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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

PARECER N.°

AGENTES PÚBLICOS LATO SENSU. REMESSA DA


DECLARAÇÃO DE BENS E RENDIMENTOS [IRPF]
AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO [TCE/RS].
LEI ESTADUAL N° 12.036/03, ALTERADA PELAS
SIMILARES DE N° 12.980/08 E N° 13.776/11,
REGULAMENTADAS INTERNAMENTE PELA
CORTE DE CONTAS [RESOLUÇÃO N° 963/12 E
INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 01/15].
COMPETÊNCIA GERAL DO TCE EM MEDIDAS DE
TRANSPARÊNCIA E COMBATE À CORRUPÇÃO
MEDIANTE A FISCALIZAÇÃO DE EVOLUÇÃO
PATRIMONIAL. SITUAÇÕES QUE SE AFEIÇOAM
AO SEU MODELO INSTITUCIONAL. LIMITES
DECORRENTES DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DE 1988. SIGILO FISCAL ERIGIDO À
CATEGORIA DE DIREITO FUNDAMENTAL.
MITIGAÇÃO EM CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS,
NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO PRÓPRIO
(DEVIDO PROCESSO LEGAL). HIPÓTESE DE
INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E
MATERIAL. NECESSIDADE DE ARGUIÇÃO DA
MATÉRIA PELA RELEVÂNCIA E REPERCUSSÃO
QUE ENCERRA AOS AGENTES E GESTORES
PÚBLICOS. REVISÃO PARCIAL DO PARECER PGE
15.214/10.

Cuida-se de examinar, perante este egrégio Conselho Superior


da Procuradoria-Geral do Estado [CSPGE], o quanto consta nos expedientes
administrativos números 007395-100/15-8, 022858-14.00/15-4 e 000936-20.00/10-0,
com origem, respectivamente, nesta Procuradoria-Geral do Estado [PGE] e nas
Secretarias da Fazenda [SEFAZ] e da Saúde [SES], através dos quais, em linhas
gerais, se consulta a este órgão central da Advocacia Pública de Estado, nos termos
dos art. 115, incisos I, II e III, da Constituição do Estado, acerca da apresentação das
Declarações de Bens e Rendimentos [IRPF] dos agentes públicos estaduais, em
especial, para aqueles elencados no art. 10 da Lei Estadual n° 12.036/03, sobretudo
diante dos termos da Instrução Normativa n° 01/15, regulamentadora da Resolução n°
963/12, ambas do egrégio Tribunal de Contas do Estado [TCE/RS].
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O expediente administrativo n° 007395-10.00/15-8, originário


desta PGE, foi inaugurado com o Ofício GP n° 052/2015, de 04 de fevereiro de 2015,
firmado pelo Senhor Presidente do TCE/RS, dando ciência a esta PGE da edição da
IN n°01/15, com cópia anexada dela.

Sobreveio manifestação da Assessoria Jurídica e Legislativa


do Gabinete desta PGE — AJL, nas fls. 06/16, onde são questionadas as conclusões
constantes do Parecer PGE n° 15.214/10, em razão da evolução legislativa havida no
período, juntando-se ainda ao expediente as cópias de outros instrumentos
(Resolução n° 963/12 do TCE, Lei Estadual n° 13.776/11, Lei Federal 8.730/83,
acórdão da ADI 4.203/RJ — STF, Ato n°018/14 do TJRGS).

Acolhida a manifestação pela Senhora Procuradora-Geral


Adjunta para Assuntos Institucionais desta PGE, em 22 de maio de 2015, determinou
ainda o exame conjunto com os expedientes 022858-14.00/15-4 e 000936-20.00/10-0
e a distribuição do tema á Equipe de Consultoria da Procuradoria de Pessoal [PP].

Em 04 de agosto de 2015 os expedientes retornaram ao


Gabinete e, em seguida, no primeiro deles (no de n° 007395) foi juntado o Ofício
CC/SJ n° 148, do Senhor Subchefe Jurídico da Casa Civil, remetendo cópia do Oficio
GP n° 475/15, do TCE, solicitando ao Senhor Secretário Chefe da Casa Civil as
providências adotadas em função da IN n° 01/15, acompanhado de documentos sobre
a situação relacionada aos órgãos integrantes do Poder Executivo.

Em 23 de novembro de 2015 os três expedientes foram


distribuídos ao Conselho Superior desta Procuradoria-Geral do Estado [CSPGE], com
a designação do signatário como Relator.

Depois, em 01° de dezembro de 2015 o firmatário recebeu, em


mãos, determinando a juntada aos autos, o Ofício GP n° 963/15, firmado pelo Senhor
Presidente do TCE, em atenção à solicitação do Senhor Procurador-Geral do Estado
aviada pelo Ofício GAB n°342/15, de 24 de novembro de 2015, dando conta de como
estava sendo tratado o controle da evolução patrimonial de agentes públicos pelo
TCE. Em anexo ao oficio veio informação contendo considerações sobre a análise
realizada da competência 2013, dados de entrega da competência 2014 (de todos os
órgãos públicos e poderes do Estado), os indicadores utilizados na análise, a análise
propriamente dita levada a efeito perante as declarações de bens e rendimentos
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recebidas, com ênfase para os casos que foram selecionados para exame
aprofundado, que considerou também como critério de seleção os agentes públicos
listados na Lei Estadual n° 12.036/03.

Relativamente ao expediente anexado, de n° 022858-14.00/15-


4, com origem na SEFAZ, contém consulta da mencionada pasta acerca da mesma
situação retratada no outro expediente antes referido, e a ambos esta PGE, por
razões evidentes, determinou tramitação conjunta.

Também veio anexado o expediente n° 000936-20.00/10-0,


que apodou nesta PGE ainda em agosto de 2010, em vista justamente da edição do
Parecer PGE n° 15.214. Foi distribuído à Equipe de Consultoria da PP em 10 de
setembro de 2010. Em 03 de junho de 2011 o expediente retornou ao Gabinete desta
PGE com minuta de informação e foi distribuído à AJL, que em 13 de junho de 2011
exarou manifestação concordando com a proposição. Depois veio distribuído ao
Conselho Superior, em 15 de junho de 2011, onde foi distribuído ao Procurador do
Estado, Conselheiro Max Müller, que o relatou na sessão do dia 15 de dezembro de
2011, em que aprovada, por unanimidade, a minuta de informação da Consultoria da
Procuradoria de Pessoal, conforme certidão e extrato de ata da fl. 128.

Depois disso, retornando o expediente ao Gabinete desta PGE,


foi despachado em 12 de setembro de 2014, pelo então Senhor Procurador-Geral
Adjunto para Assuntos Institucionais, que remeteu a matéria novamente à AJL, em
vista de estudo que anexou pugnando pela revisão do Parecer PGE n° 15.214/10,
solicitada pela Procuradoria Disciplinar e de Probidade Administrativa [PDPA] desta
PGE.

Em 10 de novembro de 2014 veio informação aos autos, da


AJL, sugerindo nova distribuição ao CSPGE em vista da tal proposta de revisão em
face das alterações legislativas ocorridas após a elaboração da minuta de informação
que fora aprovada.

O expediente foi novamente distribuído ao CSPGE, em 18 de


novembro de 2014, onde foi relatado na sessão do dia 09 de abril de 2015, pelo
Procurador do Estado, Conselheiro Gabriel Almeida de Almeida, em que aprovada
proposição de que a matéria fosse avocada pelo Gabinete da PGE.

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Em razão disso é que a matéria foi novamente encaminhada à


AJL, em 29 de abril de 2015, onde recebeu o exame que acabou desembocando no
despacho anteriormente mencionado, da Senhora Procuradora-Geral Adjunta para
Assuntos Institucionais, de 22 de maio de 2015, em que determinou a tramitação
conjunta dos três expedientes referidos neste relato e novo encaminhamento à
Procuradoria de Pessoal para exame

Na sessão do CSPGE do dia 10 de dezembro de 2015 o


signatário levou a matéria à pauta, que foi relatada, discutida e aprovada, por maioria
de votos, consoante os registros lançados na Ata n° 1561, com proposição pelo
parcial acolhimento da minuta de parecer apresentada pela Equipe de Consultoria da
Procuradoria de Pessoal e consequente afastamento, por unanimidade, da última
promoção da AJL.

É o relato do que até aqui consta nos três expedientes.

1 — DO EXAME EM SEPARADO DO EXPEDIENTE


ADMINISTRATIVO N° 000936-20.00/10-0, ORIGINÁRIO DA
SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE

Inicialmente, antes do exame da matéria em si, tem-se a


observar que o expediente administrativo referido neste item, originário de consulta da
Secretaria Estadual da Saúde [SES], de rigor, perdeu o seu objeto.

Segundo se depreende, o mencionado procedimento teve


origem em auditoria ordinária do TCE/RS, tomada sob o n° 71/2009, de 03 de
setembro de 2009, realizada na já citada pasta governamental, justamente em função
do não atendimento quanto à apresentação da declaração de bens e rendas pelos
agentes públicos (agentes políticos e servidores) lotados na Secretaria da Saúde.

Decorrentemente do aponte realizado pela corte de contas, a


secretaria tomou a iniciativa de regulamentar internamente a questão, a ponto de
baixar em 22 de março de 2010 a Ordem de Serviço n° 02/10, ao depois substituída
pela similar 06/10, de 09 de junho de 2010.

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A partir dai é incontroverso que a Secretaria da Saúde passou


a remeter os dados ao Tribunal de Contas, o que motivou, inclusive, a declaração de
prejudicialidade do tal apontamento, consoante se depreende do que ficou assentado
no voto do relator, no processo de contas n° 009068-02.00/09-1, da Secretaria da
Saúde, do ano de 2009, perante o Tribunal Pleno da corte (Decisão n° TP-0354/2012),
em sessão realizada no dia 11 de abril de 2012, nos seguintes termos:

"Desde logo, destaco que estou acompanhando os


órgãos Técnico e Ministerial no que pertine ao
afastamento parcial do aponte referente a não
apresentação de declaração de bens e rendas pelos
agentes públicos lotados na Secretaria (item 1.1 da
Auditoria e da Documentação, em face da adoção de
medidas corretivas a partir da edição da Ordem de
Serviço 006/2010, a qual determinou a apresentação
da mesma, a partir do exercício de 2008".
Ao pleno entendimento do que se está a referir, convém
registrar o quanto consta no item 1.1 da Auditoria, que restou, então, afastado pela
decisão que foi logo acima parcialmente transcrita, no que interessa ao deslinde da
situação:

tem 1.1 - a ausência da declaração firmada


pelo Administrador de que os agentes públicos
(assim definidos na forma do par. 2° do art. 1° da
LE n° 12.980/08), que desempenharam atividades no
Órgão, estão em dia co a apresentação das
declarações de bens e rendas, nos termos da
Resolução n° 833/2000, conforme art. 115, inciso
II, alínea "h", do RITCE".
Na ocasião, como é cediço, a exigência do Tribunal de Contas
era apenas de uma declaração da situação de regularidade da apresentação das
declarações de bens e rendas, o que não invalida a conclusão de que, particularmente
em relação à Secretaria da Saúde, a discussão perdeu objeto, na exata medida do
voto proferido pelo relator da matéria perante a corte de contas.

Isso não quer dizer, a toda evidência, que a solução alvitrada à


questão, doravante, não possa interessar à Secretaria da Saúde, que dela terá ciência
pelos meios próprios da Administração Pública. Aqui, entretanto, no expediente, a
situação era peculiar e estava adstrita a uma glosa imposta pelo Tribunal de Contas
que acabou afastada justamente pelas providências adotadas pela pasta
governamental.

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Em suma, assunto resolvido, no caso concreto.

Por isso, está o expediente n° 000936-20.00/10-0 em


condições de ser desanexado e devolvido à origem, devendo ser instruído com extrato
da ata e do item 1 deste parecer, sem prejuízo, é claro, de a mencionada secretaria
conhecer dos demais aspectos relacionados ao presente parecer consultivo e de
orientação à Administração Pública Estadual, para adotar as ações que entender
cabíveis.

2 — DA MANIFESTAÇÃO PRECEDENTE DESTA


PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO SOBRE A MATÉRIA:
PARECER PGE N° 15.214/10

Com efeito, sobre a temática da remessa das declarações de


bens e rendimentos ao Tribunal de Contas do Estado, esta Procuradoria-Geral do
Estado já externou posicionamento precedente, vazado pelo Parecer PGE n°
15.214/10, da lavra do Procurador do Estado José Luis Bolzan de Moraes, justamente
em relação ao qual vieram alinhavados os pedidos de revisão, que motivaram o
mesmo procurador a reexaminar a matéria e produzir a minuta ora examinada, tudo
em virtude de possível evolução legislativa e jurisprudencial acerca da matéria.

Portanto, à adequada compreensão da controvérsia, faz-se


oportuno transcrever o mencionado parecer, cujas conclusões a Equipe de
Consultoria da Procuradoria de Pessoal manteve na minuta de parecer ora
examinada, verbis:

PARECER N° 15.214
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. LEI
ESTADUAL 12980/08. ASPECTOS DE
CONSTITUCIONALIDADE E LEnATIDADE.
De ordem da Excelentíssima Procuradora-Geral do
Estado, vêm os expedientes administrativos ns.
91877-1000/09-0 e 848-1353/09-2 (em anexo) para
análise acerca da constitucionalidade e legalidade
de aspectos da Lei estadual n. 12980/08, a qual
dispõe acerca do registro das declarações de bens e
o controle da variação patrimonial e de sinais de
enriquecimento ilícito por agente público no
exercício de cargo ou emprego público estadual.

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A questão teve origem em requisição de


documentos e/ou informações encaminhada pelo
Tribunal de Contas do Estado - TCE à Fundação de
Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser.
Assim, a dúvida surgiu ante a identidade da
norma local e outra, similar, editada no Estado do
Rio de Janeiro e objeto de ação de controle de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal - STF, já com liminar deferida.

O pedido veio em regime de urgência.


É o - sucinto - Relatório.
A questão posta pelo Gabinete da Procuradoria-
Geral do Estado - PGERS busca esclarecer duvida
advinda com a edição da Lei Estadual n. 12980/08, a
qual dispõe sobre o registro das declarações de
bens e o controle da variação patrimonial e de
sinais de enriquecimento ilícito por agente público
no exercício de cargo ou emprego público estadual,
e dá outras providências, com o seguinte teor:

LEI N° 12.980, DE 05 DE JUNHO DE 2008.


(publicada no DOE n° 107, de 06 de junho de
2008)
A GOVERNADORA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Faço saber, em cumprimento ao disposto no
artigo 82, inciso IV, da Constituição do
Estado, que a Assembléia Legislativa aprovou e
eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:
Art. 10 - Esta Lei dispõe sobre o registro das
declarações de bens e o controle da variação
patrimonial e de sinais de enriquecimento
ilícito por agente público no exercício de
cargo, função ou emprego público estadual.
(5 1° - Consideram-se sinais de enriquecimento
ilícito a posse, a propriedade de bens ou
despesas que revelem gastos incompatíveis com o
patrimônio e a remuneração do agente público.
§ 20 - Reputa-se agente público, para os
efeitos desta Lei, todo aquele que exerce,
ainda alie transitoriamente ou sem remuneração,
por eleição, nomeação, designação, contratação
ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades da administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes do Estado.
Art. 2° - O Tribunal de Contas do Estado
exercerá o controle da variação patrimonial e
de sinais de enriquecimento ilícito ror agente
público no exercício de cargo, função ou
emprego público, sem prejuízo dos demais
órgãos.
Art. 8° - O Tribunal de Contas do Estado, para
os fins desta Lei:
I - manterá registro informatizado das
declarações de bens apresentadas nos termos da
Lei n° 12.036, de 19 de dezembro de 2003;
II - expedirá instruções sobre a declaração de
bens e prazos de apresentação;

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III - exigirá, a qualquer tempo, que o agente


público informe sobre a origem, a comprovação
da legitimidade e a natureza de seus bens;
IV - exercerá o controle da legalidade e da
legitimidade desses bens e inspecionará os
sinais aparentes de riqueza, com apoio das
corregedorias e dos sistemas de controle
interno estadual; e
§ - adotará as providências inerentes às suas
atribuições e, se for o caso, representará ao
Poder competente sobre irregularidades
apuradas.
§ 10 - Será lícito ao Tribunal de Contas do
Estado utilizar as declarações de bens e outras
informações, para proceder ao levantamento da
evolução patrimonial do agente público e ao
exame de sua compatibilização com os recursos e
as disponibilidades declarados.
§. 20 - Bens representativos de sinais aparentes
de riqueza, tais como iates, aeronaves, animais
de raça, automóveis, imóveis e outros bens que
demandem gastos para sua utilização, guarda e
manutenção, poderão ser objeto de inspeção do
Tribunal de Contas do Estado.
§ 30 - A inspeção do Tribunal de Contas do
Estado, nos termos do parágrafo anterior,
poderá compreender o patrimônio dos dependentes
do agente público, nos termos do § 1° do art.
1°, da Lei n° 12.036, de 19 de dezembro de
2003.
Art. 40 - Os órgãos públicos e o Tribunal de
Contas do Estado poderão realizar troca de
dados e informações que lhes possam favorecer o
desempenho das respectivas atribuições legais.
§ 1° - Os órgãos referidos no "caput" deste
artigo, por seus gestores e servidores, são
responsáveis pelo sigilo das informações a que
tiverem a guarda ou acesso no exercício das
atribuições definidas nesta Lei.
2° - Os gestores e servidores públicos que
derem causa à quebra do sigilo assegurado no
"caput" deste artigo serão responsabilizados
administrativamente, na forma da legislação e
das normas específicas de cada órgão, sem
prejuízo da apuração de responsabilidades nas
esferas civil e penal.
Art. 5' - Nos casos omissos da presente Lei,
aplicam-se as disposições constantes da Lei
Federal n° 8.429, de 02 de junho de 1992 e da
Lei Federal n° 8.730, de 10 de novembro de
1993.
Art. 60 - Esta Lei entra em vigor na data de
sua publicação.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 05 de junho
de 2008.
Assim, esta legislação, com o intuito de
controlar a evolução patrimonial dos trabalhadores
públicos - expressão aqui utilizada para designar
todos aqueles que mantêm algum tipo de vinculo com
o ente público - bem como dos agentes boliticos,
estabeleceu a sistemática para o registro das
declarações de bens destes atores, bem como
atribuiu ao Tribunal de Contas do Estado - TCE a
competência para promover tal controle, nos termos
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nela expressos, em consonância com a Lei Estadual


n. 12036/03, na qual consta:

LEI N° 12.036, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2003.


(Publicada no DOE n° 248, de 22 de dezembro de
2003)
Dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação
de declaração de bens e rendas para o exercício
de cargos, empregos e funções públicas.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Faço saber, em cumprimento ao disposto no
artigo 82, inciso IV, da Constituição do
Estado, que a Assembléia Legislativa aprovou e
eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:
Art. 1° - E obrigatória a apresentação de
declaração de bens e rendas, com indicação das
fontes que constituem o seu património, no
momento da posse ou, inexistindo esta, na
entrada em exercício de cargo, emprego ou
função, bem como no final de cada exercício
financeiro, no término da gestão ou mandato e
nas hipóteses de exoneração, renúncia ou
afastamento definitivo, por parte dos agentes
públicos indicados:
I - Governador e Vice-Governador do Estado;
II - Deputados Estaduais;
III - Secretários de Estado;
IV - membros da Magistratura Estadual;
✓ - membros do Tribunal de Contas;
VI - membros do Ministério Público Estadual;
VII - Procuradores do Estado;
VIII - Defensores Públicos;
IX - Delegados de Polícia;
X - Oficiais da Brigada Militar;
XI - Diretores, Presidentes de autarquias,
empresas públicas, fundações, sociedades de
economia mista e subsidiárias destas,
integradas na Administração Indireta Estadual;
XII - Superintendente e Diretor de órgão
central de compras;
XIII - ordenadores de despesas;
XIV - Auditores Públicos Externos do Tribunal
de Contas do Estado;
XV - Agentes Fiscais do Tesouro do Estado;
XVI - membros de comissões permanentes de
licitação;
• 1° - A declaração abrangerá rendimentos,
imóveis, veículos, semoventes, jóias, depósitos
bancários, ações e quotas de sociedades
comerciais ou civis, títulos de crédito,
certificados de depósitos lastreados em
dinheiro ou metais preciosos, aplicações
financeiras que, no País ou no exterior,
constituam, separadamente, o patrimônio do
declarante e de seus dependentes e quaisquer
outros papéis ou bens que possam ser expressos
em moeda.
S 2° - Os bens especificados no parágrafo
anterior e outros que devam integrar a
declaração serão descritos sucintamente, à
semelhança do exigido pela Receita Federal, com
menção de seu valor ou de mercado, devidamente
atualizado até a data de 31 de dezembro do ano
anterior à data da apresentação.

