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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA DA

COMARCA DE CANOINHAS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA


CATARINA, por seus Promotores de Justiça ao final assinados, com
fundamento nos arts. 127 e 129, III, da Constituição da República,
bem como no art. 82, I, do Código de Defesa do Consumidor e no art.
5º da Lei nº 7.347/85, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em defesa dos
direitos e interesses dos consumidores, em face de:

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO CONTESTADO,


CAMPUS CANOINHAS, pessoa jurídica de direito privado,
domiciliada na rua Roberto Ehlke, 85, Canoinhas/SC, CEP 89.460-000.

1. Objeto da ação

Esta ação civil pública tem por objetivo obter provimento


jurisdicional que declare o dever da ré em prestar informações
corretas, claras, precisas e ostensivas sobre o serviço educacional de
graduação em Optometria que oferece, condenando-a a modificar
seus instrumentos de veiculação de publicidade para se adequar a
este dever, além de indenizar os prejuízos patrimoniais e
extrapatrimoniais até o momento sofridos pelos alunos já
matriculados ou já formados.

1
Objetiva também obter provimento que determine à ré
que imediatamente se abstenha de permitir a realização de consultas
oftálmicas e/ou exames de acuidade visual (prescrição, indicação e
aconselhamento de uso de lentes de grau) pelos alunos e professores
não-médicos do curso de Optometria.

2. Síntese da lide

Em resumo, o campus de Canoinhas da Universidade do


Contestado (doravante apenas UnC) oferece semestralmente 50
vagas para o curso superior de graduação em Optometria, vinculando
a oferta do curso às expectativas do mercado ao referir-se
principalmente à possibilidade do futuro profissional em identificar
problemas refrativos e prescrever lentes compensadoras.

Como se verá adiante, em todo o material publicitário da


ré constam informações que levam o consumidor a crer que o
mercado de trabalho é “vasto e em expansão”, e que a graduação do
optometrista permite que atue prevenindo, detectando, protegendo e
compensando problemas de visão, sem contudo deixar claros os
limites da profissão.

Além disso, a requerida vem permitindo que seus alunos


de optometria prescrevam e receitem lentes de grau em suas
dependências, mantendo verdadeira clínica de optometria na cidade.

Todavia, como é clara a legislação aplicável e como assim


têm reiteradamente decidido os tribunais, a profissão de optometrista
é limitada pela profissão de médico oftalmologista, ou seja, o
optometrista não pode atuar na área reservada à medicina oftálmica.

Este dado é que o Ministério Público do Estado de Santa


Catarina entende deva ser correta, clara, precisa e ostensivamente
informado ao consumidor do serviço educacional, de modo a atender
ao disposto no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor.

2
E por ter havido divulgação enganosa do curso durante
todos os anos de sua existência, entende o Ministério Público devam
ser ressarcidos os danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos
pela coletividade que estava sujeita à publicidade e que ingressou no
curso desinformadamente.

Por outro lado, a legislação vigente proíbe ao


optometrista “indicar ou aconselhar o uso de lentes de grau, sob pena
de processo por exercício ilegal da medicina”, não sendo possível que
a ré admita, como vem admitindo, que seus alunos ou professores
exorbitem as funções de optometristas, clinicando como se médicos
oftalmologistas fossem, indicando ou aconselhando o uso de lentes
de grau.

3. Questão de fundo

Não é possível compreender a questão jurídica de fundo


sem antes ter clara a diferença técnica entre optometria e
oftalmologia. Brevemente apontar-se-ão as origens históricas da
optometria, para que se tenha clara a situação jurídica subjacente.

A Optometria é o estudo das técnicas e tecnologias úteis


na medição da acuidade visual e na confecção de lentes para
correção dos erros de refração. Trata com mais ênfase a medida do
erro de refração do olho, sem contudo apreciar questões de ordem
patológica. Assim, por exemplo, doenças do olho seriam tratadas por
oftalmologistas, ao passo que miopias meramente refrativas, ou seja,
miopias causadas unicamente por erro no potencial de refração do
olho, seriam tratadas por optometristas.

A Optometria nasceu no fim do século XIX, quando os


conhecimentos oftalmológicos caminhavam a passos curtos e os
problemas de refração visual acabavam sendo os únicos com reais
possibilidades de solução. Da mesma forma que os odontologistas da
época, na ignorância da real causa, resolviam os problemas bucais

3
com a simples extração do dente, os optometristas prescreviam
óculos ao menor sinal de falta de acuidade visual.

Separava-se radicalmente, até mesmo por


desconhecimento da patologia ocular, as ametropias, ou seja, os
distúrbios dos poderes de refração do olho (miopia, hipermetropia,
astigmatismo e presbiopia) de todas as outras doenças oculares.

Neste contexto nasceu a optometria, de “um equívoco


fundado na ignorância médico-oftalmológica da época: o de que os
problemas oftalmológicos se resumiam à necessidade de óculos e se
resolviam com a prescrição deles”1.

No entanto, como salienta Flávio Winkler, não há como,


no atual desenvolvimento tecnológico da ciência oftalmológica,
distinguir os problemas de refração visual (ametropias) das próprias
doenças oculares. “Há ametropias que são doenças (miopia maligna,
por exemplo), como há doenças, oculares e sistêmicas, que causam
ou agravam ametropias”.

