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ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO 165

O jornalismo na era dos conglomerados globais


Virgínia Pradelina da Silveira Fonseca1

Introdução é uma série de situações estáveis, pontuadas


em intervalos raros por eventos importantes
O presente ensaio visa refletir sobre as que ocorrem com grande rapidez e ajudam
implicações para a atividade social chamada a estabelecer a próxima era estável.
jornalismo da introdução das novas tecno- A profundidade das transformações que
logias de comunicação e informação e do vêm ocorrendo no mundo desde o final do
regime de acumulação pós-fordista nas in- século passado, mais precisamente a partir
dústrias da mídia jornalística contemporânea. da década de 1990, permite a Manuel Castells
Para isso, primeiramente, faz-se uma breve (2000), por exemplo, sustentar a hipótese de
discussão quanto à estrutura social emergen- revolução com base nesse conceito singular
te no início do século XXI. A seguir, dis- de Gould. Ao constatar a emergência de uma
corre-se sobre as distintas concepções de nova estrutura social – uma “sociedade em
jornalismo vigentes ao longo da história da rede” –, o catedrático de sociologia e
imprensa brasileira e, por fim, argumenta-se planejamento urbano e regional da Univer-
em favor da hipótese de que, sob o regime sidade da Califórnia, Berkeley, acredita que
de acumulação flexível em vigor, opera-se o momento atual constitui um desses raros
uma transformação na natureza do jornalis- intervalos na história. Um intervalo que teria
mo, uma nova concepção começa a tomar começado a se configurar a partir do
forma. surgimento das novas tecnologias de comu-
A perspectiva geral de análise é a da nicação e informação e da reestruturação
Economia Política da Comunicação, particu- mundial do capitalismo, nos anos 1970 e
larmente da vertente da Escola Francesa de 1980, respectivamente. Esses eventos, arti-
Regulação. culados, estariam implicando profundas
mudanças nos mais diversos âmbitos da vida
Estrutura social emergente e dando origem ao que ele denomina de
“sociedade em rede”, uma estrutura global
A transição do século XX para o século capitalista e informacional.
XXI ocorre marcada por transformações tão Mesmo que não tomada no sentido clás-
profundas na estrutura das sociedades, espe- sico de ruptura, entretanto, a idéia de revo-
cialmente das sociedades capitalistas ociden- lução como representação das transformações
tais, que nos é permitido pelo menos con- em curso nesta transição de séculos é con-
siderar a hipótese de estarmos diante de uma troversa. Autores oriundos de outras matri-
revolução. São transformações de natureza zes de pensamento negam seu caráter revo-
econômica, social, política e cultural, que lucionário. Nicholas Garnham2 (2003) argu-
atingem a todos – indivíduos, sociedades, menta que tais transformações não configu-
nações, estados – e todos os contextos so- ram revolução, mas mudanças lentas, que vão
ciais, embora com diferentes impactos. ocorrendo por camadas, sobrepondo-se umas
A idéia de revolução aqui utilizada não às outras, em contextos em que coexistem
tem o sentido clássico de ruptura. Até porque situações antigas e novas, estas minando
a história nos tem demonstrado que o pro- aquelas e vice-versa. David Harvey (2001),
cesso de mudança social ocorre muito mais também de tradição teórica distinta de
por acúmulos, por continuidades, que por Castells3, ao discorrer sobre modernidade e
rupturas. É utilizada no sentido gradualista pós-modernidade na cultura, dedica parte
proposto pelo paleontólogo Stephen J. Gould considerável de sua pesquisa sobre as ori-
(1980), quando diz que a história da vida gens da mudança cultural às transformações
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políticoeconômicas do capitalismo do final lembra que elas mantêm uma grande seme-
do século XX. lhança com todas as generalizações socioló-
Harvey (2001) não se detém sobre a gicas mais ambiciosas que, mais ou menos
questão específica das novas tecnologias, mas na mesma época, anunciam novidades quan-
sustenta a existência de algum tipo de re- to à chegada, ou à inauguração, de um novo
lação necessária entre a ascensão de formas tipo de sociedade, totalmente nova, cujo nome
culturais pósmodernas, a emergência de mais famoso seria “sociedade pós-industri-