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Xtria,"
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§ 3° - Na declaração de bens e rendas também


serão consignados os ônus reais e obrigações do
declarante, inclusive de seus dependentes,
dedutiveis na apuração do patrimônio liquido,
em cada período, discriminando-se entre os
credores, se for o caso, a Fazenda Pública, as
instituições oficiais de crédito e quaisquer
entidades, Públicas ou privadas, no País e no
exterior.
S 4° - Relacionados os bens, direitos e
obrigações, o declarante apurará a variação
patrimonial ocorrida no período, indicando a
origem dos recursos que hajam proporcionado o
eventual acréscimo.
§ 5° - O valor de aquisição dos bens existentes
no exterior será mencionado na declaração e
expresso na moeda do país em que estiverem
localizados.
§ 6° - Na declaração constará, ainda, menção a
cargos de direção e de órgãos colegiados que o
declarante exerça ou haja exercido nos últimos
dois anos, em empresas privadas ou de setor
público ou outras instituições, no País ou no
exterior.
5 7° - A declaração será assinada e datada pelo
declarante no ato de entrega, ficando arquivada
no órgão, unidade ou repartição em que este
tiver exercício, podendo ser constituída de
reprodução da Declaração Anual de Bens e
Rendas, relativa ao Imposto de Renda.
Art. 2° - A falta de apresentação de declaração
de bens e rendas, bem como a omissão de parcela
do patrimônio, importará em crime de
responsabilidade nos termos da lei.
Art. 30 - Qualquer pessoa poderá representar ao
Ministério Público solicitando que promova a
responsabilidade de ocupante de cargo, emprego,
função ou mandato, sujeito ao regime desta Lei,
que tenha deixado de apresentar declaração ou
omitido parcela de seu patrimônio ou de seu
cônjuge.
Art. 4° - O Tribunal de Contas do Estado
poderá, a qualquer tempo, exigir a comprovação
da legitimidade da procedência dos bens e
rendas acrescidos ao patrimônio no período
relativo à declaração.
Art. 5° - Sujeitam-se às sanções previstas na
lei, o descumprimento de guardar sigilo sobre
informações de natureza bancária e fiscal, os
servidores ou qualquer pessoa que, em virtude
do exercício do cargo, função ou emprego
público, tenham acesso às informações contidas
nas declarações de bens e rendas.
Art. 6° - Ficam obrigados à apresentação da
declaração de bens e rendas, no prazo de 30
(trinta) dias, a contar da vigência desta Lei,
os atuais ocupantes dos cargos, empregos,
funções e mandatos indicados no artigo 10 .
Parágrafo único - Excetuam-se da obrigação de
que trata o caput os agentes públicos que
entregaram declaração de bens nos termos da Lei
n° 9.668, de 27 de maio de 1992.
Art. 7° - Nos casos omissos da presente Lei,
aplicam-se as disposições constantes da Lei
Federal n° 8.730, de 10 de novembro de 1993.
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Art. 8° - Esta Lei entra em vigor na data de


sua publicação.
Art. 9° - Revogam-se as disposições em
contrário, especialmente a Lei n° 9.668, de 27
de maio de 1992.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 19 de
dezembro de 2003.
O que a Lei 12036/03 regulou, como se lê, diz
respeito à indicação daqueles que são seus
destinatários, devendo apresentar a declaração de
bens e rendas, o objeto desta, bem como atribuiu ao
TCE a tarefa de promover a fiscalização acerca da
evolução patrimonial dos mesmos.
Assim, cabe aqui enfrentar alguns aspectos
relativos à edição das respectivas legislações,
sobretudo no que respeita à sua compatibilidade
vertical, ou seja, sua constitucionalidade, bem
como sua adequação horizontal ou, de outra maneira,
sua consonância com o ordenamento jurídico estadual
como um todo, em particular no que diz com as
atribuições próprias dos Tribunais de Contas,
diante de suas competências definidas na Carta
Política, como segue:
Seção IX
DA FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E
ORÇAMENTARIA
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da
União e das entidades da administração direta e
indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo
Congresso Nacional, mediante controle externo,
e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer
pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos
ou pelos quais a União responda, ou que, em
nome desta, assuma obrigações de natureza
pecuniária. (Redação dada pela Emenda
Constitucional n° 19, de 1998)
Art. 71. O controle externo, a cargo do
Congresso Nacional, será exercido com o auxilio
do Tribunal de Contas da União, ao qual
compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente
pelo Presidente da Republica, mediante parecer
prévio que deverá ser elaborado em sessenta
dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e
indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público
federal, e as contas daqueles que derem causa a
perda, extravio ou outra irregularidade de que
resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a
legalidade dos atos de admissão de pessoal, a

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qualquer titulo, na administração direta e


indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, excetuadas as
nomeações para cargo de provimento em comissão,
bem como a das concessões de aposentadorias,
reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal
do ato concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de
Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e
auditorias de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, nas
unidades administrativas dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais
entidades referidas no inciso II;
✓ - fiscalizar as contas nacionais das empresas
supranacionais de cujo capital social a União
participe, de forma direta ou indireta, nos
termos do tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer
recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos
congéneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo
Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas,
ou por qualquer das respectivas Comissões,
sobre a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial e sobre
resultados de auditorias e inspeções
realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de
ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas em lei, que
estabelecerá, entre outras cominações, multa
proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade
adote as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato
impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre
irregularidades ou abusos apurados.
§ 1° - No caso de contrato, o ato de gustação
será adotado diretamente pelo Congresso
Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder
Executivo as medidas cabíveis.
§ 2° - Se o Congresso Nacional ou o Poder
Executivo, no prazo de noventa dias, não
efetivar as medidas previstas no parágrafo
anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3° - As decisões do Tribunal de que resulte
imputação de débito ou multa terão eficácia de
título executivo.
§ 4° - O Tribunal encaminhará ao Congresso
Nacional, trimestral e anualmente, relatório de
suas atividades.
Art. 72. A Comissão mista permanente a que se
refere o art. 166, §1°, diante de indícios de
despesas não autorizadas, ainda que sob a forma
de investimentos não programados ou de
subsídios não aprovados, poderá solicitar à
autoridade governamental responsável que, no
prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos
12
9Axw,
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

necessários.
§ 1° - Não prestados os esclarecimentos, ou
considerados estes insuficientes, a Comissão
solicitará ao Tribunal pronunciamento
conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta
dias.
§ 2° - Entendendo o Tribunal irregular a
despesa, a Comissão, se julgar que o gasto
possa causar dano irreparável ou grave lesão à
economia pública, proporá ao Congresso Nacional
sua sustação.
(...)
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada,
sistema de controle interno com a finalidade
de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas
no plano plurianual, a execução dos programas
de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os
resultados, quanto ã eficácia e eficiência, da
gestão orçamentária, financeira e patrimonial
nos órgãos e entidades da administração
federal, bem como da aplicação de recursos
públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de
crédito, avais e garantias, bem como dos
direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de
sua missão institucional.
.5 1° - Os responsáveis pelo controle interno,
ao tomarem conhecimento de qualquer
irregularidade ou ilegalidade, dela darão
ciência ao Tribunal de Contas da União, sob
pena de responsabilidade solidária.
§ 2° - Qualquer cidadão, partido político,
associação ou sindicato é parte legítima para,
na forma da lei, denunciar irregularidades ou
ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União.
Art, 75. As normas estabelecidas nesta seção
aplicam-se, no que couber, à organização,
composição e fiscalização dos Tribunais de
Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem
como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos
Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais
disporão sobre os Tribunais de Contas
respectivos, que serão integrados por sete
Conselheiros.

E a Constituição do Estado do Rio Grande do


Sul, nesta linha, assim define a matéria:
Seção VI
Da Fiscalização Contábil, Financeira e
Orçamentaria
Art. 70 - A fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial do
Estado e dos órgãos e entidades da
administração direta e indireta, e de quaisquer
entidades constituídas ou mantidas pelo Estado,
quanto ã legalidade, legitimidade, moralidade,
publicidade, eficiência, eficácia,
economicidade, aplicação de subvenções e
13
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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CONSELHO SUPERIOR

renúncia de receitas, será exercida pela


Assembléia Legislativa mediante controle
externo e pelo sistema de controle interno de
cada um dos Poderes, observado o disposto nos
arts. 70 a 75 da Constituição Federal.
Parágrafo único - Prestará contas qualquer
pessoa física, jurídica ou entidade que
utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos
pelos duais o Estado responda, ou que, em nome
deste, assuma obrigações de natureza
pecuniária.
Art. 71 - O controle externo, a cargo da
Assembléia Legislativa, será exercido com
auxílio do Tribunal de Contas, ao qual compete,
além das atribuições previstas nos arts. 71 e
96 da Constituição Federal, adaptados ao
Estado, emitir parecer prévio sobre as contas
que os Prefeitos Municipais devem prestar
anualmente.
.5 1° - Os contratos de locação de prédios e de
serviços firmados entre quaisquer das entidades
referidas no artigo anterior e fundações
privadas de caráter previdenciário e
assistencial de servidores deverão ser
encaminhados ao Tribunal de Contas, que também
avaliará os valores neles estabelecidos.
§ 2° - O Tribunal de Contas terá amplo poder de
investigação, cabendo-lhe requisitar e
examinar, diretamente ou através de seu corpo
técnico, a qualquer tempo, todos os elementos
necessários ao exercício de suas atribuições.
§ 3° - Não poderá ser negada qualquer
informação, a pretexto de sigilo, ao Tribunal
de Contas.
§ 40 - A Mesa ou as comissões da Assembléia
Legislativa poderão requisitar, em caráter
reservado, informações sobre inspeções
realizadas pelo Tribunal de Contas, ainda que
as conclusões não tenham sido julgadas ou
aprovadas.
§ 50 - Compete ao Tribunal de Contas avaliar a
eficiência e eficácia dos sistemas de controle
interno dos órgãos e entidades Por ele
fiscalizados.
Art. 72 - O Tribunal de Contas do Estado
encaminhará à Assembléia Legislativa,
anualmente, relatório da fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial do Estado e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à
legalidade, legitimidade, economicidade e
aplicação de recursos públicos, bem como dos
respectivos quadros demonstrativos de pessoal.

Art. 76 - O sistema de controle interno


previsto no art. 74 da Constituição Federal
terá, no Estado, organização una e integrada,
compondo órgão de contabilidade e auditoria-
geral do Estado, com delegações junto às
unidades administrativas dos três Poderes,
tendo sua competência e quadro de pessoal
definidos em lei.
Parágrafo único - Os responsáveis pelo controle
interno, ao tomarem conhecimento de qualquer
14
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

irregularidade ou ilegalidade, dela darão


ciência, sob pena de responsabilidade, ao
Tribunal de Contas do Estado, o qual comunicará
a ocorrência, em caráter reservado, à Mesa da
Assembléia Legislativa.
Art. 77 - O Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, instituído na forma do art.
130 da Constituição Federal, será regulamentado
por lei.

Tais textos nos permitem compreender e situar o


desenho institucional, o papel, as competências e
estratégias para desempenhá-las que estruturam este
órgão de Estado, cujas atribuições o põem em
situação de destaque, bem como apontam dificuldades
para sua localização no modelo organizacional
adotado pelo Estado da modernidade forjado na
tradição liberal da especialização de funções.
Todavia, mesmo de relevância, tal não é o
desiderato neste momento, não sendo importante para
o trato da questão qualquer resposta acerca da
localização geográfica dos organismos de contas no
desenho institucional da autoridade estatal.
Importa, isto sim, tratarmos de verificar se as
disposições legislativas infraconstitucionais estão
contidas nas previsões antes destacadas, sendo
compatíveis com as competências deste órgão,
necessárias ou indispensáveis para o desempenho de
suas funções, além, por óbvio, de compatíveis com o
conjunto principiologico característico do
constitucionalismo que está na base da Carta
Política brasileira.
Assim, cumpre tratar, como antecipado, a
pertinência formal e substancial da legislação
analisada, bem como a adequação quanto às diversas
categorias que menciona, em razão das
especificidades que as cercam.
Desde logo é de ressaltar que a legislação
objeto da consulta é de iniciativa de membro do
legislativo local e diz com a definição de
atribuições e estratégias a serem desempenhadas
pelo órgão auxiliar da função legislativa no
controle externo contábil, financeiro e
orçamentário (art. 71 da CF/88, repetido na CE/89).
Percebe-se da leitura do texto constitucional
que quis o constituinte pátrio e repetiu o
legislador local que aos órgãos de contas, nomeados
Tribunais de Contas, incumbissem tarefas de
controle acerca da legalidade dos atos de admissão
de pessoal, a qualquer título, na administração
direta e indireta, incluídas as fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público,
excetuadas as nomeações para cargo de provimento em
comissão, como determina o art. 71, III da CF/88.
Esta matéria tem sido objeto de manifestações
do Supremo Tribunal Federal - STF, podendo ser
anotado que esta Corte tem estabelecido critérios
15
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PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

peculiares à definição das competências do órgão,


COMO se lê na seguinte ementa:
ADI 3715 MC / TO - TOCANTINS
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 24/05/2006
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 25-08-2006 22-00015 EMENT VOL-02244-01
PP-00188
RTJ VOL-00200-02 P2-00719
LEXSTF v. 28, n. 333, 2006, p. 79-92
Parte(s)
REQTE.(S): ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS
DE CONTAS DO BRASIL
ADV.(A/S): JOÃO COSTA RIBEIRO FILHO
REQD0.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO TOCANTINS
Ementa

EMENTA: Medida Cautelar em Ação Direta de


Inconstitucionalidade. 2. Constituição do
Estado do Tocantins. Emenda Constitucional n°
16/2006, que criou a possibilidade de recurso,
dotado de efeito suspensivo, para o Plenário da
Assembléia Legislativa, das decisões tomadas
pelo Tribunal de Contas do Estado com base em
sua competência de julgamento de contas (§ 55
do art. 33) e atribuiu à Assembléia Legislativa
a competência para sustar não apenas os
contratos, mas também as licitações e eventuais
casos de dispensa e inexigibilidade de
licitação (art. 19, inciso XXVIII, e art. 33,
inciso IX e § 15). 3. A Constituição Federal é
clara ao determinar, em seu art. 75, que as
normas constitucionais que conformam o modelo
federal de organização do Tribunal de Contas da
União são de observância compulsória pelas
Constituições dos Estados-membros. Precedentes.
4. No ãdbito das competências institucionais do
Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal
tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a
competência para apreciar e emitir parecer
prévio sobre as contas prestadas anualmente
pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no
art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência
para julgar as contas dos demais
administradores e responsáveis, definida no
art. 71, inciso II, CE/88. Precedentes, 5. Na
segunda hipótese, o exercício da competência de
julgamento pelo Tribunal de Contas não fica
subordinado ao crivo posterior do Poder
Legislativo. Precedentes. 6. A Constituição
Federal dispõe que apenas no caso de contratos
o ato de sustação será adotado diretamente pelo
Congresso Nacional (art. 71, § 15, CF/88). 7.
As circunstâncias específicas do caso, assim
como o curto período de vigência dos
dispositivos constitucionais impugnados,
justificam a concessão da liminar com eficácia
ex tunc. 8. Medida cautelar deferida, por
unanimidade de votos.

16
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

Ainda, há que considerar que tais competências,


definidas e delimitadas constitucionalmente, com
observância obrigatória para os entes federados,
não implica outras para as quais existem
delimitações e limites necessariamente observáveis,
como repercute a manifestação abaixo relacionada:

"A Lei Complementar n. 105, de 10-1-01, não


conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes
para determinar a quebra do sigilo bancário de
dados constantes do Banco Central do Brasil. O
legislador conferiu esses poderes ao Poder
Judiciário (art. 30), ao Poder Legislativo
Federal (art. 40), bem como às Comissões
Parlamentares de Inquérito, após prévia
aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal ou do plenário de
suas respectivas Comissões Parlamentares de
Inquérito (§§ 1° e 2° do art. 40). Embora as
atividades do TU, por sua natureza,
verificação de contas e até mesmo o julgamento
das contas das pessoas enumeradas no artigo 71,
II, da Constituição Federal, justifiquem a
eventual quebra de sigilo, não houve essa
determinação na lei específica que tratou do
tema, não cabendo a interpretação extensiva,
mormente porque há principio constitucional que
protege a intimidade e a vida privada, art. 5°,
X, da Constituição Federal, no qual está
inserida a garantia ao sigilo bancário.- (MS
22.801, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento
em 17-12-07, Plenário, DJE de 14-3-08)

E, mesmo que se considere a ocorrência de


poderes implícitos atribuídos ao órgão, há que se
ter presente que tais não podem extrapolar limites
peculiares ao modelo de Estado e, sobretudo, às
garantias constitucionais próprias ao Estado
Democrático de Direito, uma vez ser este um órgão
vinculado ao sistema constitucional, como não
poderia deixar de sê-lo. Assim deve ser lida a
manifestação constante no voto abaixo transcrito:

"(...) a atribuição de poderes explícitos, ao


Tribunal de Contas, tais como enunciados no
art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe
que se lhe reconheça, ainda que por
implicitude, a titularidade de meios destinados
a viabilizar a adoção de medidas cautelares
vocacionadas a conferir real efetividade às
suas deliberações finais, permitindo, assim,
que se neutralizem situações de lesividade,
atual ou iminente, ao erário público. Impende
considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse
entendimento, a formulação que se fez em torno
dos poderes implícitos, cuja doutrina,
construída pela Suprema Corte dos Estados
Unidos da América, no célebre caso McCulloch v.
Maryland (1819), enfatize que a outorga de
competência expressa a determinado órgão
estatal importa em deferimento implícito, a
esse mesmo órgão, dos meios necessários à
integral realização dos fins que lhe foram
17
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

atribuídos. (...) a por isso que entendo


revestir-se de integral legitimidade
constitucional a atribuição de índole cautelar,
que, reconhecida com apoio na teoria dos
poderes implícitos, permite, ao Tribunal de
Contas da União, adotar as medidas necessárias
ao fiel cumprimento de suas funções
institucionais e ao pleno exercício das
competências que lhe foram outorgadas,
diretamente, pela própria Constituição da
República." (MS 24.510, Rel. Min. Ellen Gracie,
voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 19-
11-03, Plenário, DJ de 19-3-04)

Ou seja, a posse de .poderes implícitos não


torna o Tribunal de Contas detentor de
poderes/competências que ultrapassem, ultrajando, a
própria ordem constitucional de garantias. Em um
Estado de Direito, nada justifica a supressão de
tais limites e não pode o legislador
infraconstitucional, em nome do que quer que seja,
pretender desvirtuar aquilo que o constituinte,
afastando os traumas do autoritarismo, estabeleceu
como peculiar à legalidade democrática.
Neste quadro normativo poder-se-ia pretender
buscar a referência às competências estabelecidas
pela legislação local, a qual pretendeu definir os
contornos de tal atuação. Entretanto, isto não nos
parece compatível com o texto constitucional, posto
que este apenas menciona o controle relativamente
aos atos de admissão de pessoal, nada mais.
Aliás, esta é a posição que se retira da
decisão monocrática liminar na ADIn 4203, proposta
pela Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público - CONAMP pleiteando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei n. 5388/09, do Estado
do Rio de Janeiro, cujos termos se assemelham às
normas estaduais em comento, como segue:
Decisão Mónocrática da Liminar
Vistos.
Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada
pela Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público - CONAMR, em face da Lei n°
5.388/09, do Estado do Rio de Janeiro, a qual
criou a obrigatoriedade de apresentação de
declaração de bens pelos diversos agentes
públicos estaduais que menciona (Magistrados,
membros do Ministério Público, Deputados,
Procuradores do Estado, Defensores Públicos,
Delegados, etc.) aos respectivos órgãos a que
vinculados e à própria Assembléia Legislativa.
A requerente discorre sobre a sua legitimidade
ativa e acerca da pertinência temática para
propor a ação contra a Lei Estadual n°
5.388/09, a qual 'diz respeito à independência
e autonomia funcional e administrativa do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro,
uma vez que o disposto na referida Lei impõe
obrigações aos membros dessa Instituição, em

18
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

flagrante desrespeito às normas constitucionais


acima mencionadas" (fl. 8).
No mérito, sustenta o seguinte:
"Ora, iniciativa para tratar da matéria objeto
da Lei impugnada é privativa do Chefe do Poder
Executivo, nos termos do art. 61, 51°, inciso
II, alíneas 'c' e 'd', da Constituição da
República, aqui contrariado.
De igual forma, ofendidos foram os artigos 127
e 128 da Carta da República, pela questionada
Lei estadual do Rio de Janeiro, quando fere a
autonomia do Ministério Público, impondo-lhe
obrigação descabida e desrespeitando o poder de
iniciativa legislativa concernente ao
Ministério Público, que é do Chefe deste.
Por fim, a ofensa ao art. 2° da Constituição
Federal é patente, eis que toda a Lei impõe,
não só ao Ministério Público, mas, também, aos
Poderes Executivo e Judiciário, obrigações que
afrontam a independência destes" (fl. 12).
Requer, assim, a declaração de
inconstitucionalidade da integra da Lei
Estadual impugnada.
O Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro requereu o ingresso no feito na
dualidade de amicus curiae, pugnando nela
procedência da ação direta.
A Assembléia Legislativa, às fls. 62 a 78,
defendeu a constitucionalidade da norma
impugnada, haja vista a sua competência
constitucional de fiscalização da Administração
Pública.
Às fls. 80 a 93, o Advogado-Geral da União
sustentou que a Lei, na parte que trata do
Ministério Público, é formalmente
inconstitucional, porque a matéria seria
própria de Lei Complementar estadual, de
iniciativa do Procurador-Geral da Justiça, tal
como dispõe o art. 128, 550, da Constituição
Federal.
As fls. 96 a 109, o Procurador-Geral da
República apontou a incompetência da Assembléia
Legislativa para fiscalização criada na norma
impugnada. Verbis:
'o que não se pode admitir, tendo em conta o
arcabouço constitucional montado pelo art. 71,
é que o Poder Legislativo assuma a posição de
ordinário e desinteressado controlador externo
dos demais poderes e instituição de estatura
constitucional, no que de convencional lhes
ocorra".
Vislumbrou, ainda, um vício formal na Lei
Estadual:
"O regime jurídico dos servidores do Poder
Executivo (CRF, art. 61, §1 0, II, "c"), assim
como o estatuto dos agentes que servem. ao
Judiciário CORP. art. 93), são temas que devem
ser deflagrados pelos membros desses Poderes. O
mesmo pensamento vale para as previsões que
digam sobre os servidores e os membros do
Ministério Público CORP. arts. 127, .52°, e 128,
555 ).
Todas as referências que a Lei Estadual
5.388/09 faz a outros poderes, que não ao
Legislativo, falham no confronto com a

19
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

Constituição, por vício de ordem formal" (fl.


108).
Decido.
Dada a relevância da matéria, adotei o rito do
art. 12 da Lei n° 9.868/1999, para que o feito
fosse levado ao julgamento definitivo pelo
Plenário com a maior brevidade possível.
Tendo em vista, contudo, a proximidade do prazo
previsto no art. 7° da Lei Estadual impugnada,
segundo o qual até o dia 30 de junho os agentes
públicos deverão apresentar suas respectivas
declarações de bens, e a impossibilidade de
submeter o feito a tempo para apreciação do
Plenário, aprecio, excepcionalmente, a medida
cautelar pleiteada.
Neste juizo provisório, chama a atenção a
outorga, à Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro, desta competência para
fiscalizar, de modo rotineiro e indiscriminado,
a evolução patrimonial de diversos agentes
públicos estaduais (magistrados, membros do
Ministério Público, Procuradores do Estado,
Delegados, dentre outros). Com efeito, uma
análise dos dispositivos constitucionais que
regulam os meios de fiscalização direta da
Administração Pública pelo Poder Legislativo
(dentre os quais os arts. 49; 50, §§1° e 2';
58, §30, da Constituição Federal) evidencia que
nenhum deles dá margem a um controle semelhante
ao instituído pela Lei Estadual n° 5.388/09.
De se notar que nem sequer a previsão do art.
49, X, da Constituição, segundo a qual "é da
competência exclusiva do Congresso Nacional:
(...) fiscalizar e controlar, diretamente, ou
por qualquer de suas Casas, os atos do Poder
Executivo, incluídos os da administração
indireta", autoriza a pretendida competência
fiscalizadora, porque, evidentemente, a
evolução patrimonial dos agentes públicos não
se confunde, de modo algum, com "atos do Poder
Executivo" ou da Administração Indireta.
Na minha compreensão, no âmbito do Poder
Legislativo, somente as Comissões Parlamentares
de Inquérito poderiam determinar a apresentação
da declaração de bens dos agentes públicos,
assim como a quebra do seu respectivo sigilo
fiscal. Ainda assim, as determinações das CPI's
pressupõem uma devida e individualizada
fundamentação, diante de um quadro fátíco que
legitime, concreta e especificamente, a invasão
da privacidade do investigado, até mesmo
porque, como já afirmou o Ministro Celso de
Mello nesta Corte, em voto que proferiu no MS
n° 23.851, DT de 21/6/02, "a ruptura da esfera
de intimidade de qualquer pessoa - quando
ausente a hipótese configuradora de causa
provável - revela-se incompatível com o modelo
consagrado na Constituição da República, pois a
quebra de sigilo não pode ser manipulada de
modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus
agentes".
Não encontro, portanto, ao menos neste exame
preliminar, fundamento constitucional para esta
competência de fiscalização instituída pela Lei
Estadual n° 5.388/09; e não poderia,
evidentemente, a Assembléia Legislativa
20
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

outorgar-se a si mesma competência que não


encontra Previsão na Constituição Federal.
A única ressalva que faço é quanto à incidência
da Lei Estadual no que diz com os servidores e
membros da Assembléia Legislativa, porque, para
esses, trata-se de controle administrativo
interno, como, aliás, bem acentuou o
Procurador-Geral da República; "as razões que
apontam a inconstitucionalidade de boa parte da
Lei 5.388/09 não têm aplicação para os agentes
do Poder Legislativo que, no caso, teriam
atuado sob a inspiração de que estão a exercer
a sua auto-organização administrativa. O
controle, ressalte-se, interno da Assembléia
Legislativa admite que se construam as
exigências legais formuladas na lei em exame,
mas com público certo; os servidores e membros
do Poder Legislativo, que, por isso, estão
obrigados a atender aos comandos normativos do
diploma".
Ante o exposto, defiro em parte a medida
cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário,
para suspender a eficácia dos incisos II a V do
art. 1°; dos incisos II a XIX do art. 2'; e das
alienas "b" a "e" do inciso XX, também do art.
2°, todos da Lei Estadual n° 5.388/2009.
Admito o Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro como amicus curiae.
Reautue-se.
Publique-se.
Brasília, 18 de maio de 2009.
Ministro MENEZES DIREITO
Relator
Publicado em 25.05.2009.