Por exemplo, a miopia (dificuldade para enxergar de


longe) pode ser causada por inúmeras doenças, algumas até mesmo
bastante conhecidas do leigo em medicina, tal como a diabetes e a
catarata. Além delas, podem causar miopia, segundo o autor citado,
doenças como espasmo ciliar (funcional, medicamentoso, traumático,
tóxico), toxemia gravídica, intoxição medicamentosa (sulfas,
inibidores da anidrase carbônica, fenotiazidas, arsenicais), síndrome
de Horner, fibroplasia retrolental, homocistinúria, síndrome de
Marfan, de Marshali, de Kenny, de Schwartz, de Stickler, de Weili-
Marchesani, de Cornelia De Lange, de Ehlers-Danlos, do cromossoma
XXXXY, de Noonan, de Alport e miastenia grave.

Todavia, com a evolução das ciências médicas descobriu-


se que nem sempre a existência de uma dificuldade de refração
ocular (uma ametropia) requer o uso de lentes corretoras. Ao

1
WINKLER, Flávio. In http://www.apo-pr.com.br/proj2a.asp.

4
contrário, há situações em que a prescrição de óculos, mesmo
quando se diagnosticou uma ametropia, agrava o sintoma que
motivou o paciente a procurar recursos.

Ainda com Flávio Winkler: “É também sabido que,


freqüentemente, a queixa do paciente nada tem a ver com seu
quadro refratométrico, mas se fundamente na existência de doenças
oculares outras, em geral graves, que só o oftalmologista pode e sabe
diagnosticar e tratar.”

Por isso, completa o autor: “Diante dessa realidade


médica atual e da complexidade fisiopatológica do olho, fica claro que
falta ao optometrista o conhecimento indispensável para orientar o
paciente com segurança, sem comprometer ou agravar ou seus
problemas visuais. E, o que é pior, o exame ocular do optometrista,
rudimentar e incompleto por insuficiência de conhecimentos e de
meios semiológicos, vai, com certeza, passar ao largo de muitas
doenças oculares e sistêmicas que o oftalmologista fácil e
prontamente diagnostica”.

Por isso a prescrição, a indicação e o aconselhamento


sobre o uso óculos e de lentes de contato é, do ponto de vista
jurídico, ato exclusivamente médico.

Além desses fatores de ordem médica, estão a justificar a


proibição da prescrição de óculos e lentes pelos optometristas
questões mais intimamente afetas ao direito do consumidor. Como
prova a experiência de países que adotam a dicotomia
optometria/oftalmologia, permitir que o proprietário de uma ótica – o
maior interessado na venda de óculos – avalie por si só o grau de
acuidade visual e prescreva ou aconselhe o uso de lentes corretoras
gera o sério risco de incentivar o consumo inadequado deste delicado
produto.

De fato, não se pode deixar de levar em consideração


que, como vendedor de lentes, o optometrista fatalmente teria maior

5
propensão para prescrever lentes mesmo quando não forem
necessárias.

No Brasil dois decretos regulamentam o exercício da


oftalmologia e do comércio de lentes de grau. O primeiro é o Decreto
nº 20.931/32, que cita os optometristas em dois momentos; o
segundo, é o Decreto nº 24.492/34, que regulamenta o Decreto
anterior.

A leitura de ambos os decretos é suficientemente enfática


em determinar que a prescrição de lentes de grau é uma tarefa
exclusivamente médica. O art. 39 do Decreto n. 20.931/32, por
exemplo, diz que “é vedado às casas de ótica confeccionar e vender
lentes de grau sem prescrição médica [...]”2. O art. 41, por sua vez,
é claro em exigir que os óticos mantenham livros para arquivamento
das receitas médicas que executarem3.

O art. 38 do Decreto nº 20.931/32, por sua vez, menciona


que os optometristas não poderão ter consultórios para atendimento
de pacientes4.

Não bastasse isso, as óticas estão proibidas de ter em


suas dependências local apropriado para exames de vista, ou mesmo
equipamentos que se destinem a exames da acuidade visual ou
outros procedimentos que estejam afetos à atividade médica
oftalmológica e não sejam indispensáveis ao pleno funcionamento da

2
Art. 39. É vedado às casas de ótica confeccionar e vender lentes de grau sem
prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências
dos seus estabelecimentos
3
Art. 41. As casas de ótica, ortopedia e os estabelecimentos eletro, rádio e
fisioterápicos de qualquer natureza devem possuir um livro devidamente rubricado
pela autoridade sanitária competente, destinado ao registro das prescrições
médicas.
4
Art. 38. É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas
e ortopedistas, a instalação de consultórios para atender clientes, devendo o
material aí encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público, onde
será vendido judicialmente a requerimento da Procuradoria dos Feitos da Saúde
Pública a quem, a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do
leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo que as multas
sanitárias.

6
oficina e do mercado ótico5. Tal providência visa justamente a
proteger o consumidor, evitando que no afã do lucro o proprietário da
ótica receite lentes corretivas apenas para vender seu produto.

A legislação, como se vê, é clara em proibir


terminantemente ao profissional não médico a prescrição, o
aconselhamento e a indicação de lentes de grau para pacientes,
mormente – mas não somente – quando o profissional também for
proprietário de ótica.

