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FOTOS: ALCINO CAMPOS

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira


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“Praça de Macapá – sua posição é a mais vantajosa e interessante, por estar situada na
foz do norte do Amazonas e se bem não defenda totalmente a entrada deste Rio,
contudo é esta considerada como o fecho do Império por aquela parte.”
Relatório que examinou as fortificações do Brasil – 1803

N
o período colonial, os portugueses buscavam Amazonas. Era preciso vigiar e manter a segurança de
uma área ao norte da colônia brasileira, para Macapá, fundada em 1758, e impedir que o inimigo pe-
se defender contra os franceses, que domina- netrasse no interior da Amazônia.
vam a Guiana, instalados à margem esquerda A primeira edificação foi no ano de 1761 e era mui-
do Rio Oiapoque, configurando o grande interesse geo- to rudimentar e frágil, em condições precárias de cum-
político lusitano em garantir o domínio sobre as terras prir a missão.
conquistadas. Nessa busca, escolheram um local que não Passados 21 anos, foi construída a instalação atual.
oferecia as melhores condições para a construção, po- Austera, majestosa e com grande poder de fogo, agora
rém, estrategicamente, facilitava a defesa. Uma região em condições de repelir qualquer ameaça do invasor.
pantanosa de difícil acesso e debruçada sobre o Rio Entretanto, apesar de todos os requisitos de defesa, a

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fortaleza, no decorrer da história, nunca
entrou em combate.
A beleza arquitetônica impressio-
na os que a visitam, rememorando a so-
berania da coroa portuguesa e a capa-
cidade da engenharia militar nas cons-
truções que planejavam e executavam,
em que pesem as restrições para a ob-
tenção do material usado na obra, co-
mo, por exemplo, as pedras, retiradas a
32km de distância, no Rio Pedreira.
A sua concepção foi de Eurico An-
tonio Galluzi, inspirado em normas cons-
trutivas estabelecidas por Sebastian Le
Prestes, Marquês de Vauban, e Manoel
de Azevedo Fortes.
Atualmente é a maior referência Galeão Holandês do final do século XVI. Embarcações desse tipo foram usadas
pelos invasores que tentaram se estabelecer nessa área
histórica cultural do Estado do Amapá.
ram se estabelecer nessa área a partir do início do sécu-
História lo XVI. Muitas fortificações foram erguidas na região
amazônica por diferentes nações. Algumas edificadas
A Amazônia sempre despertou o interesse e a cobi- em madeira e terra, outras, de maior porte, foram cons-
ça internacional desde o período da colonização do Bra- truídas em pedra, obedecendo a critérios impostos pela
sil. Portugueses, franceses, ingleses e holandeses tenta- engenharia militar, e, ainda, aquelas que iniciaram com
uma estrutura rudimentar e fo-
ram, mais tarde, transformadas
em compactas construções. A
Fortaleza de São José de Macapá
é uma delas.
Localizada à margem esquerda
da foz do Rio Amazonas, sua cons-
trução se estendeu por 18 anos,
sendo inaugurada no ano de 1782,
O projeto no dia do santo padroeiro da ci-
arquitetônico teve a
influência francesa. dade de Macapá.
Bases defensivas
de guerra de posição,
No reinado de D. José I (1750-
usando um quadro 1777), cujo primeiro-ministro era
com quatro
baluartes o Marquês de Pombal, autorizou-
pentagonais
nos vértices.
se a sua edificação. A obra foi ad-
ministrada diretamente pela ca-

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pitania do Grão-Pará e Maranhão e iniciou
em 29 de junho de 1764.
A missão da fortaleza era impedir a
entrada de naus invasoras, assegurar a ex-
ploração dos produtos regionais e o seu co-
mércio com a metrópole e defender a cidade
de Macapá. A França representava a maior
ameaça. Era preciso manter a hegemonia Rua da Praia (acima) e Porto de Macapá (abaixo), tendo ao fundo
a Fortaleza de São José de Macapá, em 1907.
da soberania portuguesa. Além disso, São
José constituía um elo forte entre as demais
fortificações espalhadas pelo interior e pe-
las fronteiras.
Com a morte de D. José I, assumiu o
trono sua filha, D. Maria I, que, por ques-
tões políticas, exonerou e perseguiu o Mar-
quês de Pombal. A obra foi interrompida,
uma vez que foram suspensos os recursos,
sob a alegação de que os gastos estavam so-
brecarregando a coroa portuguesa. A inau-
guração oficial ocorreu em 19 de março de
1782, com a obra ainda incompleta.
A fortaleza destacou-se por todo o pe-
ríodo imperial como a principal defesa da
Amazônia, todavia, com a Independência
do Brasil, em 7 de setembro de 1822, o go-
verno do Império relegou-a ao esquecimen-
to e abandono. Em 1857, foi considerada
fortificação de primeira classe pelo Mi-
nistério do Exército. Nada adiantou. Não
recebeu recursos para a sua manutenção.
Em 1863, novamente repetiu-se a ava-
Baluarte São José, em 1907 (acima) e entrada da Fortaleza, em 1944 (abaixo).
liação anterior, porém o pouco recebido,
ainda que liberado, não foi suficiente para
modernizá-la e restaurá-la como se espera-
va. Era usada pelos pelotões portugueses
e imperiais apenas como prisão para civis
e militares até ser desativada pelo gover-
no em 1908.
No início do século XX, a Marinha do
Brasil, por intermédio do serviço de sinali-

