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RECRUTAS DE ÁRCON

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
Todos unidos por um ideal —
O segundo passo: rumo a Árcon!

Rhodan, em manobra fantástica, conseguiu destruir


os últimos dados referentes à localização galáctica da
Terra.
Entretanto, este ano será o da decisão, pois o
comando suicida do Império Solar está movido por um só
pensamento: derrubar o robô regente...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador do Império Solar.
Jeremy Toffner — Um agente cósmico que, depois de uma solidão
prolongada, recebe uma visita importante.
Almirante Calus — O verdadeiro soberano de Zalit.
Roger Osega — Um sargento que sabe desempenhar o papel de
almirante.
Gucky, Ras Tschubai e Tako Kakuta — Cujas capacidades de
teleportação permitem a realização de um transporte muito
importante.
Kharra e Markh — Dois homens que se esquivam à prestação do
serviço militar.
1

— As coisas não estão nada boas!


Perry Rhodan levantou a cabeça e viu o rosto sério da pessoa que pronunciara estas
palavras. Fez uma constatação objetiva: os cabelos ruivos e curtos não estavam
arrepiados; quase pareciam cabelos normais. O rosto redondo apresentava uma coloração
vermelha, e um brilho nervoso marcava os olhos azul-pálidos.
— Bell, você acaba de usar uma expressão drástica, mas totalmente adequada. As
coisas realmente não estarão nada boas para a Terra, se não acontecer logo alguma coisa.
O velho de cabelos brancos, que estava sentado à mesa de conferências, do lado
direito de Rhodan, acenou lentamente com a cabeça. Em seus olhos avermelhados ardia
um fogo eterno de confiança recôndita. O vulto magro parecia encurvado, mas o brilho
dos olhos continuava juvenil e vigoroso.
Rhodan dirigiu-se a esse homem.
— Então, Crest?
O velho arcônida, que descendia de uma família real de Árcon, há muito extinta,
voltou a acenar com a cabeça.
— Concordo plenamente com Reginald Bell no ponto em que ele definiu a situação.
Por outro lado, porém, quero ressaltar que a perda da Kublai Khan foi compensada por
uma vitória relativa. Conseguimos destruir os últimos sinais que poderiam fornecer ao
computador-regente alguma indicação sobre a posição da Terra. Nenhum tópsida vivo,
que tenha participado da invasão do sistema de Vega, saberá dizer qualquer coisa a este
respeito. É bem verdade que perdemos a Kublai Khan...
— Bell pretendia dizer mais alguma coisa — anunciou Rhodan. — Ele se referia à
situação geral. E esta não oferece margem a qualquer dúvida. Em toda a Galáxia só
existem três fatores que devem ser considerados no jogo de forças. O primeiro é
representado pelos druufs, que constituirão um perigo por mais doze meses, ou, ao
menos, enquanto existir a área de superposição entre as duas dimensões temporais.
Segundo: temos de considerar o gigantesco computador que governa Árcon. É verdade
que, no momento, o cérebro-robô está plenamente ocupado com a invasão dos druufs,
mas um dia voltará a dedicar-se àquilo que considera sua tarefa principal: localizar-nos e
subjugar-nos. Por fim, o terceiro fator somos nós.
À direita de Rhodan, havia outro arcônida. Era mais jovem que Crest, ao menos no
aspecto exterior. Na verdade, Atlan tinha mais de dez mil anos e adquirira a imortalidade
graças ao ativador celular que, num passado remotíssimo, lhe fora dado por um
desconhecido. Vivia na Terra desde a destruição de Atlântida e transformara-se no
melhor aliado de Rhodan. E ele o seria pelo menos enquanto seu mundo, que era Árcon,
fosse governado por um robô.
Atlan disse em voz alta e bem compreensível:
— Devemos eliminar o computador; receio que não haverá outra saída.
Todo mundo prendeu a respiração.
Essa sugestão, saída da boca de um arcônida, tinha algo de terrível. Além disso, era
inexeqüível. Havia dispositivos de segurança que protegiam o regente de Árcon contra
qualquer ataque vindo de fora.
Mas também estaria protegido contra ataques vindos de dentro?
Rhodan imediatamente começou a raciocinar em torno desta idéia.
— Só nos restam sete supercouraçados do tipo da Titan e da Drusus. Perdemos um
dos transmissores de matéria que possuíamos. E não há como substituí-lo. Nossa frota
espacial é grande, mas, em comparação com a de Árcon, é insignificante. Acho que só
poderemos atacar Árcon por dentro.
— Por dentro? — repetiu Atlan em tom interrogativo. Seus olhos avermelhados se
iluminaram. — Talvez seja a solução.
À esquerda de Bell, estava sentado um homem que também tinha cabelos ruivos.
Evidentemente era pura coincidência. Quanto ao mais, o Capitão Hubert Gorlat poderia
ser considerado um tipo comum. Ao menos quanto ao aspecto exterior. Na verdade,
Hubert Gorlat era especialista de defesa do Serviço de Segurança Solar, submetido
diretamente a Mercant. Seu aspecto exterior não mostrava suas capacidades.
— Quem sabe se isso não seria um serviço para mim? — disse em tom indiferente,
mas com a voz trêmula de excitação.
Rhodan sorriu.
— Fui eu que convoquei a reunião, e posso garantir que ninguém está aqui por
acaso — fitou os presentes um por um. — O senhor também receberá sua tarefa, Gorlat.
— Você tem algum plano? — perguntou Bell em tom de curiosidade.
Seu rosto ficou ainda mais vermelho. Seus cabelos começaram a arrepiar-se.
— O plano surgirá no curso desta discussão — disse Rhodan, dando a entender que
cada um tinha de contribuir para a elaboração do mesmo. — Antes de mais nada,
estabeleçamos os fatos. Os tópsidas já não poderão fornecer ao regente qualquer
indicação sobre a posição da Terra. De qualquer maneira, porém, um belo dia o regente
nos encontrará. Isso vai acontecer quando não tiver mais nenhum perigo para enfrentar e
puder concentrar-se exclusivamente sobre nós. Neste caso, não haverá nada que possa
impedir tal descoberta, já que hoje em dia o Império de Árcon é forte e unido. Chegará o
dia em que alguma nave se deparará com a Terra e transmitirá as respectivas coordenadas
para Árcon. E depois?
Ninguém respondeu. Crest, que já estava muito velho, começou a falar com o rosto
sério.
— Não sobreviveremos ao ataque que vier depois disso — respondeu. — Não existe
a menor dúvida. Árcon destruirá a Terra, muito embora os dois impérios unidos
pudessem ser donos do Universo. A loucura, que costumava ser cometida pelos políticos
terranos, será repetida no âmbito cósmico.
— Qual é sua sugestão, Crest?
Rhodan formulou o pedido em tom calmo e indiferente, embora em seu interior
rugisse uma tempestade. Não deu a perceber nada.
Crest soltou um suspiro.
— Acha que devo ter alguma sugestão? Talvez possa fornecer uma indicação que
possa servir de base a uma sugestão? Quem é nosso inimigo? Os arcônidas. Não, não é
essa raça governada por um computador. Nosso inimigo é exclusivamente o computador,
o regente de Árcon. Quer dizer que, se quisermos viver em paz com Árcon, teremos de
eliminar o regente.
“Acontece que o computador foi concebido e construído por arcônidas, e foram
estes que fizeram dele o regente, quando a atividade dos arcônidas começou a diminuir.
Todavia, quem construiu o computador foram os valentes arcônidas de outros tempos. No
meu entender, este ponto representa a chave de qualquer ação bem sucedida. Acho
impossível que os cientistas que construíram o regente não tenham previsto qualquer
dispositivo de segurança.
“Vamos raciocinar logicamente, senhores. O computador foi construído pelos
arcônidas para que assumisse o governo do Império, quando eles mesmos degenerassem
a ponto de não serem aptos para a condução dos negócios públicos. Conclui-se que na
época ainda possuíam inteligência suficiente para reconhecerem suas próprias fraquezas.
Por isso, é de supor que também tenham tido inteligência suficiente para não se
submeterem irremediavelmente ao domínio de um cérebro positrônico. Por certo
esperavam que um dia voltariam a existir arcônidas capazes. E estes assumiriam o
governo. Vê-se que deve haver algum comando de segurança, que pode ser localizado.
Acho que me fiz entendido.”
Olhou em torno com uma expressão indagadora e deparou-se com os olhos
brilhantes dos outros. Rhodan respondeu com um aceno de cabeça.
— Sim, Crest. Compreendemos perfeitamente o que quer dizer. Restaria descobrir
como é esse dispositivo de segurança e de que forma deve ser manipulado. Acha que será
fácil?
Crest parecia um tanto inseguro.
— Na minha opinião não será fácil, mas será possível.
Gorlat continuou a raciocinar em torno de fatos concretos.
— Antes de quebrarmos a cabeça sobre isso, devemos verificar se há uma
possibilidade de nos aproximarmos do regente.
Subitamente Atlan voltou a participar da discussão.
— Estou inclinado a concordar com Crest. O principal é que tenhamos certeza
absoluta de que realmente existe um dispositivo de segurança. Na minha opinião, essa
possibilidade existe. O dispositivo de segurança existe! Por isso deverá ser possível
colocar o computador-regente fora de ação exclusivamente por meio da astúcia,
independentemente de qualquer luta, libertando o Império de Árcon de um ditador
maquinal.
— Resta saber — ponderou Bell — como faremos para chegar a Árcon, sem que
antes sejamos desmanchados em átomos.
— Foi justamente por isso que convoquei esta reunião — disse Rhodan, dirigindo-se
a Atlan com um visível interesse.
— Quer dizer que tanto você como Crest têm certeza de que existe um dispositivo
de segurança?
— Certeza absoluta, bárbaro — respondeu Atlan, servindo-se do tratamento
costumeiro, mais por costume que por ironia.
— Não se esqueça de que há dez mil anos fui almirante do Império Arcônida. É bem
verdade que naquela época ainda não pensávamos em construir um computador que nos
pudesse exercer o governo sem o menor trabalho, mas tais planos já existiam no âmbito
teórico. E nesses planos se aludia a um dispositivo de segurança que permitisse à pessoa
indicada a reprogramação do computador.
Rhodan acenou com a cabeça; parecia pensativo.
— Pois é isso: pela pessoa indicada. Quem será essa pessoa indicada?
Conforme já acontecera tantas vezes, a única resposta foi o silêncio.
Rhodan fitou seus interlocutores com um sorriso nos lábios.
— Agradeço a Crest e Atlan pelas opiniões que acabam de formular, já que estas
correspondem inteiramente às minhas suposições. Devo comunicar-lhes alguma coisa que
até agora tenho guardado para mim. Há alguns meses ando pensando muito em Jeremy
Toffner, que é um dos nossos agentes. Será a figura principal, que deverá abrir-nos o
caminho para a fortaleza inexpugnável de Árcon.
O sistema de Árcon ficava a 34 mil anos-luz da Terra, e pertencia ao grupo estelar
M-13, situado fora da Galáxia propriamente dita.
— Jeremy Toffner? — repetiu Bell.
Ao que parecia, não se lembrava. Não era de admirar, pois os agentes cósmicos do
Império Solar estavam espalhados pelos mais diversos pontos da Galáxia.
— Quem é este?
— É um homem nascido em Vênus. O Capitão Gorlat poderá extrair os dados
necessários dos nossos registros. Mas não é o que nos interessa. O que interessa é
sabermos onde se encontra Toffner.
Rhodan fez uma pausa.
Bell quase chegou a estourar de curiosidade.
— Onde ele está?
— Em Zalit, o quarto planeta do sol Voga.
Os homens fitaram Rhodan com uma expressão de perplexidade.
Zalit apenas distava pouco mais de três anos-luz de Árcon...

***

... e os zalitas eram súditos fiéis do regente de Árcon.


Quando o largaram às escondidas no planeta estranho, deixando que se arranjasse
conforme pudesse, Jeremy Toffner já teve oportunidade de constatar este fato. O Serviço
de Segurança Solar lhe fornecera documentos impecáveis, o que lhe permitiria enfrentar
tranqüilamente um eventual controle. Os especialistas do setor de pesquisa médica
haviam modificado seu aspecto exterior a tal ponto que nem mesmo sua avó o
reconheceria. Qualquer pessoa pensaria que se tratava de um zalita genuíno, raça que por
sua vez descendia dos arcônidas e com estes se assemelhava.
Tinham certa semelhança com os homens; geralmente seu corpo era esbelto e
possuía a pele marrom-avermelhada. O que mais chamava a atenção era o cabelo cor de
cobre que, conforme a incidência da luz, por vezes apresentava um tom verde oxidado.
Os zalitas eram considerados a raça colonial mais inteligente dos arcônidas e
contavam-se entre os aliados mais fiéis dos mesmos.
Jeremy Toffner não teve a menor dificuldade em desaparecer em meio à população
de Tagnor, uma cidade que contava trinta milhões de habitantes. Tagnor era a capital do
planeta Zalit, e cobria uma área maior que muitos países terranos. A população total do
planeta era muito superior a oito bilhões de habitantes, motivo por que uma aglomeração
de trinta milhões não tinha nada de extraordinário.
Da mesma forma que em Árcon, também aqui predominavam as construções em
forma de funil. A entrada ficava na boca do funil, e por ela o visitante penetrava num
mundo completamente isolado do exterior. As residências localizavam-se em cima de
degraus presos à parte interna das paredes inclinadas do funil.
A forma afunilada dos edifícios correspondia ao desejo dos arcônidas, que queriam
uma residência individual e isolada. Os zalitas adotaram e conservaram este costume dos
antepassados.
O maior dos edifícios-funis era o do governo, que era dirigido por um Zarlt. Esse
Zarlt estava submetido ao computador-regente de Árcon e cumpria-lhe todos os desejos.
Toffner conseguiu escapar à atenção dos numerosos guardas, mas não conseguiu
livrar-se de uma sensação desagradável. Mantinha-se sempre próximo à toca do leão.
Árcon ficava perto, perto demais. Se o descobrissem, isso poderia acontecer tão de
repente que não teria tempo de destruir seus documentos secretos. Talvez nem tivesse
tempo para matar-se, a fim de escapar a um interrogatório que poderia trazer as piores
conseqüências para a Terra.
A supercivilização dos zalitas manifestava-se num retorno à barbárie. Não eram tão
degenerados como os arcônidas, mas sofriam do tédio resultante de toda e qualquer
perfeição. Certas medidas foram tomadas para vencer esse tédio e, como houvesse
tecnologia de sobra, abusava-se desta para promover um regresso ilusório de condições
que de há muito pertenciam à História.
Quando se fixou em Tagnor, Jeremy Toffner jogou com estas circunstâncias. Não
poderia dedicar-se a qualquer ramo de atividade oficialmente reconhecido sem despertar
ao menos a atenção das autoridades, eternamente desconfiadas. Mas bastaria dedicar-se a
um negócio, que só em parte fosse legal, para travar conhecimento com zalitas e mesmo
com órgãos do governo, que não levavam muito a sério o cumprimento da lei.
A manutenção de arenas de gladiadores era permitida e chegava mesmo a ser
estimulada pelo governo. Apesar disso, as mesmas cheiravam a ilegalidade, e tratava-se
de uma ilegalidade que não era confirmada ou negada por ninguém. Era uma situação
estranha, que Toffner não sabia explicar.
Encontrou uma residência num dos edifícios-funis, mas via de regra permanecia
embaixo da superfície, nos amplos pavilhões e vestiários da arena principal. Por ali
conhecia todos os cantos, todos os esconderijos, todos os corredores. E era ali que
escondia o equipamento secreto que qualquer agente cósmico do Império Solar possuía,
fosse qual fosse o lugar em que se achava.
Na caixa metálica, que não era muito pequena, havia o hiper-rádio. Por meio dele,
Toffner transmitia, a intervalos regulares, às estações retransmissoras espalhadas pelo
espaço a informação de que ainda estava vivo. E era por meio dela que recebia ordens e
instruções. Era o único terrano em Zalit, e esse rádio constituía seu único elo de ligação
com a Humanidade.
Fazia quase quatro anos que estava no local.
Quando chegara, obtivera das autoridades licença para promover lutas entre os
sanguinários haraks e os gladiadores voluntários. Sua fama crescia cada vez mais, ao
menos aos olhos das pessoas que faziam um bom negócio com essas lutas. Estas pessoas
o elogiavam pelas boas idéias que costumava ter e lhe garantiam uma percentagem
elevada dos lucros esperados.
Toffner bem que gostava disso. Também em Zalit precisava-se de dinheiro para
viver, e as reservas com que viera não eram inesgotáveis.
Antes de ir para casa, resolveu visitar seu cubículo secreto nas profundezas da
rocha. Não era hora de transmitir a notícia rotineira, mas talvez fosse o instinto que o
prevenia. De qualquer maneira, não se sentiu muito surpreso quando, ao entrar no recinto,
notou que a luz vermelha estava acesa.
Isso significava que havia uma hiper-mensagem para ele.
Trancou apressadamente a porta e ligou o aparelho. Menos de um minuto depois,
viu na tela o rosto de um homem desconhecido. Esse rosto contemplou-o com uma
expressão de curiosidade e sorriu.
— O senhor é o agente Toffner, código ZV-4?
ZV-4 significava Zalit-Voga — 4o planeta.
— Sou — disse.
O homem disse:
— O chefe que falar com o senhor. Espere trinta segundos.
— O chefe?
Só havia dois homens que costumavam ser designados como chefe. O primeiro,
naturalmente, era Perry Rhodan, administrador do Império Solar. O outro era Mercant,
chefe do Serviço de Segurança Solar. O que Mercant poderia querer dele?
Subitamente Toffner sentiu um calafrio.
“Será que o chefe que deseja falar comigo é Rhodan?”, pensou.
Aguardou à frente da tela. Passaram-se vinte segundos. Trinta...
Quando o rosto voltou a aparecer, Toffner percebeu que sua suposição fora correta.
Perry Rhodan fitou-o atentamente. Seus olhos frios pareciam penetrar em seu corpo e
enxergar até o canto mais recôndito de sua mente.
— O senhor é Jeremy Toffner?
— Sim senhor — Toffner não conseguiu dizer mais que isso.
— Estou falando de bordo de uma nave, e a mensagem foi distorcida. Apesar disso,
prefiro que não indiquemos nenhum lugar. O perigo seria muito grande, principalmente
para o senhor. Faz três anos que o senhor está por aí. Notou algo de extraordinário nestes
últimos dias?
Toffner sentiu-se perplexo. Respondeu em tom hesitante:
— Não senhor. Não que eu me lembre. Os z... os habitantes estão tranqüilos e tudo
está normal com o governo. Não houve qualquer acontecimento extraordinário.
— Vou formular a pergunta em termos mais específicos, para que o senhor
compreenda o que quero dizer — disse Rhodan, logo depois. — Existe outro sistema
solar que não fica muito longe do lugar em que o senhor se encontra. Acho que
compreendeu o que quero dizer. Procure descobrir se o mundo em que o senhor se
encontra recebe visita desse sistema, uma visita com intenções especiais. Se isso
acontecer, avise imediatamente.
— Não sei se estou compreendendo...
— Pois é simples, Toffner. Quero saber se os habitantes do planeta são deixados à
vontade, ou se há alguém que se imiscui nos assuntos internos de ZV-4.
Toffner fitou o rosto de Rhodan com certa perplexidade.
— É claro que os habitantes do planeta são livres, mas estão sendo vigiados. O
governo local tem pouco a ver com isso. Não sei se me fiz entendido.
— Compreendi muito bem. Obrigado; é só. Entrei em contato com o senhor
principalmente para que compreenda a importância da posição que ocupa, ou melhor, a
importância que essa posição poderá ter no futuro. O senhor é meu posto avançado numa
guerra que ainda não começou. Passe bem, Toffner.
A tela apagou-se, mas Toffner ficou fitando-a pelo menos por mais dez minutos.
Parecia que, de um instante para outro, fora tomada uma decisão sobre seu destino. Sua
permanência em Zalit era perigosa, e ela o fora desde o momento da chegada. Mas
sempre havia certa diferença entre um perigo remoto e um perigo iminente.
Continuou a dedicar-se àquilo que pareciam ser suas tarefas normais, mas passou a
prestar maior atenção ao que se passava em torno dele. No início não percebeu nada de
anormal. As naves de Árcon chegavam com a mesma freqüência dos anos anteriores.
Traziam mercadorias, robôs de trabalho, equipamento técnico e alimentos sintéticos.
Naturalmente também traziam soldados que deviam revezar os que estavam acantonados
em Zalit.
Via de regra, os oficiais eram arcônidas ou membros de outros povos auxiliares. Já a
tropa propriamente dita incluía mais robôs que seres orgânicos. Há tempos imemoriais
Árcon mantinha esse tipo de guarnição nos planetas coloniais. Tais guarnições atuavam
sob o disfarce de forças policiais ou elementos auxiliares. Só a contragosto os zalitas se
submetiam a esse suave jugo, mas não se atreviam a provocar a ira do todo-poderoso
regente de Árcon, que estava tão próximo. A lembrança das expedições punitivas ainda
estava viva na memória dos habitantes do planeta.
As instruções de Rhodan eram claras.
Toffner passou a observar as tropas de Árcon. Mas, por mais que se esforçasse, não
descobriu qualquer modificação. Ao que tudo indicava, as suspeitas de Rhodan não
tinham fundamento.
As mensagens dirigidas ao Serviço de Segurança Solar prosseguiam normalmente,
mas permaneciam no campo da rotina.
Os dias foram passando, enfileiraram-se em semanas e em meses. Rhodan não
chamou mais. Toffner começou a acreditar que só queriam despertá-lo de uma suposta
letargia. Era possível que os agentes solitários precisassem, vez por outra, de uma ducha
de perigo. Podia ser.
Exatamente três meses depois do dia em que recebeu o chamado de Rhodan,
Toffner alugou um dos planadores com piloto automático, que costumavam ser usados no
planeta, e foi a Larg, uma das maiores cidades situadas ao leste de Tagnor.
Larg, que tinha apenas cinco milhões de habitantes, era um dos principais centros
comerciais de Zalit. As feiras mensais eram visitadas por caravanas modernas,
comerciantes ricos, vigaristas... e pela polícia.
Toffner alugou um quarto num hotel e foi ao mercado, a fim de procurar os objetos
de que precisava para as futuras lutas de gladiadores. O mercado de animais estava bem
sortido como sempre. Levou apenas algumas horas para fazer alguns pedidos. Pagou
adiantado, pois conhecia a maior parte dos comerciantes. Uma vez fechado o negócio, o
mesmo costumava ser regado com bebida. Por isso não era de admirar que, ao anoitecer,
Toffner se encontrasse no meio de um grupo alegre, indo parar num bar.
O treinamento hipnótico, recebido na Terra, habilitara Toffner a falar o genuíno
dialeto zalita, que não passava do arcônida com um ligeiro sotaque. Conhecia todas as
nuances do linguajar do planeta.
— Ei, Garak! Fico satisfeito em vê-lo em Larg — gritou alguém que se encontrava
numa mesa do outro lado do recinto cheio de mercadores, compradores e outros tipos de
gente. Em algum canto alguém cantava uma canção triste, mas ninguém lhe dava atenção.
— Veio para comprar novas atrações?
— Vim — respondeu Toffner. — E você, Kharra? Arranjou bastante vinho para dar
banho em toda a família?
Kharra, o mercador de vinho, soltou uma estrondosa gargalhada e deu um
gigantesco copo para Toffner e seus amigos.
Toffner voltou a prestar atenção à conversa dos homens sentados à sua mesa.
— Não estou gostando muito — disse Markh, o caçador de animais vivos em tom
exaltado. — Até parece que toda a Galáxia está em rebuliço, e que precisam de muitos
soldados. Não estou com vontade de ser enfiado numa nave...
— Não quer que lhe façam o que você faz com os animais — gritou alguém na
intenção de fazer uma piada, mas ninguém riu.
Markh prosseguiu sem dar atenção ao falso humorista.
— Pelo que ouvi dizer, todos os dias são formados novos comandos. É claro que são
de voluntários. Mas tenho a impressão de que o Zarlt já está exercendo uma suave
pressão, ou melhor, vem transmitindo a pressão suave que recebe de Árcon.
Todos falaram ao mesmo tempo, dando sua opinião. Ao que parecia, ninguém
concordava com a guerra que estava sendo travada na distante Via Láctea. Hhokga, um
opulento comerciante de tecidos, formulou sua opinião nos seguintes termos:
— Em Zalit estamos passando bem, e ninguém nos ameaça. Nenhuma nave
mercante nossa foi atacada. O que temos a ver com a guerra de Árcon? Eu nunca me
apresentarei voluntariamente.
— Nem eu! — disseram os demais, quase em coro.
Depois de uma ligeira pausa, Markh disse:
— Receio que, dentro de pouco tempo, os voluntários não serão suficientes, e então
recorrerão à violência propriamente dita. Tenho um pressentimento de que vai acontecer
isso mesmo, amigos.
Toffner sentiu-se aborrecido por ter perdido o início da conversa.
— De que estão falando? — perguntou. — Está havendo alguma guerra?
O caçador lançou um olhar de espanto para seu melhor freguês e respondeu:
— Você deveria interessar-se mais pelo que acontece em Tagnor e arredores, pois
do contrário um belo dia será atropelado pelos acontecimentos. Será que você não lê os
jornais? Todos os dias são publicados apelos do governo, para que os cidadãos ingressem
voluntariamente na frota espacial. E o que acontece com os pobres coitados que atendem
aos apelos? São colocados nas naves robotizadas de Árcon e desaparecem para sempre.
Calou-se de repente e olhou para a porta.
Toffner empalideceu sob a pele colorida. Dois zalitas uniformizados entraram no
botequim e olharam para os lados em atitude provocadora, como se estivessem à procura
de alguma coisa. As conversas nas outras mesas cessaram. Todos fitaram os policiais do
Zarlt. Pareciam ter a consciência pesada.
Mas os dois homens uniformizados viraram-se e foram saindo. Seguiu-se uma forte
sensação de alívio. Markh suspirou e disse mais baixo que antes:
— Ficam espiando a gente em tudo quanto é lugar. Acho que já estão escolhendo as
vítimas. O Zarlt não passa de um criado de Árcon. Éramos tão felizes sem a proteção dos
arcônidas, que são governados por um computador desalmado. Gostaria de saber por que
temos de obedecer a uma máquina.
Toffner inclinou-se para a frente e cochichou:
— Fique quieto, Markh, senão acabaremos todos na cadeia. Não estamos passando
bem? Não deveríamos sentir-nos satisfeitos? Que importa se alguns malucos se
apresentem voluntariamente para servir na frota espacial para morrer em algum mundo
distante? Enquanto nos deixarem em paz...
— Acontece que não nos deixarão em paz! — exclamou Markh. O caçador manteve
uma atitude obstinada, o que deixou Toffner satisfeito no seu íntimo. — Dentro de pouco
tempo não nos perguntarão se queremos ir ou não. Eles nos obrigarão.
— Você está exagerando! — Hhokga demonstrou vontade de levar a palestra a outra
trilha. — Por enquanto trata-se de voluntários; isto é um fato incontestável. Se as coisas
mudarem, ainda teremos tempo de tomar nossas providências.
— Caramba! — gritou Markh em tom zangado. — Que providências podemos
tomar?
Dali em diante, a palestra passou a arrastar-se. O bom humor dos negociantes se
fora; cada uma estava entregue aos seus pensamentos. Toffner logo se despediu e voltou
ao hotel, onde procurou digerir aquilo que acabara de ouvir.
Seriam estas as informações que Rhodan desejava receber?
Resolveu enviar na noite seguinte um relatório sucinto ao Império Solar. A estação
retransmissora mais próxima o captaria, fosse qual fosse o lugar em que se encontrasse a
respectiva nave.
E foi assim que Perry Rhodan recebeu, um mês antes da conferência realizada em
Terrânia, a notícia de que o regente de Árcon estava substituindo seus robôs por
voluntários recrutados entre todas as raças.
O computador reconhecia que não poderia arranjar-se sem inteligências orgânicas.
Era um fator de pouca importância, que convidava a certas reflexões e infundia
alguma esperança...

