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sociais da litigância
1 Introdução
O novo Código de Processo Civil exige que o juiz observe, ao aplicar o ordenamento
jurídico, vários princípios e dentre eles, o da eficiência. Porém, será que o próprio Código
favorece a eficiência da tutela jurisdicional? Na busca de respostas a tal questionamento,
pensar o Judiciário como um mercado de serviços adjudicatórios regulado pelo Estado
pode abrir várias chaves reflexivas sobre quão eficiente pode ser a nova processualística
civil na resolução de conflitos. Obviamente, isso não significa supor um sistema
econômico de preços livres para as custas processuais que seja capaz de estabelecer
uma quantidade de equilíbrio ótima entre o número de ações ajuizadas e o número de
sentenças proferidas, segundo a lei da oferta e da demanda - o que na prática até
promoveria certa celeridade processual, mas às expensas da exclusão de muitos
jurisdicionados por conta da elevação dos custos de ingresso e permanência em um
suposto mercado da justiça.
Aliás, a garantia constitucional de livre acesso ao Judiciário não beneficia apenas os mais
pobres. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por meio de acordo de
cooperação técnica firmado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao fazer um
levantamento sobre o custo unitário de um processo de execução fiscal da União, acabou
identificando que, incluídos os tempos mortos do processo, o custo médio por
processo/dia na Justiça Federal, em 2009, era de R$ 1,58 - levando em conta uma
metodologia que considerava apenas o orçamento executado, dividido pelo número de
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dias e, por fim, pelo número de processos em trâmite. Assim, considerando-se o tempo
de resolução de um feito, ainda que observada a razoável duração do processo,
verifica-se que o valor pago a título de custas processuais é, em muitos casos,
subsidiado pelo Estado.
Por isso, dizer que a Justiça não tem preço é bem diferente de dizer que ela não tem
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custos. Ainda que não assumidos diretamente pelo jurisdicionados, os custos existem e
não se restringem à soma contábil dos gastos administrativos com mão-de-obra
especializada (juízes, serventuários e estagiários) e com outras despesas de custeio e de
capital. Para se aferir o grau de eficiência da tutela jurisdicional é preciso levar em conta
também o impacto econômico das decisões erroneamente proferidas, em razão de sua
capacidade de distorcer incentivos e de impor custos para a sociedade. Um fabricante
que não seja responsabilizado ou apenas seja sub-responsabilizado pelos danos
causados aos consumidores, por exemplo, será incentivado a se manter negligente em
relação aos controles de qualidade de seus produtos, gerando um alto custo social.
A proposta de um direito processual civil eficiente passa, portanto, por sua capacidade
de minimizar os custos sociais da resolução de conflitos, o que inclui os custos
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administrativos e os custos dos erros judiciais. A redução de custos é capaz de garantir
destinação de recursos, que sempre são escassos, para o atendimento de um número
maior de casos em relação aos que já são atendidos, gerando condições mais propícias à
efetividade da tutela jurisdicional para um número maior de pessoas. O presente artigo
se insere nesta temática e pretende justamente verificar se o novo Código de Processo
Civil pode ser mais eficiente que a sistemática anterior na redução de tais custos sociais.
Para tanto, o presente texto trilhará o seguinte percurso: após esta (1) introdução ao
tema, será analisada (2) a pretensão da nova lei adjetiva civil de reforçar a coesão entre
as normas processuais e incentivar a uniformização de jurisprudência como uma
tentativa de consolidação de um capital jurídico, indispensável ao conhecimento prévio
da alocação dos riscos contratuais e à possibilidade de composição extrajudicial de
conflitos; será, também, apreciada (3) a sistematização das tutelas de evidência e
urgência como uma forma de redistribuição do custo temporal do feito entre as partes,
necessária à superação da morosidade na tutela jurisdicional; em seguida, será discutido
se (4) a nova audiência de conciliação ou mediação foi pensada à luz da assimetria
informacional entre as partes, a fim de tornar efetiva a possibilidade de soluções
consensuais dos conflitos; por fim, serão apresentadas (5) as considerações conclusivas.
