658 PARTE IV Cap.

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para a missa e almoço. Um cego, Miquele Menichino Brancia, vem implorar sua
bênção. Ele a dá e o cego passa a ver.

O acolhimento em Nocera é triunfal. Clero, nobres e o povo em peso puseram-se

em movimento."Glória ao Pai... Como se tomou leve a minha cruz!" São suas primei
ras palavras. Depois, prostemando-se diante do SS. Sacramento:"Meu Deus! obri
gado por ter-me livrado de tão grande fardo! Meu Jesus, eu não agüentava mais!"
Essas palavras, ouvidas por seus vizinhos mais chegados, perdeu-se no jubiloso Te
Deum entoado pela comimidade.

NOTA
QUINTA PARTE
1. C£ SH9(1961),pp.384-385;Tannoia,m,pp.231-232;TeUeria,n.pp.154-155. VerzeUae Tannola afirmam "Para onde não queres...
>>

que o pequeno deftmto era Afonso Maria,cqjo prenome tomava mais plausível o equívoco. Mas os registros (1775-1787)
paroquiais de Marianella indicam a morte de seu irmão Carlos.
2.Para essas citações de Afonso e para as seguintes, c£ SH 6 (1958), pp. 65ss., e seu contexto das Lettere.
Sobre a doença de Afonso, ver todo esse fascículo e ainda SH 12 (1964), pp. 209-213 e 9 (1961). pp. 424-427;
Tannoia, n, pp. 212-221,228-234; TeUeria, U, pp. 249-263.
3.8. Afonso, Lettere, m,pp. 350-351.
4.SH 9(1961), p. 383(29); cf. p. 413(172).
5. Relatórios à S. C. do Concilio: S. Afonso, Lettere, m,pp. 632 e 643; SH 17 (1969), pp- 206-214.
6. Citado por Tannoia, n, p. 234.
7. S. Afonso, Lettere, H, pp. 128-129.
8. Tannoia, n, p. 263.
9. Sammariam, pp. 593-594.
10. SH,29 (1961), pp. 410-411.
11. Tannoia, n, p. 336 e, para a seqüência, 337,338,170, 312, 309.
12. S. Afonso, Lettere, H, pp. 325-326.
13. SH 29(1977), pp. 313-314.
14. Ibid., pp. 314-316.
15. Para essa citação e seguintes: S. Afonso, lettere, m,pp. 427-428, 446, 460, 466.
16. J. Angot des Rotours, St. Alpbonse de LiguorL p. 118, nota.
17. Para esse episódio e suas citações: Taimoía, n, pp. 281ss.
18. J. Crétineau-Joly,Clément XIV et les jésuites, Liège,1847, p. 286; Cf. Catholicisme,II, col.64; SH 18
(1970), pp. 93-106.
19. Para essa citação e seguintes:8. Afonso,Lettere,n,pp.306-310,341-342,345; cf. também pp. 191,198.
Para os acontecimentos,c£ Tarmoia, H, pp. 392-424, e m,pp. 1-4.
20. SH 18(1970), p.3;cf. Mincuzzi,op.cit., p.978. Após a morte desse infeliz de Dom Rossi(1784),8.Ágata
permanecerá ainda sem bispo até 1792.

"Quando fores velho,

estenderás as mãos
e outro te cingirá
e te conduzirá
para onde não queres".
Jesusfalou assim para indicar
com que morte glorificaria a Deus.
{Jo 21, 18-19)
 46."ESTOU EM NOCERA E AQUI ME ENCONTRO
NO PARAÍSO"
(1775-1778)

Precisamos ler isto, apesar de tudo!...

Santo Afonso orientou-se para os estudosjurídicos: aos dezesseis anosjá é

doutor em direito. O jovem doutor domina completamente seus manuais(Não
havia manuais!)e inscreve-se nos Tribunais de Nápoles. Descobre que a ciência
jurídica, mais do que desejável,quando se pleiteia, não é suficiente! Há necessi
dade de nervos de aço! Já em sua primeira defesa, Mestre Ligório... engana-se,
gagueja, mistura as peças e a classificação do dossiê. Nauseado,deixa a toga e o
tribunal...
n;

Quem gagueja e se engana, senão o autor dessas linhas? Prossigamos:

Prepara-se para o sacerdócio. O aristocrata brilhante entrega-se aos mais

humildes...Organiza os discípulos que a ele sejuntam sob o nome de redentoris-
tas.

Santo Afonso deve cedo deixar sua Congregação cheia de promessas.

("Cedo''?... Na realidade, exatamente 30 anos após a fundação!). É chamado a
uma sede episcopal na Campânia...Esse bispado é para ele uma extraordinária
graça de amadurecimento.(Já era tempo! Tomou-se,com efeito, bisp>o aos 66
anos.) Ele vai conhecer uma graça de despojamento: conseguiu jx)der deixar
seu cargo episcopal. Muito naturalmente, bate às pKDrtas da Congregação por
ele fundada. Ora,sua família religiosa o renega, rejeita-o e não quer mais ouvir
falar dele. Está "fora dos muros". Santo Afonso viverá atê avançada idade e
sofirerá atroz humilhação.Ele não contesta. Apenas toma conhecimento de que
lhe davam com a porta na cara.

Eis o que se pode ler numa obra litúrgica escrita e publicada em... 1980!

Não teríamos nenhum interesse em assinalar esse romance grotesco e detrator se

não fosse um exemplo flagrante e novo da ignorância dos cristãos a respeito dos
santos em geral e de Afonso em particular. Examine o primeiro católico que surgir —
leigo, seminarista ou padre — sobre Afonso de Ligório. Ele saberá três coisas: que era
rigorista, dotado do dom da bilocação e que foi expulso de sua Congregação. Nosso

662 PARTE V Cap. 46
autor ainda floreia:fechando-lhe a E>orta na cara,os redentoristas mandaram-no viver
fora dos muros!
De fato, bem "dentro dos muros", sexxs confrades prepararam, para aquele que
jamais deixou de ser o seu reitor-mor,um belo quarto ornado de molduras e de lambris
pintados. O quarto destinado aos grandes i)ersonagens. Mas o fundador, decepcio
nado, põe-se a protestar:
— Vocês querem que eu permaneça no meio desses lambris? O que eu quero é
ocupar minha antiga cela.
— Impossível, protestaram: ela acha-se ocupada pelo Pe. Villani.
Acabou por concordar que,em consideração a suas enfermidades e a sua digni
dade episcopal, lhe era necessário um quarto de dormir e um compartimento de
trabalho e de recepção.Onde vão erigir um altar para sua missa. Consente,então,em
ocupar duas celas ordinárias no segimdo andar. Entrando ali, exclama:"Quão mais
feliz sou aqui do que no palácio de Arienzo!" E no dia seguinte escreve a um de seus
padres:"Pela graça de Deus,estou em Nocera, desatrelado do cargo extenuante do
episcopado, e aqui mp encontro no paraíso."^
E começa o desfile, perante ele,do bispo de Nocera,Dom Benito Maria Sanfelice,
dos prelados, superiores e nobres de toda a vizinhança.
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1 ,
Vieram com ele de Arienzo, o irmão Romito Francisco, evidentemente, que
continuará seu ofício de leitor e de secretário, de enfermeiro e gerente, mas também o
fiel Aleixo PoUio.Este último, viúvo desde 1770, aos 28 anos,tinha duas fühinhas que
ele internou e dotou, em grande parte com as generosidades de seu patrão. Uma
tomar-se-á irmã redentoristina e a outra se casará. Livre, Aleixo acompanhou seu
bispo em Pagani, onde acabará por tomar-se irmão redentorista. Continua sendo,
para o bispo,o mensageiro,o cocheiro,o"camareiro"dedicado e de confiança de quem
o grande enfermo pode prescindir sempre menos. Um de seus comoventes serviços
será o de pegar no vestíbulo as crianças doentes trazidas por suas mães e levá-las até
Afonso. Este abençoará mais de mil delas, impondo-lhes a mão sobre a cabeça e
curando-as. Outra tarefa de Aleixo será a de sustentá-lo, depois de colocá-lo em sua
poltrona, de estação em estação da via-sacra, que fará todos os dias ao longo do
corredor de seu andar, de pé nos primeiros anos, depois assentado, exprimindo-se
muitas vezes em alta voz, como o fazia também diante do SS. Sacramento. Essa
convivência parece ter sido o único noviciado do irmão Pollio. Mas quem teve jamais
semelhante mestre igual?^
Quanto a Romito,será também e sempre mais a segimda muleta de Afonso. Não
se pode fazer uma idéia da quantia de serviços que tinha de fazer o secretário deste
"monstro" de trabalho a quem nenhuma fadiga detinha. Verzella, em 1772, teve de
desistir para cuidar de sua saúde. Ora,o Pe. Felice nos informou que no tempo de seu
episcopado,súmidades doutrinais dirigiam-se a Dom Ligório para consultas teológi
cas ou morais, com vistas a livros em que estavam trabalhando. Vinham-lhes essas
cartas da Sicília, de Mãntua, Lucques, Veneza, Roma e seus Estados, de Bolonha,
Ferrara,etc.Outros pediam conselho espiritual ou expunham problema de consciên
cia. Entre seus correspondentes habituais assinalados por Verzella, contamos 10
PARTE V Cap. 46 663
príncipes, 3 dos quais pertenciam ao Conselho de Estado, 17 bispos, 13 cardeais:
padres,religiosos, religiosas, barões de todas as províncias;e também gente humilde,
como aquele cabo-de-esquadra de Camerino para o qual o bispo parecia mais aten
cioso do que para com os outros.^ As duas mil cartas, mais ou menos,que nos restam
de Afonso são somente uma parte mínima das que ditava.
Acresce que ao voltar para Nocera,toda a correspondência destinada ao superior
geral — durante o seu episcopado, três quartos dessa correspondência iam para a
mesa de seu substituto — acumula-se agora na sua. Retirou dos ombros o Monte
Tabumo, mas o peso do Instituto recai inteirinho sobre ele. Após seis meses de
experiência, ele desabafa ao Pe. Maione com certa decepção.
Esperava, retirando-me para Nocera,encontrar alívio em minha velhice;
mas que encontrei? Espinhos sem número, que não me deixam repouso. Deus
seja louvado por isso!
Tenho a cabeça no estado mais deplorável e devo manter sempre um pano
molhado ao alcance de minha mão, se é que quero evitar as vertigens ou as
ausências de espírito, tantas são as cartas que devo escrever.
Seria melhor, dirá você, não escrever mais cartas. Mas que posso fazer?
Sou Superior. Se não fosse, deixaria esse cuidado; mas sou, e ficaria com
escrúpulos se não comunicasse as luzes que Deus me dá; é que Deus concede
aos Superioresluzes que não concede aos outros;é essa convicção que me leva a
escrever tantas cartas.^
Mas era indispensável que o fundador continuasse como superior?
Quando, 13 anos antes, nomeado bispo a contragosto, Ligório sentira-se "ex
pulso da Congregação por causa de seus pecados",não foi ele que pedira para acumu
lar os dois cargos, mas sim os consultores-gerais e as comunidades. Se de resto tivesse
sido então desonerado do Instituto, Villani é que teria sido eleito reitor-mor. O Pe.
André era a bondade personificada: boa parte dosjovens confrades haviam passado
por suas mãos de mestre dos noviços;"governava a casa com tal doçura que,em toda a
Congregação, era considerado até mais santo ainda do que Afonso."® Ora foi exata
mente a ele que este último escolheu como vigário. Mas quem é que salvara até o
momento o Instituto dos dentes de Maffei e de Samelli,se não o prestígio pessoal do
fundador?
Treze anos se tinham passado.Em 1775, Villani tinha 69 anos. Afonso contava com
dez anos a mais,com peso dasenfermidades por nósconhecidas.Não se sabe,contudo,
se foi colocada a questão da demissão do reitor-mor vitalício. Não se p)ode esquecer a
dimensão então européia do antigo bispo de S. Ágata,e que Afonso continuava sendo
em Nápoles run pára-raios incomparável para os que viviam ameaçados. Por outro
lado — sentiu-se isto no capítulo de 1764 —jovens havia que,com toda a naturalidade
também, mostravam-se arrojados; tanto mais que a última geração conhecia Afonso
quase que só de nome. De resto, este sentia talvez sua consciência interpelada pelo
fato de que, durante os 13 anos de afastamento, o excessivamente bondoso Villani
deixara os parafusos afrouxar: á disciplina relaxara. Disso é testemunha a significa
tiva repreensão que recebeu de Ligório, em junho de 1773, o reitor-agricultor de
Deliceto, nosso cronista Tannoia, por não ter obedecido a uma ordem de Villani:

664 PARTE V Cap. 46
Você, meu caro Antônio, quanto o estimo; mas hoje devo falar-lhe sem
rodeios. Censuram-no por ser pouco obediente às ordens dos superiores,e isto
me deixa claro um dos principais motivos porque a Congregação está presen
temente sendo tão provada,é que os reitores são os primeiros a não obedecer.
Eu sou,da parte do papa e da parte do rei, diretor da Congregação; quero
de agora em diante mudar de estilo; quero ser obedecido; e quem quiser ir-se
que se vá. Ficará quem quiser. Deus náo tem necessidade de ninguém,e ele só
ama os bons súditos: aqueles que obedecem.
Envie, pois, imediatamente, a qualquer preço, o irmão Antônio Maria
Oliva a S. Ângelo a Cupolo e abstenha-se de buscar a intervenção do bispo,que
atualmente estácom você.Mesmo se este quiser usar sua influência para reter o
irmão,faça todo o esforço para que renuncie a seu propósito.
E não me responda que não conseguiu isso, porque se não enviar o irmão,
pedirei contas disso e você irá arrepender-se; mas espero que não me causará
esse desprazer.
Diga de minha parte aos padres de sua comimidade que levem a obediên
cia a sério. Aliás, dentro em pouco irei escrever sobre esse assunto a todas as
casas.
Estou resolvido a despedir quem quer que se recuse a obedecer, seja ele
meu próprio irmão.É que ninguém pense em buscar apoio na Corte: o rei, que
me nomeou Diretor e que me é muito favorável não ouvirá seja lã quem for;
declare isso a todos os seus padres.
Abençóo e a todos os seus subordinados. — Irmão Afonso Maria.®
Três semanas depois, a circular ammciada seguia, animada de um vigor inusi
tado. Entre outras coisas lê-se ali:
Minha dor é muito viva quando fico sabendo que alguns dos nossosjovens
não levam vida conforme a perfeição requerida num operário evangélico. Mas
se se trata de um padre ou irmão mais idoso,mais antigo, meu pesar é mais vivo
e mais pungente,quando tomo conhecimento de aquele que deveria ser para os
jovens espelho de edificação e de virtudes,faz pouco caso da obediência devida
aos superiores.
Essa santa obediência, essa submissão aos superiores que ocupam na
terra o lugar de Deus, não cessei de recomendá-la a todos, de viva voz e por
escrito.Dela depende com efeito,a par da boa ordem,a glória de Deus,o sucesso
das missões e, também,a paz interior dos congregados; obedecendo pontual
mente,estão seguros de fazerem tudo ã vontade de Deus,vontade que é a única
fonte da verdadeira paz. Apesar disso, algxms dos nossos deixam-se, levados
pelo demônio,arrastar e fazem pouco caso da obediência: vivem eles, assim,na
inquietude e nela lançam seus companheiros e seus superiores: tudo isso sob
pretextos falazes que o inimigo da salvação lhes apresenta com efeito, como
produto de sincero zelo, de louvável espírito de reforma e de amor verdadeiro
pela justiça e pela verdade.
PARTE V Cap. 46 665
Coisa singular! Alguns dentre nós falarem de reforma e de zelo, e não
p)ensam em reformar-se a si mesmosem primeiro lugar,em reformar sua própria
vida, onde há mais censura do que em qualquer outra!...
Compreendam bem,meusfilhos,meuscaríssimos filhosem Jesus Cristo,o
que Deus quer dos senhores,é sua obediência,é a submissão respeitosa a seus
superiores, muito mais do que sacrifíciossem conta ou mil outrasobras brilhan
tes com que piossa ser buscada a sua glória.
Deus quer-nos pobres e contentes com nossa pobreza, e devemos ser-lhe
agradecidos quando sua misericórdia nos concede à mesa um pedaço de pão,
quando não permite que nos falte o estritamente necessário.
Somos pobres,e quem não está de acordo em levar entre nós vida pobre na
alimentação e no vestir, pode deixar nossa Congregação sem nos atormentar e
ir-se para casa vivendo como melhor entender: estou pronto a conceder-lhe a
permissão; é que Deus não quer em sua casa servidores descontentes que o
sirvam ã força e entre contínuas murmuraçóes...
Na idade avançada a que cheguei, conserve-me Deus a vida uriicamente
para combater as desordens que podem comprometer a obra das missões;estou
resolvido a combatê-las custe o que custar.
Mesmo que a maioria devesse deixar-nos por essa razão, não me deixaria
minimamente amedrontar com isso. Ficará quem quiser. Deus não tem neces
sidade de muita gente; bastam-lhe pioucos mas bons. Apesar de seu pequeno
número, farão mais bem do que todos os impierfeitos, todos os orgulhosos e
todos os desobedientes juntos.
Juntamente com a obediência aos superiores recomendo o amor para com
Jesus Cristo, a devoção à santa Paixão, a oração mental, os exercícios espiri
tuais e o dia de retiro usual. Quem ama a Jesus Cristo obedece, está contente
com tudo e piermanece sempre em paz.^
Essas palavras fi*isam o que Afonso entende por obediência e observância: a
morte do individualismo e um dom de si incondicional à obra comum da missão.Eles
manifestam nesse ponto uma necessidade de reforma em que sua consciência de
fundador se sente empenhada:"Conserve-me Deus a vida unicamente para combater
as desordens que podem comprometer a obra das missões."
Afonso, pois,chegou a Nocera dei Paganisem a menor idéia de demissão; muito
ao contrário. E quer retomar, como outrora, o ritmo comum da vida regular. Mas,
Villani, seu diretor espiritual, proíbe-lhe fazer-se levar ao coro ou ao refeitório; Do-
nato Antônio Pignatori, seu médico, ordena-lhe dois passeios diários de carruagem.
Fora isso, recomeçou sua vida tranqüila e implacável de oração e de trabalho, em
sincronia com a comunidade.O irmão Romito é o companheiro de suas meditações,
três vezes ao dia,e de sua leitura espiritual: qjuda, pela manhã,ã sua missa dolorosa e
seráfica. Depois vem o trabalho até ao passeio, cerca de meio-dia, com Aleixo de
cocheiro.Benditas saídas pela manhã e pela tarde,elas terminam na igreja onde o Pai
se demora porlongo tempo,em inflamada adoração.Em março de 1775,estando ainda
 PARTE V Cap. 46 667
666 PARTE V Cap. 46

em Arienzo,pedira a Pio VIe obtivera,por causa de suas dores de cabeça,a faculdade mendigos e de garantir regularmente o aprovisionamento de certo numero de pobres
envergonhados.'°
de trocar seu brevlário por outras preces à escolha de seu confessor. Freqüente
mente então,em lugar das horas canônicas, passa a recitar e meditar lentamente os
três terços do rosário. As horas de trabalho se sucedem, cortadas por aquelas ave- Em suas liberalidades, o superior geral não esquecia suas casas dos Estados
marias de fogo rezadas por ele de quarto em quarto de hora, às batidas do relógio. Pontifícios, que nasciam como por encantamento, mas no despKDjamento de Belém,
Quando soa o ângelus, põe-se de joelhos, e não pode mais levantar-se. Muitas vezes
nem pensa nisso, perdido que está na contemplação do mistério da encamação. É Nos anos de 1772-1773, com base em Santo Ângelo a Cupolo, oito redentoristas
preciso,então,tomá-lo nos braçose colocá-lo em sua cadeira para poder continuarseu brühavam intensamente nos Estados Pontifícios, bem além de Benevento, teiTitório
trabalho ou tomar a sua única refeição diária. Depois que se tomou por demais surdo encravado nos Estados Pontifícios. O animador da equipe era o jovem, zeloso e
f I para ouvir as batidas do relógio, pedirá que o avisem. Nos dias em que deve omitir o inteligente Pe. Francisco de Paula. O velho bispo de Veroli, Dom João Battista
l,l oficio em razão de dores de cabeça multo agudas, reza o pequeno ofício de Nossa Jacobini, desejava-os estabelecidos em sua diocese; um padre avinhonês, generoso e
Senhora que sabe de cor e que desde a mocidade jamais deixou de recitar. Esse extraordinário como sua Provença,oferecia aos padres a pequena igreja e a casa que
trabalhadorincansável manter-se-á fiel até o fim àssuas oito horas diárias de oração.® construíra para si a fim de dar atendimento a uma centena de habitantes nas colinas
de Scifelli. Com a anuência de Afonso, a 25 de abril de 1773, os documentos oficiais
À medida que santo Afonso vai-se afundando na surdez,seus leitores e colabora tinham sido assinados pelo padre avinhonês e pelo Pe. Villani.Este último apressara-
dores ficarão esgotados—e ele sabe disso—por precisarem gritar cada vez mais alto. se a ir prestar contas ao reitor-mor ainda em Arienzo.
Sua própria voz, bela e sonora até o fim,não poderia entretanto, encher uma grande
nave. Além disso, a postura ereta era uma aventura dolorosa para sua coluna verte Mas,ai! a alegria do fundador não era participada por alguns antigos.De Nocera,
bral curvada para o chão. Mas a paixão da Palavra fazia com que a esquecesse. O venerando Mazzini escrevia a Tannoia, mestre dos noviços em Delice
"É pela pregação, e somente por ela, gostava de dizer, que Jesus Cristo "Penso como você: não é preciso aceitar a fundação proposta na diocese de Veroli.
realiza a conversão dos homens;é,pois, pela pregação que se deve procurá-la.O Por um lado, pela razão que você me apresenta" (ele receia a personalidade de Pe.
importante é que se pregue o Cristo crucificado." Francisco de Paula);"pior outro lado, porque precisamos de gente para uma açao
próxima de Roma.Mas nem nosso Pai,nem o padre vigário,nem osoutros consultores
Convidá-lo para pregar era convidá-lo para uma festa, continua Tannoia: deram ouvidos a meus 'latidos'."^^
aceitava sempre com alegre sofreguidão. Dizia muitas vezes: "Sempre se tira
firuto da palavra de Deus.Não há coisa alguma a que tanto se oponha o inferno Ao contrário, Afonso olhava para o Norte, para os Estados, para os Alpes... Sua
do que à pregação."® Congregação teria assim, em caso de alarme, um primeiro refúgio irnedia ora o
Reino. Uma gruta de Belém pela pequeneze pobreza; mas não fora assim que nascera
Afonso sentia-se então feliz em arrastar-se, ajudado por Romito e Pollio, até ao o Cristo?
capítulo semanal, para impelir a comunidade ao zelo das almas e à prática das
virtudes.Ajudado
«-iVCClVAW por
pul eles
ClCd subia
dUUXCl todos ossábados ao
CLU púlpito
pUipitU da
Uü igrejinha de S.Miguel, E esse Pe. Francisco de Paula desperdiçando o dinheiro!
onde
rfc-nHo se
Qia acotovelavam
1 mais
•_ de 300 pessoas, para ali pregar as glórias de Maria. Era
TP.VCi

sempre com presteza que respondia afirmativamente aos padres e conventos de No-
cera que não dispensavam
m suas exortações.
pvnrharnpí!:
No convento do CarmineUò, curou até dois "tumores malignos": a inimizade
escandalosa que se votavam duas religiosas e um câncer do seio que torturava a
priora. Condenada pelos médicos, pedira ao Pai lhe obtivesse a cura."Seu mal vai
piorar, disse-lhe, mas não se aílga: abandone-se nas mãos de Deus e abrace o crucifixo:
a senhora agradará,assim,a Jesus Cristo e seu sofrimento será amenizado." Voltando
a São Miguel, mandou-lhe um frasco de água pura instruindo-a no sentido de banhar
seu mal com ela. Após as primeiras abluções o mal desapareceu.
Os passeios do velho bispo,numa carruagem em fim de carreira, puxada por dois
animais gastos, pareciam-lhe um luxo mais do que supérfluo. A isso se resignava só
por obediência.Tocavam-lhe,é verdade,800 ducados anuais da mesa de S. Ágata,sua
pensão do Colégio dos Doutores, emolumentos da sede de Portanova e, ainda, seu
patrimônio famüiar. Mas a seus olhos tudo isso era propriedade dos indigentes,"seus
privilegiados", diz Tannoia. O irmão Romito tinha ordem de atender a todos os
Enviei-lhe ultimamente doze ducados e envio-lhe hoje outros vinte e
quatro pelo Pe. Blasucci: mas com esse dinheiro devem ser compradas unica
mente as coisas necessárias para a vida, e proíbo que comprem o menor livro
com ele. Fiquei,com efeito,sabendo que seus padres de Veroli(Scifelli)sofrem
grandes privações.
Só depois de duras penas é que consegui obter de Benedito Grazioli aque
les cem ducados,e pensava que eles iriam fbmecer a subsistência para o próximo
inverno; mas fiquei sabendo, não sem extrema dor, que eles serviram para^ a
compra de livros. Comprar livros, quando não se tem o que comer! Jã não
compreendo nada!
Se for possível devolver esses livros, mesmo com algum prejuízo, procure
fazê-lo; desejaria muitíssimo que tudo o que lhes for doado seja empregado em
comprar pão: certamente que vocês precisam disso.
No caso de não poder devolver os livros, determine, de acordo com o Pe.

