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Neuroanatomia funcional basica para o neuropsicélogo RAMON M. COSENZA As diferentes regides do sistema nervoso central contribuem para a coordenacao do comportamento e da cognicao — objetos de interesse da neuropsicologia -, mas é no cé- rebro que se encontram os principais gru- pamentos neuronais e circuitos envolvidos nessa mediagao, destacando-se nesse aspec- to 0 cOrtex cerebral, que ser4 0 foco princi- pal deste capitulo. ESTRUTURA E DIVISOES DO CORTEX CEREBRAL O c6rtex cerebral é visualizado macroscopi- camente como uma camada de substancia cinzenta que reveste todo o cérebro. Este, no caso da espécie humana, é girenceféli- co, pois tem sua superficie marcada por sul- cos € giros, de tal forma que a maior parte do cértex permanece oculta a uma inspe- ¢ao externa. Anatomicamente, 0 cortex ce- rebral costuma ser fracionado em regides, Parietal Temporal Occiptal denominadas lobos, a saber: frontal, parie- tal, temporal, occipital e lobo da insula, es- te Ultimo visivel quando se examina a pro- fundidade do sulco lateral do cérebro (Fig. 2.1). Em cada um desses lobos podem ser localizados sulcos, giros e regides que tem importancia na coordenacao de diferentes fungoes. Para uma descricao mais detalha- da, recomenda-se a consulta a obras de neu- roanatomia geral, uma vez que isso escapa aos objetivos do presente texto (ver, por exemplo, Cosenza, 2013; Clark, Boutros & Mendez, 2010). Microscopicamente, 0 cértex € cons- tituido, na sua maior parte, por seis cam: das de células que tém aspecto morfolé; co diferente. Essas camadas se dispdem, da superficie para o interior, na seguinte se- icia: camada molecular, granular ex- terna, piramidal externa, granular inter- na, pitamidal interna e camada das células fusiformes. Esse cortex de seis camadas é chamado de isocértex} contudo, existem Frontal Parietal Occiptal ‘Temporal FIGURA 2.1 Os grandes lobos da superficie cortical 30 Fuentes, Malloy-biniz, Camargo & Cosenza (orgs) regides, denominadas de alocortex (alo = diferente; iso = igual), em que as seis cama- das classicas nao esto presentes. O cértex cerebral apresenta, entéo, uma grande di- versidade ‘citoarquiteténica, pois, mesmo nas regides de isocértex, as camadas podem ter diferentes espessuras e organizacao. Isso levou ao aparecimento de numerosos ma- pas corti¢ais, entre os quais o desenvolvido por Korbinian Brodmann (1981), que divi- de 0 cértex em/mais de cinquenta regioes numeradas sucessivamente (Fig. 2.2). Os mapas citoarquitetonicos permitem uma localizacao mais precisa de regides com co- nex6es e funcées distintas e ainda sao usa- dos cotidianamente. Durante muito tempo discutiu-se a existéncia de localizagdes funcionais no cértex cerebral: os locali Gionistas postulavam a exis- téncia de centros especificos para diferentes funces, en- quanto 0s holistas, ou distri- butivistas, acreditavam em uma equipotencialidade en- tre as diferentes regides cor- ticais. Atualmente, sabemos que existem, de fato, especializacées de fun- ¢40; contudo, considera-se que as diferen- tes regiGes corticais atuem nao como sedes funcionais, mas como pontos nodais de cir- cuitos de larga escala, constituindo sistemas OO eee? PEA ee ei Oe oe ee DE et ee) CMe ce Tee a outra executora, situada em Pere ec oe} encarregados de integrar e coordenar as di ferentes funcoes atribuidas ao cértex cere- bral. O neuropsicélogo Alexander R. Luria (1973) propés a existéncia de duas unida- des funcionais no cértex cerebral: uma re- ceptora, localizada posteriormente ao sulco central, e outra executora, situada em posi- ¢40 anterior a tal sulco (Fig. 2.3). A unidade receptora seria encarregada de receber, ana- lisar e armazenar a informacao. Nela po- dem ser encontradas areas que se ocupam, por exemplo, da visdo, audigdo e someste- sia. Jé a unidade executora se encarregaria de programar, coordenar e verificar as aces do individuo, sobretudo as ages conscien- tes, Nela se encontram as dreas que lidam diretamente com a motricidade e também uma porgio situada mais an- teriormente, conhecida com regido pré-frontal. Luria sugeriu ainda que essas duas unidades se orga- nizam de forma hierdrquica, em reas classificadas como primérias, secundérias e ter- cidrias (Fig. 2.3). No caso da unidade receptora, as dreas primirias sio aquelas que recebem as projecdes das di- ferentes modalidades sensoriais e realizam uma primeira anélise da informagio, que ser posteriormente trabalhada e integrada FIGURA 2.2 0 mapa citoarquiteténico cortical de Brodmann. Fonte: De Carpenter (1991), dade receptora yy Unidade executora informagdo entre essas éreas corticais. nas reas secundarias. A area tercidria, por ia vez, Coordena o trabalho dos diferen- analisadores e produz esquemas simbé- s em nivel de complexidade acima das nodalidades sensoriais (ou seja, supramo- is), que sustentam a atividade cognitiva ais sofisticada, Na unidade executora, a a priméria seria representada pela rea jotora do cértex, a qual da origem aos fei- ges Nervosos motores que se dirigem para o co encefiilico e para a medula espinal. A a secundaria tem situagao imediatamen- = anterior (4reas 6 e 8 de Brodmann) e se cumbe de preparar os programas moto- posteriormente encaminhados a regido sriméria. Jé a drea tercidria é representada regido pré-frontal, que tem por fun- a formulacio de intencées e programas aco, bem como a regulacao e 0 monito- ento do comportamento 'URA 2.3 As unidades receptora e executora de Luria, com suas éreas primarias, secundarias e terciérias. Vé-se ofluxo Mesulam (2000) descreve uma divi- sao funcional do cértex (Fig. 2.4) que guar- da relagdes com aquela proposta por Luria ¢ inclui as seguintes categorias: 1. cértex de projecdo, onde se encontram © cortex motor e os das diferentes mo- dalidades sensoriais; 2. cértex de associacao unimodal, que inclui