Na mesma linha de raciocínio, o voto proferido


na ADIn 4232, esta proposta pela Associação
Nacional dos Magistrados Estaduais- ANAMAGES, em
face da mesma legislação.
Ora, bem apanhado pelo magistrado que a tarefa
de organização dos serviços públicos tem
peculiaridades e competências próprias de cada
órgão, bem como de algumas carreiras de Estado,
cuja formatação exige pressupostos diferenciados.
Por outro lado e mais significativamente há que se
ter presente que a indiscriminada determinação de
explicitação da evolução patrimonial de
trabalhadores públicos não encontra nenhuma
justificativa e, sobretudo, implica indevida
intromissão na esfera privada do cidadão, cuja
proteção constitucional não encontra dúvida.
Há que se considerar, neste aspecto que, mesmo
na órbita tributária, onde, saliente-se, já há uma
fiscalização indireta da formação do patrimônio do
cidadão, incide e exige respeito à proteção dos
dados do contribuinte, uma vez desinteressar a
todos e quaisquer uns aquilo que lhe pertence.
Não há justificativa plausível para uma
determinação de tal espécie, sequer ao pretendido
caráter de moralidade constante da norma.

21
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

A finalidade buscada não justifica os meios


postos. Há que Se preservar, antes de tudo, o
caráter próprio aõ Estado de Direito.
Por óbvio que o reconhecimento de desvios
merece ser objeto de averiguação e perseguição, o
que não legitima um critério generalizado de
controle indiscriminado.
Neste sentido, há que se considerar, portanto,
desde logo, os limites postos nas garantias
constitucionais.
Por outro lado, tenha-se presente as
peculiaridades da organização administrativa do
Estado e, particularmente, daquelas carreiras cuja
construção merece vínculos que lhes são Próprios,
considerando-se, desde o pressuposto da organização
autônoma das funções do Poder Público até as
especificidades das atividades antes mencionadas,
que contemplam competências próprias, inclusive
quanto à iniciativa legislativa estabelecida em
sede constitucional.
Ainda, há que se reconhecer que, neste
contexto, ocorrem mecanismos peculiares de
fiscalização, como no caso das diversas
Corregedorias presentes em diferentes carreiras
públicas.
Portanto, percebe-se que a legislação analisada
atinge tais pressupostos, além de alargar
competências não presentes em sede constitucional
que, se decorrentes da teoria dos poderes
implícitos, compreendida esta em seus limites,
ainda assim devem guardar consonância com aquilo
que é peculiar às atividades delimitadas pela Carta
Política aos órgãos de contas. Não pode a
legislação infraconstiEucional criar tal expansão.
Se não bastasse, tal iniciativa, mesmo que
passível de aplauso inadvertido ante seu caráter
popularesco, merece ser confrontada com a própria
principiologia que pauta e demarca a Administração
Pública contemporânea, que não comunga da idéia de
reprodução de meios para atingir os mesmo fins.
Assim, mostra-se desnecessária a multiplicação de
documentos, declarações, fotocópias etc, sendo que
eventual desvio de conduta poderá, se for o caso e
particularmente, ser confrontado com a declaração
de bens e rendimentos apresentada à Receita Federal
pelo contribuinte que é também trabalhador público.
Uma tal atitude esbarra, desde logo, no principio
da economicidade.
Deve-se, portanto, considerar para além de
despicienda, descabida, a exigência constante na
legislação analisada, bem como em contradição com a
ordem constitucional seus mecanismos, além de
estar-se indo de encontro às fórmulas de gestão
pública modernas, e, no particular, criando
competência desconhecida da Carta Constitucional
aos órgãos de contas.
22
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PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

É o Parecer.
Porto Alegre, 03 de março de 2010.

JOSE LUIS BOLZAN DE MORAIS,


PROCURADOR DO ESTADO.
EA n° 91877-1000/09-0
EA n° 849-1353/09-2

Assim posto o parecer que se pretende revisar, é importante


segmentar algumas questões que merecem análise particularizada, o que se fará nos
itens seguintes.

3 — DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS

Tocantemente a este tópico manifesta-se desde já uma breve


discordância com as conclusões do transcrito parecer e com a minuta que foi
submetida à sessão deliberativa deste colegiado, de autoria do mesmo Procurador do
Estado. Não parece haver dúvida que na atual quadra dos fatos, no cenário em que
se vive no panorama nacional, de uma verdadeira cruzada contra a corrupção no setor
público, é mister reconhecer competência ao Tribunal de Contas do Estado para
proceder na avaliação da variação patrimonial dos agentes públicos, de uma maneira
geral, talqualmente previsto na Lei Estadual 12.980/08, em observância, é claro, a
estes e outros ditames legais e constitucionais.

No caso, como acima frisado, impõe-se o reconhecimento


desta competência ao TCE/RS, já que, em sendo ele uma corte de exame das contas
públicas, as questões de transparência e combate à corrupção mediante a
fiscalização da evolução patrimonial dos agentes públicos são matérias que
indelevelmente se afeiçoam ao seu modelo institucional, previsto tanto na Carta
Federal de 1988, quanto na Estadual de 1989, ainda que à mingua de previsão
específica, em sede constitucional, a respeito do tema.

Aqui vale, para o reconhecimento desta competência, utilizar-


se da interpretação que vem dando o excelso Supremo Tribunal Federal [STF] à teoria
dos poderes implícitos, invocada às expressas no parecer transcrito, já aplicada
justamente para situações que envolviam Tribunais de Contas.
23
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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CONSELHO SUPERIOR

Outrossim, se de um lado se reconhece esta competência à


corte de contas, por legitima que é, e se por mais não fosse, por um reclamo social, é
certo que ela é exercida de forma compartilhada e concorrente com as demais
Instituições, especialmente com aquelas que ostentam radical constitucional e que
possuem no rol de suas atribuições o controle, interno ou externo, de juridicidade e de
legalidade dos atos da administração.

Vejamos, a pretexto disso, como já referido, que aqui no


âmbito da própria Administração Pública Estadual há instrumento normativo atribuindo
a competência ao TCE, mas sem prejuízo dos demais órgãos. No respeitante a isso
veja-se a própria norma em comento, a Lei 12.980/08, cuja dicção prevê:

Art. 20 - O Tribunal de Contas do Estado


exercerá o controle da variação patrimonial e de
sinais de enriquecimento ilícito por agente público
no exercício de cargo, função ou emprego público,
sem prejuízo dos demais órgãos. (o sublinhado não é
do original).

Assim sendo, não é por acaso que no âmbito do Estado do Rio


Grande do Sul foi editado o Decreto Estadual n° 48.706/11, que estabeleceu
competência a esta Procuradoria-Geral do Estado para a realização de sindicância de
natureza patrimonial, a saber:

DECRETO N' 48.706, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2011.


(publicado no DOE n° 242 de 19 de dezembro de
2011)

Regulamenta a Lei n° 12.980, de 5 de junho


de 2008, que dispõe sobre o registro das
declarações de bens e o controle da
variação patrimonial e de sinais de
enriquecimento ilícito por agente público
no exercício de cargo ou emprego publico
estadual, e dá outras
providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, no


uso das atribuições que lhe confere 82, incisos
V e VII, da Constituição Estadual, e
considerando que o § 3° do art. 1° da Lei n°
12.980, de 5 de junho de 2008, inserido pela
Lei n' 13.776, de 25 de agosto de 2011, remete
a cada um dos Poderes e Instituições do Estado
a definição de outros agente públicos, além dos
referidos no art. 1° da Lei n° 12.036, de 19 de
24
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dezembro de 2003, que devam apresentar


declarações de bens;
considerando que à Procuradoria-Geral do Estado
compete zelar pela probidade administrativa e
exercer função correcional no âmbito da
Administração Pública Estadual Direta e
Indireta, nos termos do art. 2°, XIII, da Lei
Complementar n° 11.742, de 17 de janeiro de
2002, respeitadas as competências das
Corregedorias já constituídas, e
considerando que à Subchefia de Ética, Controle
Público e Transparência da Casa Civil compete
articular e potencializar os mecanismos de
Controle Interno da Administração Pública,
assim como aprimorar os procedimentos com vista
a implementar corretos paradigmas de
transparência da Administração Pública
Estadual, nos termos do art. 21 da Lei n°
13.601, de 1° de janeiro de 2011,

D ECRET A:

Art. 1° Fica regulamentada a Lei n° 12.980, de


5 de junho de 2008, que dispõe sobre o registro
das declarações de bens e o controle da
variação patrimonial e de sinais de
enriquecimento ilícito por agente público no
exercício de cargo ou emprego público estadual.
Art. 2' Para os fins de que trata este Decreto,
considera-se obrigatória a apresentação de
declaração de bens e rendas, com indicação das
fontes que constituem o seu patrimônio, no
momento da posse ou, inexistindo esta, na
entrada em exercício de cargo, emprego ou
função pública, bem como no final de cada
exercício financeiro, no término da gestão ou
mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia
ou afastamento definitivo, até o último dia do
prazo estabelecido para a apresentação da
declaração anual de bens e rendas relativas ao
Imposto de Renda.
§ 1° Estão obrigados a apresentar a declaração
de bens de que trata o caput deste artigo
os seguintes agentes públicos:
I - Governador e Vice-Governador do Estado;
II - Deputados Estaduais;
III - Secretários de Estado;
IV - membros da Magistratura Estadual;
✓ - membros do Tribunal de Contas;
VI - membros do Ministério Publico Estadual;
VII - Procuradores do Estado;
VIII - Defensores Públicos;
IX - Delegados de Polícia;
X - Oficiais da Brigada Militar;
XI - Dirigentes de Autarquias, Empresas
Públicas, Fundações, Sociedades de Economia
Mista e subsidiárias destas, integradas na
Administração Estadual Indireta;

25
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XII - Superintendente e Diretor de órgão


central de compras;
XIII - ordenadores de despesas;
XIV - Auditores Públicos Externos do Tribunal
de Contas do Estado;
XV - Agentes Fiscais do Tesouro do Estado; e
XVI - integrantes de comissões de licitação.
5 2 ° Também estão obrigados a apresentar a
declaração de bens os seguintes servidores
públicos:
I - servidores lotados em setores responsáveis
pelas compras, contratos, elaboração de
projetos básicos e termos de referência;
II - servidores que exerçam a gestão e a
fiscalização de contratos;
III - pregoeiros;
IV - servidores com padrão remuneratório CC/FG
10 ou superior; e
V - servidores que exerçam funções de
fiscalização.
5 3° As declarações de que trata este artigo
poderão ser apresentadas por meio eletrônico.
Art. 3° A sindicância de evolução patrimonial
dos servidores e agentes públicos no âmbito da
Administração Pública Estadual direta e
indireta, sem prejuízo da atuação do Tribunal
de Contas do Estado e demais órgãos de
fiscalização e controle, nos termos da Lei,
será processada, de oficio ou mediante
representação da autoridade competente, pela
Procuradoria Disciplinar e de Probidade
Administrativa, órgão de execução da
Procuradoria-Geral do Estado, respeitadas as
competências das Corregedorias já constituídas,
e observará o regramento estabelecido neste
Decreto.
Art. 4° Ao tomar conhecimento de fundada
notícia ou de indícios de enriquecimento
ilícito, inclusive evolução Patrimonial
incompatível com os recursos e disponibilidades
do agente público, nos termos do art. 9° da Lei
Federal n° 8.429, de 2 de junho de 1992, e do
art. 1° da Lei Estadual n° 12.980/08, a
autoridade competente, mediante decisão
fundamentada, representará ao Procurador-Geral
do Estado para instauração de sindicância
patrimonial, destinada à apuração dos fatos.
Parágrafo único. São autoridades competentes
para a representação, de que trata o caput
deste artigo, o Governador do Estado, os
Secretários de Estado e os Dirigentes de
Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista.
Art. 5° A sindicância patrimonial constituir-
se-á em procedimento sigiloso e meramente
investigatório, não tendo caráter punitivo.
5 1° O procedimento de sindicai-leia patrimonial
será conduzido pela Procuradoria Disciplinar e
de Probidade Administrativa da Procuradoria-

26
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Geral do Estado, que fará prévio e fundamentado


juízo de admissibilidade do incidente,
observados a ampla defesa e o contraditório.
§. 2° Concluídos os trâmites da sindicância
patrimonial, a Procuradoria Disciplinar e de
Probidade Administrativa fará relatório sobre
os fatos apurados, opinando pelo seu
arquivamento ou, se for o caso, por sua
conversão em processo administrativo
disciplinar.
Art. 6° Este Decreto entra em vigor na data de
sua publicação.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 16 de
dezembro de 2011.

Portanto, neste tópico, ao se reconhecer competência ao TCE


para promover atos de sindicabilidade relativa à evolução patrimonial dos agentes
públicos, surge uma parcial discordância do que constou no Parecer 15.214/10, que
se revisa neste particular, e na minuta em exame, que entendem fora do eixo
institucional do tribunal a realização de sindicância patrimonial. Aqui, não se vai a
tanto, em que pese a necessidade de se observar limitações ao poder de sindicar,
como adiante se verá nos tópicos próprios.

4 — DA APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE BENS E


RENDIMENTOS AO TCE/RS, COMO CONSEQUÊNCIA DA
COMPETÊNCIA QUE SE LHE RECONHECE (ITEM 3)

Pois bem, a partir da reconhecida e assentada competência do


Tribunal de Contas para a realização da sindicância patrimonial, a partir das Leis
Estaduais 12.036/03 e fundamentalmente pelas modificações que nela foram
introduzidas pelas similares 12.980/08 e 13.776/11, surgiu, inicialmente, em âmbito
interno da corte de contas, a regulamentação da matéria por meio da Resolução n°
963/12, que, no que interessa, assim dispôs:

"Art. 5° - Os órgãos ou entidade remeterão ao


Tribunal de Contas cópias das declarações de
bens e rendimentos dos agentes públicos a que
se refere o artigo 2°, inciso I, desta
Resolução, até o dia 31 de maio do ano
subsequente."

27
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Art. 14 - A entrega das cópias das declarações


de bens e rendimentos de que trata o artigo 50
desta Resolução dar-se-á da seguinte forma:
I - as relativas aos anos-base 2012-2013, em
papel ou meio magnético; e
II - as relativas aos exercícios subseqüentes,
em meio magnético, conforme regulamentação em
Instrução Normativa.

E nessa senda então é que surgiu a Instrução Normativa


01/15, que dispõe sobre a forma de entrega de cópias das declarações de bens e
rendimentos dos agentes públicos, resultando, isso sim, em definitivo dissenso, não
pelos termos em si da mencionada instrução, mas pela forma com que os dados são
utilizados pelo Tribunal de Contas.

Nesse particular, imperioso que se adira às conclusões que


foram veiculadas no já transcrito Parecer 15.214 e pela minuta ora em discussão.

Assim, no caso, importante deixar bem assentado que nada há


a se opor à remessa das declarações ao TCE, mas a forma de armazenagem e de
pesquisa aos dados é circunstância altamente controvertida.

Destarte, primeiro, a remessa precisa ser feita em meio digital,


de forma criptografada, com senha recíproca, ou seja, que a abertura dos dados seja
compartilhada pela origem e pelo destino, de sorte a que a fonte das informações (no
caso, o órgão ou poder de origem) permaneça com a prerrogativa (ainda que
compartilhada, como se disse antes) de liberar a utilização dos dados pelo TCE,
afinal, como bem sinalado no parecer e na minuta em exame, há o aspecto
relacionado ao sigilo fiscal, que não admite mitigação em nosso ordenamento legal,
salvo hipóteses expressamente previstas, eis tratar-se de verdadeiro direito
fundamental, erigido a tal condição pela norma constitucional, submetido, pela sua
natureza, ao principio constitucional da reserva de jurisdição.

Vejamos, em primeiro lugar, a topologia da norma protetiva do


sigilo fiscal em sede constitucional:

TITULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
CAPITULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
28
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Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de : qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida


privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;
(•••)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência
e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual
penal;

Além disso, tratando-se o sigilo fiscal de um direito e uma


garantia fundamental, entende-se, como dito logo acima, incidente o principio
constitucional da reserva de jurisdição ao seu afastamento, isto é, cuida-se de
situação reservada à deliberação do Poder Judiciário, sendo prerrogativa do juiz
determinar a sua quebra ou não, segundo os motivos alegados, tal como ocorre,
também, em relação aos sigilos bancário, telefônico ou profissional.

Sobre o principio em comento, sempre oportuno trazer-se a


lição do eminente constitucionalista J. J. Gomes Canotilho, em sua obra "Direito
Constitucional e Teoria da Constituição", p. 580 e 586, Ed. Almedina, Coimbra —
Portugal:

"O principio constitucional da reserva de


jurisdição se refere a atos cuja efetivação a
Constituição Federal atribuiu, com absoluta
exclusividade, aos membros do Poder Judiciário.
O postulado da reserva constitucional de
jurisdição - consoante assinala a doutrina -
importa em submeter, à esfera única de decisão
dos magistrados, a prática de determinados atos
cuja realização, por efeito de verdadeira
discriminação material de competência
jurisdicional fixada no texto da Carta
Política, somente pode emanar do juiz, e não de
terceiros, inclusive daqueles a quem se hajam
eventualmente atribuído "poderes de
29
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CONSELHO SUPERIOR

investigação próprios das autoridades


judiciais". Isso significa - considerada a
cláusula de primazia judiciária que encontra
fundamento no próprio texto da Constituição -
que esta exige, para a legitima efetivação de
determinados atos, notadamente daqueles que
implicam restrição a direitos, que sejam eles
ordenados apenas por magistrados".

Ainda quanto ao princípio, é de ver que o STF não reconhece


nem mesmo ao Ministério Público, titular de poderes investigatários por sua própria
natureza e competências constitucionais, a quebra do sigilo de forma direta, devendo
ser tal questão intermediada pelo Poder Judiciário:

RE 535478 SC SANTA CATARINA


RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 28/10/2008 Órgão Julgador:
Segunda Turma
Publicação
DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008
EMENT VOL-02342-11 PP-02204
RTJ VOL-00209-02 PP-00907
Ementa

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE AFASTAMENTO
DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL DE INVESTIGADO.
PROCEDIMENTO JUDICIAL. PODERES INVESTIGATÓRIOS DO
MINISTÉRIO PÚBLICO, IMPROVIMENTO DA PARTE CONHECIDA.
1. As questões de suposta violação ao devido
processo legal, ao princípio da legalidade, ao
direito de intimidade e privacidade e ao principio
da presunção de inocência, têm natureza
infraconstitucional e, em razão disso, revelam-se
insuscetíveis de conhecimento em sede de recurso
extraordinário. 2. As argüições de violação aos
princípios e garantias do devido processo legal,
legalidade, presunção de inocência e intimidade,
evidentemente, tocam em temas de natureza
infraconstitucional, não havendo que se cogitar de
afronta direta às normas constitucionais apontadas.
3. Da mesma forma, não merece ser conhecido o apelo
extremo na parte em que se alega violação aos
princípios do contraditório, ampla defesa e devido
processo legal. 4. Remanesce a questão afeta à
possibilidade de o Ministério Público promover
procedimento administrativo de cunho investigatório
e o possível malferimento da norma contida no art.
144, § 10, I e IV, da Constituição Federal. 5. No
caso concreto, tal debate se mostra irrelevante, eis
que houve instauração de inquérito policial rara
apurar fatos relacionados às movimentações de
significativas somas pecuniárias em contas
bancárias, sendo que o Ministério Público requereu,
a título de tutela cautelar inominada, a concessão
de provimento jurisdicional que afastasse
o sigilo dos dados bancários e fiscais do
recorrente. Tal requerimento foi feito junto ao
juízo competente e, portanto, não se tratou de
30
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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CONSELHO SUPERIOR

medida adotada belo Ministério Público sem qualquer


provimento jurõsdicional. 6. Contudo, ainda que se
tratasse da temática dos poderes investigatórios do
Ministério Público, melhor sorte não assistiria ao
recorrente. A denúncia pode ser fundamentada em
peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a
necessidade do prévio inquérito policial, como já
previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a
que o Ministério Público requisite esclarecimentos
ou diligencie diretamente a obtenção da prova de
modo a formar seu convencimento a respeito de
determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal,
mormente em casos graves como o presente que
envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em
contas bancárias. 7. A hipótese não envolve a
eficácia retroativa da Lei n° 10.174/01 - eis que
esta se restringiu à autorização da utilização de
dados para fins fiscais -, e sim a apuração de
ilícito penal mediante obtenção das informações
bancárias. 8. Recurso parcialmente conhecido e,
nesta parte, improvido.

Ainda quanto ao princípio e em relação à possibilidade de


quebra direta pelo Ministério Público, não é diversa a posição do STJ, v.g.:

Processo AgRg no REsp 1348076 / PR AGRAVO REGIMENTAL


NO RECURSO ESPECIAL 2012/0214587-0 Relator(a)
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170) órgão
Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento
03/12/2015 Data da Publicação/Fonte DJe 10/12/2015
Ementa PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. QUEBRA DE SIGILO FISCAL REALIZADA
DIRETAMENTE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE
COPIAS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA SEM
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A
jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no
sentido de que "a intervenção penal constitui
incursão qualificada em direitos individuais
protegidos no art. 5.", incisos X e XII, da
Constituição da República. Por explícito mandamento
constitucional, a quebra de sigilo bancário ou
fiscal de pessoa física ou jurídica não pode ser
realizada à revelia da atuação do Poder Judiciário
para fins de investigação criminal ou para subsidiar
a opinio delicti do Parquet, sendo nitidamente
ilícitas, no caso, as provas remetidas pela Receita
Federal do Brasil diretamente ao Ministério Público,
com posterior oferecimento de denúncia" (HC
243.034/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 26/08/2014, DJe 02/09/2014). Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.

No TJRGS a proteção ao sigilo não é diversa, sempre admitida


em casos excepcionais, o que traz corno pressuposto a existência de fato concreto
(v.g. AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 70067183517 e AGRAVO DE INSTRUMENTO N°
70067756304).
31
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Isso quanto ao sigilo dos dados e a inviolabilidade à


privacidade e á intimidade.

Mas não é só.

De tudo o que já se disse, é certo que a análise das


declarações poderá ser feita pelo TCE ou quem mais detenha competência a tanto,
sempre que julgar necessário ao esclarecimento da evolução patrimonial de um
determinado agente público (agente político ou servidor público), mas isso pressupõe,
de forma inafastável, a ocorrência de uma situação concreta que poderá ser
desencadeada a partir dos chamados sinais ostensivos de riqueza (leia-se: aumento
patrimonial sem cobertura), por denúncia ou por qualquer outro meio que demande a
necessidade de se proceder na averiguação.