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O acesso principal da fortaleza era feito por duas pontes que interligavam
a esplanada e o revelim, e este ao seu interior.

zação Náutica do Canal Barra Norte, assentou uma torre sediar a Imprensa Oficial e, até 1975, funcionou como
com farolete sobre o baluarte Nossa Senhora da Con- quartel da Guarda Territorial.
ceição, visando facilitar a navegação. Em 22 de março de 1950 foi tombada pelo Insti-
Com a criação do Território Federal do Amapá, o tuto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). En-
forte recebeu reparos urgentes no segundo semestre de tre os anos de 1950 e 1960, as instalações da fortaleza
1944. O objetivo do Governador Janary Nunes era ocu- serviam provisoriamente como hospedagem a famí-
pá-lo com instituições públicas e, em 1945, passou a lias que imigravam para Macapá e ainda foi utilizada
como cadeia pública aos presos
A capela. Ao lado a casa do comandante, onde hoje
da Justiça sob vigilância da Guar-
funciona a administração da fortaleza. da Territorial. Posteriormente
outras instituições vieram a ocu-
pá-la, como o Museu Territorial.
Além disso, transformou-se, nes-
se período, em um centro sócio-
cultural e de lazer, onde ocorriam
comemorações de datas cívicas,
salvas de tiro, desfiles escolares,
festas, casamentos e outras ati-
vidades desta natureza. Em 1975,

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a Guarda Territorial foi transformada
em Polícia Militar, permanecendo na
fortaleza apenas o pelotão da banda
de música, que, além das atividades de
ensaio, passou a realizar o serviço de
guarnecê-la.
Em 1978, foram contratados para
a elaboração de um projeto de restau-
ração do forte os arquitetos Pedro e Do-
ra Alcântara, que concluíram as etapas
de pesquisa iconográfica e documental.
Em 1989, o governo do estado con-
tratou uma empresa de arquitetura para
a elaboração de um novo projeto de res-
tauração e revitalização, baseada na
pesquisa realizada anteriormente pelo
casal Alcântara. No período de 1995 a
1996, a Fundação Estadual de Cultura
do Estado do Amapá (Fundecap) e a
Secretaria de Obras e Serviços Públicos
(Sosp) retornaram o Projeto de Restau-
ração e Revitalização da Fortaleza, bus-
cando parcerias com instituições na-
cionais e internacionais.
Em 2001, teve início o projeto de
urbanização e paisagismo da área do en- Lateral da casa
dos oficiais
torno da fortaleza que, por um ano, foi
paralisado. Em 2003, o Governador
Waldez Góes retornou as obras, obten-
do excelentes resultados que até hoje
se refletem na beleza desse patrimônio. No vértice do baluarte, a guarita, por onde
a sentinela observava o rio.

A Fortaleza

O projeto arquitetônico teve a in-


fluência da engenharia militar francesa
do século XVII expressada pelo cons-
trutor Marquês de Vauban, com bases
defensivas de guerra de posição, usando
um quadro com quatro baluartes penta-

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gonais nos vértices. No pátio, oito pré-
dios distribuídos em pares, duas ca-
samatas com 12 celas cada uma e o
revelim a oeste. Cada baluarte foi proje-
tado com a capacidade para 14 canho-
neiras, somando-se a mais 11 situadas
Vista parcial do pátio interno. no revelim, no total de 67 canhoneiras.
O seu sistema de construção cons-
tituiu-se basicamente de alvenaria mis-
Onze canhoneiras guarneciam o revelim.
ta de pedra e tijolo, argamassada com
barro e cal. Todos os acessos da for-

Alvenaria mista de pedra e tijolo.