dreas que se situam préximas as reas de projeco; 3. cOrtex de associacio supramodal; e 4. cértex limbico. Nessa tltima divisio encontram-se areas com nitida estrutura alocortical (hi- pocampo e cértex olfatério), areas de es- trutura intermediaria entre o isocértex e 0 alocértex (c6rtex orbitofrontal, insula, po- lo temporal, giro para-hipo- ais complexo. Nota-se que informacao flui das dreas imérias para as secundé- eptorae teria fluxo inver- na unidade executora (Fig. ). Segundo Luria, quando progride das areas primé- e tercidrias ma _unidade, Se Poesy as tercidrias ocorre uma disso- en Cn Cec ae ace RUC ur) Ce aCe ure Cee campal e giro do cingulo), além de dreas de estrutura corticoide (estruturas cere- brais basais — como a amig- dala, a regiao septal ea subs- tancia. inominada — que apresentam _caracteristicas tanto corticais como nuclea- s para as terciérias ocorre uma dissolu- jo da modalidade funcional, e, ao mesmo po, observa-se uma crescente assime- funcional entre os dois hemisférios ce- ras. res). Note-se que 0 cértex de projecao cor- responde as areas primérias de Luria, e 0 cértex de associac4o unimodal, as areas se- cundérias, enquanto 0 cértex de associacao supramodal corresponde as Areas tercidrias, 32 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) & tinsico ote supramodal pasoclagao unimodal iB Proeito FIGURA 2.4 As regies corticais de projegdo,associagao unim Fonte: Adaptada de Mesulam (2000). Mesulam (2000) chama a atengio para o fato de que as Areas limbicas estao mais diretamente conectadas ao hipotala- mo ¢, assim, recebem as informacoes vin- das do meio interno e podem atuar de mo- do mais direto sobre ele (Fig. 2.5). Além disso, as areas limbicas conectam-se prefe- rencialmente com as dreas de associagio su- pramodais. Jé as informagées e as agdes so- bre o meio externo tém conexao direta com as dreas de projegio, que estio ligadas as de associacao. unimodal, que, por sua vez, co- nectam-se as dreas de associagéo supramo- dal (Fig. 2.5). Dessa forma, as necessidades do organismo e os processos motivacionais e emocionais sao integrados a percepcao do Cortex cerebral FIGURA 2.5 Visdo esquematica das interagdes entre ‘0 meio externo, 0 meio interno e as diferentes areas do cortex cerebral. jadal, associagao supramodal e as areas limbicas. meio externo, permitindo que o comporta- mento mais adequado possa ser escolhido ¢ que as acées correspondentes sejam plane- jadas e executadas. AREAS DE PROJEGAO, MOTORA E SENSORIAIS A 4rea motora do cértex cerebral localiza- -se a frente do sulco central (Figs. 2.3 ¢ 2.4), ‘ocupando essencialmente a area 4 de Brod- mann, onde se localizam grandes neur6nios piramidais (células de Betz) e onde tem ori- gem a porcao mais significativa das fibras dos tractos corticospinais e corticonuclea- res, as chamadas vias piramidais, que irao comandar a motricidade de todo 0 corpo. Estimulag6es na drea motora revelam a pre- senca de uma somatotopia, ou seja, as di- versas partes da metade contralateral do corpo sao representadas separadamente: as regides mais inferiores da area motora con- tém neurénios responsveis pelos mov’ mentos da lingua e da face; um pouco mais acima estao aqueles que se encarregam dos movimentos das maos, dos bracos, do tron- co e assim sucessivamente, até que os mo- vimentos das pernas e dos pés estejam re- presentados na face medial do hemisfério cerebral. Les6es ocorridas na area motora terdo como resultado paralisia da muscula- tura contralateral correspondente. O cértex somestésico (Figs. 2.3 e 2.4) ocupa a regiao do giro pés-central (areas 1, 2 3 de Brodmann) e recebe as fibras que tém origem na porgao ventral-posterior do télamo, as ‘quais trazem informagées sen- soriais da face e da metade contralateral do corpo. Similarmente ao que ocorre na re- gido motora primiaria, existe uma somato- topia no cértex somestésico, podendo-se observar, com as técnicas adequadas, um homtinculo sensorial com a cabeca sitiia- da inferiormente e as pernas ocupando a parte superior ¢ a face medial do hemisfé- rio cerebral. Lesdes no cértex sensorial pri- mario tém como consequéncia a dificulda- de em localizar estimulacées tateis ea perda de discriminagio de dois pontos, da grafes- tesia e da estereognosia. O cértex de projecao auditiva (Figs. 2.3 € 2.4) localiza-se no chamado plano tempo- ral (regiao do giro temporal superior situ- ada no (interior do sulco lateral) e ocupa as reas 41 e 42 de Brodmann. Ai chegam fibras vindas do corpo geniculado medial (talamo) que trazem as informagées sonoras origin. das no ouvido interno. No cértex auditivo primario observa-se uma tonotopia, ou seja, 08 sons mais graves impressionam as regides anterolaterais, enquanto os mais agudos irao estimular as posteromediais. Lesoes no cér- tex auditivo primério dificilmente causam surdez, pois nele chegam fibras com origem contralateral e ipsilateral. Portanto, ha neces- sidade de perda concomitante dos cértices auditivos dos dois hemisférios para a insta- lacao de surdez. cortical. ——~A are imaria do cortex (Figs. 2.3 e 2.4) situa-se no lobo occipital, nas bordas do sulco calcarino‘(area 17) de Bro- dmann). Ai chegam as projegdes do trato geniculocalcarino (tém origem no corpo geniculado lateral) que trazem informa- e6es dos campos visuais contralaterais. No e6rtex visual primério existe uma retinoto- Dia, ou seja, ha uma correspondéncia entre 33 Neuropsicologia Pontos especificos da retina e sua represen- tagdo no cértex: as porgoes periféricas da retina _nas regides mais anteriores; as por- jes centrais, nas regides mais posteriores; as porgées superiores, na borda superior do sulco calcarino; e as inferiores, na borda in- ferior desse sulco. Lesdes no cértex visual primdrio resultam em perda da visio nos pontos correspondentes do campo visual. AREAS DE ASSOCIAGAO UNIMODAIS As areas unimodais de associacao