***

Das janelas de seu gabinete, Rhodan via perfeitamente a capital da Terra, ou ao


menos um lado desta. Terrânia crescera e continuava a crescer a cada dia que passava. As
construções não eram realizadas ao acaso; os edifícios e as ruas iam surgindo em
conformidade com planos previamente traçados, circunstância que concorria para
melhorar o aspecto da cidade. Terrânia parecia ter atravessado um processo de
crescimento orgânico... e realmente atravessara. Bell entrou no gabinete. Viu Rhodan
parado junto à janela e aproximou-se do mesmo.
— Esta cidade parece uma fábula — disse em tom sonhador, o que não combinava
com seu caráter. — É aqui que vêm ter todos os fios, e estes passam por nossas mãos. É a
metrópole do Sistema Solar. Temos motivo para orgulhar-nos...
Rhodan virou ligeiramente a cabeça e disse:
— Devemos pensar em descobrir um meio de conservar Terrânia.
Bell fitou-o com uma expressão de perplexidade no rosto.
— O que quer dizer com isso, Perry? Conservar a cidade? Quem...?
— É Árcon! Acho que você já sabe, pois os termos de nossa palestra foram muito
claros. Ou destruímos o cérebro positrônico, ou seremos destruídos por ele. Não existe
outra alternativa. Seria inútil firmarmos outro tratado, pois sabemos perfeitamente quais
são as intenções do regente. E não haverá ninguém que o demova disso. Já refletiu sobre
todas as possibilidades?
Bell parecia embaraçado.
— Para dizer a verdade, devo confessar que não. Pensei que isso não tivesse tanta
pressa.
— Temos muita pressa! — Rhodan voltou a olhar para a cidade, que se estendia até
o horizonte. Para além da metrópole começava o grande deserto, que atualmente era
cortado por grandes estradas. — O computador-regente tem mais tempo que nós, mas
vem se apressando. Acho que chegou a hora de agir.
— O que pretende fazer?
— A palestra que tivemos concorreu para reforçar minha decisão. Devemos lançar
um ataque direto contra Árcon. O computador-regente tem um ponto vulnerável: o
dispositivo de segurança. Se o descobrirmos, o regente estará liquidado.
— Não será fácil — ponderou Bell.
— Não será fácil? — repetiu e deu uma risadinha, mas seu rosto logo voltou a
tornar-se sério. — Diria que é quase impossível. Pelo que se depreende dos relatórios
enviados por nossos agentes, é totalmente impossível romper o anel de fortificações que
cerca Árcon. Por meio da violência não conseguiremos nada. Nem mesmo o transmissor
de matéria seria capaz de romper os campos de radiações. Para chegarmos a Árcon,
teremos de recorrer aos meios legais.
— Aos meios legais? Quer dizer que teríamos de obter a permissão do regente? Não
sei como...
— Eu também ainda não sei — respondeu Rhodan em tom preocupado. — Mas
havemos de encontrar um caminho.
Bell não respondeu. Lançou um olhar para o movimento da cidade, para as ruas
largas com os carros pilotados automaticamente, para os táxis planadores e para a
multidão que se comprimia no bairro comercial.
Esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas o silêncio foi rompido por uma
campainha estridente.
De um salto, Rhodan colocou-se à frente do quadro de comando que ocupava toda
uma parede. Num movimento rápido moveu para baixo uma pequena chave.
A tela iluminou-se e um rosto apareceu.
— Mensagem para o chefe! Mensagem para o chefe! Mensagem para...
— Aqui fala o chefe! — disse Rhodan em tom impaciente, interrompendo a frase
repetida. — O que houve?
O rosto na tela quase não se modificou.
— É uma ligação de Vênus, Sir. No momento, o Marechal Mercant se encontra lá.
— Já sei. Pode completar a ligação.
Não demorou dez segundos até que a coroa de cabelos ralos de Mercant surgisse na
tela. O chefe do Serviço de Segurança Solar mantivera-se jovem, pois recebera, tal qual
Rhodan e Bell, a ducha celular rejuvenescedora.
— Ainda bem que a ligação está boa — disse em tom satisfeito. — Tive a intenção
de esperar até que a Burma chegasse aí, mas concluí que é melhor informá-lo
imediatamente.
— A Burma? — ao que parecia, Rhodan não conseguia lembrar-se.
Mercant ajudou-o a lembrar-se.
— A Burma está estacionada nas proximidades da área de superposição entre nosso
Universo e o dos druufs. Funciona como estação retransmissora para nossos agentes
cósmicos. Meu elemento de confiança informou que deseja fazer chegar ao senhor uma
mensagem pessoal. Daqui a alguns minutos, a Burma deverá pousar em Terrânia. Era o
que eu lhe queria dizer. Como vai o senhor?
— Bem, obrigado — respondeu Rhodan. Ao que parecia, não estava disposto a dar
uma resposta mais detalhada à pergunta de Mercant. — Dentro de poucos dias nos
veremos. Até lá mantenha-se livre dos sáurios.
Mercant compreendeu, e desligou.
A tela apagou-se.
Bell saíra de junto da janela.
— O que significa isso, Perry? A Burma tem algo a ver com nossos planos relativos
a Árcon?
— Talvez, Bell. Não sei. Está trazendo uma mensagem. De quem pode ser essa
mensagem? De Árcon? De algum dos nossos agentes? Se for assim, por que motivo a
mensagem deve ser transmitida pessoalmente? Sinto muito, mas não posso responder à
sua pergunta. Só nos resta aguardar.
— Mercant disse que a Burma deverá pousar dentro de poucos minutos. Ele deve
saber, mesmo que esteja em Vênus.
Rhodan estava pronto para sair.
— Acho que precisamos de ar puro. Quer ir comigo até o espaçoporto?

***

Nada aconteceu nos vinte dias que se seguiram à visita ao mercado, mas Toffner
teve tempo para convencer-se da veracidade das informações de Markh, o caçador.
Realmente, todos os dias saíam grandes naves transportadoras do regente com voluntários
destinados a Árcon.
Mas no vigésimo segundo dia aconteceu.
Dois supercouraçados pousaram no espaçoporto de Tagnor. Tratava-se de veículos
espaciais esféricos de mil e quinhentos metros de diâmetro, acompanhados de uma série
de gigantescas naves de transporte. Um exército de robôs de guerra — monstros
metálicos de três metros de altura — saiu das duas naves de guerra e entrou em formação.
Os braços armados situados na altura do ventre, capazes de girar num ângulo de cento e
oitenta graus e supridos de energia pelas baterias arcônidas, giraram lenta e
ameaçadoramente. Assim que o exército acabou de entrar em formação, imobilizou-se de
uma hora para outra. Alguém desativara os robôs.
Esse alguém não demorou a aparecer.
Um arcônida, inconfundível pela arrogância e pelo uniforme vistoso, no qual mal
havia lugar para os distintivos e condecorações, dirigiu-se à superfície do planeta Zalit e
exigiu que o levassem imediatamente ao palácio do Zarlt.
Toffner não soube o que aconteceu e o que foi discutido por lá, mas os
acontecimentos dos próximos dias não deixaram dúvidas sobre isso.
O Zarlt publicou uma proclamação dirigida a toda a população, na qual ordenou que
todos os homens jovens se apresentassem à comissão de recrutamento dirigida por Calus,
um almirante arcônida. Os exames seriam iniciados ao amanhecer do dia seguinte.
Qualquer recusa daria lugar à aplicação de penas gravíssimas.
A proclamação foi publicada na imprensa diária e transmitida constantemente
durante as programações de televisão. Qualquer pessoa tomaria conhecimento da mesma,
e não se admitiria desculpa. Indicou-se um prazo, e a ordem da apresentação seguia
certos critérios, baseados na idade ou na profissão.
Jeremy Toffner calculou que disporia exatamente de dez dias; depois desse prazo
estaria sujeito a penalidades.
Seriam dez dias tão longos e tão terrivelmente curtos em Zalit.
Na noite do mesmo dia passou apressadamente pelas ruas de Tagnor, a fim de
alcançar seu esconderijo. Por várias vezes notou grupos que discutiam acaloradamente, e
que conversavam sobre assuntos sem importância, enquanto passava por eles. Mas não se
iludiu. Sabia sobre o que estavam falando.
Irradiou a notícia alarmante e solicitou novas instruções. Por uma questão de
precaução ligou o gravador automático. Se durante sua ausência chegasse alguma
mensagem, esta seria gravada, depois de decodificada. Poderia ouvi-la a qualquer
momento. Dessa forma não perderia nenhuma mensagem que viesse fora da hora
marcada.
Saiu do cubículo, trancou-o cuidadosamente e deixou que a parede de rocha natural
voltasse a encobrir a porta. Nem mesmo os olhos desconfiados de um policial
descobririam a fenda que, além de ser muito fina, corria num traçado irregular.
Caminhou o mais depressa que pôde pelos corredores debilmente iluminados, pois
desejava chegar à superfície o quanto antes. Se alguém o encontrasse por ali, teria de
responder a algumas perguntas. Mas isso não era o pior. Nesses subterrâneos ficavam as
jaulas dos animais, os vestiários e os aposentos dos gladiadores e os pavilhões de
treinamento. Cabia-lhe andar por ali para verificar se tudo corria bem. No entanto,
preferia evitar qualquer contato com as autoridades de Tagnor.
Chegou à sua residência, situada num edifício-funil, sem que ninguém o
incomodasse. O número de policiais que patrulhavam a cidade era maior que nos outros
dias, mas ninguém o abordou. Depois das pequenas demonstrações a que já assistira, não
era de admirar que o policiamento fosse intensificado.
Tirou a chave do bolso e esteve a ponto de enfiá-la na fechadura, quando uma
sombra se destacou em meio à escuridão do corredor. A sombra aproximou-se e parou a
seu lado. Toffner quase morreu de susto.
Teria sido descoberto? Será que seu jogo chegara ao fim?
Quando ouviu a voz que se dirigiu a ele, suspirou aliviado.
— Não se assuste, Garak, sou eu.
Era Markh, o caçador! Tratava-se de um amigo de Toffner, com o qual costumava
fazer negócios.
— Você me deu um susto — disse Toffner e apertou a mão de Markh. — Por que
resolveu esperar-me aqui? Você sabe onde encontrar-me de dia.
— Vamos entrar, Garak. O que tenho a lhe dizer não deve ser ouvido por mais
ninguém.
Toffner sentiu a insistência que vibrava na voz de seu interlocutor e não fez outras
perguntas. Começou a desconfiar de que o acaso viera em seu auxílio, embora sua
situação começasse a tornar-se crítica. Devia tentar reunir os dois fatores, para extrair o
maior proveito possível da situação.
Abriu apressadamente a porta e deixou que o caçador entrasse. Voltou a fechá-la e
certificou-se de que, durante sua ausência, ninguém entrara para instalar algum
microfone. Costumava proceder assim todas as noites; tal procedência não passava de
uma rotina de importância vital. Markh contemplou-o em silêncio.
— Tudo em ordem. Vamos sentar. Sobre a mesa havia uma garrafa bojuda com
vinho. Tomaram alguns goles. Toffner lançou um olhar indagador para o caçador.
— O que o trouxe até aqui, Markh? Fale à vontade, pois ninguém poderá ouvir-nos.
Suponho que você deva ter um bom motivo para vir a esta hora; não deve ter vindo por
puro prazer.
O rosto de Markh, que costumava ser tão juvenil e tostado pelo sol de Voga,
mostrava uma palidez espantosa. Apesar disso, porém, era mais escuro que o de um
europeu que acaba de passar um mês na zona do equador. No entanto, faltava-lhe a
tonalidade do cobre, característica de todos os zalitas. Em seus olhos havia uma
expressão de pavor. Markh devia ter sentido muito medo.
Por quê? Pois o recrutamento só seria iniciado no dia seguinte.
— Você viu as naves que se encontram no espaçoporto? — principiou. Toffner
limitou-se a acenar com a cabeça. — Eu sabia que isso acabaria acontecendo. Levarão
todos os jovens. Estão travando uma guerra e não conseguem vencê-la. Ou então
preparam um grande golpe contra alguém que deve ser mais forte que Árcon. E querem
que nós os ajudemos.
— Deve ser mais ou menos isso — disse Toffner.
— Pois então. O que pretende fazer? Ir com eles para morrer?
— Quem lhe disse que eles nos levarão? — disse Toffner para estimular o espírito
de contradição do amigo. Só assim poderia saber tudo que precisava saber. — Talvez seja
apenas um exame de rotina, para qualquer eventualidade.
— Será que para isso teriam de trazer um exército de robôs?
— Talvez não. Acontece que Árcon gosta de fazer demonstrações de força. Você
não acha que a presença dos robôs constitui prova de que o Império não corre qualquer
perigo? Do contrário, o regente não poderia dispensar suas tropas.
— Eu já lhe disse o que estão tramando — disse Markh, insistindo em sua suspeita.
— Talvez só precisem dos robôs de guerra mais tarde. E quando isso acontecer,
estaremos ao lado deles.
Toffner refletiu.
— Suponhamos que sua suposição seja correta. O que pretende fazer? Recusar-se e
correr o risco de enfrentar os fuzis energéticos dos arcônidas?
— Pouco importa que eu morra agora ou dentro de pouco tempo, a bordo de alguma
nave e em meio a um grupo de robôs desalmados.
— Vai arriscar-se? — Toffner lançou um olhar indagador para Markh. Quando
notou o gesto afirmativo de Markh, acrescentou:
— Por que veio falar justamente comigo? O que posso fazer por você? Terei de
apresentar-me daqui a dez dias, e não tenho a menor dúvida de que me julgarão apto.
Markh inclinou o corpo.
— Fiquei sabendo há poucas horas. Deverei apresentar-me dentro de dois dias,
Garak! Dois dias!
— E daí?
Toffner fingiu-se de indiferente, mas em seu interior rugia uma verdadeira tormenta.
Seria esta a chance de, depois de três anos de faina, conseguir um verdadeiro amigo e
aliado? Ou estaria próximo ao fim?
— E daí? Não quero ir com os arcônidas. Prefiro viver nas catacumbas que ficam
embaixo de sua arena, proscrito e escondido, procurado pela polícia, transformado num
prisioneiro voluntário. Será que ainda não compreendeu?
Toffner compreendia perfeitamente. Evidentemente o caçador sabia que para ele só
havia uma possibilidade de escapar aos comandos de recrutamento. Teria de esconder-se
num lugar em que ninguém o encontrasse. E que lugar poderia ser melhor que as
catacumbas existentes embaixo da cidade de Tagnor? Muitas delas eram antiqüíssimas, e
parte delas desabara, parte fora esquecida.
— Nas galerias que ficam embaixo da arena? — repetiu o agente, para ganhar
tempo. — O que espera conseguir com isso? Afinal, você não pode passar o resto dos
seus dias sem sol e longe dos homens.
— Nem pretendo fazer isso, Garak. Um belo dia, quando tiverem arranjado um
número suficiente de soldados, os arcônidas irão embora. Depois poderei sair do
esconderijo e começar vida nova. Quando o tal do Calus tiver dado o fora, os policiais do
Zarlt já não terão o menor interesse por mim.
Toffner teve suas dúvidas.
— Não sei se devo concordar com você. Muita gente terá a mesma idéia. Se o
afluxo de recrutas diminuir muito, procurarão localizar os elementos faltantes. E onde
serão iniciadas as buscas? É claro que será nas catacumbas.
Markh não respondeu imediatamente. Manteve um silêncio obstinado. Toffner via
perfeitamente que o zalita já se arrependera por ter informado alguém sobre seus planos.
Mas depois de alguns minutos, o caçador voltou a levantar a cabeça.
— Sempre fizemos bons negócios e somos amigos. Se eu lhe pedir, você me
ajudará? Tenho dinheiro, Garak. Só lhe peço que me forneça mantimentos. Prefiro um
cubículo nas pedras a uma luxuosa nave arcônida. Acho que você compreende.
Toffner percebeu que não deveria forçar a situação.
— É claro que quero ajudá-lo e sei muito bem onde poderei escondê-lo. Mas, de
uma hora para outra...
— Ainda disponho de dois dias. Voltarei a Larg e providenciarei para que alguém
cuide dos meus negócios. Será um velho, que ninguém convocará para o exército. Ele
dirá que estou numa caçada e ainda não voltei. É bem possível que se esqueçam de mim.
Trarei minha fortuna em dinheiro, que não é pequena. Além disso, trarei um amigo.
Trata-se de uma pessoa que também não está interessada em entrar para o serviço das
armas.
— Revelou seus planos a alguém? — perguntou Jeremy em tom apavorado. — Não
acha que foi uma leviandade?
— Trata-se de Kharra, o negociante de vinhos. Você o conhece. Bem, ver-nos-emos
daqui a dois dias. Pode ser aqui em seu apartamento, à mesma hora?
Toffner apertou a mão de Markh.
— Confie em mim. É possível que vocês não fiquem sós em seu esconderijo.
Também não estou com a menor vontade de dizer adeus ao planeta Zalit. Um belo dia,
Calus terá de ir embora.
Markh levantou-se; parecia muito satisfeito. Agradeceu efusivamente e, ao despedir-
se, prometeu tomar cuidado para não provocar suspeitas.
Jeremy Toffner voltou a ficar só.
Quando se viu na cama e fechou os olhos, teve um desejo ardente: queria receber
instruções concretas pelo hiper-rádio.
Encontrava-se num beco sem saída...
2