Com efeito, vale dizer o instituto da sindicância patrimonial e a


subsequente averiguação da variação patrimonial só se perfectibiliza à vista de um
fato concreto isto é, em decorrência de uma situação concreta e específica é que
deve ser instaurado formalmente o procedimento no âmbito do qual, aí sim, o
investigado/sindicado não pode se negar a receber as notificações que lhe são
dirigidas e a promover a abertura do seu sigilo fiscal, nos termos da novel lei de
acesso à informação — Lei Federal n° 12.527/11 (também identificada como lei da
transparência), mais precisamente no seu art. 31, § 40 ("A restrição de acesso à
informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não
poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração
de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido,
bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de
maior relevância").

Portanto, é fora de qualquer dúvida que a sindicância


patrimonial em que pesem os propósitos pelos quais veio a lume não prescinde do
devido processo legal, administrativo ou judicial, conforme o caso, ou seja, impõe a
necessidade de um procedimento individual (repita-se, por relevante à vista de um
fato concreto) e exclui a averiguação genérica, por modelos de testagem e
amostragem, como faz o TCE, consoante dá conta o documento das fls. 73/88,
consubstanciado na Informação CGEX n° 095/2015, em que o Centro de Gestão
Estratégica de Informação para o Controle Externo do TCE confessa de maneira lisa a
prática de averiguação indiscriminada das declarações que lhe são confiadas,
32
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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desafiando, assim, o sagrado direito ao sigilo fiscal, constitucionalmente protegido,


criando, à margem das garantias constitucionais, uma verdadeira "malha fina".

Aliás, tanto assim é que, na mencionada informação, após


tecer considerações sobre a análise da competência de 2013, sobre a situação de
cada órgão relativamente à competência de 2014 (listagem por situação de entrega:
"recebido no prazo", "recebido com atraso" e "não recebido"), passa o documento ao
tópico dos indicadores utilizados para a análise das declarações, num total de sete
indicadores, em que para cada um há uma fórmula de aplicação que leva em
consideração conceitos de contabilidade (v.g.: total de bens declarados atuais;
despesa declarada; disponibilidade para outros gastos; índice patrimonial global; bens
anteriores; dividas anteriores; patrimônio líquido; bens atuais; dívidas atuais; renda do
cônjuge ou companheiro; renda líquida; valor do bem; valor de bem incompatível;
variação do patrimônio líquido e outros).

Ainda no mencionado documento, o TCE revela que após a


varredura nas declarações selecionou casos para exame aprofundado, a partir do
indicador "variação do patrimônio líquido a descoberto" como principal fundamento
para exame dos casos específicos. Por conta disso chegou a quarenta e uma
declarações de bens e rendas de agentes públicos, que se imagina agora serão
chamados ao TCE para dar explicações, em verdadeira subversão do procedimento.
Observa-se, por mera curiosidade, que na mencionada lista do TCE, em semelhança
à "malha fina" da Receita Federal, constam cinco Promotores de Justiça, quatro
Juízes de Direito, dezesseis Delegados de Polícia, três Oficiais da Brigada Militar, sete
Defensores Públicos e seis Auditores Públicos Externos do TCE.

Como é possível vislumbrar, trata-se de uma verdadeira


varredura que, de um lado, se mostra muito positiva e elogiável, mas, por outro,
vulnera de modo definitivo a CF/88, que protege o sigilo fiscal, inclusive dos agentes
públicos que, nessa e por essa condição, não podem ver perecer direito seu, de nível
constitucional, erigido à categoria de fundamental, não por acaso, mas justamente
para proteção de eventual arbítrio. E se se deve proteção ao sigilo fiscal dos agentes
públicos honestos e probos, que de nada são acusados formalmente, o que dizer de
seus cônjuges e companheiros que, nessa condição, ficam sujeitos ao confesso
exame do Tribunal de Contas?

33
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Por isso mesmo é que há a necessidade de se compatibilizar e


sopesar os princípios, pois o combate à corrupção e as providências anticorrupção em
seus mais variados matizes, sempre bem vindas e absolutamente necessárias, são
tão importantes quanto o direito constitucional à intimidade e ã proteção dos dados e
vice-versa, mas tudo, sempre, devendo ser pautado pelo estado de direito, dentro dos
parâmetros legais e constitucionais.

Não se quer com isso dizer que o TCE não promova as


averiguações e as necessárias sindicâncias para avaliação do acréscimo patrimonial
dos agentes públicos em geral, muito antes ao contrário, é medida que merece todos
os aplausos, mas é necessário, reitere-se, que haja um mínimo de indício que autorize
a abertura de procedimento próprio e específico, no qual será intimado o
investigado/sindicado a abrir o seu sigilo fiscal, em nome da relevância da
perscrutação. Do contrário, subverte-se a ordem constitucional, de proteção ao sigilo
fiscal, como já dito aqui e de maneira muito apropriada nas judiciosas manifestações
do Doutor José Luis Bolzan de Moraes.

Aliás, a respeito da necessidade da existência de fato


(concreto) a ser perscrutado e da obediência ao devido processo legal, tem-se
posição pacificada perante o STF, do que é exemplo a ementa abaixo transcrita:
ADI 2225/50 SANTA CATARINA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator (a) Min. DIAS TOE=
Julgamento: 21/08/2014
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-9014
Parte (5)
REQTEn(S): GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.çA/S): PCE-SC - WALTER ZIGELLI E OUTRA
INTDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTAFO DE •
SANTA CATARINA

EMENTA Ação direta de inconstdt lalidade. de n'


11.983/99 do Estado de Santa Catarina.
Estabelecimento de condições e critérios a serem
observados para o exercício de cargos de direção da
administração indireta do Estado. Necessidade de
prévia aprovação da Assembleia Legislativa.
Inconstitucionalidade apenas em relação às empresas
públicas e as sociedades de economia mista. Artigo
173, 5 12, CE/Ge. Fornecimento de informações
protegidas por sigilo fiscal como condição para a
aprovação prévia pelo Poder Legislativo. Mecanismo
de fiscalização permanente após a exoneração dos
ocupantes dos referidos cargos. Violação do
principio da separação dos Poderes. 1. A Corte ii
34
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pacificou o entendimento de que não padece de nenhum


vicio constitutional a previsão de participação do
Poder Legislativo na nomeação de dirigentes de
autarquias ou fundações públicas. Trata-se de
aplicação aos estados-membros do parâmetro de
simetria constante do art. 52, III, f, da
Constituição Federal, que submete ao crivo do Senado
Federa: a aprovação prévia dos indicados pare ocupar
determinados cargos definidos por lei. Nesses
termos, são válidas as normas locais que subordinam
a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações
públicas à previa aprovação de Assembleia
Legislativa, não havendo, nesse caso, nenhuma
interferência indevida do Poder Legislativo em
função típica do Poder Executivo, nem violação do
principio da separação dos Poderes. 2. Situação
diversa, entretanto, ocorre em relação à intervenção
parlamentar no processe de provimento das cargas de
direção das empresas públicas e das sociedades de
economia mista da administração indireta dos
estados, por serem pessoas jurídicas de direito
privado, que, nos termos do art. 173, S 1°, da
Constituição Federal, estão sujeitas ao regime
jurídico próprio das empresas privadas, o que obsta
a exigência de manifestação prévia do Poder
Legislativo estadual. Precedentes. 3. C art. 2°, IV,
e o art. 3° da Lei n° 11.288/99 extrapolam o sistema
de freios e contrapesos autorizado pela Constituição
Federal, pois, além de determinarem o fornecimento
de informações protegidas por sigilo fiscal como
condição para a aprovação prévia pelo Poder
Legislativo dos titulares de determinados cargos,
criam mecanismo de fiscalitação permanente pela
Assembleia Legislativa para após a exoneração dos
ocupantes dos referidos cargos. Esses dispositivos
instituíram modalidade de controle direto pela
Assembleia Legislativa - sem o auxilio do Tribunal
de Contas do Estado - que não encontra fundamento de
validade em nenhuma norma constitucional, resultando
em violação ao principio da separação dos Poderes
(art. 2°, CF/88). 4. No âmbito dc Poder Legislativo,
apenas as comissões parlamentares de inquérito, nos
termos do art. 58, 5 3°, da Lei Maior, pode
determinar a apresentação de declaração de bens ou
informações sob sigilo fiscal, o que, evidentemente,
fica ainda condicionado pela existência de um quadro
tático concreto e especifico e pela apresentação de
pedido com fundamentacão individualizada que
justifique a invasão da privacidade do investigado.
5. Ação direta julgada parcialmente procedente.
(o sublinhado não é do original:.

Da mesma forma o STJ:

AgRg na PETIÇÃO N° 1.611 - RO (2001/0191600-5)


RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO
JULGADO EM 15 DE MAIO DE 2002
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. CPI. QUEBRA DE SIGILO
BANCÁRIO. CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS.
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. 1. A quebra dos sigilos
bancário e fiscal é medida excepcional. Só há
de ser concedida quando os fatos demonstrem a
absoluta necessidade da sua realização e nos
35
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limites da competência do órgão investigador.


No caso em eXame, prepondera para justificar o
indeferimento do pedido os seguintes aspectos
jurídicos: a) não há, nos autos, fundamentação
convincente da necessidade da medida requerida;
b) as CPIs estaduais não têm competência para
investigar autoridades que estão submetidas a
foro privilegiado federal. A autoridade contra
quem se pede a quebra dos sigilos bancário e
fiscal tem foro privilegiado no Superior
Tribunal de Justiça. Desse modo, só há
possibilidade de se determinar a medida
requerida, desde que preenchidos os
pressupostos legais, no âmbito de Comissão
Parlamentar de Inquérito instaurada pela Câmara
dos Deputados ou pelo Senado Federal, ou no
curso de noticia-crime, inquérito ou ação penal
tramitando perante o Superior Tribunal de
Justiça. 2. Agravo regimental improvido.

INQUÉRITO N° 780 - CE (2012/0100724-4)


RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
JULGADO EM 06 DE JUNHO DE 2012
EMENTA PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. CONSELHEIRO
DE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. INDÍCIOS DE
DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. QUEBRA DO SIGILO
BANCÁRIO E FISCAL. AFASTAMENTO CAUTELAR DO
CARGO. POSSIBILIDADE. 1. A quebra do sigilo
bancário e fiscal afigura-se legitima quando
indispensável à apuração de delito funcional
com envolvimento de valores públicos.
Precedentes. 2. Em circunstâncias excepcionais,
admite-se o afastamento cautelar de agentes
públicos do exercício do seu cargo ou função,
mesmo durante a fase de inquérito, desde que
presentes elementos indiciários e probatórios
da conduta delituosa, a incompatibilidade com o
exercício do cargo ou função e o risco para o
regular desenvolvimento das investigações. 3.
Pedidos parcialmente deferidos. (o sublinhado
não é do original).

Nesse caso, pois, a conclusão está em simetria com as


manifestações anteriores desta PGE, no sentido de que há de se observar o sigilo
fiscal dos agentes públicos, protegido constitucionalmente, passível, contudo, de ser
desnudado a qualquer tempo, mas em situação em que se verifique, concretamente, a
existência de um mínimo de elementos indiciários.

Destarte, o que não se compadece com o modelo atual é o


procedimento genérico, por amostragem e testagem, realizado pelo Tribunal de
Contas, de forma aleatória, abrangente e indiscriminada.
36
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Isso porque, mesmo tomando em conta a aplicação da teoria


dos poderes implícitos, não se encontra dm lugar algum, na lei, na Constituição
Federal ou na jurisprudência, chancela para este tipo de averiguação aberta que
promove o TCE/RS.

Como já se disse, nessa matéria, de estrita reserva legal e


constitucional, não se encontra em lugar algum autorização para fiscalização por
amostragem e testagem, situação muito diversa daquela que a previsão do art. 71,
parágrafo 2°, da CE/89 quis agasalhar, razão suficiente para que se examine a
sobredita norma "cum grano salis", máxime considerando que não encontra simetria
no texto federal inspirador, daí mesmo a necessária parcimônia à sua indistinta
aplicação. Isso ainda sem levar-se em conta que, em regra, as carreiras que abrigam
os destinatários da norma em discussão (basta ver os cargos dos agentes públicos
que foram selecionados para averiguação mais aprofundada, que foram antes
citados) possuem Corregedorias constitucionalizadas, com atribuições próprias, e
cujas competências acabam por assim dizer vulneradas por regras meramente
regulamentares de legislação infraconstitucional, o que não deixa de se constituir em
problema a ser solvido na órbita jurídica, não só pelos critérios de competência, mas
de hierarquia das próprias normas em possível conflito.

Enfim, o combate à corrupção e a prática de atos e fatos nesse


sentido há de ser saudada, mas precisa se dar em rigorosa observância aos demais
princípios constitucionais.

Para finalizar este tópico, ao exame de diversas circunstâncias


legislativas e regulamentares, não se verificou nenhum situação similar quanto à
extensão que o TCE/RS deu à sua competência. Não se encontra possibilidade de
quebra de sigilo fiscal de ofício, que prescinda de autorização judicial ou do
sindicado/investigado, nem na Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal
8.429/92 — que prevê a declaração de bens dos agentes públicos — art. 13 e
parágrafos); no Decreto Federal 5.483/05, que disciplinou a sindicância patrimonial em
âmbito federal, justamente em regulamentação à LIA; nas normas procedimentais da
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA); no
Decreto 5.687/06, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra a
corrupção; nas deliberações do COREMEC — Comitê de Regulação, Fiscalização dos

37
5X,k.r°
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Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização; nas


circulares de monitoramento de movimentàções financeiras (Circular 3.339/06, do
Banco Central e Instrução MPS/SCP 26/08); nos registros do SISCOAF; no Sistema
Eletrônico de Intercâmbio; na Lei Federal 9.613/98 — pessoas obrigadas; na Lei
Federal 12.843/13 — lei anticorrupção; na Lei Federal 12.527/11 — Lei de Acesso à
Informação; na Lei Federal 12.741/12 — lei da transparência fiscal e de
esclarecimentos aos consumidores; LC 131/09 — lei da transparência da gestão fiscal
e etc.

Nesse sentido, a única exceção encontrada é justamente


aquela prevista expressamente na LC 105/01, e que ainda trata do sigilo bancário
(não do fiscal propriamente dito) e versando sobre operações financeiras (que não é a
hipótese do TCE a toda evidência), em que a jurisprudência acolhe a mitigação da
garantia do sigilo fiscal, autorizando que a quebra seja realizada diretamente pela
autoridade administrativa (fiscal), para fins de constituição do crédito tributário, mas
que não se estende, por exemplo, à ação penal titulada pelo Ministério Público
(consoante já se viu anteriormente), justamente pela dicção do art. 5° da CF/88 e nos
termos do art. 1°, parágrafo 4° e do art. 6°, da mencionada lei complementar, mas em
tudo sempre sujeita — a quebra —, em qualquer hipótese à expressa existência de
processo administrativo formalmente instaurado presente a existência de fato
concreto, ainda que por indícios, mas obieto de averiguação ou investigação
específica.

Veja-se, no que interessa ao exame da matéria, a redação da


LC 105/01:
Art. 1° (...)

§ 42 A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando


necessária para apuração de ocorrência de qualquer
ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do
processo judicial, e especialmente nos seguintes
crimes:

Art. 3° (...)

§ 1° Dependem de prévia autorização do Poder


Judiciário a prestação de informações e o
fornecimento de documentos sigilosos solicitados por
comissão de inquérito administrativo destinada a
apurar responsabilidade de servidor público por

38
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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infração praticada no exercício de suas atribuições,


ou que tenha relação com as atribuições do cargo em
que se encontre investido.

5 22 Nas hipóteses do 5 12, o requerimento de quebra


de sigilo independe da existência de processo
judicial em curso.

Art. 5° (...)

§ 42 Recebidas as informações de que trata este


artigo, se detectados indícios de falhas,
incorreções ou omissões, ou de cometimento de
ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá
requisitar as informações e os documentos de que
necessitar, bem como realizar fiscalização ou
auditoria para a adequada apuração dos fatos.

Art. 6° As autoridades e os agentes fiscais


tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios somente poderão examinar
documentos, livros e registros de instituições
financeiras, inclusive os referentes a contas de
depósitos e aplicações financeiras, quando houver
processo administrativo instaurado ou procedimento
fiscal em curso e tais exames sejam considerados
indispensáveis pela autoridade administrativa
competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as


informações e os documentos a que se refere este
artigo serão conservados em sigilo, observada a
legislação tributária.

Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses


autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime
e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um
a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber,
o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções
cabíveis.

Art. 11. O servidor público que utilizar ou


viabilizar a utilização de qualquer informação
obtida em decorrência da quebra de sigilo de que
trata esta Lei Complementar responde pessoal e
diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da
responsabilidade objetiva da entidade pública,
quando comprovado que o servidor agiu de acordo com
orientação oficial.

A temática versada na LC 105/01, que poderia se aproximará


examinada nestes expedientes (em que pese seja mais afeiçoada ao sigilo bancário e
às instituições financeiras e autuações fiscais, como já alhures registrado), já foi
objeto de exame pelo STJ, que se manifestou na forma do art. 543-C, em recurso ao
qual foi atribuído o caráter repetitivo, representativo de controvérsia, a saber:
39
ek.k.r"
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RECURSO ESPECIAL N° 1.134.665 - SP (2009-'0067034-4)


RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX
JULGADO EM 25/11/2009

EMENTA
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO.
QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A
FATOS IMPONIVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA
LEI COMPLEMENTAR 105--2001. APLICAÇÃO
IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1°, DO CTN. EXCEÇÃO AO
PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE.
1. A quebra do sigilo bancário sem prévia
autorização judicial, para fins de constituição de
crédito tributário não extinto, é autorizada
pela Lei 8.021,-90 e pela Lei Complementar 105-'2001,
normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à
luz do disposto no artigo 144, B 10, do CTN.
2. O § 1°, do artigo 38, da Lei 4.595-64 (revogado
pela Lei Complementar 105-'2001), autorizava a guebra
de sigilo bancário, desde que em virtude de
determinação judicial, sendo certo que o acesso às
informações e esclarecimentos, prestados pelo
Banco Central ou pelas instituições financeiras,
restringir-se-iam às partes legítimas na causa e
para os fins nela delineados.
3. A Lei 8.021-'90 (que dispôs sobre a identificação
dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo
8°, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal
para o lançamento tributário de ofício (nos casos em
que constatado sinal exterior de riqueza, vale
dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível
do contribuinte), a autoridade fiscal poderia
solicitar informações sobre operações realizadas
pelo contribuinte em instituições financeiras,
inclusive extratos de contas bancárias, não se
aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38,
da Lei 4.595-'64.
4. O B 3°, do artigo 11, da Lei 9.311-'96, com a
redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de
2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal
era obrigada a resguardar o sigilo das
informações financeiras relativas à CPMF, facultando
sua utilização para instaurar procedimento
administrativo tendente a verificar a existência
de crédito tributário relativo a impostos e
contribuições e para lançamento, no âmbito do
procedimento fiscal, do crédito
tributário porventura existente.
5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001,
revogou o artigo 38, da Lei 4.595-'64, e passou a
regular o sigilo das operações de instituições
financeiras, preceituando que não constitui violação
do dever de sigilo a prestação de informações, à
Secretaria da Receita Federal, sobre as ouerações
financeiras efetuadas pelos usuários
dos serviços (artigo 1°, B 3°, inciso VI, c--c o
artigo 5°, caput, da aludida lei complementar, e 1°,
do Decreto 4.489-'2002).

40
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6. As informações prestadas pelas instituições


financeiras (ou equiparadas) restringem-se a
informes relacionados com a identificação dos
titulares das operações e os montantes
globais mensalmente movimentados, vedada a inserção
de qualquer elemento que permita identificar a sua
origem ou a natureza dos gastos a partir deles
efetuados (artigo 5°, § 2°, da Lei Complementar
105-'2001).
7. 0 artigo 6°, da lei complementar em tela,
determina que:
"Art. 6° As autoridades e os agentes fiscais
tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios somente poderão examinar
documentos, livros e registros de
instituições financeiras, inclusive os referentes a
contas de depósitos e aplicações financeiras, quando
houver processo administrativo instaurado
ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam
considerados indispensáveis pela autoridade
administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as
informações e os documentos a que se refere este
artigo serão conservados em sigilo, observada a
legislação tributária."
8. 0 lançamento tributário, em regra, reporta-se à
data da ocorrência do fato ensejador da tributação,
regendo-se pela lei então vigente, ainda que
posteriormente modificada ou revogada (artigo
144, caput, do CTN).
9. O artigo 144, § 1°, do Codex Tributário, dispõe
que se aplica imediatamente ao lançamento tributário
a legislação que, após a ocorrência do fato
imponivel, tenha instituído novos critérios
de apuração ou processos de fiscalização, ampliado
os poderes de investigação das autoridades
administrativas, ou outorgado ao crédito maiores
garantias ou privilégios, exceto, neste último caso,
para o efeito de atribuir responsabilidade
tributária a terceiros.
10. Conseqüentemente, as leis tributárias
procedimentais ou formais, conducentes à
constituição do crédito tributário não alcançado
pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos,
razão pela qual a Lei 8.021, 90 e a Lei Complementar
105-2001, por envergarem essa natureza, legitimam a
atuação fiscalizatória--investigativa
da Administração Tributária, ainda que os fatos
imponiveis a serem apurados lhes sejam anteriores
(Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753--.RS,
Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado
em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778--PR,
Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007,
DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053-t8, Rel. Ministro
Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ
04.09.2006).
11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de
tese inversa conducente à conclusão de que
Administração Tributária, ciente de possível
sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-
la.
12. A Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 facultou à Administração Tributária, nos
termos da lei, a criação de instrumentos-mecanismos
que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os
41
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rendimentos e as atividades econômicas


do contribuinte, respeitados os direitos
individuais, especialmente com o escopo de conferir
efetividade aos princípios da pessoalidade e
da capacidade contributiva (artigo 145, § 1°).
13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não
tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da
moralidade aplicável de forma absoluta às relações
de direito público e privado, devendo ser mitigado
nas hipóteses em que as transações bancárias são
denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o
cidadão, sob o alegado manto de
garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto
porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido
pela Constituição Federal como direito fundamental,
não o é para preservar a intimidade das pessoas no
afã de encobrir ilícitos.
14. O suposto direito adquirido de obstar a
fiscalização tributária não subsiste frente ao dever
vinculativo de a autoridade fiscal proceder
ao lançamento de crédito tributário não extinto.
15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-
se de dados da CPMF para apuração do imposto de
renda relativo ao ano de 1996, tendo sido instaurado
procedimento administrativo, razão pela qual
merece reforma o acórdão regional.
16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009,
reconheceu a repercussão geral do Recurso
Extraordinário 601.314--SP,
cujo thema iudicandum restou assim identificado:
"Fornecimento de informações sobre
movimentação bancária de contribuintes, pelas
instituições financeiras, diretamente ao Fisco por
meio de procedimento administrativo, sem a
prévia autorização judicial. Art. 6° da Lei
Complementar 105.-2001."
17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF,
com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o
condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos
recursos especiais pertinentes.
18. Os artigos 543-A e 543-5, do CPC, asseguram o
sobrestamento de eventual recurso extraordinário,
interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por
outros tribunais, que verse sobre a controvérsia
de índole constitucional cuja repercussão geral
tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte
(Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702-,RN, Rel.
Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado
em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag
1.087.650-SP, Rei. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe
31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878--SP, Rel. Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009,
DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194-,SP, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no
AgRg no REsp 805.223--RS, Rel. Ministro Arnaldo
Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em04.11.2008,
DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp
950.637-14G, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda
Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg
nos =ci. no REsp 970.580--RN, Rel. Ministro Paulo
Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008,
DJe 29.09.2008).