668 PARTE V Cap. 46
Blasucci, as providências que devam ser tomadas para que não se saiba que
enviamos dinheiro para fora do Reino."
Enviar dinheiro para fora do Reino era um crime, mesmo que se tratasse de
impedir que napolitanos morressem de fome.E,entretanto, urgia fundar outras casas
fora das Duas Sicílias, tal a exigüidade de Scifelli. Com o caloroso apoio de Afonso
começaram as sondagens não longe dali, em Ceprano, depois em Torrice. Logo mais,
aliás, a morte de Clemente XIV transmitia a seu sucessor o direito de autorizar as
novas fundações em seus Estados."
Impaciente, dinâmico e não desprovido de ambições, Francisco de Paula so
nhavaem eternizar o Instituto,estabelecendo-o na Cidade Eterna.Desde os primeiros
meses de 1774, expusera seu ponto de vista ao fundador.
Lisua longa carta,respondeu-lhe Afonso,e não aprovo de modo algum as
razões que você alega em favor de uma fundação em Roma; tinha resposta
pronta para todos os pontos.l\4as para que perder tempo,quando vemos clara
mente que Deus não quer essa fundação?
Deixe que digam que tudo desaparecerá, quando eu tiver desaparecido!
Responda que a Congregação não é minha obra, mas obra de Deus. Ele a
manteve durante 42 anos; ele continuará a mantê-la.
Por que o rei de Nápoles iria dissolvê-la? Ela não prejudica a ninguém;
todos os bispos a elogiam;ela não possuinenhuma renda e,o que mais importa,
o rei deseja (são os termos mesmos do decreto de S. M. Catõlica)"que essa
associação se mantenha não somente durante a vida de Afonso de Ligõrio, mas
indefinidamente, desde que a obra das missões não degenere de seu primeiro
fervor".
A questão da nossa continuidade depende antes de tudo inteiramente de
Deus; de nosso comportamento, em seguida. Pelo que temos somente uma
coisa a fazer: viver imidos a Deus, observar nossas regras, ser caridosos para
com todos,estar contentes com nossas misérias e,acima de tudo,ser humildes;
porque um pouco de orgulho pode perder-nos como perdeu os jesuítas.
Esforce-se, peço-lhe, por todo o tempo que você exercer o superiorado,
esforce-se por se mostrar humilde e afável para com todos, sobretudo nas
missões,e testemunhe para com os confrades a maior caridade. Eles estão com
efeito sob os golpes da provação e longe de Nápoles,longe dos parentes; você
precisa, então, ser sumamente caridoso a seu respeito."
Entrementes, a idéia de uma fundação em Roma evoluíra. Um amigo de D.
Jacobini,o bispo Vicente Macedõnio,secretário,falara dela ao papa e assessores.Em
25 de agosto de 1774, Ligõrio informava o reitor de Scifelli:
Recebi hoje de manhã um bilhete do padre vigário, e segxmdo o seu teor.
Dom Macedõnio teria dito ao advogado Terragnolique o papa estava pensando
em confiar-nos em Roma a igreja de Gesü,mas que seus assessores o dissuadi
ram disso.
PARTE V Cap. 46 669
Glória ao Pai!Que faríamosem Roma? Seria o adeus a nosso fim principal,
adeus à nossa Congregação! Ficaríamos todos cortesãos.
Não obstante, agradeçamos a Deus a opinião que o papa tem de nós. Se
Dom Veroli,nosso bispo quisesse apertar um pouco D.Macedõnio na conclusão
da iniciativa de Ceprano, a ocasião se apresenta favoiável.
No mesmo dia desenvolvia seu pensamento em carta ao Pe. Villani.
As notícias que você me dá de Dom Macedõnio causam-me prazer à me
dida que sublinha a benevolência do papa para conosco. Mas agradeçamos a
Deus e aos assessores do Soberano Pontífice não ter o projeto ido avante.
Se o papa tivesse persistido em seu pensamento, ter-lhe-ia escrito em
termos enérgicos para fazê-lo desistir de sua decisão,com o risco de ter toda a
Congregação contra mim.
Que faríamos em Roma? Seria a ruína de nosso Instituto, porque nossas
missões seriam negligenciadas e,desviado de sua finalidade,o Instituto deixa
ria de existir. Sobraria um monstro de duas cabeças.E para que servuia ele?
Mil outros, em Roma, podem fazer o que ali faríamos: e no entanto que
seria de nossa Obra?
Nossa Congregação foi feita para as montanhas e para as populações
pequenas.Desde que nos misturássemoscom preladose cavaleiros,com damas
e cortesãos,adeus, missões,adeus,interior; nõs mesmos nos transformaríamos
em cortesãos. Peço a Jesus Cristo que nos preserve de semelhante desgraça.
Se Dom Ligõrio dizia não a Roma,os Estados Pontifícios não deixavam de ser o
seu objetivo urgente. Satisfeitos pela supressão dos jesuítas, os napiolitanos tinham
evacuado Benevento,deixando com isso livre S. Ângelo a Cupiolo. havia assim duas
casas de refúgio no caso de expulsão do Reino.Mas somente duas. Ora,a tempiestade
parecia estar para estourar. Era preciso levar decididamente para fora do Reino o
centro de gravidade do Instituto. A 30 de maio de 1776,o Paiexpunha por inteiro o seu
pensamento a um de seus confidentes, o Pe. Caione:
Meu caro padre, as casas napolitanas servirão pouco ao estabelecimento
da Congregação. Elas não formam um corpo único e estão unidas entre si
apenas por uma cola fraca. Devemos por ora envidar esforços para conservar
essas fundações, mas, digamos sem rodeios, se a Congregação não transpuser
os limites do reino de Nápoles,jamais será uma verdadeira Congregação...
Quanto a mim,estou no fim dacarreira,mas vocês que sobreviverão,é que
deverão trabalhar na consolidação de nossa obra.
Ora, apenas acabada de ser escrita essa carta, os padres Francisco de Paula,
Caione, Cimino e Costanzo pregaram, de 1.° a 20 de junho, uma espietacular missão
em Frosinone(8.000 hab.),que era o principal aglomerado urbano da diocese de Veroli.
"Nunca tivemos uma missão assim, diziam. Vamos ficar com os padres.""Nas colinas.

670 PARTE V Cap. 46
perto das portas da cidade, os agostinianos estavam deixando a ermida de Nossa
Senhora das Graças.Já no dia 22,as autoridades municipais escreviam a Afonso para
oferecer-lhe o lugar e materiais de construção. A alegria de Afonso atingiu o auge. No
verão, N. Sra. das Graças acolhia a comunidade redentorista de Frosinone, com
Francisco como reitor e Blasuccicomo visitador das novas casas. Dois breves pontifí
cios sucessivos dotam (escassamente) e aprovam (calorosamente) a fundação e o
Instituto.
Eis que ressurge a atração por Roma.E o fundador muda de ponto de vista. Em
nns de outubro de 76, ele escreve a Blasucci:
Agradeço a Deus sem cessar o fato de tê-lo conduzido a Frosinone: você
moderará ^io zelo de nossos confi-ades.No entendimento deles,a Congregação
deveria sair de sua obscuridade,fazer barulho e fundar uma casa em Roma.
Nosso estabelecimento em Roma não me parece conveniente nem agora
nem alongo prazo:deixo de falar das razões que me levam a pensar desse modo.
Farei isso quando for necessário...
O advogado Buonpiani aconselha-nos a ir a Roma para conseguir a casa
aos Retiros,ocupada outrora pelosjesuítas hoje supressos.Sou profundamente
agradecido pela afeição que nos tem,e o terei eternamente na memória,diga-
lhe isso de minha parte. Mas antes de executar o projeto de que ele fala, seria
necessário, conforme meu parecer, esperar o momento mais propício, porque
amda não somos bastante conhecidos em Roma;e poderia ser encarado como
certa arrogância o fato de pretendermos a casa dos Retiros; tanto mais que
aquelacasa estásendo cobiçada por váriascongregações residentesem Roma.
Eis,pois,o meu parecer: por agora,precisamos unicamente estabelecer de
maneira flrme as duas casas que possuímos na diocese de Veroli, principal-
Ido^a serFrosinone. ApósInstituto,
tomado.Nosso o estabelecimento flrme
de resto,tem pordela, poderemos
fim principal ver o
evangeli-
ar não as cidades importantes e de nome, mas as povoações do campo mais
andonadas e desprovidas de recursos espirituais.
Depois disso, se Deus nos manifestar um dia que nos quer ver em Roma,
obedeceremos.
^ A quarta casa nosEstados Pontifícios apresenta-se por si mesmaem Benevento.
en^^
P copai, aFrancisco Mariaque
casa e a igreja Banditi, novo tiveram
os jesuítas arcebispo, oferece a Ligório, na cidade
de abandonar.
^ ^®cusa: não quer estabelecimento em cidade, sobretudo em Benevento,
de 16 conventos de homens e de numeroso clero; certamente,também,
que e causa repugnância instalar-se, como um chupim, no ninho da Companhia
ISSO vida.O cardeal se comprometeu que eles trabalhariam na zona rural,enquanto
a resi encia de S. Ângelo, aninhada em seuTabor,se especializaria nos retiros fecha-
os. ém disso, as realidades econômicas não esperaram por Karl Marx para que se
impusessem:era necessário aceitar as rendas de Benevento para sustentar com vida
PARTE V Cap. 46 671
os famélicos que estavam em Scifelli e Frosinone. Durante o inverno de 76-77. o
reitor-mor rende-se às razões do cardeal e de seus consultores. A 2 de janeiro de 1777,
escreve a Francisco de Paula:
O cardeal Banditi escreveu-nos que dos 700 ducados por ele enviados a
Roma para pagar, entre outras coisas, o sustento dos jesuítas portugueses,
continuará enviando 400... Quanto aos 300 restantes,ele no-los quer dar,com a
promessa de dar-nos os outros 400 quando se extinguir a piensão vitalícia dos
portugueses.
A oferta era irrecusável; por isso aceitamo-la de comum acordo,os padres
Cimino,Maione,Villani, Mazzini e eu.Dessa maneira,se nossas casas do Reino
têm poucos recursos, teremos ao menos uma casa que, com o tempo, vai
bastar-se a si mesma...
Outro assunto.Em Nápoles,o novo governo emitiu um decreto rigorlssimo
a respeito da ordenação dos clérigos. Nenhum deles poderá mais receber as
ordens se houver 100 padresem sua terra natal,nem sejá houverem sua família
dois irmãos ou dois tios padres,nem se o patrimônio dos outros tios e irmãos for
inferior ao daquele jovem que deseja receber as ordens sacras. Devido a essa
determinação,eis-nos impedidos de receber muitos moços recomendáveis que
solicitaram sua admissão.Os pios operários deparam com os mesmos obstácu
los, e para seu grande desgosto, não podem receber novos elementos.
Veio-me uma idéia e desejaria saber se você não a poderia comimicar ao
bispo de Veroli.Tenha a bondade de falar-lhe na primeira ocasião e me comuni
que o resultado de sua conversa: poderia,então,tomar as minhas providências.
É necessário saber que tivemos aqui a maior dificuldade em enviar um de
nossos padres à Romanha; foi preciso pedir-lhe, suplicar-lhe, alguns até se
recusam a partir, e tudo isso, porque ninguém quer ficar longe da família.
O bispo de Veroli não poderia adotar como seus esses moços recomendá
veis e vinculá-los a uma de suas igrejas de Veroli, Frosinone ou Scifelli,de modo
que pudessem em seguida ordená-los? Atenderíamos assim com uma só viagem
a dois escopos excelentes: desvincularíamos esses elementos de Nápoles e
faríamos que se ordenassem na Romanha.Nossos bispos napolitanos, aterrori
zados como estão, recusam-se a ordená-los.
Vê-se que a política napolitana visava o estrangulamento do Instituto. A oferta
de Benevento tinha caído como uma graça insigne. Graça também era dispor do Pe.
Caione para nomeá-lo superior. Fora preciso enviar a Scifelli esse antigo reitor de
Caposele... porque reclamavam-no para arcebispo de Conza. O Pe. Gaspar Caione,
doutor em direito civil e romano,fino letrado, poeta, grande missionário, rico de fé e
experiência,não deixaria ninguém magoado,nem mesmo—perdão!— osjesuítas. A 6
de junho, na festa do Sagrado Coração, os filhos de Afonso tomaram, pois, posse da
igreja e do convento de Gesü em Benevento, onde renderam... o batalhão de Fer
nando rv.
Reclamado com grandes clamores pelo bispo e pelo povo de Agrigento, Blasucci

672 PARTE V Cap. 46
deixava os Estados Pontifícios, voltando para a Sicília. Caione era a melhor indicação
para sucedê-lo como visitador das casas de ScifeUi e Frosinone. Mas Pedro Paulo
tanto fez que o contemplado com o cargo foi seujovem primo. Francisco de Paula.B
Afonso, confiou-o a ele, apesar de havé-lo recentemente repreendido.
A Regra proibia as quaresmas,pregações reservadas às cidadese voltadas para a
retórica pomposa. Ora, os dois amigos, Pe. Francisco e Pe. Criscuoli. viam-se já em
Roma e se esforçavam por mostrar a voz. Haviam aceitado uma quaresma em 1777.
Criscuoli, reitor de Scifelli, recebeu este bilhete de 14 de janeiro:
Meu caro Deodado,fiquei sabendo que você aceitou a quaresma de Isola
na diocese de Sora,e o Pe.Francisco a de Atina,na diocese de Aquino.Lamento
que antes de aceitá-las,nenhum dos dois me tivesse participado tal resolução.
Essas quaresmas, você bem sabe, foram-lhes oferecidas pelas prefei
turas,e nenhuma maquinação da parte dos nossos ocorreu, para que tal convite
acontecesse. Apesar disso, não quero que nem você, nem quem quer que seja
dos nossos, preguem quaresmas, sobretudo no Reino, porque nossa Regra o
proíbe e porque os operários apostólicos que buscam essa espécie de trabalho
poderiam prejudicar-se a si próprios com eles.
l^ate, pois, a qualquer preço de desculpar-se com o bispo de Sora; o Pe.
Francisco com o bispo de Aquino. Digam-lhes que fui eu quem lhes proibiu e
que levo muito a sério o fato de nossa Regra ser observada.
Quero que se dediquem ãs santas missões. Deus quer de nós as missões:
não as quaresmas. Obedeça,sejam lá quais forem as pressões das prefeituras e
dos bispos.
Francisco insiste: sua casa é pobre e as quaresmas são bem pagas. Mas o
superior geral não é daqueles que são comandados em tudo pelo econômico:
Não há dúvida,responde;a necessidade em que estamos forneceria algum
pretexto para sua quaresma. Quanto a mim,eu me recuso a tocar numa regra
estabelecida com tanta insistência por nosso Pai Falcoia. De fato, fortíssimas
razões nos interdizem essem ministério.
Deixemos Deus fazer o que quer. Ele, p)or quem trabalhamos, não nos
deixará jamais faltar um pedaço de pão.
Francisco de Paula teve então de obedecer. Mesmo sentindo a vocação para o
comando. Um pequeno incidente de 20 anos antes revelara o jovem estudante ao
fundador. No verão de 1756, Afonso estava traduzindo para o latim sua Prática do
confessor.Tomou como ajudantes Caione,Ferrara e Francisco.Ora a 14 de janeiro de
1751 escreve a Caione:
Meu caro Gaspar, muito obrigado por seu trabalho. Gostei muito dele,
porque manteve meu estilo simples.Encarreguei o estudante Francisco com a
tradução do capítulo sobre a "Assistência aos moribundos", mas ele entendeu
de fazer alta literatura em que até as minhas idéias foram mudadas. Tive de
começar tudo de novo.^®
PARTE V Cap. 46 673
Toda a correspondência de Afonso com Francisco ressente-se do espírito inde
pendente do visitador da Romanha. O superior geral vê-se reduzido a mendigar
informações,sempre com a mesma paciência. Até 19 de fevereiro de 1779. quando ele
se zanga:
Estão me pondo muito superficialmente a par dos negócios de Frosinone.
não me explicam nada a fundo. Ainda nesta noite,é através do Pe. Ficocelli que
recebo um novo informe, isto é. a conclusão do acordo com o bispo de Veroli.
MLas que espécie de acordo é esse? Em que insiste o bispo? Sobre isso tudo
nenhuma palavra, segundo velhos hábitos adotados por você, de maneira que
não vejo mais claro do que antes.
Deixe-me fazer, diz você. terminando sua carta.
Nunca o impedi de agir; mas nunca ouvi dizer que alguém estivesse tra
tando dos negócios da Congregação sem o meu parecer.
Graças a Deus, ainda não morri e nem perdi a cabeça. Sou advogado,sou
bispo: muitas vezes tive de tratar de negócios semelhantes. No momento sou
reitor-mor: p)or que, então, não me consultariam?
Por favor, escreva-me o que se faz, o que se negocia e com quem. Já dei
inúmeros conselhos,seja como bispo,seja como advogado;e será que me tornei
agora, segundo seu parecer, incapaz de tudo?
Mas basta o que já se passou. Quero de agora em diante ser informado de
tudo o que se refira ao processo da Igreja de Frosinone.^®
Pedro de Ia Gorce escreveu que"o velho gosta de terminar seus dias nas honras e
na tranqüilidade". Sob esse ponto de vista, nosso octogenário nada tinha de velho.
Assim, Scifelli e Frosinone causaram-lhe muitas preocupações. Em outubro de 1776,
no tempo em que Blasucci era visitador, escrevera-lhe:
Represento-me nossa Congregação como uma barquinha no meio do mar,
batida de todos os lados pelos ventos;e espero que Deus nos faça ver para onde
quer conduzi-la e onde quer fazê-la parar definitivamente.Se ele quer que ela vá
a pique,digo agora e senipre direi: Bendito seja para sempre sua santa vontade!
Fico, contudo, satisfeito de saber onde você está, você que dirige essas
duas casas. Se você não estivesse aí, teria muito menos confiança...
Termino aqui e não cesso de pedir a Deus que lhe conceda paciência e luz
para levar sua obra a bom termo, se é que ele a quer.
Os começos são flracos, bem que o vejo; mas de firacos começos Deus faz
surgir,quando quer,obras muito grandes,e espero,com o auxílio da Santíssima
Virgem Maria, que isso acontecerá com essas casas...
(P.S.) O Pe. Maione escreveu-me que viria ver-me segunda-feira; mas
passaram-se os dias, e ninguém o viu. Novo acidente ocorrido no curso do
674 PARTE V Cap. 46

processo tê-lo-á, talvez, posto em grandes embaraços. A barquinha irá sem

dúvida enfrentar alguma nova tempestade. Que Deus a guarde!

