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A sustentabilidade como tema controverso

Segundo Cunha(2010), a palavra sustentável tem origem no latim


"sustentare”, que significa sustentar, apoiar e conservar. A partir da etimologia
proposta por Cunha, o termo-base possibilita entendermos que sustentabilidade
(substantivo) está associado a qualidade de ser sustentável (adjetivo). Esta
qualificação, aparentemente redundante, nos leva a considerar que é necessário
a utilização de outra classe gramatical, o verbo, no caso sustentar. Então desta
forma compreendemos que está associado ao substantivo algum tipo de ação
em que se procura manter, apoiar ou dar continuidade a algum estado, qualidade
ou à uma ação. A partir destas considerações onde estão implícitos questão de
valores que envolvem a reflexão sobre uma determinada situação ou proposta
de ação, podemos discutir as relações entre os diferentes entendimentos de
sustentabilidade e a educação cientifica, em especial sua interface com o
movimento CTS (Ciência Tecnologia Sociedade).
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Para entender como estas movimentações estão relacionadas


precisamos revisitar as origens e as motivações do movimento CTS. Para tanto
começamos pelo relato de Santos & Mortimer (2002) quando citam o período
após 2ª Guerra Mundial como momento do surgimento de diferentes visões de
mundo, talvez isso se deva pelo contato entre a tecnologia norte-americana com
a tradição europeia, ocorrendo mudança do protagonismo eurocêntrico para o
um novo formato, o american way of live. Mas devemos entender que Santos &
Mortimer (2002) também citam um alongamento cronológico, onde estão
incluídos o período denominado de guerra fria, onde a maioria dos conflitos
armados não estão mais em território europeu, mas na Ásia. Como o
distanciamento dos territórios ditos ocidentais, muitos dos artefatos tecnológicos
desenvolvidos durante o período de conflito na Europa, onde não podiam ser
utilizados, foram largamente usados nas novas regiões de conflito. A diversidade
materiais vai desde substâncias desfolhantes em pó, passando por projeteis de
longo alcance até armas de destruição em massa. Junto à esse percurso
tecnológico, novas formas de comunicação foram desenvolvidas, tornando mais
ágil a troca de informações entre regiões até então desconhecidas e culturas
diferentes. Desta forma novas visões de mundo, em especial sobre as relações
entre tecnologia e ambiente foram sendo compartilhadas e incorporadas ao
pensamento ocidental.

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Comitantemente surgem questões de domínio territorial e influência


política e econômica durante ao longo período de conflito mundial, ocorrendo
uma polarização entre dois sistemas políticos e econômicos de abrangência
global, o capitalismo e o comunismo. Logo um novo de entendimento de mundo,
surge com um conjunto de fatores que conduzem a uma sociedade que agrega
valores e itens de cunho tecnológico e uma progressiva industrialização da
economia mundial, em especial, a ocidental. Tais considerações tem um reflexo
sobre compreensão de que a escola, e em especial seus currículos, deva
também refletir esse contexto, ou melhor, que tenham uma visão de mundo que
seja favorável àquele cenário histórico. Para Santos & Mortimer (2002), a
incorporação da reflexão e do surgimento de uma postura crítica, citando Waks
(1990), quando do:

“O agravamento dos problemas ambientais pós-guerra, a tomada de


consciência de muitos intelectuais com relação às questões éticas, a
qualidade de vida da sociedade industrializada, a necessidade da
participação popular nas decisões públicas, estas cada vez mais sob
o controle de uma elite que detém o conhecimento científico e,
sobretudo, o medo e a frustração decorrentes dos excessos
tecnológicos propiciaram as condições para o surgimento de
propostas de ensino CTS” (Santos & Mortimer, 2002)

Devemos também lembrar que diversos autores alertam, em especial,


para o excesso de confiança na tecnologia e suas soluções e de que a atividade
industrial não acarreta danos. Como referência clássica neste aspecto, citamos
a bióloga e ecologista americana Rachel Carson em seu livro “Primavera
Silenciosa”, publicado em 1962, onde documentou os efeitos deletérios dos
pesticidas no ambiente, particularmente em aves. Podemos elencar também
agrônomo brasileiro José Lutzenberger, que participou ativamente na luta pela
preservação ambiental. Então já no final da década de 1960 já existe uma
postura em relação ao papel social da escola, que surge questionando não
apenas a materialidade da tecnologia mas também as concepções de ciência,
tecnologia e sociedade que estavam implícitas neste mundo pós-conflitos.