Como os primeiros optômetras formados no Brasil


cursaram a Universidade Luterana do Brasil – Ulbra, no Rio Grande do
Sul, a jurisprudência daquele Estado já enfrentou a matéria por
diversas vezes, e, a partir do exame dos Decretos mencionados,
culminou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por fixar a tese
de que “O profissional formado em optometria não pode prescrever,
indicar ou aconselhar a utilização de lentes de grau, pois se trata de
mister exclusivo aos médicos oftalmologistas, conforme determinado
pelos artigos 38 do Decreto nº 20.931/32 e 14 do Decreto nº
24.492/34”6.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se manifestou


sobre o tema algumas vezes. No primeiro caso, examinando a
legalidade de ato da vigilância sanitária que indeferira alvará de
instalação, a Primeira Câmara de Direito Público decidiu que a
5
Vejam-se os diversos dispositivos do Decreto: Art. 13: “é expressamente proibido
ao proprietário, sócio, gerente, óptico prático e demais empregados do
estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou aconselhar o uso de
lentes de grau, sob pena de processo por exercício ilegal da Medicina, além das
outras penalidades previstas nas Lei”; Art. 14: “a venda de lentes de grau só poderá
ser feita com a apresentação da fórmula óptica do médico”; Art. 16: “o
estabelecimento comercial de vendas de lentes de grau não pode ter consultório
em qualquer de seus compartimentos”; Art. 17: “é proibido câmara escura e
aparelhos para exame ocular no recinto, bem como cartazes oferecendo exame
gratuito”.
6
TJRS, Agravo de Instrumento nº 70010901957, Rel. Desª. Iris Helena Medeiros
Nogueira. No mesmo sentido: Agravo de Instrumento nº 70010942167, Rel. Des.
Armínio José Abreu Lima da Rosa; AI nº 70008609463, rel. Desª. Helena Ruppenthal
Cunha. Do mesmo tribunal, AI n.º 70008420986, rel. Paulo Antônio Kretzmann, MS
596066431, rel. Araken de Assis, AC n.º 598059293, rel. Araken de Assis, AI n.º
70001313766, rel. Luis Roberto Imperatore Assis Brasil, AC n.º 70004392049, rel.
Guinther Spode.

7
atividade é exclusiva de médico oftalmologista. Aliás, nesta decisão,
cujo acórdão foi relatado pelo Des. Vanderlei Romer, decidiu-se haver
risco na suspensão do embargo da fiscalização sanitária, pois a
questão envolvia saúde pública7.

Noutro julgado, desta feita uma ação civil pública


proposta pelo Ministério Público, o Tribunal de Justiça decidiu que,
tomando também em consideração o perigo apresentado à saúde
pública, “entre os atos permitidos ao óptico prático pelo art. 9° do
Decreto n° 24.492/34, não se insere o de realizar exames
oftalmológicos, e, em razão do disto, receitar ao paciente a lente de
grau que entende cabível. É que o aviamento permitido a este
comerciante é aquele decorrente da apresentação, pelo consumidor,
de fórmula fornecida pelo médico oftalmologista devidamente
credenciado”8.

Também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em


parecer aprovado pelo Diretor-Presidente, decidiu que “nos termos
taxativos da legislação citada dessume-se que a receita de óculos e
de lentes de contato é ato médico, constituindo exercício ilegal da
medicina a sua prática por outros profissionais que não o médico
oftalmologista. [...] De outra parte, no Brasil, a optometria não
existe como profissão independente, constituindo parte
integrante e uma das especialidades mais importantes da
Oftalmologia, com extensa carga horária destinada ao aprendizado
teórico e prático nas residências oftalmológicas”9.
7
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGATIVA DE LIMINAR EM MANDADO DE
SEGURANÇA. ASSISTÊNCIA SIMPLES. PEDIDO INCABÍVEL EM WRIT OF MANDAMUS.
REJEIÇÃO. MÉRITO. INDEFERIMENTO, PELO CHEFE DO SERVIÇO DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA E EPIDEMIOLÓGICA MUNICIPAL, DE CONSULTA PARA A OBTENÇÃO DE
ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO DA IMPETRANTE, EM QUE
PRETENDIA EXERCER A PROFISSÃO DE TECNÓLOGA EM OPTOMETRIA. ATIVIDADE
EXCLUSIVA DE MÉDICO OFTALMOLOGISTA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL.
AUSÊNCIA DE FUMUS BONI JURIS. CARACTERIZAÇÃO, ADEMAIS, DO PERICULUM IN
MORA INVERSO, POSTO QUE A POSSIBILIDADE DE DANO RESULTANTE DO
DEFERIMENTO DA MEDIDA É SUPERIOR AO DO PREJUÍZO QUE SE DESEJA EVITAR.
DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO” (Agravo de instrumento n.
2004.021035-3, de Joinville. Relator: Des. Vanderlei Romer)
8
AC n. 46.963, de Biguaçu, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 07.11.1995.
9
Parecer n.º 1110/2000 - PROC/ANVS/MS, em anexo.