estao proximas ou circundam as areas de proje- 40 e com elas tém suas principais cone- x0es, Como ainda estao vinculadas 4 mes- ma modalidade sensorial (ou motora) elas tém_uma caracteristica unimodal. As areas de associagao unimodais comunicam-se entao com outras regides, como o cértex de associacao supramodal (p. ex., as areas da linguagem na regiao temporoparietal ou o cértex pré-frontal, que se ocupa da memé- ria operacional e das fungdes executivas); € 0 cOrtex limbico, que coordena a memé- ria e os processos emocionais. Lesoes des- sas dreas geralmente resultam em agnosias, como a prosopagnosia; em déficits percep- tuais, como a acromatopsia; ou em proble- mas motores, como a apraxia. A area visual de associacao unimodal (Figs. 2.3 e 2.4) € extensa e ocupa porcées dos lobos occipital e temporal (dreas de Bro- dmann B18 e B19 e ainda B37 e B20). Nela, existem subdivis6es que costumam ser nu- meradas de V2 a V8. As areas V1 (B17) e V2 (B18) dao origem a vias paralelas que se diri- gem para regides distintas. Essas vias occipi- tofugais tomam dois caminhos diferentes. 0 primeiro € dorsal, em dire¢ao aos lobos pa- rietal e frontal, Ele se dirige para pontos no- dais que analisam “o onde” da informacao visual: detectam movimentos ea localizacao de objetos. O segundo é ventral e toma a di- re¢ao do lobo temporal, onde ocorre a deco- dificagao do “o qué” da mesma informacao, 34 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza orgs.) como a detecgéo das cores e da forma. Re- gides especificas do giro temporal inferior € 0 giro occipitotemporal lateral (giro fusi- forme), por exemplo, sao sensiveis 4 percep- 40 e ao reconhecimento de faces, bem como & forma de objetos complexos (Felleman & Van Essen, 1991; Mesulam, 2000; Ungerlei- der & Haxby, 1994). Lesdes nas areas de asso- ciagao visual podem provocar diferentes formas de agnosia visual, quando os objetos ou suas caracteristicas sao vistos, mas nao reconhecidos. A area de associagao auditiva (Figs. 2.3 e 2.4) ocu- pa © giro temporal superior (4reas B42 e B22) e tem uma organizacao complexa, se- melhante a que ocorre na area visual de as- sociagao unimodal. As informagoes vindas da area de projegao auditiva podem tomar duas diregdes: uma anterior ou ventral, que parece estar envolvida na identificagdo de sons ou voz das pessoas, e outra posterior ou dorsal, importante para a localizagao dos sons e contetido da linguagem (Alain, Arnott, Hevenor, Graham, & Grady, 2001; Lattner, Meyer, & Friederici, 2005; Scott, Blank, Rosen, & Wise, 2000). Lesdes da re- giao auditiva secunddria podem levar a ag- nosia auditiva (incapacidade de identifica- ao dos sons caracteristicos do ambiente) ou inabilidade de identificagao de timbres ou sequéncias de sons. A Area _somatossensorial de associa- ao (Figs. 2.3 e 2.4) situa-se posteriormen- te A 4rea priméria, ocupando a area 5 ¢ a parte anterior da érea 7 de Brodmann, Ela é importante para a localizacao tatil precisa, a exploracao manual ativa e a coordenacgao do alcangar e pegar, bem como para o ar- mazenamento das memérias somatossen- soriais. Les6es nessa regido ou em suas co- nex6es levam a déficits como a agnosia tatil, a apraxia tatil (objetos nao podem ser ma- nipulados sem auxilio visual) ou a orien- tacao espacial por meio do tato (Mesulam, 2000). PSs Noor oo) parece estar envolvida no pla- POAC ac nS et) COC LLL) antes da execugao das respos- A regido motora de associacao (Figs. 2.3 e 2.4) inclui as areas B6 (areas pré-mo- tora e motora suplementar) ¢ partes das areas B8 e B44 (esta tiltima fazendo parte da chamada area de Broca). Essa regiio manda fibras para a érea motora de projecio e re- cebe informacoes vindas de areas secund- rias sensoriais e supramodais do cértex ce- rebral. A regido de associagao motora parece estar envolvi- da no planejamento motor e na selecdo de movimentos, sendo ativada antes da_exe- cugao das respostas motoras. Lesoes dessa regido tém co- mo resultado distarbios motores, como al- guns tipos de apraxias, sem paralisia ou fra- queza muscular (Chouinard & Paus, 2006; Mesulam, 2000). AREAS DE ASSOCIACAO SUPRAMODAIS Essas regides do cértex so consideradas su- pramodais porque a elas nao podem mais ser atribuidas funcOes ligadas diretamente a motricidade ou a sensibilidade. Nelas ocor- re a integracdo. das diversas informacoes sensoriais que permitem 0 aparecimento de fungOes cognitivas, como a linguagem ou a atengao. Além disso, é nelas que aconte- cem a elaboragiio das estratégias comporta- mentais € 0 monitoramento de sua execu- 40. Observam-se no cérebro duas regides de associacao supramodal: uma na unida- de receptora de Luria, ocupando areas dos lobos parietal e temporal, e outra na unida- de executora, ocupando a regiao pré-frontal (Figs. 2.3 ¢ 2.4). Area temporoparietal A rea de associagdo supramodal tempo- roparietal ocupa as regides B7, B39 e BAC e mantém conexoes estratégicas com as di- vetsas regides unimodais do cértex cerebral \carregando-se da integracio de informa- Ses sensoriais processadas pelo cérebro © que € importante, por exemplo, para computacao da linguagem, uma de suas fungGes. Além disso, liga-se ao cOrtex pré- -frontal e envia fibras para estruturas sub- corticais, como 0 corpo estriado. Ela tem dia e atinge a plenitude ento somente depois da primeira‘década de vidal Do ponto de vista funcional, essa regiaio esta relacionada com @ praxia, a linguagem, a integracao.