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2018/1º Semestre
O FETICHISMO NA OBRA MARXIANA: A CONTRADIÇÃO DO TRABALHO NA
SOCIEDADE MODERNA.
1. Objetivos:
2. Justificativa:
Nosso tema de pesquisa se inscreve num espinhoso de debate que se segue desde
a publicação dos Manuscritos Econômico-filosóficos. Não intentamos em esgotar a discussão,
mas apenas contribuir no inventário dessa discussão decisiva para a marxologia. O tema aqui
em discussão foi tratado pela melhores cabeças do marxismo do século XX, como Kosik,
Fausto, Giannotti, Postone, Lukács, Marcuse, Adorno, etc. Soma-se a importância desse
trabalho que sua condição de possibilidade só foi posta em inicios do século XX, quando da
publicação de três textos aqui analisados. Os Manuscritos e a Ideologia alemã em 1932 e os
Grundrisse em 1939. Isto equivale a dizer que muitos dos clássicos do marxismo não
puderam se inserir nesse debate.
1
Essa periodização sobre a constituição do pensamento de Marx está fundamentada em Mandel (1968,
p.54-68).
O trabalho a que nos propomos tem o ponto positivo em tematizar a exposição
d’O capital sempre levando em conta a dinâmica do trabalho enquanto categoria ontológica
do ser social e sua distinção historicamente determinada, por isso o aspecto da dominação do
trabalho pelo capital nos é tão cara. De modo mais direto podemos dizer que os grandes temas
de nosso trabalho são o trabalho e a alienação (pois o fetichismo aqui está inscrito como
Entfremdung) na obra de Karl Marx. Especificamente há uma pergunta que nos propomos a
responder: é possível tematizar o fetichismo sem fazer a crítica do trabalho sob a forma
burguesa de produzir? Ou, dito de outra forma: é possível criticar a forma burguesa de
produzir de outro modo que não a partir da ontologia do ser social? Subjacente a essa
pergunta, também nos propomos a pensar se a crítica marxiana é de viés normativo ou
ontológico. Ou seja, se o aspecto crítico da obra marxiana parece ser um ponto pacífico entre
as diversas interpretações, seu estatuto não parece gozar de igual pacificidade. Embora pareça
não haver objeções à postura ética de Marx na dedicação de sua vida a seu projeto teórico, e
que nunca deixou de ser prático, procuraremos discutir se seu texto também pode ser
enquadrado como ético. Falemos agora uma explanação do tema e do nosso percurso proposto
2.1.
O traço distintivo desse novo modo de vida é que esse número cada vez maior de
pessoas só pode conquistar as condições mínimas de vida desde que se submetam ao novo
regime de trabalho, e tudo mais que ele implica (como as relações jurídicas e o sistema
político, por exemplo). O ineditismo desse modo de vida, notavelmente moderno, marca o
aparecimento dos homens despidos de qualquer outra característica social além da máscara de
compradores e vendedores, mas ambos possuidores; mesmo que a única posse de uma das
partes seja apenas a posse de si mesmo.
Todavia, só quando esse novo modo de vida se consolida é que a condição de
possibilidade de sua crítica científica é posta. Justamente nesse período (1841-1842) é que
Karl Marx faz suas primeiras incursões nos problemas dessa sociedade, que ali assumem um
caráter local e versam, sobretudo, sobre a polêmica da Dieta Renana sobre o roubo de lenha,
sobre a liberdade imprensa e sobre a miséria dos vinhateiros do Mosela2.
Embora sejam textos de muita riqueza e que suscitam muito debate, optamos por
seguir a periodização sugerida por Chasin (2009; p.63) e separar o período da produção
intelectual de Marx entre os textos redigidos antes da Crítica da filosofia do direito de Hegel
e os subsequentes. Isso porque, em linhas gerais, neste meio tempo, Marx rompe com sua
filiação a uma filosofia da autoconsciência com fortes marcas de um “idealismo ativo”
(CHASIN, 2009, p.45) para estabelecer um novo patamar de reflexão. Ao contrário da
posição do idealismo ativo, que propõe a reforma do mundo a partir da consciência supondo
uma identificação entre ambos, a nova posição de Marx parece mostrar-se muito mais
fecunda.