modos mais flexíveis de acumulação do al”, proposto por Daniel Bell. Lembra,
capital e um novo ciclo de “compressão do entretanto, que essa nova sociedade também
tempo-espaço” na organização do capitalis- pode ser conhecida como sociedade da in-
mo. Assim, levanta a hipótese da emergência formação, sociedade das mídias, sociedade
de um novo regime de acumulação – o de eletrônica ou high-tech, entre outras deno-
Acumulação Flexível, ou Pós-Fordista 4. minações. Tais teorias, segundo o autor,
Segundo o autor, o novo regime começa a teriam a missão ideológica de demonstrar que
se estruturar a partir de 1973 precisamente, a nova formação social não mais obedeceria
data em que teria início um processo de às leis do capitalismo clássico, isto é, o
substituição do regime de acumulação primado da produção industrial e a luta de
Fordista, em vigor nos países capitalistas classes. Por isso, tais teorias encontrariam
avançados no período que vai do final da resistência veemente dos pensadores da tra-
Segunda Guerra Mundial, em 1945, ao início dição marxista. A exceção entre esses seria
da década de 1970. o economista Ernest Mandel. Para este, a nova
Mesmo que não estejam de acordo quan- formação social – que denomina de Capi-
to a se estar ou não vivenciando um período talismo Tardio – nada mais é do que um
de revolução, ainda que o termo tenha sig- estágio do capitalismo, o mais puro do
nificados diferentes para neo-marxistas e qualquer dos momentos que o precederam
weberianos, o fato é que a maioria dos (Jameson, 1996).
analistas sociais contemporâneos reconhece Sem pretender encontrar consensos para
a existência e a profundidade das mudanças o que é por natureza controverso, o que se
que marcam o finaldo século XX e os quer ressaltar é que as transformações em
primórdios do século XXI nas sociedades curso estão a determinar a próxima era estável
ocidentais. em todas as formas de manifestação da vida
Em razão disso é que se é levado a inferir humana, da economia à política, da organi-
que estamos de fato nos defrontando com a zação do Estado à cultura. Atingem pessoas,
construção de um novo paradigma de orga- empresas, instituições, estados, movimentos
nização social, receba ele a denominação que sociais, organizações de todo gênero. E
for, seja ele identificado pelos critérios que podem ser tomadas como indícios de uma
melhor contemplar os objetivos de uns e revolução, desde que entendamos por revo-
outros pesquisadores. O período histórico que lução o aumento repentino e inesperado de
começa a se configurar nas últimas décadas aplicações tecnológicas que transformam
do século XX pode ser nomeado sociedade processos de produção e distribuição, criam
em rede ou capitalismo informacional (Ma- novos produtos e mudam decisivamente a
nuel Castells), pós-industrialismo (Daniel localização das riquezas e do poder no mundo
Bell), pósfordismo (David Harvey), pós- (Castells, 2000).
modernismo (Fredric Jameson), capitalismo
tardio (Ernest Mandel), ou mesmo pode As concepções de jornalismo no Brasil
indicar o fim da história (Francis Fukuyama).
O certo é que se trata da emergência de um Historicamente o jornalismo é uma prá-
paradigma, um novo modelo, que se estru- tica social que constitui um dos elementos
tura em torno das tecnologias de informação de formação da opinião pública. Organizada
e comunicação e de um capitalismo de modo capitalista, a mídia jornalística é
reestruturado e mundial. parte da esfera pública onde se vai formatar
Ao discorrer sobre as teorias a respeito esse fenômeno de difícil definição chamado
do pós-moderno, Fredric Jameson (1996) opinião pública. Apesar da imprecisão
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conceitual, entretanto, nestes tempos regidos sa, por sua vez, nada mais seria que o corpo
pelas idéias de visibilidade e de transparên- material do jornalismo, sua base tecnológica
cia, a opinião pública constitui um fator de (rádio, tv, jornal) indispensável para a divul-
referência a orientar a ação de governos, gação de informações, capaz de multiplicar
empresas, movimentos sociais, partidos po- e transportar a mesma informação em pro-
líticos, organizações não-governamentais etc. porções de espaço e de tempo radicalmente
Dos ideais do Iluminismo e da Revolu- diferentes da comunicação interpessoal direta
ção Francesa, o jornalismo herdou o papel ou dos métodos artesanais (Genro Fi-
de mediador, de intérprete dos fatos/eventos/ lho,1989).
