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AMBIENTAL DA CRISE.
Resumo
O presente artigo enuncia fundamentos para uma crítica aos pressupostos teóricos da Ecologia
Política, frente à emergência da questão ambiental. A partir da apresentação das principais
correntes ambientalistas, é feita a sua crítica de acordo com autores marxistas que mostram as
limitações conceituais e políticas na análise da “crise ambiental”. O centro argumentativo
consiste em demonstrar a centralidade do trabalho no intercâmbio material entre os seres
humanos e a natureza, além do papel de mediação das relações sociais de produção
capitalistas nesse processo. Daí concluem a necessidade de superação do capitalismo e da
emancipação do trabalho para a efetiva solução dos problemas ambientais.
Palavras-Chave: Centralidade do trabalho; relações sociais de produção; Ecologia Política;
crise ambiental.
Abstract
The present article lays out the foundations for a criticism of the theoretical assumptions of
Political Ecology as it faces the emerging environmental problem. The main environmentalist
schools are presented and criticism is made in accordance with Marxist authors who point out
the conceptual and political limitations of the analysis of the “environmental crisis”. The
argument centres on demonstrating the centrality of labor in the material exchange between
humans and nature and the mediating role of capitalist social relations of production in the
process. Hence the need for the overcoming of capitalism and the labor’s emancipation if the
environmental problems is to be effectively solved.
Keywords: centrality of labor; social relations of production; Political Ecology;
environmental crisis.
Introdução
Nos tempos modernos o extermínio dos bisontes e das focas-
bebé tem apenas como causa o facto de a sua pele ser um
mero valor de troca, dinheiro. Só o reinado desta relação
social muito precisa explica estes massacres; não a
industrialização, nem o “produtivismo”, ainda que o seu
instrumento tenha sido a espingarda.
Tom Thomas
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Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas, na Área de
Concentração Trabalho, Cultura e Ambiente, na Linha de Pesquisa em Sociologia do Trabalho. Endereço
eletrônico: iraldomatias@yahoo.com.br.
2
Graduando do Bacharelado em Filosofia da Universidade de São Paulo. Endereço eletrônico:
ruiaugustomc@yahoo.com.br.
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Para Marx (1984b), o conceito de condições gerais de produção abrange as “condições de existência e de vida
do trabalhador”; as “condições naturais ou externas de produção” (os recursos naturais); e “condições gerais, ou
comunitárias de produção” (relativas à infraestrutura urbana e ao espaço da produção). Na perspectiva do capital,
as dificuldades no abastecimento e manutenção de quaisquer destas condições podem diminuir a produtividade
do trabalho, além de afetar diretamente os custos da produção e, portanto, a taxa de lucro. Para uma análise
detalhada da importância das condições gerais de produção no capitalismo ver Bernardo (1991).
4
Esta classe, “que consubstancia a integração tecnológica entre as unidades de produção; em virtude das funções
predominantemente organizacionais que esta desempenha, na união entre os vários processos particulares de
fabrico (e, posteriormente, na própria organização interna de cada um desses processos) e, portanto, na
orquestração do capitalismo como um todo, posso chamar-lhe de classe dos gestores” (Bernardo, 1979:37). Este
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Desde 1929, quando da primeira grande crise econômica global, vem crescendo em
importância o papel das condições gerais de produção sobre o processo de reprodução do
capital. No Livro III de O Capital, Marx (1984b) demonstrou exaustivamente, entre outras
coisas, as relações entre as condições naturais (ou ambientais: matérias-primas, recursos
energéticos, etc.), os custos e a produtividade do capital.