42
Ç1/4a,T,
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19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o


reconhecimento da repercussão geral do theme
iudicandum, configura questão a ser apreciada tão
somente no momento do exame de admissibilidade
do apelo dirigido ao Pretório Excelso.
20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido.
Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC,
e da Resolução STJ 0E-2008. (os sublinhados são do
original).

Também sobre o art. 6° da LC 105/01 o STF já se pronunciou


em recurso com repercussão geral, admitindo, em circunstância concreta, a remessa
direta das informações bancárias ao fisco, para apuração de crédito tributário, a
saber:

RE 601314 RG SP SÃO PAULO


REPERCUSSÃO GERAI NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 22/10/2009
Publicação
DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009
EMENT VOL-02383-07 22-01422

EMENTA: CONSTITUCIONAL. SIGILO BANrÁRIO.


FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES SOBRE MOVIMENTAÇÃO
BANCÁRIA DE CONTRIBUINTES, PELAS INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS, DIRETAMENTE AO FISCO, SEM PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (LEI COMPLEMENTAR 105/2001).
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 10.174/2001 PARA
APURAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A
EXERCÍCIOS ANTERIORES AO DE SUA VIGÊNCIA. RELEVÂNCIA
JURÍDICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE
REPERCUSSÃO GERAL.

A questão voltou a ser discutida pelo STF em 18 de fevereiro


próximo passado, o que motivou manifestação pública da Ordem dos Advogados do
Brasil — OAB, que se observou publicada no Informativo "On line" da entidade do dia
19 de fevereiro de 2016, sob o título "PARA OAB, DADO FISCAL NÃO PODE
SER ACESSADO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL", de cujo conteúdo se extrai o
seguinte:

"A OAB reitera sua posição em favor da proteção


aos direitos e garantias individuais, que incluem a
inviolabilidade do sigilo. A constituição definiu
como competência do Poder Judiciário a guerra de
sigilo fiscal. Portanto, a Receita Federal e os
entes da federação não podem tomar para si essa
função, sob o risco de banalização desse instrumento
e de ofensa aos direitos dos cidadãos e das pessoas
jurídicas", criticou Lamachia.
õlt falta do rigor judicial implica ainda no
risco de as informações serem difundidas e mal
utilizadas. Para atingir a finalidade de punir una
minoria, não se pode restringir, de antemão, ce
43
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direitos da maLoria", completou o presidente. A OAE.


Nacional atuou no julgamento do caso, posicionando-
se contrária a. medida. O procurador tributario da
Ordem, Luis Gustavo Bichara, manifestou preocupação
de os dados proteoidos por sigilo caírem nas mãos de
arapongas.

Observe-se, das ementas transcritas, que em nenhuma


hipótese se cuida de autorizar quebra de sigilo sem a existência de procedimento
administrativo formalmente instaurado para apurar a ocorrência de um fato
concretamente atribuído ao investigado, circunstâncias que são premissas
inafastáveis, segundo se tem como o melhor e o único entendimento a respeito da
discussão em tela. Diferentemente um pouco a posição da OAB Nacional, que não
acolhe nem mesmo a mitigação expressamente prevista em lei às instituições
financeiras, quanto à remessa de dados à Receita Federal para a constituição de
crédito tributário.

Nesse sentido, a posição externada pelo presente parecer é


consentânea com a proposição jurisprudencial atual da excelsa corte, no sentido de
entender possível a remessa de dados sem a intermediação do Poder Judiciário nos
casos em que haja previsão legal expressa a respeito desse encaminhamento,
situação da qual não cuidam os expedientes, na medida em que ficou demonstrado
que há a realização de fiscalização genérica.

Ainda, quanto à matéria tributária, no que se poderia inserir


mais proximamente o conceito de sigilo fiscal, há aspecto igualmente próximo ao
vivenciado nestes expedientes e que se encontra na LC 104/01, na nova redação que
ela deu ao art. 198, do CTN, a saber:

'Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação


criminal, é vedada a divulgação, por parte da
Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação
obtida em razão do ofício sobre a situação econômica
ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e
sobre a natureza e o estado de seus negócios ou
atividades.

-5 12 Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos


casos previstos no art. 199, os seguintes:

I - requisição de autoridade judiciária no interesse


da justiça:

II - solicitações de autoridade administrativa no


interesse da Administração Pública, desde que se-ia
comprovada a instauração regular de processo
44
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administrativo, no órgão ou na entidade respectiva,


com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que
se refere a informação, por prática de infração
administrativa.

.§ 2° O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito


da Administração Pública, será realizado mediante
nrocesso regularmente instaurado, e a entrega será
feita pessoalmente à autoridade solicitante,
mediante recibo, que formalize a transferência e
assegure a preservação do sigilo. (...)". (os
sublinhados não são do original).

Em suma, mesmo nas hipóteses em que se vislumbra a


possibilidade de mitigação da quebra de sigilo, expressamente previstas em legislação
de regência especifica sobre a matéria (atendido, pois, o principio da reserva legal),
não se observa em nenhum momento, lugar ou texto legislativo ou regulamentar, a
abrangência com que a matéria foi regulamentada internamente pelo TCE/RS (por
norma meramente regulamentar), em circunstância que, como única conclusão,
ressuma desbordante de sua competência, que se reconhece (como já se viu no item
antecedente), mas não no alcance dimensionado pela corte de contas.

Assim, ao menos a Instrução Normativa 01/15 do TCE, que


determina a apresentação da declaração de bens e rendimentos à corte de contas
para averiguação genérica e indiscriminada está sujeita ao controle pela via da
constitucionalidade material, em vista de que não há plena adequação dela à ordem
constitucional federal ou, no mínimo, ao principio da reserva legal, em razão do que
está a reclamar algumas alterações.

Isso, entretanto, não elide a iniciativa do Tribunal de Contas, no


sentido de pretender que lhe sejam enviadas/entregues as declarações, em meio
digital, de forma criptografada, desde que tal se dê com senha recíproca de quebra de
sigilo (abertura das informações), mediante acesso compartilhado pelo órgão ou poder
que encaminhou as declarações de seus agentes e pelo órgão destinatário, no caso o
TC E.

5 — DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DAS LEIS


12.980/08 e 13.776/11

45
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CONSELHO SUPERIOR

Conquanto seja reconhecida a possibilidade de atuação do


TCE na questão relativa à sindicância patrimonial a respeito da evolução patrimonial
dos agentes públicos, como já se viu precedentemente, não há de se perder de vista
que, sob o aspecto estritamente formal, a norma que dá azo a tal competência, a já
transcrita Lei Estadual n° 12.980/08, padece de vício formal, por isso mesmo é
formalmente inconstitucional, na esteira da jurisprudência do STF.

A lei originária a regulamentar a questão da declaração dos


bens aqui no Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 12.036/03, tem como proponente o
Chefe do Poder Executivo, mandatário superior da Administração Pública, e assim
agiu nos termos dos artigos 60 e 82 da CE/89.

Portanto, em relação a ela, nada haveria de inconstitucional, ao


menos sob o aspecto formal, já que ao Governador do Estado, primeiro mandatário do
Estado, é conferido o poder de iniciativa legislativa em matéria de organização dos
serviços públicos e de criação de direitos e deveres aos agentes e servidores
públicos, nos termos do art. 82 da CE/89. (v.g.: incisos II, III e VII).

A despeito disso, as leis que se seguiram à de iniciativa do


Governador do Estado e que alteraram esta norma originária foram proposições de
iniciativa parlamentar, o que atrai a incidência de vício de origem. A Lei Estadual
12.980/08 é de iniciativa do Deputado Adão Villaverde que, a despeito dos relevantes
propósitos e do cunho evidentemente meritório da proposta, não poderia se arvorar
em regular matéria desta ordem, a submeter todos os agentes públicos vinculados ao
Poder Executivo, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e outros órgãos da
Administração Pública. Nesse sentido, é fora de qualquer dúvida que a iniciativa,
conquanto meritória, é flagrantemente inconstitucional, ao menos sob o ponto de vista
formal. Poderia, quando muito, vincular aos agentes políticos e servidores do Poder
Legislativo e do próprio TCE, seu órgão auxiliar.

Vejamos, a pretexto da inconstitucionalidade formal ora


aventada, precedentes do STF:

ARE 768450 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO


AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator(a): Min. ROSA WEBER
46
(e~,
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CONSELHO SUPERIOR

Julgamento: 01/12/2015 Órgão Julgador:


Primeira Turma
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-255 DIVULG 17-12-2015 PUBLIC 18-12-2015
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI
ESTADUAL DE INICIATIVA PARLAMENTAR.
CRIAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO PARA ÓRGÃO DO PODER EXECUTIVO.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAI. VICIO RECONHECIDO
NA ORIGEM. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A
JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAM. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE
TRÂNSITO. SÚMULA N° 280/STF. PROCEDIMENTO VEDADO NA
INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO
PUBLICADO EM 16.4.2012. 1. O entendimento adotado
pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na
decisão agravada, não diverge da jurisprudência
firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal.
Padece de inconstitucionalidade formal lei de
iniciativa parlamentar que disponha sobre
atribuições de órgãos da Administração Pública.
Entender de modo diverso demandaria análise da
legislação infraconstitucional local apontada no
apelo extremo, o que torna oblíqua e reflexa
eventual ofensa, insuscetível,
portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso
extraordinário 2. As razões do agravo regimental não
se mostram aptas a infirmar os fundamentos que
lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo regimental
conhecido e não provido.

É esta exatamente a hipótese dos autos, em que a lei de


iniciativa parlamentar, de n° 12.980/08, com o melhor dos propósitos, diga-se de
passagem, criou atribuições e obrigações aos órgãos e poderes da Administração
Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

Observe-se, a pretexto, um acórdão recente do STF sobre


questões envolvendo justamente a inconstitucionalidade formal de norma que tratava
da exigência da apresentação da declaração de bens e rendas, e que se constitui
exatamente no caso em que o parecer originário desta PGE se referiu, somente que
naquela oportunidade tinha havido o deferimento de liminar e agora o julgamento é de
mérito e definitivo. Trata-se, pois, de hipótese símile, a saber:

ADI 4203 / RJ - RIO DE JANEIRO


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 30/10/2014
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação

47
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CONSELHO SUPERIOR

ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015
Ementa
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n°
5.388/99 do Estado do Rio de Janeiro. CONAMP.
Obrigação de entrega de declaração de bens à
Assembleia Legislativa por agentes públicos
estaduais. Competência atribuída ao Poder
Legislativo sem o devido amparo
constitucional. Vício de iniciativa. Parcial
procedência. 1. A CONAMP congrega os membros do
Ministério Público da União e dos Estados, tendo
legitimidade reconhecida por esta Corte (ADI n°
2.794/DF, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence,
DJ de 30/3/07). A exigência de pertinência temática
não impede o amplo conhecimento da ação, com a
declaração de inconstitucionalidade da norma para
além do âmbito dos indivíduos representados pela
entidade requerente, quando o vicio de
inconstitucionalidade for idêntico para todos os
seus destinatários. Precedentes. Preliminar
rejeitada. 2. Lei estadual que estabeleceu, com
fundamento na competência constitucional de controle
externo por parte do Poder Legislativo, a
obrigatoriedade de apresentação de declaração de
bens por diversos agentes públicos estaduais
(magistrados, membros do Ministério Público,
deputados, procuradores do estado, defensores
públicos, delegados etc.) à Assembleia Legislativa.
3. Modalidade de controle direto dos demais Poderes
pela Assembleia Legislativa - sem o auxílio do
Tribunal de Contas do Estado - que não encontra
fundamento de validade na Constituição Federal.
Assim, faltando fundamento constitucional a essa
fiscalização, não poderia a Assembleia Legislativa,
ainda que mediante lei, outorgar a si própria
competência que é de todo estranha à fisionomia
institucional do Poder Legislativo.
4. Inconstitucionalidade formal da lei estadual, de
origem parlamentar, que impõe obrigações aos
servidores públicos em detrimento da
reserva de iniciativa outorgada ao chefe do Poder
Executivo (art. 61, 5 1° , II, da CF), e da autonomia
do Poder Judiciário (art. 93 da CF) e do Ministério
Público (arts. 127, § 2°, e 128, 5 5°, da CF) para
tratar do regime jurídico dos seus membros e
servidores. 5. Constitucionalidade da lei em relação
aos servidores e membros da própria Assembleia
Legislativa, por se tratar de controle
administrativo interno, perfeitamente legitimo. 6.
Ação direta julgada parcialmente procedente,
declarando-se i) a inconstitucionalidade dos incisos
II a V do art. 1'; dos incisos II a XII e XIV a XIX
do art. 2° ; das alíneas b a e do inciso XX também do
art. 2°, todos da Lei n°
5.388, de 16 de fevereiro de 2009, do Estado do
Rio de Janeiro, e ii) conferindo-se interpretação
conforme à Constituição ao art. 5' do mesmo diploma
legal, para que a obrigação nele contida somente se
dirija aos administradores ou responsáveis por bens
e valores públicos ligados ao Poder Legislativo.

48
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CONSELHO SUPERIOR

Assim como ocorreu com a Lei Estadual n° 12.980/08, a similar


de n° 13.776/11, que a alterou, ostenta o mesmo vício de iniciativa, já que é
proposição da Mesa da Assembleia Legislativa. Aqui, novamente, a conclusão de que
valeria, quando muito, aos integrantes, a qualquer título, dos quadros da própria
Assembleia Legislativa e do TCE. Nada, entretanto, que possa irradiar efeitos
juridicamente válidos para além disso.

Nesse sentido, assim como já há indicação da necessidade de


que se argua a inconstitucionalidade material da norma, há de se agregar a isso este
aspecto formal, não menos relevante, pois inconstitucionalidade é
inconstitucionalidade, formal ou material. Na prática, ambas tem a condição de gerar o
mesmo resultado, ou seja, uma vez declarada, total ou parcialmente, a norma, naquilo
que foi objeto da declaração, perde a vigência e deixa de integrar o mundo jurídico-
legislativo.

Portanto, há de se arguir, o quanto antes, a


inconstitucionalidade formal das Leis Estaduais 12.980/08 e 13.776/11, já que ambas
ostentam como proponentes o Poder Legislativo, incompetente para legislar sobre a
temática e para obrigar agentes de outros órgãos e poderes a se submeter aos seus
desígnios, sem se falar, ainda, que a matéria gera, ainda que indiretamente, aumento
de despesa pública.

6 — DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA
REGULAMENTAÇÃO, POR VULNERAÇÃO À CARTA DE
1988: O SIGILO FISCAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA
CF/88

Este ponto já foi incidentalmente tratado por ocasião do item


04 deste parecer, quando se concluiu ser inconstitucional a IN 01/15 do TCE. Mas não
é só e merece ser ampliada a questão relativa à inconstitucionalidade da exigência do
TCE a respeito da entrega das declarações de bens e rendimentos dos agentes
públicos (com publicização interna a um serviço de inteligência), pelo menos da forma
como quer receber as informações a corte de contas, em que se lhe propicie amplo

49
‘1~}"
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acesso, sem limitação, para que possa fazer os cruzamentos e as pesquisas


patrimoniais que bem e melhor lhe aprouver, segundo suas determinações internas de
análise, por premissas de testagem e amostragem que, como se viu, não se
compatibilizam com o sistema constitucional que protege o sigilo fiscal e o eleva à
condição de direito fundamental, com mitigação em caso excepcionais.

Sobre esta questão, nada mais precisaria ser dito ou


acrescentado aquilo que consta na percuciente análise levada a efeito pelo
Procurador do Estado José Luis Bolzan de Moraes, constante da minuta proposta em
retorno ao encaminhamento da matéria à Equipe de Consultoria da Procuradoria de
Pessoal, onde se pugnava por novo exame da matéria, para revisá-la ou não, que se
pede vênia, pois, para transcrever:

(...)
Os elementos antes apresentados parecem não ter
perdido seu valor argumentativo. As alterações
legislativas promovidas no lapso temporal ocorrido
entre a edição do referido Parecer e o momento
atual, não foram de ordem a afastar os vícios
sugeridos estarem presentes no texto analisado.
Em especial, a Lei n° 12908/08, com a redação
dada pela Lei n° 13776/11, em seu art. 3°, como
indicado na manifestação de fls. 06 a 16 do EA n°
7395-1000/15-8, ao determinar ao Tribunal de Contas
estadual que mantenha registro informativo das
declarações de bens apresentadas nos termos da Lei
n° 12036/03, o fez, considerando a regularidade
constitucional deste ato normativo, bem como o
estabeleceu para o fim de dar efetividade à
competência fiscalizatória deste órgão de contas.
Da mesma forma, a decisão definitiva na ADI n°
4203/RJ, não corrobora a necessidade de revisão da
orientação anterior desta Casa, seja porque, em
seus fundamentos, não se encontram referências
conclusivas acerca do tema aqui objeto de análise.
Ao contrário, percebe-se do voto do Ministro
Relator que há Uma evidente preocupação quanto à
interferência promovida entre os Poderes públicos,
da mesma forma que aponta para o risco de
50
e1/4,039
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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"...fiscalizar, de modo rotineiro e indiscriminado,


a evolução patrimonial...", concluindo, por uma
interpretação conforme à Constituição, para limitar
a incidência da norma no plano interno ao Poder
Legislativo, no caso.
Ora, nada disso desconstitui o caráter de
inconstitucionalidade indicado no Parecer n°
15214/10.
Todavia, transcorrido todo esse período, não
houve a adoção de nenhuma providência relativamente
ao questionamento acerca da constitucionalidade de
tal regramento, com o que ainda presentes na ordem
jurídica local.
Tal fato, nos leva à dúvida posta quanto à
observância, no âmbito da Administração Pública de
tais normas, como bem apreendido pelo Procurador do
Estado signatário da manifestação de fls. 126/126v.
do EA n° 936-2000/10-0, na mesma direção do Parecer
n° 15352/10, assim ementado:
SECRETARIA DA FAZENDA. LEGISLAÇÃO
MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL. EXECUTORIEDADE.
DEVER DE ATUAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.
SOBREPOSIÇÃO À DETERMINAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. PROPOSITURA DE
AÇÃO DIRETA. LEI N° 13444/10, ART. 2°.
Entretanto, considerando-se o contexto da
situação em tela, havendo dúvida fundada acerca da
hermenêutica antes adotada, bem como em relação às
consequências ao gestor público responsável, tem-se
que a situação merece ser novamente analisada,
trazendo novas referências que permitem melhor
elucidar a matéria.
Deixando de lado, em razão do já posto no
Parecer n° 15214/10, as questões que põem em dúvida
a própria competência do organismo de contas para
realizar a fiscalização objetiva da evolução
patrimonial dos servidores públicos, sobretudo
daqueles todos que não lidam com dinheiros
públicos, apenas gerem suas finanças privadas,
advindas do seu trabalho e, eventualmente, de
outras fontes licitas, sejam de atividade laborai,
rendas, investimentos, etc, e que, portanto,
51
9‘.6,
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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administram recursos que, recebidos


como
remuneração do trabalho, caracterizam-se como
privados, independente da fonte pagadora, é preciso
considerar que a fiscalização pretendida recai
sobre informações que fazem parte da vida privada,
naquilo que respeita à privacy, como "dados que a
pessoa guarda para si e que dão consistência à sua
pessoalidade...", como distingue Tercio Sampaio
Ferraz Júnior, em seu "Sigilo de Dados: o direito à
privacidade e os limites à função fiscalizadora do
Estado" (Revista dos Tribunais - Cadernos de
direito tributário e finanças públicas, volume 1,
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
outubro/dezembro de 1992, pp. 141 a 154)
A partir de tais supostos, para além do que já
dito, as limitações constitucionais impostas como
direitos fundamentais do cidadão, confrontando-as
com a pretensão de publicidade, transparência,
controle e fiscalização a serem levadas a efeito
pelo órgão de contas estadual, merecem ser
compreendidas nos seus limites, sobretudo
considerando o locus central ocupado pelos direitos
fundamentais no constitucionalismo contemporâneo e,
em especial, na Carta da República de 1988, os
quais devem ser reconhecidos, no caso, como
elementos estruturantes do Estado Democrático de
Direito e como meios de proteção e promoção da
dignidade da pessoa humana, não se prestando sua
mitigação à Qualquer tipo de pretensão ao
estabelecimento de meios de controle que os
desconheçam e não consigam com eles conviver.
Como salienta Fernando Facury Scaff ("Sigilo
Fiscal e Reserva de Jurisdição". In: Revista
Dialética de Direito Tributário. n° 71, São Paulo:
Dialética, agosto-2001, pp. 60 a 71), a
"interpretação jurídica, portanto, não deve ser
utilizada em prol de mecanismos totalitários, que
afastam o caráter democrático de uma sociedade..."
(p. 61).