fenômenos da atualidade considerados rele- Conforme os registros historiográficos, o
vantes. O conceito que regula essa prática conceito que subjaz à prática social jorna-
social, no entanto, foi se modificando ao lismo no Brasil assume distintas configura-
longo do tempo, condicionando e sofrendo ções ao longo do tempo, de acordo com a
os condicionamentos dos períodos históricos forma como a atividade se organiza
e contextos singulares em que foi e é exer- institucionalmente. Essa organização
cido. As Quatro Teorias da Imprensa5, for- institucional, por sua vez, caminha parale-
muladas por Siebert, Schramm e Peterson em lamente, ou até mesmo subordinada, à
1956, permitem-nos compreender essa mo- estruturação do capitalismo em âmbito na-
dificação, na medida em que constituem cional.
“enfoque normativo sobre a forma de fun- No princípio, podemos dizer até que o
cionamento dos meios de comunicação de tipo de imprensa que conhecemos não tinha
massa nos diferentes tipos de sociedade” características lhe fossem próprias, isto é, as
(Kunczik, 1997, p. 74). características não eram da imprensa, mas do
No Brasil, conheceu-se a imprensa tar- período histórico. Não havia um conceito de
diamente em relação às outras nações, in- jornalismo por trás da atividade artesanal de
clusive latino-americanas.6 Foi só no século reproduzir textos impressos. Conforme Nel-
XIX, quando a família real portuguesa trans- son Werneck Sodré (1983), os jornais publi-
feriu-se para a colônia, em 1808, que tive- cados refletiam o ardor apaixonado do de-
mos a impressão e a circulação dos dois bate político que se travou primeiro em torno
primeiros periódicos que inauguram a his- da questão da Independência e depois quanto
tória da imprensa brasileira: o Correio à estrutura do Estado-Nacional a ser molda-
Braziliense, feito em Londres por Hipólito da a partir da separação de Portugal. Os
José da Costa, e a Gazeta do Rio de Janeiro, pasquins, tipo de periodismo que vicejou no
jornal oficial produzido na Imprensa Régia período que vai da Regência até o final da
sob rígido controle da Coroa. primeira metade do século XIX, são exem-
O conceito de jornalismo, contudo, não plos disso. Sua linguagem panfletária, viru-
se define no mesmo momento em que se lenta, difamatória, sua periodicidade irregu-
implanta a imprensa no Brasil. Francisco lar e produção artesanal, entre outras carac-
Rüdiger (2003) nos alerta para a possibili- terísticas, são próprias mais da fase histórica
dade de haver imprensa sem que haja o que da imprensa. Tratava-se de um tipo de
correspondente jornalismo. Argumenta que jornalismo político, mas de vozes descone-
pode haver imprensa literária, sindical, re- xas, sem uma causa a lhes unificar a ação.
ligiosa, humorística, sem que estas possibi- Tinham tais características, segundo o his-
litem o exercício do jornalismo. O alerta do toriador, por absoluta impossibilidade de
historiador se faz em razão da necessidade ostentarem outras, uma vez que serviam a
de se distinguir entre conceitos que facilmente público pequeno, de nível baixo, usando as
podem ser confundidos. O autor designa armas que a época oferecia e permitia – a
jornalismo a prática social componente do injúria e a difamação. A educação estava em
processo de formação da opinião pública que, estado rudimentar, o ensino era pouco difun-
dotada de conceito histórico variável confor- dido, havia uma massa de analfabetos e os
me o período, pode estruturar-se de modo que sabiam ler não compreendiam as ques-
regular nos mais diversos meios de comu- tões públicas Eram formais e vazios, numa
nicação, da imprensa à televisão. A impren- época em que a educação era tida como
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adorno. “A única linguagem que todos com- Essa breve recuperação histórica justifi-
preendiam era mesmo a da injúria” (Sodré, ca-se pela necessidade de se buscar o con-
1983, p. 157). ceito de jornalismo subjacente às distintas
Apesar disso, o autor sustenta que o pe- formas de organização institucional que o
ríodo Regencial (1831-1840) constitui um jornalismo brasileiro vem experimentando ao
momento de ascensão liberal entre o Primeiro longo do tempo. Exceto no período em que
e o Segundo Reinado, quando os valores os jornais foram lançados diretamente pelo
nacionais se afirmam e em que prevalecem Estado ou por ele subsidiados, no seio do
algumas características de regime republicano, processo de estruturação do Estado-Nacio-
como eleições, primazia do legislativo sobre nal, pode-se afirmar que o desenvolvimento
o executivo, e ampla liberdade de imprensa. da imprensa jornalística no Brasil caminha
O período de conciliação que se inicia no rastro do desenvolvimento do capitalismo
com a união de conservadores e liberais em nacional, confirmando a tese habermasiana6
torno da figura de D. Pedro II, na primeira a respeito do desenvolvimento da imprensa.