2 Coesão sistêmica e previsibilidade decisória como capital jurídico
O Código Reformado, por outro lado, fruto das alterações promovidas entre 1994 e
2006, foi construído à luz da nova ordem constitucional iniciada em 1988. Um dos
grandes debates travados nos anos seguintes à promulgação da Constituição referia-se à
efetividade dos direitos, o que acabou afetando também a processualística civil. Neste
novo contexto, não bastava apenas garantir a segurança do processo, tão cara a Alfredo
Buzaid, mas era preciso avançar para uma segurança pelo processo, forjada na tutela
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jurisdicional adequada e efetiva. Não se admitia mais o manejo de conceitos
processuais pretensamente puros e divorciados da realidade social. Às vésperas da
reforma de 1994, Cândido Rangel Dinamarco afirmava: "É tempo de integração da
ciência processual no quadro das instituições sociais, do poder e do Estado, com a
preocupação de definir funções e medir a operatividade do sistema em face da missão
que lhe é reservada. Já não basta aprimorar conceitos e burilar requintes de uma
estrutura muito bem engendrada, muito lógica e coerente em si mesma, mas isolada e
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insensível à realidade do mundo em que deve estar inserida".
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O novo Código de Processo Civil e a redução dos custos
sociais da litigância
Afinal, uma decisão não interessa exclusivamente às partes envolvidas na lide, mas
também a toda sociedade, na medida em que estabelece um determinado parâmetro
para julgamentos futuros. Toda decisão judicial traz em si duas possibilidades
discursivas: uma voltada para a solução do caso concreto, outra para a repercussão
prospectiva do próprio critério adotado - o que, em perspectiva econômica, pode ser
relacionado com os incentivos sociais por ele gerados. Dizer que o Estado Constitucional
deve garantir segurança e juridicidade também significa proteger a estabilidade das
situações fáticas que foram conduzidas à luz da conduta previamente apontada como
válida pelas leis e pelas decisões judiciais, assim como julgar com igualdade os
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comportamentos que guardem certa semelhança entre si.
Não sem motivo, para além da falta de coesão do sistema processual, o novo Código de
Processo Civil igualmente se preocupou com a dispersão excessiva da jurisprudência,
cuja consequência evidente é fazer com que jurisdicionados em situações idênticas
acabem se submetendo "a regras de condutas diferentes, ditadas por decisões judiciais
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emanadas de tribunais diversos" - o que fere a coerência, requisito de argumentação
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jurídica que uma dada tutela jurisdicional deve contemplar. Com isso, a nova lei
adjetiva civil, no Livro III que trata dos processos nos Tribunais e dos meios de
impugnação das decisões judiciais, estabelece que tais "tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Além disso, prescreve que juízes
e tribunais observem a jurisprudência dominante, especialmente quando proferida pelos
órgãos de convergência e de superposição. Determina, ainda, que "a modificação de
enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de
casos repetitivos" observe "a necessidade de fundamentação adequada e específica",
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sem se descuidar "da segurança jurídica, da proteção de confiança e da isonomia".
Um bom exemplo cotidiano de tal acúmulo de capital jurídico diz respeito aos acidentes
de trânsito em que um veículo automotor se choca com um outro que lhe precede na
via. A disseminada presunção de culpa do motorista que atinge a traseira do veículo à
sua frente dá um claro incentivo para que as partes acordem extrajudicialmente quanto
à indenização, evitando assim os custos de adjudicação e a sobrecarga do próprio
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Judiciário.
Por outro lado, a falta de estoque de capital jurídico, provocada por enunciados
normativos contraditórios, sistema processual complexo ou dispersão jurisprudencial
excessiva, acaba contribuindo para o aumento da judicialização dos conflitos sociais, em
razão de os cidadãos não conseguirem antever o posicionamento dos tribunais. Por isso,
o investimento no acúmulo de capital jurídico, que não é módico se considerados todos
os gastos com a estrutura legislativa necessária para a elaboração de um novo Código
de Processo Civil e com a organização judiciária exigida para uniformizar e estabilizar
uma dada jurisprudência pode, em longo prazo não só tornar a tutela jurisdicional mais
isonômica e célere, pela abreviação dos inúmeros percalços procedimentais, como
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inclusive reduzir as taxas de litigância, com o aumento do índice de autocomposição
extrajudicial dos conflitos.