52
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CONSELHO SUPERIOR

Ou seja, como bem analisado por este autor, no


que se refere a aspectos da Lei Complementar
Federal n° 105/01, não se pode pretender, em nome
do que seja - inclusive do combate à corrupção ou
da busca da transparência no âmbito do serviço
público - instaurar sistemas de controle que
contradizem toda a ossatura da ordem constitucional
brasileira que, sempre é bom lembrar, buscou
promover, exatamente, a passagem do regime
ditatorial para a democracia. Não se pode confundir
fiscalização com exposição, utilizando-se, para
isto, de instrumentos que vão de encontro às
garantias fundamentais do cidadão, no caso a
violação do sigilo fiscal, como, inclusive,
manifestou o Superior Tribunal de Justiça (STJ-T2-
AgRg no REsp n° 325997/DF).
Neste sentido, é reiterado na doutrina e na
jurisprudência pátria o reconhecimento do sigilo
fiscal - e bancário - como constitutivos do direito
à privacidade e inviolabilidade do cidadão, ficando
estes imunes à intervenção externa, a não ser nos
casos reconhecidos pela própria Carta republicana
ou em situações nas quais ocorre autorização
judicial, no que ficou reconhecido como "reserva de
jurisdição".
Assim, e tendo em vista que o Supremo Tribunal
Federal considera que os sigilos bancário e fiscal
são nuanças do direito constitucional à privacidade
e à inviolabilidade da comunicação de dados, lei
infraconstitucional alguma, nem sequer lei
complementar, pode, fora de parâmetros
constitucionais, restringir ou limitar um direito
individual fundamental. Muito menos se pode
pretender agir, sob tais fundamentos, e por meio de
instrumentos normativos menores - como Resoluções
ou Instruções Normativas - ao arrepio da ordem
constitucional. Ou, e assim o fazendo, estar-se-ia,
por outro lado, contaminando toda a eventual busca
probatória que viesse a ser produzida, maculando o
próprio procedimento fiscalizatório.
53
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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CONSELHO SUPERIOR

Inclusive no âmbito do processo penal tal


assertiva vem recOnhecida. A garantia da proibição
das provas produzidas por meio ilícito definida
-pela Constituição se aplica a todo e qualquer
processo, no âmbito administrativo ou
jurisdicional. E, por isso mesmo, o TCU, conforme
decisão do STF no MS 22.801/DF de 2007, para ter
acesso a dados bancários e fiscais de pessoas
investigadas em procedimentos de controles próprios
do referido órgão precisa de prévia decisão
judicial.
As formas de controle e investigação pressupõem
a existência de indícios de atos ilícitos, seja um
ilícito administrativo ou penal. Logo, as formas de
produção de provas que afetam direitos fundamentais
somente podem ser efetivadas por meio de decisão
judicial e se houver algum elemento informativo
prévio. Ou seja, a utilização de provas como
intercepção telefônica ou quebra de sigilo fiscal
ou bancário pressupõe a existência de prévios
indícios de cometimento de crime e a necessidade de
produzir a referida prova pela inviabilidade dos
meios de provas regulares, que não afetem direitos
fundamentais. No HO 108.147/PR, o STF já decidiu
que a interceptação telefônica é subsidiária e
excepcional, somente podendo ser determinada quando
não houver outro meio para se apurar os fatos.
Tais meios de prova são sempre excepcionais,
por isso, precisam ser submetidos a controles
judiciais prévios, sendo estes limites decorrência
da leitura constitucional do princípio da presunção
de inocência como norma de garantia, que pressupõe
que toda e qualquer afetação aos direitos
fundamentais dos investigados e acusados deve ser
excepcional e previamente justificada por meio de
decisão judicial, como se lê:
QUEBRA DE SIGILO FISCAL REALIZADA DIRETAMENTE
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE CÓPIAS DE
DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA SEM AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL. ILICITUDE DA PROVA. 1. Considerando o
artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal, e o
artigo 8°, incisos II, IV e § 2°, da Lei
54
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Complementar 75/1993, há quem sustente ser possível


ao Ministério Público requerer, diretamente, sem
prévia autorização judicial, a quebra de sigilo
bancário ou fiscal. 2. No entanto, numa
interpretação consentânea com o Estado Democrático
de Direito, esta concepção não se mostra a mais
acertada, uma vez que o Ministério Público é parte
no processo penal, e embora seja entidade
vocacionada à defesa da ordem jurídica,
representando a sociedade como um todo, não atua de
forma totalmente imparcial, ou seja, não possui a
necessária isenção para decidir sobre a
imprescindibilidade ou não da medida que excepciona
os sigilos fiscal e bancário. 3. A mesma Lei
Complementar 75/1993 - apontada por alguns como a
fonte da legitimação para a requisição direta pelo
Ministério Público de informações contidas na
esfera de privacidade dos cidadãos - dispõe, na
alínea "a" do inciso XVIII do artigo 60, competir
ao órgão ministerial representar pela quebra do
sigilo de dados. 4. O sigilo fiscal se insere no
direito à privacidade protegido constitucionalmente
nos incisos X e XII do artigo 5° da Carta Federal,
cuja quebra configura restrição a uma liberdade
pública, razão pela qual, para que se mostre
legitima, se exige a demonstração ao Poder
Judiciário da existência de fundados e excepcionais
motivos que justifiquem a sua adoção. 5. evidente
a ilicitude da requisição feita diretamente pelo
órgão ministerial à Secretaria de Receita Federal,
por meio da qual encaminhadas cópias das
declarações de rendimentos do paciente e dos foram
demais investigados no feito. 6. Conquanto sejam
nulas as declarações de imposto de renda anexadas à
medida cautelar de sequestro, não foi juntada ao
presente mandamus a íntegra do mencionado
procedimento, tampouco o inteiro teor da ação penal
na qual a citada documentação teria sido utilizada,
de modo que este Sodalicio não pode verificar quais
"provas e atos judiciais" estariam por ela
contaminados, exame que deverá ser realizado pelo
Juizo Federal responsável pelo feito. 7. Ordem
concedida para determinar o desentranhamento das
provas decorrentes da quebra do sigilo fiscal
realizada pelo Ministério Público sem autorização
judicial, cabendo ao magistrado de origem verificar
quais outros elementos de convicção e decisões
proferidas na ação penal em tela e na medida
cautelar de sequestro estão contaminados pela
ilicitude ora reconhecida. (STJ - T5 - MC n°
160.646-SP - DJe de 19/9/2011).

Como visto, o sigilo é a regra, sendo a exceção


subordinada à autorização judicial e, caso
contrário, afetada está a produção de provas daí
decorrentes.
No que respeita ao sigilo fiscal e sua
55
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

relativização são reiteradas as manifestações que,


para admiti-la, sujeitam-na à "reserva de
jurisdição" ou, dito de outra forma, à prévia
autorização judicial, como se lê:
SIGILO DE DADOS - AFASTAMENTO. Conforme
disposto no inciso XII do artigo 50 da Constituição
Federal, a regra é a privacidade quanto à
correspondência, às comunicações telegráficas, aos
dados e às comunicações, ficando a exceção - a
quebra do sigilo - submetida ao crivo de órgão
equidistante - o Judiciário - e, mesmo assim, para
efeito de investigação criminal ou instrução
processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS -
RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República
norma legal atribuindo à Receita Federal - parte na
relação jurídico-tributária - o afast-Amento do
sigilo de dados relativos ao contribuinte. (STF, RE
389.808/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco
Aurélio, j. 15/12/2010, p. 10/05/2011).
Ainda
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE
AFASTAMENTO DE SIGILO BAWARIO E FISCAL DE
INVESTIGADO. PROCEDIMENTO JUDICIAL. PODERES
INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPROVIMENTO
DA PARTE CONHECIDA.
1. As questões de suposta violação ao devido
processo legal, ao principio da legalidade, ao
direito de intimidade e privacidade e ao princípio
da presunção de inocência, têm natureza
infraconstitucional e, em razão disso, revelam-se
insuscetíveis de conhecimento em sede de recurso
extraordinário.
2. As arguições de violação aos princípios e
garantias do devido processo legal, legalidade,
presunção de inocência e intimidade, evidentemente,
tocam em temas de natureza infraconstitucional, não
havendo que se cogitar de afronta direta às normas
constitucionais apontadas.
3. Da mesma forma, não merece ser conhecido o
apelo extremo na parte em que se alega violação aos
princípios do contraditório, ampla defesa e devido
processo legal.
4. Remanesce a questão afeta à possibilidade de
o Ministério Público promover procedimento
administrativo de cunho investigatorio e o possível
malferimento da norma contida no art. 144, § 1 0, I
e IV, da Constituição Federal.
5. No caso concreto, tal debate se mostra
irrelevante, eis que houve instauração de inquérito
policial para apurar fatos relacionados às
movimentações de significativas somas pecuniárias
em contas bancárias, sendo que o Ministério Público
requereu, a título de tutela cautelar inominada, a
concessão de provimento jurisdicional que afastasse
o sigilo dos dados bancários e fiscais do

56
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

recorrente. Tal requerimento foi feito junto ao


juizo competente ,e, portanto, não se tratou de
medida adotada pelo Ministério Público sem qualquer
provimento jurisdicional.
6. Contudo, ainda que se tratasse da temática
dos poderes investigatórios do Ministério Público,
melhor sorte não assistiria ao recorrente. A
denúncia pode ser fundamentada em peças de
informação obtidas pelo órgão do MPF sem a
necessidade do prévio inquérito policial, como já
previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a
que o Ministério Público requisite esclarecimentos
ou diligencie diretamente a obtenção da prova de
modo a formar seu convencimento a respeito de
determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal,
mormente em casos graves como o presente que
envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em
contas bancárias.
7. A hipótese não envolve a eficácia retroativa
da Lei n° 10.174/01 - eis que esta se restringiu à
autorização da utilização de dados para fins
fiscais -, e sim a apuração de ilícito penal
mediante obtenção das informações bancárias.
e. Recurso parcialmente conhecido e, nesta
parte, improvido. ("Revista Fórum de Direito
Tributário" n° 39, pp. 215 a 223).

Por outro lado, ainda que reconhecida a


validade formal e material da norma
infraconstitucional que restrinja ou relativize o
sigilo fiscal, como a mesma toca garantia
constitucional, sua interpretação deverá ser feita
restritivamente, reduzindo-se o seu espectro de
incidência, como tem reiterado a doutrina
brasileira, da qual se pode mencionar Juliana
Garcia Belloque em seu livro intitulado "Sigilo
bancário: análise da LC 105/2001", publicado pela
Ed. Revista dos Tribunais (2003).
E, também neste sentido, é a orientação
jurisprudencial:

Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da


União. Banco Central do Brasil. Operações
financeiras. Sigilo. 1. A Lei Complementar n° 105,
de 10/1/01, não conferiu ao Tribunal de Contas da
União poderes para determinar a quebra do sigilo
bancário de dados constantes do Banco Central do
Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao
Poder Judiciário (art. 30 ), ao Poder Legislativo
Federal (art. 40 ), bem como às Comissões
Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação
do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal ou do plenário de suas respectivas
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comissões parlamentares de inquérito (§§ 1° e 2° do


art. 4°). 2. Embora as atividades do TCU, por sua
natureza, verificação de contas e até mesmo o
julgamento das contas das pessoas enumeradas no
artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem
a eventual quebra de sigilo, não houve essa
determinação na lei especifica que tratou do tema,
não cabendo a interpretação extensiva, mormente
porque há principio constitucional que protege a
intimidade e a vida privada, art. 5°, X, da
Constituição Federal, no qual está inserida a
garantia ao sigilo bancário. 3. Ordem concedida
para afastar as determinações do acórdão n° 72/96 -
TCU - 2a Câmara (fl. 31), bem como as penalidades
impostas ao impetrante no Acórdão n° 54/97 - TCU -
Plenário. (STF, MS 22.934/DF, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Menezes Direito, j. 17/12/2007, p.
14/03/2008).
Ainda, no MS 22.934/DF ficou consignado que "o
TCU não detém legitimidade para requisitar
diretamente informações que importem quebra de
sigilo bancário." entendendo-se que, por mais
relevantes que sejam suas funções institucionais, o
TCU não estaria incluído no rol dos que poderiam
ordenar a quebra de sigilo bancário (Lei 4.595/64,
art. 38 e LC 105/2001, art. 13). E, sustentou-se
que tais normas implicando restrição a direito
fundamental deveriam ser interpretadas
restritivamente.
Também, há que se considerar que o sigilo
fiscal e suas hipóteses de relativização são
regulamentados por normas gerais de direito
tributário, que, nos termos do artigo 146, "caput",
inciso III, da Constituição da República, devem ser
veiculadas por lei complementar (CTN, art. 198, com
as inovações da LC n° 104/2001), não bastando para
isso a edição de norma da categoria das leis
ordinárias.
Como resume Oswaldo Othon de Pontes Saraiva
Filho ("A relativização do sigilo fiscal em face do
Ministério Publico". In: Revista de Direito
Internacional Econômico e Tributário - RDIET, V. 9,
n° 1, p. 101-161, Jan-Jun 2014): "O "caput" do art.
198 da Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966 -
Código Tributário Nacional recebida pela
Constituição Federal com o status de lei
58
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complementar, com a redação dada rela Lei


Complementar n° 104, de 10 de janeiro de 2001,
estabelece o sigilo fiscal, ao dispor que, sem
prejuízo do disposto na legislação criminal, é
vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública
ou de seus servidores, de informação obtida em
razão do oficio sobre a situação econômica ou
financeira do sujeito passivo ou de terceiros e
sobre a natureza e o estado de seus negócios ou
atividades. Além da hipótese do artigo 199 do
Código Tributário Nacional, o mesmo diploma legal,
no seu § 1°, do artigo 198, prevê duas exceções ao
sigilo fiscal: T - requisição de autoridade
judiciária no interesse da justiça;
solicitações de autoridade administrativa no
interesse da Administração Pública, desde que seja
comprovada a instauração regular de processo
administrativo, no órgão ou na entidade respectiva,
com o objetivo de investigar o sujeito passivo a
que se refere a informação, por prática de infração
administrativa. O § 2o do art. 198 do CTN estatui:
O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da
Administração Pública, será realizado mediante
processo regularmente instaurado, e a entrega será
feita pessoalmente à autoridade solicitante,
mediante recibo, que formalize a transferência e
assegure a preservação do sigilo. Já o art. 199 do
mesmo Código reza: O § 30 do artigo 199 estabelece:
Não é vedada a divulgação de informações relativas
a: I - representações fiscais para fins penais; II
- inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III - parcelamento ou moratória. Por fim, assim
dispõe o art. 199 do CTN: A Fazenda Pública da
União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência
para a fiscalização dos tributos respectivos e
permuta de informações, na forma estabelecida, em
caráter geral ou especifico, por lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na
forma estabelecida em tratados, acordos ou
59
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convênios, poderá permutar informações com Estados


estrangeiros no .interesse da arrecadação e da
fiscalização de tributos.
Ainda, indica o mesmo autor:
E, como vimos, a exegese, que os Tribunais
Superiores pátrios têm oferecido, pelo menos até
aqui, a essa matéria, inclusive com supedâneo no
artigo 198 do CTN, com as inovações da LC 104/2001,
numa interpretação conforme à Constituição, admite,
apenas, a transmissão direta de dados fiscais ao
Ministério Público, sem a prévia autorização
judicial, quando deva prevalecer o princípio da
publicidade (CF, art. 37, "caput"), sendo as
informações e os dados requisitados, inerentemente,
públicos, e estando em baila o patrimônio publico;
quando os dados solicitados sejam, meramente,
identificadores cadastrais, ou seja, de
conhecimento público, nem haja interesse de negação
de comunicação, não sendo, verdadeiramente,
sigilosos; e nos casos de transmissão de
informações relativas às representações fiscais
para fins penais.
E, como salienta a doutrina especializada,
reforça a assertiva antes posta o contido na LC
Federal n° 105/01 quando exige que a quebra do
sigilo poderá ser determinada pelo Poder Judiciário
quando necessária para apuração de ocorrência de
qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou
do processo judicial, bem como o artigo 3° do mesmo
diploma legal, que dispõe que serão prestadas pelo
Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores
Mobiliários e pelas instituições financeiras as
informações ordenadas pelo Poder Judiciário,
preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso
restrito às partes, que delas não poderão servir-se
para fins estranhos à lide.
E aqui está referenciada e reforçada a idéia de
"reserva de jurisdição", antes referida, a qual,
diferentemente do princípio de inafastabilidade de
controle jurisdicional, exige o controle prévio e
não posterior ao ato já praticado, no caso
condiciona a quebra do sigilo à autorização
judicial e não a verificação de sua adequação após
ter sido efetivada.
Em síntese, pode-se dizer, como indicado pelo
autor antes mencionado, que diante dos termos da

60
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obrigatoriedade da observância do sigilo fiscal,


corolário do direito constitucional à privacidade e
à inviolabilidade da comunicação de dados (CF, art.
5°, X e XII; CTN, art. 198, caput), a administração
tributária federal não pode atender às solicitações
diretas do Ministério Público Federal, de outros
ramos do Ministério Público da União, do Ministério
Público dos Estados, sobre dados pessoais
considerados sensíveis do sujeito passivo ou
terceiros, atinentes a privacidade dessas pessoas,
nem encaminhar documentos (declaração para fins do
imposto de renda, por exemplo) ou dados do
contribuinte, responsável tributário ou de
terceiros capazes de revelar a sua situação
econômica ou financeira ou a natureza e o estado de
seus negócios ou atividades, visto que informes,
dados e documentos amparados pelo sigilo fiscal só
podem ser relativizados mediante prévia autorização
do Poder Judiciário (CTN, art. 198, § lo, inc. I),
por decisão fundamentada de Comissões Parlamentares
de Inquérito (CF, art. 58, .§ 3°), pelas
Administrações Tributárias (CF, art. 145, § 1';
art. 146, parágrafo único, inc. IV; artigo 4°,
inciso IX; do artigo 37, caput e inciso XXII; do
artigo 70, caput), e, segundo atualmente se
entende, pela Administração Pública em geral
existindo processo administrativo com o escopo de
investigar o sujeito passivo por prática de
infração administrativa (CTN, art. 198, § 1°, inc.
II), não sendo vedada a divulgação de informações
relativas a representações fiscais ao Ministério
Público para fins penais; inscrições na Dívida
Ativa da Fazenda Pública; parcelamento ou moratória
(CTN, art. 198, § 3°).
E tudo isso não está a impedir que os órgãos de
controle do Estado exerçam suas atribuições
constitucionais, mas, sim, que estas devem ser
cumpridas em consonância e assegurando a própria
ordem constitucional, a qual, para além de
estabelecer condicionantes à ação estatal, o faz em
61
%kzor
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proveito não do indivíduo isolado, mas do cidadão


como membro da: comunidade que resolveu, em
Assembleia Constituinte - mesmo não-exclusiva -,
instituir um Estado de Direito, o qual não pode ser
deixado de lado, sob pena de, em nome de alguns
controles, abandonarmos as conquistas mais estritas
do constitucionalismo moderno.
Os argumentos que, em nome da transparência ou
do combate à corrupção ou similares, evocam a
prevalência do interesse público põem de lado o
caráter absoluto dos direitos e garantias
fundamentais, o qual só pode ser flexibilizado por
autorização da própria Constituição ou pelo Poder
Judiciário, a quem esta atribui o papel de seu
guardião, em especial onde se adota um sistema dual
de controle de constitucionalidade - difuso e
concentrado - como se verá adiante.
Da mesma forma, como ressalta Fernando Facury
Scaff, no texto já citado acima, tal argumento -
como aqueles que esgrimia a Receita Federal em face
do art. 6° da LC Federal n° 105/01 - é
"...absolutamente falacioso, pois visa dar destaque
a uma situação específica, pontual, que pode - e
deve - ser resolvida dentro da mais absoluta
normalidade democrática, sem qualquer alteração da
Constituição, ou de seu defraudamento. Bastaria que
a Receita Federal solicitasse a quebra do sigilo
bancário das pessoas que se encontram nessa
situação ao Poder Judiciário. Caso os indícios de
sonegação fossem realmente fortes, duvido da
existência de um juiz que não restasse convencido
da necessidade de quebrar o sigilo bancário e
fiscal daquela pessoa. Aliás, este é o primado
constitucional existente" (p. 69).
E, esta assertiva se enquadra exatamente na
situação aqui posta. Ou seja, acaso, no âmbito de
um procedimento devidamente institucionalizado, se
evidencie situação que indique poder estar havendo
variação patrimonial incompatível com as rendas do
servidor público, certamente, diante da solicitação
62
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da quebra do seu sigilo fiscal e bancário, o juiz,


em confronto com os termos constitucionais, aliás
como tem ocorrido como demonstrado acima, não oporá
óbice a autorizar a quebra desta garantia
fundamental do cidadão.
Não há, por outro lado, fundamento
constitucional para que se promova uma devassa na
vida dos servidores, anualmente, em nome de uma
fiscalização genérica e abstrata que confronta o
conjunto de valores maiores postos na Constituição
da República pelo poder constituinte.
Tal posição dialoga, com manifestação exarada
pela Advocacia-Geral da União, ainda no ano de
1996, onde se lê, exemplificativamente:
PROCESSO: N° 00002.002045/96-88
ORIGEM: Ministério da Fazenda
ASSUNTO: Sigilo bancário e fiscal frente ao
TCU.
Parecer n° GQ - 110
Adoto, para os fins do art. 41 da Lei
Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, o
anexo PARECER N° AGU/PRO-04/96, de 02 de setembro
de 1996, da lavra do eminente Consultor da União,
Dr. MIGUEL PRÓ DE OLIVEIRA FURTADO, e submeto-o ao
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para
os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar.
Brasília, 09 de setembro de 1996.
GERALDO MAGELA DA CRUZ QUINTÃO
Advogado-Geral da União
PARECER N° AGU/PRO-04/96 (Anexo ao Parecer n°
GQ-110)
PROCESSO N. 00002.002045/96-88
ASSUNTO: SIGILO BANCÁRIO E FISCAL FRENTE AO TCU
EMENTA : Regra constitucional não escrita
outorga ao TCU, quando em missão também
constitucional de inspecionar bens e valores
públicos, direito de examinar informações mesmo
sigilosas, desde que intimamente vinculadas a
inspeções ou auditorias em curso. Considerando que
tal acesso não é indiscriminado, como sugerem as
decisões 224/94 e n. 670/95 do Tribunal, e tendo em
vista a gravidade das penas a que se sujeitam
autoridades e funcionários, quer atendam às
solicitações, quer deixem de a elas atender,
aconselha-se a submissão da questão ao Judiciário.
(...)
7. Mas que direitos fundamentais supra-estatais
são esses?
Dentre outros, evidenciados ao longo do estudo,
eis alguns mencionados por PONTES:
"A liberdade pessoal, a inviolabilidade do
domicilio e a inviolabilidade da correspondência
63
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(correios, telégrafos, telefones) são tidas como


direitos fundamentais absolutos. Relativos são os
direitos de contrato, de comércio e indústria, e o
direito de propriedade. Existem esses, mas valem
conforme a lei; à diferença daqueles, que se
formulam de modo absoluto, apenas cabendo à lei
regular as exceções" (op. c. Tomo IV, p. 618, 619 -
Grifos do original).
8. Citados ai pelo autor estão os direitos
previstos nos incisos XI e XII do art. 5'da atual
Constituição federal. O direito à intimidade e à
vida privada isentas de bisbilhotices públicas que
a Constituição reconhece no art. 50 , X, conquanto
não mencionados por PONTES, porque a Carta anterior
não o continha de forma explícita, parece dever
também ser entre eles inserto. Os direitos, à
intimidade e à privaticidade, portanto, seriam
daqueles direitos fundamentais supra-estatais que o
próprio constituinte estaria adstrito a aceitar.
Aliás, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, formulada em 1948, em cujo primeiro
considerandum se atesta que a "dignidade inerente a
todos os membros da família humana e de seus
direitos iguais e inalienáveis constitui o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo", estipula:
"Artigo XII - Ninguém será sujeito a
interferência na sua vida privada, na sua família,
no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques
à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à
proteção da lei contra tais interferências ou
ataques."
Tais anseios, talvez mais ardentes à época
porque estavam muito vivos na lembrança os horrores
da guerra total recém-acabada, só se
constitucionalizaram em maior amplitude, no Brasil,
em 1988:
"Art. 50 . (...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação."
9. Mesmo antes, porém, de constitucionalizar-se
a regra, mas numa clara demonstração de compreensão
antecipada da questão, o STF, no Mandado de
Segurança n. 2.574 - MG (RTJ, 2/429), protegia de
olhares indiscretos as fichas cadastrais dos
bancos, assentando que
"Não há lei que obrigue um banco a exibir o seu
fichário cadastral de natureza sigilar e de seu uso
privado. Assim é ilegal, e pode ser anulado por
mandado de segurança, a ordem judicial de exibição.
(...)
22. Limitabilidade de direitos supra-estatais-
Ainda que tidos como fundamentais e supra-estatais,
e, portanto, inextinguíveis pelo Estado, os
direitos à intimidade e à vida privada, que talvez
se possam genericamente chamar de direitos à
privaticidade, ficam sujeitos a limitações:
"Diante dos direitos supra-estatais, o papel do
64
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Estado é apenas definidor das exceções. Quer dizer:


o Estado aponta casos em que o direito não existe,
devendo, porém, ficar dentro do âmbito que o
conceito supra-estatal de cada um desses direitos
lhe deixa" (PONTES DE MIRANDA. Comentários à
Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969.
Tomo IV, 3. ed. Rio: Forense, 1987. P. 626).
Todavia, o exercício dessa faculdade só se faz
possível mediante norma legal, ainda que não-
escrita.
23. O Sistema Financeiro e o Código Tributário-
Em 31 de dezembro de 1964, editou-se, no Brasil, a
Lei n. 4.595, cujo art. 38, recepcionado pela
Constituição, segundo a Doutrina e a
Jurisprudência, assim dispõe:
"Art. 38. As instituições financeiras
conservarão sigilo em suas operações ativas e
rassivas e serviços prestados.
§ 1°. As informações e esclarecimentos
ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo
Banco Central do Brasil ou pelas instituições
financeiras, e a exibição de livros e documentos em
Juizo, se revestirão sempre do mesmo caráter
sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes
legitimas na causa, que deles não poderão servir-se
para fins estranhos à mesma.
§ 2°. O Banco Central do Brasil e as
instituições financeiras públicas prestarão
informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo
relevantes motivos, solicitar sejam mentidas em
reserva ou sigilo.
3°. As Comissões Parlamentares de Inquérito,
no exercício da competência constitucional e legal
de ampla investigação (art. 53 da Constituição
Federal e Lei n°1.579, de 18 de março de 1952),
obterão as informações [de]que necessitarem das
instituições financeiras, inclusive através do
Banco Central do Brasil.
§ 4°. Os pedidos de informações a que se
referem os §§ 2°e 3°deste artigo deverão ser
aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão
Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de
seus membros.
§ 5°. Os agentes fiscais tributários do
Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão
proceder a exames de documentos, livros e registros
de contas de depósitos, quando houver processo
instaurado e os mesmos forem considerados
indispensáveis pela autoridade competente.
6°. O disposto no parágrafo anterior se
aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e
informes pelas instituições financeiras às
autoridades fiscais, devendo sempre estas e os
exames serem conservados em sigilo, não podendo ser
utilizados senão reservadamente.
§ 7° . A quebra de sigilo de que trata este
artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à
pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-
se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de
65
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outras sanções cabíveis.