fase do II Império, a partir de 1840, é marcado O esforço para se organizar como em-
pelo recuo da luta política e pela aproxima- presa foi a alternativa primeiro de jornalistas
ção com a literatura. Muitos dos principais e depois de empresários da comunicação para
representantes do Romantismo brasileiro se livrarem do controle de grupos políticos,
tornam-se conhecidos do público e se con- do aparelhamento dos periódicos por parte
sagram como grandes escritores na labuta das dos grupos em disputa pelo poder. A Pro-
oficinas artesanais onde se produziam os víncia de São Paulo, que após a proclama-
jornais da época. Machado de Assis, José de ção da República se transforma em O Estado
Alencar e Joaquim Manuel de Macedo são de São Paulo, Jornal do Brasil e Correio
exemplos bastante significativos. do Povo, para citar apenas três, são repre-
A luta política através dos jornais só é sentativos desse esforço de produzir jornais
retomada nas últimas décadas do século XIX, comprometidos apenas com os interesses do
quando todas as instituições brasileiras, como público, ainda que esse fosse um objetivo
o escravagismo, o latifúndio cafeeiro, a Igreja apenas retórico. No caso de O Estado de São
e o próprio regime monárquico passam a ser Paulo, alguns analistas asseguram que seu
questionados. Esse período, que começa no discurso de independência servia para dar
final dos anos 1860 e se estende até as últimas maior credibilidade às lutas do Partido
décadas, é especialmente importante porque Republicano na fase das reformas. Já o Jornal
é quando se encontra no Brasil, pela primei- do Brasil acolhia o pensamento conservador
ra vez, uma organização do jornalismo em de Rodolfo de Souza Dantas e Joaquim
termos empresariais. É na década de 1870 Nabuco, este um notório monarquista, na
que vamos encontrar os primórdios de uma primeira fase do regime Republicano (Bahia,
imprensa jornalística de caráter empresarial. 1990). E o Correio do Povo, como bem
A Província de São Paulo, fundado em observa Rüdiger (2003), resultou da percep-
1875, é o primeiro jornal brasileiro a ser ção de seu fundador, Caldas Júnior, de que
organizado como empresa. O negócio é o caráter político do jornalismo não preci-
resultado da iniciativa de um grupo de sava ser explícito. A organização empresa-
comerciantes, fazendeiros, empresários e rial, entretanto, contribui para dar viabilida-
jornalistas de São Paulo. Embora seus fun- de econômica às publicações e,
dadores tivessem vínculos inegáveis com o concomitantemente, para instituir um regime
Partido Republicano, apresenta-se ao público jornalístico, ou um conceito para o jornalis-
como independente e comprometido com uma mo. O conceito de que jornalismo significa
organização empresarial. O mesmo ocorre fornecer periodicamente informação de
com o Jornal do Brasil, de 1891, no Rio atualidade.
de Janeiro, e com o Correio do Povo, de É esse o conceito que passa a vigorar a
1895, no Rio Grande do Sul. De forma que partir do momento em que se desenvolve de
podemos localizar as raízes da grande im- forma mais sistemática a grande imprensa
prensa brasileira fincadas no final do século brasileira que se consolida no século XX. Até
XIX, embora só se consolidem no século XX. então, a imprensa foi ou literária ou ins-
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trumento político. Da década de 1920 em de novos títulos e as reformas gráficas,


diante vários novos títulos vão surgir (O editoriais e administrativas implementadas
Globo, Folha de São Paulo, revista O por publicações já consolidadas, como o
Cruzeiro, Revista do Globo etc.), configu- próprio Jornal do Brasil, no final dos anos
rando definitivamente o ingresso do jorna- 1950, irão caracterizar um período de mo-
lismo brasileiro numa fase empresarial. dernização da imprensa jornalística. Essa
O desenvolvimento técnico e organizaci- modernização, caracterizada pelo crescente
onal dessa imprensa das primeiras décadas empresariamento e profissionalização, vai
do século XX, considerada por alguns como preparar a mídia jornalística para o ingresso
representativa dos primórdios de uma indús- na era das indústrias culturais, o que ocorre
tria cultural, vai acompanhar os avanços e a partir do final da década de 60, consoli-
os recuos da ordem capitalista nos demais dando-se plenamente nos anos 70.
