PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE
FICHA DE LEITURA: LAPLANTINE, François. A Pré-História da Antropologia e As
Tensões Constitutivas da Prática Antropológica. In: Aprender antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003. p. 23-38/149-164 Autor: François Laplantine Título: A Pré-História da Antropologia e As Tensões Constitutivas da Prática Antropológica Palavras-chave: cultura, antropologia, sociedade Tema central Abordagem da pré-história da antropologia, da necessidade do equilíbrio entre a imersão x distanciamento diante de cada sociedade e das tensões antropológicas provocadas diante dos conflitos da humanidade. Resumo do texto Contextualizando sobre a pré-história da antropologia, Laplantine questiona a condição do índio enquanto um ser selvagem e se ele pertence a humanidade. Ele aponta a expressão de opinião da sociedade com base em termos religiosos criando estereótipos que envenenam a antropologia e a forma como enxergamos o mundo. As figuras do Mau Selvagem e do Bom Civilizado tiveram força até o séc. XIX, revelando que a diversidade da sociedade humana não era vista como um fato, mas como uma aberração, exigindo uma justificativa. Ou seja, tudo que não era da helenidade (antiguidade grega) era bárbaro (selvagem) e severamente condenado pela sociedade. Disso, surge a dicotomia entre a Animalidade x Humanidade: de acordo com cada época, havia uma denominação para o ser ‘diferente’: natural/selvagem para os sécs. XVII e XVIII; já no séc. XIX, eram chamados de primitivos e nos dias atuais são apresentados como subdesenvolvidos. Este tipo de atitude expulsa a cultura para a natureza tudo aquilo que não participa da humanidade a qual pertencemos e nos identificamos, como cita Lévi-Strauss: “(...) é a mais comum a toda humanidade, e em JOSÉ ROBERTO SEVERINO – jseverino@ufba.br
especial, a mais característica dos ‘selvagens’” (p. 27-28).
Diante do confronto da extrema diversidade cultural existente entre os índios e os europeus, estes últimos identificam e julgavam este outro povo como “sem religião nenhuma”, detentores de uma linguagem ininteligível, que parecem “mais diabos”; com uma aparência física fora dos padrões - ‘andam nus’ - e com um comportamento alimentar vindo do imaginário do canibalismo - ‘comem carne crua’. O discurso do selvagem sobre a alteridade recorre à metáfora zoológica; abre o leque das ausências - “sem nada” (p.28). Assim, os índios são dotados de uma influência total - e negativa, segundo o outro - da natureza: sempre colocados com raça inferior, sem história e condenados a permanecer fora do movimento da história. Antigo x Novo Mundo / Estúpidos x Humanidade → seres diferenciados. A sociedade nunca esteve preparada para compreender o diferente. Laplantine debate, segundo àqueles que se consideram a humanidade, a África como a civilização mais nitidamente inferior entre todas. Há uma “falta absoluta de tudo” (p.30) e um grande fosso em relação à humanidade. Para Hegel, essa situação “expõe o horror que ele ressente frente ao estado de natureza, que é o desses povos que jamais ascenderão à história e a consciência de si”. O negro cai para nível de outra coisa, de um objeto sem valor (p.31). Não tem importância nem representação sociológica. No capítulo As Tensões Constitutivas da Prática Antropológica, é discutido 3 tensões, as quais geram contradições estimuladoras. A primeira é O Dentro e O Fora: o universo antropológico revela muitas tensões opondo universalidade x diferença - compreensão por dentro e por fora. E revela que sempre há um pólo dominante. Laplantine discute a necessidade do etnólogo em conviver e impregnar-se com o objeto, enquanto modo de pensamento dessa sociedade, deixando-se naturalizar por ele. Depois dessa aproximação, é preciso distanciar-se (que é próprio da linguagem científica) e entender a forma como vivem, pensam e o que “escapa” nessa sociedade. O papel do etnólogo é tornar estranho o que parece familiar para aqueles autores (p.150). Segundo o autor, Lévi-Strauss faz ainda uma analogia entre a antropologia e a astronomia, pois a primeira também possui um caráter distante e microscópico em sua abordagem: “Astronomia das Ciências Sociais”(p.151). Outra tensão é a Unidade e a Pluralidade: a unidade do gênero humano, revelando que JOSÉ ROBERTO SEVERINO – jseverino@ufba.br
há costumes, instituições, comportamentos estranhos (diferentes) a cada sociedade.
Essa tensão entre unidade da cultura e a diversidade das culturas aponta que as diferenças são irredutíveis e importantes para a convivência humana. Para Laplantine, “quanto mais uma sociedade tende a uniformizar-se, mais tende simultaneamente a diversificar-se” (p.154). Para ele, a cultura popular no nordeste do Brasil resiste notadamente à cultura dominante e ainda consegue se impor a esta. Voltando a Hegel, o autor levanta a ideia de que o outro é radicalmente o outro, fazendo o embate entre as sociedades selvagens x sociedades históricas. A condição de determinados grupos sociais é tão precária que, para o autor, apenas o índio é capaz de compreender o índio; e isso também vale para a mulher e o negro. É preciso compreender que a relação entre culturas distintas é extremamente rica e produtiva para a humanidade, pois “O outro é um figura possível de mim, como eu dele” (p.156). A última tensão é o Concreto e o Abstrato. Nela, o autor discute o perigo em se trabalhar apenas com fatos, sem enxergar o que está por trás de cada ação, gesto e até mesmo o silêncio. Para o antropólogo, a atividade é claramente teórica, construção de um objeto que não existe na realidade; o abstrato só pode ser compreendido a partir de uma realidade concreta, realizada por nós mesmos (p.157). A teoria científica nunca é reflexo do real, e sim de uma construção do real. Por isso, há um paradoxo, já que se imprime um olhar, observações e interpretações - antropologia como um projeto de um discurso comunicacional dos seres e das suas culturas. Observações pessoais sobre o texto O autor levanta o questionamento de como a humanidade não consegue se enxergar em nada e ninguém que seja diferente dela. E que, se é diferente de mim, não tem validade e importância alguma - e como isso ainda é atual. As tensões provocadas pela alteridade são complexas e geram inúmeras diferenças culturais e sociais, levando a uma “cegueira” e um isolamento cultural e social, ao passo que a humanidade tem muita resistência e dificuldade em se colocar no lugar do outro.
Salvador, 27 de Junho de 2017
Alunos do Seminário: Antônio Teófilo, Bruna Lopes, Lea Maria Botelho