O cruzador ligeiro Burma, da classe Estado, deu alguns hipersaltos que o levou a
vários pontos da Via Láctea, e acabou pousando no espaçoporto de Terrânia. Ao proceder
dessa forma, o comandante seguia uma regra geral, segundo a qual não se devia confiar
exclusivamente no neutralizador de vibrações, montado em série, muito embora tal
aparelho neutralizasse os abalos causados pelos hipersaltos, tornando impossível a
localização goniométrica da nave. Mas a experiência havia dado aos terranos uma amarga
lição: um aparelho desse tipo está sujeito a falhas, e quando estas ocorrem, todas as
tentativas de camuflagem se tornam inúteis. E a descoberta da posição da Terra
representaria o fim.
O comandante da Burma emitiu uma ordem geral no sentido de que ninguém
deveria sair da nave. Fundamentou a medida com o fato de que o cruzador ligeiro voltaria
a decolar dentro de trinta minutos no máximo.
Depois pediu a presença do Tenente Behrends, encarregado da estação
retransmissora destinada ao tráfego com os agentes.
Dali a cinco minutos, Rhodan e Bell entraram no convés de comando da Burma e,
depois de cumprimentarem ligeiramente o comandante, acompanharam o Tenente
Behrends para a sala de rádio.
Behrends era um oficial jovem, mas muito competente e experimentado. Há anos
pertencia à equipe que mantinha contato com os agentes espalhados por todos os cantos.
Rhodan conhecia-o pessoalmente e sabia que podia confiar nele. As precauções tomadas
por Behrends constituíam a melhor prova disso. Afinal, a importantíssima mensagem
poderia ter sido transmitida como qualquer outra. Havia uma probabilidade de 99 por
cento de que esta não fosse captada por qualquer pessoa não autorizada. Mas Behrends
achou que o um por cento que sobrava ainda representava um risco excessivo.
— Foi o senhor que recebeu a mensagem? — perguntou Rhodan para certificar-se,
quando finalmente se viram a sós na sala recheada de equipamentos técnicos e aparelhos
de todos os tipos. — Quem a expediu? Será que foi Jeremy Toffner, nosso agente em
Zalit?
O Tenente Behrends interrompeu o que estava fazendo e virou-se abruptamente.
Fitou Rhodan como se o administrador fosse um fantasma.
— É de Toffner, Sir — gaguejou. — Como foi que o senhor soube?
Rhodan sorriu.
— Era o que eu imaginava.
Behrends recuperou-se do espanto.
— Não falei com ninguém sobre isso e tratei o assunto com o maior sigilo. Por
motivos de segurança preferi não retransmitir o texto da mensagem ao Marechal Mercant.
E, apesar de tudo, o senhor já sabe de que se trata. Não compreendo, Sir.
— Foi apenas uma suposição, tenente. Vejo que se confirmou. Mas tranqüilize-se;
eu já esperava notícias importantes de Zalit. Na verdade, já as esperava há algumas
semanas.
O Tenente Behrends parecia mais tranqüilo, pois chegou à conclusão de que não
cometera nenhum erro. Aliás, isso seria incompreensível...
Com as mãos ágeis ligou o projetor sonoro e colocou o dedo sobre os lábios. A
transmissão não era muito nítida; havia interferências. Faltavam algumas palavras, mas o
sentido era claro. Era fácil substituir os fragmentos.
Rhodan e Bell mantiveram-se em silêncio, prestando atenção à voz de um homem
solitário, que dependia exclusivamente da própria capacidade para prestar seus serviços à
Terra. Vivia em meio a uma raça estranha e nunca sabia se assistiria ao amanhecer do dia
seguinte. Os agentes cósmicos mereciam todo respeito, pois eram os homens mais
valentes e mais solitários do Universo.
— Há algumas horas Árcon vem obrigando os zalitas a entrarem no serviço da
frota. Não fazem exceções. A ação vem sendo dirigida por um certo Almirante Calus. É
relativamente jovem e desenvolve uma atividade espantosa para um arcônida. O Zarlt
submeteu-se sem oferecer a menor resistência. Kosoka, o Zarlt, é um velho debilitado
que faz tudo que Árcon lhe pede. Aguardo novas instruções.
Rhodan estava prestando atenção, mas a voz de Toffner já silenciara.
— Como soube que esta notícia é tão importante? — perguntou, dirigindo-se a
Behrends. — Seu texto não parece ser muito sigiloso.
— É possível — respondeu o tenente, que já tinha vencido o espanto. — Acontece
que Zalit é o mais importante dos nossos postos avançados e o mais exposto. Em hipótese
alguma, devemos perdê-lo, e é por isso que agi com tamanha cautela. Além disso, a
mensagem confirma que Árcon está recrutando tropas, fato que também resulta das
mensagens recebidas de outros mundos coloniais. Fiz questão de evitar que alguém saiba
que em Zalit existe um terrano. E o regente deverá ter exatamente essa suspeita se ficar
inteirado de nossa reação.
— Muito bem — disse Rhodan e lançou um olhar benevolente para o jovem tenente.
— Agiu com grande circunspeção; merece elogios. É bem verdade que tomaremos nossas
medidas, mas quando Árcon perceber alguma coisa, já será tarde. Isto é, se tudo correr de
acordo com os planos. E faço votos sinceros de que seja assim.
O Tenente Behrends levantou-se.
— Quer voltar a ouvir a mensagem, ou posso apagá-la?
— Apague-a, Behrends. E volte a seu posto. Nos próximos dias, você receberá uma
mensagem relativa a Toffner. Providencie para que seja transmitida imediatamente. Deve
ser condensada e codificada ao extremo. É muito importante.
— Posso imaginar — respondeu Behrends e fez continência.
Rhodan e Bell saíram da sala de rádio. Do lado de fora encontraram-se com o
comandante.
— Decole dentro de cinco minutos — ordenou Rhodan.
Quando voltou a sentir o pavimento do espaçoporto sob os pés, sentiu-se aliviado.
Sem dizer uma palavra, subiu ao planador juntamente com Bell.
O campo de pouso foi ficando para trás.
— E agora? — perguntou Bell. — Vamos acelerar nossos planos?
Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:
— Não aceleraremos tanto nossos planos, mas principalmente a execução dos
mesmos. Ainda bem que já preparei tudo. A ação infiltração será iniciada ainda hoje.
— Tomara que ela seja bem sucedida — disse Bell, olhando atentamente para a
frente, de onde os telhados de Terrânia se aproximavam velozmente.
O comando que executaria a operação estava preparado.
Tratava-se de duzentos homens muito bem treinados para a execução da tarefa.
Ninguém sabia de que se tratava, mas todos desconfiavam de que a operação a ser
executada assumia a maior importância. Há vários meses os homens estavam sendo
submetidos a intensos treinamentos hipnóticos que lhes transmitiriam todos os
conhecimentos que um zalita deve possuir. Falavam sem o menor sotaque a língua do
planeta Zalit, entendiam o arcônida e estavam familiarizados com a respectiva tecnologia.
Entre esses duzentos homens havia competentíssimos astronautas, operadores de rádio,
cientistas de todas as especialidades, mutantes e ex-agentes do Serviço de Segurança.
Um dos oficiais mais importantes era o Major Art Rosberg, especialista em
transmissão de matéria. Sabia como se construía um transmissor, aparelho que
desempenharia um papel importantíssimo na operação a ser executada, fosse ela qual
fosse. O major, um tanto ranzinza, baixo e grisalho, era uma sumidade em sua área de
especialização, mas não gostou de ser investido de uma hora para outra no comando de
duzentos homens. Supervisionava, juntamente com um amigo, o Capitão Gorlat, o
treinamento do grupo de especialistas.
Naquela noite, os dois mais uma vez estavam reunidos e se entregavam às suas
especulações. Gorlat sabia mais do que queria confessar. Afinal, participara regularmente
das conferências realizadas com os dirigentes do Império. Mas o sigilo a que estava
obrigado também se aplicava às suas relações com Rosberg.
— Tomara que a coisa não demore muito — disse o major em tom contrariado.
— Já estou ficando nervoso de tanto esperar.
— Receio que seus nervos ainda terão de suportar cargas bem maiores — respondeu
Gorlat em tom contrariado; realmente estava falando sério. — Se não estou muito
enganado, não teremos de esperar muito tempo pela ordem de entrar em ação. A Burma
chegou hoje de tarde. Sabe que se trata de um cruzador da classe Estado que serve de
estação retransmissora.
— E daí? O que é que nós temos com isso?
Gorlat não queria revelar demais, mas aproveitava todas as oportunidades para
animar o major.
— É claro que também não sei exatamente. Mas o fato é que Rhodan e Bell subiram
a bordo e permaneceram no cruzador durante meia hora, aproximadamente. Depois disso
a Burma partiu.
— Isso pouco me importa — disse o Major Rosberg e encheu o cachimbo. — Tenho
inveja do pessoal que viaja nas naves. Bem que gostaria que o vento de Marte voltasse a
fustigar meu rosto.
— Talvez isso aconteça muito em breve — disse Gorlat em voz de oráculo, sem
desconfiar de que essa profecia se cumpriria com tamanha rapidez. — O treinamento
propriamente dito está concluído em todos os setores. Só estamos esperando a ordem de
entrar em ação.
Antes que Art Rosberg tivesse tempo para responder, o aparelho de comunicação
que se encontrava sobre a mesa emitiu um zumbido. Tratava-se de um videofone do tipo
usual, que dispunha de pequena tela de imagem.
Com um movimento um tanto preguiçoso, Rosberg pôs a mão na caixa e comprimiu
o botão.
Quem estaria chamando àquela hora da noite? Só poderia ser alguém que quisesse
pedir licença para sair, ou então...
Quando reconheceu o rosto de Rhodan, estremeceu de susto.
— Major Rosberg? O Capitão Gorlat está aí? Ah, já o estou vendo. Preste atenção,
Gorlat! Neste momento entra em vigor a ordem X. Providencie tudo que se torne
necessário. Decolaremos dentro de três dias, com a Drusus.
Gorlat levantou-se de um salto.
— Entendido, Sir! — respondeu, ficando em posição de sentido. — Tomarei todas
as providências. — Lançou um olhar ligeiro para Rosberg e perguntou: — Já posso
informar o major?
Rhodan sorriu.
— Informe-o, Gorlat, senão acaba estourando de curiosidade. Ainda precisaremos
dele.
A tela apagou-se.
Rosberg fitou a superfície leitosa, virou-se lentamente e olhou para Gorlat, que
retribuiu o olhar com um sorriso.
— O que foi que o chefe disse?
Gorlat fez um gesto vago.
— Disse que já lhe posso contar tudo. Aguarde um momento; tenho que dar minhas
ordens, a fim de que não haja qualquer atraso no cronograma.
Usou o videofone de Rosberg.
O major ficava mais pálido a cada minuto que passava, mas em seus olhos ardia a
chama da excitação.
A espera e a inatividade haviam chegado ao fim!

***

Trabalhava-se dia e noite.


Especialmente nos laboratórios químico-biológicos a atividade era muito intensa.
Os biomédicos estavam modificando as aparências do comando especial. Usavam
um preparado especial para alterar a cor dos olhos e da pele. Os cabelos também não
foram esquecidos. A cada hora, oito terranos completamente modificados saíam do
laboratório e procuravam acostumar-se a seu novo aspecto. Ainda bem que Rhodan
proibira as saídas, pois do contrário certamente haveria barulho nos bares de Terrânia.
Do laboratório bioquímico os homens passavam aos vestiários. Cada participante da
operação a ser realizada recebia vestes zalitas, confeccionadas em conformidade com
dados minuciosos. As roupas eram diferentes umas das outras, conforme teriam de ser
para os paisanos. As calças largas incomodavam, mas todos acabavam por acostumar-se.
Foi principalmente Bell, que, da mesma forma que Rhodan, não escapou ao
procedimento rotineiro, que teve de ouvir uma série de conselhos. E, enquanto ouvia, as
calças incomodavam menos.
Houve uma única exceção, com a qual todos concordaram.
Gucky, o rato-castor, continuou a ser o mesmo. Não havia possibilidade de
transformá-lo num zalita. Afinal, era um rato gigantesco com rabo de castor. Consciente
da situação excepcional em que se encontrava, Gucky caminhava orgulhosamente entre
os homens e distribuía francamente suas piadas sobre as máscaras dos outros. Rhodan
deixou que agisse à vontade, pois sabia que os homens precisavam de algo que os
animasse.
Depois de dois dias, a operação foi discutida pela última vez. No dia seguinte já
estariam a caminho.
— Quer dizer que, além da Drusus, que levará o transmissor fictício, decolará a
Califórnia, com cinco transmissores de matéria a bordo. Quanto menor o numero de
naves que se dirigem ao grupo estelar M-13, menor será o perigo de sermos descobertos.
Precisamos conseguir o máximo possível com o uso do menor volume possível de
recursos. Não pode haver nenhuma pane, pois do contrário iremos parar no inferno.
Nossa vida dependerá da capacidade de nosso agente Toffner. Este recebeu ordens para
colocar um transmissor de sinais goniométricos em qualquer ponto de Zalit que se preste
às finalidades que temos em vista.
Os homens fitaram Rhodan sem dizer uma palavra e esperaram. Depois de uma
pausa o administrador prosseguiu:
— Com apenas umas poucas transições chegaremos ao sistema de Voga. A Drusus
executará uma operação-relâmpago, no curso da qual usará o transmissor fictício para
colocar uma estação receptora de matéria num ponto de Zalit onde Toffner tiver instalado
o transmissor de sinais goniométricos. Depois disso, a Drusus terá de desaparecer do
local, o mais rápido possível. O resto será simples. Na Califórnia estão instaladas cinco
estações de transmissão de matéria. E nós também estaremos a bordo da Califórnia, com
todo o equipamento. Agiremos rapidamente. Dentro de dez minutos deveremos estar em
segurança em Zalit, pois é de se esperar que nossa aproximação não deixará de ser
registrada.
Quando iniciarem a perseguição da Califórnia, já deveremos estar em lugar seguro.
Acho que todos compreenderam o que está em jogo. Só nos resta desejarmos boa sorte
uns aos outros. Bem que precisaremos. Alguma pergunta?
Duzentos homens e um rato-castor fitaram Rhodan. Ao que parecia, ninguém tinha
perguntas.
Ou será que tinha?
A voz resmunguenta do Major Rosberg interrompeu o silêncio carregado de
expectativa.
— O que vamos fazer em Zalit, Sir? Muito bem; somos igualzinhos aos zalitas. Mas
qual é o objetivo da operação? Acho que não iremos a Zalit para meter um susto nos
habitantes do planeta...
— Sem dúvida, major — respondeu Rhodan em tom irônico. — Mas não se esqueça
de que Zalit fica a apenas três anos-luz de Árcon. Em termos cósmicos é apenas um pulo.
Para nós, Zalit representa a porta de entrada de Árcon.
— Ou a entrada para o inferno — acrescentou Rosberg e envolveu-se num silêncio
apreensivo.
— Talvez — limitou-se Rhodan a dizer.

***

Jeremy Toffner parou na porta.


— Vocês quiseram assim, amigos; não me venham com recriminações. Garanto que
ninguém os encontrará aqui, mas a permanência neste lugar não será nada agradável.
Vocês terão comida e bebida à vontade, e também não sentirão falta de livros. Em
compensação não terão liberdade.
— O vinho dá para seis meses — respondeu Kharra em tom animado. — Tenho
certeza de que antes disso Calus terá saído de Zalit. Não quero ser enfiado num uniforme.
Nunca gostei de uniformes.
— Nem eu — disse Markh e sacudiu o corpo. — Prefiro viver numa caverna a
morrer por Árcon. O que é que você fará, Garak?
— Ainda tenho oito dias para decidir — respondeu Toffner e refletiu febrilmente
sobre o que deveria fazer nesses oito dias. Em hipótese alguma poderia permanecer na
superfície. — De qualquer maneira arranjarei alimentos para mim e procurarei encontrar
um zalita que nos avise quando a barra estiver limpa.
— Fale com Hhokga, um comerciante de tecidos de Larg! — exclamou Markh. — É
muito velho para ser recrutado pelos arcônidas. E posso garantir que é digno de
confiança.
— Falarei com ele — prometeu Toffner. — É bem verdade que temos aparelhos de
telecomunicação com os quais podemos entrar em contato com a superfície, mas quem
sabe se os locutores dirão a verdade? E possível que trabalhem por ordem dos arcônidas e
procurem atrair os zalitas, que vivem na ilegalidade, a uma armadilha. Por isso acho que
não podemos dispensar um aliado de confiança. Voltarei amanhã ou depois.
Fez um gesto para os amigos e saiu para o corredor. Trancou cuidadosamente a
porta de pedra e certificou-se de que também este esconderijo era praticamente perfeito.
Depois dirigiu-se o mais rápido possível a seu cubículo em meio à rocha.
Ao entrar, percebeu imediatamente que a notícia pela qual tanto ansiava já chegara.

***

Sem dizer uma palavra, Rhodan contemplou David Stern, chefe da equipe de rádio
da Drusus, enquanto este irradiava a mensagem codificada. Naquele mesmo instante, essa
mensagem seria captada pela Burma, que a retransmitiria imediatamente. Dentro de um
minuto tal mensagem poderia chegar às mãos de Jeremy Toffner, se ele por acaso se
encontrasse perto do aparelho.
Mas havia boa margem de tolerância.
A Drusus e a Califórnia circulavam em torno do sistema solar a que pertenciam, a
uma distância de dez bilhões de quilômetros. Rhodan permaneceria ali para aguardar o
último sinal de Zalit, que representaria a confirmação do recebimento da ordem e a data.
Só depois valeria a pena iniciar a operação.
A existência do Império Solar estava por um fio!

***

Enquanto subia os poucos degraus que levavam à residência de Hhokga, o coração


de Jeremy Toffner batia fortemente. Tinha de arriscar todas as chances numa só carta. Se
Markh se tivesse enganado quanto ao caráter do negociante de tecidos, tudo estaria
perdido. Naturalmente, caso se recusasse a ajudar, poderiam matar Hhokga. Mas Toffner
sentia certo constrangimento em matar uma pessoa inocente. Ainda acontecia que o
negociante era um velho indefeso. Quer dizer que, se obedecesse às leis vigentes, não
assumiria qualquer risco.
Toffner passara a noite em Tagnor e preparara tudo para poder responder o mais
cedo possível à indagação de Rhodan. Sabia que esperavam por isso, e que a operação só
começaria depois que chegassem as indicações a serem fornecidas por ele. De outro lado
estava cônscio de suas responsabilidades e não daria o sinal para que a operação se
iniciasse antes que a segurança fosse total. O tempo urgia, e por isso resolvera
harmonizar a visita a Hhokga com a execução de seus planos.
Com um gesto hesitante, acionou a campainha.
Por um instante tudo permaneceu em silêncio. O negociante de tecidos residia num
daqueles edifícios afunilados. Cada inquilino levava sua própria vida e gozava de um
máximo de independência. Era como se morasse numa cabana situada na selva, pois cada
apartamento possuía entrada independente. Quem utilizasse a escada, dispensando o
elevador, poderia ter certeza de escapar aos olhares curiosos dos moradores do edifício.
Ouviu passos atrás da porta.
Será que o próprio Hhokga viria abrir a porta? Talvez morasse só. Markh dissera
que o comerciante era solteiro e que de noite dispensava sua criadagem.
A porta abriu-se, e o rosto espantado de um homem idoso fitou Toffner.
— É o senhor, Garak? O que veio fazer em Larg?
— Apenas queria...
— Entre, Garak — deu um passo para o lado, para que Toffner pudesse passar.
Voltou a trancar a porta. — Não deve ter vindo apenas para dar boa noite a um velho.
— O senhor não é tão velho assim — objetou Toffner e sentou-se na poltrona que
lhe foi oferecida. — Até acho que está na melhor idade... Nos dias que correm muita
gente gostaria de ser tão velho quanto o senhor...
Hhokga não era um homem que tivesse dificuldade de compreender as coisas. Fitou
atentamente seu interlocutor, acenou algumas vezes com a cabeça e foi a um armário do
qual tirou dois copos e uma garrafa. Colocou tudo sobre uma pequena mesa oval, sentou-
se, removeu a rolha da garrafa e disse:
— Isso é uma questão de ponto de vista, Garak. Se fosse mais jovem, bem que
gostaria de ser recrutado pelos arcônidas.
— Qualquer pessoa está disposta a fazer um tremendo sacrifício em troca de alguma
coisa impossível, Hhokga. Mas os jovens de Zalit não pensam assim, justamente por
serem jovens.
Hhokga sorveu o primeiro gole de vinho.
— Tudo depende da maneira de encarar as coisas, meu jovem amigo. Aliás, receio
que não seja tão velho que possa escapar para sempre aos arcônidas. Compreende o que
quero dizer?
Toffner compreendeu, mas não compartilhava os receios do comerciante.
— O senhor ainda tem muito tempo, Hhokga. Alguns anos se passarão até que todos
os jovens de Zalit tenham sido arrastados para o serviço militar. Até lá o senhor
envelhecerá ainda mais. Portanto, não vejo motivo...
— O senhor tem visto Markh? — interrompeu Hhokga subitamente e fitou Toffner.
— Anteontem era o dia em que costumávamos jogar, mas ele não apareceu.
Podia ser uma coincidência. Ou uma armadilha.
Toffner fitou os olhos do velho e percebeu que Hhokga nunca seria capaz de trair
alguém. Resolveu confiar nele, jogando todas as chances numa só carta. Afinal, não
poderia deixar de proceder assim, pois o momento parecia favorável.
— Sim, tenho visto Markh. Foi a Tagnor a fim de pedir que eu o ajudasse. Escondi-
o nas catacumbas, juntamente com Kharra, o mercador de vinhos, que o senhor conhece.
Os dois não querem apresentar-se aos arcônidas. Foram eles que me pediram que o
procurasse.
Hhokga refletiu por algum tempo. Subitamente seus olhos ligeiramente
avermelhados se iluminaram.
— O senhor tem confiança em mim; o senhor e meus amigos. Mas por que jogam
esse problema nos meus ombros? Por que tenho de participar de um segredo que pode ser
mortal?
Toffner explicou a situação e concluiu:
— O senhor receberá parte da fortuna de Markh. A única coisa que terá de fazer é
providenciar para que ele seja abastecido regularmente de alimentos. E, o que é o
principal: quando os arcônidas, especialmente o tal do Almirante Calus, saírem de Zalit, o
senhor deverá avisar Markh. É só o que terá de fazer.
— Se eu me recusasse, não seria um amigo de verdade — disse o negociante,
apertando a mão de Toffner. — Confie em mim. Não acredite que concordo com o
procedimento desses arcônidas arrogantes. Pelo contrário! Mas o que posso fazer? A
resistência passiva já representaria um perigo. Mas ajudarei meus amigos no que puder.
No entanto, não preciso de dinheiro.
Toffner sentiu-se aliviado por ter liquidado sua incumbência nessa parte. Mas
restava esclarecer um ponto relacionado com a hipermensagem de Rhodan. Embora
Markh lhe tivesse fornecido uma descrição minuciosa do planeta, seus conhecimentos
não eram suficientes para encontrar um lugar que se prestasse aos fins que tinham em
vista. Por isso ainda aqui tinha de recorrer ao auxílio de Hhokga.
— Tenho outro assunto a tratar com o senhor. Tenho necessidade absoluta de achar
um esconderijo bem camuflado no deserto, que fica ao oeste daqui, entre Larg e Tagnor.
Durante um vôo constatei que há uma cadeia de montanhas, não muito elevadas, que
divide o deserto. Pelo que diz Markh, na encosta oeste dessa cadeia de montanhas
existem cavernas. O senhor conhece essas cavernas, pois já fez excursões por lá. Poderia
levar-me até lá?
Hhokga sacudiu a cabeça.
— Não me leve a mal se deixo de atender a esse pedido, Garak. Se chegassem a
desconfiar, tanto o senhor como eu seríamos presos. E se eu andasse pelo deserto, isso
seria inevitável. Para um caçador a presença no deserto não tem nada de extraordinário,
mas, para um velho como eu, tem. No entanto, embora não esteja disposto a acompanhá-
lo, terei o maior prazer em fornecer algumas informações que por certo lhe serão úteis.
Conheço as cavernas a que está aludindo.
Parecia que alguém tirara um peso de cima de Toffner. Talvez fosse mesmo
preferível que se dirigisse sozinho ás cavernas. Assim despertaria menos atenção do que
saindo da cidade juntamente com o negociante. Se alguém fosse no seu encalço, poderia
dizer que estava à procura de Markh, o caçador.
— É claro que ficaremos satisfeitos com isso. Estaria pronto a fornecer uma
descrição minuciosa das grandes cavernas, a fim de que possa localizá-las sem maiores
problemas?
— Pois não.
Toffner inclinou-se para a frente.
— Por que não me pergunta o que quero fazer nas cavernas?
Um sorriso sábio surgiu no rosto de Hhokga.
— Quanto menos sabe o homem, melhor para sua saúde, Garak. Eu o ajudo,
cumprindo um desejo seu. Não me interessa por que está interessado em encontrar as
cavernas. Um momento; vou pegar uma folha para desenhar um mapa.
Toffner reclinou-se na poltrona e tomou um gole do excelente vinho que tinha à sua
frente. Sentia-se muito satisfeito com o rumo que estavam tomando os acontecimentos.
Se conseguisse encontrar uma caverna que se prestasse aos fins que tinha em vista,
amanhã mesmo poderia avisar Rhodan. Pôs a mão no bolso e apalpou uma caixa metálica
retangular. Era o emissor de raios goniométricos que seria depositado na caverna. Uma
vez ligado, transmitiria sinais por semanas a fio, numa freqüência de que só Rhodan tinha
conhecimento. Só mesmo por um acaso, altamente improvável, outra pessoa poderia
captá-los. E essa pessoa não saberia o que tais sinais significavam.
Hhokga voltou. Empurrou os copos para o lado e colocou uma folha de metal
finíssima sobre a mesa. Tinha um lápis magnético na mão.
— Acho que o senhor não vai a pé, não é, Garak?
— Isso mesmo. Aluguei um planador.
— Muito bem. Preste atenção. Aqui fica Larg — desenhou um círculo do lado
direito da folha — e aqui fica Tagnor.
O segundo círculo, bem maior, ficava do lado esquerdo.
Depois Hhokga fez um traço irregular que percorria o centro da folha, em sentido
vertical.
— Aqui fica a cadeia de montanhas que atravessa o deserto. A distância entre as
duas cidades é de mil quilômetros, aproximadamente. No deserto não mora ninguém,
especialmente na parte montanhosa. Nossos antepassados não julgaram conveniente
transformar aquela área em terras férteis, e hoje não há mais necessidade disso. Para
quem faríamos isso? Para os arcônidas!
Soltou um suspiro e voltou a olhar para o mapa.
— As cavernas ficam mais ou menos por aqui. A maior delas quase pode abrigar
uma espaçonave. Em algumas há vestígios de que foram, em épocas remotas, habitadas.
Sorriu para Toffner.
— Seja lá o que o senhor pretende fazer nas cavernas, estará em segurança.
Ninguém o encontrará.
Toffner compreendeu que Hhokga estava tirando uma conclusão errada. Acreditava
que pretendia esconder-se nas cavernas. Talvez o zalita pensasse que existia uma
passagem subterrânea das galerias sob a arena à cadeia de montanhas.
— Não há problema; saberei encontrar as cavernas — asseverou o agente sem dar
outras explicações a Hhokga. — Amanhã mesmo começarei a procurá-las.
Tomaram mais um pouco de vinho. Finalmente o negociante convidou Toffner a
dormir em sua casa. Toffner aceitou com o maior prazer. Dormiu um sono tranqüilo e
profundo na segurança do lar.
Na manhã do dia seguinte despediu-se e tomou um táxi que o levou à área de
estacionamento, onde encontrou o planador alugado em perfeitas condições. Antes de
partir fez um vultoso depósito bancário em nome de Hhokga.
Inseriu a programação da rota no piloto automático. O veículo aéreo desprendeu-se
suavemente do solo e subiu em alta velocidade. Não demorou para que a cidade de Larg
desaparecesse atrás dele. Não imaginava se, e quando, iria revê-la...
O deserto deslizava abaixo dele. Muito raramente era interrompido por platôs de
pedra e vales secos. Certa vez chegou mesmo a ver uma mata rala. Toffner viu uma
manada de animais que fugiu em desabalada carreira quando o planador se aproximou. Já
sabia que lá embaixo encontraria carne, se precisasse dela.
Finalmente a linha comprida do complexo montanhoso surgiu à sua frente.
A cadeia não era tão baixa como parecia, quando vista de uma altitude maior. Pelos
cálculos de Toffner, a altura média dos cumes devia chegar a dois mil metros. O ar
límpido parecia reduzir as distâncias.
Examinou a programação e corrigiu a rota. O planador desceu e a velocidade foi
reduzida. Passou rente aos cumes e seguiu as encostas do lado oposto. Tagnor ficava em
algum lugar, atrás da linha do horizonte.
O planador pousou num vale escondido. Antes disso, Toffner dera algumas voltas e
se certificara de que o vale se ligava ao deserto por uma passagem estreita, passagem essa
que era praticamente invisível a quem se encontrasse no deserto.
O vale era quase circular e tinha um diâmetro de pelo menos quinhentos metros. As
cavernas negras interrompiam a uniformidade das paredes lisas de rocha.
Chegara ao destino.
Dali a duas horas encontrou o lugar que procurava. Não era a maior das cavernas,
mas seu tamanho era suficiente para os fins que tinha em vista. Além disso, a entrada não
apresentava maiores problemas; a passagem era fácil. Um exército poderia abrigar-se no
fundo do vale, sem que houvesse o menor perigo de ser descoberto.
Toffner pegou cautelosamente o pequeno emissor, ativou-o e colocou-o no interior
— e bem no centro — da caverna. Rhodan ressaltara em suas instruções que era muito
importante tal colocação.
Toffner lançou um olhar pensativo para a caixinha metálica, que passou a irradiar
seus sinais. Era verdade que estes só se propagavam à velocidade da luz, mas isso não
tinha importância. Se Rhodan dependia dos sinais para achar a caverna, era sinal de que
já se encontrava nas imediações do planeta Zalit.
Subitamente, Toffner começou a tremer de nervosismo.
Compreendeu que não ficaria só por muito tempo...
3