24. Dois anás depois do disciplinamento do
sistema financeiro, editou-se a Lei n. 5.172, de 25
de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional,
que, no capítulo referente à fiscalização,
Prescreveu as seguintes normas:
"Art. 197. Mediante intimação escrita, são
obrigados a prestar à autoridade administrativa
todas as informações de Que disponham com relação
aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

II - Os bancos, casas bancárias, Caixas


Econômicas e demais instituições financeiras;
Parágrafo único. A obrigação prevista neste
artigo não abrange a prestação de informações
quanto a fatos sobre os quais o informante esteja
legalmente obrigado a observar segredo em razão de
cargo, oficio, função, ministério, atividade ou
profissão
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na
legislação criminal, é vedada a divulgação, rara
qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de
seus funcionários, de qualquer informação, obtida
em razão do ofício, sobre a situação econômica ou
financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e
sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou
atividades.
Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste
artigo, unicamente, os casos previstos no artigo
seguinte e os de requisição regular da autoridade
judiciária no interesse da justiça.
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
prestar-se-ão mutuamente assistência para a
fiscalização dos tributos respectivos e permuta de
informações, na forma estabelecida, em caráter
geral ou específico, por lei ou convênio.
25 Essas são, pois, dentre outras, algumas das
hipóteses que o legislador entendeu de excepcionar.
Considere-se, no entanto, que - e o Parecer
PGFN/N°833/96, de autoria do Dr. CARLOS EDUARDO DA
SILVA MONTEIRO já chama a atenção para isso - em
razão de a Constituição de 1988 prescrever que
ambas as matérias se regulam por lei complementar,
as alterações que nelas se pretendam fazer demandam
essa classe de leis.
(...)
46. Sabe-se, porém, que o sigilo bancário e o
sigilo fiscal não são absolutos, como o STF tem
repetidamente proclamado. Mas também não é verdade,
como pareceu ao TCU que possa ter acesso a tudo,
sem quaisquer barreiras. É que não se pode perder
de vista a finalidade especifica da fiscalização ou
da auditoria que está em curso. Quem fiscaliza, por
exemplo, certo órgão haverá de ter acesso a
documentos contábeis etc., mesmo sigilosos, mas que
tenham relação especifica com o objetivo da
fiscalização. Tais fiscais ou auditores não podem
aproveitar a ocasião para pedir informes reservados
sobre outras pessoas, sobre outros órgãos ou sobre
66
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outros assuntos.
47. Essa idéia vem bem expressa no despacho
proferido pelo Min. SEPÚLVEDA PERTENCE no incuérito
n. 901-6 - DF (DJde 23.2.1995, fls. 3506) e que,
ainda que em circunstâncias diversas, traçou a
linha demarcatória que bem se aplica ao caso:
"Do mesmo julgado [Petição 577 - RTJ148/366]se
extrai, contudo, segundo penso, que não cabe
autorizar a ruptura do sigilo bancário, senão
quando necessária, por sua pertinência, à
informação de procedimento investigatório em curso
sobre suspeita razoavelmente determinada de
infração penal, incumbindo a demonstração de tais
pressupostos ao requerente da autorização
respectiva.
Ao contrário, entendo, não pode a disclosure
das informações bancárias, servir de instrumento de
devassa exploratória, isto é, não destinada à
apuração de uma suspeita definida, mas, sim, à
busca da descoberta de ilícitos insuspeitados."
Dir-se-á que a fiscalização busca precisamente
a descoberta de casos talvez ocultos. Sim, mas a
exploração haverá de cingir-se ao órgão
fiscalizado, não podendo servir de pretexto para
"devassa exploratória" à procura de informações
outras sobre outros órgãos, por exemplo.
48. Creio mesmo que a obtenção de informes ou
de documentos sigilosos sobre outras ressoas ou
órgãos em tais circunstâncias possa configurar a
espécie prevista no inciso LVI do art. 5'da
Constituição:
"LVI -são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos".
(...)
55. Creio que, entendida a Constituição nos
seus justos limites, manter-se-á aquele equilíbrio
entre a vida privada e a vida pública de cada
pessoa a que se refere ALCEU AMOROSO LIMA, guando
comenta o art. 12 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948:
"A distinção entre vida privada (ou particular)
e vida pública (ou social) é uma conseqüência da
Própria natureza da pessoa humana, sobre a qual
está construído todo esse admirável edifício
jurídico internacional, que devemos respeitar e
praticar como um dos dados fundamentais de toda
sociedade digna desse nome. O homem é um ser ao
mesmo tempo voltado para dentro de si mesmo e para
fora de si. São duas faces congênitas de sua
natureza, de cujo equilíbrio depende a normalidade
ou anormalidade da vida humana, individual ou
coletiva" (Os Direitos do Homem e o Homem sem
Direitos.Rio: Francisco Alves, 1974. P. 72, 73).

Recentemente a mesma AGU emitiu Parecer


AGU/SF/01/2014, cuja Ementa e Conclusão seguem
transcritas, no qual adota linha mais restritiva do
que a defendida na Nota Técnica
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179/DENOR/CGU/AGU/07, vejamos:
(...)
I) em regra, ex vi da obrigatoriedade da
observância do sigilo fiscal, corolário do direito
constitucional à privacidade e à inviolabilidade da
comunicação de dados (CF, artigo 5°, X e XII; CTN,
artigo 198, caput), a administração tributária
federal não pode atender às solicitações diretas do
Ministério Público Federal, de outros ramos do
Ministério Público da União, do Ministério Público
dos Estados, sobre dados pessoais considerados
sensíveis do sujeito passivo ou terceiros,
atinentes a privacidade dessas pessoas, nem
encaminhar documentos (declaração para fins do
imposto de renda, por exemplo) ou dados do
contribuinte, responsável tributário ou de
terceiros capazes de revelar a sua situação
econômica ou financeira ou a natureza e o estado de
seus negócios ou atividades, visto que informes,
dados e documentos amparados pelo sigilo fiscal só
podem ser relativizados mediante prévia autorização
do Poder Judiciário (CTN, artigo 198, parágrafo 1°,
inciso I), por decisão fundamentada de Comissões
Parlamentares de Inquérito (CF, artigo 58,
parágrafo 3°), pelas Administrações Tributárias
(CF, artigo 145, parágrafo 1'; artigo 146,
parágrafo único, inciso IV; artigo 4°, inciso IX;
do artigo 37, caput e inciso XXII; do artigo 70,
caput), e, segundo atualmente se entende, pela
Administração Pública em geral existindo processo
administrativo com o escopo de investigar o sujeito
passivo por pratica de infração administrativa
(CTN, artigo 198, parágrafo 1°, inc. II), não sendo
vedada a divulgação de informações relativas a
representações fiscais ao Ministério Público para
fins penais; inscrições na Divida Ativa da Fazenda
Pública; parcelamento ou moratória (CTN, artigo
198, parágrafo 3°).
II) em face do estágio atual vacilante da
jurisprudência, é razoável que se conclua que
outros dados do sujeito passivo ou terceiros, como
os cadastrais gerais ou de mera identificação
(nome, CPF ou CNPJ, filiação, idade, estado civil,
profissão etc.) revelados, normalmente, pelas
pessoas em suas relações sociais cotidianas, e que
o Ministério Público da União e dos Estados
poderiam, de outra forma, obter junto a entidades
de proteção do crédito, por exemplo, podem ser
encaminhados ao Parquet, em atendimento à sua
solicitação; (...)
Propõe-se a revisão da Nota Técnica
179/DENOR/CGU/AGU, aprovada pelo Consultor-Geral e
pelo Advogado-Geral da União de então, que entendia
constitucional a transferência direta, em qualquer
hipótese, do sigilo fiscal ao Ministério Público.
( )
Recomenda-se, pois, em consonância com a
política desta instituição de não se abarrotar de
processos o Poder Judiciário, mais do que o
68
crfk-fr.,
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estritamente necessário, a observância das


interpretações, aqui destacadas, que vêm
prevalecendo do âmbito do Supremo Tribunal Federal
e do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria
da transferência do sigilo fiscal.
Caso contrário, estar-se-ia favorecendo, na
visão atual da jurisprudência dos Tribunais
Superiores pátrios, a geração de provas ilícitas.

E, com isso parece compactuar, como solução


intermediária, a posição adotada pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul quando, por
ato da sua presidência (Ato n° 018/2014-P), dispôs
acerca da "forma e prazo para a apresentação anual
de declaração de bens por magistrados e servidores"
e estabeleceu que tal documentação "...permanecerá
depositada em banco de dados inviolável deste
Tribunal de Justiça, podendo ser acessada somente
pelos diretores do Departamento de Magistrados e
outros Juízes e do Departamento de Recursos Humanos
(art. 50 ), responsabilizando-os pelo sigilo das
informações (art. 6°), bem como permitindo o acesso
às informações reservadamente e "apenas quando
requisitado pela autoridade competente" (art.
Parágrafo Único).
Assim, apesar de parecer, ao signatário,
despicienda e antieconômica, além de arriscada, a
formação de tal banco de dados, uma vez já estarem
sob a guarda da Receita Federal, sob a forma da
declaração de imposto de renda de pessoas físicas,
está-se viabilizando a necessidade de um eventual
ato de fiscalização individualizado e que tenha
supedâneo em procedimento regularmente instaurado.
Ainda, tenha-se presente que a ultrapassagem
dos limites estre as garantias constitucionais,
materiais e processuais, e a atuação das
autoridades que investigam ou fiscalizam podem
gerar responsabilidade penal para aquelas que não
respeitam os sigilos diretamente vinculados aos
direitos fundamentais como intimidade, sigilo das
comunicações, sigilo fiscal etc. Tais autoridades
respondem por abusos e indevidas violações dos
referidos sigilos, como previstos na LC federal n°
69
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

105/2001 e Lei Federal n° 9.296/96, do art. 325 do


Código Penal, bem como o que decorre das previsões
do art. 198 do Código Tributário Nacional e art. 50
da Lei n° 8730/03.
De outra banda, poder-se-ia trazer à baila a
situação diferenciada em que se encontra o cidadão
enquanto servidor público, a qual poria em
confronto a garantia fundamental à privacidade e
intimidade, como aqui colacionado, o
COM

pressuposto da publicidade, em especial em termos


do dever de transparência a que está submetida a
Administração Pública, sobretudo após a edição da
Lei Federal n° 12527/11.
Nesta linha de raciocínio, é preciso ter em
conta a extensão que se pode atribuir a tal
pressuposto, considerando-se o valor intrínseco
Próprio às garantias fundamentais, como, aliás, Vem
sendo a linha de argumentação aqui traçada.
Por mais que a nova ordem constitucional,
inaugurada em 1988, tenha transformado o sistema de
relação e fiscalização dos poderes públicos, no
âmbito do, até então, inédito Estado Democrático de
Direito, instituindo um novo ambiente
institucional, republicano e democrático na gestão
pública e financeira do Brasil, estabelecendo
instrumentos de controle social, . participação
popular, transparência nas decisões públicas e
accountability, tal não significou, por outro lado,
estirpar os limites postos pelo mesmo sistema
constitucional, em especial no que respeita às
garantias fundamentais dos cidadãos, mesmo daqueles
que mantém vínculos com o ente público.
Nesse sentido, a partir do princípio
constitucional da publicidade (CRFB/88, art. 37,
caput) das práticas administrativas, tanto na
Administração direta quanto na indireta, que,
juntamente com os outros princípios (legalidade,
impessoalidade, moralidade e eficiência), desenha
uma nova estrutura de poder e de seu exercício, e
do desenvolvimento institucional-legal
70
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

experimentado (e.g. Lei de Responsabilidade Fiscal


- Lei Federal n°101/00 - que disciplinou os arts.
163 e 169 da CRFB/88), a importância da
transparência fiscal e acccuntability no
fortalecimento da democracia brasileira e
aprimoramento das instituições republicanas só se
faz adequada e conforme à mesma Constituição quando
em conexão com a manutenção dos limites próprios ao
Estado (Democrático) de Direito. Não se pode
pretender, em nome de uma maior visibilidade do
poder, desconstruir as conquistas próprias ao
constitucionalismo, ao mesmo tempo em que este não
pode ser tomado como meio para a proteção de uma
gestão pública em contradição com os princípios
fundantes do governo democrático, em particular a
visibilidade que deve marcar as práticas
administrativas.
Assim, o principio constitucional da
publicidade orienta, contribui e condiciona as
tomadas de decisões da administração pública, sendo
que, de forma implícita a esse principio, estão a
transparência e a responsabilidade na prestação de
contas (accountability). No entanto, o
desenvolvimento das noções de transparência e
accountability da publicidade, que conferiu à
sociedade instrumentos de controle social dos
gastos públicos e do desempenho de suas funções,
democratizando, assim, a gestão e o dispêndio dos
recursos públicos, em particular, bem como outros
meios disponibilizados para a fiscalização dos
gastos e práticas públicas devem guardar
compatibilidade com os fundamentos insitos ao
Estado de Direito.
É importante ressaltar que a transparência
envolve a oferta de informações claras e simples,
ou seja, nas quais o uso de linguagens se faça como
forma de viabilizar - e não dificultar - o
conhecimento aos cidadãos, em particular sobre a
disponibilidade de recursos públicos, o orçamento,
os programas de governo, as prestações de contas e
71
Ntn.,
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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a aplicação de recursos, entre outros, a fim de


que, estes, possam controlar e aprimorar as ações
de governo, exigindo que a Administração Pública
aja "em público", como pontuou exemplarmente
Norberto Bobbio (em: O Futuro da Democracia. Uma
defesa das regras do jogo. Tradução: Marco Aurélio
Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986).
Tudo isso, como se vê, expressa uma nova
formatação do poder político, exigindo deste uma
mais ampla visibilidade e uma maior acessibilidade,
tudo em nome do "controle público do público" no
contexto de uma democracia que não se faz apenas
por representação ou por investidura - como sugere
Pierre Rosanvalon (Em: La legitimidad democrática:
imparcialidad, reflexividad y proximidad. Tradução
de Heber Cardoso. Barcelona: Paidos, 2010.), mas
por mecanismos de controle e participação popular.
Porém, ao mesmo tempo, preserva aquilo que a
própria democracia constitucional elegeu como
fundamentos do governo democrático, em especial o
catálogo de direitos e garantias fundamentais.
E, de certo modo, a jurisprudência pátria, no
confronto de ta conteúdos, tem sido cautelosa,
mesmo quando reconhece a prevalência da
publicidade, como corolário das práticas
administrativas, como se lê:
SS 3902 AgR-segundo/SP - SÃO PAULO
SEGUNDO AG.REG. NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. AYRES BRITTO
Julgamento: 09/06/2011 órgão Julgador: Tribunal
Pleno
Ementa: SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE
IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SITIO ELETRÔNICO OFICIAL,
DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS,
INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA
MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO
REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS
CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS
ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE
ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCIPIO DA
PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE
VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE
SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. 1. Caso em
que a situação específica dos servidores públicos é
regida pela l parte do inciso XXXIII do art. 5° da
Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e

72
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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CONSELHO SUPERIOR

funções por eles titularizados, órgãos de sua


formal lotação, tudo é constitutivo de informação
de interesse coletivo ou geral. Expondo-se,
portanto, a divulgação oficial. Sem que a
intimidade deles, vida privada e segurança pessoal
e familiar se encaixem nas exceções de Que trata a
parte derradeira do mesmo dispositivo
constitucional (inciso XXXIII do art. 50), pois o
fato é que não estão em jogo nem a segurança do
Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não cabe,
no caso, falar de intimidade ou de vida privada,
pois os dados objeto da divulgação em causa dizem
respeito a agentes públicos enquanto agentes
públicos mesmos; ou, na linguagem da própria
Constituição, agentes estatais agindo "nessa
qualidade" (§6° do art. 37). E quanto à segurança
física ou corporal dos servidores, seja pessoal,
seja familiarmente, claro que ela resultará um
tanto ou quanto fragilizada com a divulgação
nominalizada dos dados em debate, mas é um tino de
risco pessoal e familiar que se atenua com a
proibição de se revelar o endereço residencial, o
CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que
se paga pela opção por uma carreira pública no seio
de um Estado republicano. 3. A prevalência do
princípio da publicidade administrativa outra coisa
não é senão um dos mais altaneiros modos de
concretizar a República enquanto forma de governo.
Se, por um lado, há um necessário modo republicano
de administrar o Estado brasileiro, de outra parte
é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu
Estado republicanamente administrado. O "como" se
administra a coisa pública a preponderar sobre o
"quem" administra - falaria Norberto Bobbio -, e o
fato é que esse modo público de gerir a máquina
estatal é elemento conceitual da nossa República. O
olho e a pálpebra da nossa fisionomia
constitucional republicana. 4. A negativa de
prevalência do princípio da publicidade
administrativa implicaria, no caso, inadmissível
situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos
Regimentais desprovidos.

ARE 652777 / SP - SÃO PAULO


RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI
Ementa: CONSTITUCIONAL. PUBLICAÇÃO, EM SÍTIO
ELETRÔNICO MANTIDO PELO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, DO
NOME DE SEUS SERVIDORES E DO VALOR DOS
CORRESPONDENTES VENCIMENTOS. LEGITIMIDADE. 1. É
legítima a publicação, inclusive em sitio
eletrônico mantido pela Administração Pública, dos
nomes dos seus servidores e do valor dos
correspondentes vencimentos e vantagens
pecuniárias. 2. Recurso extraordinário conhecido e
provido.
Julgamento: 23/04/2015 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno
73
G3 /4.4.
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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CONSELHO SUPERIOR

VOTO
O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR): 1.
A controvérsia constitucional objeto do recurso não
é nova para o Tribunal. No julgamento de Agravo
Regimental na Suspensão de Segurança 3.902 (Min.
Ayres Eritto, DJe de 3/10/2011), que tratava de
idêntica matéria, envolvendo justamente a
publicação dos nomes e respectivos vencimentos dos
servidores municipais no portal "De Olho nas
Contas" do Município de São Paulo, com base na Lei
Municipal 14.720/2008, o Plenário do STF, por
unanimidade de votos, tomou deliberação enunciada
na seguinte ementa:
( )
No seu voto, o Ministro Ayres Eritto, relator,
enfrentou e rebateu, um a um, os mesmos argumentos
aqui adotados pelo acórdão recorrido. Eis o voto:
12. Inicio pelo juízo de que estamos a lidar
com situação demandante de conciliação de
princípios constitucionais em aparente estado de
colisão. Aparente conflito, e não mais que isso. De
um lado, faz-se presente, aí sim, o princípio da
publicidade administrativa (caput do art. 37).
Princípio que significa o dever estatal de
divulgação dos atos públicos. Dever eminentemente
republicano, porque a gestão da "coisa pública"
(República é isso) é de vir a lume com o máximo de
transparência. Tirante, claro, as exceções também
constitucionalmente abertas, que são "aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade
e do Estado" (inciso XXXIII do art. 5°). Logo,
respeitadas que sejam as exceções
constitucionalmente estampadas, o certo é que
"todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
Prazo da lei, sob pena de responsabilidade (...)",
conforme a l' parte redacional do mesmo art. 5°.
Com o que os indivíduos melhor se defendem das
arremetidas eventualmente ilícitas do Estado,
enquanto os cidadãos podem fazer o concreto uso do
direito que a nossa Constituição lhes assegura pelo
§2° do seu art. 72, verbis:
"Qualquer cidadão, partido político, associação
ou sindicato é parte legítima para, na forma da
lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas da União".
13. De outra banda, fala-se, basicamente, do
direito que assistiria aos servidores municipais de
não ver divulgada a sua remuneração bruta. Isso por
implicar violação à sua intimidade e vida privada,
de parelha com o perigo que representaria para a
sua segurança pessoal e familiar o conhecimento
geral de tal remuneração por modo nominalmente
identificado.
Conhecimento geral tanto mais temerário quanto
disponibilizado em rede mundial de computadores
(internet), porquanto viabilizador de formatação de
um tipo de banco de dados que terminaria por
74
gAit-W°
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

habilitar terceiros a planejar golpes financeiros


contra os servidores municipais e assediá-los
pessoalmente para fins inconfessáveis.
14. O meu voto já se percebe. A situação dos
agravantes cai sob a regência da l' parte do inciso
XXXIII do art. 5° da Constituição. Sua remuneração
bruta, cargos e funções por eles titularizados,
órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo
de informação de interesse coletivo ou geral.
Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que
a intimidade deles, vida privada e segurança
pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que
trata a parte derradeira do mesmo dispositivo
constitucional (inciso XXXIII do art. 5°), pois o
fato é que não estão em jogo nem a segurança do
Estado nem do conjunto da sociedade.
15. No tema, sinta-se que não cabe sequer falar
de intimidade ou de vida privada, pois os dados
objeto da divulgação em causa dizem respeito a
agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos;
ou, na linguagem da própria Constituição, agentes
estatais agindo "nessa qualidade" (§ 6° do art.
37). E quanto à segurança física ou corporal dos
servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro
que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada
com a divulgação nominalizada dos dados em debate,
mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se
atenua com a proibição de se revelar o endereço
residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No
mais, é o preço que se paga pela opção ror uma
carreira pública no seio de um Estado republicano.
Estado que somente por explícita enunciação legal
rimada com a Constituição é que deixa de atuar no
espaço da transparência ou visibilidade dos seus
atos, mormente os respeitantes àquelas rubricas
necessariamente enfeixadas na lei orçamentária
anual, como é o caso das receitas e despesas
públicas. Não sendo por outra razão que os
atentados a tal lei orçamentária são tipificados
pela Constituição como "crimes de responsabilidade"
(inciso VI do art. 85).
16. Em suma, esta encarecida prevalência do
principio da publicidade administrativa outra coisa
não é senão um dos mais altaneiros modos de
concretizar a República enquanto forma de governo.
Se, por um lado, há um necessário modo republicano
de administrar o Estado brasileiro, de outra parte
é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu
Estado republicanamente administrado. O "como" se
administra a coisa pública a preponderar sobre o
"quem" administra - falaria Norberto Bobbio -, e o
fato é que esse modo público de gerir a máquina
estatal é elemento conceitual da nossa República. O
olho e a pálpebra da nossa fisionomia
constitucional republicana.
17. Por tudo quanto posto, a negativa de
prevalência do principio da Publicidade
administrativa implicaria, no caso, inadmissível
situação de grave lesão à ordem pública

75
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

18. Mantenho a decisão recorrida, desprovendo


os agravos regimentais.
É como voto.
2. À luz dessa orientação fica evidente que não
é inconstitucional e não padece de qualquer
ilegitimidade a publicação, em sitio eletrônico
mantido pela Administração Pública, do nome dos
seus servidores e do valor dos correspondentes
vencimentos brutos e de outras vantagens
pecuniárias. Sendo legitima a publicação, dela não
decorre dano moral indenizável.
3. Cumpre referir que, mais recentemente, foi
editada a Lei Federal de Acesso à Informação (Lei
n° 12.527/2011), com aplicação também aos Estados,
Municípios e ao Distrito Federal (art. 1°), com a
finalidade de disciplinar o acesso a informações
mentidas pelos órgãos públicos.
Mesmo sem dispor expressamente sobre a
obrigatoriedade da divulgação da remuneração
pessoal dos servidores, a lei impõe à Administração
o dever de promover a divulgação, independente de
requerimento, "no âmbito de suas competências, de
informações de interesse coletivo ou geral por eles
produzidos ou custodiados" (art. 8°). É certo que a
definição de interesse coletivo ou geral, como todo
conceito aberto, comporta preenchimento valorativo
nem sempre insuscetível de questionamentos.
Todavia, no caso, a cláusula legal deve ser
interpretada segundo a orientação adotada pelo
Supremo Tribunal Federal no precedente antes
citado, como o fez, aliás, o Decreto n° 7.724, de
16 de maio de 2012, que, ao regulamentar a lei no
âmbito do Poder Executivo, dispôs o seguinte:
"Art. 7°. É dever dos órgãos e entidades
promover, independente de requerimento, a
divulgação em seus sítios na Internet de
informações de interesse coletivo ou geral por eles
produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos
arts. 7° e 8° da Lei 12.527, de 2011.
(...)
3°. Deverão ser divulgadas, na seção
especifica de que trata o § 1°, informações sobre:
(...)
VI - remuneração e subsídio recebidos por
ocupante de cargo, posto, graduação, função e
emprego público, incluindo auxílios, ajudas de
custo, jetons e quaisquer outras vantagens
pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e
pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira
individualizada, conforme ato do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão;
4. É improcedente, portanto, o pedido formulado
na presente demanda. Impõe-se, consequentemente, o
provimento do recurso extraordinário, afirmando-se
como tese de repercussão geral que é legitima a
publicação, inclusive em sitio eletrônico mantido
pela Administração Pública, dos nomes dos seus
servidores e do valor dos correspondentes
vencimentos e vantagens pecuniárias.
5. Ante o exposto, conheço e dou provimento ao
76
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

recurso extraordinário. É o voto.