tificação deveriam possuir elementos


construtivos à frente, compondo uma
O revelim dava proteção cobertura de segurança. O revelim foi
à porta principal.
construído com essa finalidade e dava
proteção à porta principal, com todos
os elementos necessários ao abrigo da
guarda que ali se alocava. É uma obra
exterior composta de duas faces. O
revelim na lateral esquerda não che-
gou a ser construído.
As baterias baixas, no acesso pos-
terior, davam a proteção de fogos, face
ao Rio Amazonas. O antigo forte loca-
lizava-se neste local. O acesso princi-
A canhoneira em posição
A canhoneira de tiro.de tiro.
em posição pal da fortaleza era feito por duas pon-
tes que interligavam a esplanada e o
revelim, e este ao seu interior.
O interior da fortaleza, circun-
dado por terraplenos, apresenta a pra-
ça central composta por oito blocos
distribuídos aos pares, anteriormente

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A imponência da fortaleza é atração para os turistas e
orgulho para o povo do Amapá.

destinados ao alojamento de oficiais, casa do médico,


casa do capelão, capela, casa do comandante, arma- A porta de entrada.

zéns para pólvora, munição de guerra e mantimentos.


Nos armazéns de munição, observam-se as prin-
cipais características do desenho de Vauban para um
paiol, presentes na cobertura de alvenaria mista de
grande inclinação sobre a abóbada de berço, descarre-

O Rio Amazonas durante o período da maré alta.


Ao fundo a fortaleza.

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Fogão de alvenaria em
uma das celas.

gando seu peso nas paredes e contrafor-


tes. A ventilação ocorre por meio de ca-
nais construídos de forma tortuosa nas
paredes, evitando que fagulhas de explo-
Corredor interno. Ao longo, sões do lado de fora atingissem o mate-
12 celas das casamatas.
rial armazenado.
O armazém de pólvora diferencia-
se dos demais edifícios pela presença de
um muro de proteção, para contenção de
uma explosão em direção à praça central.
Sob os terraplenos sul e leste encon-
tram-se as casamatas, que serviam para
o abrigo da guarnição no caso de uma
invasão. Esses espaços são divididos por
12 celas, além do acesso secundário à for-
taleza, interligados por um único corre-
dor interno.
Nas celas estão fogões de alvenaria
Alameda dos paióis.
dispostos alternadamente, complemen-
tados por aberturas verticais que funcio-
nam como chaminés. A cobertura de cada
cela é constituída por uma abóbada que,
em conjunto, cria a sustentação do terra-
pleno e também o sistema de drenagem for-
mado por canaletas localizadas no ponto
de encontro de cada abóbada. Essas cana-
letas direcionam as águas da chuva para

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a praça central, finalizando a drenagem geral através
do fosso central. O piso apresenta-se em tijoleiros, e a
ventilação e circulação são proporcionadas pelas
aberturas da fachada, arrematadas por grades.

Encerramento

A fortaleza foi envolvida pela cidade de Macapá.


Ainda que nunca tenha tido experiência de com-
bate, guarda as marcas daqueles que a construíram e
a conservaram durante o decorrer destes anos, desde
a construção inicial, em 1761, até os dias atuais.
Suas instalações, na maior parte desse tempo,
serviram de aquartelamento aos efetivos militares que
a guarneceram, sempre prontos para responder con-
tra qualquer tentativa dos invasores.
Na casa do comandante, hoje funciona a admi-
nistração da fortaleza que, sob excelente trabalho de- Aproveitamento do espaço para exposição
senvolvido por sua diretoria, tem conseguido mantê- de precioso acervo regional.

la nas melhores condições de limpeza e conservação.


Além disso, as instalações são usadas para realização
de atividades culturais e sociais.
Conhecer a Fortaleza de São José de Macapá é
rememorar a história do Brasil. É valorizar o que
fizeram os nossos antepassados que, além do cumpri-
mento da missão, não permitiram que o patrimônio
fosse destruído pelo tempo. Atualmente, o governo

Exposição temporária

Do armazém, a visão da porta


de entrada ao fundo.
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A fortaleza foi envolvida pela
cidade de Macapá.

estadual dá continuidade a esse trabalho, proporcio-


A guarita debruçada sobre
nando alegria para os que a visitam e orgulho para o
o Rio Amazonas povo do Amapá.
Encerramos a nossa reportagem com as palavras
do Arqueólogo Marcos Pereira Magalhães:
“A Fortaleza de São José de Macapá, em relação a sua
importância para a formação de cidade e identidade de po-
pulação local, pode ser comparada ao que o Pão de Açúcar
representa para o Rio de Janeiro, ao que a Torre Eiffel re-
presenta para Paris, ao que o Coliseu representa para Roma.
Portanto, sua preservação e conservação são a preservação
e conservação da própria identidade do povo macapaense.
Além do mais, dada sua importância histórica, a Fortaleza
de São José de Macapá é um importante testemunho de
formação social brasileira no período colonial...”

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, é


natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior de Guerra.
Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da revista DaCultura.

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