A paciência do comando especial foi submetida a uma prova muito dura.


A Drusus e a Califórnia circularam em torno do sistema solar durante quase dois
dias; aguardavam a resposta do agente Jeremy Toffner.
Os membros do comando já se encontravam a bordo da Califórnia, um cruzador
ligeiro com os conjuntos propulsores superpotentes, que lhe permitiam uma enorme
aceleração. A nave levava apenas cinco minutos para alcançar a velocidade da luz.
Rhodan era o único que continuava a bordo da Drusus; aguardava a mensagem de
Toffner. Gucky permanecia a seu lado já que, quando chegasse a hora, Rhodan desejava
transportar-se imediatamente, por meio de um salto de teleportação, para a Califórnia.
O Coronel Baldur Sikermann, comandante do supercouraçado, acabara de designar
um jovem oficial para pilotar a nave, pois queria pedir a Rhodan que lhe fornecesse as
últimas instruções para a operação.
Os dois homens estavam sentados num compartimento contíguo à sala de rádio, na
qual David Stern se mantinha à espera junto ao hiper-receptor. Não havia o menor perigo
de que o impulso condensado a ser transmitido pela Burma fosse captado indevidamente
por outra pessoa. Sua duração não ultrapassaria um décimo de milésimo de segundo.
Antes que alguém pudesse dirigir as antenas goniométricas para o transmissor, a
transmissão cessaria.
Sikermann voltou a repetir:
— Quer dizer que sairei dez minutos antes, emergirei do hiperespaço a um minuto-
luz de Zalit e, durante a aproximação, cuidarei simultaneamente da frenagem e da
localização do transmissor de sinais goniométricos. Nosso transmissor de matéria se
situará dentro do raio de ação do transmissor fictício, que será direcionado exatamente
sobre o transmissor goniométrico a ser colocado por Toffner. Depois de um minuto, no
máximo, o transmissor fictício será acionado para colocar o receptor de matéria em Zalit.
Depois tratarei de colocar a Drusus em lugar seguro. Rhodan confirmou.
— É só o que terá de fazer. Realize uma transição a pequena distância e aguarde a
chegada da Califórnia, que deverá concluir sua tarefa dentro de dez minutos,
aproximadamente. Depois, você se dirigirá à posição de espera, previamente fixada,
acompanhado pelo cruzador ligeiro. Caso precisemos de você, Toffner chamará. Acho
que está tudo claro.
Sikermann parecia um tanto desolado.
— Tudo claro; ainda bem.
Rhodan sorriu.
— Está tudo claro quanto à execução do plano. Não me atreverei a formular
profecias sobre o resultado da operação.
A porta abriu-se e Gucky pôs a cabeça para o interior da sala.
— A mensagem chegou, Perry. Stern está fazendo a decodificação.
Rhodan levantou-se com uma lentidão que chegava a parecer excessiva. Fez um
sinal para Sikermann e, ao lado de Gucky, saiu para o corredor. O comandante levantou-
se de um salto e seguiu-os.
— Mais dois ou três minutos, Sir, e teremos o texto. A Burma agiu com uma
precaução toda especial; realizou uma condensação dupla.
Sikermann manipulou a decodificadora automática e procurou encontrar as
regulagens adequadas. O aparelho complicado começou a zumbir; chaves estalaram e
entraram ruidosamente na posição de descanso.
Rhodan aguardou paciente, enquanto Sikermann saltitava, nervoso, de um pé para o
outro. Inabalável, Gucky mantinha-se ao lado.
Finalmente a máquina expeliu uma fita. Stern pegou-a e passou-a imediatamente ao
administrador.

Transmissor goniométrico em funcionamento.


Hora: 14,00.

Só isso.
Sikermann pegou a fita.
— Quer dizer que chegou a hora, Sir?
— Voltarei agora mesmo para a Califórnia juntamente com Gucky. Comece a
acelerar dentro de três segundos. Percorra o trecho que nos separa de Zalit em quatro
transições, conforme foi previsto. Levará duas horas para chegar ao planeta — olhou para
o relógio. — Às dezessete horas, tempo de Terrânia, o receptor estará em Zalit, pronto
para entrar em funcionamento. Boa sorte, Sikermann! Bem que precisaremos.
Sikermann apertou a mão de Rhodan. Depois virou-se abruptamente e saiu correndo
em direção à sala de comando.
David Stern viu o pequeno rato-castor colocar-se ao lado do administrador e
segurar-lhe a mão. Subitamente o ar começou a tremeluzir. Quando voltou a olhar,
Rhodan e Gucky haviam desaparecido.
Quase no mesmo instante, os conjuntos propulsores da Drusus começaram a uivar.
Compensando totalmente a enorme pressão produzida pela aceleração, a nave saiu
da órbita solar e tomou a rota do primeiro ponto de transição.
Rhodan e Gucky já se haviam materializado a bordo da Califórnia
Três minutos depois, o cruzador ligeiro também saiu velozmente em direção ao
espaço interestelar.
O jogo entre os impérios estelares teve seu início.
Era um jogo de vida e morte...

***

No momento em que desligou o hiper-transmissor e voltou a guardá-lo no interior


da caverna, Toffner compreendeu que já não havia ninguém que seria capaz de deter o
curso dos acontecimentos.
Pegou seu planador e chegou são e salvo a Tagnor, de onde irradiou imediatamente
a mensagem combinada. Não sabia quando chegaria Rhodan e o grupo que o
acompanharia. E não tinha a menor idéia do número dos membros do grupo ou de seus
planos. Apenas executara as instruções recebidas e estava esperando.
O transmissor de sinais goniométricos funcionava há oitenta minutos.
Saiu de seu cubículo cavado sob a rocha e, dando algumas voltas, foi ao lugar em
que se encontravam seus amigos, a fim de informá-los sobre a palestra que tivera com
Hhokga. Markh e Kharra ficaram satisfeitíssimos ao saberem que o negociante de tecidos
estava disposto a ajudá-los. Insistiram junto a Toffner para que não perdesse tempo:
deveria fazer seus preparativos o mais depressa possível e desaparecer, da mesma forma
que tinham feito.
Toffner disse que tinha de liquidar mais alguns assuntos e despediu-se
apressadamente. Sabia que seus dois amigos não desempenhariam qualquer papel
importante nos acontecimentos que se desenrolariam dali a pouco. Eram apenas figuras
marginais de uma operação de âmbito galáctico.
No momento em que passou pela saída oficial e seus pulmões voltaram a encher-se
de ar puro, respirou profundamente. As catacumbas contavam com algumas instalações
de renovação de ar que ainda funcionavam, mas estas eram insuficientes para abastecer
todos os recintos. Com o tempo, a atmosfera abafada comprimia os pulmões que nem
uma nuvem de poeira, dificultando a respiração. A pessoa só conseguia acostumar-se ao
ambiente depois de algumas horas.
Fizera todos os preparativos. Nas proximidades de seu esconderijo havia alguns
recintos maiores, que poderiam servir de abrigo e oficina. Não tinha a menor idéia sobre
os planos de Rhodan, mas sua intuitividade bastava para formar uma idéia aproximada da
futura evolução dos acontecimentos.
Talvez fosse preferível voltar ao deserto e aguardar a chegada de Rhodan.
Seu planador estava estacionado numa área situada nas proximidades da arena.
Toffner caminhou vigorosamente, a fim de atingi-lo o mais depressa possível. De repente
teve a impressão de que, caso não se apressasse não chegaria em tempo.
Quando dobrou a última esquina e viu a área de estacionamento à sua frente,
estacou.
Alguns guardas do Zarlt costumavam patrulhar a área e não provocavam maiores
suspeitas. Por outro lado, não constituiriam motivo para preocupações. Mas naquele
momento, um verdadeiro cordão de robôs arcônidas fortemente armados cercava a área
de estacionamento. Entre eles caminhavam alguns oficiais que envergavam o uniforme
do Império e controlavam toda a área.
Toffner viu que alguns zalitas que queriam dirigir-se a seus veículos eram mandados
de volta. Outros eram presos e levados por um robô.
Será que esses zalitas cometeram a leviandade de realizar uma viagem de negócios
sem a necessária documentação?
Toffner sentiu-se tranqüilizado. Sorriu e pôs a mão no cartão de identificação que
trazia no bolso. Estava registrado como habitante de Tagnor, nascido em Zalit, e exercia
uma profissão permitida. Possuía numerosos amigos e protetores entre os soldados do
Zarlt, pois todos apreciavam as lutas que se travavam na arena.
Continuou a caminhar em direção aos planadores estacionados e viu que o seu
continuava no mesmo lugar.
Um oficial, cujo rosto exprimia a arrogância habitual dos arcônidas, interpôs-se em
seu caminho.
— Não está vendo que é proibido entrar nesta área? — disse em tom autoritário. —
Ninguém pode sair de Tagnor sem nossa permissão.
Toffner assustou-se. Aquilo não parecia ser apenas um controle rotineiro de
documentos.
Por que ninguém podia sair de Tagnor?
Apenas quando havia alguma guerra ou revolução, isso costumava acontecer. E no
momento, o clima político de Zalit não estava marcado por nenhum desses fenômenos.
Guerra? Se é que havia uma, não era em Zalit.
— Preciso ir a Larg para tratar de negócios — respondeu Toffner com a maior
tranqüilidade e apresentou seu documento de identidade. — Meus documentos estão em
ordem, oficial.
O arcônida pegou o documento, estudou-o detidamente e fitou o rosto de seu
interlocutor com uma expressão desconfiada.
— O senhor explora a arena de gladiadores de Tagnor?
— Por aqui todo mundo me conhece. Será que o senhor tem alguma dúvida quanto à
autenticidade dos meus documentos? — Toffner apontou para seu documento de
identidade. — Pergunte aos soldados zalitas.
— Não tenho nenhum motivo para isso — respondeu o oficial. Fitou Toffner e
prosseguiu: — Quando concluirá seus negócios e irá conosco para Árcon? Já conhece a
data de seu recrutamento?
De repente, Toffner deu-se conta de que caíra, tolamente, numa armadilha!
A operação não era de controle de documentos, mas tinha por fim recrutar soldados
para o exército arcônida.
Toffner respondeu com a maior tranqüilidade:
— É claro que conheço a data. Ainda disponho de sete dias. Por que faz essa
pergunta?
O arcônida ficou visivelmente impressionado com a calma de Toffner.
— Ah, então ainda dispõe de sete dias? Por que quer viajar para Larg?
— Já lhe disse que preciso tratar de negócios. Quando viajar para Árcon a fim de
receber meu treinamento, alguém me substituirá na direção da arena. Tenho de instruí-lo
e arranjar alguns animais para as lutas. O senhor há de compreender que mesmo no curso
de uma guerra, se é que uma guerra está sendo travada, um povo não deve ser privado
dos seus prazeres.
— E o senhor não deve ser privado dos seus negócios; compreendo perfeitamente.
Mas quem me garante que o senhor não vai desaparecer, e que, daqui a sete dias, o
esperaremos em vão?
— Desaparecer? — o rosto de Toffner exprimiu tamanha perplexidade que o oficial
não conseguiu reprimir uma risada. — Onde é que poderia desaparecer?
— O senhor não seria o primeiro. Muita gente constante das listas não compareceu
no dia designado. Nós os encontraremos e castigaremos. Tome seu documento. Quando
chegar a Larg, apresente-se ao chefe da seção de recrutamento. Se não o fizer, terá
problemas.
Toffner procurou dissimular o alívio que sentiu e pegou sua carteira de identidade
das mãos do oficial. Numa atitude que simbolizava a autoconfiança e a consciência
tranqüila, passou pelos guardas robôs e dirigiu-se a seu planador. Sentiu o olhar do oficial
na nuca, mas não se virou. Abriu a porta num gesto lento e indiferente, entrou na cabina e
decolou.
Os robôs, os aviões, os zalitas e o oficial, tudo recuou rapidamente, quando
descreveu uma curva e tomou a rota leste, que levava para Larg. Subiu mais e olhou em
torno para ver se havia aeronaves policiais, mas não descobriu nenhuma. Bem embaixo
dele, viu uma coluna que marchava; eram robôs.
Tagnor parecia um acampamento militar. Naquele instante, Toffner começou a
desconfiar de que nunca mais deveria aparecer “oficialmente” na capital, a não ser que
quisesse correr o risco de ser obrigado a prestar serviço militar aos arcônidas.
Imprimiu ao veículo a velocidade máxima e, depois de quinze minutos, chegou à
cadeia de montanhas.
Certificou-se de que não havia nenhum planador nas proximidades e deixou seu
veículo cair subitamente, detendo-o no último instante e pousando suave.
Por enquanto tudo continuava em silêncio; não se via nada.
Lá em cima notava-se um trecho circular do céu límpido e transparente. Era o único
lugar do qual poderia vir algum perigo.
De súbito, Toffner estacou.
Não vira um lampejo metálico lá em cima? Viera de uma altitude considerável...
Ali... mais outro!
Seguiu-se uma luminosidade ofuscante, que logo se apagou.
Estaria sofrendo de alucinações?
Sacudiu a cabeça e dirigiu-se à caverna na qual fora colocado o transmissor de
sinais goniométricos.
Quando estava prestes a entrar, viu um vulto que saía da penumbra.
Era um zalita!
Num movimento rapidíssimo pegou a arma que trazia escondida sob as vestes.
Haviam encontrado seu esconderijo! Estava tudo perdido...
Deu um enorme salto e abrigou-se atrás de uma pedra. Resolveu defender-se até o
fim, pois queria vingar-se da traição de que se julgava vítima, fosse quem fosse o
traidor...
Parou e levantou a arma.