2
Cf. MARX, 1982, p.173-318
analisaremos e (2) define a abordagem da obra de Marx a que nos propomos. No
desenvolvimento do texto especificaremos melhor (1).
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Embora, conforme argumenta Lukács (Ibidem, p.144), a aplicação da virada materialista aos
problemas do Estado seja, em certo sentido, uma superação do materialismo de Feuerbach. Isto
porque, entre outros motivos, depois de sua experiência na Gazeta Renana, Marx pôde rechaçar “[...]
como ingênuo o único aforismo das Teses que tratava de questões políticas” (Idem).
inconsciente e arbitrário”. Em seguida explana: “Família e sociedade civil aparecem como o
escuro fundo natural donde se acende a luz do Estado. Sob a matéria do Estado estão as
funções do Estado, bem entendido, família e sociedade civil, na medida que elas formam
partes do Estado, em que participam do Estado como tal”.
Hegel entende essa relação de outra maneira. Para ele, “Família e sociedade civil
são apreendidas como esferas conceituais do Estado e, com efeito, como as esferas de sua
finitude, como sua finitude”. Assim, o Estado, a partir de si, se divide para mediar-se. Disso
Marx conclui fazendo uma síntese do procedimento de Hegel:
Na sequencia desse trecho há uma assertiva que parece ser de grande importância
para o desenvolvimento de nosso tema: “Aqui aparece claramente o misticismo lógico,
panteísta” (MARX, 2013b, p.35). Portanto, se nos é permitida uma definição, é preciso
expressá-la como o misticismo/especulativo sendo o modo que expõe a realidade ao contrário,
o predicado tornado sujeito, a realidade tomando uma significação distinta, a aparência
tomada como essência.
Não obstante, Marx reconhece o mérito de Hegel, pois “[...] ele percebe a
separação da sociedade civil e da sociedade política como uma contradição” (Ibid. p.99). Isso
se dá porque Hegel compreende que ao contrário da Idade média, onde sociedade civil e
Estado recebiam uma mesma significação (Ibid., p.95), a contradição dessas esferas é um
advento moderno (Ibid.,p.58). Daqui Marx mostra que Hegel toma a primazia do Estado sobre
a sociedade civil porque concebe de maneira acrítica a realidade seu tempo (Ibid., p.62).
Neste contexto surge nosso segundo tema. Ao constatar que o Estado moderno é o
reconhecimento da separação entre Estado sociedade civil, Marx alude a algumas
características da sociedade moderna e afirma que o Estado político é a realização da
alienação política (Ibid., p.57, 58, 123). Neste particular pouco importa que Marx coloque um
tipo de democracia como possibilidade de superação (Ibid., p.56). Há que se reter que, por
todo o texto, Hegel opera a separação da sociedade civil da esfera da política. Por isso é
preciso que se dê a mediação entre as esferas. Donde que “A abstração do Estado como tal
pertence somente aos tempos modernos porque a abstração da vida privada pertence somente
aos tempos modernos. A abstração do Estado político é um produto moderno” (Ibid.,p.58).
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Se em relação ao aspecto teórico podemos nos referir ao pouco conhecimento de Marx sobre
Economia Política (que à época ele chama ainda de Economia Nacional), no que diz respeito à
sistematicidade temos que levar em conta que os Manuscritos nunca foram mais que glosas para
autocompreensão do autor sobre a matéria. O desenvolvimento intelectual de Marx mostra que a
redação era parte do método de compreensão.
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A discussão sobre as possibilidades de tradução de Entfremdung é viva e muito influente na
bibliografia atual. Não me proponho a discuti-la no trabalho, mas apenas indicar que me parece
razoável as justificativas contidas em LESSA, S. Alienação e estranhamento. IN: MARX, K.
Cadernos de Paris & Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão popular,
2015.
categoria central da “exposição ontológica” é a de trabalho. O próprio Marx é taxativo neste
particular. Ele assim se expressa:
Esse trecho que aqui reproduzimos é de todo interesse, pois nele há uma série de
formulações fecundas (LUKÁCS, 2009, p.181) que serão desenvolvidas posteriormente por
Marx. Fiquemos com uma delas para estabelecer um liame para o próximo ponto. Como já
dissemos, o que Marx pretendia explicar nos Manuscritos era o motivo das relações sociais se
darem de maneira alienada, por quais mediações elas passavam. Ao descobrir a categoria de
trabalho como traço específico do ser social6 ele pôde explicar o desenvolvimento do homem
como autodesenvolvimento e a característica que sua especificidade recebe na sociedade
moderna: a do trabalho alienado. Isso implica que percorrendo as formas de
autodesenvolvimento do homem se tem sua história sob bases materialistas e não mais sob o
desenvolvimento do espírito. Esse é o objeto d’A Ideologia alemã.