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WAKS, L. J. (1990). Educación en ciencia, tecnología y sociedad: origenes, desarrollos
internacionales y desafíos actuales. In: MEDINA, M., SANMARTÍN, J. (Eds.). Ciencia,
tecnología y sociedad: estudios interdisciplinares en la univeridade, en la educacíon y en la
gestión política y social. Barcelona, Anthropos, Leioa: Universidad del País Vasco.
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Este novo cenário conduz a acontecimentos cujas as consequências


permeiam fatos de ordem social. Podemos citar os movimentos estudantis na
Europa na década de 1960 e a popularização de aparatos tecnológicos. Estes
movimentos levam em direção ao questionamento sobre o real papel da ciência,
da tecnologia e seus aparatos, em especial a reflexão sobre quais os valores
que permeiam aquele momento histórico.
Diante discussões surge o movimento CTS, não como uma perspectiva
de estrutura curricular, mas como questionamento amplo que se dirige aos
diversos setores da sociedade em busca de respostas sobre as relações que
existiam naquele contexto. Citando Santos (2011) que se baseia nos escritos de
de Aikenhead (2005), onde mostra a aproximação do movimento CTS e as
questões ambientais e uma proposta de educação com este enfoque:

“Essa vinculação de CTS com o movimento ambientalista, desde


sua origem, é reconhecida por Aikenhead (2005) e é evidenciada
nos textos clássicos de educação CTS no ensino de ciências que
expressam uma preocupação com o desenvolvimento de ações
comprometidas com questões ambientais”

É importante lembrar que estes movimentos tem origem em centros que


estão mais adiantados tecnologicamente, para tanto recorremos a Santos &
Mortimer (2002) que citam Layton (1994):

O cenário em que tais currículos foram desenvolvidos


corresponde, no entanto, ao dos países industrializados, na
Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, em que
havia necessidades prementes quanto à educação científica e
tecnológica (LAYTON, 1994).

E nisto podemos observar que além de dois sistemas político-econômico


mundiais, temos gradações internas. Criando um paralelo com um corpo
humano, alguns são membros centrais e de comando e outros apenas
periféricos. Retornando ao cenário mundial, temos então áreas centrais e países
periféricos que estão nas áreas de influência daqueles. Esta influência não está
apenas associada a questões econômicas, mas pode ser observada pela
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LAYTON, D. (1994). STS in the school curriculum: a movement overtaken by history? In:
SOLOMON, J., AIKENHEAD, Glen. STS education: international perspectives on reform. New
York: Teachers College Press. p.32-44.
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importação de itens culturais destas sociedades centrais e a assimilação pelas


culturas periféricas
Mesmo com diversas entidades alertando sobre a finitude dos recursos
naturais, em especial, a Rede WWF (World Wildlife Fund), criada em 1961,
muitas formas de reestabilizar a este novo status tecnológico foram utilizadas.
Uma das primeiras tentativas foi o “5S”, que é um método, ou antes, uma
filosofia, de administração japonesa e se refere à inicial de cinco palavras: Seiri,
Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke. A filosofia dos 5S busca promover, através
da consciência e responsabilidade de todos, disciplina, segurança e
produtividade no ambiente de trabalho. Cada uma das cinco palavras representa
uma etapa do programa de implantação do 5S, ou então, como também podem
ser chamados os cinco “sensos”: Elencamos também o Just In Time, outro
sistema de administração da produção que determina que nada deve ser
produzido, transportado ou comprado antes da hora exata. Pode ser aplicado em
qualquer organização, para reduzir estoques e os custos decorrentes. Podemos
observar pontos de contato entre essas duas formas de organização de
produção, mas destacamos que ambos não fazem uma reflexão crítica sobre a
atividade desenvolvida, mas apenas a maximizam.
Desta forma para completar os exemplos acima trazemos a perspectiva
de sustentabilidade. Semelhante as anteriores, também é uma visão em que não
há o questionamento sobre a origem de tal proposta, apenas são elevadas a
posição de “moda” ou tendência, durante um período em que satisfaça
determinadas condições. Uma das concepções que acompanham a
sustentabilidade estão as ideias de cunho ambiental, aproximando, desta forma,
das origens do movimento CTS (AikenHead,1994). Então a sustentabilidade se
mostra como um tema que se adapta a diversos contextos: ambiental, ecológico,
empresarial, social, político, escolar, entre muitos outros.
É importante considerar que assuntos como meio ambiente, e seus
entornos estão associados a outro conceito que surge em função da crescente
urbanização das cidades e o uso de recurso naturais, a responsabilidade, em
especial, o surgimento da noção do outro, ou seja a responsabilidade social com
foco na coletividade. Então temos a conjugação de fatores que se imbricam
sobre o termo sustentabilidade, tornando-se em um termo composto
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sustentabilidade-desenvolvimento, ou como surge em diversos documentos de