¢ 0 pla- nejamento visuomotor e a atencao espacial, Quanto a atengao, ela contribui para sele- nar um_entre os varios estimulos exis-_ entes e para a mudanga da atengao para m novo foco, atuando de forma integrada m o ¢értex pré-frontal; Existe, contudo, a evidente assimetria da fungao, sendo lado direito mais envolvido no sistema encional (lesdes nessa regido resultam na Neuropsicologia 35 sindrome de negligéncia, em que o espaco contralateral tende a ser ignorado). No la- do esquerdo, o envolvimento com a lingua gem é mais evidente, de modo que suas le- sOes causam disfasias ¢ agnosias. A Area dé Wernicke, importante para a compreensao da linguagem, ocupa porgoes das regides 3 e.40 de Brodmann. (Abdullaev & Posner, 2005; Corbetta & Shulman, 2011; Kelley, Serences, Gieslorecht, & Yantis, 2008; Mesu- lam, 2000). A sindrome de Gerstmann, ca- racterizada por confusao direita-esquerda, agnosia dos dedos, disgrafia e discalculia, 6 um exemplo de disfuncao produzida por le- s0es a esquerda na area temporoparietal. A Figura 2.6 representa, de forma es- quemiatica, 0 processamento cognitivo de um fluxo de informagao desde as dreas de projecdo, ou primarias, até as areas supra- modais e limbicas, pasando pelas Areas de associacao unimodais, Nota-se que os ‘URA 2.6 Organizagdo esquematica do fluxo de informacdes no cértex cerebral. Registra-se 0 processamento visual ra as faces e 0 visual e auditivo para a linguagem verbal. As regides delimitadas representam Areas corticais: CAAL lex auditivo de associacao unimodal, CAP = cortex auditivo de projecdo, CAS = cértex de associagao supramodal, Cl tex limbico, CVAU = cértex visual auditivo de associagao unimodal, CVP = cértex visual de projecao. Os pequenos discos resentam pontos nodais de processamento, reciprocamente conectados por linhas: A= projecao auditiva priméria, CE ‘componentes emocionais (do reconhecimento de faces), IA = identificagao de sons (p. ex., vozes), IAP = identificagao iditiva da palavra, | identificacdo dos objetos (cértex temporal), IVF = identificacao de faces, IVP = identificacao sual das palavras, LA = localizagao auditiva, LV = localizacao visual dos abjetos (cértex parietal), RF = reconhecimento Ge faces, V = projecao visual primaria, W = drea de Wernicke (compreensdo da linguagem). Fonte: Adaptada de Mesulam (2000), 36 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) diferentes pontos nodais vao processando as informagdes de maneira cada vez mais complexa e diferenciada a medida que estas fluem através dos diferentes niveis sindpti- cos. E interessante notar que a area 7 de Brodmann na face medial do hemisfério corresponde anatomicamente ao “pré-cti- neo”, uma regido que tem chamado aten¢ao a partir de estudos com as técnicas de neu- roimagem. Ela recebe informagées senso- riais multimodais do cértex parietal lateral, tem conexées reciprocas com o lobo fron- tal e parece estar relacionada com fungoes como a imaginacao visuoespacial, a recupe- ragao da memoria episédica e a autocons- ciéncia, Ha evidéncias de que essa regiao € uma das areas nodais do circuito cuja ativi- dade predomina no cérebro em estado de repouso (default brain network) (Cavan- na & Trimble, 2006; Fransson & Marrelec, 2008). Na porgio inferior do lobo parietal, detecta-se a presenca dos chamados “neu- rénios espelho”, que so encontrados tam- bém na regiao pré-motora. Esses neurénios tém a caracteristica de disparar impulsos quando 0 individuo executa uma agio e também quando a mesma aco é observada em outras pessoas. Eles estao provavelmen- te envolvidos em um circuito parieto-pré- -motor importante na compreensio dos atos motores e da inten¢do que os motiva, constituindo a base para a teoria da men- te, isto 6 a capacidade de identificar pensa- mentos ¢ inteng6es nos outros. Parece ocor- rer disfuncao desse circuito nas sindromes autistas (Acharya & Shukla, 2012; Rizzola- ti, 2005). Area pré-frontal O cértex pré-frontal ocupa a porsao mais anterior do lobo frontal. Caracteriza-se por suas conexdes com 0 nticleo dorsomedial do talamo e divide-se nas regides dorsolateral, medial e orbital (Fig. 2.7). O c6rtex de asso- ciacao supramodal, constituido de isocértex, Orbital Dorsolateral Medial FIGURA 2.7 As trés divisbes do cortex pré-frontal, dorsolateral” (areas B9, B11, B45, B46 e B47), quanto as por¢ées medial e pbital (B12, B13, B25 e B32) © apresentam as seis cama- de células, podendo ser asideradas como uma zo- transigao para o cértex mbico (4reas paralimbicas). regido pré-frontal, de for- ©, portanto, entre as in- |ma¢des do mundo exter- € 0s processos emocionais notivacionais, importantes aa sobrevivéncia do or- mo e para a regulacio comportamento (Fuster, Mesulam, 2000). Todas as regides pré- itais recebem fibras do cleo dorsomedial do tala- estratégica, coordena a ligacao entre as s de associacao sensoriais e as Areas lim- eae ay estratégica, coordena a liga- POC eo PR eee CSC cee SC RU uy COS eC ue COS oe ee Sn cosy ER Le er PLC De cee a DRC mS oe Cree eset vas, ou seja, as capacidades de Cea eee UR a wt een ea tcl cs Oe cers EU RU ae mrt Or oe Scns Seer Neuropsicologia 37 conex6es mencionadas sao geralmente reciprocas. Im- portantes para a fungdo exe- cutiva e motora sao as fibras que vio para os nticleos da base e também para as dreas motoras e pré-motoras. O c6rtex pré-frontal, por meio de seus Circuitos e conexdes, coordena as fun- Bes executivas, ou seja, as capacidades de determinar objetivos, esta- belecer uma estratégia comportamental, es- colher prioridades e inibir agées desnecessarias, além de monitorar 0 comportamen- to para que os objetivos se- jam alcangados. Pode-se di- zer que 0 cértex pré-frontal organiza as acdes ao longo do tempo. Embora todas as fun- Ges pré-frontais sejam in- terdependentes, pois com- B, que transfere informa- s vindas de outras estruturas subcor- (como a formacao reticular e a stancia negra). Recebem também fibras cerebelo e dos nticleos da base, do hipo- amo e da amigdala (esta tltima princi- mente para as regides alocorticais), além aferentes de outras regiées limbicas, co- © hipocampo. Sao importantes as pro- Bes que recebem dos sistemas monoa- rgicos moduladores, vindas do locus uleus (noradrenalina), da area tegmen- ventral (dopamina) ¢ dos nticleos da (serotonina). Ao cértex dorsolateral