8
Em sentido contrário à tese adotada pelos dois tribunais,
invoca-se, por vezes, a Portaria nº 2.948, de 21 de outubro de 2003,
editada pelo Ministro da Educação e Cultura. A partir deste ato
passou-se a difundir que a profissão de optometrista estaria
finalmente reconhecida pelo MEC, embora tenha simplesmente
reconhecido o Curso Superior de Tecnologia em Optometria da Ulbra,
com a ressalva de que o fazia "exclusivamente para fins de emissão e
registro dos diplomas" dos alunos formados nos últimos cinco anos.

No entanto, tal entendimento – levantado principalmente


por leigos em Direito – precisa ser desde logo rechaçado, porque, em
primeiro lugar, não compreende que um ato administrativo de
Ministro de Estado da Educação e Cultura não pode reconhecer
legalmente uma determinada profissão. Falta-lhe competência.
Depois, olvida que a Portaria tão-somente reconheceu o curso de
optometria como um curso de nível superior, o que é
substancialmente diferente do reconhecimento de uma profissão.

Outro argumento por vezes invocado em sentido contrário


é o de que a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO faz expressa
referência à função de optometrista, sendo, portanto, reconhecida
juridicamente a função no Brasil.

Vale transcrever o texto da CBO, recentemente alterado


por uma Portaria do Ministério do Trabalho: “Técnicos em optometria
ou técnicos em ótica: Realizam exames optométricos; confeccionam
lentes; adaptam lentes de contato; montam óculos e aplicam
próteses oculares. Promovem educação em saúde visual; vendem
produtos e serviços ópticos e optométricos; gerenciam
estabelecimentos. Responsabilizam-se tecnicamente por laboratórios
ópticos, estabelecimentos ópticos básicos ou plenos e centros de
adaptação de lentes de contato. Podem emitir pareceres ópticos-
optométricos”.

9
Note-se que aqui que, além de não haver expressa
menção à possibilidade de o técnico em optometria prescrever,
indicar ou aconselhar o uso de lentes, qualquer interpretação que
adotasse este entendimento seria no mínimo ilegal, porque a Portaria
conflitaria com os Decretos citados, que têm força de lei ordinária por
haverem sido recepcionados pela Constituição.

O Poder Judiciário, analisando em sede coletiva a


legalidade deste ato modificador da Classificação Brasileira de
Ocupações decidiu, que a Portaria “contrasta com as leis em vigor,
porque o exercício de medicina é atividade permitida apenas para
pessoas que tenham obtido título de médico em instituições de
ensino superior, mediante aprovação de estudos, e que estejam
registradas no Conselho de Medicina do Estado onde estiver
clinicando”10.

Com base nestes entendimentos, inúmeros alvarás de


funcionamento de clínicas optométricas têm sido indeferidos, como
demonstram as decisões e os pareceres das secretarias de vigilância
sanitária acostados a esta peça inicial, impedindo juridicamente o
exercício da função tal qual propalada pela requerida.

4. Da publicidade enganosa – omissão de informação relevante

Mesmo diante de todo este cenário, a UnC-Canoinhas


define a Optometria como “uma atividade técnico-científica
responsável pelo exame primário da visão. O Optometrista é
capacitado a identificar e compensar os erros refrativos como a
miopia, a hipermetropia, o astigmatismo, entre outros; a
avaliar e tratar as anomalias não patológicas referentes à visão e
orientar para os cuidados preventivos” (folder promocional em anexo,
grifou-se).

Ainda segundo este documento, “no Brasil, as


perspectivas de trabalho aos optometristas são as melhores,
10
Ação Civil Pública nº 2005.34.00.007230-3, Poder Judiciário Federal, Seção
Judiciária do Distrito Federal.

10
considerando-se a expansão da atividade no país, onde há apenas
dois cursos destinados à formação profissional. Um deles é o da UnC
de Canoinhas”.

Noutro folder, destaca a ré que o “O campo para o


optometrista é muito vasto e em expansão no mundo, permitindo
ao profissional especializar-se em lentes de contato, refração, visão
infantil e geriátrica, terapia de baixa visão, verificação e controle dos
meios adequados para a prevenção, detecção, proteção,
compensação e melhoria da visão” (grifou-se).

Como se vê, a requerida oferece o serviço educacional


sempre vinculando-o às expectativas de mercado, ou seja,
correlacionando o sucesso profissional daquele que se propuser a
cursar a faculdade com a “possibilidade” de tornar-se um quase
oftalmologista.

Entretanto, essas informações veiculadas são


parcialmente falsas sobre o mercado de trabalho do optometrista e
capazes de induzir o consumidor a erro sobre esse dado relevante do
serviço educacional.

De fato, embora não se possa afirmar peremptoriamente


que todo acadêmico de optometria deseje no futuro estabelecer-se
como optometrista e prescrever, aconselhar ou indicar o uso de
lentes corretoras, pois poderá simplesmente cursar a faculdade pelo
prazer do estudo, é preciso levar em conta que parcela considerável
dos alunos têm objetivos profissionais como foco principal. É,
ademais, notório que boa parte dos estudantes de optometria é
proprietário, filho de proprietário ou funcionário de óticas ou serviços
similares, sendo razoável presumir que não ingressam no curso
apenas para ampliar seus conhecimentos teóricos.