balizam as políticas públicas, o desenvolvimento sustentável.
A adição do termo desenvolvimento advém de diversos setores da
sociedade que entende que o atual estágio de desenvolvimento tecnológico
humano necessita garantir atual padrão de vida sem que recursos naturais do
planeta sejam prejudicados.
Vaz (2009) citado Simon (1999) nos permite compreender o sentido de
sociedade e indiretamente à uma ideia de tecnologia:

“Sociedade é um corpo orgânico estruturado em todo s os níveis da


vida social, com base na reunião de indivíduos que vivem sob
determinado sistema econômico de produção, distribuição e consumo,
sob um dado regime político, e obediente a normas, leis e instituições
necessárias à reprodução da sociedade como um todo (SIMON, 1999)

Vaz (2009), também cita Santos e Mortimer (2002) que entendem a


educação como meio de compreensão desta sociedade, ou como estes autores
sugerem “mundo contemporâneo”:

“alfabetizar, portanto, os cidadãos em ciência e tecnologia é hoje uma


necessidade do mundo contemporâneo. Não se trata de mostrar as
maravilhas da ciência, como a mídia já o faz, mas de disponibilizar as
representações que permitam ao cidadão agir, tomar decisão e
compreender o que está em jogo no discurso dos especialistas. Essa
tem sido a principal proposição dos currículos com ênfase em Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)”. Santos e Mortimer (2002)

Então temos uma conexão entre as questões ambientais, umas das


motivações originais do movimento CTS e a necessidade do entendimento do
entorno social. Merryfield (1991) apud Santos e Mortimer (2002), já apontava
que a inclusão, no currículo, de temas globais, observando que tais assuntos
podem interferir sobre a vida das pessoas.
Mas Santos(2011) alerta:

Os diferentes slogans que vêm sendo usados na educação científica,


embora apresentem características comuns, têm enfatizado aspectos
diversificados de seu foco, o que induz a concepções divergentes que
precisam ser clarificadas.
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SIMON, I. A revolução digital e a sociedade do conhecimento, março, 1999. Disponível em:
http://www.ime.usp.br/~is/ddt/mac333/aulas/tema-1-04mar99.html. Acesso em 20/09/2007.
MERRYFIELD, M. M. (1991). Science-technology-society and global perspectives. Theory into
Practice, v. 30, n. 4, p.288-293.
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Então a partir dos autores acima é possível entendemos que considerar a