ezam informacoes visuais, auditivas e so- sticas, enquanto no cértex orbitofrontal lominam as olfatérias e gustativas, além informag6es viscerais. O_primeiro usa nformagées sensoriais a fn de onan © executar estratégias para a consecugao objetivos, enquanto 0 segundo coleta informagoes importantes Para_os_prc samentos emocional e motivacional. As partilham circuitos que sao comuns e que cooperam (ou compete) entre si, podem-se conceber dois eixos fun- cionais: um para a meméria operacional e a atencao e outro para 0 comportamento e a motivacao. O cortex dorsolateral coorde- naa memoria operacional, que se relaciona com a atengao sustentada e tem 0 envolvi- mento também do cértex parietal. O cér- tex orbitofrontal analisa a significancia dos estimulos sensoriais, identificando aqueles ligados a uma gratificacao, e é importan- te para o controle inibitério do comporta- mento. Jé a drea pré-frontal medial lida com a atengao interna e a tomada de decisao, Les6es dorsolaterais causam proble- mas com a meméria operacional, bem co- mo deficiéncia na capacidade de plane- jamento e execugao de planos de agao. A sindrome lateral traz dificuldades na sus- tentagao da atencio, perda de iniciativa e na capacidade de tomar decisées. Hé per- da da fluéncia verbal, bem como apatia e 38 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) depressdo. A sindrome causada por lesto orbitofrontal caracteriza-se por impulsivi- dade, distracao, hiperatividade, desinibicao e perseveracao. Jé a sindrome medial (e do Cingulo anterior) gera perda da iniciativa e da espontaneidade, apatia e hipocinesia. O cértex pré-frontal, particularmente a regiao dorsolateral, é lento no seu desen- volvimento. As fibras af originadas, que via- jam pela substancia branca, mielinizam-se de modo progressivo até a terceira década de vida, o que tem consequéncias no desen- volvimento das fungées cognitivas. Porém, essa regido cortical é uma das primeiras a mostrar involugdo no processo de envelhe- cimento (diminuigao no tamanho dos neu- ronios e na densidade sindptica), produ- zindo dificuldades na atengao, na meméria operacional e mesmo na capacidade de pla- nejamento (Fuster, 2008; Rolls & Grabe- nhorst, 2008; Stuss & Levine, 2002; Tanji & Hoshi, 2008; Wise, 2008). AREAS LiMBICAS ‘As areas limbicas dispdem-se nas faces me- dial e inferior do cérebro, formando um anel em torno das estruturas do diencéfalo e do tronco encefalico. Esse anel cortical é tradi- cionalmente conhecido como lobo limbico Giro do cingulo Area pré-frontal medial FIGURA 2.8 0 lobo limbico, com visualizagao do hipo- campo e da amigdala. (limbo = borda) e € constituido de alocér- tex, ou seja, regiGes que no possuem as seis camadas de células encontradas na maior parte da superficie do cérebro. Inicialmente, pensava-se que ele tivesse funcoes olfatérias, mas ao longo do século XX verificou-se que a maioria de suas fungoes estava relaciona- da com as emogoes, a aprendizagem, a me- méria e 0 controle visceral. As conexGes des- sas regiGes so extensas e incluem estruturas subcorticais e mesmo do tronco encefalico; foi proposto que, em conjunto, elas fariam parte do chamado sistema limbico. Contu- do, esse conceito tem sido questionado, nao s6 porque nao ha acordo sobre quais seriam 0s seus componentes, mas também porque nao ha evidéncias de que suas fungoes se- jam executadas por meio do funcionamen- to de um sistema auténomo (Heimer, Van Hoesen, Trimble, & Zaham, 2008). Iremos, entdo, descrever de forma sucinta as prin- cipais estruturas do lobo limbico, com suas conex@es e fungoes. Recomenda-se, aos inte- ressados, a consulta a um texto geral de neu- roanatomia (ver, p. ex., Cosenza, 2013). Fazem parte do lobo Iimbico a regiao do septo (Area subcalosa), 0 giro do cingulo, 0 giro para-hipocampal, o hipocampo, par- te da insula e da amigdala, 0 polo temporal ¢, ainda, as porcdes medial e orbital da area pré-frontal (Figs. 2.8 2.9). Hipocampo Pat@-hipocampal Amigdala Regio orbitofrontal 2.9 Visdo inferior do hemisfério cerebral, com iras do lobo limbico (amigdala e regio orbitofrontal). E bom lembrar que nessas estrutu- observa-se uma transicao gradativa en- /as dreas nitidamente alocorticais, co- o hipocampo, e 0 isocértex, que ocupa ior parte da superficie cerebral. Nessas de transi¢do incluem-se, por exemplo, ’s da insula e do cértex pré-frontal me- e orbital (Heimer et al., 2008; Mesulam, ). la sula localiza-se no interior do sulco la- constituindo-se como um dos lobos icais. Tem uma porco posterior, que é tical, e uma porcao anterior, que ndo sa_estrutura e se funde com o.cértex fofrontal (Fig. 2.9). Ela tem conexdes rocas com outras estruturas limbi- como o giro do cingulo, eas medial e orbital do pré-frontal, a amigda- também com 0 corpo es- ventral (Nieuwenhuys, }). Ela recebe e processa 1agdes visceroceptivas que se tornam jentes, as quais incluem as sensacdes Grins A insula parece integrar as in- MUS ee Dees Ce Neuropsicologia 39 intestinais, respirat6rias ¢ cardiovasculares. Sao percebidos na insula o toque sensual e a estimulagao sexual, as cécegas e sensacbes térmicas. Ela participa também da percep- 40 da dor e seus componentes emocionais. A insula parece integrar as informacées viscerais e do sistema nervoso auténomo com as fungées emocionais e motivacio- nais (Craig, 2010; Menon & Uddin, 2010). Bla esté envolvida nos processos conscien- tes ocasionados pelo uso de drogas psico- ativas e poderia incentivar 0 seu consumo, levando a drogadicao (a insula recebe iner- va¢ao dopaminérgica, possivelmente envol- vida na mediagao da gratificacéo proporcio- nada pelo uso dessas substancias) (Naqvi & Bechara, 2010). Polo temporal O polo temporal (drea 38 de Brodmann) localiza-se na por¢do mais anterior do lobo temporal. Tem conexGes com a amigdala, 0 cértex orbitofrontal e com o hipotilamo. Recebe informacées sensoriais