Por exemplo, o preço dos meios de produção é diretamente afetado pelas variações
de preço da matéria-prima que entra em sua constituição. Assim, “à medida que seu preço
aumenta em virtude das oscilações de preço, seja da matéria-prima, em que consiste, seja da
matéria auxiliar, que seu funcionamento consome, cai pro tanto a taxa de lucro” (Marx,
1984b:81-82). Ou seja, a taxa de lucro cai ou sobe no sentido inverso ao preço da matéria-
prima, resultando, entre outras coisas, “(...) quão importante é para os países industriais o
preço baixo da matéria-prima” (ibidem:82). Como o valor das matérias-primas entra por
marxista português complementa afirmando que, “à medida que a integração tecnológica das empresas
particulares progride, a função social da burguesia reduz-se, e os gestores lutam por se apoderar [coletivamente]
da propriedade do capital ou, pelo menos, obter posições decisivas de controle” (ibidem:58). O autor identifica
os conflitos entre a classe dos gestores (enquanto administradores e, em muitos casos, como proprietários
coletivos dos meios de produção: as chamadas burguesias de Estado) e a dos burgueses (enquanto proprietários
privados) que ocorrem no interior do pólo capitalista, embora sejam as duas antagônicas à classe trabalhadora. A
questão do Estado é importantíssima para se compreender o papel dos gestores e do desenvolvimento das
condições gerais de produção, bem como a problemática ambiental. No entanto, não será possível tratá-la neste
artigo. Uma consulta aos principais autores aqui utilizados pode ajudar a suprir essa lacuna.
4
inteiro no valor da mercadoria produzida, e por ser parte do capital circulante – tendo de ser
reposta por inteiro após a venda desta –, Marx afirma que uma alta no preço da matéria-prima
“pode truncar ou inibir todo o processo de reprodução, ao fazer com que o preço obtido pela
venda da mercadoria não seja suficiente para repor todos os elementos da mercadoria”
(idem:84). Marx vai demonstrar, para a surpresa de muitos ambientalistas, o princípio
econômico que fundamenta a “reciclagem” de materiais, uma vez que o encarecimento das
matérias-primas “constitui, naturalmente, incentivo para a utilização dos resíduos” (Marx,
1984b:78).
Neste sentido Bernardo (1979) procura mostrar como a “crise ambiental” não surgiu
enquanto tal devido à ocorrência de problemas ambientais em si, mas apenas quando estes
passaram a afetar as condições gerais de produção (na forma como acabamos de ilustrar).
Assim, se cada crise apresenta “(...) como carácter dominante da sua fisionomia as
contradições económicas de momento mais relevantes” (Bernardo, 1979:83) então, ao que
tudo indica, a questão ambiental tem se tornado um dos vetores das últimas crises econômicas
internacionais. Um exemplo claro é a forma como analistas oficiais identificaram a crise da
década de 1970 com a questão energética, denominando-a “Crise do Petróleo”. Ou, como
afirma Thomas (1994), “os limites ecológicos à marcha da acumulação são, pois, um dos
factores da crise actual e é por isso mesmo que os problemas ecológicos só hoje desencadeiam
um movimento político de massas” (1994:58).
Diante deste quadro, cientistas, políticos e organizações das mais diversas origens
abordam a problemática ambiental a partir de três temáticas principais, de onde derivam
diversos pontos específicos: a depredação dos recursos naturais (limites naturais de
reprodução da matéria); a geração de resíduos (limites naturais de reciclagem); e problemas
relacionados à pressão de uma superpopulação sobre o ambiente (limite para o abastecimento
de alimentos e outros recursos). Estas temáticas têm como fio condutor, de acordo com
Thomas (1994), a noção de “equilíbrio” (ainda que um “equilíbrio dinâmico”) e de “limites
físicos” da natureza, confrontados com uma “industrialização excessiva”.