NOTA

1. Tannoia, m,p. 4; para todo este capitulo, c£ ibid., pp 4-i2

34. sS "ciZ,
S. Afonso, Lettere, II, p. 366.
■>-
5. De Rlsio, Croniche, p. 159.
6. S. Afonso, Lettere, pp. 230-231. 47. ATÉ A ÜLTIMA GOTA... DE SUA TINTA
7. Ibid., pp. 233-236.

pp. 351-353; Berrutl,op.cit., pp. 18-19,132-133; S. Afonso, Lettere, D. (1775-1785)

9. Tannoia, n, pp. 82-84.
10. Snmmarium, pp. 464-466; et SH 18 (1970), p. 5, n. 112. Quinze anos, idade de grandes sonhos, e muitas vezes de escolhas definitivas. A
12' S. Afonso, Lettere, H,
~ pp. 246-247. fundações, cf. TeUerla, n, pp. 566-580. idade de Daniel Comboni quando, em 1846, estudando no Instituto Mazza de Verona.
indagou-se sobre o que fazer de sua vida. Ora, alguém pôs-lhe nas mãos as Vitórias dos
14 lettere. n, pp. 227SS., 263-300. 324, 373. mártires escritas por um autor canonizado havia sete anos, Afonso de Ligório. Sua
410^11" ® seguintes: S. Afonso, Lettere. n, pp. 269-271, 291-292,372. 378-379. 385-387.408^- segimda parte é consagrada à história, recente então (1597-1633), dos mãrtires do
15." SH 12 Afonso, significava todos os Estados Pontiflcios. à exceção de Benevento. Japão. Ela o cativa, inflama, o faz decidir: irá ao Japão; ressuscitarã aquela Igi-eja de
16. S. Afonso, Lettere, H, pp. 494-495, 382, 384.
suas cinzas; muito feliz se puder ali derramar o seu sangue por Jesus Cristo. Nesse
tempo passa por Verona um missionário que busca reforços para a evangelização de
Cartum. Vai para o Sudão! E Daniel Comboni (1831-1881), com seus dois Institutos
missionários, tomar-se-á o apóstolo da África Central.^

Essa narrativa das Vitórias dos mártires, Afonso a começara em Arienzo. Numa
carta de 3 de novembro de 1774 a Remondini, em que lhe agradece a remessa de 5
volumes da Vida dos filósofos e pede "a obra de Fénelon contra Jansenius", ele
acrescenta:

Espiero que o senhor tenha recebido minha Tradução dos Salmos. Aqui ela
foi lida com agrado.

Para não perder na ociosidade os poucos momentos que me restam de

vida, comecei uma obra de piedade intitulada Vitórias dos mártires, cujos
relatos extraí dos autores mais famosos no assunto .2

Dia 9 de fevereiro de 1775:

Sua amável carta me faz saber que quer, desde sua publicação, um exem
plar de meu livro sobre Os mártires, revisto e corrigido por mim. Manifesta
também nela a intenção de oferecer-me por sua conta o sexto volume dos
Filósofos: agradeço-lhe de todo o coração.

Quanto ã obra dos Mártires, já estou no fim de minhas fadigas. Quando

chegar ao fim, não a publicarei sem que o avise antes, pode estar certo disso, e
sem enviar-lhe um exemplar.

Muitos cadernos dessa obra estão inteiramente acabados, mas para

imprimi-los com o cuidado que nisso emprego, é preciso muito tempo; tanto

676 PARTE V Cap. 47
mais que nesta avançada idade de 79 anos sofro continuamente de graves e
violentas enfermidades, e em particular de palpitaçóes de coração que amea
çam minha vida a cada instante. Só posso trabalhar pouco ou mesmo nada,e
em certos momentos quase entrego a alma.
Mas não.O que ele entregou foi a diocese e não a vida.E anuncia de Nocera em 8
de setembro:
Terminei as Vitórias dos mártires. No primeiro volume,falo dos mártires
de diversos países; o segundo é dedicado aos mártires do Japão e ajuntei-lhes
diversos opúsculos que serão muito úteis ãs diferentes classes de pessoas...
Comecei, há muito tempo, outra pequena obra muito mais trabalhada 6
utilíssima; tem o título: Procedimento da Divina Providência na realização da
salvação do homem por Jesus Cristo.Esse opúsculo encerra todas as profecias,
figuras,sinais e sacrifícios que anunciavam a vinda de Jesus Cristo; a primeira
parte já foi impressa.
Os assuntos tratados na segunda parte sáo: Jesus Cristo, a conversão dos
pagãos, a destruição de Jerusalém e da Judéia, a expansão da fé, a destruição
das heresias, a morte funesta dos perseguidores da Igreja.
A obra abrange apenas dois pequenos volumes, mas encerra muitas coi
sas. O público, segundo espero, lhe dará bom acolhimento.
A obra é dedicada ao papa Pio VI. É um "Discurso sobre a História Universal"
que nos leva para além das sendas ordinariamente trühadas por Ligório. E, entre
tanto, permanecemos no coraçáo do mistério de Cristo e da Igreja, o qual ele faz o
centro da História. É uma espécie de apologética positiva: um grande afresco bíblico
da Cidade de Deus. Mas não tentem buscar ali ternura para com os reformadores.
Após tudo isso, irá Afonso finalmente repousar? Nada disso! Ele quer ser aquele
servo do Evangelho, surpreendido pelo Mestre em pleno trabalho.
Vivo agora retirado de minha diocese,escreve ainda a Remondiniem 12 de
fevereiro de 1776, e não posso ficar ocioso. Comecei por isso uma obra mais
extensa sobre ojulgamento particular,julgamento imiversal, purgatório, anti-
cristo,ressiirreição,sinais precursores do fim do mundo,situação dos condena
dos e dos bem-aventurados, situação do mundo após o último julgamento.
O trabalho é considerável, e estou todo rijo, estendido numa poltrona,
obrigado, apesar de tudo, a ler uma infinidade de livros, porque a obra conterá
somente teologia e Sagrada Escritura. Masserá inteirinho em língua vernácula,
à exceção dos textos escriturísticos e dos Santos Padres. Tenho em mãos
magníficas obras; mas sinto falta de tempo,de saúde,e aguardo a morte a cada
dia...
O conjunto todo, na minha opinião, não dará mais do que dois ou três
volumes in-12, porque condenso as matérias, e odeio a prolixidade. Aliás, ela
aborrece a todos e não é lida por ninguém.Hoje em dia todos os leitores querem
livros sucintos e substanciosos. Assim será a minha obra, conforme espero, a
PARTE V Cap. 47 677
julgar pelas dissertações escritas até agora, porque incluo muita matéria em
pequeno número de linhas, e tudo é exposto com aquela clareza que todos.
di2em-me. apreciam em meus livros.
Tenho, aliás, apenas uma finalidade: a glória de Deus. e componho essa
obra para o bem das almas,já que ela nada contém que não coloque diante dos
olhos o fim último, a eterna felicidade ou a desgraça eterna.
De fato, nove Dissertações teológicas e morais sobre a vida eterna cabem em
um volume de 250 páginas.É o tratado sobre a escatologia que faltava à Dogmática de
Afonso.
Esse tratado propicia um incidente significativo — hoje incompreensível—entre
o autor e seu revisor eclesiástico,cõnego Salvador Ruggieri.É a respeito das crianças
mortas sem batismo.Teriam elas de incorrer na pena dos sentidos e na do dano,isto é,
no sofrimento consciente da privação eterna de Deus? Assim se exprimia Afonso,
citando santo Tomás:"Elas não terão de suportar nenhuma das duas." Depois,com
toda a objetividade, naquele século XVIII do augustinismo triunfante, ajuntava:
"Mas santo Agostinho sustenta fortemente o contrário"e, após ele,os santos Gregório
Magno,Prudente de Troyes,Isidoro, Bemardo, Alberto Magno e, entre os modernos,
Lourenço Berti, o cardeal Henrique Noris, Florent Conry e muitos outros.^
Do alto de seujansenismo,o cónego Ruggieri declarou sem rodeios que a opinião
de santo Tomás "não podia passar" e que D. Ligório devia seguir santo Agostinho.
Mas,a despeito da opinião coiTente, que será proclamada em 1794 pelo magistério de
Pio VH,Afonso recusa a correção de seu texto.Trata-se, para ele,da verdadeira face de
um Deusjusto e bom. Sente-se a vibração de sua indignação nesta insistência com o
cónego Simioli, em 15 de julho de 1776:
Já lhe escrevi por três vezes a respeito do{jensamento de santo Tomás,que
o revisor condena em meu livro e que diz não poder passar.
Não quero, repito, nem entender-me com ele, nem depender dele: quero
dep)ender do arcebispo, e farei o que o arcebispo mandar.
Fui informado de que esse modo de ver de santo Tomás é ensinado publica
mente em Nápoles no Colégio de Santo Tomás; mas o senhor revisor declara-o
inaceitável. Está bem! farei o que ordenar-me o arcebispo. Se tivesse sabido
disso antes, talvez teria renunciado a publicação da obra de preferência a
permitir que esse revisor a examinasse e atacasse santo Tomás. Os dominica
nos estão pasmados. No entendimento desse pedante, "a opinião de santo
Tomás não pode passar". Quem é que diz isso? A Igreja? Não, porque a santa
Igreja venera os ensinamentos de santo Tomãs. Tenha, então, a bondade de
poupar-me as correções que esse revisor deseja introduzir em meu livro, p>orque
quero depender unicamente do arcebispo.
Lamento todo o tempo que eu perdi com isso. O relatório sobre o livro já
está no Palácio; espero agora o que quer fazer o arcebispo, e ver se me quer dar
outro revisor,se quer deixar passar a doutrina de santo Tomás ou impedi-la de
passar. Farei o que ele disser. Paciência!®

678 PARTE V Cap. 47
Depois,em 22 de julho. Afonso atraca-se com o censor em pessoa:
Vamos à questão das crianças. Escrevi:"santo Agostinho sustenta forte-
mente o contrário": o senhor mudou e pôs: "Demonstra com fundamento o
con r o ••• Quererfazer-me dizer que santo Agostinho prova o oposto é querer
levM-me a atacar santo Tomás e a dizer que a opinião de santo Tomás é
evidentemente falsa; conseqüentemente,é querer levar-me a dizer uma men
tira grosseira pois que estaria eu asseverando algo contrário ao que penso:ora.
antes de dizer uma mentira,estaria pronto a perder a vida. É por isso que pedi
ao Pe. Benedito Cervone me obtivesse a atenuação daquela proposição:
demonstra-o com fundamento". Poder-se-ia dizer- "santo Agostinho tem por
certa, considera como absolutamente fora de dúvida etc " Peço-lhe que nào
queira que eu diga uma mentira. Como posso dizer'que santo Agostinho o
demonstra, quando não posso chegar a persuadir-me de que santo Tomás
sustente uma doutrinafalsa?Eulhe peço.eu lhe rogo de não me deixar por mais
tempo nessa inquietação. Eis que já há dois meses esse dissabor pesa sobre
mim. Peço-lhe. faça-me o favor de dissipá-lo.
Cervone.censor real. consegue que não se toque no texto de Afonso. Nomeado,
pouco depois, bispo de Aquila, recebe este bilhete do velho escritor: "Vossa Senhoria
passa a uma condição que não lhe permitirá mais ser o meu revisor,justamente no
momento em que passo a um estado que me toma incapaz de publicar qualquer
coisa .E,aliás,nesse começo de 1777 que confia ao Pe.Francisco de Paula:"Sinto-me
mm;jánáo posso ler.nem escrever;sou atormentado com uma dor de cabeça contínua
e tive de abandonar toda a espécie de esforço."®
Essas Dissertações teológicas sobre os novíssimos serão efetivamente o livro
ai deste infatigável escritor. Seu zelo e sua coragem inspirar-lhe-áo ainda algims
pequenostratados—cerca de uma dúzia desde sua volta a Pagani—que imprime com
ou entre trabalhos de mais alentado fôlego.
Condren-Quesnel.
publicou 40 páginas
Sua meta sobre
era levar O sacrifício
os fiéis de Jesus
a compreender Cristo,
todos inspiradas
os gestos, todasem
as
paiawas do sacerdote, inclusive as do cânon. para que pudessem realmente partici
par.Esse cuidado com a Assembléia que celebra era muito raro antes do Vaticano II-
Ainda quarenta páginas, em 1777. sobre a Fidelidade dos súditos. Doze anos
úntes da Revolução Francesa,o semicego de Nocera sente tremer tronos e altares. Vê
os monarcas abalar a Igreja e a fé. e serrar dessa forma o galho em que estão assenta-
os.Quem não teme a Deus.não teme o Estado.Lança um grito de alarme aos príncipes
e dá-lhescomo exemplo Constantino.são Luís.santo Estêvão,são Etelberto.Luís XIV
e Carlos Emanuel da Savôiaem sua ação pela"conversão"do Chablais.Em sua flnura
e^olheu.como vimos, um leque aberto.E na conclusão, tomou distâncias com rela-
çao a sexis heróis,enaltecendo—é possível? — a liberdade religiosa,esse "delírio" que
será condenado porGregório XVI(Mirari vos, 1832)e por Pio IX (Syllabus, 1864):
Não convém, escreve ele. usar da força para levar os súditos a abraçar a
Verdadeira religião. É preciso deixar esses meios aos tiranos de outrora que
constrangiam os homens a crer nos ídolos.Deus não força ninguém a chegar-se
a ele. Quer ser adorado por corações livres e espontâneos.
PARTE V Cap. 47 679
Dessa vez,o primeiro dos redentoristas não vai perder tão bela ocasião para que
sua antífona seja ouvida do alto:
Aos príncipes zelosos,continua,não lhes faltam meios, mais convenientes
e mais eficazes do que a força, para levar seus povos à verdadeira fé. Se lhes
viesse a faltar todos os outros recursos, que chamem a seus Estados bons
missionários: por suas santas instruções e pregações, eles alijarão os erros e
trarão à luz a boa doutrina e o verdadeiro caminho da salvação. Assim agirai-n,e
tantos outros com eles, os príncipes de que falei.
É verdade que as missões são assunto dos bispKJS. Mas a exp>eriência
demonstra que, para converter seus súditos, o zelo de um príncipe santo e
prudente vale às vezes mais do que mil bispos e outras tantas missões e missio
nários.^
Faltava levar o opúsculo a seus destinatários, que não eram os leitores habituais
deste"preceptor dos pobres". Duas coisas: editá-lo também em francês,que era então
a língua das cortes européias, e levá-lo às cabeças coroadas. Já no ano seguinte o
opúsculo foi traduzido e publicado em francês, provavelmente aos cuidados do cônego
Henrique Hennequm,de Liège, admirador de Afonso,que talvez teve contato com ele
em Roma. Ele se encarregou de enviá-lo a todas as cortes da Europa. Por outro lado,
em Roma.o cardeal Castelli deu-o de presente,tendo em vista os chefes deles, a todos
os embaixadores e ministros das potências estrangeiras. Não nos resta nenhuma das
respostas dadas ao autor por essas Majestades porque, diz Tannoia, a humildade de
Afonso, conforme seu hábito, destruía todo esse gênero de correspondência.® Se ela
não mudou o rumo da história, a Fidelidade dos súditos testemimha ao menos que o
velho bispo estava imbuído de um zelo universal que nada pxodia entorp>ecer.
Essa vigUância o torna atento às publicações antivoltairianas do antigo jesuíta
francês Claude-François Nonnotte (1711-1793). Em março de 1778. ele lhe escreve de seu
entusiasmo por elas. entabulando assim uma correspondência ativa de ao menos 15
cartas, e que durará até 1785. Eles se correspondem em latim: é a língua dos doutos,
como o francês é. a dos diplomatas. Ora.no começo de maio de 1778.corre em Nápoles
o boato da conversão de Voltaire. Afonso exulta. Prontamente retoma sua pena e seu
latim para dirigir-se pessoalmente a ele:
...Meu coração se angustiava,derramava até lágrimas amargas,escreveu-
lhe. vendo-o empregar tão mal e já há tanto tempK). os raros talentos com que
Deus o dotou; muitas vezes, apesar de minha profunda indignidade, dirigia ao
Altíssimo as mais fervorosas preces para que esse Pai das misericórdias o
levasse a abjurar seus erros e o atraísse todo ao seu amor.
Meus ardentes votos estão hoje atendidos. Sua conversão(não temo dizê-
lo)prestou melhor serviço à Igreja do que o poderiam fazer os trabalhos inces
santes.de cem congregações de missionários.
Entretanto, essa alegria universal deve ser uma alegria sem nuvens, e a
sinceridade de sua volta à Deus deve estar ao abrigo de qualquer suspeita. O
senhor devia. pois. conforme meu modo de ver. tomar a pena para recusar os
erros e os sofismas do escritor que. ultimamente, ousou arremeter contra os

680 PARTE V Cap. 47
dogmas de nossa fé(Jean-Jacques Rousseau). Por que o senhor nâo quebraria
as armas que estão nas mãos dele? Não causa ele um mal imenso a tantos
pobres moços que são arrastados pelo amor do livre pensamento a desprez^
audaciosamente a seu Deus e a não ter nenhuma preocupação com sua própria
alma?
O senhor sofre da vista, bem sei; mas o menor escrito ditado pelo senhor
prenderia a atenção do mundo inteiro. Principalmente, reduziria ao sUéncio
aqueles que querem atirar dúvidas sobre sua conversão è não vêem nela senão
uma comédia de sua parte.®
Não,nãoeraumacomédia.Mas,pena!umafalsanovela.Tristemente. Afonsopôs
de lado a carta. E Voltaire morreu naquele mesmo mês.
Naquelas mesmas semanas de maio de 1778, Ligório redigia o último opúsculo
por ele publicado. Seria por acaso que se trata de Lembretes destinados às redento-
ristinas de S.Ágata e de Scala? O essencial da vida religiosa em 44"lembretes".Seria
ainda por acaso que o mais desenvolvido desses "lembretes", o 41.°, versa sobre a
atenção para com os"pobres pecadores que vivem longe de Deiis"? Não,não é casual,
porque enviando,em 5 dejimho,10 exemplares a Santa Ágata,o Pai enviavajunto as
seguintes palavras:
Peço-lhes que leiam este opúsculo mais vezes ao ano; ao menos, procurem
todas lê-lo por ocasião do retiro particular.
Recomendo-lhes especialmente a todas que ponham em prática o número
41, ã página 12; ali lhes é aconselhado rezar pelos pecadores,e sobretudo pelos
infiéis e outros infortunados que vivem separados da Igreja. A religiosa que nâo
reza pelos pecadores prova que tem pouco amor para com Jesus Cristo. Asque o
amam desejariam vê-lo amado pelo mimdo inteiro. Recomendo-lhes, pois, os
pecadores...
Peçam também ao divino Mestre conceder-me uma boa morte, pois estoU
invadido por cruéis angústias,e tremo ao pensamento das contas que terei em
breve de prestar a Jesus Cristo...
Eu as abençôo a todas e a cada uma em particular.^®
Para com as irmãs de Scala, Afonso guardara tanto discrição quanto afeição: ele
não estava,lá em cima,com elas. Masfeito bispo,o único mosteiro que fundou foi o das
redentoristinas de S. Ágata, a quem amava como filhas. Para elas, pois, a última
publicação da pena que lhe cai das mãos. E no centro desse testamento:"os pobres
pecadores que vivem longe de Deus".
a vida,toda a obra de Afonso está nesta última insistência: as"redentoris
tinas",os"redentoristas", uma mesma palavra,e bem mais do que uma palavra: toda
a vida do Redentor a continuar.
Não publicará mais nada, salvo aperfeiçoar com acréscimos de todos os
dias, e purificar de todo o probabilismo mal compreendido a oitava edição de sua
Teologia moral. Ao aparecer em 1779, ele escreve a Remondini:"Experimentei uma
alegria indizível ao receber seis exemplares de minha nova Moral.Essa última edição
me faz morrer de alegria,como ao contrário,estaria morto de desgosto,se não tivesse
PARTE V Cap. 47 681
podido ver essa reimpressão."" A 9.® edição, em 1785, praticamente não sofirerá
mudanças,a não ser que abandonará finalmente o pesado in-fólio para aparecer sob o
formato de in-quarto que o autor reclamava havia já muito tempo.
Essa grande Moral latina de Afonso de Ligório. e seu resumo,o Humo apostoli-
cus, tornaram-se conhecidos,já em vida do autor, não somente nos Estados da Itália,
mas na Espanha e Portugal —onde foram até condenados: na Alemanha,na França e
na Bélgica; na Áustria, na Polônia, na Sérvia e na Boêmia; nas duas Américas, nas
índias e até na China.
Diz-se correntemente,com a Bibliografia do Pe. Maurício De Meulemeester,que
Afonso publicou 111 obras.Isso é verdade,em se falando do apêndice de 5 páginas até
os in-quarto de 1.500. Digamos que a edição crítica em curso — ou emperrada? —
somente de suas Obras ascéticas deve atingir 18 tomos in-quarto de 400 a 500 páginas
cada um.Então,seria Afonso \un escritor prolixo,suficientemente rico para imprimir
por conta do autor? Muito ao contrário: um homem conciso e sempre endividado. E.
contudo, é um dos grandes sucessos de livraria da história. Ele pode contar, até os
nossos dias, cerca de 20.000 edições em pelo menos 70 línguas. Shakespeare, mais
velho por uma alentada geração, traduzido, é verdade, em 77 línguas, totalizava em
1961 somente 10.602 edições.
São conhecidos,durante sua vida,53impressores-editores.Os maiores e de longe
foram os Remondini de Veneza e Bassano: João Batista (1713-1773) e seu filho José
(1747-1811). Com 18 prensas e mais de mil operários, faziam concorrência a toda a
Europa, especialmente a Paris e Augsburgo.^® Começou com eles por ocasião da 3.^
edição de sua Moralem 1757 e não teve sossego enquanto não tomaram nas mãossuas
obras espirituais: Veneza era o púlpito donde podia pregar ao mundo inteiro, o maior
centro mundial do livro depois de Antuérpia.E os Remondini acharão o negócio tão
bom que lhe escreverão:"Ainda que o senhor tenha apenas uma página para impri
mir, pode mandá-la."^"
Mas Veneza estava longe de Nápoles e o percurso, por terra(Roma)ou por mar
(Manfredônia),era longo e aleatório. Era necessário que seus manuscritos não corres
sem risco. Afonso elaborava então suas obras, tirava uma primeira impressão em
Nápoles,em número suficiente para que o tipógrafo tivesse seu lucro na venda;depois
corrigia fartamente esse texto impresso, providenciava habitualmente cópia dessas
correções e enviava a obra pronta a RemondinL "Empregue papel bom,mesmo com risco
de aumentar um pouco o preço",implorava muitas vezes o autor.E as edições iam saindo,
de 2 a 3.000 exemplares — era difícil ir mais além com a prensa de mão; mas as
tiragens iam-se sucedendo. E os napolitanos, para desespero de Remondini e a des
peito de Afonso,continuavam a imprimir obras não reelaboradas e repletas de erros.
Outros editores, em Turim, Milão, Florença, Roma, Benevento, Siracusa,
apoderavam-se de um "Ligório",dele tirando seus lucros. O copyright,inventado em
1710 pela rainha Ana Stuart, não tinha ainda aterrizado nos países do sol. Somente a
chegada da Revolução é que forçou para o Continente um estatuto firme dos autores e
de seus direitos. O editor fazia com que o autor principiante pagasse os seus riscos;
testemunhava sua gratidão para com o escritor tarimbado presenteando-o com al
guns exemplares; e os galerianos da pena tinham de dar-se por satisfeitos por serem
lidos por alguns de seus pares: 50 leitores para um livro sério, 500 para um livro
agradável, dizia Voltaire.^®
 PARTE V Cap. 47 683
682 PARTE V Cap. 47