olfatorias, gustativas é relacionadas com a visio ea audigao. Além disso, parece ter papel na in- tegracao limbica/sensorial, participando do processamento emocional nas interacdes Sociais (Olson, Plotzker, & Ezzyat, 2007; Ol- son, McCoy, Klobusicky, & Ross, 2013). Giro do cingulo O giro do cingulo circunda 0 corpo calo- so na face medial do hemisfério cerebral (cingulum = cinto). Nele se encontram as regides anterior, posterior e retroesplenial, com conexdes e fung6es distintas. A primei- ra, intimamente ligada e em continuidade com 0 cértex pré-frontal medial, est4_im- plicada no processamento da dor, da aten- go ¢, ainda, na selecdo de agoes motoras 40 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) ligadas 4 motivacao. Tem conexdes com a regio pré-frontal, o télamo, a amigdala e também com os cértices pré-motor ¢ mo- tor. A regiao posterior participa no proces- samento visuoespacial e tem conexdes com 0 c6rtex pré-frontal dorsolateral. Ja a regiao retroesplenial tem sido relacionada_ com a memoria e mantém conexdes com o lo- bo temporal medial (hipocampo) e 0 cér- tex pré-frontal dorsolateral. Lesdes cingu- lares podem provocar apatia, mutismo e mudancas da personalidade. A doenga de Alzheimer, a esquizofrenia, a depressio ¢ 0 transtorno obsessivo-compulsivo sao trans- tornos em que 0 giro do cingulo parece es- tar envolvido (Etkin, Egner, & Kalisch, 2011; Hayden & Platt, 2010; Vogt, 2005; Vogt, Hof, & Vogt, 2004). Hipocampo O hipocampo é uma formacao cortical, vi- sivel como uma eminéncia no assoalho do corno infe- rior do ventriculo lateral. E a estrutura mais conhecida da chamada formagao hipo- campal, que inclui ainda o giro denteado, o cértex en- torrinal (giro para-hipocam- pal) ¢ 0 complexo subicular (subiculo, pré-subiculo e parassubiculo).” Essas estruturas formam uma unidade indissocidvel, tanto do ponto de vista mor- folégico quanto funcional. © hipocampo tem vastas conexdes com miiltiplas 4reas do neocértex, que sao feitas por intermédio do cortex entorrinal, em relacao tanto as aferéncias como as efe- réncias. Portanto, 0 hipocampo recebe as Teed ee Pe Pee ee ey Pe ceaT Ey * O cértex entorrinal corresponde a porgdo mais an- terior do giro para-hipocampal. No interior do hipo- campo propriamente dito costumam-se delimitar, do ponto de vista histolégico, as areas CA1, CA2 e CA. Gea ec OL COR ELL OL informagoes vindas dessas regides corticais e, depois de executar seu processamento, as devolve, por uma via semelhante. Por meio das fibras que viajam pelo fornix, ele tem relaces com numerosas estruturas envolvi- das no controle das emogées, como a drea septal, a amigdala, partes do talamo e do hi- potilamo, 0 corpo estriado ventral, além de areas da formacao reticular. Existem tam- bém conexées comissurais, que ligam os hi- pocampos dos dois hemisférios cerebrais (Amaral & Lavenex, 2007). Sabe-se que a lesao bilateral do hipo- campo acarreta uma amnésia anterégra- da global, indicando que a formasao hipo- campal é importante para 0 processamento da memoria declarativa (Scoville & Milner, 1957). Parece, no entanto, haver diferentes regides funcionais no hipocampo. A por¢ao posterior estaria envolvida com os proces- sos cognitivos de aprendizagem e memoria, particularmente aqueles associados a nave- gacdo, exploracao do ambiente ¢ locomo- sao. O hipocampo anterior, em contrapartida, faz_parte dos circuitos do lobo tempo- ral envolvidos com a emo¢ao e 0 comportamento motiva- do (Fanselow & Dong, 2010). Hoje, sabe-se que novos neurénios sio formados no sistema nervoso central de- pois do nascimento, contrariando um an- tigo dogma neurobiolégico. O hipocampo € uma regido na qual ocorre neurogénese ao longo de toda a vida, o que se revela im- portante para a execugao de suas fungées (Deng, Aimone, & Gage, 2010). Aexemplo do que acontece em outras dreas cerebrais, sabemos que no proceso de envelhecimento normal nao existe uma perda neuronal significativa no hipocam- po. Contudo, na doenca de Alzheimer ocor- re uma acentuada diminuigao de neurénios na formagao hipocampal, provocando um isolamento funcional de suas estruturas, 0 que explicaria a deficiéncia de meméria, DOS BORN) Om Ls 1a das caracteristicas mais evidentes des- doenga (Walker, Chan, & Thom, 2007). dala umigdala cerebral, ou nticleo amigdaloi- situa-se no interior do lobo temporal, te € acima do hipocampo. A amigda- formada por sub-regides que tém dife- ates caracteristicas estruturais e conexdes. abora nao haja consenso na forma como pode ser subdividida, admite-se que sua o centromedial é mais primitiva e esta da ao sistema olfatério, enquanto a por- @ basolateral (ou corticobasolateral) se- mais recente. Esta iltima tem uma for- améndoa, 0 que deu origem ao nome ‘estrutura. Alguns autores propdem que a lala se estende medialmente, forman- ‘© nticleo leito da estria terminal, que ipa uma area da substancia inominada base do cérebro. A amfgdala basolate- pode ser considerada uma extensio do cerebral, embora nao tenha as suas das celulares caracteristicas, ao pas- que a amigdala centromedial parece ser lente ao corpo estriado ventral. As informacoes sensoriais, de modo chegam a porgao basolateral da amig- algumas ja modificadas por sua passa pelas areas secundarias e terciérias do tex cerebral. Conexdes com a regiao pré- ntal do cértex cerebral também sao im- tantes. A regiao basolateral manda fibras a regiéo centromedial da amigdala, sa porcéo tem uma funcao executora, meio de suas conexdes reciprocas com Neuropsicologia 41 como o medo) e na regulacao do compor- tamento agressivo e estaria envolvida nos mecanismos de recompensa e suas impli- cagdes na motivacao. Ela participa também de processos cognitivos, como a atenco, a percepgao e a meméria e seria importante na atribuicao do significado emocional dos estimulos externos. Projecdes da amigdala que chegam ao hipocampo