Recuperemos de maneira muito breve os temas que nos ocupamos até agora na
obra anteriormente citada. Ao criticar os filósofos alemães por reduzirem todos os problemas
reais à problemas da autoconsciência e colocarem nesta a possibilidade de sua superação,
Marx retoma a ideia de que a possibilidade de explicação e superação dos fenômenos reais só
podem se dar sob bases reais/materiais (MARX; ENGELS, 2007, p.29). Em seguida crítica
Feuerbach pelo seu materialismo contemplativo e de o abandoná-lo quando necessita recorrer
à história (Ibid., p.32). Então, após expor os pressupostos para qualquer reconstituição
materialista da história (reconstituição que, seguindo a ideia dos Manuscritos, visa a explicar
o estado das relações sociais) conclui que as relações se explicam pela forma que a divisão do
trabalho assume nessa sociedade e que está hipotecada à divisão entre trabalho matéria e
intelectual (Ibid., p35). Isto posto, Marx afirma:
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Ao Marx falar de ser social, natureza orgânica e inorgânica não podemos deixar de notar que Lukács
parece ter acertado quando diz que os enunciados de Marx versam sempre sobre um certo tipo de ser,
o social (LUKÁCS, 2013, p.281).
[...] enquanto a atividade por consequência, está divida não de forma
voluntária, mas de forma natural, a própria ação do homem torna-se um
poder que lhe é estranho e que a ele é contraposto, um poder que subjuga o
homem em vez de por este ser dominado (Ibid., p.37)7.
Portanto, mesmo que Marx demonstre algum desprezo pelo termo alienação
quando diz que “Essa ‘alienação’ [Entfremdung] para usarmos um termo compreensível aos
filósofos, só pode ser superada, evidentemente, sob dois pressupostos práticos” (Ibid., p.38), o
complexo de problemas descrito por ele continua a ser o mesmo que quando ele lançava mão
do termo nos Manuscritos. Vejamos:
Esse fixar-se da atividade social, essa consolidação de nosso próprio produto
num poder objetivo situado acima de nós, que foge ao nosso controle, que
contraria nossas expectativas e aniquila nossas conjeturas, é um dos
principais momentos no desenvolvimento histórico até aqui realizado. O
poder social, isto é, a força de produção multiplicada que nasce da
cooperação dos diversos indivíduos condicionada pela divisão do trabalho,
aparece a esses indivíduos, porque a própria cooperação não é voluntária
mas natural, não como seu próprio poder unificado, mas sim como uma
potência estranha, situada fora deles, sobre a qual não sabem de onde veio
nem para onde vai, uma potência, portanto, que não podem mais controlar e
que, pelo contrário, percorre agora uma sequência particular de fases e
etapas de desenvolvimento, independente do querer e do agir dos homens e
que até mesmo dirige esse querer e esse agir (Idem).
Aqui parece que constatamos a primeira vez que Marx reconhece o caráter
historicamente determinado dos problemas que já lidara anteriormente e foi por nós
ressaltado.
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“Trata-se de uma visão grandiosa, que examina as leis que fizeram nascer o capitalismo, que analisa
seus méritos históricos (principalmente aquele de ter tornado possível a supressão de todas as classes,
graças a um impulso prodigioso das forças produtivas) e que assenta o movimento operário e o
movimento comunista sobre a base de uma análise que se quer rigorosamente cientifica, à base do
materialismo histórico” (Idem).
morais ou físicas, tornando-se valores venais, são levadas ao mercado para
que sejam apreciadas em seu mais justo valor. (MARX, 2017b, p.47)
Não cabe aqui uma reconstituição minuciosa do primeiro capítulo da obra magna
de Marx. Vamos apenas indicar a forma com que pretendemos sintetizar a parte principal de
nosso trabalho. Para isso seguimos, sobretudo, Geras (2005), Guedes (2014) e Rubin (1980).
