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Jean Brum
Na primeira parte do texto, Corrêa dedica-se a uma exploração, ainda que breve,
das categorias apontadas por Santos. Encarando o espaço como um produto social, que
é ao mesmo tempo reflexo, meio e condição da reprodução social, Corrêa aponta que as
categorias elencadas por Santos configuram-se como elementos essenciais para a análise
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SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo, Nobel, 1985.
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CASSIRER, E. A Filosofia das Formas Simbólicas. Vol. 1, A Linguagem. São Paulo, Martins Fontes,
2001(1953).
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das dinâmicas espaciais. O autor destaca que a categoria estrutura se refere à própria
organização da sociedade, em suas dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais.
A estrutura, contudo, não é estática; o conjunto de mecanismos e ações a partir dos
quais a estrutura se movimenta são considerados como o processo. A noção de função
abarca as atividades sociais que permitem a reprodução social, sendo a forma,
compreendida como uma criação humana material ou não material, meio pelo qual as
atividades se realizam. As quatro categorias são apresentadas como indissociáveis entre
si, mantendo uma relação dialética. Corrêa busca sintetizar as quatro categorias em dois
conjuntos, estrutura-processo e função-forma, ou, como o próprio autor sugere,
simplesmente processo e forma, afinal, tais pares manteriam relações estreitas de co-
construção. A relação entre processo e forma é explorada por Corrêa através do
comentário sobre algumas das possíveis maneiras pelas quais esses pares interagem, a
fim de avançar na compreensão das implicações em assumir essas categorias no estudo
da organização do espaço. No entanto, para que este espaço, encarado como produto-
produtor social, se torne inteligível é preciso reconhecer o papel estruturante dos
significados; apenas a luz dos significados as coisas ganham coerência. Corrêa propõe
os significados, apoiando-se, sobretudo, em Cassirer e nos postulados da geografia
cultural (tanto a Saueriana como a pós-70), como um complemento as categorias já
destacadas, dando origem, nas palavras do autor, a uma tríade; processo, forma e
significado.
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busca por deslocar-se em direção ao litoral e estabelecer aldeamentos próximos a essas
regiões está pautada no mito de que o paraíso (yvy maraey, a terra sem mal) está
localizado além do Atlântico, e que é preciso cruzar o oceano para atingi-lo3. Yvy
Maraey é um espaço, composto de processo, forma e significado; assim como Corrêa
defende, é uma forma simbólica não material, existe apenas na mente dos índios mbya,
mas, como argumentamos, tem fortes implicações materiais, pois é através deste mito
que o grupo constrói seu padrão migratório. Assim como os mbya, cada um de nós
possui suas próprias formas simbólicas não materiais que definem nossas práticas e
espaços materiais, reconhecê-las e interpreta-las exige um esforço em repensar as bases
teóricas da geografia. Acreditamos ser este um desafio preciso para a geografia, e o
reconhecimento de Corrêa do significado como categoria necessária a análise espacial
representa um caminho para descortinar essas questões, sem deixar encerrar-se em uma
matriz de pensamento única e excludente.
3
LADEIRA, M. I. O Caminhar Sob a Luz- Território mbya à beira do oceano. São Paulo, UNESP, 2007.