setores da economia nacional. Quando o A constituição das empresas de comuni-
cenário era de estagnação econômica, como cação do Brasil em indústrias culturais é
na República Velha, essa estagnação se fenômeno vinculado ao ingresso do País na
reproduziu na imprensa jornalística. Os jor- fase monopólica do capitalismo internacio-
nais eram graficamente feios e editorialmen- nal (Ortiz, 1991; Taschner, 1992; Lopes,
te desinteressados das questões políticas, mais 1994; Lattman-Weltman, 2003), processo de
ocupados da própria sobrevivência do que “modernização” econômica coordenada pe-
com a formação de uma opinião pública. los sucessivos governos militares pós-1964.
À medida que o desenvolvimento capi- A fase monopólica do capitalismo bra-
talista vai se acentuando, depois que se sileiro, da mesma forma que ocorre nos países
começam a colher os resultados das políticas de capitalismo avançado, realiza-se sob re-
inspiradoras da Revolução de 30, gimes de acumulação distintos. Nos anos 70
aprofundadas nos governos que se sucedem, e 80, sob o fordismo. Nesse período, obser-
esses avanços também se refletem na orga- va-se a plena subordinação do jornalismo à
nização das empresas jornalísticas e na lógica capitalista. A partir dos anos 90, sob
qualidade dos jornais. o pósfordismo, o regime de acumulação
A década de 1960 é marcada por grandes dominante no início do século XXI, tem-se
transformações na imprensa. Ao ser adqui- um aprofundamento dessa subordinação,
rido por Otávio Frias de Oliveira e Carlos desse caráter mercadológico da informação,
Caldeira Filho, em 1962, o grupo Folha da que passa a ser um dos instrumentos de lucro
Manhã começa a se constituir como um e poder mais importantes nas sociedades
grande complexo de indústria cultural. Em contemporâneas.
1966, para fazer frente à concorrência das
Folhas, o grupo O Estado de São Paulo lança O jornalismo na nova estrutura social
o vespertino Jornal da Tarde, com
concorrencia decaráter
absolutamente inovador para os padrões da O objetivo deste paper é refletir, à luz
época. E, no mesmorevistas
ano, a Editora Abril lança da bibliografia, sobre as transformações no
a revista Realidade, que se torna uma refe- jornalismo decorrentes da introdução de dois
rência na grande reportagem, seguida depois novos fatores a provocar mudanças na or-
por Veja, de 1968, revista semanal de infor- ganização social: as novas tecnologias de
mações de maior circulação no País até os comunicação e informação e a expansão em
dias de hoje. escala mundial de um novo regime de acu-
Os novos títulos vêm se juntar à série mulação capitalista – o regime pós-fordista,
de publicações que vinham das décadas ou de acumulação flexível (Harvey, 2001),
anteriores, como as da rede de Diários e processo que vai se acentuar no Brasil a partir
Emissoras Associados, de Assis dos anos 1990, tendo continuidade nestes
Chateaubriand, e do grupo Última Hora, de primeiros anos do século XXI.
Samuel Wainer. No Rio Grande do Sul, dois Na fase que melhor se delineia a partir
novos jornais serão lançados na mesma da última década do século XX, os conglo-
década: a unidade gaúcha do Última Hora, merados de comunicação, em escala mun-
em 1960, e Zero Hora, em 1964. A profusão dial, começam a enfrentar um profundo
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processo de reestruturação, deixando de se tadores (internet) e desta para as mídias


reportar aos mercados internos apenas para tradicionais (Garnham, 2003). Quanto ao
se dirigir para um mercado capitalista de jornalista, emerge a figura do profissional
âmbito global. A partir dessa conjuntura, multimídia, o experto 7, profissional com
começa a ganhar contorno um novo desenho múltiplas habilidades, capaz de produzir
na institucionalização das mídias em geral. informação com estrutura e linguagem apro-
Uma nova onda de concentração (de propri- priadas para todos os suportes técnicos.