Como sugere Thomas (1994), essa visão baseia-se numa separação entre o
“Homem” e a “Natureza”, enquanto conceitos genéricos, sendo o primeiro um predador em
essência e a segunda, um sistema auto-regulador baseado em “equilíbrios imutáveis”
rompidos pelo desenvolvimento industrial. Neste sentido, Foladori (2001) afirma que a
Ecologia estuda as inter-relações de uma espécie determinada, enquanto uma unidade, com
outras espécies e com seu entorno. Dentro desta perspectiva, a “crise ambiental” se dá quando
existe um “desequilíbrio” entre a espécie em análise (no caso a humana) e suas possibilidades
de adaptação a um meio escasso. A questão dos “limites naturais”, tal como abordada pela
Ecologia Política, passa à margem das relações sociais capitalistas de produção5 . Para
Foladori (2001), isto significa que a sociedade humana, antes de se deparar com limites
naturais ou físicos, está frente a frente com contradições sociais provenientes da divisão social
do trabalho, que no capitalismo tem como fundamento a separação entre proprietários e não-
proprietários de meios de produção; entre trabalho manual e intelectual; e entre
concepção/gestão e execução.
Além disso, ao se tratar do problema dos “limites” deve ser considerada também a
velocidade de utilização desses recursos. Antes de se pensar na finitude de um recurso de
forma absoluta, a questão é se o ritmo de utilização desses materiais implica um esgotamento
futuro e em que prazo. A noção de “recursos escassos”, no pensamento ecológico, também se
encontra diretamente ligada à teoria demográfica malthusiana e sua afirmação de que a
população mundial, quando não devidamente controlada, cresceria em uma “progressão
geométrica”, enquanto a produção de alimentos se daria numa “progressão aritmética”. Com
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Para uma discussão teórica sobre processo dialético entre relações sociais de produção e as forças produtivas,
numa perspectiva de transição para o comunismo, ver Turchetto (2005).
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A lei do valor é dinâmica, compreendendo não só a incorporação de valor na mercadoria por meio do trabalho
abstrato e da apropriação de sobretrabalho, durante o mesmo processo, na forma de mais -valia. É importante
ressaltar o caráter reprodutivo do capital, exposto por Marx (1984a) no Livro II de O Capital. Bernardo (1991)
lembra que “os processos de produção de mais -valia pressupõem-se e sucedem-se e, por isso, não podemos
limitar-nos a concebê-los como atos isolados, mas temos de explicá-los como uma cadeia ininterrupta”
(1991:16). O autor mostra como dessa dinâmica surge o antagonismo de classes, pois “a estrutura do modelo de
mais -valia é a de uma relação social, entendida como movimento de tensão entre dois pólos. (...) É neste
movimento de tensão que defino as classes sociais” (idem:15-16) (grifo nosso). É justamente neste processo
contínuo, onde prevalece a produção/apropriação de mais-valia relativa, que a integração tecnológica vai
exercer um papel nevrálgico para reduzir o valor da força de trabalho. Aqui se insere a atividade própria dos
gestores enquanto classe.
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Segundo Martinez Alier (1988), este conceito “refere-se, em ecologia, à população máxima de uma espécie que
pode manter-se indefinidamente em um território, sem provocar uma degradação na base dos recursos que leve a
diminuir esta população no futuro” (1988:91).
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A noção de um “futuro comum” está diretamente relacionada com a idéia de “interesse geral”, devidamente
criticada por Marx (2005), para quem “só em nome dos interesses gerais da sociedade é que uma classe
particular pode reivindicar a supremacia geral” (2005:154). Para Thomas (1994) este é o principal aspecto
ideológico na questão ecológica, pois o apelo dos gestores ao “interesse geral” sobre esta temática tem fácil
aceitação, na medida em que todos se sentem “ameaçados” de alguma forma pelos problemas ambientais.