Obviamente, este resultado não virá num primeiro momento. Ainda que reduzido, havia
algum acúmulo de capital processual civil, fruto de uma série de artigos, pareceres e
decisões produzidos continuamente desde 1973. Com a edição de uma nova lei adjetiva,
todo este estoque sofre uma imediata depreciação, pelo menos até que a comunidade
jurídica verifique se cada informação, diante da nova sistemática, sofreu uma
desvalorização total ou apenas parcial. Afinal, mudanças nas condições sociais e
econômicas, na legislação, nos membros de um tribunal ou em qualquer outro
parâmetro de repercussão legal acabam depreciando o valor dos precedentes existentes,
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levando à necessidade de um novo processo de acumulação. Imagine, por exemplo,
quantos julgados ainda precisarão ser proferidos até que se molde um entendimento
pacífico sobre a nova exigência de que magistrados, em suas decisões, enfrentem "todos
os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão
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adotada pelo julgador"?
herança liberal, pois forjada para manter inalteradas as relações de poder. Nesse
sentido, tal paradoxo teria uma motivação extrajurídica, na medida em que "os
empresários precisam de uma justiça especializada e paralela para tratar dos seus
negócios, (...) mas não abrem mão de uma justiça inefetiva para julgar as demandas
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dos seus adversários, (...) causas em que autores são os cidadãos comuns".
Este trabalho não pretende apontar qual a causa da distribuição de tempo entre as
partes nos distintos procedimentos: se jurídica, portanto decorrente da positivação dos
preceitos do processualismo alemão e da escola histórico-dogmática italiana, ou
extrajurídica, fruto de uma tentativa de racionalização da desigualdade de classe -
mesmo porque, independente da origem, a morosidade do processo civil comum na
tutela de direitos acabou se mostrando por demais evidente. A primeira reação de
advogados e membros do Ministério Público a tal demora foi o uso distorcido das tutelas
cautelares inominadas, prática que ficou conhecida como técnica de sumarização do
processo de conhecimento ou ação cautelar com finalidade satisfativa. O procedimento
cautelar, que originariamente se prezava apenas à garantia da frutuosidade dos
processos de cognição e execução, passou então a ser utilizado como meio de efetivação
de direitos, na medida em que permitia concessão de liminar e provimento final
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executável na pendência de apelação.
Apesar disso, por diversas vezes tal antecipação de tutela foi alvo de uma interpretação
equivocada: para que a mesma fosse concedida, o enunciado da norma processual civil
requeria uma prova inequívoca capaz de convencer o juiz quanto à verossimilhança da
alegação do autor. Com isso, abrandava-se o conhecimento exaustivo anteriormente
exigido para a concessão de um provimento executivo, na medida em que o juiz poderia
agora fazê-lo desde que convicto da existência de certo grau de confiabilidade indiciária.
Todavia, em muitas vezes, a prática judiciária - influenciada por autores como Calmon
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de Passos, para quem a tutela antecipada exigia o mesmo grau de verdade requerido
para a decisão definitiva - acabou convertendo a verificação de verossimilhança em
comprovação de certeza do direito pleiteado como condição de concessão da tutela.
O novo Código de Processo Civil, porém, ao sistematizar com maior clareza a tutela de
evidência, baseada em comprovações documentais verificáveis de plano, e a tutela de
urgência, destinada a resguardar um direito cuja demora na tutela poderia torná-la
inócua, acabou dando ao juiz meios mais claros para a distribuição racional do ônus do
tempo do processo. Os problemas conceituais do Livro V, que trata das tutelas
provisórias - como, por exemplo, a menção ao "perigo de dano" e ao "risco ao resultado
útil do processo" pelo art. 300, o que numa leitura literal poderia significar um
retrocesso em relação à efetividade das tutelas específicas, particularmente quanto à
tutela inibitória - têm sido lidos como descuidos redacionais e interpretados
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sistematicamente pelos primeiros comentadores. Assim, o que merece destaque na
nova processualística civil é o abandono da exigência de prova inequívoca para
concessão de tutela de urgência, bastando, para tanto, a existência de elementos que
evidenciem a probabilidade do direito, marcando uma transição do direito provado para
o direito provável.
inconsistente por meio das tutelas de evidência - algumas das quais, inclusive, podendo
ser deferidas sem oitiva da parte contrária, postergando-se o contraditório. Afinal, "o
tempo do procedimento comum sempre prejudica o autor que tem razão, beneficiando o
réu em igual medida. Se durante o tempo de duração do processo o bem reivindicado é
mantido na esfera jurídico-patrimonial do réu, esse, ainda que sem razão, é beneficiado
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pela demora da prestação jurisdicional", sendo incentivado a abusar do seu direito de
defesa como forma de protelar o processo. Assim, quando nos casos de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, a
tutela de evidência permite que o juiz liminarmente ordene a entrega do objeto
custodiado (art. 311, III e parágrafo único), o ônus da prova que incumbe ao réu quanto
aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor passa a ser
acompanhado do ônus temporal do processo, o que possivelmente desestimula a
realização de atos meramente protelatórios e promove a celeridade da tutela
jurisdicional.