Sendo assim, incide diretamente o disposto no caput e no


§1º do art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, que proíbe a
publicidade enganosa ou abusiva, considerando como tal “qualquer

11
modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário,
inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo
por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da
natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.

Veja-se que, embora não se trate de lei ou ato normativo,


o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, em seu
Anexo B, recomenda que a publicidade de educação, cursos e ensino
“não deverá afirmar ou induzir o consumidor a crer que a inscrição ou
matrícula no curso lhe proporcionará um emprego, a menos que o
anunciante assuma, no mesmo anúncio e com clareza, total
responsabilidade” e prometer “sucesso ou promoção garantida na
carreira profissional do aluno, a não ser que tais fatos sejam
comprováveis” (documento em anexo).

Ora, se, como leciona João Batista de Almeida, a


publicidade é considerada enganosa quando não atende aos
princípios da veracidade e da transparência11, é evidente que a
publicidade oferecida ao mercado de consumo pela requerida destoa
das diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser
prontamente coibida pelo Estado.

Portanto, entende o Ministério Público deva ser a


requerida compelida a, num prazo não superior a trinta dias, adequar
todo o seu material publicitário para fazer constar, de forma precisa,
clara e ostensiva, a informação de que o profissional de optometria
não pode prescrever, indicar ou aconselhar a utilização de lentes de
grau, pois se trata de mister exclusivo aos médicos oftalmologistas,

11
Pelo princípio da veracidade, “a publicidade deve ser escorreita e honesta,
segundo os requisitos legais. Deve conter uma apresentação verdadeira do produto
ou serviço oferecido. Visa a manter corretamente informado o consumidor, para
assegurar-lhe a escolha livre e consciente”. Pelo princípio da transparência, “a
publicidade deve fundamentar-se em dados fáticos, técnicos e científicos que
comprovem a informação veiculada, para informação aos interessados e eventual
demonstração da veracidade”. ALMEIDA, João Batista. Manual de Direito do
Consumidor. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 87.

12
conforme determinado pelos artigos 38 do Decreto nº 20.931/32 e 14
do Decreto nº 24.492/34.

5. Da ilegalidade na realização de consultas pelos alunos e


professores do curso

Como comprovam os documentos em anexo, a UnC


mantém verdadeira clínica de optometria em seu campus. Os folders
juntados à inicial demonstram que a requerida chega a oferecer às
comunidades de Canoinhas e região os serviços de exame refrativo,
aconselhando o uso de lentes aos pacientes que, na visão dos
acadêmicos e dos professores, delas precisem, já havendo atendido
mais de 43 mil pessoas.

Além do material publicitário, provam a existência dessa


verdadeira clínica cópias de algumas “receitas” de óculos prescritas
pelos professores e alunos do curso de optometria da UnC, condutas,
aliás, que são objeto de Inquérito Policial pelo crime de exercício
ilegal da medicina.

Do que se viu até o momento, fica claro que se os


graduados em optometria não podem prescrever, aconselhar ou
indicar o uso de lentes corretoras, tampouco o podem os acadêmicos,
quer estejam sob a orientação de professores ou não, sob pena de
incidirem em crime de exercício ilegal da medicina.

Tanto os Decretos nº 20.931/32 e nº 24.492/34 quanto a


jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do
Tribunal do Rio Grande do Sul abonam a tese. No mesmo sentido é o
Parecer nº 1.110/2000, da Procuradoria da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, em anexo12.

12
Do texto do Parecer mencionado extrai-se o seguinte trecho: “nos termos
taxativos da legislação citada dessume-se que a receita de óculos e de lentes de
contato é ato médico, constituindo exercício ilegal da medicina a sua prática por
outros profissionais que não o médico oftalmologista. De outra parte, no Brasil, a
optometria não existe como profissão independente, constituindo parte integrante e
uma das especialidades mais importantes da Oftalmologia, com extensa carga
horária destinada ao aprendizado teórico e prático nas residências oftalmológicas”.

13
Em sendo assim, a Fundação Universidade do Contestado,
por seu campus de Canoinhas, não pode permitir que em seu espaço
físico ou sob sua coordenação ou conivência, os acadêmicos
pratiquem atos privativos de médico, devendo ser determinado pelo
Judiciário que imediatamente encerrem o atendimento ao público, sob
pena de multa.

6. Responsabilidade por danos patrimoniais e extrapatrimoniais –


difusos e individuais homogêneos

O art. 20 do Código de Defesa do Consumidor disciplina


que “o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que
os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim
como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações
constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o
consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: [...] II – a
restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento
proporcional do preço”.

Por outro lado, os incisos IV e VI do art. 6º do Código de


Defesa do Consumidor erigem à categoria de direito básico do
consumidor a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem
como a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, inclusive sob o aspecto coletivo e difuso.

Por tudo que se viu até o momento, o serviço educacional


prestado pela requerida é díspar em relação às mensagens
publicitárias divulgadas, porque anuncia um curso de campo “muito
vasto e expansão no mundo, permitindo ao profissional
especializar-se em [...] detecção, proteção, compensação e
melhoria da visão”, fato que não demonstra a realidade.