podem reforcar a meméria de eventos com contetido emo- cional. Lesdes na amigdala, assim como sua desconexao, provocam uma dissociagao en- tre os processos sensoriais e emocionais. Essa dissociago aparece, por exemplo, na chamada sindrome de Kluver e Bucy, que é consequéncia da desconexao entre a amig- dala e o cértex temporal. Pacientes com le- sao amigdaliana nao sao capazes de reco- nhecer faces ameacadoras nao confidveis ou que expressam medo, deixando de reagir de forma adequada e adaptativa. Existem duas vias de acesso pelas quais a am{gdala pode processar estimulos como os de expresses faciais de medo: uma via télamo-amigdaliana direta e uma talamo- -cortical-amigdaliana. A primeira permite uma deteccao grosseira dos estimulos peri- gosos, enquanto a segunda possibilita uma andlise mais detalhada dos estimulos e me- deia aprendizagens como 0 condiciona- mento do medo. Experimentos em animais demonstraram que uma lesdo na amigdala impede 0 condicionamento de respostas de medo, 0 que é vital para a sobrevivéncia do organismo (LeDoux, 2008). Em sintese, a amigdala participa de circuitos em que ocorre uma interagao en- eas olfatérias do cortex, © hipotdlamo e areas de nacao reticular do tronco efalico (De Olmos, 2004; mer et al., 2008). A_amigdala_tem_ si- mplicada na coordena- as respostas emocionais ipalmente as aversivas, EUR en eye Pee ees emocionais (principalmente as Be ee ey eee mene) SCR Scum) nos mecanismos de recompen- sa e suas implicagées na mo- cTEPeETS tre as informacées vindas do meio externo, configuran- do a realidade ambiental, e as informagées vindas do meio interno, configurando as ne- cessidades do organismo em determinado momen- to. O processamento des- sas informagées permite o 42 Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza (orgs.) _ desencadear de respostas au- tonémicas e comportamen- tais, bem como a interferén- cia nos proprios processos ideacionais. 0 MODELO DAS REDES NEUROCOGNITIVAS E Deere CCC] PO ee CUE Ser Og Pee Carlee Cd isolados, mas deriva do pro- Fee grande nimero de elementos OT SCPC ea pré-frontal medial, 0 giro do cingulo posterior € 0 lo- bo temporal medial. Essa re- de mostra-se ativa quando as pessoas estao em estado pas- sivo, nao pressionadas por eventos externos e imersas no seu fluxo de pensamento, processando suas memorias O CORTEX CEREBRAL © conceito de que existem reas corticais especializadas ou dedicadas a funcdes espe- cfficas, como a linguagem, a atencao ou a meméria, vem sendo cada vez mais critica- do e substituido pelo modelo das redes ner- vosas dedicadas (Bressler & Menon, 2010; Catani et al., 2013; Parvizi, 2009). Tanto Luria (1973) como Mesulam (2000), por exemplo, j4 propunham que, em relacdo 4 cognicao, devemos prestar atencao a sistemas funcionais, ou redes in- tegradas. Segundo Mesulam (2000), pelo menos cinco redes de larga escala poderiam ser identificadas: uma para atengao espacial, com epicen- tros nos c6rtices parietal, pré-frontal e giro do cingulo, com predominancia direita; 2. uma para linguagem com epicentros frontal (drea de Broca) e temporopa- rietal (area de Wernicke), com predo- minancia & esquerdas 3. uma para meméria e emosao, com epi- centros no hipocampo e amigdala; 4. uma para fungoes executivas, com epi- centros nas regides pré-frontais; e 5. uma para identificacao de faces e ob- jetos, com epicentros no lobo tempo- ral inferior e polo temporal. Mais recentemente, 0 uso das técnicas de neuroimagem veio demonstrar a exis- téncia de uma rede denominada “rede ce- rebral padrao” (brain’s default network), a qual envolve estruturas como o cértex e seu planejamento de acées para o futuro (Buckner, Andrews-Hanna, & Schacter, 2008). A cognicao, seguramente, é um fend- meno derivado do funcionamento dos cir- cuitos neurais. Ela nao pode ser localizada em sinapses ou neurénios isolados, mas de- riva do processamento que ocorre em um grande ntimero de elementos nervosos in- terconectados de forma complexa. As fun- ‘Ges cognitivas resultam de transagdes neu- ronais que ocorrem em miiltiplos circuitos distribuidos, os quais se entrelagam e inte- ragem de modo continuo. As redes se orga- nizam hierarquicamente, mas os neurénios situados em uma regiao cortical podem in- tegrar mais de um circuito e, portanto, po- dem participar de vdrias fungdes (Fuster, 2008; Sporns, 2011). Todas as fungdes de que o cortex ce- rebral participa sao, na verdade, produtos de operacoes no interior de circuitos e das interagdes entre redes, que envolvem tam- bém estruturas subcorticais. Estruturas co- mo 0 tdlamo, o corpo estriado, 0 cerebelo, 0 hipocampo e a amigdala tém papel impor- tante nos miltiplos circuitos que dao su- porte aquelas fungoes que tém sido atribui- das ao cértex cerebral. E bom lembrar que o modelo de redes nervosas permite superar a antiga oposicao entre os localizacionis- tas, que advogavam a existéncia de centros ‘nervosos corticais, e os holistas ou distribu- tivistas, que afirmavam que todas as dreas corticais podiam assumir qualquer fungao. Frequentemente, muitas influéncias externas e internas entram em competi¢io nessas redes, demandando atengao, aces e de decisao. As areas cerebrais par- es cooperam para a execugao das plas fungdes, mas a computagao ce- pode ser feita pela competicao entre rmacoes circulantes simultaneamen- diferentes redes, de forma que sairé dora” aquela que for mais compati- adequada as necessidades do orga- naquela circunstancia (Fuster, 2008; ret al., 2008). Muitas redes funcionam por um mo- de processamento paralelo, com vias cas € reentrantes (que se originam nam ao cortex). E esse, por exem- = © modelo encontrado nas relagdes en- ‘0 corpo estriado e o cértex cerebral (Fig. ). Enquanto um determinado circuito ibe um determinado canal, outros cir- fos Corticoestriados paralelos mantém a igo em canais préximos, que estdo en- idos em