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dinâmica do mercado. Com base em premissas que atribuem “necessidades ilimitadas” a uma
sociedade imersa em um ambiente restrito por “recursos escassos”, as soluções apontadas por
estes apologetas do capital vão no sentido de tentar “internalizar as externalidades”9
produzidas pela economia. Esta “internalização” deve ser quantificável para poder entrar na
contabilidade capitalista, logo são atribuídos arbitrariamente preços tanto aos prejuízos
ambientais (princípio do “quem polui paga”), como aos recursos naturais que antes de serem
submetidos ao trabalho não possuem valor, principalmente os de “uso comum” (como a água
dos rios, o ar que respiramos, etc.)10 . Sendo assim, se aos olhos da economia esse preço passa
a ter um equivalente na forma fetichizada do dinheiro, na realidade assume uma relação com
o verdadeiro equivalente universal no mundo das mercadorias: o trabalho abstrato (Thomas,
1994; Foladori, 2001).
Disto decorrem alguns problemas: como saber a extensão dos danos ambientais e
suas respectivas conseqüências para poder quantificá-los, e pior, com quais critérios? Além
disso, essa política leva a uma elevação dos custos do capital, aumento este transferido ao
preço dos bens de consumo, incidindo diretamente sobre a carestia da vida, além do
agravamento da pressão sobre os salários, apenas para citar alguns dos efeitos perversos para
a classe trabalhadora. O encarecimento de certos produtos, enquanto parte de uma estratégia
ecológica de frear o consumo, não elimina a necessidade produzida socialmente deste
produto, ao invés, elitiza o seu acesso. Ademais, Thomas (1994) demonstra que a criação de
uma “indústria de despoluição” significa “levar a divisão do trabalho ao cúmulo do absurdo:
uns trabalham para poluir, outros trabalham para despoluir” (Thomas, 1994:61). Enquanto
isso o capital continua seu processo de valorização “no melhor dos mundos possíveis”.
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Alier (1988:166) define as “externalidades” como “impactos ambientais cujos valores não são captados pelos
preços do mercado, permanecendo externos a ele”.
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As regulamentações que fixam preços sobre a poluição tornam-na um negócio rentável, vide o Protocolo de
Kyoto e seu mercado de cotas de carbono. É assim que “o ar torna-se objecto de negócios da Bolsa, dinheiro,
coisa indiferenciada, abstracta; a poluição também” (Thomas, 1994:65).
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De acordo com Foladori (2001) a energia total em um sistema fechado é constante; e, quando a energia flui em
uma só direção, tende a se dissipar em calor de baixa temperatura que não pode ser utilizado. A entropia é essa
soma de energia não aproveitável.
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Como exemplo, citamos a seguinte passagem de Marx (2004b): “Todo o progresso da agricultura capitalista
significa progresso na arte de despojar não só o trabalhador, mas também o solo; e todo aumento da fertilidade
da terra num tempo dado significa esgotamento mais rápido das fontes duradouras dessa fertilidade. Quanto mais
se apóia na indústria moderna o desenvolvimento de um país (...), mais rápido é esse processo de destruição. A
produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a combinação do processo social de produção,
exaurindo as fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador” (Marx, 2004b:571).
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A idéia de falha metabólica, em Marx, deriva do conceito de metabolismo (Stoffwechsel), utilizado para
explicar o intercâmbio material entre os seres humanos e a natureza no processo de produção (Foster, 2005).
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limites físicos da matéria em termos absolutos, dando pouca ênfase às determinações das
relações sociais de produção, enquanto mediação para o uso e a apropriação dos recursos
naturais. Tende, assim, a autonomizar a produção agrícola em relação à totalidade da
dinâmica sócio-econômica capitalista – lembrando que esta corrente, também conhecida como
“ecologismo popular”, defende os movimentos camponeses, principalmente por valorizar os
“saberes ambientais” dessas populações.
Do ponto de vista político, o deslocamento do centro da análise ambiental para a
questão energética cria “critérios técnicos” de tomada de decisão, legitimando o poder
tecnocrático dos gestores, entrando em contradição com a idéia inicial da Economia Ecológica
de popularização das decisões sobre as problemáticas ambientais. Thomas (1994) traz uma
contribuição importante a este debate, ao mostrar que muitos ecologistas consideram que
apenas a ciência deve determinar quais elementos da biosfera devem ser protegidos e como.