Os consumidores lesados, portanto, substituídos nesta


Ação Civil Pública pelo Ministério Público, têm o direito de serem
reparados dos danos patrimoniais sofridos, ou seja, têm direito à

14
restituição das mensalidades pagas ou ao abatimento proporcional do
preço, nos termos dos arts. 91 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor. Para tanto, após a constituição do título executivo
judicial que condene genericamente13 a requerida à restituição ou ao
abatimento proporcional do preço, poderão as vítimas ou seus
sucessores, ou ainda o próprio Ministério Público, liquidar a sentença
e executá-la.

Mas, além do dano individual homogêneo acima tratado,


a publicidade enganosa gerou também responsabilidade civil a título
difuso, porquanto lesou número indeterminável de pessoas em
montante indivisível.

De fato, uma vez lançada a publicidade, é evidente que


quantidade indeterminável de interessados procurou mais
informações sobre o curso e dedicou parte de seu tempo a ilustrar-se
sobre a oferta, sendo razoável presumir que boa parte desta
população chegou a prestar o exame vestibular na confiança de que o
curso qualificaria profissionais para prescrição, indicação e
aconselhamento do uso de lentes de grau.

A conduta da requerida, de igual forma mas por outra


causa, gera o dever de indenizar, desta feita a título difuso. O dano
causado é extrapatrimonial, porque flagrantemente lesionada a
confiança14 do consumidor através da geração de uma expectativa
não confirmável objetivamente. Pôs-se em xeque, assim, a

13
Art. 95 do Código de Defesa do Consumidor: “Em caso de procedência do pedido,
a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos
causados”.
14
A confiança, ou boa-fé objetiva, é princípio da Política Nacional de Relações de
Consumo, conforme prevê o art. 4º, III, in fine, do CDC. Para Luiz Antônio Rizzatto
Nunes, “quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se no comportamento fiel, leal,
na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra.
É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar
lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato,
realizando os interesses das partes” (NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : Saraiva, 2000. p. 108).

15
credibilidade da relação jurídica existente entre os consumidores em
potencial e entre a requerida15.

E, assentando-se o dano extrapatrimonial difuso


justamente na agressão a bens e valores jurídicos que são inerentes a
toda a coletividade, de forma indivisível, não há como negar que
conduta como a da ré abala o patrimônio moral da coletividade, pois
é coletivo o sentimento de ofensa e desrespeito que o cidadão e sua
família acaba experimentando com a prática enganosa a que a
requerida o expôs.

Imagine-se o desconforto das centenas de estudantes


que, após pendurarem o diploma na parede de uma sala alugada no
centro da cidade, requerem alvará para instalação de seu consultório
optométrico e o têm indeferido sob o fundamento de que a profissão
não é reconhecida e de que a legislação vigente proíbe tal prática.
Até então, diretores, professores e todos os documentos da faculdade
faziam crer o contrário. A sensação de engodo, de fraude, de
verdadeiro estelionato é sem dúvida relevante, gerando o dever de
indenizar.

Ao dissertar sobre o dano moral coletivo, o professor


André de Carvalho Ramos assinalou com muita propriedade:
“Devemos considerar que tratamento aos chamados interesses
difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes
interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal
importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano
moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano
moral individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral
coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores
essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.
Imagine-se o dano moral gerado pela propaganda enganosa ou

15
Veja-se que segundo o art. 29 do Código de Defesa do Consumidor, equiparam-se
aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas
comerciais previstas nos arts. 30 e seguintes: oferta, publicidade, práticas abusivas,
cobrança de dívidas e bancos de dados e cadastros de consumidores.

16
abusiva, O consumidor potencial sente-se lesionado e vê aumentar
seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor,
bem como seu sentimento de cidadania”16.

O valor da indenização a ser pleiteada, também por esses


motivos, deve levar em conta o desvalor da conduta, a extensão do
dano e o poder aquisitivo da requerida.

Não se pode conceber que numa sociedade democrática,


onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que
venham garantir ao cidadão o pleno exercício dos atributos da
cidadania, inclusive com a efetiva implementação da legislação
consumerista, onde estão esculpidas garantias básicas ao consumidor
como o respeito à vida, à saúde, à dignidade, à adequada informação
acerca do produto, tenha lugar condutas como a da ré, que,
ludibriando o consumidor, aufere lucros astronômicos cobrando
mensalidades exorbitantes de seus alunos.

É dentro desse mesmo contexto que não se pode


esconder a grande extensão do dano causado, pois além de agredir
interesses garantidos por lei ao consumidor, o procedimento
denunciado gerou sentimento de descrença e desprestígio da
sociedade com relação aos poderes constituídos e ao sistema de um
modo geral.

A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de


condenação do responsável por danos extrapatrimoniais coletivos:

DANO MORAL COLETIVO - POSSIBILIDADE - Uma vez


configurado que a ré violou direito transindividual de ordem
coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a
saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do
trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo,
pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta de

16
Revista de Direito do Consumidor nº 25. Editora Revista dos Tribunais, p. 82.

17
apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e
causando grandes prejuízos à sociedade17.
Assim, presente o dano extrapatrimonial, consistente na
lesão da confiança depositada pelos consumidores no anúncio
publicitário, e presente o nexo de causalidade entre o dano e a
conduta da requerida, nasce o dever de repará-lo, cabendo
indenização pelos danos causados.