até ao povo os princípios evangélicos. Como em todas as tentativas de mudar a

Fiel aseucarismapopulare aseuDeus,Afonso busca outro público e a glória de um partir do exterior aqui também surgiu uma moda cultural: os especialistas da
outro. A Remondini.que pede e insiste para que lhe mande seu retrato para colocá-lo moral se apoderaram da obra e com ela fizeram tal polêmica que até o autor
^ ° os autores importantes, diz um não obsti- viu-se nela envolvido e que ardeucom mais vivacidade ainda após a sua morte.
dn ® esta múmia egípcia faria uma estranha propaganda
um i^nf ^o-se
pmtor de tocaia obrigado
durante a fazer um
as refeições do orifício
bispo.^ena porta do refeitório e a colocar Ao contrário, as obras que granjearam a Afonso — mas não oficialmente
desta vez — o título de mestre do povo de Deus,foram Glórias de Maria, Visitas
ao Santíssimo Sacramento, Máximas eternas, Preparação para a morte. Prá
ele redn^ Quais forem a ciência e o rigor de suas demonstrações morais e teológicas. tica do amor a Jesus Cristo,O grande meio da oração,para citar apenas as mais
sohr«> a i, n^ímo O aparato científico. Assim, em 1759, edita uma Dissertação significativas e mais populares. Ele soube adivinhar as necessidades religiosas
Taniifni n ^ Proibição e destruição dos maus livros pela autoridade da Igreja, do povo e dar-lhes resposta no diapasâo da fé e da mentalidade populares.^®
imnres^or somente o rei tem autoridade,condena ao exílio o revisor real. o
um bei^^ul ° ao fogo.Ligório consegue acalmá-lo e a obra toma-se Para isso teve ele de forjar para si uma língua escrita.
tinha livraria. Mas isso é uma outra história. O Pe. Alexandre Di Meo
publicou ° nesse trabalho com toda a sorte de notas emditas... que Afonso náo O povo italiano dos séculos XVin e XIX não falava italiano. Falava piemontês
omos do mundo como um sábio?"!^
oinos ao respondeu, você quer então que eu passe aos ou lombardo, veneziano ou romanhol,napolitano ou calabrés. Se na Itália havia uma
língua literária — o toscano — compreendida entre os intelectuais, escrita çkdi eles e
para eles, os italianos mesmos falavam cada qual o seu dialeto regioiial. O toscano,
leiro advertidos de uma escolha deliberada, a mesma do cava- dizia Ugo Foscolo (1778-1827),é para os italianos uma língua estrangeira. O italiano é
encontro Hq r if deixara Nápoles em lombo de burro para ir ao uma língua escrita e que náo pode ser falada."
que os homor.o pobres.Por um esforço de pensamento e de expressão de
num italianof se demonstraram incapazes, ele chega a exprimir-se A principal razão disso é que o toscano formou-se, na Renascença, dentro do
somente tardiamente
torn- ^nnples que os
Afonso cabreiros
lançou do Sul
mão da nele se reconhecem. E. no entanto,
pena. solene E)eríodo latino, longo e artificial, à moda de Cícero. A vivacidade do Gênio
italiano, que crepita nos dialetos, encontrava-se aprisionada. Januário Samelli da
quela época, Gabriele D'Annunzio (1863-1938), Benedeto Croce (1866-1958) e tantos
çâo: pena? Um napolitano,o Pe.Francisco Chiovaro,dá-nos esta explica- outros de nossa época,que somente podem escrever envoltos na toga romana,são por
essa razão ''fastidiosos e muitas vezes insuportáveis"^®.
Para Afonso a imprensa nada mais é do que um meio de difusão do
Afonso sem dúvida embocava essa trombeta solene em suas defesas da juven
a entre os pobres.Como a música,a pintura,a poesia.Se não houvesse tude no tribunal de Nápoles.Sem isso,teria parecido indigente aos olhos de seus pares
nhum^^H^^ difundir seus escritos. Afonso não se teria ocupado com ne- e seria desastroso para seus clientes. Mas ele deixou esse estilo nos vestiários do
vel E^ obras de vulgarização, gênero em que é um mestre incontestá- Palácio de Justiça,falou napolitano nas Capelas da noite,e criou—é a palavra—criou
sua me a é multiplicar
nenhuma preocupação
o eco de sua palavra,literária.
atingir oEle mesmo
maior nospossível
número esclarece:
de um toscano escrito vivo e popular. Não um italiano vulgar e incorreto: em 1750,
^ soas. Não ao nível da elite: ele quer ser"educador"da massa;escreveu para compôs para seus estudantes uma pequena gramática italiana em 9 capítulos: Apon
rua. Paradoxalmente, aliãs. esse desprezo pela literatura é a tamentos para a língua toscana.^® Bem ao contrário: um italiano tomado "clássico"e
gem de seu sucesso: é em seu livro que se pode encontrar a melhor prosa que o FKDVO compreende ainda hoje muito bem.É que Afonso, na língua de então em
religiosa do século XVm italiano. vias de elaboração, teve o faro de escolher as palavras mais simples, as formas mais
•agradáveis, as palavras e formas que ficam,em virtude mesmo das leis da evolução
jgso não
^ o atraía.^ne certo que
Sentia-se jamais
apenas sonhou em
catequista. ser um dia
E professor Doutornão
primário da espera
Igreja! das línguas.

er aoutor honoris causa de qualquer universidade famosa. Quando lhe foram
oncedidas as honras do Doutorado e. extraordinariamente, mais depressa do
3 ®.^^^^Qner outro Doutor da Igreja,o bom do santo,lá no céu,terá sido sem
vida o primeiro a não se importar com isso.
O título que oficialmente lhe valeu essa honra foisua Teologia moral,obra
nao diretamente destinada às pessoas do povo, mas menos ainda aos professo
res ou aos sutis destrinchadores de casos de consciência.Escreveu-a para servir de
manual dos confessores — de seus confrades primeiro — que, longe das
discussões das escolas de teologia,como ele tinham-se dedicado à tarefa de levar
Mas quem é que vai ler, em meio a esse povo de analfabetos, o toscano que ele
fala,que ele escreve para os"abandonados"da cultura e não para escritores? Ora ele é
lido,já que as edições e traduções se multiplicam durante a sua vida.
Primeiro os padres, as religiosas,os religiosos—numerosos,muito numerosos —
não são "grandes cabeças".Então eles lêem Ligório. Lêem-no em particular: lêem-no
em comunidade; ou na igreja, nos exercícios da Vida devota de que participam de
manhã e à tarde,lá onde a missão passou.O povo ouve então as Visitas, as Glórias de
Maria, as Meditações sobre a Paixão. Ouve Ligório e gosta; e o introduz em seus
serões.
 PARTE V Cap. 47 685
684 PARTE V Cap. 47

tore Romano, dos dias 5 e 6 de novembro de 1962.

Instituição essencial da vida cotidiana,nobre,burguesa ou camponesa,ao longo 13. Enciclopédia italiana: -Remondinl"; Opere ascetiche. "Introd. gen. pp. 61-71.
do inverno,o serão é passado em conversa e leituras. Enquanto as mulheres fiam ou 14. Tannoia, III, p. 88.
costiiram,enquanto os homensfumam seu cachimbo ou consertam suas ferramentas, 15. SH 2 (1954), pp. 453-460; Berruti, op. cit., p. 47; cf. Robert Escarpit. La révolution du livre, 2a. ed..
sob a vela ou simplesmente inclinando-se sobre a chama da lareira, uma leitora ou um Unescoe PUF, Paris, 1969; Luclen Febvree Henri-JeanMartin, L*apparltiondu livre, Albin Michel, Paris. 1971.
16. SH 9 (1961), p. 385 (38); 8. Afonso, Lettere, m, p. 142.
leitor lê para todos.Nem sempre é o almanaque ou um livro dejardinagem.de cozinha 17. Berruti, op. cit., p. 257; Tannoia, I, p. 293.
ou de saúde;muitas vezes é o catecismo.narrações evangélicas, vidas de santos,obras 18. Em Mission chrétienne 174 (1973). pp. 3-4.
alimentadoras da fé e da oração.No mais pobre dos arrabaldes,na menor aldeia,encontra- 19. Cf. Encyclopaedia universalis, IX, pp. 269-271.
se sempre um leitor: o padre, "o tio padre" (que família não tem o seu?), o can 20. Ela está reproduzida em Opere ascetiche, **Introd. gen.'*, pp. 105-115; cf. Gregorio. S. Alfonso gramma-
tico.
tor da paróquia, o soldado licenciado, a mulher que fez o "conservatório". O impor 21. Cf. Robert Mandrou, De laculture populaire aux XVII® et XVIII® siècles, Stock, Paris, 1964. pp. 18-21.
tante é que o texto seja simples, condimentado com trechos que o ouvinte reterá e 36-41, 77-97; Albert Soboul, La crise de TAncien Regime, Artaud, Paris, 1970, pp. 180-181.
recontará, tomando-se assim ele mesmo um contador de estilo oral.2' 22. Sant*Alfonso poeta, Caserta, 1917, p. 48.
23. S. Alfonso, 28 (1957), p. 153.
A memória popular se enriquecerá ainda mais com cerca de 50 canções que o
missionário dos pequenos compôs, letra e música, através de meio século. Para
apreciá-lo não precisamos compará-lo nem a Dante,nem a Metastásio. Ainda uma vez
mais,ele é ele mesmo:um místico que partilha os arroubos de sua fé e de seu amor com
o povo todo simplicidade dos campos e dos arrabaldes. A música das palavras,o ritmo
das estrofes, o sabor das melodias, o fogo dos sentimentos desafiam a tradução. É
preciso recitar as canções,é preciso cantá-las em italiano ou em napolitano. Aliás,"o
júri" deu o seu voto: o voto de um povo que canta Ligório.

Dom Mário Palladino escrevia no início do século:

Somente Afonso de Ligório deu á Itália o canto popular em toda a sua

perfeição. Ainda hoje, após cento e cinqúenta anos, suas canções ressoam
através de nossos vales e montanhas e, como toda a verdadeira poesia, elas
conservam o frescor de suajuventude. Quantos poetas desde aquela época,por
entre as transformações literárias, abordaram esse gênero de poesia! Foram
elogiados durante certo período,e depois o povo os esqueceu,enquanto Afonso,
seu verdadeiro, seu doce poeta, permanece vivo em sua lembrança.22

Tão vivo que entrou na respiração de seu povo. Em particular, náo haverá um
viuc ressoe
atai sem que icíssue nas igrejas e sobre as ondas seu m
Tu scendi
■«. dalle
ji_ii — stelle, o^ Re dei
^a1
Cielo, composto certa noite em Nola. "Sem essa pastoral de santo Afonso, Natal náo é
mais Natal", dirá Giuseppe Verdi, após o serão danatividade de 1890, no palácio Dória
de Gênova.23

NOTA

1. S. Alfonso, 29 (1958), p. 9; Jean Mauzaize, Un apôtre de TAfrique au XIX® siècle, Bolonha, 1980.
2. P^a essa citação
jrara essa citação ee seguintes:
seguintes: S. Afonso, Lettere,
S. Afonso, Lettere, IIX,
m, pp.
pp. 46
467, 471-472, 472-473, 476-477.
3. Dissertazione
3. Dissertazione VI,
VT n.n 36-38, Ed.ir.H Marietti,
MnHptti Vm, vm. pp.
nn. 1054-1055.
10.54-1055
4. Denzinger, Enchiridion, n. 1526.
5. S. Afonso, Lettere, IH, pp. 479; 481-482; cf. SH 11 (1963), pp. 9-10.
6. Tannoia, III, pp. 24, 88; S. Afonso, Lettere, n, p. 408.
7. Opere, Ed. Marietti, H, p. 514.
Aviíirietüi, 11, p. 014.
Q rn
8. . os5 últimos
Tannoia, III, p. 47; cf. p. 236. — Sobre i opúsculos de Afonso, cf. De Meulemeester,Bibliogra-
phie, I, pp. 162-179.
9. S. Afonso, Lettere, n, p. 482; cf. pp. 473-476; SH 24 (1976), pp. 3-15; Tannoia, IH, p. 49-55.
10. Lettere, II, p. 488. — Cf. Opere, Marietti, IV, p. 384-389.
11. S. Afonso, Lettere, IH, p. 530; cf. Studia moralia, III, p. 122.
12. A partir de De Meulemeester, op. cit., III, (1939), p. 3, estimativa de Raymond J. Müler no L'Osserva-
 48. VONTADE DO PAPA, VONTADE DE DEUS'
(1777-1781)

As concessões de Clemente XIV somente atiçaram os apetites dos regalistas.

Com Pio VI, Tanucci sentiu-se sempre mais à vontade,legislando atrevidamente,em
nome de seu fantoche real,em todas as matériaseclesiásticas.Em 1775,os napolitanos
viram-se proibidos de ir lucrar em Roma a indulgência plenária do jubileu: Fernando
rv substituíra a visita das basílicas romanas pura e simplesmente pela das basílicas
napKDütanas. O novo arcebispo, Serafino Filangieri, cuja nomeação não prenunciava
nada de bom para Ligório', de uma forma vil vinha-se mostrando cortesão e regalista:
suprimira,de seu título, que ele era arcebispo "pela graça da Sé Apostólica". Tendo o
papa se recusado a nomeá-lo cardeal, respondera Tanucci que o rei não se furtaria a
conferir a púrpiira e algims altos dignitários do Reino.Caminhava-se para uma Igreja
nacional, cujos bispos seriam nomeados pelo poder civil para serem seus servis ins
trumentos. Uma Igreja, principalmente, desmembrada de Roma,cujas pretensões à
suserania eram — e neste particular não sem razão — detestadas.
É nesse clima que sobrevém, em 1776, o incidente da chinea. Todos os anos,já
havia séculos, no dia da festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo, o embaixador de
Nápolesjunto da Santa Sé devia pagar ao papa,um sinal de vassalagem,7.000 escudos
de ouro. Eles eram levados sobre uma cavalgadura branca, a chinea. Os napolitanos
sentiam,compreende-se,crescente aversão por esse tributo, mesmo pagando-o — que
ironia! — ao vigário daquele que disse:"Meu reino não é deste mundo".

A 29 dejunho de 1776,pois,quando o príncipe Colonna,embaixador de Fernando

rv se dirigia com grande pompa ao Vaticano para a apresentação da chinea,surgiu no
cortejo uma disputa de precedência entre os seus pajens e os do governador de Roma.
Tanucci transformou essa discussão de lacaios num caso de Estado. Mandou escrever
ao papa em nome do rei: "A experiência tem demonstrado que um ato de piora
devoção, como a apresentação da chinea, pode ser fonte de escândalo e ocasião de
desordem.Após madura reflexão,o rei decidiu que para o futuro a cerimônia não mais
se realizará... A razão, a reflexão, a humanidade, a justiça e uma sábia previdência
ditaram ao reiessa resolução,de vez que aforma da homenagem depende imicamente
de sua vontade soberana, da inspiração de sua piedade e de sua religiosa condescen
dência."

"A inspiração de sua piedade" levou-o ainda a oferecer a chinea em 1777,"mas

unicamente em testemunho de veneração pelo Príncipe dos Apóstolos".E foi a última
vez apesar dos protestos que,ano por ano.Pio VInão deixarã de levantar.^ Surge,pois,
por dez e mais anos um clima de guerra entre Roma e Nãpoles. Esse clima de guerra

688 PARTE V Cap. 48
náo deve ser perdido de vista se quisermoscompreender as peripécias que váo marcar
tão duramente os últimos anos de Afonso.
Por essa ruptura espetacular. Tanucci podiajulgar ter consagrado sua inamovi-
büidade!...Tinha feito o cálculo,sem levar em conta Maria Carolina A rainha era füha
de Maria Teresa daÁustria,irmã de José n.o"sacristão" e da infeliz Maria Antonieta.
Nao chegou a gostar nem do grosseiro Fernando IV.nem daquele velho potentado que
era Tanucci.Como sua mãe.aquüo de que ela mais gostava era do poder. Por isso. no
contrato de casamento de sua filha,ela estipulara que ajovem rainha seria admitida,
com voto deliberativo, nas sessões do Conselho de Estado tão logo desse um herdeiro à
coroa de Nápoles. Em 1775. nascera o príncipe herdeiro. Maria Carolina persuadira seU
real esposo de que a tutela do papa-o rei da Espanha-durara demais. A Áustria
esperava a sua vez. Num sábado.25 de outubro de 1776. Fernando agradecia o velho
Tanucci. que servira os Bourbons durante 49 anos. e o substituía, influenciado por
Jose n.pelo seu embaixador em Viena,marquês delia Sambuca.Beccadelli Bologna-
Dom Ligório somente podia alegrar-se com essa mudança na cúpula. Não nos
esqueçamos do feroz processo Maffei-Samelli. ainda pendente contra ele e seu Insti-
tiito. Ora,as coisas nos últimos dois anos tinham-se singularmente deteriorado. Por
decreto de 13 de outubro de 1775, Tanucci encarregara uma comissão de três mem-
bros p^a que se informasse e requeresse a respeito desse antigo caso. Pusera à sua
irente Ferdmando de Leon.advogado fiscal da Junta dos Abusos agnóstico agressivo,
que somente tinha a peito acabar com jesuítas, monges e redentoristas.^
Astucioso e eficiente. Ferdinando de Leon aceitou as denúncias locais dos Maffei
e dos Samelli. O seu relatório todo baseava-se em pontos de acusações que não
tinham perdão: os padres fizeram aquisições de bens. contrariamente à ordenança
re^ de 1752; formam uma congregação, pois que têm superiores locais, noviços e
estudantes; participam das faculdades e privilégios de outros Institutos; fundaram
c^as nos Estados Pontifícios para exportar para lã os tesouros do Reino;finalmente.
e e o mais grave,são rebentos dosjesuítas, tendo o mesmo autoritarismo e a mesma
moral relaxada.
Além disso, que necessidade hã de novas congregações e de novas voca*
Ções num país que contacom 75.000 padrese monges?...A utilidade aparente da
instrução dos pobres camponeses? Todas as coisas belas tiveram belos come-
ços. Não existe seita nenhuma no mimdo que não se tenha apresentado com
belas aparências. Depois manifestam-se o fanatismo, a ambição, etc.
Que Vossa Majestade esteja persuadido,conclui o advogado em seu rela
tório: se não se empregarem remédios fortes e eficazes,essa nova Congregação
chegarã a progredir. As outras se estabeleceram no meio de contradições; esta
vai se desenvolver do mesmo modo. Esperarão um tempo mais favorável, e
então as controvérsias atuais serão colocadas no rol das glórias do Instituto.E
meu nome.que de resto só merece a obscuridade. passará à história na Vida de
D. Afonso de Ligório. entre aqueles, dir-se-ã. que o demônio suscitou contra a
sua Congregação, como ele sempre tem feito contra as obras de Deus.'»
Mas sim, caro Ferdinando de Leon. eis-nos aqui fiéis ao encontro marcado!
PARTE V Cap, 48 689
Para dar maiores probabilidades de êxito a esse dossiê,o pruneiro-ministro.em
janeiro de 1776, tirara-o da Câmara Real para transferi-lo à Junta dos Abusos, aquele
tribunal de exceção criado e presidido por ele mesmo. Já era uma desqualiíicação,
quase uma condenação.
Recebemos esta manhã belas notícias, escreve Afonso ao Fe. Ângelo
Maione. seu procurador pessoal em Nápoles. Eu disse "belas : maneira de
aceitar com resignação a vontade de Deus.
Se essas notícias vierem a ser confirmadas,não nos restará nenhuma outra
esperança a não ser Deus. Mas Deus é mais poderoso que Tanucci e todos os
outros.5
Sabemos que nove meses mais tarde um peteleco de Maria Carolina lançou por
terra o colosso. A pedido de Afonso e de bispos amigos, o marquês delia Sambuca
remeteu logo (7 de março de 1777)o processo Maffei-Samelli à Gamara Real e a seu
presidente. Baltasar Cito.
A esse velho companheiro de estudos e de jogos, a essa Corte Suprema onde
conta com excelentes amigos. Afonso dirige, a não ser que tenha feito a Carlos De
Marco, um memorando familiar, em que refuta as acusações de F. de Leon:
Declaram contrário ao despacho de 1752 o fato de termos,em nossascasas,
superiores e responsáveis... Mas vejamos: o rei permite-nos "viver juntos .
Como fazê-lo sem hierarquia? Até as oficinas de trabalho e os rebanhos de
carneiros têm seus chefes de trabalho ou de fila. Chamemo-los reitores, priores
ou como V.Sas. queiram, é de necessidade que aqueles que vivem juntos se
coloquem sob uma direção. Se assim não for, o grupo nada mais será do que
uma justaposição de gente em desacordo, procurando cada qual seguir a pró
pria cabeça e querendo fazer com que o grupo se dobre às suas fantasias.
Principalmente na missão... seria \ama bela de uma confusão e um belo escân
dalo...
Censuram-nos porque temos noviciado e estudantado. Mais uma vez,
chamem como queiram essas casas de formação. O problema é saber se é
necessário manter a Obra das missões, substituir os elementos que venhain a
faltar.O decreto do reiexprime o desejo de que a Obra continue em seu primeiro
fervor.Como substituir os mortos e os desertores sem receber e formarjovens?
Tomar padresjá maduros? Tomá-los de onde? Eles estão bem instalados e
não têm nenhuma vontade de vir participar de nossa existência de pobres.
Principalmente se já não são muitosjovens. Quem quererá arriscar sua vida e
sua saúde viajando através das montanhas e dos ermos, sob chuva e neve,
correndo o perigo de deixar nisso a sua pele? Quantos dos nossosjá não morre
ram por causa das fadigas das missões? Se devemos mandar de volta osjovens,
isso não significa manter a Obra em seu primeiro fervor: é destruí-la.®
Essa defesa sem data é de 1777 ou de 1778? Lentamente,ela fez o seu caminho. A
12 de abril de 1779, o Pai escrevia a Maione:

690 PARTE V Cap. 48
Meu caro Pe. Ângelo,o negócio parece-me agora bem encaminhado. Dei*
xemos que Jesus Cristo ajai ele operou milagres nessas perseguições, como
você bem sabe.Ele não tolerará,estou certo,que seja destruída sua obra,obra
tão útü para os pobres pecadores. Da Calábria, das Apúlias, da BasUicata, da
diocese de Benevento,da Sicília e da Campânia romana,recebo, a respeito dos
trabalhos dos nossos padres e do bem que fazem, cartas que me têm tocado
profundamente. Deus seja por isso abençoado!
Creio agora que é bom prevenir o capeláo-mor.Dessa forma saberá do que
se trata se publicarem uma ordenança. Mas siga nessa questão o expediente
que lhe parecer mais prudente...
Minha saúde vai de mal a pior, mas asseguro-lhe que morrerei extrema
mente feliz se Jesus Cristo e Nossa Senhora me concederem ver garantida ã
tranqüilidade de nossas casas.^
Afonso esperava então uma ordenança favorável. De fato, a 21 de agosto de 1779,
Carlos De Marco publicava,em nome do rei, xim despacho reconhecendo formalmente
a utilidade da Obra das missões; autorizando a existência das quatro casas: Ciorani,
Nocera, Deliceto e Caposele; aprovando a nomeação de superiores e permitindo
aceitar moços para formá-los no ministério do Instituto.
Era lançar por terra o requisitório do procurador F.de Leon. Não hã dúvida,não
se tratava da qiiestáo dos votos. Mas esse decreto era um salto para a frente com relação
ao de 1752. E uma esperança de ir alêm, passo a passo."Se o grão-duque da Toscana
tivesse aparecido aqui pessoalmente,repetia com raiva o procurador F.de Leon,não
teria podido conseguir da Corte o que obteve essa padralhada!"®
Glória ao Pai,ao Filho e ao Espírito Santo!escreve Afonso dois dias depois
a Maione.O Pe.Cimino leu-me pausadamente o decreto.Celebrarei três missas
em ação de graças.
Apadeçamos, pois, de todo o coração a Jesus Cristo e à Santíssima Vir
gem. Tinha recomendado esse assunto a ela de modo especial.
Meus agradecimentos a C. De Marco, ao capelão-mor. Agradecimento a
você que colocou tanto zelo em fazer com que chegasse a bom termo tão
importante negócio...
Minha saúde declina; mas morro contente, garanto-lhe, se Jesus Cristo e
Nossa Senhora me fizerem ver a Congregação firmada na paz.®
Ao sentir aproximar-se essa esperança,o fundador dirige a seus filhos esta carta,
como seu testamento espiritual:
Minha idade e mais ainda minhas doenças contínuas, levam-me a crer,
caríssimos Padres e irmãos que estas são as minhas últimas recomendações:
Tenho grande motivo de regozijo,é verdade,porque a observância e a vida
regular, dizem-me,estão florescentes em nossas casas e cada qual tem a peito o
PARTE V Cap. 48 691
fim para o qual o Senhor o chsunou a este Instituto. Mas é igusdmente verdade
(fiquei sabendo com grande pesar) que muitas desordens se introduziram na
Congregação,principalmente com relação às missões.É necessário acabar com
isso a qualquer preço.
E recorda a pobreza na alimentação; a oração mental,"porque o OF>erário evan
gélico tem necessidade de ver claro para esclarecer os outros; e se quer acender a
chama do amor de Deus no coração do outro, tem de estar ele mesmo abrasado por
primeiro".
Nunca, nunca(e este ponto é de soberana importância)se permita que as
prefeituras façam despesas em nosso favor,ou que elas nos presenteiem ou nos
dêem dinheiro.Isso tomaria as missões odiosas e expô-las-ia completamente ã
ruína ou ao menos diminuiria a estima das missões, desse ministério que é a
única razão de ser do Instituto do Santíssimo Redentor...
Seguem alguns pontos de observância interna, e depois:
Essas recomendações me foram ditadas por minha afeição para com os
senhores e pelo desejo de que sejam observadas cuidadosamente.É por isso que
tomei a firme resolução de enviar cada ano, enquanto Deus o permitir, um
visitador que percorra todas as casas em meu lugar...
Tudo, nessa circular, revela a esperança diante de um futuro estabilizado.
Ora, melhor ainda,em 22 de outubro,em nome do rei, o primeiro-ministro delia
Sambuca encarrega Dom Ligório e seus missionários da pregação da "Cruzada" no
Reino. Tratava-se de reforçar a frota militar contra "os turcos" que devastavam as
costas napolitanas e sicilianas, incendiando, matando,capturando cristãos para Tú-
nis, Algéria ou Trípoli. Delia Sambuca pretendia antes siiscitar donativos do que
onerar os impostos.Obteve do papa o que Maria Carolina não ousava ainda conceder:
uma Bula da Cruzada que outorgava privilégios espirituais a quem abrisse suas bolsas
em favor dos estaleiros navais de S. Majestade. Dom Filangieri foi designado
comissãrio-geral da "Cruzada". Em fevereiro de 1778 publicou uma carta pastoral
para entusiasmar a opinião pública. Mas ninguém meteu tanto assim as mãosem suas
disponibilidades... Foi então que o Govemo pensou nos redentoristas a quem acaba
vam de conceder como que uma segunda vida.
Afonso tinha em suas veias sangue de capitão de galera. Viu sobretudo a soberba
ocasião de conseguir enfim o pleno reconhecimento legal. Mandou, pois, imprimir
uma circular pomposa, datada de 8 de novembro de 1779, e que começava assim:
Afonso Maria de Ligório, bispo pela graça de Deus e da Santa Sé Apostó
lica, reitor-mor dos padres missionários da Congregação do Santíssimo Reden
tor.
Não saberíamos dizer-lhes com que alegria, com que júbilo recebemos da
primeira secretaria de Estado uma ordenança real confiando-nos,em nome de
Sua Majestade nosso Soberano,a mais honrosa das missões. O rei nos impõem
formalmente que façamos apelo ao zelo de todos os senhores, caríssimos con-

692 PARTE V Cap. 48
frades,a fim de promover e sustentar a grande obra da santa cruzada,estabele
cida neste Reino por Sua Majestade pelos motivos indicados nessa ordenança-
Eis, para seu conhecimento, o texto desse documento:
Excelência.—Os trabalhos incessantes aos quais se entregam seus missionários
do Santíssimo Redentor com vistas á instrução dosfiéis e promoção da prática da
piedade e da religião; o zelo ardente com que espalham por toda a parte os princí
pios da sã moral,próprios aformar os bons cidadãos e os bons cristãos, atraíram a
atenção de S. Majestade,o Rei. Por isso, S.M. resolveu confiar-lhe uma missão: a dc
promover e de sustentar vigorosamente uma obra que visa unicamente a sálvaçaã
das almas e o maior bem do Estado,quero dizer,a obra da cruzada. Ele deseja,poit,
que V. Senhoria, na qualidade defundador e de reitor-mor desses missionários, os
encarregue expressamente,em nome do Rei,de explicar o maisfreqüente que pode
rem, por toda a parte em que pregarem missões, as indulgências e outras graÇã^
- enurr^radas na Bula.Exporão ao mesmo tempo aosfiéis vassalos de S. M.como nossã
Marinha tem necessidade de um indispensável subsidio para rechaçar as contínudt
agressões dos maometanos, agressões que causam os maiores males ã Igreja e ão
Estado.
Certamente que nos chamaram a atenção às expressões "zelo ardente",'s®
moral" empregados pelo primeiro-ministro e o termo "congregação" ousado poT
Afonso. Decididamente, o vento virara!
í]
Desde 1777, os advogados de Afonso e algims confrades tinham percebido a
mudança.Sem esperar um "cumpra-se" para a Regra aprovada por Bento XIV o
clima político entre Roma e Nápoles o tomava impensável — julgavam que era
chegado o tempo de pedir ao rei"um regulamento interno"como Carlos de Bourbon!
fixara um externo em 1752. Não que se pudesse pensar em tocar nas Regras e Consti
tuições canônicas, mas no único sentido de criar, para a Congregação, um estatuto
legal.O capelão-mor.Dom Mateus Testa,tinha a mesma opinião e dava boas esperan
ças. O jurista Ligório,que sabia distinguir o estatuto civil de uma obra e seu estatuto
religioso,empenhou-se nisso de corpo inteiro. Em segredo,encarregou do assunto os
dois consultores-gerais, Ângelo Maione e Fabrício Cimino. A respeito de algims boa
tos que filtraram e deformavam as suas intenções, respondeu firmemente em 4 de
setembro de 1779 ao Pe. Bartolomeu Corrado:
Fiquei sabendo que muitos se perguntam com ansiedade se não quero
estabelecer uma Regra nova, diferente da antiga.
Como é que pôde entrar no espírito de alguém talsuspeita,quando sempr®
vigiei com o maior cuidado no sentido da observância dessa Regra? Foi con
forme suas prescrições que sempre governei a Congregação, e até ao último
suspiro opor-me-eicom todas as minhas forças a que nela se mude um único i-
Há clarezae franqueza.Maso superior geral deixa na ignorância,forçosamente,o
fato das negociações de pura formalidade que devem enfim dar ao Instituto o reco
nhecimento legal. Dará a explicação disso num longo memorando de 1780, não da
tado, destinado a Pio VI:
Beatíssimo Padre, eis os fatos tais quais se passaram...
PARTE V Cap. 48 693
Não se tinha ainda o "cumpra-se" régio para o Breve apostólico que apro
vara nossas Regras. Por outro lado.em vista dos ataques do barão Samellie do
procurador fiscal F.de Leon. não se escaparia à supressão se não se tivesse um
assentimento real que nos assegurasse a mesma garantia que o "cumpra-se".
Estava-se em bom caminho,já que Sua Mqjestade aprovara superiores e res
ponsáveis pelo bom andamento interno das casas. Explicaram-me que era
necessário apresentar ao Rei,em resumo,as Regras aprovadas por Bento Xrv,
mas modificadas segundo o teor dos decretos reais de 1752 e 1779 e ajustadas à
legislação do Reino.Esse foi o parecer de nossos advogadose de meus consulto
res. E deram-me a entender ser necessário o segredo mais estrito se não se
quisesse comprometer e votar ao fracasso uma negociação tão fundamental.
Encarreguei, então, um de meus consultores, o Pe. Ângelo Maione, que
residia em Nápoles, para que conduzisse o processo Maffei-Samelli a bom
termo; e as conversações começaram.Eu tinha em Nocera, para assisti-lo, outro
consultor, o Pe. Fabrício Cimino, em cu^a fidelidade tinha muita confiança.
Meus confrades tiveram conhecimento dessas negociações;e,de quase todas as
casas do Reino, insistiram em saber que Regras iam ser apresentadas ao rei.
Estava disposto a dar-lhes satisfação: não teriam o direito de pretender infor
mações atualizadas sobre um assunto tão delicado e que os tocava a todos? Mas
fui detido por certo temor que me infundiram os dois consultores. Seria, diziam
eles, arruinar para sempre uma negociação indispensável ao corpo inteiro do
Instituto, o boato poderia chegar aos ouvidos do barão Samelli,cqjos recursos
paralisariam tudo.^°
Sente-se o afloramento da ambigüidade da situação através deste novo desmen
tido de Afonso, a 15 de dezembro, ao Pe. Corrado:
Recebi sua carta e pesei-lhe todas as expressões. Não está imaginando,
eu penso, que queira enganá-lo ou afirmar uma mentira, nem que tenha
perdido o espírito a tal ponto de permitir a menor mudança na Regra.E ixinto
final, não se fala mais disso.
Se recusam crer em mim depois de tudo isso, que posso fazer? Levarei isso
ã conta de meus pecados.
Todos esses boatos me causam grande aflição. Porque vejo claramente
que é o demônio que os espalha para lançar a confusão em nossas fileiras.
Repito: afirmo-lhe em consciência que não se faz nada contra a Regra nem
contra a observância em vigor na Congregação. Se não quiser acreditar-me,
paciência!^^
O caso estava em boas mãos: Dom Testa, cap)elão-mor, sabia até que ponto era
necessário ceder aos regalistas e tinha a peito que as providências de seu amigo
Ligõrio surtissem êxito. Maione não tinha ambição diferente. No momento,envolvi
dos nojogo,redigiram um Regulamento completamente novo.Os quatro votos foram
substituídos por um juramento de castidade e obediência. Sobre pobreza e vida
comum não havia nem uma linha. No lugar do voto e juramento de perseverança
estabelecia-se que a qualquer hora era permitido deixar o Instituto. A direção externa
do Instituto era confiada aos bispos. O reitor-mor somente tinha o comando nas

694 PARTE V Cap. 48
questões internas,e suas faculdades,singularmente reduzidas, passavam em grande
parte para seus consultores. Os capítulos gerais, a serem convocados cada 9 anos,
foram supressos; muitas outras prescrições de menor importância nâo apareciam
mais.Para dar ao Regulamento feição civil,declarava-se que a Congregação devia sua
existência aos decretos reais de 1752 e 1779. Eles deviam ser inseridos no texto e
deviam ser inviolavelmente observados por todos. A Regra de Bento XIV era assim
substituída por uma ordenança real.
Afonso era jurista muito sutil para ver nisso um grave inconveniente. Não se
tratava de um documento situando a Congregação perante o Estado? Em 1777, num
memorando à Câmara Real, escrevera que "o decreto régio de 1752 era a pedra
fundamental do Instituto"^^ para gente inteligente, a coisa era evidente! Entretanto
ele teria seguramente recusado que esses emmciados destinados ao fogo civil pudes
sem significar a exclusão prática das disposições religiosas fundamentais aprovadas
por Bento XIV. O texto, de qualquer modo, deveria ser-lhe submetido antes de ser
proposto ao Governo.De fato,em fins de setembro de 1779, Maione foi a Pagani para
apresentar o projeto ao reitor-mor. Mas...
Mas Dom Ligõrio tinha 83 anos: seus olhos gastos faziam-lhe dificil toda e qual
quer leitura;sua surdezo impedia de ouvirlongos relatórios.O memorando de Maione
estava escrito em caracteres miúdos, carregado de rasuras e correções. O velhinho
tentou ler. Apôs algumas linhas teve de desistir. Seja papa ou santo, a velhice é
incompatível como o exercício das responsabilidades. Afonso confiou isso ao cuidado
de seu diretor e vigário-geral, Pe. Villani.
Villani, de 73 anos,era o homem das alterações da Regra. Recebera sem infartos
as da Cúria Romanaem 1749.Teve o mesmo coração robusto diante das alterações do
regalismo napolitano. Tanto mais que "esse Re^amento não era mais do que uma
formalidade que não obrigava em consciência"^3. Entretanto ficou sinrpreso com a
supressão dos votos; mas Maione disse-lhe, não sem razão:"O rei não tolera os votos,
porque fazem de nõs semi-regulares. Nõs não temos de fazer a lei, mas de recebê-la do
capelão-mor.Se a Regra ê aprovada na essência,não olhemos os pormenores." Villani
tranqüilizou então o fundador—"tudo ia bem" — e Maione voltou para a capital com
uma assinatura em branco do superior.
Como fora redigido segimdo as normas do Conselho de Estado,o Regulamento
interno da Congregação do Santíssimo Redentor obteve dele sem dificuldade a apro
vação unânime.Ele ê de 22 de janeiro de 1780. Apôs 40 anos de recusa,a Congregação
obtinha finalmente um estatudo legal no Reino; a horda Maffei-Samelli-de Leon
perdera antes de haver pleiteado; o futuro das missões estava garantido. Testa e
Maione podiam estar orgulhosos,e sem dúvida o estavam.E,não duvidemos,estavam
felizes por causa de Afonso e de seu Instituto.
Uma febre,entretanto, agitou os confrades.Escreviam a Maione,a Afonso.Este
chama Tannoia para junto de si...
Em Nápoles,durante todo o mês de fevereiro,o Regulamento foise arrastando do
Conselho de Estado à Câmara de S. Clara, e desta aos Negócios Eclesiásticos, da
alçada de Carlos De Marco. A 1.° de março, o capelão-mor, finalmente, enviou um
exemplar oficial dele a Maione para ser entregue a Dom Ligõrio, com esta carta:
PARTE V Cap. 48 695
"Como fundador e reitor-mor da Congregação,leve,em seu nome,ao conhecimento de
todos e de cada um de seus membros que o presente Regulamento deve doravante
entrar em vigor para sempre, sem alteração nem redução..."
Maione era suficientemente perspicaz para prever uma tempestade. Em vez de
levar imediata e desvanecidamente sua "obra prima" a Pagani, esp)erou uma oca
sião. Ela apresentou-se na pessoa do reitor de Benevento, Gaspar Caione.
consultor-geral, que ia pregar os exercícios espirituais aos padres de Salerno.
Pagani,8 de março de 1780, no início da tarde.Chega o Pe.Caione,trazendo para
Afonso o tão esperado documento. Arrancados uns de seu dono,outros da oração, os
confrades estão todos em poucos instantes reunidos com o Pe. Villani, reitor da casa e
vigário-geral.Iriam todosjuntos ao quarto do Bispo? Hoje ele está muito doente. Mas
não ousam romper os selos sem ele. À tarde, os padres vão passar com ele um mo
mento de recreação: é todo alegre que lhes diz:
— Sexta-feira santa renovaremos nossa aceitação da Regra; nós também fai-e-
mos esse sacrifício a Jesus Cristo.
— Nós o faremos, disseram-lhe, após a leitura e apreciação do Regulamento.
Será que ele entendeu? Parece que não;e ninguém ousou forçar a situação. Mas
logo que se viram fora de seu quarto,insistiram com o vigário-geral até que ele abriu o
envelope selado. Houve verdadeira disputa das folhas soltas, que foram avidamente
lidas em grupos. É o estupor, o escândalo, a cólera. Passam a noite copiando suas
páginas. Antes do dia, acordam Afonso; expõem-lhe o massacre a que sujeitaram a
Regra; pedem-lhe justiça.
—Não é possível!... Não é possível! Repete Afonso, percorrendo as páginas fatais.
E, virando-se para Villani:
— André, não esperava ser enganado dessa maneira por você.
Depois, a toda a comunidade:
— Eu mereceria ser atado ã cauda de um cavalo: na qualidade de superior,
deveria ter lido pessoalmente... Mas,vocês bem sabem,tenho tanta dificuldade de ler
algumas linhas que sejam.
Ergue então os olhos para o Crucifixo:
— Meu Jesus, eu confiei em meu confessor. Se não podia confiar nele, a quem
poderia eu me dirigir?
E desmanchou-se em lágrimas,repetindo:"Enganaram-me!Enganaram-me!" E
ainda:"Ó Deus, não castigue os inocentes, mas o culpado que arruinou a sua Obra."
Esse culpado,sem dúvida, é ele mesmo,e com isso perde o apetite e o sono. Temem
perdê-lo.
No dia seguinte chama em seu socorro o Pe. Corrado, de Ciorani:

PARTE V Cap. 48
Estou correndo o risco de ficar louco.
Vi o novo Regulamento,obra do Pe. Maione; ele é, quase que por inteiro,
contrário aos meus pontos de vista.
Aqui todos os jovens fazem grande barulho.
Peço-lhe, abandone tudo para vir ter comigo, se não quiser receber a
notícia de que perdi a cabeça e que morri de apoplexia.^"
O primeiro ato do reitor-mor,a partir do dia 13 de março,é o de retirar, i>erante o
notário, toda a procuração do Pe. Caione para transferi-la ao Pe. Corrado. Envia
imediatamente este último a Nápolescom uma súplica ao rei e cartas para Dom Testa
e ao marquês De Marco:
Meu caro Bartolomeo bem vê que nossa Congregação está próxima de sua
ruína: o senhor deve, pois, fazer o possível para vir em seu socorro.
Envio, inclusa, a súplica endereçada ao marquês De Marco e junto uma
carta para ele: leve-a pessoalmente, ê preciso, e ponha-o a par de tudo.
tí É preciso falar claro; senão,o Pe. Maione trabalhará por baixo do pano.
É preciso dizer ao Senhor Marquês que o Pe. Maione quis aumentar o
poder dos consultores. Porque ele mesmo é um dos consultores; que em nume
rosos pontos aniquilou o poder do reitor-mor, e que semelhante desprezo de
minha autoridade impede agora meus companheiros de me testemunhar qual
quer respeito.
É preciso, num destes dias, o mais cedo possível, que você procure o
Senhor Marquês; diga-lhe que não perdi o entendimento, como o Pe. Maione
quereria fazê-lo crer. Ainda tenho uma cabeça, mas esse padre trabalha para
que eu a perca.
Para Carlos De Marco,tão regalista entretanto quanto Maria Carolina ou José H.
Afonso não tem nada aesconder:Afonso tem nele um amigo que fazsó o que pode,mas
um amigo seguro.É para tocar essa corda da amizade que dramatiza o desrespeito de
que seria objetivo de então em diante.
O fundador tenta em seguida reimir seu pessoale colocar o Céu de seu lado,como
sempre fez nos mais dias. A16 de março escreve, pois, ao Pe.Deodato Criscuoli,reitor
de Ciorani:
Não sei como não expectorei sangue após as confusões que têm agitado
tanto os espíritos na Congregação.
Quando o Pe.Maione ficou sabendo que nem eu nem ninguém no Instituto
queria saber do novo Regulamento composto por ele e não pelo rei, planejou
recorrer ao Soberano para que ordenasse fosse despedido imediatamente todo
aquele que não aceitasse esse Regulamento.
PARTE V Cap. 48 697
Graças a Deus fiquei sabendo a tempo desse plano. Revoguei por isso
qualquer procuração outorgada por mim ao Pe.Maione e escrevi ao Pe.Corrado
que extinga o incêndio que o dito padre ateará nessa ocasião: essa fogueira
esfriará, tenho essa confiança.
Enquanto esperamos, peço-lhe que voltem, você e seus padres, a Ciorani,
se ainda não começaram outra missão; e se começaram alguma, voltem logo
que a tiverem terminado.
Comecei uma novena de nove Ave-Manas e nove Glórias em honra de
Nossa Senhora para que essa boa Mãe previna toda a desgraça. Eu, aliás,
remediarei todo o mal; mas é Nossa Senhora quem deve intervir.
Faça com que rezem também todos os que nossão próximos,mas não diga
nada das perturbações que agitam a CongrcS^Ç^o» ® logo que puder vir a
Nocera, venha. Por enquanto, não é necessário que os outros o acompanhem.
Rogue a Jesus Cristo me conceda a resignação.
Personalidade complexa a do Pe. Maione. Presa da ambição? Ao menos — por
que não? da ambição do êxito. Partilhava inquestionavelmente a mentalidade
regalista? Isso é fireqüente em gente de Igreja, que se defix>nta com as ideologias
políticas do momento. Uma certa alergia à autoridade dos outros: lembramo-nos de
que o Pe. Ângelo não quis ficar com Afonso em S. Ágata. Além disso, a autoridade
agora tinha 80, 83,85 anos... com vun vigário-geral que vinha apenas 10 anos atrás... A
verdade é que o Pai sempre conservara sua confiança em Maione. Que iria agora
acontecer entre eles? Na quinta-feira santa, 20 de março, Afonso escreve-lhe.
É aos pés de Jesus Crucificado que lhe escrevo esta carta. É também a seus
pés que peço que você se ajoelhe, nestes dias em que este bom Mestre deu sua
vida por nosso amor.
Esqueçamos o passado, meu caro Ângelo,e coloquemos uma pedra sobre
tudo o que aconteceu.
Peço-lhe que volte a sua casa de Ciorani; e se essa casa não lhe agrada,
escolha a que quiser.
Tenha a certeza de que, de minha parte, eu o amarei como antes: você
poderá comprová-lo pela exi}eriência. Continuará sendo consultor como no
passado e dará seu parecerem todosos assuntosimportantes da Congregação.
Quanto a sua honra, deixe-a aos meus cuidados; meu perpétuo emiienho
será defendê-la perante todos, confirades ou estranhos.
Mantenhamo-nos em paz, rogo-lhe pelas chagas de Jesus Cristo.
Nada mais tenho que lhe dizer: procure conselho aos pés do Santíssuno
Sacramento; em seguida, responda-me quando quiser.
Eu o abençóo. Digne-se Jesus Cristo cumulá-lo de seu santo amor e
conceder-lhe a graça de ser todo dele. Como eu o desejo.

