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As mulheres contra
o patriarcado
e as relações
desiguais de gênero:
aspectos teóricos e práticos no
combate às opressões
Ediane Lopes de Santana
Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus X)
E-mail: edianezeferina@gmail.com
Resumo: Este artigo tem por objetivo contribuir para as reflexões dos movimentos de mulheres
e feministas, bem como demonstrar que, por mais diversos que sejam os feminismos, os
pilares dessa luta articulam reflexão teórica e prática militante. Para tal, será apresentada
aos leitores e às leitoras a convergência de alguns aspectos teóricos e a prática militante
dos feminismos – em especial, o feminismo negro e o feminismo sufragista – evidenciando,
portanto, essa falsa polarização entre teoria e prática militante. Será apontada, através de
uma análise histórica, a importância da articulação destes elementos contra o patriarcado1, a
fim de proporcionar um espaço de reflexão, em especial, relacionada à prática militante dos
movimentos feministas que têm se organizado na atualidade.
Introdução
Este artigo é fruto de algumas atividades políti- Denominamos por “ofensiva conservadora anti-
cas e acadêmicas realizadas em 2014, 2015 e 2016 , 2
comunista” um conjunto de iniciativas por parte de
que tinham por objetivo iniciar um processo conti- diferentes grupos conservadores (grupos conserva-
nuado de formação política acerca das lutas das mu- dores católicos; grupos conservadores evangélicos,
lheres feministas, especialmente com vistas a com- em especial, neopentecostais; e grupos conservado-
bater o que chamamos de “ofensiva conservadora res burgueses) que visam eliminar lutas seculares de
anticomunista”. homens e mulheres (dos mais diferentes movimen-
O conceito de gênero começou a ser Portanto, são pressupostos importantes nessa con-
desenvolvido como uma alternativa ante o cepção das relações de gênero: 1- O gênero é sempre
trabalho com o patriarcado. Ele foi produto, relacional; 2- Sempre envolve relações hierarquiza-
porém, da mesma inquietação feminista em
das de poder; e 3- O gênero pode variar conforme
relação às causas da opressão da mulher.
A elaboração desse conceito está associada variam as culturas e pode variar nos diferentes tem-
à percepção da necessidade de associar pos históricos de uma mesma sociedade. Ao longo
essa preocupação política a uma melhor do seu ensaio, Joan Scott mantém o olhar binário ao
compreensão da maneira como o gênero opera tratar das relações de gênero, mas, ao final, a autora
em todas as sociedades, o que exige pensar de
aponta a ruptura com o binarismo.
maneira mais complexa o poder (PISCITELLI,
2001, p. 11).
Para algumas autoras, o gênero não é apenas um Para algumas autoras, o gênero não é apenas um conceito.
conceito. Sendo encarado também enquanto uma Sendo encarado também enquanto uma relação desigual
relação desigual de poder. Tanto que, para essas au- de poder. Tanto que, para essas autoras, o gênero só pode
toras, o gênero só pode ser articulado teórica e po- ser articulado teórica e politicamente se pensado nesses
liticamente se pensado nesses termos, como uma termos, como uma ou várias relações desiguais de poder
ou várias relações desiguais de poder nas diferentes nas diferentes sociedades.
sociedades. Para os estudos históricos, uma das refe-
rências nas discussões voltadas ao estudo das relações
Vimos, portanto, que, para a teoria feminista, o
de gênero é Joan Scott. Seu ensaio clássico de 1986,
desenvolvimento de uma linguagem capaz de re-
“Gênero: uma categoria útil para a análise histórica”,
presentá-las completa ou adequadamente pareceu
nos permite compreender essa nova forma de buscar
necessário, a fim de promover a visibilidade política
uma resposta teórica/prática para a inquietante per-
das mulheres (BUTLER, 2010). Para tal, foram elabo-
gunta acerca da opressão e subordinação das mulhe-
rados conceitos e categorias que pudessem unificar
res na sociedade.
as mulheres para a luta política, visando à reflexão
Este uso insiste na ideia de que o mundo sobre e ao combate das opressões.
das mulheres faz parte do mundo dos homens,
Entretanto, a partir de 1990, essa concepção pas-
que ele é criado dentro e por esse mundo. Esse
uso rejeita a utilidade interpretativa da ideia sou a ser questionada e o sujeito mulheres passou a
das esferas separadas e defende que estudar as não ser mais compreendido em termos estáveis ou
Portanto, para o feminismo marxista, os estudos A partir dessa tentativa de definição de Collins,
de gênero não devem se limitar às categorias pura- percebemos o caminho teórico proposto para ser ar-
mente analíticas ou descritivas, mas possuir um cará- ticulado à prática militante do movimento feminista
ter político, de real compromisso com a emancipação negro estadunidense que surgia a partir da década de
o feminismo negro e o feminismo comunidades religiosas negras que, por não fazerem
fazer um panorama de como alguns conceitos sur- Neste sentido, as feministas negras tiveram um
giram – a partir de demandas sociais concretas – e papel fundamental para a discussão do racismo e en-
foram/são utilizados na luta política, a fim de criar trecruzamento entre raça, gênero e classe nas experi-
Desde o século XIX que mulheres organizadas em pela cultura como um todo (BARBOSA, 2010).
1. Acredito, seguindo reflexões como as de Saffioti 5. Leia a matéria completa em: “Ideologia de gênero”:
(2015), na importância da manutenção do uso a emergência de uma teoria religiosa sobre os riscos
do conceito de patriarcado para a luta política, da democracia sexual - Geledés. http://www.geledes.
embora também seja crítica ao uso generalizante org.br/ideologia-de-genero-emergencia-de-uma-
que desconsidera as questões de raça e classe como teoria-religiosa-sobre-os-riscos-da-democracia-
relevantes para pensar essa opressão. sexual/#ixzz3eq4w7tOh.
2. Em especial, baseio-me no minicurso intitulado 6. Conforme veremos mais adiante, até a década de
“Feminismos: histórias e debates”, que ministrei 1960 não se falava no conceito de relações de gênero,
durante os dias 27 e 28 de fevereiro de 2016, no portanto, ainda era utilizado o conceito de diferenças
Campus X (Município de Teixeira de Freitas) da sexuais quando se fazia referência às diferenças,
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). historicamente construídas, entre homens e mulheres.
3. Para maiores informações, sugerimos a leitura de 7. WOOLF, Virgínia. Profissões para mulheres e
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o outros artigos feministas. Porto Alegre, RS: L&PM,
perigo vermelho. SP: Perspectiva/FAPESP, 2002. 2013. (Coleção L&PM pocket, v. 1032).