***

Quando a Drusus emergiu da quarta transição, Zalit era uma grande esfera, situada a
menos de vinte milhões de quilômetros. Naturalmente, uma esfera somente na tela, pois,
a olho nu, o planeta era apenas uma estrela muito luminosa. Afinal, um minuto-luz é uma
distância nada desprezível.
Sikermann era a calma em pessoa. Sabia que só tinha três minutos de vantagem. A
Drusus deu início imediatamente à manobra de desaceleração. O transmissor de matéria,
que se encontrava no âmbito de ação do transmissor fictício, foi ligado. Assim que
chegasse a Zalit, teria de estar pronto para a recepção.
Rhodan possuía um único transmissor fictício. Recebera-o do grande imortal do
planeta Peregrino. Até então, tentara em vão construir outro exemplar. O aparelho
trabalhava na quinta dimensão e realizava o transporte instantâneo de objetos para
qualquer lugar.
Com os transmissores comuns, a coisa era diferente. Já eram fabricados na Terra.
Porém seu alcance era limitado e só funcionavam quando havia um transmissor e um
receptor. O transmissor fictício da Drusus transportaria um receptor desse tipo para o
planeta Zalit. Rhodan desejava que houvesse um receptor apto para entrar em
funcionamento nesse planeta do sol Voga.
Sikermann exibiu um sorriso. No que dependesse dele, as coisas dariam certo...
O alarma soou na sala de comando.
— Duas naves aproximam-se à velocidade da luz, Sir! Transmitem no código
arcônida. Exigem que nos identifiquemos.
Sikermann continuou a ser a calma em pessoa. Olhou tranqüilamente para o relógio.
— Rechacem-nas! — disse. Ainda dispunha de quarenta segundos. — Usem todo o
armamento.
A Drusus tinha uma superioridade enorme sobre as duas naves de reconhecimento.
Antes que os arcônidas — talvez se tratasse de um povo colonial — iniciassem o ataque,
um punho imaginário tangeu-os vários milhões de quilômetros pelo espaço a fora. Seus
conjuntos propulsores falharam e as naves ficaram impossibilitadas de manobrar. A
muito custo, conseguiram manter a rota por meio do suprimento energético de
emergência. Contentaram-se em avisar o Almirante Calus de que uma nave desconhecida
de tipo arcônida penetrara no sistema e não fornecera sua identificação.
Trinta segundos depois do momento em que a Drusus emergiu do hiperespaço, o
alarma soou em todo o sistema solar de Voga.
Sikermann reduziu fortemente a velocidade e penetrou na atmosfera de Zalit. Até
que Stern o avisasse de que o receptor estava captando o sinal goniométrico, ficou
circulando em torno do planeta. Antes que o transmissor fictício fosse ativado, o
dispositivo de mira adaptou-se automaticamente a esses sinais.
Em um segundo, o campo de descarga do transmissor ficou vazio. A estação
receptora de matéria fora transportada para algum lugar do planeta Zalit. Se tudo tivesse
corrido de acordo com o programa, naquele momento devia encontrar-se a dez metros do
transmissor de sinais goniométricos que continuava a funcionar.
A Drusus descreveu uma curva e voltou a disparar para o espaço. Não se aproximara
a mais de cem quilômetros da superfície de Zalit.
Mas os arcônidas não estavam dormindo. Seu sistema de alerta funcionava muito
bem. Mais de duzentas unidades robotizadas reagiram ao alarma transmitido pelos dois
cruzadores atacados. O regente de Árcon desconfiava de que, caso surgisse um
supercouraçado da classe Império, só poderia tratar-se de arcônidas — ou dos malditos
terranos!
Era claro que o computador-regente não sabia praguejar. Se possuísse qualidades
humanas, não teria deixado de fazê-lo. Mas, como não as tinha, contentou-se com a
lógica dos seus cálculos.
Calus recebeu a ordem prosaica de abrir fogo contra qualquer nave do tipo arcônida
que se recusasse a fornecer a identificação.
Quando a ordem chegou a Zalit, a Drusus já havia desaparecido no hiperespaço, sem
deixar o menor vestígio. Mas, praticamente no mesmo instante, surgiu a Califórnia e
correu diretamente para o cinturão defensivo das naves robotizadas colocadas em estado
de prontidão.
No momento em que Zalit surgiu na tela, Rhodan viu ao mesmo tempo, por assim
dizer, as bocas dos canhões energéticos de mais de trinta cruzadores ligeiros e outras
naves de guerra.
A solicitação de fornecer a identidade não obteve resposta.
Os robôs cumpriram as instruções que haviam recebido. Abriram um fogo mortífero
contra a nave esférica, que acabara de emergir do hiperespaço e procurava romper suas
linhas.
A Califórnia parecia precipitar-se contra um muro feito de energia.
4
O Zarlt Kosoka estava sentado em seu trono. A importância desse trono era
puramente simbólica; em termos reais não valia um centavo. Dirigiu seus olhos, apenas
ligeiramente avermelhados, para um jovem oficial, que falava de modo autoritário.
— Zarlt, tenho a impressão de que você ainda não se deu conta da gravidade da
situação. Não basta transmitir minhas ordens de má vontade; você tem de cuidar para que
elas sejam executadas. Em toda parte, seus soldados praticam uma espécie de resistência
passiva. Ainda ontem permitiram que um desertor fugisse.
— Sim, trata-se de um homem ao qual nem sequer deram oportunidade de despedir-
se da família, antes de ser levado para Árcon. Submeto-me às ordens de Árcon a
contragosto, porque não tenho outra alternativa, Almirante Calus, mas não posso deixar
de manifestar meu desagrado pelos métodos que estão sendo usados pelo Império.
— Você terá de obedecer, caso queira continuar no cargo — respondeu Calus em
tom frio. — E, o que é o principal, você deve deixar de pensar. Quem pensa é o regente, e
ele o faz por todos nós.
O Zarlt fez um gesto afirmativo.
— Sei, almirante. Mas tenho a impressão de que o computador não quer dispensar o
auxílio humano. Por que será que de repente sente tanta necessidade de soldados e
oficiais? Até agora os robôs sempre conseguiram arranjar-se sozinhos.
— O regente não governa por ele, mas por nós. E no momento que um perigo grave
nos ameaça, todos devem colaborar para removê-lo.
Calus proferiu estas palavras sem pestanejar. Teve o cuidado de não revelar que
havia outros motivos para que o computador passasse a incluir os arcônidas e os zalitas
em seus planos. O regente chegara à conclusão de que não conseguiria arranjar-se sem o
auxílio de seres orgânicos. Um império estelar não poderia ser defendido indefinidamente
apenas com exércitos de robôs. Tornava-se necessário empregar seres humanos.
Mas o fato também representava o primeiro sinal da derrota do computador-regente.
— Por que Árcon não se contenta com os voluntários?
— Porque os homens, voluntariamente dispostos a lutar por nosso Império, são
poucos. Os zalitas andam moles; em Árcon trataremos de endurecê-los de novo. O
treinamento é curto, mas abrange todas as áreas da arte da guerra.
O Zarlt fitou atentamente o Almirante Calus, e perguntou:
— Que naves foram estas que hoje atacaram ou procuraram atacar Zalit. Não
pertencem ao Império?
Calus fez um gesto de desprezo.
— Devem ser piratas ou terranos. Sei lá. Talvez quisessem desembarcar agentes,
talvez pretendessem apenas testar nossas defesas. Seja lá quem forem, não voltarão.
O Zarlt esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas viu-se interrompido pela entrada
de um oficial arcônida. Calus respondeu com um gesto indiferente à continência de seu
subordinado e perguntou:
— O que houve? Por que me incomoda?
— Trata-se do exame dos recrutas, almirante. Hoje faltaram mais de duzentos. Suas
residências foram revistadas, mas estão desaparecidos. Os membros de suas famílias não
têm a menor idéia de onde possam estar.
— É o que dizem! — disse Calus em tom furioso e caminhou nervosamente de um
lado para outro. — Acho que devemos abandonar toda e qualquer consideração e
responsabilizar os membros da família pela insubordinação dos homens. Onde poderão
estar escondidos? — Dirigiu-se ao Zarlt: — Você sabe dizer?
O Zarlt respondeu que não. Calus refletiu por algum tempo. Depois dirigiu-se ao
oficial:
— Nos próximos dias falarei ao povo de Zalit. Providenciarei para que todas as
estações de telecomunicação se mantenham de prontidão para uma transmissão de âmbito
planetário. Acho que depois de minha fala as dificuldades diminuirão.
O oficial retirou-se.
Calus disse em tom irônico:
— Aliás, para que Zalit precisa de um exército? Não existe o menor perigo de
revolução e o planeta goza de proteção do Império. Para que soldados? Acho que
incorporaremos o exército zalita à frota. Alguma objeção, Zarlt?
Surgiu uma ligeira pausa. Os dois homens fitaram-se por algum tempo.
Finalmente o Zarlt sacudiu a cabeça.
— Não. É claro que não tenho nenhuma objeção.
Calus sorriu, parecia satisfeito.
***
A solicitação dos campos defensivos da Califórnia foi tão intensa que praticamente
não sobrou energia para o armamento. O resto da energia armazenada foi conduzido para
os conjuntos propulsores, para que a nave conservasse a capacidade de manobrar.
O General Deringhouse estava sentado à frente dos controles. Procurava desviar a
nave das unidades de bloqueio. Normalmente isso seria praticamente impossível, mas a
Califórnia era mais veloz que as naves dos arcônidas. Mais veloz e mais ágil.
Rhodan sabia que os homens que deveriam participar do comando se encontravam
junto aos transmissores, onde aguardavam suas ordens. Não poderiam desperdiçar um
segundo sequer.
— Romper!
Foi a única palavra que dirigiu a Deringhouse.
E este rompeu as linhas.
A nave realizou uma tremenda aceleração, descreveu uma curva fechada e afastou-
se velozmente dos atacantes. Até parecia que iria entrar em transição. Os atacantes
transformaram-se em perseguidores, mas foram ficando para trás. Os disparos de
radiações erravam o alvo ou se desfaziam no campo defensivo.
Zalit crescia rapidamente. Pouco importava onde se encontrava o receptor que
participaria da transmissão de matéria, da mesma forma que, numa transmissão de rádio,
a localização do receptor não assume qualquer importância.
Rhodan falou para dentro do microfone do sistema de intercomunicação:
— Primeiro comando: saltar!
Quase cem homens comprimiam-se nas cinco jaulas energéticas dos transmissores
de matéria. No momento em que soou a voz de comando de Rhodan, o impulso de
transmissão foi desencadeado. Em apenas um segundo, as jaulas ficaram vazias.
Os cem homens se materializariam em algum lugar na superfície do planeta. Mais
precisamente, no lugar exato em que o agente Toffner colocara o transmissor de sinais
goniométricos e em que agora se encontrava a estação receptora.
Em algum lugar... Conforme Harno lhe mostrara, era uma caverna.
Rhodan esperou dez segundos, a fim de que os outros membros dos comandos
tivessem tempo de preparar-se.
— Segundo comando: saltar! Levantou-se e, dirigindo-se a Deringhouse, disse:
— Espere exatamente cinco minutos. Depois dê o fora daqui e coloque-se na
posição de espera, onde encontrará a Drusus. Faça um trabalho bem feito.
— Sim senhor — disse o general. — Desejo-lhe boa sorte.
— Obrigado. Até breve.
Rhodan virou-se apressadamente e saiu da sala de comando. Teria de apressar-se, a
fim de que a operação não sofresse um retardamento desnecessário. Quando chegou ao
hangar, as últimas peças de equipamento dos tripulantes da Califórnia estavam sendo
colocadas nos transmissores. Rhodan seria o último a arriscar o salto. Levaria as armas e
o equipamento especial.
Entrou na quinta jaula energética e olhou para o relógio. Os outros já deviam ter
saído das jaulas do receptor. Esperaria mais vinte segundos...
O oficial que comandava a operação de transporte cumprimentou-o.
— Tudo de bom, Sir!
— Obrigado — respondeu Rhodan.
Faltavam dez segundos.
O alarma encheu a nave. A voz de Deringhouse anunciou pelos alto-falantes:
— Atenção, atenção! Voltamos a ser atacados por grupos muito fortes. Transição
dentro de vinte segundos. Transição dentro de vinte segundos.
Rhodan dispunha de cinco segundos! Era tempo de sobra.
Empurrou a chave transportadora para baixo... e no mesmo instante viu-se no
interior do receptor colocado em Zalit. Não sentiu a desmaterialização. Apenas o quadro
que via diante dos olhos modificou-se. No lugar em que pouco antes se encontravam as
paredes lisas da Califórnia, surgiram as rochas ásperas da gigantesca caverna.
Os homens corriam apressadamente de um lado para outro. Alguns aproximaram-se
rapidamente para cuidar do equipamento. Com um ligeiro olhar, Rhodan certificou-se de
que tudo correra de acordo com o plano.
O receptor estava muito bem escondido. Dificilmente se poderia imaginar um lugar
melhor. A caverna podia abrigar todos os homens e sua situação devia ser tal que não
poderia ser descoberta.
Saiu da jaula energética e encontrou-se com Atlan e Bell, que supervisionavam a
descarga.
— Até agora tudo correu conforme planejamos — disse Bell e saltou para o lado,
quando alguém passou com um volume pesado. — Gostaria de saber onde estamos.
Toffner não nos forneceu qualquer detalhe...
— Aparecerá por aqui; foi o que combinamos — disse Rhodan em tom
tranqüilizador, embora por dentro não se sentisse muito tranqüilo. Caso alguma coisa
tivesse acontecido a Toffner e caso ele se encontrasse num lugar do qual não pudesse
sair, estariam numa armadilha. — Seja como for, estamos em Zalit e por enquanto
ninguém desconfiou. Podemos dar-nos por satisfeitos.
Bell sorriu e, dirigindo-se a Atlan, disse:
— Almirante, como se sente alguém que se parece com um zalita e deverá ser,
futuramente, um dos soldados do exército do computador?
Atlan retribuiu o sorriso.
— Não deve sentir-se muito pior que meu gordo amigo que, dentro em breve, se
transformará num recruta que ficará marchando pelo pátio do quartel.
— Mais uma vez sinto-me satisfeito por não ser um homem — piou Gucky, que se
aproximou no seu andar balouçante. — Os arcônidas não poderão levar-me. Nunca serei
um recruta.
— É claro que não; pois os arcônidas não querem perder a guerra — constatou Bell
e olhou atentamente em torno. — Onde estamos?
Essa pergunta chamou de volta a presente realidade. Rhodan mandou que, antes de
mais nada, as armas fossem desempacotadas e distribuídas. Se houvesse um ataque,
deviam estar preparados.
Subitamente, Gucky disse em meio ao nervosismo:
— Alguém se aproxima lá fora; está junto à entrada da caverna.
Rhodan orientou-se num instante e constatou que a caverna possuía uma única
saída. Colocou um radiador portátil no bolso largo de seu traje, que o caracterizava como
um zalita típico, passou a mão pelos cabelos cor de cobre e foi caminhando em direção à
saída.
— Verificarei quem é — disse e acrescentou: — Gucky, mantenha-se ao alcance da
vista. Assim perceberá quando chegar a hora de fazer alguma coisa.
Era claro que o rato-castor não deixaria de perceber, pois era telepata. Um
pensamento de Rhodan seria suficiente.
E Rhodan, que era um genuíno zalita, saiu da caverna ao ver um único homem
aproximar-se. Ao que parecia, também era uma criatura nascida em Zalit. Mas os
primeiros impulsos mentais captados por Rhodan confirmaram sua suspeita de que o
homem que tinha à sua frente era Toffner.
Acontece que Toffner segurava uma arma, que ia apontando lentamente para
Rhodan. Isso era bom sinal, pois provava que o disfarce era bom, tanto que chegava a
enganar até Toffner, que se encontrava em Zalit há três anos.
— Bom dia, Jeremy Toffner — disse em inglês. — Não precisa gastar sua munição.
Toffner sentiu-se aliviado ao ouvir as palavras pronunciadas em sua língua materna.
Baixou a arma e guardou-a no bolso.
— Graças a Deus! — disse num suspiro e aproximou-se de Rhodan. — Permite que
lhe pergunte quem é o senhor? Parece um zalita...
— Rhodan — disse o administrador e apertou a mão do agente. — Acho que já nos
encontramos antes.
— Já. Foi quando em Terrânia recebi ordens de ir para Zalit. Naquela oportunidade,
o senhor me disse que eu ficaria sozinho por muito tempo. Ao que parece, esse tempo
chegou ao fim.
Olhou para a entrada da caverna, onde alguns homens conversavam de pé. Gucky
encontrava-se em meio ao grupo. Já sabia que as ordens que Rhodan lhe dera haviam
perdido a finalidade.
— Deu tudo certo?
— Até agora sim — respondeu Rhodan com um sorriso. — Como faremos para ir a
Tagnor? Já pensou sobre isso?
— Não sabia quantos homens participariam do comando — disse Toffner a título de
desculpa pela omissão. Em Tagnor existe um lugar em que poderão abrigar-se, mas será
muito difícil entrar na cidade sem que ninguém o perceba. As sentinelas estão espalhadas
em toda parte, e elas fazem o controle de todas as pessoas que passam.
— Não há problema quanto aos documentos.
— Os documentos não bastam, Sir. Também possuo um documento válido.
Acontece que os arcônidas passaram a prender as pessoas que se encontrem na faixa
etária adequada, a fim de que não possam subtrair-se ao serviço militar.
Rhodan refletiu um pouco. O Major Rosberg e o Capitão Gorlat já haviam saído da
caverna. Olhavam em torno com um grande interesse. Ao que parecia, gostaram do vale
com os paredões elevados.
No interior da caverna, o equipamento estava sendo arrumado.
— Quer dizer que o problema se resume em saber como entraremos na cidade para
chegar ao esconderijo preparado por você. O transmissor de matéria não servirá de nada,
pois só temos este exemplar. Além disso, seria muito difícil levá-lo a Tagnor, sem
chamar a atenção. Será que não podemos chegar até a cidade sob a proteção da noite?
— Talvez consigamos. Acontece que Tagnor fica a quinhentos quilômetros. E, sem
dúvida, a marcha pelo deserto seria observada por alguém.
— Naturalmente; o senhor tem razão — Rhodan levantou os olhos para o céu
límpido. Os raios do sol iluminavam a borda superior das rochas íngremes que fechavam
o vale. — Será que aqui estamos em segurança?
— Sim; aqui nos encontramos numa segurança razoável. Caso não tenha
necessidade, ninguém vem ao deserto. É bem verdade que os aviões costumam sobrevoar
a área, mas dificilmente notarão este vale.
Rhodan não respondeu. Lançou um olhar pensativo para Gucky, que passou por eles
para trocar algumas palavras com o teleportador africano Ras Tschubai. John Marshall
estava conversando com Bell. Os homens iam saindo da caverna. Parece que o trabalho
de arrumação estava praticamente concluído.
— Gucky! Ras! — gritou Rhodan, aproximando-se dos seres cujo nome acabara de
pronunciar. — Quero fazer algumas perguntas.
— Fique à vontade! — disse o rato-castor. — Se quiser saber minha opinião,
estamos numa ratoeira.
— Gucky tem razão — disse o africano. — Um vale como este protege-nos dos
olhares dos outros, mas quando tivermos sido descobertos não teremos qualquer saída.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Justamente por isso temos de dar o fora. Quando os arcônidas começarem a
procurar os zalitas que querem fugir do serviço militar, vasculharão também esta cadeia
de montanhas. No momento em que isso acontecer, já deveremos encontrar-nos num
lugar seguro. Acontece que Toffner acaba de explicar que é muito difícil chegar à cidade.
Há sentinelas por toda a parte. Quanto tempo vocês levarão para carregar todos os
homens e o equipamento até a cidade de Tagnor?
A pergunta tinha sua razão de ser. Gucky e Ras eram teleportadores, mas também
estavam sujeitos aos limites traçados pela natureza. Um teleportador poderia levar dois
homens num salto, mas o cansaço das células nervosas era considerável. O processo não
podia ser repetido à vontade. As pausas de descanso eram indispensáveis. A distância era
indiferente. Pouco importava que o salto fosse de quinhentos ou de cinco mil
quilômetros.
Gucky alisou o pêlo. O gesto parecia exprimir certo embaraço.
— Será muito cansativo — disse. — Se Tako ajudar, poderemos terminar em um ou
dois dias. O destino já é conhecido?
— Toffner o mostrará.
— Nesse caso não haverá problema. O equipamento não inclui nenhum objeto
muito pesado. Os volumes maiores serão transportados por Ras e por mim em conjunto.
Quando poderemos começar?
Rhodan sentiu-se aliviado ao perceber a calma com que os dois teleportadores
encaravam a tarefa. Não a julgavam muito fácil, pois isso seria uma irresponsabilidade.
Todavia...
Fez um sinal para Toffner, que se encontrava num ponto mais afastado. O agente
aproximou-se e lançou um olhar curioso para Gucky. Já ouvira falar no rato-castor, mas
nunca tivera oportunidade de vê-lo.
— Estes são Gucky e Ras Tschubai. Ambos são teleportadores. Eles nos levarão
para Tagnor. Primeiro iremos nós quatro, a fim de conhecermos o local. Os outros
seguirão depois. Explique aos dois como é Tagnor. Enquanto isso instruirei os homens
sobre como proceder nesse meio tempo.
Deixou que Toffner ficasse a sós com os dois mutantes e foi para junto de Rosberg,
Gorlat e Bell. Os três encontravam-se na entrada da caverna, de onde podiam ver o vale e
a maior parte do subterrâneo. Ao que parecia, não se sentiam muito à vontade no lugar
em que estavam.
— Bell, você ocupará meu lugar por algumas horas. A fim de examinar nossos
alojamentos, irei a Tagnor com Toffner, Gucky e Ras Tschubai. Se houver algum ataque,
defenda-se com todos os recursos de que possa dispor. Se isso acontecer, teremos de
modificar nossa tática. Talvez os arcônidas acreditem que somos zalitas que querem fugir
do serviço militar.
— Por que não vamos todos? — perguntou Rosberg.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— É impossível. Pelo que diz Toffner, os controles são mais rigorosos e eficientes
do que supúnhamos. É bem verdade que nem por isso nossos planos sofrerão maiores
alterações. Investigarei a situação e voltarei. Espero que, dentro de dois ou três dias,
todos estejamos sãos e salvos nas catacumbas de Tagnor.
As despedidas foram breves. Rhodan pegou a arma de radiações e não se esqueceu
de entregar Harno aos cuidados de Bell. Depois saiu caminhando ao lado de Toffner, Ras
Tschubai e Gucky em direção à entrada do vale.
Os que ficaram para trás viram-nos desaparecer em meio às rochas.
John Marshall, que lera os pensamentos de Rhodan e por isso conhecia-lhe as
intenções, disse:
— Quer dizer que, se não surgir uma alternativa melhor, os teleportadores nos
levarão um por um para Tagnor. Por que não ficamos no deserto? Acho que seria mais
fácil.
— Seria muito mais difícil operarmos daqui. Se ficarmos em plena cidade de
Tagnor, as coisas se tornarão mais fáceis.
Bell levantou os olhos para o céu.
— Quando deverá anoitecer aqui?
— Dentro de, aproximadamente, quatro horas — respondeu Rosberg, que já colhera
informações detalhadas. — Até lá o chefe deverá estar de volta.
Bell lembrou-se das obrigações que lhe cabiam como representante de Rhodan.
Entrou na caverna e certificou-se de que, junto à parede da caverna, todo o equipamento
estava bem arrumado e empilhado. Cada membro do comando saberia o que teria de
fazer e quais os objetos que teria de levar, quando chegasse a hora para isso. Na caverna
havia uma boa quantidade de volumes com armas, um laboratório bioquímico, um
laboratório físico, mantimentos e equipamento especial.
Quando o Major Rosberg, o Capitão Gorlat e John Marshall entraram correndo na
caverna, Bell verificava os volumes.
— Um avião! — gritou o major em tom exaltado, agitando os braços. — Passou
sobre o vale em vôo baixo; parece que estão procurando alguma coisa. Tomara que não
desconfiem de nada.
Bell olhou para as caixas. Seria inútil desempacotar um pequeno canhão de
radiações. Além disso, a montagem seria muito demorada. Se fossem utilizados,
racionalmente, numa ação maciça...
— Ninguém deverá aparecer fora da caverna! — gritou e correu para a entrada.
Avançou cautelosamente até um ponto em que podia ver todo o vale. Enxergou também
um pedacinho do céu.
Era um planador de asas curtas. A maneira de voar revelava que possuía campos
antigravitacionais. O veículo aéreo foi descendo e quase chegou a tocar o chão no fundo
do vale.
Bell escondeu-se atrás de uma rocha e fez um sinal para o interior da caverna.
— Dez homens para cá! — gritou e destravou sua arma. — Tenham cuidado. Não
deveremos ser descobertos antes da hora.
John Marshall foi um dos que rastejaram para junto de Bell.
— Quantos serão? — perguntou, já deitado ao lado de Reginald.
— Veremos. Estou curioso para ver se são arcônidas ou zalitas.
Sua paciência não foi submetida a uma prova muito prolongada.
O planador pousou. O ruído do motor cessou. Dali a pouco, uma escotilha da cabina
abriu-se e quatro vultos saltaram. Eram robôs.
— O piloto é um arcônida; um oficial — Marshall estava oferecendo seu relato. —
Consigo captar seus pensamentos. Trata-se de uma verificação de rotina. Pousaram aqui
por puro acaso.
— Que azar! — disse Bell. — Se vierem para cá, teremos de colocá-los fora de
ação. O que deveremos fazer com o piloto? Se escapar, o diabo estará às soltas. Virão
com bombas e verdadeiros exércitos. Quer dizer que ninguém deverá escapar.
— André Noir! — disse Marshall, falando no minúsculo transmissor de laringe.
O hipno do Exército de Mutantes logo captou o sinal. Rastejou para junto de
Marshall.
— Você me chamou?
— Devemos impedir o piloto de decolar quando destruirmos os robôs. Você será
capaz disso?
Noir fez um gesto afirmativo.
— Farei o possível. Talvez consiga fazer com que abandone o aparelho. Mais tarde
aplicar-lhe-ei um bloqueio hipnótico, e ele se esquecerá de tudo. Talvez consiga mesmo
mandá-lo para Tagnor com uma lembrança falsa dos fatos.
— Excelente — disse Bell e passou a concentrar-se sobre os robôs que se
aproximavam.
Subitamente um dos homens-máquina parou e chamou a atenção dos outros para
alguma coisa que vira na areia.
— São os rastros dos nossos pés! — Marshall compreendeu imediatamente do que
se tratava. — Encontraram nossas pegadas.
— Ótimo! — disse Bell numa súbita resolução. — Assim escaparemos ao
sofrimento de uma espera prolongada. Noir, tente a sorte. Quanto a nós, cuidaremos dos
robôs curiosos.
Os robôs conferenciaram através dos aparelhos embutidos em seus corpos. Os
círculos de armas começaram a rodar. Ao que parecia, procuravam um alvo. Voltaram a
colocar-se em movimento. Separaram-se, já que ainda não haviam identificado o
objetivo.
Bell avançou e levantou a arma de radiações. Um dos robôs caminhava em direção à
entrada da caverna.
— Abriremos fogo ao mesmo tempo, a fim de pegá-los de surpresa — cochichou
para os outros. — Antes que possam ativar seus campos defensivos, deverão estar
liquidados.
Era perfeitamente possível destruir um robô de guerra com uma arma de radiações
portátil, desde que se conhecesse os pontos sensíveis dos monstros eletrônicos.
E desde que se acertasse logo. Uma vez ativados os campos energéticos dos
colossos, eles se tornariam praticamente invulneráveis.
Bell levantou a mão esquerda. Os homens estavam distribuídos de maneira tal que
cada robô poderia ser alvejado por dois ou três deles.
Bell baixou a mão, e, no mesmo instante, as fúrias do inferno ficaram soltas. Num
instante, os raios energéticos saíram das armas, perfuraram a blindagem dos robôs,
atingiram peças vitais e as gaseificaram. Um cérebro eletrônico reage com uma rapidez
espantosa. Porém, quando não está em condições de funcionamento, deixa de reagir. Foi
o que aconteceu com três dos robôs.
O quarto teve mais sorte. Ativou o campo defensivo que o encerrou numa
campânula invisível, feita de energia de elevada potência, que não deixaria passar
qualquer porção de matéria ou outras formas de energia.
O robô logo começou a responder ao fogo.
Bell abaixou-se e sentiu as costas esquentarem. O bombardeio energético atingira a
parede de rocha, da qual começaram a cair pingos grossos. O segundo tiro foi mais baixo;
quase chegou a atingir Bell de raspão. Os feixes energéticos disparados pelos homens
“tatearam” em direção ao robô, mas o campo defensivo refletiu a energia.
— Betty! — cochichou Bell em tom assustado. Sabia que sem a intervenção da
telecineta não teriam a menor chance contra o monstro. Betty também era telepata e seria
capaz de ler seus pensamentos. — Betty Toufry!
Betty era uma mulher jovem — e continuaria a sê-lo. A ducha celular aplicada no
planeta Peregrino prolongara sua vida por seis decênios. Captou os impulsos
desesperados de Bell e compreendeu imediatamente. Não perdeu tempo. Correu em
direção à entrada da caverna e, com um ligeiro olhar, avaliou a situação. Três robôs
haviam sido colocados fora de ação. Estavam no chão, destruídos.
Mas o quarto robô caminhava em direção a Bell, que achava-se deitado atrás de uma
pedra e lhe enviara o pedido de socorro.
Estava em cima da hora!
Bell ouviu os passos pesados da máquina de guerra que se aproximava. Nunca
saberia por que escolhera justamente a ele, ignorando as outras pessoas que atiravam. Se
Betty não agisse logo...
De repente, os passos cessaram. Um dos membros do comando soltou um grito; era
um grito de alívio. Bell arriscou-se a levantar a cabeça acima da pedra e respirou aliviado
diante do que viu. Betty ouvira e compreendera seu pedido de socorro.
O robô cambaleou. Subitamente perdeu o apoio dos pés e tombou. Com a queda, o
campo defensivo foi desligado. O robô procurou reativá-lo. Entretanto, nesse instante,
uma grande pedra levantou-se a poucos metros dele, como se tivesse sido agarrada pela
mão de um fantasma. Subiu rapidamente, parou bem em cima do robô e subitamente
caiu, como se a mão a tivesse soltado. Atingiu com toda força a cabeça supersensível do
monstro e esmagou o importante dispositivo positrônico. O corpo do robô amoleceu,
como se fosse o de um homem, e estirou-se ficando completamente imóvel.
Mas o perigo ainda não havia passado.
Assim que irromperam as hostilidades, o planador levantou vôo. Parou vinte metros
acima do fundo do vale. Ao que parecia, o piloto estava refletindo sobre o que deveria
fazer. Mas logo descreveu uma espiral descendente e voltou a pousar.
O piloto saiu da cabina e num caminhar duro e estranho seguiu em direção à entrada
da caverna.
André Noir, que estava deitado perto de Bell, levantou-se.
— Tenho o piloto sob controle, Mr. Bell — disse com certo triunfo na voz. — Foi
fácil entrar em seu cérebro, pois o rapaz parece ser muito degenerado. Não tem muita
coisa na cabeça.
— Excelente! — disse Bell e também se levantou. Enfiou a arma de radiações no
cinto do uniforme. — Vamos dar uma olhada nesse sujeito.
Dirigiu-se ao telepata.
— Marshall, o senhor e Noir tentarão extrair dele tudo que possa assumir certa
importância. Depois colocaremos dados falsos em sua memória e deixaremos que volte
para casa.
— Não seria conveniente ficarmos com o planador? — indagou Noir.
— Não. Sentiriam falta dele e começariam a procurá-lo. O que faríamos com isso?
Afinal, o planador de Toffner está escondido embaixo dessa rocha saliente. Acho que
será mais vantajoso deixarmos que o piloto regresse à base com informações falsas.
Precisará de uma explicação plausível para a falta dos quatro robôs.
Noir soltou um suspiro.
— Está bem; cuidemos do arcônida.
Dali a meia hora, quando o planador levantou vôo e saiu em direção a Tagnor, o
arcônida sentado atrás dos controles era o mesmo de antes...
Mas esse arcônida sofrerá o implante de uma memória artificial!
***
— Dê-me a mão. — Ras Tschubai impacientou-se diante da hesitação de Toffner.
— Para podermos saltar, precisamos do contato físico — fitou o rato-castor. — O
objetivo já foi identificado?
Gucky fez que sim.
— Se Toffner continuar a pensar intensamente nas catacumbas, iremos parar lá.
Acho que podemos começar.
Os dois teleportadores concentraram-se. O salto foi efetuado sem o conhecimento
direto do destino, mas a seu lado estava alguém que conhecia esse destino e transmitia
seu conhecimento a Gucky por via telepática. E entre Gucky e Ras havia um contato
físico.
Os três homens e o pequeno rato-castor desmaterializaram-se.
Mais ou menos uma hora depois, o Almirante Calus recebeu uma notícia alarmante.
No setor norte da cadeia de montanhas que se estendia entre Tagnor e Larg havia um
grande grupo de rebeldes, que atacara o veículo aéreo dos arcônidas e destruíra quatro
robôs de guerra.
Quando fez o piloto do planador comparecer à sua presença e começou a interrogá-
lo, Calus tremia de raiva. Conseguiu controlar-se a custo e ouviu em silêncio o relato que
lhe estava sendo apresentado.
— Saímos à procura de homens capazes de pegar em armas, conforme as ordens que
havíamos recebido, senhor. Procuramos principalmente nos lugares mais afastados do
deserto. Supõe-se que por lá estejam escondidos zalitas que se recusam a servir ao
Império. Juntamente com outros oficiais vasculhei a parte sul e central da cadeia de
montanhas, mas não descobri nada. Naquela área existem poucos locais em que alguém
possa esconder-se. Mas, mais ao norte, torna-se difícil examinar o terreno, mesmo do
alto. Separamo-nos. Incumbi-me das encostas do leste, em direção a Larg.
Subitamente começaram a atirar contra mim. Descobri um grupo de zalitas
escondido num vale. Segui as ordens que me foram fornecidas: pousei e mandei que os
robôs avançassem. Foram todos destruídos. Levantei vôo para evitar que a aeronave
caísse nas mãos dos rebeldes e voltei imediatamente.
Calus fitou-o com uma expressão zangada.
— Na parte norte da cadeia de montanhas? — o almirante refletiu por algum tempo
e perguntou: — Verificou a posição exata?
— Saberei encontrar o vale, senhor.
— Muito bem! Ainda hoje, antes do escurecer, uma esquadrilha de caças ligeiros
decolará e atacará os rebeldes que se esconderam nas montanhas. Procure pegá-los vivos.
Precisamos de soldados, não de cadáveres. Entendido?
— Pode confiar em nós...
— É o que espero. E não me venha com a alegação de que de repente não consegue
encontrar o vale. Eu o previno para que isso não aconteça. Se a operação não for coroada
de êxito, o senhor será rebaixado para soldado raso.
Dali a dez minutos, a esquadrilha de caças decolou.
O sol já descia para o horizonte. Os aviões corriam para o leste, em direção à noite
que iria cobrir o planeta.
O infeliz oficial com a memória “falsificada” acompanhou-os. Foi seu último dia
como oficial. Calus costumava cumprir suas promessas e suas ameaças.
Acontece que o lugar, onde o oficial acreditava que estivessem escondidos os
rebeldes, ficava dois mil quilômetros ao norte do pequeno vale em que Bell e o restante
do comando esperavam ansiosamente pela volta de Rhodan.
Perry e seus companheiros rematerializaram-se nas grandes cavernas, situadas
embaixo da arena de Tagnor.
Rhodan soltou a mão de Gucky e lançou um olhar para Toffner, a fim de certificar-
se de que estavam no lugar certo. Depois olhou em torno.
O recinto era quadrado e nele se viam vários muros que o dividiam em nichos. O
teto era de pedra pouco trabalhada, mas parecia ser muito forte. Era ligeiramente
abobadado. Nas paredes, que eram lisas e estavam revestidas com um verniz
transparente, viam-se pequenas portas.
— Aqui poderia ser instalado o quartel-general — disse Rhodan e prestou atenção
ao eco de sua voz. — A que profundidade estamos?
— Vinte metros no máximo — respondeu Toffner. — Existem várias saídas. As
portas foram embutidas na parede de tal maneira que são quase invisíveis. As fechaduras
são eletrônicas ou de vibrações orgânicas. Estamos bem embaixo da arena e, portanto, do
centro da cidade. Não se leva mais de cinco minutos para chegar ao palácio do governo.
Rhodan fez um sinal de concordância.
— Excelente. Daqui podemos operar. Os laboratórios serão abrigados nas diversas
salas.
Lançou um olhar penetrante para Toffner.
— Quem conhece este subterrâneo além do senhor? Por que os arcônidas ainda não
tiveram a idéia de procurar fugitivos por aqui?
— Acredito que não tenham conhecimento da existência das catacumbas. Só as
cavernas exteriores são conhecidas, e estas já foram revistadas. A parte interna é fechada
por portas que não foram descobertas. Aqui estamos em segurança. Há três anos meu
esconderijo fica neste lugar.
— Não foi por desconfiança que perguntei, Toffner, mas precisamos ter cuidado.
Não podemos desprezar qualquer fator. Traremos nossos homens e equipamentos. Gucky
e Ras, saltem de volta. Ficarei aqui com Toffner.
O rato-castor esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas acabou acenando com a
cabeça e segurou a mão de Ras.
Teleportaram-se ao mesmo tempo.
— Muito bem, Toffner — disse Rhodan com uma ênfase estranha. — Conte-me
alguma coisa dos dois zalitas que o senhor mantém escondidos. Gucky leu seus
pensamentos. O que houve com eles?
Toffner logo venceu o embaraço.
— São meus amigos, e deveriam ser recrutados. Pediram que os ajudasse, e eu os
escondi. É só. Não têm a menor idéia do que está acontecendo aqui embaixo. O cubículo
em que estão escondidos não tem nenhuma ligação com o pavilhão em que nos
encontramos.
— Talvez, um belo dia, possam ajudar-nos — disse Rhodan, dando a entender que
não condenava o gesto de solidariedade de Toffner. — Têm todo motivo para não
entreterem sentimentos amistosos em relação aos arcônidas. Oportunamente darei uma
olhada neles.
Toffner sentiu-se aliviado.
Mas antes que tivesse tempo de responder Gucky materializou-se juntamente com
Bell.
— Que é isso? Vocês fizeram exercícios de campo?
Bell procurou endireitar o uniforme amarrotado.
— Foi mais ou menos isso. Um oficial arcônida procurou arrancar-nos da caverna.
Estava acompanhado por quatro robôs de combate.
Depois de oferecer um relato sucinto dos acontecimentos, concluiu:
— O piloto contará uma fábula a Calus. Se tivermos sorte, morrerão de tanto
procurar a dois mil quilômetros do vale.
— Tomara — disse Rhodan, enquanto Ras Tschubai materializava-se com um
técnico do comando. Gucky desapareceu no mesmo instante. A seguir, apareceu Tako
Kakuta, um teleportador japonês.
O grande reagrupamento teve início...
Demorou dois dias.
Finalmente instalaram-se no grande pavilhão de pedra e puderam dar início ao
trabalho propriamente dito, que os levaria a Árcon.
5