O Ministério Público, portanto, entende ser devida


indenização aos consumidores que, embora não identificáveis, foram
enganados pela publicidade da requerida.

Tal indenização, como é natural em sede de direitos


difusos, deverá reverter ao fundo de reconstituição de bens lesados
(art. 13 da Lei nº 7.347/85). Em Santa Catarina, o Fundo para
Reconstituição dos Bens Lesados foi criado pelo Decreto nº 1.047, de
10 de dezembro de 1987.

Por fim, saliente-se que, por se tratar de interesses


difusos, somente com a publicação da sentença em jornal de grande
circulação no Estado de Santa Catarina é que terão os consumidores
afetados verdadeiras condições de buscarem o ressarcimento
individual.

Deve-se, portanto, aplicar por analogia o art. 94 do


Código de Defesa do Consumidor18 para obrigar a requerida, em
17
TRT 8ª R. - RO 5309/2002 - 1ª T. - Rel. Juiz Luis José de Jesus Ribeiro - j.
17.12.2002.
18
Apesar do veto ao art. 96 do CDC que contemplava a obrigação de publicação de
eventual sentença condenatória, evidente que esta é providência que se impõe
para efeito dar conhecimento aos consumidores acerca do conteúdo da sentença,
de modo a viabilizar a liquidação e execução individual, sob pena de tornarem-se
inócuos os fins da condenação. Para Ada Pelegrini Grinover: “Mas o que o art.
96 colocava obrigatoriamente, de maneira didática, ainda se sustenta,
pela interpretação sistemática dos demais dispositivos do Código. O art.
100 fixa prazo de um ano, após o que, se não houver habilitações em número
compatível com a gravidade do dano, proceder-se-á à liquidação e execução da
sentença condenatória, para o recolhimento ao fundo da fluid recovery... Ora, é
evidente que o juiz deverá proceder à intimação da sentença e esta, no caso em
tela, só poderá dar-se por meio de editais, devendo ao juiz socorrer-se, por
analogia, do disposto no art. 94. Além do mais, cabe ao juiz dar efetiva aplicação ao
princípio da publicidade dos atos processuais (art. 5º, inc. LX e art. 94, IX, da CF,
"sic"), utilizando as técnicas que mais se coadunam com as ações coletivas. E, se

18
sendo procedente o pedido formulado, a divulgar extrato da sentença
de forma tão eficaz quanto a que utilizou para divulgar sua
publicidade enganosa.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se


posicionou nesse sentido: “Ação Civil Pública e coletiva. Proibição de
estabelecimento no Estado do Rio Grande do Sul e indenização pelos
prejuízos causados. Publicação da sentença e extensão aos
consumidores não identificados na ação. A divulgação da sentença de
procedência da ação civil pública e coletiva, por meio de edital, se faz
imprescindível para conhecimento das vítimas em geral, a fim de que,
em liquidação, provada a lesão, possam habilitar-se no processo a fim
de receber o valor da indenização devida”19.

6. Antecipação da tutela específica da obrigação de fazer e de não


fazer

Segundo dispõe o art. 84 do Código de Defesa do


Consumidor, “na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica
da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento”. Para tanto, “sendo
relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

No caso dos autos, pretende-se, além das indenizações,


comando judicial que determine, desde já, o cumprimento de

assim não fizer, caberá ao autor coletivo zelar pela observância do princípio da
ampla publicidade da sentença, providenciando inclusive a divulgação da notícia da
condenação pelos meios de comunicação de massa, nos termos do art. 94, sob
pena de a condenação tornar-se inócua” (Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro :
Forense Universitária, 2001).
19
TJRS, Apelação Cível nº 599262870, rel. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, j.
5.8.1999, 14ª Câmara Civil.

19
obrigação de fazer e de não fazer por parte da requerida. A primeira
consistente em alterar seu material publicitário para adequá-lo
ao Código de Defesa do Consumidor. A segunda para determinar que
a requerida não permita aos alunos e aos professores do Curso de
Optometria o exercício de atos privativos de médico nas
dependências da UnC ou, de qualquer modo, sob sua supervisão ou
controle.

O fundamento da demanda (fumus boni juris) é relevante,


como apontado, até porque há farta jurisprudência a respeito,
inclusive no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O periculum in
mora também é justificado, pois uma vez divulgados dados
equivocados a respeito da função do optometrista, pouco ou nada
mais se poderá fazer para impedir que os alunos/consumidores
observem prejuízo extrapatrimonial e patrimonial de grandes
proporções. Aliás, considerando a proximidade do vestibular para
ingresso nos próximos períodos, e considerando que o material
publicitário é “rodado” com bastante antecedência, a medida é
verdadeiramente urgente.

Saliente-se, ainda, que por se tratar de questão


diretamente afeta à saúde pública, o dano não é experimentado
apenas pelos consumidores do serviço educacional, mas
colateralmente pela população em geral, notadamente quando, como
no caso, a requerida permite que sejam atendidas pessoas carentes
na clínica que mantém junto ao Curso de Optometria.

Deve, portanto, ser imposta multa diária à ré, entendendo


o Ministério Público ser suficiente e compatível com a obrigação valor
não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada uma das
obrigações (alteração da publicidade e prática de optometria pelos
alunos ou professores).