Com isso, a demora na tutela jurisdicional acaba constituindo "um mecanismo de seleção
adversa em que detentores legítimos de direitos são afastados do Judiciário, enquanto
agentes não detentores de direitos são atraídos justamente por causa da morosidade
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judicial para postergar o adimplemento". Não sem motivo, há diversas empresas "que
apostam em estratégias protelatórias para cumprir com suas obrigações, eis que
concluíram serem os custos impostos pelo sistema de justiça mais vantajosos do que
alterarem toda uma política de tratamento do consumidor, pois dos milhões de clientes
que possuem, apenas uma pequena parcela recorre ao Poder Judiciário para reclamar
seus direitos; quando reclamam, o tempo do processo e da resposta final é igualmente
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benéfica para seus interesses de lucro".
Por isso, o sistema das tutelas de urgência e evidência pode tornar mais eficiente a
resposta judicial, na medida em que invertendo o custo do tempo entre as partes,
incentiva o réu a agir de maneira célere na produção das provas que lhe interessa.
Superada a morosidade, pode ocorrer uma expansão da litigância, decorrente do
aumento do valor presente do direito a ser demandado. Porém, a reforma processual
civil deve ser pensada em seu conjunto - e o aumento do acesso à Justiça, pela redução
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O novo Código de Processo Civil e a redução dos custos
sociais da litigância
Além disso, como a parte demandada é quem geralmente arca com as despesas
decorrentes do cumprimento de solicitações de exibição de documento, o procedimento
acaba gerando, em muitos casos, custos altos e desnecessários, na medida em que os
autores requerem uma grande quantidade de informações que ou comprovam
repetidamente a pertinência do mesmo pedido indenizatório ou permitem um aumento
no valor esperado da reivindicação judicial bastante inferior se comparado com o custo
de produção do documento. Discricionariamente, os tribunais podem exigir que o autor
assuma os custos de tais pedidos, total ou parcialmente; porém, tal inversão econômica
é exceção que confirma a regra. Por fim, com o advento da electronic discovery, tais
custos podem crescer exponencialmente diante do grande volume de informações
armazenadas eletronicamente, o que só aponta para um aumento do ônus social de tal
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procedimento.
Os menos céticos talvez argumentem que tal comportamento desviante poderá ser
devidamente coibido por meio do recém-positivado princípio da cooperação. Afinal,
segundo a nova lei adjetiva civil, é dever de todos os sujeitos do processo, incluindo as
partes, cooperar mutuamente para que se obtenha em tempo razoável uma decisão
justa e efetiva (art. 6.º). Até que ponto, porém, pode-se exigir que a parte labore
contrariamente a seus interesses privados em nome de um ideal abstrato de justiça?
Fomentar a percepção de que o processo é uma comunidade de trabalho é bem diferente
de propor a revogação do princípio dispositivo em sentido processual. "As partes não
colaboram e não devem colaborar entre si simplesmente porque obedecem a diferentes
interesses no que tange à sorte do litígio". Assim, "a colaboração no processo é a
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O novo Código de Processo Civil e a redução dos custos
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colaboração do juiz para com as partes", não entre as partes, já que cada uma delas
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tem total legitimidade de conduzir o processo com o intuito de sagrar-se vencedor.
Por isso, parece que teria agido melhor o legislador se tivesse temporalmente situado a
audiência de conciliação ou mediação logo após a decisão de saneamento e de
organização do processo. Afinal, nesta decisão o juiz deve delimitar tanto as questões de
fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova
admitidos, quanto às questões de direito relevantes para a decisão do mérito. Deve,
também, definir a distribuição do ônus da prova, podendo fazê-la, motivadamente, de
modo dinâmico (arts. 357 e 373). Na prática forense à luz do Código de Processo Civil de
1973, o saneamento processual foi comumente subutilizado. O novo Código, porém,
parece pretender otimizá-lo, principalmente por prever nos casos complexos, a
possibilidade de o juiz designar audiência específica a fim de organizar o processo com o
auxílio das partes. Após tal momento processual, as partes saberiam melhor equacionar
as expectativas quanto ao resultado final do feito, o que poderia tornar mais factível um
acordo.