698 PARTE V Cap. 48
O fato é que Maione tinha colocado a Congregação diante de um dilema que
tomava inevitávelo desacordo entre Romae Nápoles:ou ela recusava o Regulamento
e caía sob os raios de Nápoles; ou ela o aceitava,e caía sob os de Roma. No primeiro
caso,era a supressão das casas napolitanas; no segundo, arriscava-se o rompimento
com as dos Estados Pontifícios.
O fundador recusou a alternativa e quis tentar um terceiro caminho,a ser encon
trado conjuntamente, numa reunião dos delegados de todas as casas. Convocou-a
para o dia 12 de maio, em Pagani. Urgia caminhar depressa: em Nápoles, Maione,
surdo a seu superior e Pai,se movimentava todo para"fazer expulsar da Congregação
os que não aceitassem o Regulamento";enquanto,nos Estados Pontifícios, um outro
já tomara em mãos os destinos da Congregação do Norte e se apresentava como
salvador.
l]-í Referi-me ao Pe. Francisco de Paula, reitor de Frosinone e visitador das duas
casas da Romanha.Não nos esqueçamos de seu espírito de independência. É que ele
olha mais para Roma do que para Nocera, cuja velha guarda, sempre a mesma —
Villani, Mazzini — ao redor de um reitor-mor octogenário, lhe inspirava pouco entu
siasmo. Haveria por ventura também um pouco de mania de perseguição? Numa
carta amarga do dia 2 de janeiro de 1780 ao Pe. Villani, queixava-se de ser criticado
pelos consultores; depois rogava ao admonitor oficial que lembrasse ao Bispo uma
regra, não menos venerável do que as outras: a de convocar um capítulo cada 9 anos:
até já tinha pensado em recorrer ao papa.'^
Era a gafe que não deveria acontecer! A gafe que iria precipitar a ação de uua
pequeno bisbilhoteiro intrigante, que era o Pe. Cipriano Rastelli. Teria sido melhor
que estivesse em missão naquele 12 de janeiro do que escrever de Pagani ao Pe-
Francisco de Paula esta carta estúpida e maldosa:
Os consultores tramam em grande segredo mudanças importantes que
tocam vivamente os interesses de cada um de nós. Maione, Cimino, com S.
Excelência e seu conciliábulo puseram na cabeça a idéia de conseguir a aprova
ção da Regra pelo rei. Ela dificilmente passaria. Sendo assim, eles pensam em
suprimir tudo o que é contrário ao decreto real (de 1779). Os votos e outras
coisas substanciais vão cair fora. Tudo está nas mãos de Maione sozinho.-
Pediram ao Bispo que soubesse do parecer dos outros. Não quis ouvir nada e
teve a ousadia de responder:"Quem quiser aceitar esse Regulamento ficará na
Congregação,quem não quiser,que se vá."O que infunde mais medo é que esses
dois consultores pensam em perpetuar seu despotismo.Talvezqueiram levar S.
Excelência a renunciar a seu cargo em favor de um deles. Se compreendi bem,o
alvo da operação seria o de dar um sucessor a S. Excelência para garantir,
dizem, o futuro da Congregação.
E Rastelli, o puro,encerra esta carta com uma sátira contra os dois consultores
que não conhecendo nem Regra, nem pobreza, nem vida comum,colocaram toda a
casa ao serviço de seu próprio desp>otismo!
Essa página arranca Francisco de Paula de suas hesitações. A 23 de fevereiro,
antes pois de o rei referendar o Regulamento,envia um relatório,com cópia da carta
de Rastelli, ao Pe. Filipe Zuccari, advogado e pró-secretário da S. Congregação dos
PARTE V Cap. 48 699
Bispos e Regulares. Num rápido histórico,,explica-lhe que o Instituto ®stá sem
reitor-mor legítimo desde o dia em que Dom Ligório foi nomeado bispo de S. Ágata,
por um lado,foram as comimidades,e não um capítulo regifiar, que fizeram o ixjstu-
lado de conservá-lo como reitor-mor; por outro lado o restrito pontificai que prolon
gava o seu mandato foi apresentado para aceitação em 1764 a um capítulo Por sua vez
inválido, "por diversas rasões que seria demasiadamente longo enumerai . Desde
então decorreram 18 anos sem que se realizasse outro capítulo.E agora. Dom Ligório.
com 84 anos, piede ao rei escolha seu sucessor.Ê a destruição da Regra,a mudança da
Congregação. Que fazer? Convocar um capítulo geral?... ao menos para as casas dos
Estatutos Pontifícios? Ou separar estascasas daquelas do Reino para que seja eleito o
seu próprio superior?
Zuccari recusou entrar nesse jogo e transmitir o dossiê ao cardeal Prefeito. Foi
um dos elementos de Francisco de Paula,o Pe. Isidoro Leggio, que. em fins de abril,
após a publicação do Regulamento, levou o assunto à Santa Sé.
A 15 de maio, segunda-feira de Pentecostes, abriu-se a assembléia de Pagani.
Seus debates se prolongaram até 26 de jimho. Afonso, realmente, surdo e doente,
comparece pouco às sessões.Que pode ele repetir,senão o que escrevia a 12 de abi U ao
Pe. Leggio? Refletira e rezara muito: apiós um grito de dor Enganaiam-me!
optou pela serenidade realista. Sacrificaram os votos? Eles podem ser recuperados no
juramento de obediência, que permanece, e no qual se englobará toda a vida. O
"comportamento interno"(insiste três vezes nisso) pode e deve continuar sem sofrer
mudanças. Diz, então, a Leggio e a seus confi"ades de Frosinone:
Mantenham-se todos fortemente ligados às antigas Regras, elas foram
feitas não por mim, mas por Dom Falcoia, um verdadeiro santo, e foi através
delas que a Congregação se manteve até agora...
Mudar-se-ão algumas coisas, é verdade, para não ferir os direitos do rei,
mas quanto ao comportamento interno, serão sempre observadas as mesmas
regras, como espero...
Permaneçam todos sem inquietações. Manter todas as regras do papa,os
votos por exemplo, não é possível, por que o rei não quer ouvir f^ar de votos;
masserá feito ojuramento de obediência,e essejuramento bastará para manter
as regras antigas referentes ao governo interno, sem que os direitos do rei
soôram qualquer ranhura...
Quero que haju uma só Congregação do Santíssimo Redentor,e não duas.
Se se tocouem alguns pontos de detalhe para obedecer ao rei, a coisa é de pouca
importância: o essencial é que o comportamento interno da Congregação con
tinue o mesmo que anteriormente.^®
Nenhuma Ata oficial, nenhum relatório desinteressado nos sobrou daquelas
sessões, daqueles sofirimentos. Eram dezesseis — dois por casa — menos Agrigento,
que era longe demais. Sabe-se que fizeram o levantamento das mudanças "intolerá
veis". A 26 de maio,os padres Corrado e Fábio de Bonopane partiram para Nápoles
com a missão de debatê-las com os órgãos governamentais. Três semanas de traba
lhos perdidos. A 26 de junho, antes de se separarem, os representantes do reino

700 PARTE V Cap. 48
l(t' aceitaram o Regiolamento, sub conditione: "sob uma reserva" que nâo foi explici
tada. Os mesmos votaram também por um novo Conselho Geral; algims "duros'
insistiam na eliminação dos "responsáveis", isto é, Villani, Maione e Cimino.
Julgando-se o primeiro responsável e para atenuar o golpe dos outros. Afonso depôs
seu cargo de reitor-mor. Foireeleito,náo se sabe sob que condições,e Villani também;
mas Corrado é quem se tomou vigário-geral. Fora Villani, todo o Conselho estava
renovado;Blasucci figurava nele,mas náo seu primo Francisco de Paula. Os"pontifi-
cais" abstiveram-se de votar.
Semanas düacerantes para o fundador. Até sua neutralidade valia-lhe as censu
ras de todos."Fimdou a Congregação, diziam-lhe, e é V. Excia. mesmo quem a des-
tróL" Ele guardava sUéncio, como o Cristo sob os ultrajes. Ou, às vezes, dizia com
simplicidade:"É o fiiito dos meus pecados."
Após a reimiáo de Pagani, muitos padres pediram para passar para o território
pontifício; o Pe. Sossio Lupoli para lá evadiu-se com os 12 estudantes de que era
prefeito; o eminente,ejá ancião,Pe. Caione, reitor de Benevento, irritou-se certo dia
contra esse "grupelho de jovens" que assistiam agora superior geral. Tornou-se de
imediato claro que a assembléia de Pagano apenas tomara evidente o inevitável: a
mptura.
O Pe. Francisco de Paula fazia com que isso se acelerasse: a 25 de jimho, e
novamente a 4 dejulho,sugeria... pedia"com lágrimas nos olhos" à Sagrada Congre
gação, desse um presidente autônomo às quatro casas dos Estados.
E se a Sicília aderisse, pensava,seriam cinco! Nesse mesmo mês de julho, Fran
cisco de Paula escreveu ao reitor de Agrigento, seu "irmão" Pedro Paolo Blasucci
(suas mães eram irmãs). Recebeu uma resi)osta, que era uma ducha firia:
Meu caro irmão, dizia Blasucci, recebi sua carta de 4 de julho. Sua expla
nação nada me trouxe de novo.Não vejo que necessidade havia de pressurosa-
mente dirigir,em nome de suas comimidades,súplicas à Santa Sé em favor da
antiga Regra,com vistas a impedir a aceitação do Regulamento régio.O Regu
lamento régio somente diz respeito às casas do Reino.Jamais o rei concebeu o
louco pensamento de legislar fora de seus Estados. As casas do Estado Pontifí
cio estão e estarão sempre submetidas às regras estabelecidas por Sua Santi
dade. Seus recursos somente servem para desacreditar a nossa Congregação
em Roma, pois que você a apresenta como degenerada. Você desacredita ao
mesmo tempo suas próprias casas, pois que seriam elas filhas de um corpo
malsão. Além disto, atraisobre siimprudentemente a cólera do rei que,cedo ou
tarde, informado da ordem dada por Sua Santidade, obterá da Santa Sé a
destruição de suas casas, porque não quererá tolerar, nas vizinhanças de seus
Estados, religiosos que lhe sejam hostis.
Choro ao pensamento de que seu nome figurará na história do cisma que
você prepara,como o de Donato ou de Jeroboão. Não encabece quatro superio
res seduzidos por maus conselhos,e não dê ao mundo o horroroso escândalo de
1 I se subtrair à obediência de D. Ligório, desse santo velhinho pelo papa consti
tuído reitor-mor das casas do Reino conforme os decretos do rei.^^
PARTE V Cap. 48 701
Francisco de Paula foi além. Roma infiDrmou-se discretamente em Benevento,em
Veroli. Promoveu uma investigação em Pagani, pelo intemúncio de Nápoles, Dom
Severino Servanti. Vivamente indisposta por essa nova invasão do rei, mal informada
sobre o estado de saúde de Afonso, a Cúria nâo tinha para com ele julgamento
favorável. Até Pio VI dirá;"Sei que Dom Ligório é um santo,e muito devotado a esta
Sé Apostólica, mas nesse caso ele nâo o demonstrou".
Enquanto Francisco de Paula e Leggio açulavam as secretarias romanas,
Afonso,a 24 de agosto,respondia ao cardeal prefeito Francisco Carafa que,em vista de
seus 85 anos e de suas enfermidades, enviar-lhe-ia dois padres, após o verão, para
esclarecer plenamente a verdade."Nâo esperava, acrescenta,ser tratado assim pelos
meus na idade em que estou."'®
Tudo se precipitou. Sem esperar o resultado da investigação, a S. Congregação
emitia, a 22 de setembro,um decreto provisório: as casas do reino de Nápoles ficavam
privadas dos indultos e privilégios concedidos â Congregação do Santíssimo Reden
tor e deviam considerar-se como sejamais tivessem a ela pertencido, iria ser dado um
presidente às residências dos Estados Pontifícios. E, em 25 de setembro, segma a
nomeação de Francisco de Paula. Nesse mesmo dia chegaram a Roma os dois padres
enviados por Afonso: Antônio Tannoia e Salvador Gallo. Exatamente a tempo de
colher a notícia e de levá-la a Pagani.
— Deus me basta,disse Afonso;só tenho necessidade de sua graça.O papa assim
o quer: Deus seja bendito!
Durante o dia, entretanto, foi assaltado de uma terrível tentação de desespero.
Dizia chorando:"Por causa de meus pecados é que Deus abandona a Congregação.O
demônio quer atirar-me no desespero. Ajudem-me a nâo ofender a Deus." Voltada a
paz,vira-se alegre para o Crucifixo e para Nossa Senhora:"Obrigado,Virgem Maria. A
Senhora me ajudou. Socorra-me, minha Mâe.Jesus, minha esperança, nâo serei con
fundido para sempre." A todos os que lamentam perante ele a situação,terá somente
uma resposta: "Vontade do papa, vontade de Deus."
Quer também obedecer à vontade do presidente e morrer na Congregação.Toma
a decisão de ir viver seus últimos dias como simples súdito na casa de Benevento.
Mas os conventos do Reino,que guardam a Regra,sâo ainda da Congregação,
diz-lhe Vülani.
Mesmo que seja, o papa nâo os reconhece por casas do Instituto, responde o
velhinho.
—Está certo! Vá a Benevento!Isso levantará tal celeuma que V.Excia.agravará
mais ainda a tensão entre o papa e o rei.
Afonso nâo mais falará desse propósito. Mas na primeira ocasião,a 8 de outubro,
escreverá a Francisco de Paula:
Meu caro Francisco... estou feliz por terem os padres dos Estados Pontifí
cios se colocado sob a dependência do papa,e por você ter sido nomeado seu
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PARTE V Cap. 48

NOTA

superior.As notícias da missão de Velletritambém me causam satisfação.Tudo 1. S. Afonso, Lettere, n, p. 364.

está bem,e você não podia opor-se porque era a vontade do papa. 2. Bouvier-Laffargue. op. cit., pp. 217-218; Pastor, op. cit,, vol. XVI, P. m, pp. 86-97.
3. Cf. De Maio. op. cit., p. 328.
Certamente o papa mejulgou culpado,por ter aceitado o Regulamento do 4. Tannoia. III, pp. 29-34.
rei; mas você poderia levar-lhe, através de alguma pessoa amiga, a informação 5. S. Afonso, Lettere, n, p. 362; cf. pp. 395-399.
I ; de que corríamos risco de perdertudo se não aceitássemoso Regulamento? Seo 6. SH 25 (1977). pp. 304-306.
7. S. Afonso, Lettere, II, pp. 496-497.
papa o soubesse, certamente que não me condenaria.
8. O texto do decreto. S. Afonso. Lettere, n. pp. 502-503. Para este capítulo, cf. Telleria. II. pp. 581-553;
De Meulemeester. Histoire sommaire de ia Conçrégation,pp.86-102; Tannoia, m,pp.35-39.57-69,93-132. Este
Mais tarde, quanto for o tempo oportuno,espero colocá-lo ao corrente de CQtimo, ator do drama em cena carece de recuo psicológico e histórico necessário para um julgamento sereno.
tudo e pedir-lhe a graça que desejo;é que eu não me esqueci do afeto de que me Além disso, tem medo de comprometer a canonização de seu bem-aventurado Pai.
deu testemunho apesar de minha indignidade, e esF>ero viver e morrer como 9. Para essa citaçáo e seguintes: S. Afonso. Lettere, H, pp. 502-503. 498-500, 512-513, 505-506.
servidor fídelíssimo de Sua Santidade, como fidelíssimo servidor da Igreja. 10. SH 14 (1966). pp. 223 e 231. Náo se sabe se esse memorando chegou até o papa.
11. S. Afonso. Lettere, pp. 518-519.
12. SH 15 (1967), p. 217.
Providencie, rogo-lhe, alguém me preste esse serviço junto do papa; Ior 13. O. Gregorio, in SH 14 (1966), p. 51.
que eu não posso escrever-lhe, por enquanto,e no meio das graves dissensôes 14. S. Afonso, Lettere, n. pp. 524, 524-525. 527-528. 528-529. 538.
em que estou emaranhado, somente posso resignar-me à vontade de Deus. 15. Para essa carta e seguintes: Kuntz, X. pp. 72. 75. 76-78. Kuntz é aqui o documento de base.
16. S. Afonso, Lettere, n, pp. 534-536.
17. Kuntz, X, pp. 140-142.
Quanto aos senhores, meus padres, que residem nos Estados Pontifícios, 18. SH 11 (1963), pp. 283-284.
não se esqueçam de mim em seus santos sacrifícios e peçam para mim a graça 19. S. Afonso, Lettere, n, pp. 557-559.
de uma boa morte, porque o meu fim está próximo. 20. SH 11 (1963), pp. 295-299.

Amei-os muito, a todos assim como são. O Senhor quis essa divisão: que
sua santa vontade seja sempre adorada!

Se puderem escrever-me de tempK)em tempo sobre seus sucessos, ficaria

mmto feliz. Que Jesiis e Maria os abençoem a todos! e rezem por mim.^®

Afonso fará convites a Francisco de Paula a que vã a Pagani, convites nunca

aceitos.Escreverá ao papa tentando com que o faça sair dessa difícil situação. A 24 de
fevereiro de 1781,conseguirá do rei, para seus súditos, a permissão de acrescentar aos
juramentos de castidade e de obediência, os de pobreza e perseverança; será o pri
meiro passo no caminho da imião.^o infelizmente, não terájunto de si gente eficiente.
VUlani está velho; Corrado carece de perspicácia; Tannoia, de personalidade; Bla-
succi está na Sicília...

Na indecisão, degrada-se a situação. O Pe.Francisco de Pavila, que prometera

trabalhar pela união, impacienta-se e pede à S. Congregação que termine com o
provisório. Leggio,feito procurador das casas do Estado Pontifício, insiste na manu
tenção das decisões de 22 de setembro de 1780. Obtém ganho de causa a 24 de agosto
de 1781. A S.Congregação decide que se mantenha o decreto de 1780 e que não se volte
mais ao assxmto. O Instituto está cortado em dois; os confi-ades que vivem no Reino
não são mais membros da Congregação do Santíssimo Redentor. O fundador está
entre eles.

Pio VI declarará pessoalmente aos enviados de Dom Ligório que motivos políti
cos impediram outra solução: Roma não podia perder a ocasião de acertar um golpe
no rei e na rainha de Nápoles.
O golpe acertou Afonso. Ele teve apenas uma palavra: "Já há seis meses que
minha oração tem sido: Senhor, eu quero o que tu queres."
 49."EIS-ME AQXn, MEU DEUS!"
(1781-1787)

Desde meados de dezembro, nâo caía uma gota de água em Nocera dei Pagani.
Em seus passeios diários,o velho bispo ouve o desespero daquele povo de pobres.Alô
de maio de 1779, domingo, faz com que o coloquem no púlpito e prega a p)enitência à
paróquia de Pagani. Segunda-feira vai rezar em sua capela de Nossa Senhora das
Graças. Lá, após algum tempo de silêncio, declara bruscamente às pessoas que se
agruparam ao seu redor:"Confiança!Rezem à Virgem,deixem o pecado,confessem-se
nesta semana e comunguem: domingo próximo teremos a chuva." Pensem só se a
notícia deixa de percorrer toda a região!E se não há expectativa!... Mas não.Não será a
profecia do padre que vai fazer baixar o barômetro: o céu permanece de chumbo até
domingo à tarde."Desta vez, murmiiram alguns, nosso bispo perderá a sua reputa
ção." Duas horas antes do ãngelusdatarde,o céu se cobre niom instante e toda a região
canta sob um dilúvio. Oito dias depiois, o padre Nonnotte ficará sabendo disso em
Paris!

Dez semanas mais tarde,é o Vesúvio que aterroriza a região. Entra em erupção
em 29 de julho, vomita uma alta chama e derrama sua lava ao norte, na direção de
Somma e Ottaviano. Dia 8 de agosto o vulcão volta a ameaçar Pagani que está a
ap)enas cerca de vinte quUómetros.Pelas9 horas da noite,o esp)etáculo é alucinante.O
Pe. Corsano corre ã cela de Afonso. Sustentado por Romito e Pollio, o bispo vai à
extremidade de seu corredor,cujajanela dá para o vulcão."Jesus!"exclama aterrori
zado. Faz um grande sinal da cruz e o Vesúvio se afunda em sua cratera.^

Para Afonso era menosfácil conjurar uma sentença pontifícia. A razão de Estado,
que não argumenta,que não mede os seus golpes, golpeara com mais força do que se
poderia prever. Os confrades das casas nap>olitanas "deviam ser considerados —
pesemos as palavras — como não tendo jamais sido membros da Congregação do
Santíssimo Redentor".De vez,Maione e Cimino não ousaram mais voltar"para casa";
o primeiro morreu prematuramente em 1787; o segundo serã promovido a bispo de
Cria, mas voltará,terminando seus dias em Pagani,em 1818,como "oblato", no meio
de seus irmãos. Quanto a Francisco de Paula e Leggio, queriam a presidência e a
separação, mas jamais tiveram em mira o aniquilamento do ramo napolitano. Não
pensaram que depois de deflagrar um incêndio, não se sabe até onde pode ir.