Em caso de desobediência, tendo em vista que a multa só


poderá ser cobrada depois do trânsito em julgado da sentença, deve

20
ser ainda determinada a busca e apreensão de todos os
equipamentos da “clínica de optometria” da requerida, mediante
requisição de força policial, se for o caso, conforme admite o §5º do
art. 84 do Código de Defesa do Consumidor.

7. Pedidos

Ante o exposto, requer o Ministério Público:

a) o recebimento e processamento da presente ação civil


pública;

b) a publicação de edital nos termos do art. 94 do Código


de Defesa do Consumidor;

c) a concessão de liminar, inaudita altera pars, para


determinar que requerida modifique em 30 dias todo material
publicitário que se referir ao Curso de Optometria, incluindo a página
na Internet, o manual do candidato ao vestibular e todos os demais
meios audiovisuais, para que faça constar a seguinte informação, na
mesma fonte e no mesmo tamanho da informação principal:
“O profissional formado em optometria não pode prescrever, indicar
ou aconselhar a utilização de lentes de grau, função exclusiva de
médicos oftalmologistas, conforme determinado pelos artigos 38 do
Decreto nº 20.931/32 e 14 do Decreto nº 24.492/34 (Decisão liminar
na ACP nº XXX, proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa
Catarina, Comarca de Canoinhas)”;

d) a concessão de liminar, inaudita altera pars, para


determinar que a requerida, imediatamente, tome todas as
providências necessárias para não permitir que em seu espaço físico
ou sob sua coordenação ou conivência os acadêmicos pratiquem atos
privativos de médico ou prescrevam, indiquem e aconselhem a
utilização de lentes de grau;

e) a cominação de multa diária à requerida em caso de


descumprimento ou cumprimento insatisfatório da determinação

21
judicial dos itens “c” e “d”, fixada em R$ 10.000,00 para cada
determinação;

f) a determinação, em caso de descumprimento ou


cumprimento insatisfatório da determinação requerida no item “d”,
de busca e apreensão e remoção de todos os aparelhos e
equipamentos utilizados na medição da acuidade visual, e
notadamente dos seguintes equipamentos: cadeira optométrica,
lâmpada de fenda, tonômetro, ecobiômetro, ceratômetro,
paquímetro, refrator, retinoscópio, oftalmoscópio, auto-refrator,
topógrafo, caixa de prova e armação de prova, podendo, para tanto,
contar com o auxílio do Dr. Wagner Trautwein, médico oftalmologista
de Canoinhas, para identificação dos aparelhos;

g) a citação da requerida para, querendo, apresentar a


defesa que entender pertinente, na qual deverá trazer a relação
candidato por vaga em cada vestibular para ingresso no Curso
de Optometria já realizado;

h) a inversão do ônus da prova, por ocasião do ingresso


na fase probatória20, se houver, nos termos do art. 6º, VIII, do Código
de Defesa do Consumidor;

i) a condenação da requerida a fazer constar a seguinte


informação, na mesma fonte e no mesmo tamanho da
informação principal, em todo material publicitário que se referir
ao Curso de Optometria, inclusive na Internet, no manual do
candidato ao vestibular e em outros recursos audiovisuais: “O
profissional formado em optometria não pode prescrever, indicar ou
aconselhar a utilização de lentes de grau, função exclusiva de
médicos oftalmologistas, conforme determinado pelos artigos 38 do
Decreto nº 20.931/32 e 14 do Decreto nº 24.492/34 (Sentença na ACP
20
Hugo Nigro Mazzilli entende que o momento adequado para a declaração da
inversão do ônus da prova é o momento da produção da prova, e não o da
sentença, como parte da doutrina tem apregoado, pois é ilógico que somente
quando finda a instrução processual tenham as partes conhecimento da forma
como devem conduzir a produção. MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos
interesses difusos em juízo. 17ª ed. São Paulo : Saraiva, 2004. p. 164.

22
nº XXX, proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina,
Comarca de Canoinhas);

j) a condenação da requerida a não permitir que em seu


espaço físico ou sob sua coordenação ou conivência os acadêmicos
pratiquem atos privativos de médico e/ou exames de acuidade visual,
ou prescrevam, indiquem ou aconselhem a utilização de lentes de
grau;

l) a condenação da requerida à restituição dos valores


pagos ou ao abatimento do preço das mensalidades do curso, à
escolha do consumidor, aos consumidores que se sentirem lesados e
assim se habilitarem na execução da sentença;

m) a condenação da requerida ao pagamento quantia não


inferior a R$ 150.000,00 (cem mil reais) a título de danos
extrapatrimoniais difusos, acrescida de juros legais e correção
monetária desde a citação, valor este a ser revertido ao Fundo de
Recuperação de Bens Lesados;

n) a condenação da requerida a publicar em jornal de


grande circulação em todo Estado de Santa Catarina resumo da
sentença, às suas expensas;

o) a condenação da requerida em custas e despesas


processuais, excluídos os honorários advocatícios, por força do art.
44, I, da Lei nº 8.625/93.

Dá-se à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil


reais).

Canoinhas, 13 de abril de 2005

José Renato Côrte Eduardo Sens dos Santos


Promotor de Justiça Promotor de Justiça
Substituto

23

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