Não se desconhece que a própria processualística civil recomenda que seja incentivada a
conciliação, a mediação ou qualquer outro meio de solução consensual de conflito
inclusive no curso do processo judicial (art. 3.º, § 3.º). Pode, pois, o juiz oportunizar
uma nova ocasião de acordo após a decisão de saneamento e de organização do
processo. Ocorre, porém, que isso explicita certo planejamento jurisdicional ineficiente:
se o novo Código de Processo Civil amplia os custos administrativos ao prever a criação
de centros judiciários de solução consensual de conflitos (art. 165), por que situar
processualmente a conciliação ou mediação num momento em que as partes estão
menos abertas ao acordo? Ou, de outro modo, se o juiz pode oportunizar tal acordo
numa ocasião mais adequada com menor custo, para que criar, então, tais centros de
conciliação ou mediação?
A promulgação de uma nova lei sempre gera custos sociais. O custo decorrente do
processo legislativo é o mais evidente, mas não o único. Além dele, devem ser
computados, de modo prospectivo, os custos decorrentes de seu aprendizado pelos
profissionais do direito e pela sociedade em geral, os custos de adequação institucional
às novas exigências legais, os custos de uniformização e estabilização de outra
jurisprudência. Embora isso aconteça com qualquer lei, em se tratando de códigos, o
impacto econômico é ainda maior. O somatório de recursos despendidos com a
aprovação de um novo Código de Processo Civil, por exemplo, só é justificável diante da
expectativa de que o custo social global será superado, a médio e longo prazo, pelos
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benefícios por ele gerados.
Por isso, estudos econômicos costumam comparar o processo legislativo com uma
decisão de investimento sob incerteza. Primeiro, porque não é possível prever o quanto
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O novo Código de Processo Civil e a redução dos custos
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uma nova processualística civil atenderá à demanda social, nem por quanto tempo
poderá fazê-lo, já que a sociedade é dinâmica. Com isso, a lei é um investimento
potencialmente irrecuperável (sunk costs) diante do risco de sua inadequação, de sua
ineficiência, ou ainda, de sua revogação em tempo exíguo, insuficiente, portanto, para
gerar os retornos esperados. Em relação ao novo Código de Processo Civil, por exemplo,
a reação da magistratura diante da exigência de que o julgador deverá enfrentar, na
decisão, todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão por ele adotada (art. 489), reação consubstanciada, inclusive, em enunciados
aprovados em um seminário organizado pela Escola Nacional de Formação e
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Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), parece indicar que o investimento envolvido
na elaboração do referido artigo pode não gerar o ganho esperado. Por fim, aplicar
recursos na elaboração de uma nova lei requer análise da melhor oportunidade para
fazê-lo, levando em conta, inclusive, os custos envolvidos no adiamento de tal
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investimento.
Parece que os legisladores entenderam que este era o momento adequado para tal
investimento. Será ele capaz de reduzir o custo social da litigância? Este artigo
pretendeu demonstrar que as propostas de consolidação de um capital jurídico e de
redistribuição do custo temporal do feito entre as partes podem gerar retornos
jurídico-sociais mais consistentes do que a instituição da audiência de conciliação ou
mediação nos moldes então propostos. Porém, somente a prática social e o exercício
forense poderão dar as respostas mais definitivas. Enquanto isso, diante da incerteza de
retorno do investimento legislativo, fica a convicção de que às vezes é preciso
empreender, mesmo no direito - principalmente quando o ganho esperado é o de
incremento da justiça.
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2 Sobre as ondas do movimento pelo acesso à justiça, cf. Mauro Cappelletti; Bryant
Garth. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 1998.
3 Cf. Alexandre dos Santos Cunha et al. Custo unitário do processo de execução fiscal na
Justiça Federal: relatório de pesquisa. Brasília: Ipea; CNJ, 2011. p. 25.
4 A frase é uma releitura de outra dita por Ellen Gracie, ex-Ministra do Supremo Tribunal
Federal, em 2011: "Precisamos saber quanto custa um processo. Antigamente alguém
que falasse nisso era imediatamente estigmatizado, sob o argumento de que a Justiça
não tem preço. Ora, a Justiça não tem preço, a liberdade de alguém não tem preço, mas
tem custo. É preciso pagar o juiz, o promotor, etc, e tudo isto tem custo, e quem paga é
o povo" (Ellen Gracie. Entrevista. Desafios do desenvolvimento. Brasília, n. 68, nov.
2011).