O Almirante Calus mandou que o turboveículo parasse à frente do edifício e desceu.


Enquanto subia pelos largos degraus e entrava pelo portal, dois oficiais de alta patente,
que traziam armas de radiações, acompanharam-no. As sentinelas zalitas que guardavam
o edifício fizeram continência em atitude respeitosa.
Em cima do telhado, uma antena esférica estendia-se para o céu. A emissora de
Tagnor era a maior e a mais potente do planeta. As estações retransmissoras garantiam a
perfeita recepção dos programas irradiados dali. Nos últimos dias, os programas
recreativos haviam sido sacrificados grandemente em benefício dos apelos militares.
Calus comparecia quase diariamente ao edifício em que funcionava a estação de
rádio e fazia uma de suas alocuções autoritárias e ameaçadoras. A fim de impedir um
eventual atentado contra a vida do almirante, dois oficiais o acompanhavam
constantemente. No fundo, Calus não acreditava que pudesse haver tal atentado. Afinal,
apoiava-se no poderio de Árcon. Ninguém se atreveria de atrair sobre si as iras do
computador-regente.
Dali a dez minutos, o rosto do arcônida apareceu em milhões de telas. Todos
entendiam sua língua, que era a língua do Império Arcônida. Era uma língua clara,
inequívoca e, acima de tudo, dura.
Na caverna subterrânea, situada embaixo da arena, Rhodan e seus colaboradores
mais chegados também estavam sentados à frente da tela. Naquele dia, era a segunda vez
que viam e ouviam Calus.
No dia anterior haviam examinado seu aspecto exterior e encontraram alguém que
tinha certa semelhança com ele. Agora o sargento Roger Osega estava sentado ao lado de
Rhodan e observava todos os movimentos de Calus. Os bioquímicos já haviam realizado
algumas modificações anatômicas em seu rosto. O sargento Osega tinha uma semelhança
espantosa com Calus. Era fácil confundi-los.
— O Almirante Calus pertence à conhecidíssima família dos Monizas — disse
Toffner, quando Calus fez uma ligeira pausa. — Há muito tempo essa família serve ao
computador-regente e goza de uma confiança irrestrita.
— Isso logo mudará — disse Bell com a voz zangada. Depois o silêncio voltou a
reinar.
Calus estava dizendo:
— Se as ordens de apresentação não forem cumpridas, agiremos com todos os
meios que estão ao nosso alcance. A recusa de prestar serviço no exército imortal de
nosso regente será punida com a morte. Até agora preferi não me valer do direito que me
cabe como juiz supremo, mas no futuro não terei a menor contemplação: mandarei fuzilar
qualquer desertor ou insubmisso. Concedo mais um prazo de dez dias a todos os zalitas
que estejam em condições de pegar em armas, a fim de que se apresentem à circunscrição
de recrutamento de Tagnor. Quem for encontrado depois disso e não puder dar
explicações satisfatórias enfrentará os pelotões de fuzilamento. Acho que me fiz
entendido.
A tela apagou-se.
O sargento Osega soltou um suspiro.
— Então terei de fazer o papel desse monstro? Isso não será nenhum prazer.
— Pouco importa que sinta ou não sinta prazer — disse Rhodan em tom de
repreensão. — O fato é que o êxito de nossa missão dependerá de seu desempenho como
ator. Os bioquímicos voltarão a ocupar-se com você. Posso garantir que depois disso
ninguém conseguirá distingui-lo do verdadeiro Calus.
Osega confirmou com um gesto.
— É claro que compreendo que não há outra alternativa, Sir. Apenas acontece que
não me sinto muito à vontade em constranger inocentes zalitas a se apresentarem para o
serviço militar de Árcon.
Rhodan soltou uma gargalhada.
— O senhor também encaminhará voluntários a Árcon. E nós estaremos entre eles.
Acredito que gostaremos muito mais do novo Calus. O antigo receberá um tratamento
especial.
Com isso, o plano já estava delineado. Apenas faltava aguardar a oportunidade de
realizá-lo.
E essa oportunidade surgiu dali a quatro dias.

***

Antes disso, o sargento Osega passou algumas horas desagradáveis no interior do


laboratório.
O doutor Tschai Toung, que era o melhor confeccionador de máscaras do Serviço de
Segurança Solar, cuidou dele. Quando se tratava de transformar um homem em outro, o
chinês tornava-se pedante. Os filmes tirados da imagem televisada foram rodados
incessantemente; Osega teve oportunidade de estudar atentamente seu sósia. E o Dr.
Toung também teve. Sacudiu a vasta cabeleira negra.
— Não estou gostando do nariz, sargento. O senhor já possui um documento de
identidade plenamente válido, que o apresenta oficialmente como Calus, mas seu nariz
ainda não é o nariz dele. Colocarei mais um enxerto de bioplástico.
Osega gemia de fazer dó.
— Vocês ainda acabam me estragando por completo — disse, embora não estivesse
falando sério. — Minha própria mãe acabará por não me reconhecer.
— Pois é exatamente o que queremos — disse Toung em tom sério.
O professor Eric Manoli serviu de assistente na operação inteiramente indolor.
Quando a mesma foi concluída, Tschai Toung tinha todo motivo para orgulhar-se de sua
obra.
— Agora estou satisfeito — anunciou. — Ninguém conseguirá distinguir um
almirante do outro.
Esfregou as mãos e passou os olhos pelos mutantes e especialistas do comando, que
estavam sentados em torno dele.
— Agora está na hora de vocês mostrarem do que são capazes. Troquem meu pupilo
pelo verdadeiro Calus. Se agirem com bastante habilidade, ninguém perceberá.
— Tomara! — disse Rhodan e adiantou-se. — Osega também terá que desempenhar
o papel de Calus por ocasião das aparições na televisão. Acredita que será capaz disso?
— Tive boas oportunidades de estudar suas ameaças e suas frases — asseverou o
sargento. — Não gosto de fazer isso, mas acho que consigo.
— É só o que importa. Aliás, apesar do risco que isso representa, Toffner saiu para
investigar a situação. De início tive a intenção de fazer a troca durante um discurso, mas
depois elaborei um plano melhor. Calus reside no palácio do Zarlt e é constantemente
cercado por guardas, mas muitas vezes fica a sós em seu gabinete. Olhe!
Harno, o ser esférico vindo do sistema de Tatlira, desceu do teto. Era uma bola
branca de superfície polida. Nela se viu uma imagem que parecia projetada numa tela.
Harno possuía uma faculdade espantosa. Era capaz de tornar visível em sua superfície
qualquer ponto do Universo, independentemente de uma câmara de televisão. Era o
televisor vivo do Exército dos Mutantes.
Viram um recinto com móveis pesados, algumas peças de equipamento técnico e,
mais ao fundo, a cabeceira de uma cama. Uma ligeira visão através da porta mostrou dois
guardas pesadamente armados que estavam postados no corredor.
— A troca terá de ser realizada neste recinto — disse Rhodan. — Não deverá haver
maiores problemas, pois não teremos necessidade de passar pelos guardas. Os dois
soldados serão capazes de jurar que ninguém poderia ter entrado no quarto. Aliás, nem
será necessário que prestem esse tipo de declaração. Ninguém formulará perguntas a este
respeito, pois não se dará pela falta do verdadeiro Calus. Gucky o levará ao palácio,
Osega. Por uma questão de cautela mandarei que Ras Tschubai vá com o senhor, pois é
possível que Calus tente resistir. O trabalho terá de ser muito rápido.
O sargento Osega observava Harno.
— Quando será?
Rhodan olhou para o relógio.
— Daqui a pouco, Calus fará seu discurso costumeiro na televisão. Que faça!
Amanhã o discurso será feito pelo senhor. Será amanhã às quatorze horas, tempo de
Terrânia.
Ao anoitecer, Toffner regressou são e salvo. Encontrara alguns amigos convocados
para o serviço militar e dois soldados do Zarlt que conhecera na arena. Ao que parecia,
dentro de três dias outro contingente de tropas seria enviado a Árcon. Esse contingente já
estava completo. Pelo que se dizia, a próxima chegada das naves transportadoras já fora
anunciada.
O treinamento dos recrutas era feito num planeta de Árcon.
No subterrâneo só se notava a diferença entre o dia e a noite em virtude de uma
pausa para dormir. Rhodan aproveitou o tempo que ainda lhe restava para, juntamente
com Toffner, fazer uma visita aos dois zalitas. No início, os dois levaram um tremendo
susto, mas logo se mostraram dispostos a cooperar na execução do plano. Espantaram-se
com a existência de uma organização secreta que operava em Zalit, mas logo se
conformaram com o fato. Rhodan teve bons motivos para não lhes contar que eram os
únicos zalitas pertencentes à organização.
A noite passou e um novo dia teve início. Todos esperavam que esse novo dia
marcasse o início de uma nova época.

***

Pouco depois do meio-dia, o Almirante Calus recebeu uma mensagem do regente.