edade e de capital) está levando à formação Sustenta-se a hipótese de que as trans-
de oligopólios transnacionais. formações técnicas e econômicas que atin-
Acredita-se que as implicações dessas gem as organizações da mídia jornalística ao
mudanças sobre a atividade social chamada longo do tempo transformam não apenas a
jornalismo precisam ser analisadas num sua organização institucional, suas rotinas de
quadro teórico amplo, que permita compre- produção e o perfil dos jornalistas, como
ender as restrições encontradas por este para transformam também – e principalmente –
cumprir seu papel histórico – o de intérprete a natureza do jornalismo. Por conta disso,
e analista da realidade - diante das contin- a nova concepção de jornalismo em emer-
gências impostas por uma organização gência neste início do século XXI, cuja
institucional subordinada às regras e à lógica denominação ainda está por ser formulada,
das distintas etapas do desenvolvimento distancia-se da idéia de mediação. Pela
capitalista brasileiro. necessidade de fornecer o máximo de infor-
Que implicações há para o jornalismo a mações precisas num tempo cada vez mais
introdução da lógica do regime de acumu- comprimido, o jornalista afasta-se - ou é
lação pós-fordista nas indústrias da mídia? levado a renunciar - da sua condição de
Como isso se reflete na organização das mediador, daquele que relata, explica, inter-
empresas, nas rotinas de produção e na preta e analisa questões de interesse público
concepção do jornalismo? Que atributos são para a sociedade, contribuindo para a for-
exigidos dos jornalistas nesse novo ambien- mação da opinião pública. O padrão que
te? parece se delinear é o de um jornalismo
Do ponto de vista organizacional, entra- basicamente informativo, prestador de servi-
se na era das fusões, que dão novo impulso ços, subordinado totalmente à lógica capi-
à concentração de propriedade (vertical, talista da corporação que o explora como
horizontal, cruzada e em cruz) e de capital. negócio. Além disso, esse padrão serve a
Trata-se da era das convergências – interesses ideológicos de classe, talvez menos
tecnológica e financeira. Novas empresas explícitos, mas nem por isso menos influ-
surgem (e desaparecem) da noite para o dia entes. A concentração de propriedade e de
como resultado da associação de capitais das capital (oligopólios transnacionais) leva ao
mais diversas origens (nacionalidades e controle da informação (produção, armaze-
setores), integrando as mais variadas plata- nagem, disponibilidade e acesso) e, conse-
formas técnicas. Ingressa-se na era dos quentemente, ao controle de poder nas so-
conglomerados transnacionais, que integram ciedades contemporâneas. Como observa
o sistema capitalista global. O jornalismo, Lima (1999), as sociedades contemporâneas
concebido como produto - assim como a são centradas na mídia, que tem o poder de
informação e os bens de consumo simbólico construir a realidade, a longo prazo, por meio
em geral - é mercadoria, fator de lucro no da representação dos diferentes aspectos da
mercado capitalista global. vida humana.
Quanto às suas rotinas de produção, entre
muitas outras inovações, observa-se o São sociedades que dependem da
surgimento do jornalismo on line e a atu- mídia – mais do que da família, da
alização das notícias em “tempo real”, um escola, das igrejas, dos sindicatos, dos
exemplo da compressão do espaço-tempo de partidos etc. – para a construção do
que fala Harvey (2001), assim como a conhecimento público que possibili-
convergência das mídias tradicionais (rádio, ta, a cada um dos seus membros, a
tv, jornal) para a rede mundial de compu- tomada cotidiana de decisões. Por isso
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não se pode reduzir a importância das Para concluir, ressalta-se que a discussão
comunicações apenas à transmissão de desse tema não interessa apenas a jornalistas
informações [...]. Elas não são canais e a pesquisadores do campo, mas a toda a
neutros. Ao contrário, são construto- sociedade, pelas implicações que apresenta
ras de significação. (Lima, 2001, p. para a democracia e para a diversidade
113). política e cultural no Brasil e no mundo.
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sileira: cultura brasileira e indústria cultu- quados para alcançar determinado fim. (Bobbio,
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