programas competitivos des- ssdrios. Assim, pode ser executado o ama selecionado, enquanto os demais cancelados (Fig. 2.11). Sistemas artificiais de controle (ro- ) tém sido programados dessa forma: Cortex cerebral Nécleo caudado Talamo Globo pélido RA 2.10 Corte frontal em hemisfério cerebral, com liza¢ao do circuito reentrante entre o cértex cerebral ‘corpo estriado. _— Neuropsicologia 43 canais competitivos submetem separada- mente propostas (excitatorias) a um meca- nismo central de selecao; apés uma anilise da relevancia dos dados recebidos, o seletor promove a desinibicao do competidor vito- tioso, que fem acesso aos mecanismos efe- tuadores, enquanto os demais sao inibidos. O mesmo tipo de arquitetura pode funcio- nar em diferentes niveis de uma hierarquia funcional ~ poderia atuar, por exemplo, na selecao de uma estratégia comportamental global, na selecao das acoes necessérias para se atingir um determinado objetivo ou na selegdo de movimentos particulares neces- sdrios para determinada acao. Parece que existe no cérebro um con- tinuo de circuitos paralelos, cada um deles tendo origem em areas corticais delimita- das, passando por estruturas subcorticais e eventualmente retornando ao cértex, ha- vendo independéncia dos circuitos que se originam e circulam em dreas adjacen- tes. Esses circuitos podem, entao, inibir e/ ou facilitar a atividade do cértex que lhe deu origem. Tudo indica que nao apenas as areas do isocértex participam desses tipo de circuito, mas também as Areas limbicas, como o hipocampo, as regiGes olfatérias e a propria amigdala cerebral. Trata-se, por- tanto, de um modelo abrangente da forma Cortex cerebral FIGURA 2.11 Visdo esquemética de circuitos reentrantes paralelos entre o cértex cerebral e 0 corpo estriado. de funcionamento de todo o cértex cerebral.” Heimer e colaboradores (2008) propoem que existem sistemas anatomofuncionais no cérebro que apresen- tam um modelo padrao de circuito, o qual constitui- ria a base do funcionamento .) Os niicleos da base sao impor- Pree ree ete tas externas, nas quais interfe- a ee eee wee ee s4o fundamentais nas respos- See ea quais so importantes a parti- eer ey neurotransmissor), como 0 corpo estriado, partes da amigdala ou a regido septal. Essas estruturas enviam pro- jecoes que podem retornar ao c6értex (com uma sinapse no talamo) ou vao para cen- tros efetuadores somiticos e autondmicos, como a forma- hipotatamo e a formagao reti- do cértex cerebral. Segundo FS eles, as areas corticais costu- mam enviar proje¢ées glutamatérgicas pa- ya estruturas subcorticais (que utilizam o GABA [acido gama aminobutirico] como cao reticular e 0 hipotélamo (Fig. 2.12). Pode-se observar uma caudalizacao progressiva na organizacao das projecoes desses macrossistemas: enquanto 0 corpo estriado retorna mais informacoes ao cér- tex, a amigdala, por exemplo, atua mais nos mecanismos efetuadores, sobretudo visce- rais. Os nticleos da base sao importantes na selegao das respostas externas, nas quais in- terfere diretamente o cértex cerebral; jé as estruturas limbicas sao fundamentais nas respostas viscerais e emocionais, nas quais sdo importantes a participacao de estrutu- ras como o hipotalamo e a formacao reti- cular. Os diferentes circuitos, ou macrossis- temas, estao enyolvidos em funcées diferen- tes. A amigdala, por exemplo, esta envolvida nO processamento das informagées sobre 0 risco potencial de um evento e pode pro- duzir respostas que levarao ao medo, a fuga ou a paralisacao. Ja o cértex orbitofrontal é sensivel a estimulos positivos, com poten- cial de fornecer gratificagio, os quais levam a escolha de comportamentos de aproxima- cao. As informagoes, ainda que conflitivas, so processadas e integradas de modo que o comportamento, as sensagdes € a cogni¢ao resultantes sejam os mais adequados para o organismo naquelas circunstancias. Nesses circuitos, cabe salientar 0 papel das inervacées derivadas dos grupos neuro- nais catecolaminérgicos e colinérgicos, que tém uma projegao difusa e modeladora pa- ra 0 cértex cerebral e muitas regides sub- corticais, Essas projecdes moduladoras sao importantes para que o organismo, a cada FIGURA 2.12 Visdo esquemdtica dos circuitos entre o cértex cerebral e outras estruturas do sistema nervoso central importantes para o controle do comportamento da cognigao. A= amigdala, E = corpo estriado, Ev = corpo estriado ventral, FR = formacao reticular, H = hipotalamo, NM = centro motores sométicos e viscerais na medula es- pinhal e tronco encefalico, VMS = vias motoras somaticas. * Os circuitos de que participam as estruturas limbicas interagem com corpo estriado ventral (nucleus acum- bens e globo pilido ventral), e nio com o estriado dorsal. mento, selecione os estimulos salientes ignore os nao salientes, flexibilizando o portamento mais adequado para o ob- 0. O estudo das fungées cerebrais por io da abordagem das redes neurocogni- parece promissor para entender algu- disfungSes, como o transtorno de défi- de atencao/hiperatividade, as doengas de inson e de Alzheimer, a esquizofrenia esmo o envelhecimento cerebral. Todas parecem estar relacionadas a problemas ‘coordenacio ou de desconexio no fun- amento das redes neurocognitivas que rtam as diferentes fungées cerebrais. ENCIAS ev, Y., & Posner M. I. (2005). How the brain 5 following damage. Nature Neuroscience, 1424-1425. » S., & Shukla, $. (2012). Mirror neurons: of the metaphysical modular brain. Jour- natural science, biology, and medicine, 3(2), = C., Arnott, S. R., Hevenor, $., Graham, S., 5 C. L. (2001). “What” and “where” in the auditory system, Proceedings of the National of Sciences of the United States of America, 12301-12306. D., & Lavenex, P. (2007). Hippocampal tomy. In P. Andersen, R. Morris, D. Amaral, & J. O'Keefe. (Eds), The hippocampus book 114). 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