garak. Pediu silêncio e levou o inesperado
hóspede à sala de estar. A tarde findava; dentro de mais algumas horas, escureceria. Os
robôs patrulhavam as ruas.
— Sua vinda representa um tremendo perigo para mim! — as palavras de Hhokga
foram ditas em voz tão baixa que Toffner mal conseguiu entendê-las. — Por que veio?
Nos últimos dias, a situação tornou-se muito mais crítica. Devo apresentar-me amanhã
para ser submetido a exame médico. Os homens velhos estão sendo recrutados...
— Não se preocupe! — interrompeu Toffner com a voz tranqüila e sentou-se. — O
senhor não será incorporado em hipótese alguma. Acredite em mim e não faça perguntas.
Tome este papel. Trata-se de um documento emitido em seu nome, no qual se lê que o
senhor se apresentou em Tagnor e foi julgado inapto. Apresente-o a qualquer patrulha
que venha abordá-lo.
Hhokga lançou um olhar de espanto para o documento.
— O senhor deve ter amigos muito influentes — disse o negociante de tecidos em
tom respeitoso. — Quem sabe se pode proteger Markh e Kharra dos arcônidas?
— Ambos poderão andar à vontade em Tagnor, pois também receberão hoje um
documento igual a este. Ainda obterão licença para viajar para Larg. É por isso que estou
aqui.
Hhokga foi pegar o vinho e sentou-se.
— Não compreendo como foi que o senhor conseguiu isso. O que sei é que não
tenho a menor esperança de poder retribuir este favor. O senhor é mais poderoso que eu,
que apenas sou um velho sem confiança no futuro...
— O futuro é muito mais brilhante do que o senhor imagina — asseverou Toffner,
esperando que não tivesse dito demais.
— O Almirante Calus também é mortal — comentou Hhokga.
Toffner assustou-se. Será que planejavam o assassinato do almirante arcônida, do
qual ninguém sabia que, na realidade, era um terrano e um grande amigo dos zalitas? Isso
complicaria a situação. Talvez Hhokga soubesse dizer alguma coisa.
— Pretendem matá-lo?
— Como é que o senhor pode dizer uma coisa dessas, Garak? Não se trata disso.
Apenas estou falando em termos gerais. Qualquer pessoa terá de morrer um dia —
suspirou. — Posso ajudá-lo em algo?
— Markh me disse que o senhor tem relações com as autoridades locais. É bem
verdade que o mercador de animais pode locomover-se livremente, mas achamos
preferível que por enquanto mantenha uma atitude mais discreta. Preciso de animais
selvagens e de gladiadores que se disponham a lutar na arena. Não posso contar com
presos políticos ou comuns, pois os arcônidas esvaziaram as prisões. E quem mais
concordaria em ir voluntariamente para a arena? Quer dizer que tenho pouca gente. E, se
não consigo gladiadores, terei de fazer os animais lutarem contra outros animais.
— O que posso fazer pelo senhor?
— Pode ajudar-me a formar uma expedição. Basta que um dos seus veículos de
transporte, destinados a Tagnor, pouse em determinado ponto nas montanhas e receba as
cargas que expedirei em nome de Markh. Será feito tudo legalmente e com licença das
autoridades. Eu mesmo poderia organizar tudo, mas tenho de voltar o quanto antes para
Tagnor.
“Entrego-lhe dez documentos assinados pelo Almirante Calus. Tais identidades
dizem que o portador, depois de examinado pela comissão de recrutamento arcônida, foi
julgado inapto para o serviço ativo. Os documentos foram emitidos em branco. Utilize-os
à vontade. O senhor deve ter dez bons amigos que estejam dispostos a trabalhar nesses
transportes em troca da garantia de não serem molestados pelos arcônidas.”
— Se o documento realmente for bom, posso garantir que uma caravana chegará às
montanhas. Vou desenhar um esboço.
Dali a trinta minutos, Toffner saiu da residência de Hhokga. Quando pousou em
Tagnor já estava escurecendo. A fim de apresentar seu relato a Rosberg, dirigiu-se
furtivamente ao esconderijo situado embaixo da arena.
O Major elaborou seu plano.
— Daqui a dois dias, Gucky saltará para a caverna juntamente com três especialistas
e ligará o transmissor. Antes disso, entraremos em contato com a Califórnia para mandar
que as coisas nos sejam enviadas. Daqui a três dias, o tal do Hhokga sairá de Larg. Dali a
mais dois dias, chegará às montanhas. Carregará as caixas. Acontece que a carga poderá
ser controlada. Não seria preferível incluir alguns animais? Seu amigo Markh poderia
cuidar disso.
Toffner prometeu confiar essa tarefa ao caçador.
— Como estão as coisas lá em cima? — perguntou Rosberg, depois que tinham
discutido todos os detalhes. — Hoje ouvi o discurso de Osega. Metade da população de
Zalit deve ter sido levada do planeta.
— As coisas não são tão ruins, Sir. A maior parte dos homens está escondida. A
vida econômica de Zalit está um tanto paralisada, mas a situação não chega a ser crítica.
Os habitantes do planeta são ricos e têm suas reservas. Agüentarão mais algum tempo.
— Até lá o perigo terá sido eliminado, ou nada mais importa — disse Rosberg em
tom tranqüilo.
***
***
**
*
A primeira parte dos preparativos estava concluída. Tratava-se
dos preparativos que, segundo a intenção de Rhodan, deveriam levar
à conquista de Árcon e ao término do governo do robô.
Cento e cinqüenta homens estavam preparados para abalar um
império estelar.
E o próprio regente daria a ordem para isso.
A ordem para que o cavalo de Tróia fosse transportado de Zalit
para Árcon!
Em Escola de Guerra Naator, título do próximo volume,
Rhodan tentará neutralizar as ações defensivas do computador-
regente.