Isto criaria uma tecnocracia “auto-empossada” para conduzir de forma “sustentável” o
desenvolvimento global, dependente de processos complexos muito distantes dos indivíduos
concretos. Desta forma, estariam as soluções dos problemas ambientais reservadas a este
grupo “seleto” de especialistas e gestores atuando em nome do “interesse geral”, engendrando
uma nova forma de totalitarismo.
No limite desta questão, Bernardo (1991) demonstra que é a energia do “trabalho em
ação” (o trabalho vivo) “a única capaz de uma ação criadora”14 , absorvida na forma de
trabalho abstrato, sendo a substância real do valor, então,
Este desperdício da energia, na forma do trabalho de toda uma classe, bem como sua
apropriação por outra classe no pólo oposto da produção, geralmente não é assunto entre os
ambientalistas. Neste ponto se dá, ideologicamente, a cisão entre os seres humanos e a
natureza, uma vez que a energia proveniente do trabalho (que não é menos “natural” do que a
energia mecânica do vapor d’água, que impulsionou a primeira Revolução Industrial) não é
considerada na “contabilização” da entropia.
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Bernardo (1991) complementa seu raciocínio afirmando que, “este caráter absolutamente exclusivo da força de
trabalho enquanto ação decorria, para Marx, do caráter específico e único do seu valor de uso. De todas as
mercadorias existentes, afirmava ele, a força de trabalho é a única capaz de despender mais tempo de trabalho do
que aquele que nela se incorpora e, assim, é a única capaz de produzir mais -valia, de fundamentar o capital e a
sociedade contemporânea” (1991:54).
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Ao deslocar a centralidade do trabalho para a “racionalidade”, Leff (1994) acaba se aproximando do
pensamento habermasiano e a sua “centralidade da comunicação”. Neste caso, o autor fica sujeito às mesmas
críticas que Lessa (1997) faz ao filósofo alemão, para quem “a centralidade ontológica do trabalho, tal como
proposta por Marx deveria ser substituída pela centralidade fenomenológica do ‘mundo da vida’” (1997:156). No
desdobramento político de sua teoria, Habermas, segundo Lessa, tenta demonstrar que “a humanidade apenas
avança quando é capaz de construir um ‘mundo da vida’ de tal forma denso que possibilite um elevado nível de
consenso entre os homens. E seria o consenso, – e não a luta de classes – o verdadeiro motor da história”
(idem:159-160). Não por acaso o “consenso” (traduzido nas noções de “governabilidade”, de “participação, de
“co-gestão”, entre outros) é um dos pressupostos da Ecologia Política.
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Temos consciência da negação da problemática da alienação por parte de muitos marxistas das relações de
produção, no entanto, outros autores deste mesmo campo teórico, como Thomas (1994) e Bernardo (1991), se
reapropriam desta temática sem comprometerem suas análises sobre a transição para o comunismo e sem
perderem o foco e a radicalidade da crítica às relações sociais de produção capitalistas. Esta posição pode ser
criticável, porém, não menos legítima.
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Existe um amplo debate no interior do marxismo sobre qual o termo mais adequado para designar esse
processo descrito por Marx (2004a), nos Manuscritos de Paris, de 1844: alienação (Entäusserung), ou
estranhamento (Entfremdung), ambos utilizados pelo autor. Ranieri (2004) defende a necessidade de demarcar,
com maior precisão, as divergências e complementaridades destes termos. Para os objetivos deste artigo, não
cabendo aqui um aprofundamento sobre esta questão, utilizaremos a categoria “estranhamento” tal como
interpretada por este último, que afirma que “(...) se estruturam em Marx, graças à descoberta da contradição
interna da propriedade privada, todos os desdobramentos do estranhamento do trabalho (...) sob o pressuposto do
trabalho subordinado ao capital” (Ranieri, 2004:13).