Quanto ao fundador, foi como o golpe de graça."Havia dois anos, escreve Tan-
noia, que o bispo estava no fim das forças; essa ruptura do Instituto foi como que sua
morte.Antes,ele levava o peso natural dos anos sobre um corp» extenuado e atormen-

706 PARTE V Cap. 49
tado; depois, entrou em agonia e não foi mais um homem. Quase que cessou ^
alimentar-se e de dormir; sua sobrevivência no meio de tanta amargura parec
todos como um müagre." Teve de renunciar à pregação de Nossa Senhora ® Sublinho pontos muito úteis a serem transmitidos, se lhe parecer bem, a
dos,apesar do voto que fizera.Em novembro de 1780,feztambém sua última conie
cia à comunidade.Estendeu-se sobre a eficácia da oração, sua grande utilidade,
indispensável necessidade. Todos se admiraram com o calor e com a fiuência por
manifestados. Era como que a senha transmitida a seus filhos.^
Formou-se uma úlcera no estômago.Após um grave vômito de sangue quase qoe
esteve à beira da morte;voltou a silentamente e ouviram-no dizer;"Como? Não
da Congregação do Santíssimo Redentor? Nôs não aceitamos a Regra de Bento
Se observamos a Regra do papa, por que não seríamos da Congregação?" Sua pr
funda dor aflorava assim nos seus momentos de semiconsciência. Depois,já lúci
conclmu:
— Duvidam talvez de que nós observemos a Regra que nos foi dada por
xrv. Não será por isso que somos rejeitados? Deus assim o quer. Enchamo-nos
paciência.
— Mas não,deixe de ter idéias pessimistas, diziam-lhe os confirades. Nós somos
verdadeiros redentoristas.
Acalmava-se aparentemente e voltava ao silêncio. Jamais, nesses momentos de
semiconsciência ou em seus delírios de doente, ouviram-no proferir a menor queixa
contra a Santa Sé ou contra quem quer que fosse.^
Justamente o contrário.Enquanto sofire a desgraça pontifícia e que,pela vontade
de Deus,"deve ser considerado como não tendo jamais feito parte da Congregação
que fundou,está muito felizcom aexpansão fulgurante que ela deve aosfavores de Pio
VIe ao espírito empreendedor dos padres Francisco de Paula e Leggio.Escreve em 2
de novembro de 1881 ao padre "presidente":
Ontem,22 do corrente,recebicom alegria sua carta do dia 14 que me traz a
notícia notável de sua fundação em Foligno e Gubbio e de luna casinhola de
pouso em Roma. Estou feliz por tudo isso...
Muito feliz também pela entrada de 15 noviços: você terá necessidade
deles para as missões dessas novas casas...
Agradeço-lhe a ave-maria que manda rezar todas as noites segundo a
minha intenção:tenhaem vista especialmente alcançar-me a graça de uma boa
morte.
Eu também agradeço a Deus o ter-me escolhido para começar todo o bem
que agora é feito por seu intermédio, e sobretudo por meio do papa, qué o
Senhor quis consolar abençoando tantas obras úteis às almas.
Fiquei sabendo com alegria que em breve vocês irão pregar missões por
conta das novas casas de Foligno e de Gubbio.Deus vai servir-se de você para a
: D-
1
! i'
PARTE V Cap. 49 707
promoção de sua glória através de outras mais, e pedirei ao Senhor insistente
mente essa graça.
seus confirades.
Recomendo-lhes que preguem sobre o grande meio da oração: dediquei
uma obra inteira a esse assimto. Deus quer conceder suas graças, mas com a
condição que se peça; quem não reza, não alcança.
Não cessem de repetir que é preciso ser devoto da Santíssima Virgem, se
alguém quer salvar-se.
Tomem cuidado para que em todos os sábados,em suas casas,seja feita a
pregação sobre Nossa Senhora; e que esse assunto esteja presente em todas as
nossas missões...
Seu irmão muito afeiçoado e obrigado(e, pela última vez de sua vida,ousa
assinar): Afonso Maria do Santíssimo Redentor.*
Seis meses mais tarde,o presidente põe o fundador ao corrente dos progressos da
Congregação e assegura — gentileza macabra — que por ocasião de sua morte, cada
padre nos Estados Pontifícios rezará por ele as nove missas previstas em caso de
morte do reitor-mor.
Agradeço-lhe, a você e a seus companheiros, responde em 21 de junho de
1782, a lembrança com que me honram; tenham a certeza, eu também não os
esqueço.
Desde agora eu lhe agradeço cordialmente, a você e a seus companheiros
todos, pela generosa resolução de me aplicarem as missas após a minha morte.
Escreva-me algumas linhas, quando puder: é uma alegria para mim.
O noviciado de Scifelli,com seus vinte e dois moços, me dã grande prazer:
rogo a Deus inflame-os sempre mais de seu amor.
Agradeço a Deus sem cessar o fato de conceder a suas casas prosperidade
sempre crescente. Agradeço igualmente o fato de fazer-me morrer na humilha
ção, prova de que quer perdoar meus pecados...
Peça a Deus conceda-me morrer cheio de confiança em sua Paixão.
Os jovens que me rodeiam edificam-me por seu fervor.
Repito,reze a Jesuse Maria por mim;não deixareide pedir-lhe que o encha
de seu amor.
Dito isso, eu o abraço com a mais cordial afeição, a você e a todos os seus
companheiros. — Afonso Maria.

Cap. 49
De fato, a Congregação parecia tomar impulso: em 1782, Scifelli forma 21 no^
ços; quatro outras casas se qjimtam bem depressa às quatro existentes: Spello i
cese de Foligno)em 1781,Gubbio em 1782,S.Juliano em Roma em 1783 e Cisterna
1785. Em 1783, O presidente Francisco de Paula obtém da S. Sé sua nomeação ^
superior geral perpétuo;o convento de S.Juliano, perto de S. Maria Maior,em Rom
lhe é designado como residência.
Esse fulgurante surto foi iam fogo de artifício. Seu governo autoritário,
qual Afonso alertava o outrora reitor de Frosinone,foi contraproducente para
cisco de Paula. A Cúria Romana, importunada por seu procurador Leggio. ac
intempestivas suas solicitações: votos solenes, nomeação vitalícia do procurador
seus conselheiros, etc.: seu alto crédito ruiu por terra.® E sobreveio
financeira: os noviços e estudantes sem patrimônio tinham tão bom apetite com
outros;e as novasfundações precisavam de dinheiro quando este minguava até p
Scifelli e Frosinone.
Em 1785,o Pe.Francisco de Paula pediu à Congregação dos Bispose Reg^ares a
permissão de convocar um capítulo geral. Não um capítiüo de eleições,sublmha e
superior vitalício e tem interesse em conservar seu estado-maior), mas um ^api
com miras somente —é ele quem sublinha—a recompor a observância.Impruoe
"Será um capítulo eleitoral", responde a S.Congregação. Ora,a 19 de outubro,t
cisco de Paula recebe somente 13 votos em 20 no primeiro turno; 13 votos em 2
segimdo.Estava claro que sete votantes estavam decididos a não deixá-lo passar,
então que o procurador-geral Isidoro Leggio veio com um rescrito pontifício de
outubro em virtude do qual essa eleição seria legítima e canônica pela maioria ao
luta;tinha sido feito um segimdo escrutínio somente para tentar atingir a maioria a
dois terços exigida pela Regra. E foram cantar o Te Deum. Mas aqui vale
mordazmente que Francisco de Paula,tão inquieto neste ponto ao tratar-se a®
rio, não tenha sido ele mesmo eleito segundo a Regra. Sua cotaçao, sem ^^7 '
baixava no Instituto. Baixava também em Roma,jã que o rescrito de aprovação
capítulo,com a data de 14 de setembro de 1787,recusou em bloco todas as disposiço
capitulares em desacordo com a Regra de Bento XIV a começar pelas escolas secun
rias e superiores.® Pobre Francisco de Paula!
E Afonso muito mais pobre ainda! Sua escola missionária tinha atravessado a
fixjnteira, alunos e professores. Tudo estava por ser reconstruído. Felizmente que
se apresentavam jovens. Mas não mestres. Enquanto outros recusavam, o Pe. Joa
Batista DiCostanzo aceitou abandonar as missões aos 38 anos para tomar-se "leitor
de filosofia, de teologia em seguida^, em Deliceto. Deliceto, a Penúria; Ciorani, a
Miséria."Agora,todas as casas caem em ruína,suspirava o Pai. Ah! Senhor,que tua
vontade seja feita e aconteça o que acontecer!"®
A 17 de outubro de 1780, chegara ã S. Congregação dos Bispos e Regulares o
relatório — compreensivo e favorável — de Dom Servanti sobre o Regulamento. Tres
semanas após o decreto pelo qualessa mesma Congregação aniquilava a parte napoUtó-
na do Instituto. Esse relatório não impediu a confirmação do infeliz decreto, em
agosto de 1781. Mas, corroborado por cartas de numerosos bispos, sem dúvida
contribuiu para que â S. Congregação, em 4 de abril de 1783, devolvesse a "Dom
Ligório,pelo tempo de sua vida,e acada um dos missionários que participavam de seu
ministério,asindulgênciase graças espirituais dos padres da Congregação do Santís-
I Í--
PARTE V Cap. 49 709
simo Redentor que vivem no Estado da Igreja".® Afonso impetrara o indulto "para
seus missionários";osjuristas romanos tiveram o cuidado de conceder somente a ele e
a seus missionários "tomados individualmente" (singulis), para não reconhecerem
um "corpo". Mas,com essa volta dos privilégios, a atividade apostólica retomou novo
alento.
Seis dias após, em 10 de abril, o primeiro-ministro assinava a sentença da Câ
mara Real que indeferia todas as reclamações e acusações do barão Samelli. Foi a
aceitação do Regulamento que enviava finalmente ao ferro velho a espada de Dámo-
cles suspensa havia 20 anos sobre as quatro casas napolitanas.
O fervor dos 130 retirantes,sobretudo dos moços,naquela semana santa, dentro
dos muros de Pagani,cantava, para Afonso e seu ofegante Instituto, as promessas da
Ressurreição.^®
Afonso mesmo somente pensava em morrer.Mas ele transbordava de esperança.
Repetia:"Sejam fiéis a Deus, e Deus será fiel para com a Congregação; as coisas se
ajeitarão depois de minha morte." Disse um dia ao Pe. José Cardone:"Esperava ver
restabelecida a situação antes de fechar os olhos; tenho pedido isso e continuo a pedir
a Nossa Senhora; mas não é a vontade de Deus. As coisas entrarão no lugar depois de
minha morte.""
•
Consciente de sua impotência e para previnir os sobressaltos desastrosos que
sua morte poderia acarretar, decide renunciar. Com a autorização real — o Regula
mento o impõe — convoca um capítulo geral. Em 28 de junho de 1783, escreve aos
reitores das quatro casas do reino e à de Agrigento:
De vez que minha idade avançada e minhas enfermidades me colocam na
impossibilidade de governar a Congregação, pensei em providenciar, por elei
ção, um coat^utor que deverá suceder-me após a minha morte no cai^ de
reitor-mor e que, durante a minha vida, gozará de toda a minha autoridade.
Resolvitambém fazer ao mesmo tempo a eleição dos assistentes,do procurador
da Congregação e dos reitores das casas.
Para esse fim, participei minha resolução a Sua Majestade; e tendo-se
dignado o rei aprová-la por um acórdão especial, quero que a Congregação
inteira proceda à eleição dos assistentes, do procurador-geral e dos outros
superiores, e que cada casa depute para esse efeito três de seus padres. Reali
zada essa eleição, será eleito meu coadjutor p)ela forma prescrita no Regula
mento onde se fala da eleição do novo reitor-mor após a morte de seu predeces-
sor.12
Esse capítulo realizou-se em Ciorani, de 4 a 16 de agosto de 1783, em confiante
paz: a missão continua. Pedro Blasucci, que é o único representante da Sicília, é seu
secretário. No undécimo escrutínio, por 11 votos entre 15, o Pe. Villani foi eleito
coadjutor de Afonso com futura sucessão.^® A 30 de agosto,o fundador comunica seus
resultados e assina sua última circular. Ela bastaria, se houvesse necessidade, para
provar seu devotamento, e o de todo o ramo napolitano, à Regra de Bento XIV:
Meus caríssimos padres e irmãos em Jesus Cristo, Deus se dignou em sua
infinita misericórdia abençoar o capítulo geral que teve lugar,com o consenti-

710 PARTE V Cap. 49
mento do rei,em nossas casas de Ciorani.Ele foilevado a bom termo;e,o que me
dá mais alegria, tudo se passou na paz, numa tranqüilidade perfeita
grande satisfação dos padres delegados. Todas as nossas casas receberão
com alegria,tenho essa confiança,as decisões que nele foram tomadas.Poderá
tomar conhecimento delas na cópia autêntica das atas do capítulo enviadas a
cada pessoa,e procurem,após tê-las lido em comum,conservã-las nos arquivos.
O capítulo não tinha outro mandato do que proceder às eleições. Ele confiou,
pois, ao reitor-mor e a seu coadjutor a publicação de alguns preceitos oportimos.
1.0)No que respeita às missões,encarregamos ossuperiores que as
e os reitores locais de vigiarem atentamente o comportamento dos mission -
rios,e de fiscalizarem a observância exata dos antigoscostumesestabelecidose
praticados quanto a esse gênero de trabalho; se, por conseguinte, os mission
rios pregam e catequizam com ciência, clareza, seriedade e decência que con
vêm à cátedra sagrada;se não escolhem preferentemente uma igreja a outra,se
não abandonam sem expressa permissão do superior o encargo que lhe foi
assinalado;se são edificantes e reservados nas relaçõescom as pessoas de outro
sexo,seja no confessionário,seja alhures;se não fazem visitas aosseculares seiu
permissão; se, pela modéstia, humildade, paciência, às quais estão obrigado
estreitamente pelo caráter de que estão revestidos,edificam a população,ou se,
ao contrário, não a escandalizam por sua maneira de agir; se permanecem
recolhidos na igreja ou na casa dos missionários, entregando-se ao ministéno
que lhes foi confiado, ou se não se permitem passear ou distrair-se em outros
locais; se se pode observar que reina entrè eles a caridade, a subordinação e a
santa harmonia;sobretudo,se aceitam com obediência e sem réplica qualquer
tarefa que lhes é assinalada pelo superior da missão.
Queremos e ordenamos também que,em tempo de missão guarde-se,com
grande cuidado, religiosa moderação na alimentação. Os pratos caros, tais
como firangos, pássaros, peixes raros, carnes requintadas, bolos finos e todo
gênero de doces,tudo fica proibido em tempo de missão; e se forem oferecidos
semelhantes presentes, queremos que sejam generosamente rejeitados, ve
nham donde vierem.
Ordenamos ainda que,conforme o Regulamento e segundo uso antigo,em
tempo de missão seja feita a meditação em comiun todos os dias por meia hora,
no inverno cedo, à tarde no verão.
Cada qual tenha a peito consagrar ao menos um quarto de hora à ação de
graças após a missa; e que se celebre esse tremendo mistério com o recolhi
mento e fidelidade exigidos pela igreja na celebração da santa missa...
2.0)Oneramos a consciência dos reitores locais para que não consintam na
introdução de qualquer novidade ou abuso que pudessem ferir, ainda que em
matéria leve, a santa pobreza e a vida comum que juramos; e se porventura se
tenham introduzido tais abusos, que sejam extirpados diligentemente...
Em virtude da santa pobreza e da vida perfeitamente comum proibimos a
todos a aplicação para seu próprio uso ou de outras pessoas, sob qualquer
PARTE V Cap. 49 711
pretexto que seja, da menor parte dos emolumentos,ofertas ou presentes que
lhe advierem de um trabalho ou oficio, e a qualquer título que lhe tenha sido
dada a coisa, mesmo que fosse por particular benevolência.Queremos que tudo
seja incorporado à comunidade e colocado nas mãos do superior da casa onde
resida e da qual recebe os alimentos necessáriosjunto com o que é exigido para
o honesto sustento...
Aí está o tom da circular. Os outros preceitos não têm finalidade outra do que a
de garantir a antiga observância. Como se sabe que esse texto será lido e esquadri
nhado em altas esferas, tanto em Nápoles como em Roma, a conclusão sabe dar a
César o que é de César e a Deus o que é de Deus:
Para cumprir com o dever de nosso cargo e aliviar a nossa consciência,
acrescentaremos uma recomendação geral. É nossa vontade prioritária que se
observe com a mais escrupulosa exatidão nosso Regulamento interno. Quere
mos,em segundo lugar, que se observe também de uma maneira uniforme em
todas as nossas casas todos os antigos usos tão louvavelmente praticados até
aqui,seja em casa,seja na missão.E proibimos aossuperiores autorizar o menor
relaxamento, o menor abuso.
Finalmente retiramos e anulamos qualquer dispensa ou permissão con
cedida por nós ou por nosso vigário, seja a todos em geral, seja a algum súdito
em particular; e se alguma razão a isso se opuser, tenham a bondade de
manifestá-la a nosso coadjutor.Ele examinará a questão,pesará diante de Deus
os motivos alegados, e concederá,se quiser, as permissões que lhe parecerem
necessárias.
A presente circular deverá ser lida à mesa no refeitório no começo de cada
mês: dessa maneira, ficará gravada na memória e os transgressores não pode
rão alegar nenhuma desculpa.
Tenham todos a bondade de recomendar-nos a Jesus Cristo e à SS. Vir
gem, e de rezar pela prosperidade de nosso Instituto. Damos a todos a santa
bênção. — Irmão Afonso Maria, reitor-mor.^^
Ele escreve no plural, com Vülani. Entretanto, assina sozinho; mas é uma demissão
nas mãos de seu Coadjutor, para não pensar mais a não ser no Encontro.
Hércules de Ligório, porém,faleceu bastante bruscamente em Marianella, a 8 de
setembro de 1780. A conselho de seu tio mas após madura escolha, sua primogênita,
Maria Teresa,entrou no convento de S.Marcelino. Ali professou em 2 dejulho de 1783.
Dia 11, Afonso dita para ela esta cartinha:
A notícia de sua profissão causou-me inexprimível alegria porque agora
você pode dizer a Jesus Cristo: Senhor, eu lhe pertenço inteirinha daqui para
frente.
Deve somente estar extremamente atenta em vigiar as afeições de seu
coração e em observar os seus votos.

712 PARTE V Cap. 49
De ordinário, passa-se da cela para o céu; mas há a possibilidade de passar
da cela para o inferno. O mérito não está em habitar Jerusalém, mas em viver
bem em Jerusalém.
Somente posso recomendá-la a Jesus Cristo, e fá-lo-ei de todo o coração,
pode estar certa disto.
Eu a abençôo em nome de Jesus Cristo e de Maria Santissima. confie
sempre em mim...'®
As irmás de Afonso, Bárbara e Mariana,clarissas, viveram por muito tempo em
S. Jerônimo. Seu irmão padre, Caetano, morreu em 4 de outubro de 1784, na casa da
família do bairro das Virgens.
1. -i. Afonso mesmo celebrou a-sua última missa em 25 de novembro de 1785."Jesus
Cristo não quer que continue a celebrar,disse. Seja feita sempre a sua vontade."Isso o
tomou apenas mais ávido da eucaristia."Dêem-me Jesus Cristo", suplicava muitas
vezes.E passava diante do tabemáculo grande parte do dia."Aqui está o Santíssimo
Sacramento,dizia ao criado Aleixo. Aquise comunga.Como é bonito! Duas lâmpadas
brüham noite e dia diante da hóstia consagrada. Aqui é exposto o SS. Sacramento.
Quanto tempo podemos ficar diante dele?" E no momento de partir:"Quando é que
voltaremos a visitá-lo?"'®
Mais do que nunca Nossa Senhora era depois de Deus seu primeiro amor. Man
dava que lhe lessem a vida de seus santos preferidos: Teresa de Jesus, Gregório de
Nazianzeno, Francisco de Sales, José Calazans que provara de sua mesma agonia de
fundador; mas principalmente saboreava as leituras sobre Maria Santíssima.
— Leiam-me alguma coisa sobre Nossa Senhora, pede certo dia ao irmão.
Francisco Antônio Romito toma um livro e lé. Afonso escuta,enche-se de entu
siasmo;
— Como é belo! exclamou. Que livro é este? Quem escreveu tão belas páginas?
—• Mas foi o senhor. Excelência! São as suas Glórias de Maria.
—MeuJesus,continuouentão Afonso todo comovido,muito obrigado por ter-me
concedido escrever sobre tua mãe!
O irmão anotou o fato e a data. Era o dia 25 de outubro de 1784.'^
Em sua mocidade, Afonso comprometera-se por voto a recitar o terço todos os
dias. Chegado à idade em que a memória não imprime quase que mais nada — por
falta de espaço poder-se-ia dizer — pergimtava muitas vezes:
— Já rezei o meu terço, hoje?
— Mas sim, respondeu-lhe um dia Romito com um acento de impaciência. Por
que duvidar sempre?
À,
PARTE V Cap. 49 713
Então, o velhinho todo comp)enetrado:
— Quando tenho alguma dúvida sobre meu terço, não me contradiga, porque o
que me importa é a salvação de minha alma e minha predestinação. E quando estou
incerto de meu terço, estou incerto de minha salvação.
— Então, façamos assim, retrucou Aleixo Pollio: todas as ave-marias que o
senhor rezar a mais, aplique-as por minha alma.
— Melhor seria se você se calasse, replicou gravemente o bispo. São essas pala
vras ociosas de que você prestará contas a Deus.'®
Uma das grandes alegrias do Pai era ouvir os missionários ao voltarem de seus
trabalhos. Voltava sempre nessas ocasiões insistentemente às idéias pastorais que
haviam guiado sua vida e seu combate."Pobre sangue de Jesus Cristo pisado aos pés
pelos jansenistas! dizia ele... Foi por um beijo que Judas entregou Jesus Cristo; é
também por um beijo que eles traem a Jesus Cristo e as almas... Sei que os anjos não
são dignos de comungar; mas Cristo a isso convida o homem precisamente para
aliviar nossas misérias. Todo o bem nos vem por esse sacramento; e sem seu auxílio,
tudo é ruína." Quanto mais estão os pecadores chafurdados no mal, tanto mais
precisam ser amados.Jesus Cristo não agia diferentemente... Adiar a absolvição por
meses e meses não é socorrer os pecadores, mas acabar de arruiná-los. Nossa tarefa é
ajudá-los. E jamais serão mais bem sgudados do que dando a eles os sacramentos."'®
Que se releiam ou se cantem as quase 50 canções compostas por Ligõrio para as
missões, não se encontrará ali nenhuma canção aterrorizante. Ignora o "Deus vinga
dor",e mesmo o"Senhor Deus"da liturgia ou a"Divina Majestade"dosespanhóis e de
Falcoia.Com terna familiaridade,que é toda uma teologia,dirige-se ao"bom Deus,ao
"caro Jesus", ao "Redentor cheio de amor", a "Maria, a minha bela esperança".
Ora Deus permitiu que,em seus últimos anos. Dom Ligõrio passasse pelo fogo
das mais duras provas espirituais. Como se 22 anos de doença e 24 anos de persegui
ções não o tivessem ainda purificado suficientemente, conheceu, nos anos de 1784-1785,
o abandono düacerante do Cristo na cruz. "Quem sabe, dizia chorando, se estou na
graça de Deus e se me salvarei." E dirigia-se então ao Crucifixo: "Meu Jesus, não
permita que eu seja condenado, porque no inferno o Senhor não pode mais ser
amado."
— Como vai? perguntava-lhe um visitante.
— Estou sob o flagelo da justiça de Deus.
E surgiram tentações contra a fé. "Eu creio. Senhor, repetia, e quero viver e
morrer filho da santa Igreja." Os escrúpulos invadiam livremente, terrivelmente, o
campo de uma consciência que o velhinho não podiajá dominar; somente a obediência
devolvia-lhe então uma paz precária e a comunhão. Pior, excitações voluptosas
perturbavam-lhe os sentidos, arrancando-lhe gemidos,lançando-o no temor de ofen
der a Deus.O professor J anuário Goglia,assistente de Gastão Lambertini do Instituto
de Anatomia da Universidade de Nápoles,que,em 1951-1952,estudou cientificamente
o esqueleto de Afonso, explica essas perturbações pelas graves alterações das vérte-