Tal comunicado lhe foi entregue por um oficial, vindo diretamente da nave capitania dos
arcônidas, ao qual cabia a supervisão dos serviços de rádio da unidade. Parecia estar
muito nervoso.
— Esta mensagem foi recebida há trinta minutos, almirante — disse e entregou o
bilhete a Calus. Naturalmente valia-se dos padrões arcônidas que correspondiam
aproximadamente a meia hora. — O regente já começa a impacientar-se.
Calus fez um gesto autoritário e leu a mensagem. Depois disse em tom de
contrariedade:
— Acha que estamos enviando poucas tropas. O treinamento é muito prolongado. O
regente quer bastante oficiais.
Refletiu intensamente. O oficial mantinha-se à espera a uma distância respeitosa da
escrivaninha. Lançou um olhar tímido para o superior, representante imediato do regente.
Calus levantou os olhos.
— O próximo transporte parte depois de amanhã, não é?
— Sim, almirante.
— Muito bem! No discurso de hoje farei sentir a necessidade de serem recrutadas
pessoas mais idosas. O regente precisa de astronautas e oficiais experimentados. Quem
sabe se não foi descoberto finalmente o tal do planeta Terra, que tantos aborrecimentos
nos tem causado? Os preparativos estarão sendo adotados por isso... Seja como for, temos
de cumprir nosso dever.
Apenas isso. Envie a seguinte mensagem ao regente...
O Almirante Calus refletiu por alguns segundos e começou a ditar:
— Calus ao regente! Transporte especial de aspirantes a oficiais está sendo
preparado. O critério de seleção será a experiência espacial. Em Zalit não há problemas.
Tudo normal. Almirante Calus — fitou seu interlocutor. — Providencie para que a
mensagem seja transmitida imediatamente para Árcon e, assim que cheguem novas
notícias, avise-me. Obrigado.
O oficial retirou-se. Calus ficou só.
Estava sentado atrás de sua escrivaninha. Não desconfiava de que suas palavras
foram ouvidas uma por uma. E também não podia saber que cada um dos seus
movimentos, cada um dos seus gestos foi observado atentamente. Era como se estivesse
sentado à frente de uma câmara que registrasse todas as fases de sua existência.
Faltavam duas horas para o discurso de hoje. Queria aproveitar o tempo. A situação
não era tão brilhante como acabara de relatar ao regente. Mas se tivesse contado a
verdade, isso só teria resultado em desvantagem para ele. Nesse caso, o computador
talvez tivesse a idéia de colocar outro oficial em seu lugar...
Ainda havia em Árcon muitos homens ambiciosos que descendiam das famílias
antigas e que disputavam ferozmente os bons lugares no Império. Naturalmente só o
faziam com vistas a uma eventual queda do computador-regente. E quando isso
acontecesse, alguém teria de ser o imperador de Árcon.
Suspirou.
Nos últimos anos, os arcônidas voltaram a evoluir ou ao menos alguns deles. Até
parecia que o computador governante não exercia qualquer influência desfavorável sobre
o espírito humano... Pelo contrário! As resistências internas haviam crescido. Muitos
arcônidas lembravam-se do passado glorioso e envergonhavam-se do presente
humilhante. A nova geração reconhecia o domínio do cérebro positrônico. Mas nas
profundezas das almas começava a surgir o plano de um dia substituí-lo por outro tipo de
governo.
Calus acreditava ser o homem indicado para um belo dia assumir o governo.
Suspirou e fez suas anotações. As classes mais jovens de Zalit haviam sido
abrangidas pelo recrutamento, com exceção dos que não se haviam apresentado. Mais de
cem mil zalitas deviam ter desaparecido. Ao que tudo indicava, seria impossível pôr a
mão neles. Talvez fosse conveniente alegar esse fato para justificar o recrutamento das
classes mais antigas. Podia-se perfeitamente jogar um grupo contra o outro.
Os astronautas experimentados eram bastante procurados.
Estranho! Será que de repente as naves dirigidas por robôs positrônicos não eram
capazes de enfrentar o inimigo? Por que de repente passou a precisar de gente? Isso era
de estranhar no regente que até aqui se conhecia. Será que um computador era capaz de
aprender alguma coisa?
Calus ouviu um ruído e levantou os olhos.
Viu seu próprio rosto.
Com um ar estupefato fitou o arcônida que se encontrava a dois metros dele, entre a
escrivaninha e a porta. Calus não sabia explicar como viera parar ali. Tinha certeza
absoluta de que no recinto em que se encontrava havia uma única porta.
E o arcônida não estava só. Em sua companhia estava um zalita de pele escura e um
ser estranho e pequeno, que o fitava com uma expressão insolente.
Calus ficou sentado e não se mexeu. Seu cérebro esforçou-se em vão para encontrar
uma explicação racional do fenômeno inexplicável.
— Está admirado?
O animal lhe dirigiu a palavra em arcônida! Mais um milagre! Primeiro o
aparecimento que não conseguia explicar, e agora isso...
Mas as coisas ainda ficariam piores.
— Não, meu nobre almirante, não sou um animal doméstico falante, e nem penso
em deixar que alguém me adestre. O senhor não devia pensar tolices. Isso pode estragar
nosso relacionamento.
“Será que o bicho sabe ler pensamentos?”, pensou Calus.
Porém não encontrou a resposta, pois não lhe deram tempo para isso. Aproximou a
mão direita discretamente de uma pequena caixa escura que se encontrava sobre a mesa.
No momento em que pretendia apertar o botão com os dedos bem abertos, a caixa subiu
levemente, como se tivesse perdido o peso. Planou para o lado, como se um fantasma a
segurasse, e caiu ao chão. Ouviu-se um ruído suspeito. Os cacos de vidro e de plástico
espalharam-se pelo chão. O aparelho de intercomunicação acabara de ser inutilizado.
— Sentimos muito, almirante, mas seu tempo de serviço nesse posto chegou ao fim.
Permita que me apresente como seu sucessor — Osega proferiu estas palavras num tom
irônico e adiantou-se um passo. — Queira ceder-me seu lugar. O senhor se retirará
juntamente com meus amigos. Se for razoável, nada lhe acontecerá.
Calus ainda não se recuperara da surpresa, mas as explicações podiam ficar para
mais tarde. O que importava no momento era escapar ao perigo que o ameaçava.
— Quem é o senhor? — gritou em tom exaltado. — E quem são as criaturas que
estão em sua companhia? É meu sucessor? Só pode estar louco.
O animalzinho caminhou em torno da mesa, apoiando-se na cauda larga. Sob os
olhos vivos surgiu um dente roedor solitário, que parecia sorrir. Calus não sabia que,
quando Gucky exibia esse dente, estava de bom humor e pretendia pregar uma peça a
alguém.
— O homem que está à sua frente é o Almirante Calus, seu tolo! — chiou Gucky
com a voz muito aguda. — Não vai levantar-se e fazer uma mesura?
Calus engoliu em seco. Ele era Calus! O outro era um sósia.
— É o que você pensa! — prosseguiu o rato-castor. Naquela altura Calus teve
certeza quase absoluta de que aquela criatura lia seus pensamentos. — Se por aqui existe
um Calus falsificado, é você. Será que pode provar o contrário?
O almirante começou a desconfiar de que a situação não seria muito fácil de
resolver, ainda mais que seus pavorosos visitantes pareciam possuir algumas
“qualidades” que não conhecia. De qualquer maneira...
Num gesto rapidíssimo tirou do bolso a mão com a pequenina pistola que disparava
agulhas, mas antes que pudesse apertar o gatilho, a arma escapou de sua mão e, como que
conduzida por um fantasma, foi parar na mão do animal cujo dente roedor sobressaía
ainda mais.
— Ora, almirante, que métodos são estes? Afinal, você é um soldado ou um
assassino? Vamos logo! Levante-se para que o verdadeiro Calus possa sentar. Ele precisa
preparar um discurso. Vejo que já fez algumas anotações. Que gentileza!
Provavelmente Calus teria permanecido em seu lugar, mas de repente teve a
impressão de que alguma coisa se movia embaixo do prolongamento da coluna. Teve a
impressão de que a cadeira subia juntamente com ele. Levou um tremendo susto,
levantou-se de um salto e deu um ou dois passos. A cadeira voltou ao seu lugar.
O sósia — ou seja, o sargento Osega — caminhou em atitude compenetrada em
direção à cadeira e acomodou-se. Depois olhou para os companheiros.
— Acho que vocês devem dar o fora o quanto antes — disse, dirigindo-se a Gucky e
Ras Tschubai. — Se de repente aparecer alguém... Dois Calus são demais.
— Um já é demais! — constatou Gucky e apontou para o almirante arcônida, para o
genuíno. — Este é demais! Vamos levá-lo logo.
Aproximou-se de Calus e segurou a mão que pendia frouxamente junto ao corpo.
— Está duro de pavor. Assim será fácil transportá-lo. Vamos, Ras, dê-me a mão.
O africano não se fez de rogado.
— Boa sorte, Osega! Ficaremos em contato com o senhor.
Os dois teleportadores desmaterializaram-se juntamente com Calus, antes que este
tivesse tempo de pensar qualquer coisa.
Osega, que estava transformado no falso Calus, ficou só. Felizmente não se sentia
solitário. Mantinha contato permanente com Perry Rhodan, através do telepata John
Marshall. Dessa forma recebia prontamente ás instruções que se tornavam necessárias.
Isso acontecia graças à habilidade de Harno, que sabia reproduzir em sua superfície a
imagem de Osega e dos arredores do lugar em que o falso almirante se encontrasse.
— Atenção, Osega! — “disse” um impulso mental captado assim que Gucky e Ras
desapareceram com o prisioneiro. — Um oficial aproxima-se do gabinete. Quer falar com
o senhor.
— Ótimo; assim tenho oportunidade de submeter-me a uma prova — respondeu
Osega e passou a dedicar sua atenção às anotações do discurso que teria de proferir.
Quando a porta se abriu, mal levantou os olhos. Teve a habilidade de fazer surgir uma
ruga de contrariedade em sua testa.
Tomara que o oficial pensasse que realmente se tratava da testa de Calus.
— Trago uma ótima notícia, almirante — principiou o oficial na esperança de
melhorar o humor de seu superior. — Um transporte de homens recrutados à força acaba
de chegar das cidades do ocidente. Estão sendo escoltados por robôs. Devem ser cerca de
cinco mil.
Osega recebeu a informação com a maior tranqüilidade. De certa forma, a notícia
era lamentável, pois significava que mais cinco mil zalitas inocentes seriam arrastados
para Árcon. Mas, por outro lado, também podia significar que Rhodan e seus homens não
teriam de esperar muito para serem transportados para Árcon.
— Excelente! — respondeu. — Providencie para que a notícia seja transmitida
imediatamente ao regente. Agora prefiro ficar só, pois preciso preparar meu discurso.
O oficial suspirou aliviado e retirou-se.
Também Osega sentiu-se bastante aliviado. Dera certo. Também passaria pelo teste
da câmara de televisão, especialmente se anunciasse as drásticas medidas que deveriam
atingir as classes mais antigas.
Os zalitas ficariam pasmados. Mas o importante era os arcônidas e seu regente não
se admirarem.

***

E bem verdade que o verdadeiro Calus tinha motivos de sobra para admirar-se com
uma porção de coisas. Além de ter sido levado por meio da teleportação a um lugar
totalmente desconhecido, que parecia ficar embaixo da superfície, fitou alguns rostos
estranhos e nada amistosos.
Num canto do recinto em que se encontrava, havia uma espécie de impressora, que
com intervalos de alguns minutos expelia passaportes zalitas autênticos. Um grupo de
homens de guarda-pó branco prendia fotos e modelos de vibrações cerebrais aos
documentos, preenchia-os e os empilhava.
Num ponto mais afastado, um grupo de zalitas estava sentado em torno de uma
mesa tosca e conversava. Alguns liam. Calus viu que à esquerda um nicho fora separado
por meio de plásticos negros. Não podia ver o que havia atrás desses panos. Uma única
vez um homem passou por baixo desses panos e disse a um zalita:
— Os aparelhos estão prontos para entrar em funcionamento, Sir. Se quiser
podemos começar.
— Muito bem.
Com uma expressão indefinível, o zalita ao qual haviam sido dirigidas essas
palavras fitou Calus. Depois de algum tempo começou a falar:
— O senhor já deve ter compreendido o que aconteceu, Calus. Um sósia foi
colocado em seu lugar. O senhor encontra-se em nosso poder e só depois de atingirmos
nossos objetivos, será libertado. Em grande parte, dependerá do senhor quando isso
acontecerá. O senhor se dispõe voluntariamente a prestar as informações que desejamos,
ou teremos de recorrer a uma suave coação?
Calus tinha certeza absoluta de ter caído nas mãos dos rebeldes. Talvez tais rebeldes
contassem com o apoio de seres vindos de outros mundos, que dispunham de faculdades
parapsicológicas.
Nem pensou na possibilidade de ter à sua frente os temíveis terranos dirigidos por
Perry Rhodan!
— Pode perguntar — disse em tom tranqüilo. — Não terei dúvida em dizer aquilo
que posso revelar. Quanto ao resto...
— Quanto ao resto, não se preocupe — disse o zalita, que não era outro senão Perry
Rhodan. — Sua saúde não será prejudicada, pois nossos métodos de interrogatório
hipnótico são totalmente inofensivos. As primeiras perguntas são: qual é o motivo do
recrutamento forçado? Qual é o inimigo contra o qual Árcon está lutando?
Os olhos de Calus estreitaram-se.
— Recuso responder essa pergunta. Aliás, tenho de preveni-lo de que os senhores
acabam de seqüestrar um almirante arcônida, e por isso sofrerão um castigo
rigorosíssimo. Se concordarem em libertar-me, terei muito prazer em usar minha
influência para...
Rhodan sacudiu a cabeça e lançou um olhar para os homens que estavam reunidos
num canto. Já não estava sorrindo.
— Manoli! Sinto muito, mas não temos outra alternativa. Vamos recorrer ao
tratamento hipnótico.
Enquanto um Calus relutante estava sendo submetido aos efeitos dos campos de
choque eletrônicos, caminhava pelas ruas de Tagnor um homem ao qual cabia testar as
primeiras ordens do falso Calus.
Tratava-se do mutante japonês Tako Kakuta, um teleportador. Ninguém desconfiaria
de que aquele corpo pequeno pertencesse a um terrano, quanto mais a um japonês, pois o
tratamento especializado fizera de Tako um verdadeiro zalita. Seus cabelos pretos e
vastos haviam desaparecido. Em vez disso, tinha uma cabeleira cor de cobre. O brilho
esverdeado foi imitado com uma perfeição enganadora. Bastava que Tako inclinasse a
cabeça para que os raios do sol gigantesco de Voga se quebrassem nos microcristais
acrescentados à cabeleira artificial.
Tako passeava tranqüilamente pelas ruas como quem não tem nada a fazer. Viu
poucos zalitas com a sua idade. Os que não estivessem a caminho de Árcon deviam estar
escondidos. Por mais de uma vez conseguiu esquivar-se das patrulhas de busca.
Geralmente essas guarnições, compostas por robôs ou soldados zalitas, eram comandadas
por oficiais arcônidas.
O êxito desse tipo de controle já era muito reduzido. Um zalita que se arriscasse a
andar pela rua só poderia ser um doido, a não ser que tivesse uma boa idade. Ainda se
viam muitos velhos, mas por enquanto estes não tinham nada a recear. Os arcônidas até
chegavam a tratá-los com muita consideração, naturalmente porque esperavam que
poderiam encontrar traidores entre os velhos zalitas.
Quando os alto-falantes públicos começaram a transmitir o discurso diário do
almirante, Tako entrou num restaurante. Sentou a uma mesa e pediu o vinho do planeta,
que era muito saboroso graças ao sol gigantesco que fazia amadurecer as uvas. O rosto
conhecido de Calus parecia fitá-lo da tela.
Ouviu algumas pessoas praguejarem baixinho, mas logo a voz do arcônida superou
os cochichos.
Contemplou Calus e não pôde deixar de reconhecer que, raras vezes, um disfarce
fora tão bem sucedido. Calus era Calus; não havia a menor dúvida. Até mesmo a voz, a
maneira de expressar-se e a entonação eram semelhantes às do verdadeiro almirante. Os
gestos, que serviam para reforçar os trechos mais importantes do discurso, haviam sido
tão bem estudados por Osega que ninguém poderia ter dúvidas sobre a identidade do
almirante.
— Nesta oportunidade mando que todos, repito: todos os homens de Zalit se
apresentem para serem examinados pelas comissões de recrutamento. Só estas decidirão
quem é inapto para o serviço da frota. Dentro de uma semana, todo zalita deverá estar
devidamente registrado. Qualquer um que for encontrado sem um documento visado será
preso.
Tako divertiu-se ao pensar como a situação estava ficando esquisita. Os documentos
a que Calus se referia estavam sendo fabricados na caverna, situada embaixo da arena, e
seriam entregues às comissões de recrutamento.
— Pelo que se diz, existem zalitas que se recusam a prestar serviço voluntário ao
Império. Portanto, para o computador, todos estão sujeitos às leis de guerra, daqui para
frente. Qualquer sujeito apto para a prestação do serviço militar, mas que negue-se a
prestá-lo, poderá ser condenado à morte.
Tako notou que alguns zalitas mais idosos o fitavam. Devia pertencer à categoria
das pessoas a que acabara de aludir o almirante.
Calus prosseguiu. Ressaltou que a paciência do regente de Árcon estava
definitivamente esgotada. O Império estava sendo ameaçado por uma potência estranha, e
o computador era generoso a ponto de confiar os postos mais importantes aos arcônidas e
zalitas. Portanto, seria uma ingratidão... e o discurso prosseguia neste diapasão.
Quando Calus concluiu, houve alguns segundos de silêncio no interior do
restaurante. Finalmente um zalita idoso levantou-se, atirou uma moeda para o dono do
restaurante e dirigiu-se à porta. Antes de sair, virou-se e disse:
— Quem se juntar aos arcônidas será um traidor e um escravo do computador!
Uma vez proferidas estas palavras, desapareceu.
Os que ficaram para trás pareciam suspirar aliviados. Começaram a discutir
apaixonadamente; procuravam convencer uns aos outros. Tako aproveitou a confusão
generalizada para sair do local. Não podia deixar de confessar que Osega fizera um
trabalho perfeito. Estava convencido de que teria enganado até mesmo o regente de
Árcon, se o computador tivesse tido oportunidade de ouvir o discurso.
Tako não se encontrou com nenhuma das patrulhas, que vasculhavam as ruas, e por
isso tornou-se mais arrojado. Foi-se aproximando do espaçoporto e, subitamente, viu-se
diante de uma fileira de guardas. Eram todos robôs. Seus olhos frios e inexpressivos
dirigiram-se para ele como se fosse uma caça pela qual esperavam há muito tempo. Um
deles veio em sua direção. Seria inútil correr. Um robô sabe deslocar-se com uma rapidez
espantosa.
— Documento! — disse a voz rangedora da máquina.
Naturalmente Tako possuía documento. A identidade fora fabricada no dia anterior,
no laboratório situado embaixo da arena. Toffner fornecera todos os dados para isso.
Acontece que não era o documento que importava. Tako tinha a idade apropriada.
Enquanto entregava o documento ao robô, o japonês falou sem pestanejar.
— Quero apresentar-me à comissão de recrutamento. Onde fica?
O robô examinou o documento. Sua programação, que no início previa a prisão do
homem que tinha diante de si, foi modificada. Aquele indivíduo queria apresentar-se.
Para este caso, as instruções eram outras:
— Atravesse a barreira que fica junto ao edifício principal. Ali encontrará um
oficial.
Tako se transformaria em cobaia!
Enquanto caminhava, procurou entrar em contato com John Marshall ou outro
mutante através do microtransmissor. Pouco antes de chegar ao edifício que lhe fora
designado, alguém respondeu:
— Faça de conta que se apresentou para ser examinado. Se lhe perguntarem por que
só apareceu hoje, alegue doença. Estamos cuidando de você. Harno tem sua imagem. Não
se preocupe, dentro em breve o seguiremos.
Tako continuou a caminhar. Sentiu-se tranqüilo. Enquanto Rhodan e seus colegas do
Exército de Mutantes estivessem atrás dele, nada lhe poderia acontecer.
Chegou na hora exata para assistir à chegada do almirante arcônida, que iria realizar
uma inspeção de surpresa na sede da comissão de recrutamento.
6

No dia seguinte, mais dez homens do grupo de Rhodan apresentaram-se para o


serviço da frota de Árcon. Possuíam documentos válidos e estavam em condições de
provar que, nos dias anteriores, viram-se impedidos por motivos ponderáveis a
apresentar-se às comissões de recrutamento. Foram encaminhados aos alojamentos e
examinados sem maiores formalidades. O resultado do exame foi um só: aptos para o
serviço da frota.
Dali a dois dias, aquele grupo de dez homens, entre os quais se encontrava o hipno
André Noir, começaram a “trabalhar” os oficiais das diversas unidades. Não foi muito
difícil chamá-los um por um ao aposento em que os terranos haviam sido alojados. Uma
vez lá, foram submetidos a um “tratamento” e regressaram às suas unidades com uma
memória renovada e com ordens estranhas.
E foi assim que o grupo de dez terranos, e posteriormente Tako, fizeram carreira
muito rápida e logo se transformaram em chefes, subordinados diretamente aos oficiais
de Árcon. Até mesmo os robôs deviam obedecer-lhes, isso principalmente depois que
seus dispositivos foram reprogramados às escondidas.
Enquanto isso, Osega continuava a desempenhar o papel de Calus. Anunciou ao
regente que outro grupo estava pronto para ser transportado. E logo depois, uma grande
nave esférica decolou, levando muitos recrutas de Zalit.
Os homens do grupo de Rhodan não embarcaram nessa nave. Nem mesmo Calus
possuía poderes para decidir sobre o transporte dos recrutas. E a hora ainda não havia
chegado.
Na caverna situada sob a arena, Rhodan e seu grupo estavam realizando uma
conferência. Harno estava aceso. Há vários dias não descansava. Constantemente havia
alguém perto dele e observava o que se passava na superfície esférica de seu corpo.
Tristemente agachado num canto, Gucky mastigava uma planta nativa do planeta,
que Bell lhe oferecera, dizendo que eram cenouras. Mas não era isso que o deixava
aborrecido. Seus problemas eram bem mais graves.
Rhodan fornecera o nome de cinqüenta pessoas que não poderiam ir a Árcon. Fora
decidido em definitivo que ele, Gucky, era uma dessas cinqüenta pessoas. Não havia
meio de transformá-lo num zalita.
— Ainda hoje subiremos à superfície e nos apresentaremos. Com isso, seremos
cento e cinqüenta homens ao todo. Acho que será suficiente. — Rhodan olhou em torno.
— Toffner ficará aqui. O Major Rosberg assumirá o comando e dirigirá as ações em
Zalit. Se houver algum imprevisto, o Major Rosberg usará o aparelho de Toffner para
avisar a Drusus, que virá buscá-los. Acho que está tudo claro.
— Este ponto será o único que poderá levar-me a recusar o cumprimento de uma
ordem — observou Rosberg. — Acredita que seríamos capazes de deixá-lo preso numa
armadilha somente porque alguma coisa não deu certo? Arrancá-lo-emos de lá e...
— Não farão nada disso, Rosberg! — a voz de Rhodan soou com uma estranha
aspereza. — Saberemos resguardar-nos. Além disso, seu sacrifício seria inútil. Se formos
agarrados, você não poderá fazer nada. Exijo que se atenha às instruções que lhe são
fornecidas. Mais alguma pergunta?
O Major Rosberg voltou a falar.
— Como deveremos guarnecer o transmissor que se encontra na caverna?
— Ainda bem que se lembrou, Rosberg. Acho que você deverá destacar três homens
que permanecerão lá, depois de terem avisado a Califórnia. Precisaremos de suprimentos
de armas e materiais. Em Zalit deve ser instalada uma verdadeira base, capaz de
defender-se até mesmo dos ataques de Árcon. Não sei se as coisas chegarão a este ponto,
contudo deveremos estar preparados para qualquer eventualidade. Mas peço-lhe que só
cuide dessa caverna depois que estivermos a caminho de Árcon.
Outros detalhes foram discutidos, até que tudo ficou esclarecido. Nenhum ponto
deixou de ser examinado. O contato fônico entre os dois grupos seria mantido
ininterruptamente, embora Harno pudesse transmitir sempre a Rhodan a imagem dos
homens que permaneciam em Zalit.
A missão tornava-se cada vez mais, menos perigosa, pois os homens já recrutados
haviam preparado o terreno. A maior parte dos oficiais arcônidas recebera um bloqueio
hipnótico e quase todos os robôs foram reprogramados. Duas telepatas, Betty Toufry e
Ishy Matsu, que permaneceriam em Zalit, manteriam o contato entre Calus e o Major
Rosberg. Gucky também se dedicaria a essa tarefa.
Dali a dois dias, os últimos “voluntários” puseram-se a caminho. Além de Rhodan e
Bell pertenciam ao grupo o Capitão Gorlat, Atlan e Fron Wroma. Tal qual os outros,
levavam um passaporte falso no qual estava consignado um nome zalita. Não havia nada
que pudesse sair errado.
Passaram pelos primeiros controles e chegaram à entrada principal, onde foram
recebidos por um arcônida arrogante. Robôs de guerra patrulhavam as áreas adjacentes à
cerca provisória. No interior do acampamento enxameavam os zalitas, que haviam
realizado o treinamento preliminar ali mesmo e aguardavam o momento de serem
transportados para Árcon. Uma vez lá, talvez fossem incorporados definitivamente na
frota do Império.
O oficial arcônida fitou os recém-chegados com um misto de alegre surpresa e de
arrogância insuportável. Apesar disso, esforçou-se para encontrar uma forma de
tratamento aceitável.
— Quer dizer que resolveram entrar para a gloriosa frota do Império? — disse e fez
um sinal para os vigilantes robôs. — Serão examinados, registrados e transportados o
mais depressa possível. Qualquer homem capaz poderá fazer uma carreira rápida.
Também temos lugar para o pessoal técnico.
Estendeu a mão.
— Os documentos, por favor.
Depois de algum tempo, devolveu os papéis.
— No primeiro edifício fica o setor de registro. Apresentem-se ao sargento de
plantão. Ele os encaminhará. Desejo-lhes um futuro repleto de vitórias.
Rhodan agradeceu, voltou a guardar o passaporte e passou pelos robôs, sem saber se
estes haviam sido reprogramados ou não. Naquele momento, isso ainda não importava
muito. Eram recrutas e qualquer gesto estranho provocaria suspeitas. Por enquanto
tinham de submeter-se às normas vigentes.
Felizmente o sargento incumbido do registro já fora “preparado” por Noir. Um dos
homens do grupo de Rhodan, que já se encontrava no acampamento há alguns dias,
ajudou o hipno no registro dos recém-chegados.
Apresentaram seus passaportes e tiveram o cuidado de não proferir uma única
palavra suspeita. Os aparelhos de escuta poderiam estar escondidos em qualquer lugar, e
os arcônidas que os ouvissem certamente não estavam condicionados.
O sargento levantou a cabeça e piscou ligeiramente os olhos.
— Como vejo, já serviu na frota de Zalit. Foi major, não foi, Sesete? — era o nome
que Rhodan estava usando. — Excelente! Precisamos de homens experientes como o
senhor. Acho que ocupará o mesmo posto. Examinou os passaportes dos outros.
— Comandante Ighur, da frota mercante — o nome pertencia a Atlan, que se
limitou a confirmar com um aceno de cabeça. — Pelo que vejo, foram todos oficiais.
Major Roake — lançou um olhar ligeiro para Bell. — Capitão Norvt, Tenente Likro...
excelente.
Empurrou os passaportes para seu assistente.
— Providencie alojamentos de primeira. Não é todos os dias que aparece um grupo
formado exclusivamente por ex-oficiais. Sem dúvida resolveram esperar um pouco antes
de resolver juntar-se a nós, não é? Bem, não importa. O que vale é que atenderam ao
nosso apelo. O exame médico será realizado amanhã. Acredito... bem, parecem todos
muito sadios.
O assistente devolveu os passaportes. Além disso, entregou-lhes um papel com uma
planta do acampamento, pela qual poderiam orientar-se. Os algarismos indicavam a
seqüência dos locais em que teriam de apresentar-se.
Constataram que realmente lhes forneceram alojamentos condignos, a que tinham
direito por serem antigos oficiais.
Parecia pura coincidência... Os outros homens do comando terrano foram alojados
em local bem próximo!