sustentabilidade como uma perspectiva de tema para educação cientifica com
enfoque CTS, com especial destaque nas questões ambientais, é contraditório.
Esta forma de conceber uma atividade para o contexto escolar focando apenas
no aspecto natural e ambiental é orientar para uma visão de mundo, na qual não
há um questionamento sobre o modo de produção, ou seja, não estaremos
questionando valores inseridos no tema.
Esta concepção sugere que a justificativa para considerar a relação com
o movimento CTS é apenas superficial. Solomon (1988) sugere uma abordagem
diferenciada. O autor insere a ideia de temporalidade, enfocando, que além do
aspecto imediatista do assunto, há necessidade que tal proposta tenha interface
com a ciências humanas, no qual possa ser explorado caráter provisório e incerto
das teorias científicas.
Seguindo uma percepção semelhante, procurando relacionar o CTS com
a educação científica, Auler e Delizoicov (2001), organizam os currículos em
duas classes: o reducionista e o ampliado. Para estes autores a primeira classe
contribui uma compressão “salvacionista da ciência e da tecnologia. Já a
segunda se caracteriza pela discussão do modelo vigente no qual o tema está
inserido.
Desta forma entendemos que a proposta da inclusão do tema
sustentabilidade com base de uma proposta de currículo com enfoque CTS é no
mínimo contraditória. Então sugerimos a inclusão do assunto sustentabilidade
como uma questão controversa, já que o movimento CTS preconiza que o
entendimento de mundo seja discutido em conjunto dos conceitos que emergem
da ciência para que possamos refletir não sobre as questões ambientais ou
sociais que são tão evidentes, como por exemplo, o aquecimento global ou a
mobilidade urbana, mas sim sobre os modos de produção.
Propomos então que a sustentabilidade não seja a questão principal, pois
entendemos que no cerne deste conceito está inserida a manutenção de atual
modo de produção e não uma real mudança de valores como sugere a educação
cientifica com enfoque CTS. Para tanto citamos Bigliard e Cruz (2007, p. 128)
apud Vaz(2012) que observam que

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BIGLIARDI, R. V.; CRUZ, R. G. O papel da educação ambiental frente á crise civilizatória atual.
Ambiente & Educação, Rio Grande, v. 12, p. 127-141, 2007.
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“[...] sociedade atual, caracterizada pelo modo de vida capitalista, e


orientada para o consumo, vem tratando os recursos naturais como
fonte de matéria-prima para seu consumo e entendendo o ambiente
natural como depósito para seus resíduos”.

Compartilhando o exposto por Vaz(2012) que para a compreensão da


sustentabilidade como tema inserido no planejamento escolar é necessário a
compreensão do percurso histórico do desenvolvimento da sociedade e quais
são os valores que incluídos nos padrões de consumo impostos pelo modo de
produção vigente. Desta forma indo ao encontro do que se propõem o
movimento CTS e articulando-se à educação cientifica propomos a
sustentabilidade como noção de formação de cidadãos que possam avaliar
todas as implicações que o assunto possa originar, provocando a reconstrução
de valores que diálogam entre o campo social, econômico e político. Sendo,
então não apenas com tema articulador mas uma possibilidade de
questionamento do paradigma atual de desenvolvimento.

Referências

AIKENHEAD, Glen S. Research, into STS science education. Educación


Química, v. 16, n. 3, p. 384-397, 2005. Também publicado com permissão na
Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 9, n. 1, p. 1-21,
2009

AIKENHEAD, Glen. What is STS science teaching. STS education:


International perspectives on reform, p. 47-59, 1994.

AULER, Décio; DELIZOICOV, Demétrio. Alfabetização científico-tecnológica


para quê?. Ensaio pesquisa em educação em ciências, v. 3, n. 2, p. 1-13,
2001.

DA CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico Nova Fronteira da


língua portuguesa. Nova Fronteira, 1982.

DE VASCONCELOS, Elizandra Rêgo; DA SILVA FREITAS, Nádia Magalhães.


O paradigma da sustentabilidade e a abordagem CTS: mediações para o
ensino de ciências. Amazônia: Revista de Educação em Ciências e
Matemáticas, v. 9, n. 17, 2014.

DOS SANTOS, Wildson Luiz Pereira; MORTIMER, Eduardo Fleury. Uma


análise de pressupostos teóricos da abordagem CTS (Ciência-Tecnologia-
9

Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio Pesquisa em


Educação em Ciências, v. 2, n. 2, p. 1-23, 2000.

SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos; AULER, Décio. CTS e educação científica:
desafios, tendências e resultados de pesquisa. Editora Universidade de
Brasília, 2011.

SOLOMON, J. (1988). Science technology and society courses: Tools for


thinking about social issues. International Journal of Science Education, v. 10,
n. 4, p.379-387.

VAZ, Caroline Rodrigues; FAGUNDES, Alexandre Borges; PINHEIRO, Nilcéia A.


Maciel. O surgimento da ciência, tecnologia e sociedade (CTS) na educação:
uma revisão. Anais do I Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e
Tecnologia, Curitiba, 2009. “

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