7 Por todos, cf. Brasil. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas.
Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília: Senado Federal, 2010. p. 12.
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O novo Código de Processo Civil e a redução dos custos
sociais da litigância
14 Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso... v.1,
op. cit., p. 568-570.
19 Cf. arts. 926 e 927 do novo CPC. Para todos: Brasil. Lei 13.105, de 16 de março de
2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Brasília, a. CLII, n. 51, p. 43,
17.03.2015.
20 Ivo Teixeira Gico Jr. O capital jurídico e o ciclo da litigância. Revista Direito GV 9/448,
São Paulo: jul.-dez. 2013.
22 Sobre ciclo de litigância, cf. Ivo Teixeira Gico Jr. O capital jurídico..., op. cit., p.
454-459.
24 Cf. art. 489, § 1.º, IV do novo Código de Processo Civil: Brasil. Lei 13.105, op. cit., p.
23.
civil. Revista Jurídica 7/137, Curitiba, 1993. Para outros autores que trabalharam a
relação entre processo e ideologia, cf. Ovídio Araújo Baptista da Silva. Processo e
ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004; Amilton Bueno de
Carvalho. Magistratura e direito alternativo. Rio de Janeiro: Luam, 1997; Carlos Alberto
Álvaro de Oliveira. Procedimento e ideologia no direito brasileiro atual. Ajuris: Revista da
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul 12/79-85, Porto Alegre, mar. 1985.
30 Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart. Processo de conhecimento. 9. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2011. vol. 2, p. 198.
32 A título de exemplo, cf. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel
Mitidiero. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento
comum. São Paulo: Ed. RT, 2015. vol. 2, p. 197-198.
33 Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso... vol.1,
op. cit., p. 393.
34 Arthur Cecil Pigou. The economics of welfare. London: Macmillan and Co.,1920, p.
25; Barak Y. Orbach. The durapolist puzzle: monopoly power in durable-goods markets.
Yale Journal on Regulation. vol. 21, n.1, p. 81, New Haven, wint. 2004.
35 Daniel A. Farber; Paul A. Hemmersbaugh. The shadow of the future: discount rates,
later generations, and the environment. Vanderbilt Law Review. vol. 46, n. 2, p. 277,
Nashville, mar. 1993.
39 Rogério Gesta Leal. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais: aspectos
introdutórios. Brasília: Enfam, 2010. p. 55.
41 Cf. Robert Cooter; Thomas Ulen. Direito e economia, op. cit., p. 422: "Se o valor
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O novo Código de Processo Civil e a redução dos custos
sociais da litigância
43 Sobre, cf. Antonio Celso Fonseca Pugliese; Bruno Meyerhof Salama. A economia da
arbitragem:escolha acional e geração de valor. Revista Direito GV. vol. 4, n. 1, p. 15-27,
São Paulo, jan.-jun. 2008.
44 Geoffrey C. Hazard Jr. Discovery and the role of the judge in civil law jurisdictions.
The Notre Dame Law Review. vol. 73, n. 4, p. 1018-1019, Notre Dame, 1998.
45 Geoffrey C. Hazard Jr. Discovery and the role of the judge..., op. cit., p. 1020.
46 Sobre os desafios que a eletronic discovery gera para a melhor alocação dos custos
do pretrial, cf. Brittany Kauffman. Allocating the costs of discovery: lessons learned at
home and abroad. Denver: Iaals, 2014.
47 Sobre tal caráter prioritário, cf. Brasil. Código...: anteprojeto, op. cit., p. 22:
"Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que
produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim
ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva
das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não
imposta pelo juiz".
49 Para todos, cf. Daniel Mitidiero. A colaboração como norma fundamental do Novo
Processo Civil brasileiro. Revista do Advogado. vol. 35, n. 126, p. 49-50, São Paulo,
maio 2015.
50 Daniel Kahneman; Amos Tversky. Prospect theory: an analysis of decision under risk.
Econometrica. Hoboken, vol. 47, n. 2, p. 263-292, mar. 1979.
52 Sobre o custo social do processo legislativo, cf. Rachel Sztajn; Érica Gorga. Tradições
do Direito. In: Decio Zylbersztajn; Rachel Sztajn (org.). Direito e Economia: análise
econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 177.
54 Francesco Parisi; Nita Ghei. Legislate today or wait until tomorrow? An investment
approach to lawmaking. Legal Studies Research Paper Series. 7-11/1-36, Minneapolis,
jun. 2006.
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