***

Toffner levou a sério a tarefa que lhe foi confiada. Sabia quanta coisa dependia da
execução da mesma. O Major Rosberg o prevenira quanto a isso. Se fosse preso pelos
arcônidas ou pelos soldados de Zalit, não poderia contar com qualquer auxílio. Além
disso, deveria evitar que sua pista levasse às catacumbas.
Dessa forma, Toffner voltara a ficar só; dependeria exclusivamente de sua
habilidade.
O documento, que Calus assinara, era a única coisa que o tranqüilizava, pois
atestava que a comissão de recrutamento o julgara inapto para o serviço da frota.
Não foi por nada que o Almirante Calus baixou tal ordem, que admitia certas
exceções e permitia a emissão dos respectivos documentos...
Toffner teria de preparar os jogos da arena, que seriam realizados no outono. O
terrano, ou melhor, Garak, tinha necessidade premente de gladiadores. Onde arranjá-los,
se em Tagnor quase não restavam homens capazes? Não teve outra alternativa senão
viajar por aí.
Foi a uma agência e alugou um planador. Desta vez escolheu um modelo maior.
Talvez tivesse de realizar alguns transportes. Por duas vezes as patrulhas o pararam e
controlaram seus documentos. O atestado produziu verdadeiros milagres. Deixaram-no
passar sem dificuldades.
O planador estava estacionado na área de parqueamento. Achava-se cercado por
uma fileira de guardas. E tal situação provocou um sorriso discreto em Toffner.
O que poderia acontecer-lhe?
Conforme esperava, o controle foi rápido e fácil como os anteriores. Permitiram-lhe
que decolasse, depois de ter informado seu destino: a cidade de Larg.
Descreveu uma curva a baixa altitude e constatou que o tráfego civil estava
praticamente paralisado. Vez por outra encontrava-se com um planador militar. Mas estes
não se interessaram por ele. Logo atingiu a periferia da cidade e dirigiu-se para o leste,
para o deserto.
Resistiu à tentação de pousar nas proximidades da caverna. Pelo que se sabia,
ninguém aparecera por lá. Isso só aconteceria nos próximos dias. Seria necessário colocar
o transmissor em recepção e descarregar os volumes que chegassem.
A cadeia de montanhas foi avistada e voltou a desaparecer. Finalmente, Toffner
pousou em Larg sem maiores incidentes. Estacionou o planador e regulou o fecho
positrônico para seu número de identificação. Nenhuma pessoa estranha seria capaz de
abrir a cabina, a não ser que possuísse seu modelo de vibrações cerebrais, o que era
totalmente impossível.
Hhokga, o negociante de tecidos, ficou não apenas surpreso, mas assustado ao rever
tão depressa o homem que conhecia como Garak. Pediu silêncio e levou o inesperado
hóspede à sala de estar. A tarde findava; dentro de mais algumas horas, escureceria. Os
robôs patrulhavam as ruas.
— Sua vinda representa um tremendo perigo para mim! — as palavras de Hhokga
foram ditas em voz tão baixa que Toffner mal conseguiu entendê-las. — Por que veio?
Nos últimos dias, a situação tornou-se muito mais crítica. Devo apresentar-me amanhã
para ser submetido a exame médico. Os homens velhos estão sendo recrutados...
— Não se preocupe! — interrompeu Toffner com a voz tranqüila e sentou-se. — O
senhor não será incorporado em hipótese alguma. Acredite em mim e não faça perguntas.
Tome este papel. Trata-se de um documento emitido em seu nome, no qual se lê que o
senhor se apresentou em Tagnor e foi julgado inapto. Apresente-o a qualquer patrulha
que venha abordá-lo.
Hhokga lançou um olhar de espanto para o documento.
— O senhor deve ter amigos muito influentes — disse o negociante de tecidos em
tom respeitoso. — Quem sabe se pode proteger Markh e Kharra dos arcônidas?
— Ambos poderão andar à vontade em Tagnor, pois também receberão hoje um
documento igual a este. Ainda obterão licença para viajar para Larg. É por isso que estou
aqui.
Hhokga foi pegar o vinho e sentou-se.
— Não compreendo como foi que o senhor conseguiu isso. O que sei é que não
tenho a menor esperança de poder retribuir este favor. O senhor é mais poderoso que eu,
que apenas sou um velho sem confiança no futuro...
— O futuro é muito mais brilhante do que o senhor imagina — asseverou Toffner,
esperando que não tivesse dito demais.
— O Almirante Calus também é mortal — comentou Hhokga.
Toffner assustou-se. Será que planejavam o assassinato do almirante arcônida, do
qual ninguém sabia que, na realidade, era um terrano e um grande amigo dos zalitas? Isso
complicaria a situação. Talvez Hhokga soubesse dizer alguma coisa.
— Pretendem matá-lo?
— Como é que o senhor pode dizer uma coisa dessas, Garak? Não se trata disso.
Apenas estou falando em termos gerais. Qualquer pessoa terá de morrer um dia —
suspirou. — Posso ajudá-lo em algo?
— Markh me disse que o senhor tem relações com as autoridades locais. É bem
verdade que o mercador de animais pode locomover-se livremente, mas achamos
preferível que por enquanto mantenha uma atitude mais discreta. Preciso de animais
selvagens e de gladiadores que se disponham a lutar na arena. Não posso contar com
presos políticos ou comuns, pois os arcônidas esvaziaram as prisões. E quem mais
concordaria em ir voluntariamente para a arena? Quer dizer que tenho pouca gente. E, se
não consigo gladiadores, terei de fazer os animais lutarem contra outros animais.
— O que posso fazer pelo senhor?
— Pode ajudar-me a formar uma expedição. Basta que um dos seus veículos de
transporte, destinados a Tagnor, pouse em determinado ponto nas montanhas e receba as
cargas que expedirei em nome de Markh. Será feito tudo legalmente e com licença das
autoridades. Eu mesmo poderia organizar tudo, mas tenho de voltar o quanto antes para
Tagnor.
“Entrego-lhe dez documentos assinados pelo Almirante Calus. Tais identidades
dizem que o portador, depois de examinado pela comissão de recrutamento arcônida, foi
julgado inapto para o serviço ativo. Os documentos foram emitidos em branco. Utilize-os
à vontade. O senhor deve ter dez bons amigos que estejam dispostos a trabalhar nesses
transportes em troca da garantia de não serem molestados pelos arcônidas.”
— Se o documento realmente for bom, posso garantir que uma caravana chegará às
montanhas. Vou desenhar um esboço.
Dali a trinta minutos, Toffner saiu da residência de Hhokga. Quando pousou em
Tagnor já estava escurecendo. A fim de apresentar seu relato a Rosberg, dirigiu-se
furtivamente ao esconderijo situado embaixo da arena.
O Major elaborou seu plano.
— Daqui a dois dias, Gucky saltará para a caverna juntamente com três especialistas
e ligará o transmissor. Antes disso, entraremos em contato com a Califórnia para mandar
que as coisas nos sejam enviadas. Daqui a três dias, o tal do Hhokga sairá de Larg. Dali a
mais dois dias, chegará às montanhas. Carregará as caixas. Acontece que a carga poderá
ser controlada. Não seria preferível incluir alguns animais? Seu amigo Markh poderia
cuidar disso.
Toffner prometeu confiar essa tarefa ao caçador.
— Como estão as coisas lá em cima? — perguntou Rosberg, depois que tinham
discutido todos os detalhes. — Hoje ouvi o discurso de Osega. Metade da população de
Zalit deve ter sido levada do planeta.
— As coisas não são tão ruins, Sir. A maior parte dos homens está escondida. A
vida econômica de Zalit está um tanto paralisada, mas a situação não chega a ser crítica.
Os habitantes do planeta são ricos e têm suas reservas. Agüentarão mais algum tempo.
— Até lá o perigo terá sido eliminado, ou nada mais importa — disse Rosberg em
tom tranqüilo.

***

O comando era formado por quatro robôs de guerra e um arcônida.


O grupo vasculhou sistematicamente os porões de uma rua de Tagnor que levava
diretamente do palácio do governo à arena. O fato em si não tinha nada de inquietante,
pois todos os dias surgiam as patrulhas que andavam à procura de desertores.
E nada teria acontecido, se não...
O guarda zalita, que estava de folga e viera visitar a família em Tagnor, correu bem
para dentro dos braços do comando. Seus documentos foram controlados e foi
dispensado. Pretendia seguir seu caminho, mas o arcônida chamou-o de volta.
— O senhor deve conhecer Tagnor muito bem, soldado.
O zalita estava muito interessado em servir aos seus senhores, e por isso fez um
gesto afirmativo.
— Conheço a cidade como a palma de minha mão, oficial. Deseja alguma
informação?
O arcônida apontou para a arena.
— É ali que são realizadas as lutas?
— Atualmente não, senhor. Não há animais e gladiadores.
— A arena tem instalações subterrâneas.
— Existem algumas catacumbas, senhor. Quando há jogos, é lá que costumam
alojar-se os lutadores. E as jaulas dos animais também ficam lá.
— Não seria possível que alguns desertores se escondessem nessas catacumbas?
O soldado sacudiu a cabeça.
— Dificilmente, senhor. Revistamos atentamente as catacumbas, na parte
conhecida. Não encontramos nenhum sinal da presença de fugitivos.
O oficial aguçou o ouvido.
— Na parte conhecida? Isso quer dizer que nem todos os subterrâneos são
conhecidos?
— Isso mesmo. Antigamente havia muitas passagens secretas que davam para o
palácio. Em parte, tais entradas foram fechadas. A arena não precisa de tanto espaço.
Seria muito dispendioso providenciar calefação e ventilação para todas as catacumbas.
Era só o que o arcônida queria saber. Suas suspeitas se confirmaram. Embaixo de
Tagnor havia esconderijos que eram completamente desconhecidos... ao menos da maior
parte das pessoas.
— Obrigado — disse, dirigindo-se ao soldado. — Pode retirar-se.
O zalita afastou-se. Estava satisfeito por não ter causado uma impressão
desfavorável. Pelo contrário: prestara um serviço ao arcônida. Talvez um dia, isso lhe
trouxesse alguma vantagem. Dificilmente a informação causaria qualquer prejuízo a seu
povo.
A entrada tinha ao menos dez metros de largura. Os degraus levavam para baixo.
— Então é este o acesso às catacumbas! — balbuciou o arcônida.
Lembrou-se de que as galerias já haviam sido revistadas, mas não se esqueceu da
observação do soldado zalita: na parte conhecida. Era o ponto decisivo, que o animava a
empreender a ação que estava iniciando.
— Sigam-me — ordenou aos robôs. — Mantenham os radiadores térmicos prontos
para disparar.
Estava muito escuro, mas as luzes fortes dos robôs dissiparam a escuridão.
Antigamente havia luminárias aplicadas nos tetos abaulados, e que apareciam a intervalos
regulares. Mas agora, todas estavam apagadas. Vez por outra, um corredor estreito saía
para a direita ou para a esquerda. O arcônida deixava um robô na bifurcação, enquanto
juntamente com os outros examinava o corredor lateral. Via de regra, tais passagens
terminavam depois de poucos metros numa parede lisa.
O fato de não encontrar nenhum desertor por ali apenas reforçou suas suspeitas. Se
nesse lugar não havia gente escondida, deveria haver esconderijos melhores mais
embaixo. Precisava encontrá-los.
Seus passos ressoaram, mas não conseguiram sobrepujar o ruído dos outros passos...
— Parem!
Os robôs imobilizaram-se abruptamente. As armas dirigiram-se para a escuridão que
surgia à sua frente. O arcônida aguçou o ouvido.
Era isso mesmo! Alguém vinha ao seu encontro.
— Apaguem as luzes.
A escuridão foi completa. Porém, lá na frente, surgiu uma luminosidade que se
tornou mais forte, à medida que se aproximava.
Finalmente, um vulto saiu de um dos corredores laterais.
Aproximou-se do grupo e, quando avistou os quatro robôs, parou de repente. A
lanterna balançou ligeiramente.
— Quem é você? — perguntou o arcônida e adiantou-se. No mesmo instante, as
luzes dos robôs acenderam-se e mergulharam o vulto numa luz ofuscante. Era um zalita.
Quando descobriu o comando, Toffner levou um susto tremendo... Tarde para pôr-se
a salvo! Acabara de atravessar a porta secreta a fim de visitar um amigo em Tagnor. E
agora acontecia isso!
— Sou Garak, o administrador disto.
— O que veio fazer aqui de noite?
— Meu negócio é este...
— Talvez seja — disse o arcônida em tom desconfiado. — De onde veio? Desse
corredor lateral? Vamos até lá. Mostre-me onde esteve.
Toffner sabia que só mesmo um milagre poderia evitar a descoberta do recinto
secreto. O corredor era curto e, tal qual os outros, terminava numa parede de rocha lisa.
Foi caminhando devagar, seguido pelo oficial e pelos robôs. Desta vez todos os
quatro foram com o oficial; nenhum ficou para trás. Era uma sensação desagradável saber
que as armas de radiações dos monstros estavam apontadas para suas costas.
— O corredor termina aqui — disse quando atingiram a parede atrás da qual ficava
o esconderijo.
Toffner só poderia fazer votos de que o arcônida não notasse as pequeninas fendas,
e de que um metro de rocha fosse suficiente para deter os robôs.
Acontece que o arcônida não era nenhum tolo. Sabia raciocinar logicamente.
— Quer dizer que você esteve num corredor em que praticamente não existe nada?
— Sim; eu me perdi.
— É muito estranho que isso tenha acontecido com o administrador da arena, que
deve conhecer todos os cantos destes subterrâneos, não acha? Fale logo, zalita! O que
veio fazer aqui? E onde está a saída?
Onde está a saída...
Toffner refletiu febrilmente para encontrar uma solução.
Gucky! Betty! Ishy! — foi esta a mensagem silenciosa que enviou aos três telepatas.
— Há um perigo gravíssimo bem à porta: Quatro robôs e um arcônida. Cuidado!
A resposta veio pelo microcomunicador colocado em seu ouvido:
— Já percebemos, Toffner. Mantenha a calma. Procure detê-los.
Devia ter sido Gucky.
— Entendido — “respondeu” Toffner.
— Responda, zalita! — disse o arcônida em tom grosseiro, quando viu que o
silêncio de Toffner se prolongava demais. — O que veio fazer aqui? Mostre a porta
oculta, senão darei ordem aos robôs para que derretam a parede.
Era apenas uma ameaça. Nem mais nem menos. O arcônida ameaçava ao acaso, na
esperança de amedrontar seu interlocutor.
— Atrás dessa parede não há nada — asseverou Toffner, e fazia votos de que logo
fosse acontecer alguma coisa.
Os homens no esconderijo haviam sido avisados. Saberiam defender-se. Mas
quando a parede tivesse sido derretida, o esconderijo não valeria mais nada.
— Mande seus robôs entrarem em ação. Talvez assim fique sabendo se por aqui
realmente existem passagens secretas.
O arcônida hesitou. Será que um zalita sabia fingir com tamanha perfeição? Mas
não era esta a hora de refletir sobre isso. Transmitiu suas ordens aos robôs.
— Intensidade reduzida, contra a parede que está à nossa frente. Iniciar dentro de
dez segundos.
O feixe energético atingiu a parede de rocha e foi-se espalhando por igual. A rocha
foi-se derretendo lentamente e começou a pingar. No chão do corredor surgiram poças
reluzentes.
Toffner começou a suar de aflição.
“O que Gucky e os outros estavam esperando para agir?” pensou. “Se não
tomassem logo providências...”
— Psiu! Não pense tão “alto”! — era Gucky. — Eu trouxe Betty. Precisamos de
dois telecinetas para pôr os robôs fora de ação. Você conhece a disposição de suas peças.
Enquanto nós os “seguramos”, procure pôr a mão na chave que os desliga. Mais tarde
mudaremos sua programação e mandaremos que voltem à superfície, com o oficial
submetido ao tratamento hipnótico, que a esta hora já está dormindo.
Toffner ficou calado. Caminhou às apalpadelas em direção ao fim do corredor, que
estava bem iluminado, a fim de colocar-se atrás dos robôs.
Um pedaço da parede já havia sido derretido. O chiado do raio energético
sobrepujava os outros ruídos.
— Pegarei dois, enquanto Betty se encarregará de um. Vamos, Toffner, gire o
parafuso...
Realmente era um parafuso que podia ser girado com a mão, desde que a gente
conseguisse aproximar-se do robô por trás. Nem mesmo os arcônidas quiseram dispensar
esse dispositivo de segurança. Se necessário, um robô poderia ser desativado de um
instante para outro.
Toffner deu dois ou três passos e tateou para encontrar o parafuso do primeiro robô.
Gucky saltara para o lado de Toffner.
— Não está mesmo dando certo! — cochichou apressadamente, pois havia lido os
pensamentos de Toffner. — Rápido! Pegue os outros dois. Estão sob controle, mas não
por muito tempo.
Os outros dois não ofereceram a menor dificuldade. Toffner conseguiu pô-los fora
de combate.
O quarto e último dos robôs apresentaria maiores problemas. Estava em posição
inclinada e não poderia deixar de ver as ações de Gucky e Toffner, desde que girasse
levemente para o lado. Além disso, sua arma estava funcionando. Um movimento do
corpo significaria a destruição inevitável. O calor quase chegava a ser insuportável.
Metade da parede já devia estar derretida.
Gucky passou rapidamente por Toffner e colocou-se bem atrás do robô.
Fitou o parafuso que sobressaía na nuca do monstro. Tal peça começou a girar muito
lentamente sob a ação das energias mentais de Gucky. Segurava o robô por meio da
telecinese e, simultaneamente, pelo mesmo processo, fazia girar o parafuso.
Ao apagar-se num bruxulear, o raio energético atingiu o rato-castor!
Gucky soltou um grito estridente e teleportou-se rapidamente até a entrada.
Betty correu para junto dele e abaixou-se.
— Coitado! Está doendo muito?
Gucky levantou-se e mal conseguiu disfarçar o embaraço.
— Se você me consolar, nada mais poderá doer, Betty. — ergueu-se de vez. — O
que aconteceu com o arcônida?
— Levou apenas uma leve pancada de um dos robôs, quando este parou de
funcionar. Acho que devemos primeiro colocar-nos em segurança. Além disso, temos de
remover os vestígios. Aquele buraco na parede...
— Nós o taparemos — completou Gucky com a voz tranqüila. Soprava as patas que
ainda ardiam. — Primeiro vamos reprogramar os robôs, e depois aplicaremos um
bloqueio hipnótico no arcônida.
Toffner sentiu-se satisfeito por não ter de ouvir recriminações. De certa forma era
culpado pelo que acontecera a Gucky, se é que no caso se podia falar em culpa.
Abriu uma porta lateral do corredor. Felizmente tal porta não fora afetada pelos
raios energéticos disparados pelos robôs. Os outros membros do comando terrano
cumprimentaram Toffner e os dois mutantes com uma certa sensação de alívio. Não
sabiam o que tinha acontecido do lado de fora. As informações que Ishy Matsu lhes pôde
fornecer foram muito escassas.
E foi assim que, dali a quatro horas, um comando de busca voltou ao espaçoporto e
anunciou ao oficial arcônida que exercia o comando:
— Revistamos a rua que dá para o palácio. Sem resultado. Além disso, vasculhamos
as chamadas catacumbas. Todos os corredores terminam em paredes. Não há a menor
possibilidade de que por lá exista um esconderijo. É impossível que haja desertores
embaixo da arena.
O oficial, que transmitiu estas informações, foi elogiado pela operação de busca e
recebeu ordens para, no dia seguinte, patrulhar outras ruas. Garantiu que essa
incumbência também seria executada de maneira a satisfazer seus superiores.
Com certo orgulho afirmou que não havia melhores robôs que os seus.
Seu superior acreditou nisso, pois também já havia recebido um “tratamento”.
Dessa forma, Rhodan iniciou sua caminhada para Árcon...

***
**
*
A primeira parte dos preparativos estava concluída. Tratava-se
dos preparativos que, segundo a intenção de Rhodan, deveriam levar
à conquista de Árcon e ao término do governo do robô.
Cento e cinqüenta homens estavam preparados para abalar um
império estelar.
E o próprio regente daria a ordem para isso.
A ordem para que o cavalo de Tróia fosse transportado de Zalit
para Árcon!
Em Escola de Guerra Naator, título do próximo volume,
Rhodan tentará neutralizar as ações defensivas do computador-
regente.

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