RE 766390 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL


AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 24/06/2014
Órgão Julgador: Segunda Turma
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIOS DA
PUBLICIDADE E DA TRANSPARÊNCIA. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO A INTIMIDADE E A PRIVACIDADE. DISTINÇÃO
ENTRE A DIVULGAÇÃO DE DADOS REFERENTES A CARGOS
PÚBLICOS E INFORMAÇÕES DE NATUREZA PESSOAL. OS
DADOS PÚBLICOS SE SUBMETEM, EM REGRA, AO DIREITO
FUNDAMENTAL DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DISCIPLINA DA
FORMA DE DIVULGAÇÃO, NOS TERMOS DA LEI. PODER
REGULAMENTAR DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - O interesse público
deve prevalecer na aplicação dos Princípios da
Publicidade e Transparência, ressalvadas as
hipóteses legais. II - A divulgação de dados
referentes aos cargos públicos não viola a
intimidade e a privacidade, que devem ser
observadas na proteção de dados de natureza
pessoal. III - Não extrapola o poder regulamentar
da Administração a edição de portaria ou resolução
que apenas discipline a forma de divulgação de
informação que interessa à coletividade, com base
em principias constitucionais e na legislação de
regência. IV - Agravo regimental a que se nega
provimento.

Assim, depreende-se do que decidido em situação


que contribui para o entendimento do tema aqui
tratado, a publicidade prevalece, com o objetivo de
garantir a transparência, como pressuposto da
própria República, naquilo que, como bem delimitado
nas decisões acima, diz respeito à gestão da "coisa
pública", muito embora expondo a situação
individual do servidor no que respeita ao quantum
remuneratório que percebe dos cofres públicos,
permitindo, assim, não apenas o conhecimento pelo
cidadão-contribuinte, como também o controle dos
gastos públicos, mas não daquilo que respeita à sua
intimidade, ou seja, aquilo que ele realiza com a
sua economia privada.
Isso, em nada confronta o âmbito da intimidade
como privacy - aqui tomado como referência para
limitar a ação estatal por meio do órgão de contas,
naquilo que respeita ao âmbito próprio do cidadão-
77
`kmalr,"
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

contribuinte-servidor como gestor de suas


economias, as quais, a priori, dizem respeito à sua
intimidade, até mesmo sob o pressuposto de
regularidade que deve orientar a própria
fiscalização pública, na mesma linha que orienta a
persecução criminal, submetida, esta, à presunção
de inocência.
Ou seja, a publicação de dados remuneratórios
não afeta tal âmbito, enquanto dizem respeito
aquilo que o ente público efetivamente paga ao
servidor e, portanto, está submetido ao dever de
transparência da Administração estatal. Ao
contrário, como o servidor faz uso destes valores
ingressam no âmbito de sua vida privada, e, em
principio, desimportando ao público.
Não é argumento suficiente pretender o ICE
respaldar sua atitude na justificativa de que a
entrega das declarações de rendimentos dos
servidores não significaria a ruptura da
privacidade, pois estaria limitada à fiscalização
promovida pelo órgão, incluindo tais dados no leque
de informações necessárias à sua atuação própria,
como justificativa estribada nos tais "poderes
implícitos" conferidos ao órgão para a execução de
suas atribuições.
Até porque, repise-se:
O dever de prestar contas afigura-se, pois, uma
espécie de obrigação públicaI2 imposta a todo
sujeito, pessoa física, jurídica, pública ou
privada, que, na qualidade de agente público, tem a
seu cargo a gestão de recursos do erário. É este o
sentido que se extrai do parágrafo único do art. 70
da Constituição, o qual, como dispositivo legal de
primeira grandeza, atende à exigência (também
constitucional) de que as obrigações públicas
tenham a lei como fonte primária (art. 5°, caput,
da Constituição), bem assim dos arts. 71 a 75, que
elevam os Tribunais de Contas à condição de
principal controlador das finanças públicas.
(FERRAZ, Luciano. Poder de coerção e poder de
sanção dos tribunais de contas competência
normativa e devido processo legal. Revista
Interesse Público - IP. Belo Horizonte. Ano 4, n°
14, abr/jun.2002. Acesso na Biblioteca Digital
Fórum de Direito Público, em 28/07/2015)

78
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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E, o servidor que, percebe dos cofres públicos,


não gere recursos públicos, mas recursos próprios,
pagos pelo empregador, no caso o ente público, não
lhe sendo aplicável tal dispositivo, o que afasta a
possibilidade de, rotineiramente, ser-lhe exigida a
prestação de contas, por meio da apresentação e
disponibilização de sua Declaração de Bens e
Rendimentos. Tal gestão está no âmbito de suas
opções privadas, o que não se submete à verificação
por parte do órgão de contas, limitado que está,
como expresso acima, à "controlador das finanças
públicas".
Mesmo quando decidido que não se pode sonegar
informações aos organismos de contas, há que se
compreender adequadamente tal posição, considerando
que publicidade e transparência perante estes,
estão conectados ao cumprimento de suas atribuições
especificas. Veja-se:
ADI 2361 / CE - CEARÁ
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 24/09/2014
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Ementa: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PUBLICIDADE. A
transparência decorre do principio da publicidade.
TRIBUNAL DE CONTAS - FISCALIZAÇÃO - DOCUMENTOS.
Descabe negar ao Tribunal de Contas o acesso a
documentos relativos à Administração Pública e
ações implementadas, não prevalecendo a óptica de
tratar-se de matérias relevantes cuja divulgação
possa importar em danos para o Estado.
Inconstitucionalidade de preceito da Lei Orgânica
do Tribunal de Contas do Estado do Ceará que
implica óbice ao acesso.
( )
Quanto ao mérito, o Supremo já proclamou, em
reiteradas ocasiões, a necessidade de os estados-
membros observarem o modelo federal de organização,
composição e competências delineado pela Carta da
República para o Tribunal de Contas da União.
Precedentes: Ações Diretas de Inconstitucionalidade
n° 849, relator Ministro Sepúlveda Pertence,
acórdão publicado no Diário da Justiça de 23 de
abril de 1999, e n° 3.307, relatora Ministra Cármen
Lúcia, acórdão veiculado no Diário da Justiça de 28
de maio de 2009.
A lei contestada cria óbice ao Tribunal de
Contas do Estado do Ceará à fiscalização de
contratos administrativos concernentes a pesquisas
e consultorias envolvendo a Administração, bem como
impede o exame de documentos potencialmente
79
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
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relevantes para o exercício do controle externo.


Conforme os artigos 70, parágrafo único, 71, inciso
II, e 75 da Constituição Federal, os procedimentos
de pesquisa e consultoria e os recursos públicos
eventualmente despendidos para executá-los ficam
sujeitos à prestação de contas e à fiscalização do
Tribunal de Contas estadual.
As normas que impliquem obstáculo ao exercício
da competência dos Tribunais de Contas locais, em
descompasso com a estrutura criada na Carta da
República para o exercício do controle externo,
surgem inconstitucionais. A estranha negativa de
acesso a documentos públicos, sob justificativa
genérica de que a divulgação resultará em danos ao
Estado, ofende o principio da publicidade e o
direito de acesso à informação. Nos regimes
democráticos, os órgãos públicos não guardam ou
produzem documentos para benefício próprio, mas
para atuarem como curadores de dados que pertencem
ao povo. A garantia de acesso a documentos públicos
por órgãos fiscalizadores e pela sociedade em geral
- parcialmente instrumentalizada pelo princípio da
publicidade - é principio basilar da ordem
constitucional vigente, sendo sempre do Estado o
grave ônus de demonstrar, no caso concreto, os
motivos pelos quais documentos de interesse público
devem ter acesso restrito.
Estrutura normativa voltada a promover o sigilo
sobre a destinação e a utilização de recursos
estatais não se coaduna com os princípios
constitucionais da publicidade, moralidade e
responsabilidade, revelando-se a transparência, na
Carta de 1988, como instrumento de controle de
expressivo valor. É flagrante a desarmonia com a
Constituição da República de norma em que, mediante
preceito indeterminado - "dano ao Estado" -, cria-
se mistério na gestão pública.
Ante o quadro, julgo procedente o pedido para
declarar a inconstitucionalidade do § 3° do artigo
47 da Lei n° 12.509, de 6 de dezembro de 1995,
acrescentado pelo artigo 2° da Lei n° 13.037, de 30
de junho de 2000, do Estado do Ceará.É como voto.

E, não é, portanto, a posição diferenciada do


servidor público, como agente do Estado, que lhe
retira a proteção constitucional. Embora deva
submeter-se às circunstâncias decorrentes de seu
status próprio, isto não o torna um "cidadão de
segunda categoria" - colocando-o em posição de
anomia em face do próprio poder público ao qual
serve -, assim como ser agente público, por óbvio,
não pode constitui-lo em cidadão imune de suspeitas
ou isento de prestar contas de suas práticas, como

80
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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servidor do ente público, tendo presente, como


demonstrado, o .-lovo modelo de gestão pública
delineado normativamente.
É desta confrontação que emergem as balizas que
permitem, antes de tudo, dar exequibilidade à
própria Carta da República e às novas diretrizes
postas à Administração Pública, em especial no que
respeita ao seu dever de transparência. Como diz
Ricardo Lobo Torres:
( )
A transparência é o melhor principio para a
superação das ambivalências da sociedade de risco.
Só quando se desvenda o mecanismo do risco, pelo
conhecimento de suas causas e de seus efeitos, é
que se supera a insegurança. O exemplo encontradiço
na temática dos riscos sociais é o do contraste
entre o avião e o automóvel: o avião é meio mais
seguro de transporte do que o automóvel; entretanto
as pessoas têm mais receio daquele do que deste; a
explicação está em que o motorista sente segurança
na condução do seu automóvel, cujo funcionamento
ele domina, o que não acontece com as aeronaves. 3 O
mesmo raciocínio vale para os riscos fiscais. Só a
transparência na atividade financeira e na conduta
do cidadão pode superá-los. O risco fiscal na
atividade financeira surge do descontrole
orçamentário, da gestão irresponsável de recursos
públicos, da corrupção dos agentes do Estado, etc.;
a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Código de
Defesa do Contribuinte, este último em andamento no
Congresso Nacional, têm o objetivo de prevenir os
riscos fiscais na vertente do Estado. O risco
fiscal pode decorrer também da conduta do
contribuinte, pelo abuso da forma jurídica no
planejamento dos seus negócios ou na organização de
sua empresa, pela sonegação e pela corrupção no
trato com os funcionários da Fazenda; as normas
antielisivas e anti-sigilo, que foram introduzidas
em diversos países na década de 90 e que começam a
chegar ao Brasil, representam a tentativa do
legislador no sentido de prevenir os riscos fiscais
provocados pelo contribuinte.
(...)
O princípio da transparência, em síntese,
significando clareza, abertura e simplicidade,
vincula assim o Estado que a Sociedade e se
transforma em instrumento importante para a
superação dos riscos fiscais provocados pela
globalização. Só a transparência na atividade
financeira, consubstanciada na clareza
orçamentária, na responsabilidade fiscal, no
respeito aos direitos fundamentais do contribuinte,
no aperfeiçoamento da comunicação social e no
combate à corrupção dos agentes públicos, em
contraponto à transparência na conduta do
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contribuinte garantida pelas normas antielisivas,


pelas regras antisigilo bancário e pelo combate à
corrupção ativa, pode conduzir à minimização dos
riscos fiscais do Estado Subsidiário. A falta de
equilíbrio entre os termos da equação da
transparência pode conduzir à perpetuação da
opacidade; a exacerbação do controle da
responsabilidade fiscal e dos meios de defesa do
sujeito passivo da obrigação tributária, sem a
contrapartida representada pela minimização dos
riscos por ele provocados, leva ao paraíso fiscal.
a aplicação das normas antielisivas e o
desvendamento do sigilo fiscal, sem a salvaguarda
de um código de defesa do contribuinte e da
responsabilidade dos agentes públicos, pode gerar a
servidão fiscal e a morte da própria galinha de
ovos de ouro. (13 Cf. BRIN, David. The Transparent
Society. Will Technology Force us to choose between
Privacy and Freedom? Massachusetts: Perseus Books,
1998, p. 155.).
Ver: Ricardo Lobo Torres: O principio da
transparência no direito financeiro. Em:
www.idt1.com.br/artigos/64.pdf. Acessado em
27/07/2015.
Ou seja, há que se buscar, permanentemente, a
convivência entre publicidade/transparência e
privacidade/intimidade, entre mecanismos de
controle e respeito ás garantias fundamentais. Tudo
isso que conforma a ordem constitucional de 1988, a
qual, como dito, ao (re)inaugurar a democracia no
Brasil, fez conviver um Estado republicano,
balizado pela visibilidade do poder, com uma
Constituição garantista - na expressão de Luigi
Ferrajoli asseguradora de direitos, exatamente
para contrapor o modelo autoritário que convivia
com o segredo e o desrespeito aos direitos humanos.
E, portanto, tal qual se tem apreendido da
doutrina e da jurisprudência pátrias, a
possibilidade de desvendamento dos dados sigilosos
deve estar submetida à reserva de jurisdição e,
ainda, no bojo de procedimento regular, seja
administrativo, seja judicial, no qual se evidencie
motivos necessários e suficientes para a submissão
destes à exceção caracterizada por sua exposição,
aguardando-se, enfim, o desfecho das ADIs n°
2386/DF, 2390/DF, 2397/DF e 4010/DF que questionam
a possibilidade aberta pelo art. 6° da Lei

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Complementar Fedexal n° 105/01, a partir do que se


poderá ter outros delineamentos, os quais, todavia,
deverão ser confrontados com as competências do
órgão em questão, como aqui tratado.
Portanto, com tal quadro normativo,
jurisprudencial e doutrinário, conclui-se pela
manutenção das conclusões contidas no Parecer n°
15214/10, sugerindo que, enquanto não houver a
adoção das medidas ali sugeridas, bem como não se
produza manifestação judicial a respeito, adote-se
estratégia de gestão compatível com o aqui
delineado, não se reproduzindo bases de informações
acerca de bens e rendimentos já constantes nas
declarações de anuais de rendimentos apresentadas à
Receita Federal do Brasil, seja com fundamento no
princípio da economicidade, seja, também, pelos
riscos que tal replicação de dados acarreta, o que
poderá gerar responsabilização dos servidores
encarregados pela guarda e manutenção de tais
repositórios de informações sigilosas ou,
alternativamente, constituindo-se tal acervo, o
qual deverá restar sob a guarda dos respectivos
órgãos de controle do órgão de lotação do servidor,
na esteira das práticas indicadas pelo Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, como consta do
processado.
Em qualquer caso, a quebra do sigilo relativo a
tais informações apenas poderá ocorrer em
procedimento individualizado de fiscalização e
controle, no qual se assegure as garantias
processuais constitucionais, submetendo-se a
pretensão ao crivo prévio da autoridade judiciária.
( )".

Como se vê, meritoriamente, a linha argumentativa do parecer


está alinhada à proposição em forma de minuta que veio a este Conselho Superior, da
Equipe de Consultoria da Procuradoria de Pessoal, cuja provocação se deu
justamente quanto à necessidade de se revisar a posição anteriormente externada no
Parecer PGE 15.214, aprovado em 05 de abril de 2010.
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Portanto, não se está diante da hipótese de revisar o


entendimento desta Procuradoria-Geral do Estado, no mínimo pela fundada dúvida
jurídica que decorre da posição que adotou sobre o tema do sigilo fiscal nas
sindicâncias patrimoniais e suas hipóteses restritas de mitigação.

Por isso mesmo é que, diante das consequências que poderão


advir aos gestores públicos, enfatiza-se a necessidade de se arguir a
inconstitucionalidade, formal e material, das Leis Estaduais 12.980/08 e 13.776/11, e a
inconstitucionalidade material da Instrução Normativa 01/15 do TCE/RS.

Assim, à vista do que ponderado, tal como posta pela corte de


contas, a questão está a merecer uma revisão, ao menos parcial; se isso não ocorrer,
a arguição da matéria em sede própria judicial — de forma a se buscar sejam inibidos
eventuais apontamentos que venham a ser feitos pela corte de contas, de sorte que
os gestores públicos não fiquem à mercê de glosa sobre seus atos — é situação de
rigor, que deverá ser encaminhada em forma de controle abstrato (ou concentrado),
via ADIn de preferência, ou mesmo em forma de controle concreto (ou difuso), por
meio de outra medida judicial cabível, via mandado de segurança (a ser examinada
possível decadência, segundo o que se entender como ato coator) ou ação
declaratória de nulidade de ato administrativo, com pedido de antecipação de tutela
para inibir os mencionados apontamentos até decisão judicial final sobre a matéria.

8— DAS CONCLUSÕES

ANTE O EXPOSTO, à vista de tudo o quanto foi expendido


neste parecer, as conclusões são no sentido de que:

a) deve ser destacada a necessidade inadiável de se prestigiar


normas cujo conteúdo seja de vertente anticorrupção e de transparência;

b) o Tribunal de Contas é competente concorrentemente para


a instauração de sindicância patrimonial contra agente público, independentemente da
posição ocupada, destacando, todavia, a necessidade de que haja:

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(b.1) fato concreto,

(b.2) a instauração do devido processo legal administrativo,


além da representação à autoridade titular do órgão ou poder a que estiver vinculado
o sindicado/averiguado;

c) não há qualquer irregularidade em norma regulamentar que


preveja a necessidade de remessa das declarações de bens e rendimentos dos
agentes públicos ao Tribunal de Contaá do Estado (mesmo que já haja a
obrigatoriedade de mantê-las nas Corregedorias próprias e na base de dados da
Receita Federal, o que poderia suscitar a discussão acerca do atendimento aos
princípios da eficiência e da economicidade — o que não é, todavia, o viés das
consultas), desde que em meio digital, criptografado, e com senhas de segurança
recíprocas, habilitando conjuntamente à quebra o remetente e o destinatário;

d) não poderá o investigado/sindicado, à vista de procedimento


formal instaurado por situação fática concreta e específica, com fundamento
individualizado, negar-se a atender às notificações do procedimento e a autorizar a
quebra do seu sigilo fiscal;

e) é materialmente inconstitucional a investigação patrimonial


genérica, sem os requisitos do item "h" retro, em atenção a modelos de testagem ou
amostragem, indiscriminados, com vulneração ao princípio fundamental à garantia do
sigilo fiscal;

O é formalmente inconstitucional a Lei Estadual 12.980/08,


bem assim como a similar n° 13.776/11, que lhe alterou, pois ambas são proposições
de iniciativa com origem parlamentar, em evidente vício de origem, apenas passíveis,
portanto, de aplicação ao próprio Poder Legislativo e ao TCE;

g) deverá ser o quanto antes arguido na sede judicial própria


os elementos relativos às inconstitucionalidades suscitadas, de sorte que os gestores
públicos não fiquem sujeitos a apontamentos e glosas do Tribunal de Contas, em
forma de controle abstrato (ou concentrado) ou concreto (ou difuso);

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grke,
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h) em suma, nas atuais circunstâncias fáticas e jurídico-legais,


não se pode exigir do gestor e do administrador público que atenda ao quanto consta
na Instrução Normativa n°0112015, do TCE/RS, que reclama por adequações.

É o parecer, salvo melhor juizo.

Sala de sessões do Conselho Superior da Procuradoria-Geral


do Estado.

Em 17 de março de 2016.

FREDERICO DE SAMPAIO DIDONET,


Procurador do Estado — Conselheiro Relator,
Expedientes administrativos n.'s 007395-10.00/15-8 — PGE,
022858-14.00/15-4 — SEFAZ e 000936-20.00/10-0 — SES.

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Processos n" 007395-10.00/15-8


022858-14-00/154
000936-20.00/10-0

Acolho as conclusões do PARECER n° , do


Conselho Superior, de autoria do Procurador do Estado
Doutor FREDERICO DE SAMPAIO DIDONET, aprovado
nas sessões realizadas nos dias 10 de dezembro de 2015 e 31
de março de 2016.

Encaminhe-se o expediente n° 007395-10.00/15-8 à


Procuradora-Geral Adjunta para Assuntos Institucionais.
Restitua-se o expediente n° 022858-14.00/15-4 à Secretaria
da Fazenda, bem como o expediente n° 000936-20.00/10-0 à
Secretaria da Saúde, com vista prévia ao Agente Setorial.

Euzébio Fernando Ruschei,


Procurador-Geral do Estado.

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