No caso, Marx nos diz, como o fez antes, que a opacidade é uma qualidade
característica da própria sociedade capitalista, de modo que é da sociedade
que decorre a necessidade de uma metodologia capaz de desvendar a
aparência para revelar a realidade e, então, demonstrar, retroativamente, por
assim dizer, por que essa realidade deve revestir-se de uma aparência assim
(Ibid., p.215).
Então, seguindo as indicações dos autores, pode-se dizer que Marx, ao constatar a
mercadoria como um duplo de valor de uso e valor como polos complementares e antitéticos
(MARX, 2013, p.113-119) e da, também, duplicidade do trabalho representado nas
mercadorias (Ibid., p.119-124) percebe que é peculiar a essa forma social reconhecer a
igualdade dos trabalhos como igualdade objetiva do valor dos produtos do trabalho. Que a
medida do tempo de trabalho (Ibid., 124-146), que é comum a outras formas sociais, é
reconhecida unicamente como a “grandeza de valor dos produtos do trabalho (Ibid., p.147), E,
por último, que a relação entre os produtores de valor só possam entrar em contato
equiparando os valores de suas mercadorias. Com isso, tem-se que “[...]finalmente, as
relações entre os produtores, nas quais se efetivam aquelas determinações sociais de seu
trabalho, assumem a forma de uma relação social entre os produtos do trabalho” (Idem).
3. Metodologia
(1) Nosso trabalho não consistirá em uma apresentação sistemática das obras
completas. Não há tempo, espaço nem é esse nosso objeto. Procuramos apresentar somente os
temas da alienação e do fetichismo (e os complexos mais importantes a eles relacionados).;
(2) No decorrer de nosso trabalho, não lançaremos mão de justificar uma ou outra
leitura da obra de Marx. Essa discussão será tocada brevemente na conclusão, quando
abordaremos o estatuto da obra marxiana.
4. Cronograma
5. Bibliografia
____. O capital: livro I: crítica da economia política: o processo de produção do capital. São
Paulo: Boitempo, 2013a.
____. O capital: livro II: crítica da economia política: o processo circulação do capital. São
Paulo: Boitempo, 2014.
____. O capital: livro III: crítica da economia política: o processo global da produção
capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017a.
____. Capítulo VI (inédito). São Paulo: Livraria editora ciências humanas, 1978.
____. O rendimento e suas fontes – a economia vulgar. IN: Os Pensadores v. XXXV. São
Paulo: Abril Cultural, 1974.
CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,
2009.
FREDERICO, C. O jovem Marx: 1843-1844: as origens da ontologia do ser social. São Paulo:
Expressão popular, 2009.
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____. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013.
NAPOLEONI, Claudio; Liçoes sobre o capítulo VI (inédito) de Marx; São Paulo, Livraria
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PAULANI, L. Do conceito de dinheiro e do dinheiro como conceito. São Paulo: USP, 1991.
(Tese de doutorado)
VIEIRA, Z. Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx. Belo
Horizonte: UFMG, 2004
ARTETA, Aurelio. Marx: valor, forma social y alienación. Madrid: Libertárias, 1993.
CALVEZ, J-Y. O pensamento de Karl Marx. Porto: Tavares Martins, 1959 (2 v.)
De DEUS, Leonardo. Jovem Marx, 50 anos: alienação e emancipação. Ouro Preto: Amazon,
2014.
____. Marx em tempos de MEGA: os planos e o plano de O Capital. Estud. Econ., São Paulo,
vol.45, n.4, p. 927-954, out.-dez. 2015.
ESCURRA, Maria Fernanda. O trabalho como categoria fundante do ser social e a crítica à
sua centralidade sob o capital. Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas .
ISSN 1981-061X . Ano XI . out./2016 . n. 22
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1976.
LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012.
LUKÁCS, G. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
____. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009.
(Pensamento crítico).
____. Introdução ao estudo do método em Marx. São Paulo: Expressão popular, 2011.
____. “Lo que el trabajo esconde”. In: Repensando a Marx (en un mundo post-marxista).
Madri: Traficantes de Sueños, 2005, pp. 249-82.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Buenos Aires: CLACSO; São Paulo:
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