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radical que leve a um novo modo de produção, visto como um novo complexo de relações
sociais de produção onde, segundo Marx, existiriam “produtores associados” regulando
racionalmente seu intercâmbio material com a natureza e pondo-a sob controle comum.
Neste momento, as formulações teóricas de Turchetto (2005) sobre a transição para
o comunismo são de suma importância. Para a autora, “(...) não pode existir uma propriedade
coletiva dos produtores sobres os meios de produção que seja separada da reapropriação do
conhecimento e do domínio sobre o processo produtivo, portanto, da recomposição entre
trabalho manual e intelectual, trabalho de direção e de execução, etc.” (2005:46). Logo, não é
possível “(...) modificar os ‘papéis sociais’ burgueses sem superar a organização capitalista do
processo de trabalho, nem superar a forma valor sem transformar a estrutura do processo
laborativo subordinado aos fins de valorização” (ibidem). Mas, como vimos, a natureza
tecnocrática da maioria das abordagens ambientalistas é a expressão, e o aprofundamento, da
cisão entre trabalho manual e intelectual, e entre os campos da gestão e da execução da
produção. Assim como a quantificação dos recursos e da poluição em termos de preços, nada
mais é do que a afirmação da forma fetichizada da mercadoria enquanto mediação das
relações sociais. O que significa a manutenção do trabalho subsumido ao capital, com todas as
suas representações sociais.
Além disso, como bem mostrou Turchetto (2005), mesmo sem se referir à questão
ambiental, não basta trocar uma “tecnologia suja” por uma “tecnologia limpa”. O que é
preciso, numa perspectiva realmente emancipatória, é a transformação da estrutura material
das forças produtivas capitalistas concomitantemente à revolucionarização das relações
sociais de produção, com toda a complexidade desses processo. Caso contrário, o máximo
que pode ocorrer é a criação de um novo “vetor de relançamento do processo de valorização
do capital”, na forma de um “capitalismo verde”, com a assinatura e o carimbo de uma
Ciência18 que se coloca em nome do “interesse geral (Thomas, 1994:11). Em outras palavras
“(...) é esse alvo – a maior acumulação possível de capital, material e intelectual, nas mãos
duma minoria –, esse movimento sem outro objetivo do que ele próprio, que determina o
desperdício generalizado, bem como a miséria, as duas faces dos problemas ecológicos”
(idem:47).
Assim, com a supressão das relações sociais capitalistas a tendência seria o
desaparecimento das “velhas mediações fetichizadas” (salário, preço, juro, renda, etc.), pois,
do valor, só continuaria existindo “o conteúdo (trabalho), mas já não a forma (valor de troca)
nem a substância (trabalho abstracto)” (Thomas, 1994:97). Do ponto de vista ambiental, isto
poderia levar ao fim de determinadas produções inúteis e de desperdícios, tanto de trabalho
humano como de recursos materiais e energéticos, voltados meramente ao processo de
reprodução do capital. Sob o controle direto dos produtores, a produção pode ser, de forma
realmente racional, concebida e direcionada para a satisfação de necessidades sociais
engendradas sob novas bases. Qual a forma que essa nova sociedade “deve ter”, não é
possível determiná-la antes de sua realização histórica, mas quanto às relações que de forma
alguma podem permanecer, algumas delas foram aqui delineadas.
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É importante lembrar que a ciência de forma alguma é “neutra”, ou encontra-se “acima” dos processos sociais
reais. Como mostra Turchetto (2005), “o capital tem necessidade da ‘ciência’ para fundar o seu domínio no
interior da produção: como já vimos, a expropriação’subjetiva’ dos produtores – que caracteriza de modo
específico a relação de produção capitalista – passa pela aplicação da ciência aos processos de trabalho e a sua
transformação em ‘potência do capital’” (2005:52).
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Considerações Finais
Referências Bibliográficas.