PARTE V Cap. 49
bras lombares e por sua ação excitante sobre os centros que comandam a inervaçao
dos órgãos genitais."Tenho 88 anos,dizia um dia,chorando,ao Pe.Criscuoli,e o ardor
de minha mocidade ainda não se extingiu." Um padre veio visitã-lo e disse-lhe:
■ Excelência,o senhor tem um ar melancólico,o senhor,a quem sempre víamos
alegre?
— Alegre? respondeu. Eu sofro um infemo.^o
Achamo-nos aquidiante de um fato psicológico clinicamente explicável.Quanto
às apariçóes do demônio que vinham tentá-lo contra a fé,contra a esperança ou contra
a humildade, que são relatadas por seu primeiro biógrafo, como distingui-las dos
pesadelos de um velhinho semi-acordado?
Ao contrário, até mesmo naqueles meses de calvário interior, seus êxtases ti-
-.Av./ v^v^xxuxciAxv^, auç; xxxc^oxxxv^ xx^v^xx^x^o iixcocí) UC CaiVaXlO 1111/^1 lUi,
,
nham testemunhas, , ~ ... . da
e foi necessário afastá-lo definitivamente . . <</^seus
igreja para que
arroubos místicos não perturbassem a assistência
Houve quem se admirasse que Ligório não tivesse escrito um tratado de mística.
Primeiro, a época cultural do iluminismo não levava a isso. Além disso, a ex^'
riência pessoal das almas tinha-no feito muito desconfiado quanto às doenças espiri
tuais e mentais que são tomadas como união passiva com Deus. Finalmente,a Igreja,
que condenara seus"amigos"Fénelon e Petrucci,só p>odia incitá-lo ao silêncio.^^ Mas,
além dos capítulos didáticos de suas obras pastorais — Prática do confessor,Homem
apostólico — onde afloram sua experiência interior,é preciso ler seus longos poemas
em que a mística se lhe escapa, penetra na "floresta solitária e escura" das rupturas
últimas para o encontró intuitivo do Amor. Sobre aquelas canções em que Afonso
vivia e fazia viver mais do que ensinava,o grande poeta Salvador Di Giacomo (1860-
1934) dizia: "Elas são meus livros de oração."22
Mas Afonso escritor jamais visou esse público de escol. Como seu mestre Fran
cisco de Sales quis fazer com que a santidade penetrasse nossalões e na Corte,Afonso,
fiel à sua escolha do mundo dos pequeninos,escreveu e pregou para levá-la ao mundo
dos lazzaronl e dos pastores. Uma de suas últimas alegrias foi ouvir a declaração a ele
feita pelo arquiteto napolitano José Mauro:
— As Capelas da noite? São freqüentadas por uma multidão de pessoas e temos
i*. li
santos até entre os cocheiros.
—Cocheirossantosem Nápoles!exclamou o bispo num sobressalto de felicidade.
Glória ao Pai... Ouviu, José? Cocheiros santos em Nápolesi^a
;l^
A16 de julho de 1787,um violento ataque de desinteria,seguido de intensa febre,
advertiu que o fim do Bispo estava perto. Ouviam-no repetir uma profissão de espe
rança que escrevera em 21 de outubro de 1785: "Morro tranqüilo, abandonado nas
mãos de Jesus e Maria;espero ir logo agradecer-lhe no paraíso." E certo dia:"Senhor,
bem sabeis que tudo o que pensei, disse,fizou escrevi,tudo foi para as almas e para a
vossa glória."
PARTE V Cap. 49 715
Em 23 de julho,em um de seus raros momentos de consciência, disse: "Eis-me
aqui, meu Deus!" depois, pela tarde: "Vem, meu Jesus". Tinham-no muitas vezes
ouvido exclamar:"Meu Jesus, parece-me que mil anos me separam da felicidade de
ver-te no Céu!"
Dia 27, pelas sete horas da manhã,creram-no morto. Poi-lhe dada a absolvição e
começaram as orações dos agonizantes. Ele voltou a si."Estou nas últunas',disse. O
médico pediu-lhe a bênção.Abriu os olhos e,com vozclara:"Que o Senhor o abençoe."
Romito e Polio atiram-se jxmtos a seus F>ês.
— Abençoe-nos, Pai.
— Nosso Senhor Jesus Cristo os abençoe!
— Abençoe todas as casas e todos os mebros da Congregação.
— Sim, disse o bispo, e os abençoou.
Todos choravam; um por um veio beijar-lhe a mão.
— Abençoe também as casas dos Estados, rogou o irmão Romito.
Ele as abençoou duas vezes. Depois,meia hora após,espontaneamente, abriu os
olhos e com voz forte: "Abençôo as casas dos Estados." Um momento depois,
pediram-lhe que abençoasse a diocese e as religiosas de S. Ágata e de Scala e ele fez o
gesto de bênção. Em seguida, espontaneamente:"Eu abençôo o rei, os príncipes, os
ministros e todos os administradores da justiça."
No dia 28, foi-lhe apresentada uma gravura de Nossa Senhora. Afonso olhou-a,
seus lábios se moveram e abriu seus braços num gesto de oferenda.
Dia 29,"dê-me a Madona",disse. Tomou-as nas suas mãos e rezou.Em seguida,
começou o estertor da morte e não o deixou mais.
Dia 30, sendo-lhe apresentado um crucifixo, manifestou o desejo de tê-lo nas
mãos; apertou-o com amor e por três vezes esforçou-se por beijá-lo.
Em suas Preces à divina Mãe para cada dia da semana, Afonso escrevera:"Ó
minha Rainha, perdoai minha audácia: vinde pessoalmente, antes de eu expirar,
consolar-me com vossa presença. Essa graça, vós a fizestes a um grande número de
vossos servidores; quero-a também para mim e a espero... Ó Maria,eu vos espero; não
me recuseis esse consolo. Ora, dia 31, pelas seis horas da tarde, enquanto tinha
entre as mãos a imagem da Virgem, viram de repente inflamar-se seu semblante e se
tomar resplandecente, enquanto falava baixinho e sorria para a Madona. Uma hora
após, renovou-se o mesmo "encontro" perante três outros padres.
No dia seguinte, 1.° de agosto,os confrades iam chegando,como por milagre, de
todas as casas. De tempo em tempo apresentavam-lhe o crucifixo, e ele o apertava
com amor,sem dar-se conta de que não era o mesmo.Pelo meio-dia, puseram-lhe nas
mãos sua cara Madona.E eis que sem contração alguma,sem um suspiro de dor, no

716 PARTE V Cap. 49
meio de sexis filhos em lágrimas e em oração,tendo nas mãos sua imagem da
expirou no Senhor ao som do ângelus.^® Contava 90 anos. 10 meses e um dia. Tirm
I ! salvo erro, 98 filhos nas Duas Sicílias e 85 (quase todos napolitanos) nos Estados
Pontifícios.2®
Ferdinando de Leon também morrera em sua banheira;o comissário Samelli,em
sua carruagem; e Maffei, nâo sei onde. Este último deixava uma viúva, seis filhos e
30.000 ducados de dívidas. Uma nuvem de credores desabou sobre aquela pobre
família a que veio faltar o páo."Tudo o que puderem fazer para ajudar os filhos de
Maffei, façam-no", escrevera pouco antes Afonso a Tannoia.^^
Restava a divisão do Instituto. Mas o fundador predissera-lhe o fim. Até viu,em
vida,os primeiros passos da união: havia troca de missionários entre os dois ramos,ao
sabor das necessidades pastorais;os sufrágios para cada defunto eram feitos em toda
a família afonsiana; favorecidos pelo cardeal Banditi, houve entre os delegados das
'i I
i,! duas partes conferências em Benevento,em 1786 e 1787. A morte de Afonso, venerado
por quase todos como fundador e pai, aproximou os corações e estimulou os arrepen
dimentos. Subsistia o Regulamento.
Blasucci e seus padres da Sicília tinham-se subtraído a ele. O Regulamento se
impunha às quatro casas de Nápoles. Sob o mesmo rei e sob o mesmo governo,eram
entretanto de outro reino,a Sicília; e não eram uma casa, mas um grupo de missioná
rios volantes hospedados pelo bispo de Agrigento.Entretanto,fino diplomata que era,
Blasucci fora pessoalmente ao capítulo de Ciorani, em 1783, por veneração para com
Afonso e para não romper com as casas napolitanas. Inabilmente, Villani exigiu a
aceitação do Regulamento na Sicília. Blasucci contemporizou e prociurou ganhar
tempo com evasivas. Quando, em 1786, diante de nova recusa, VUlani declarou os
sicüianos excluídos do Instituto. Blasucci obteve da Santa Sé ser agregado,com sua
comunidade, à Congregação governada por Francisco de Paula. Tomava-se nova
mente redentorista, sem nada dizer em Pagani, para não agravar a ruptura oficial-
Ora em setembro de 1788, Fernando IV proibiu a todos os religiosos do Reino a
dependência de superiores estrangeiros e a participação em capítulos realizados em
países estrangeiros. Razão? Eles tinham somente de ater-se às Regras que tinham
aceito quando de sua profissão. Por uma deliciosa ironia, os sicüianos obtiveram
assim,da parte do Governo que não sabia o que estava fazendo, vun decreto de 17 de
abrü de 1790 pelo qual voltavam à Regra de Bento xrv. Os napolitanos imitaram
Blasucci e conseguiram a mesma frijunçâo a 9 de outubro de 1790. O Regulamento
estava morto.Pio VI permite a convocação de um capítulo geral de unificação.O P®;
Leggio foi(im dos mais ardentes promotores da reunião.E o Pe.Pedro Paulo Blasucci
foi eleito reitor-mor de todos os filhos de Afonso.^®
O fundador profetizara um dia:
Não duvidem de que a Congregação se manterá até o dia do julgamento,
porque ela não é obra minha,masobra de Deus.Enquanto eu viver ela vegetará
na obscuridade e na humUhação,mas após a minha morte desdobrará as suas
asas e se estenderá, principalmente para o Norte.
Ora em outubro de 1784, dois homens do Norte apresentaram-se ao primeiro
PARTE V Cap. 49 717
convento cqjo ângelus tinham escutado. Clemente Maria Hofbauer e Tadeu Hübl
entravam assim nos redentoristas de S. Juliano, em Roma.
Informado da Admissão desses dois alemães ao noviciado e seu ardente desejo de
retornarem à sua pátria para fundar em Viena uma casa do SS.Redentor,os napolita
nos perguntaram-se se seus irmãos dos Estados não haviam jjerdido a cabeça. Riam-
se daquela casa alemã; mas ficaram atônitos ao ver que, com seu espírito profético,
Afonso pensava de modo muito diferente."Quando lhe deram a informação do pie
doso desígnio daqueles estrangeiros, diz Tannoia, ele experunentou uma grande
alegria." E logo, como se os véus que nos encobrem o futuro tivessem desaparecido,
anunciou os desígios de Deus."O Senhor, disse, vai servir-se desses dois homens, e
podem estar certos de que ele propagará através deles sua glória naqueles países
longínquos.Desde a supressão dosjesuítas,aquelas regiões estão semi-abandonadas.
Mas as missões deverão ser diferentes das nossas. No meio dos luteranos e calvinistas,
as instruções são mais úteis do que os sermões. É preciso começar por fazer rezar o
credo, e depois dispor o povo a deixar o pecado. Aqueles bons padres poderão fazer
muito bem, mas têm necessidade de maiores luzes." Depois, ouvindo somente seu
zelo, Afonso ájuntou:"Eu vou escrever-lhes"; maslembrando-se logo que não era mais
seu superior disse: "Deus não quer que eu meta a mão nisso. Meu Deus, aumente
minhas humühações, e que tudo seja para sua maior glória!"^®
Para a maior glória de Deus,e também para a do seu fundador, os missionários
redentoristas evangelizam hoje (1982) em toda a Europa, nas duas Américas, na
Oceania,em sete países da África e no sul da Ásia, de Bagdá a Tóqxiio.
Oito meses após a morte de Afonso de Ligório,sob a pressão do povo e do clero,
abria-se o processo informativo com vistas à sua canonização. Pio VI dispensou dos
dez anos de intervalo exigidos antes da introdução da causa em Roma.Para começo
de jogo,o promotor da Fé — chamado também de advogado do diabo — objetou que
não se podia pensar em elevar aos altares esse culpado do Regulamento,eliminado da
sua Congregação pelo papa.Foi ainda Pio VIque assinouo decreto impondo silêncio a
essa sinistra história. A 7 de maio de 1807 foi publicado o decreto sobre a heroicidade
das virtudes de Afonso. Mas o Santo Padre foi afastado de Roma e tudo sofreu um
retardamento de dez anos...
Porém,em Santa Maria das Virgens,alguém reabre religiosamente,à página 127,
o registro dos batizados do ano de 1696. A margem da ata do batizado de Afonso de
Ligório, uma mão escreve: "Beatiflcado em setembro de 1816"; depois, uma outra:
"Canonizado em 26 de maio de 1839"; e,finalmente,\nna terceira:"Declarado Doutor da
Igrejaem 23 de março de 1871".E não sobra maislugar para acrescentar:"Proclamado
padroeiro dos confessores e dos moralistas em 26 de abrü de 1950".
Em 1957, D. José de Luca, grande conhecedor da história da espiritualidade,
escrevia:
Desse séciüo(das Luzes),Afonso de Ligório é certamente o napolitano cujo
pensamento voou mais alto. Ele sombreia com J. B. Vico, ao menos para quem
não situa a altura do pensamento somente na filosofia. Na história da Igreja,é
ele a mais vasta inteligência após o ano de 1500,como santo Tomás o foi após o
ano 1000...
718,. PARTE V Cap. 49

Deixemos tudo isso e todo o resto, que se poderia dizer para a glória de
Santo Afonso, para lembrarmo-nos de que ele nos deixou,a nossos padres, a nossos
fiéis, alguns livros entre os mais caros à nossa alma. Ele colocou sobre os lábios
de todos, mesmo dos analfabetos as palavras de Teresa de Ávila e de João da
Cruz. Sugeriu ao povo as palavras mais elevadas nas fórmulas mais humildes,
os sentimentos mais extáticos no vocabulário mais simples.
ÍNDICE
Criou, entre os simples, corações de santos, e de grandes santos.^^
Prefácio 7
Introdução u
NOTA
Bibliografia 13
1. Taimoia, m,pp. 59-60, 168; Tellerla, n, pp. 601-603.
2. Taimoia, m,pp. 156 e 150.
3. Ibid., p. 136. Primeira parte
4. S. Afonso, Lettere, ü, pp. 619-620, 627.
5. Kuntz, XI, pp. 25-28.
6. Acta capitolorum generalimn, pp. 51-81; cí SH 18(1970), pp. 250-312.
"NOTÁVEL,JOVEM E RICO"(1696-1723)
7. S. Afonso, Lettere, II, p. 620, 623. 1.0 ano de 1696 no reino de Nápoles 21
8. Tannoia, m,p. 148. 2."Duques, não; mas cavaleiros" 27
9. Documenta authentica falcutatum, p. 37; cf. Tannoia, HI, pp. 137-142. 3. Berços e vidas 35
10. Tellerla, n, pp. 692-693; Kimtz, X, p. 452. 4."O que serã então este menino?"(1696-1708) !! 43
11. Tannoia, m,p. 144. 5."Com inteligência viva e com todas as suas forças"(1703-1708) 55
12. S. Afonso, Lettere, n, pp. 640-641. 6. Nas grandes horas de Nápoles (1707-1711) 65
13. As atas dos Capítulos: Analecta 2(1933). Ele ordenou que se encarregasse um grupo de padres de 7. Rua dos Tribunais (1708-1713) 71
redigir um comentário do Regulamento. Esse comentário: SH 8(1960), pp. 3-39; 14 (1966), pp. 48-92. 8."Desenho, pintura, arquitetura, em que Afonso fez maravilhas..." 83
14. S. Afonso, Lettere, n, pp. 644-651.
15. Ibid., n, p. 642; cf. pp. 567, 582, etc.
9."Sou doido pela música!" 91
16. Tannoia, ni, p. 157; Berruti, op. cit., p. 133.
10. Advogado aos dezesseis anos (1713-1723) 97
17. Pietas alfonsiana, p. 70.
11. Ó mundo, oferece-me tudo, tua oferta será vã (1710-1723) 111
18. Berruti, op. cit., p. 150. 12. Processo perdido ou causa ganha? (1723) 125
19. Tannoia, m,p. 152-153.
20. Tannoia, m,pp. 159-161; SH 6(1958), p. 76.
21. CL SH 1 (1953), pp. 169-197. Segunda Parte
22. Citado por Gregorio, Monsignore se diverte..., p. 235.
23. Tannoia,m,p.168.Para a seqüência,pp.170-201;cf.SH235(1977), p.308;Berruti,op cit dd 119 120 "VAI, VENDE TEUS BENS E SEGUE-ME"(1723-1732)
24. Opere asceticbe, Vn, p. 479. '
25. A gravura da Virgem com que Afonso conversou, a gravura que tinha nas máos no momento de sua 13. Os anos de Seminário: Formação e... Deformação? (1723-1726) 141
morte é religiosamente conservada pelos padres redentoristas de Paris. 14. Os anos de Seminário: Os encontros para a vida (1723-1726) 153
26. Kuntz, XI, p. 324. 15. Missões e Ministérios (1724-1726) 165
27. Summarium, p. 433; Telleria, I, p. 403. 16. Sou padre (1727-1728) 177
28. De Meulemeester, Histoire sommaire..., pp. 98-102. 17. As "capelas da noite" (1728-1732) 187
29. S. Alfonso,4(1933), p. 200. 18. No Colégio dos Chineses (1729-1732) 201
30. Tannoia, n, p. 148. 19. Em missões... Além de Éboli(1727-1730) 215
31. De Luca, S. Alfonso il mio maestro, p. 131. 20. Em missão... na cidade de Scala (1730) 227
21. Maria Celeste Crostarosa (1730-1731) 235
22. Fazendo a Jesus Cristo o sacrifício de Nápoles(1731-1732) 257

Terceira Parte

"DIRIGI-VOS, ANTES, ÀS OVELHAS PERDIDAS(Mt 10, 6)(1732-1762)

23.0 voto do Fundador (novembro-dezembro de 1732) 279
24."Ainda que tivesse de ficar sozinho"(janeiro-maio de 1733) 293
25."Estas pedras de Scala"(junho-dezembro de 1733) 311
26."Estes lugares se tornaram um paraíso"(1734-1735) 325
27. Em Ciorani, a casa-mãe...(1736-1741) 343
28."Nossos métodos são diferentes" 363
 29.Em "Exílio" Às portas de Nápoles(maio de 1741-agosto de 1742)
30. Ligório ou Falcoia? (1742-1743)
31. Cenáculo e Pentecoste (1743-1745)
i|! 32."Nascido para o bem de todos F>or sua vida, sua ação e sua pena" .g
(1744-1748)
33."Meu purgatório, aqui em Nápoles"(1747-1748)
34. A Congregação do Santíssimo Redentor (1748-1750)
35. O servidor de Maria (1750-1756) ^g
36."Um grande debate em que se pesam os prós e os contras"(1752-1762)
|
37. Nenhum minuto a perder (1754-1762)

Quarta Parte

"EU SOU O BOM PASTOR"(1762-1775)

38."Deus me expulsa da Congregação"(março-abril de 1762)
39."Temos um santo como Bispo (abril-julho de 1762)
40."Assim, o Bispo se suicida!"(1762-1763)
41."Deus nos apanhará pela fome"(1763-1764)
42. Bispo de Santa Ágata dos Godos(1763-1767)
43. Bispo para a Igreja Universal (1762-1774)
44."Temo menos as perseguições do que nossas infidelidades (1766-1775)
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45."Tiraram-me dos ombros o Monte Tabumo (1768-1775) °

Quinta Parte

"PARA ONDE NÃO QUERES..."(1775-1787)

46."Estou em Nocera e aqui me encontro no paraíso"(1775-1778)
47. Até à última gota... de sua tinta (1775-1785) ^„
48."Vontade do Papa, vontade de Deus"(1777-1781)
49."Eis-me aqui, meu Deus!"(1781-1787)

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