Professional Documents
Culture Documents
políticoeconômicas do capitalismo do final lembra que elas mantêm uma grande seme-
do século XX. lhança com todas as generalizações socioló-
Harvey (2001) não se detém sobre a gicas mais ambiciosas que, mais ou menos
questão específica das novas tecnologias, mas na mesma época, anunciam novidades quan-
sustenta a existência de algum tipo de re- to à chegada, ou à inauguração, de um novo
lação necessária entre a ascensão de formas tipo de sociedade, totalmente nova, cujo nome
culturais pósmodernas, a emergência de mais famoso seria “sociedade pós-industri-
modos mais flexíveis de acumulação do al”, proposto por Daniel Bell. Lembra,
capital e um novo ciclo de “compressão do entretanto, que essa nova sociedade também
tempo-espaço” na organização do capitalis- pode ser conhecida como sociedade da in-
mo. Assim, levanta a hipótese da emergência formação, sociedade das mídias, sociedade
de um novo regime de acumulação – o de eletrônica ou high-tech, entre outras deno-
Acumulação Flexível, ou Pós-Fordista 4. minações. Tais teorias, segundo o autor,
Segundo o autor, o novo regime começa a teriam a missão ideológica de demonstrar que
se estruturar a partir de 1973 precisamente, a nova formação social não mais obedeceria
data em que teria início um processo de às leis do capitalismo clássico, isto é, o
substituição do regime de acumulação primado da produção industrial e a luta de
Fordista, em vigor nos países capitalistas classes. Por isso, tais teorias encontrariam
avançados no período que vai do final da resistência veemente dos pensadores da tra-
Segunda Guerra Mundial, em 1945, ao início dição marxista. A exceção entre esses seria
da década de 1970. o economista Ernest Mandel. Para este, a nova
Mesmo que não estejam de acordo quan- formação social – que denomina de Capi-
to a se estar ou não vivenciando um período talismo Tardio – nada mais é do que um
de revolução, ainda que o termo tenha sig- estágio do capitalismo, o mais puro do
nificados diferentes para neo-marxistas e qualquer dos momentos que o precederam
weberianos, o fato é que a maioria dos (Jameson, 1996).
analistas sociais contemporâneos reconhece Sem pretender encontrar consensos para
a existência e a profundidade das mudanças o que é por natureza controverso, o que se
que marcam o finaldo século XX e os quer ressaltar é que as transformações em
primórdios do século XXI nas sociedades curso estão a determinar a próxima era estável
ocidentais. em todas as formas de manifestação da vida
Em razão disso é que se é levado a inferir humana, da economia à política, da organi-
que estamos de fato nos defrontando com a zação do Estado à cultura. Atingem pessoas,
construção de um novo paradigma de orga- empresas, instituições, estados, movimentos
nização social, receba ele a denominação que sociais, organizações de todo gênero. E
for, seja ele identificado pelos critérios que podem ser tomadas como indícios de uma
melhor contemplar os objetivos de uns e revolução, desde que entendamos por revo-
outros pesquisadores. O período histórico que lução o aumento repentino e inesperado de
começa a se configurar nas últimas décadas aplicações tecnológicas que transformam
do século XX pode ser nomeado sociedade processos de produção e distribuição, criam
em rede ou capitalismo informacional (Ma- novos produtos e mudam decisivamente a
nuel Castells), pós-industrialismo (Daniel localização das riquezas e do poder no mundo
Bell), pósfordismo (David Harvey), pós- (Castells, 2000).
modernismo (Fredric Jameson), capitalismo
tardio (Ernest Mandel), ou mesmo pode As concepções de jornalismo no Brasil
indicar o fim da história (Francis Fukuyama).
O certo é que se trata da emergência de um Historicamente o jornalismo é uma prá-
paradigma, um novo modelo, que se estru- tica social que constitui um dos elementos
tura em torno das tecnologias de informação de formação da opinião pública. Organizada
e comunicação e de um capitalismo de modo capitalista, a mídia jornalística é
reestruturado e mundial. parte da esfera pública onde se vai formatar
Ao discorrer sobre as teorias a respeito esse fenômeno de difícil definição chamado
do pós-moderno, Fredric Jameson (1996) opinião pública. Apesar da imprecisão
ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO 167
conceitual, entretanto, nestes tempos regidos sa, por sua vez, nada mais seria que o corpo
pelas idéias de visibilidade e de transparên- material do jornalismo, sua base tecnológica
cia, a opinião pública constitui um fator de (rádio, tv, jornal) indispensável para a divul-
referência a orientar a ação de governos, gação de informações, capaz de multiplicar
empresas, movimentos sociais, partidos po- e transportar a mesma informação em pro-
líticos, organizações não-governamentais etc. porções de espaço e de tempo radicalmente
Dos ideais do Iluminismo e da Revolu- diferentes da comunicação interpessoal direta
ção Francesa, o jornalismo herdou o papel ou dos métodos artesanais (Genro Fi-
de mediador, de intérprete dos fatos/eventos/ lho,1989).
fenômenos da atualidade considerados rele- Conforme os registros historiográficos, o
vantes. O conceito que regula essa prática conceito que subjaz à prática social jorna-
social, no entanto, foi se modificando ao lismo no Brasil assume distintas configura-
longo do tempo, condicionando e sofrendo ções ao longo do tempo, de acordo com a
os condicionamentos dos períodos históricos forma como a atividade se organiza
e contextos singulares em que foi e é exer- institucionalmente. Essa organização
cido. As Quatro Teorias da Imprensa5, for- institucional, por sua vez, caminha parale-
muladas por Siebert, Schramm e Peterson em lamente, ou até mesmo subordinada, à
1956, permitem-nos compreender essa mo- estruturação do capitalismo em âmbito na-
dificação, na medida em que constituem cional.
“enfoque normativo sobre a forma de fun- No princípio, podemos dizer até que o
cionamento dos meios de comunicação de tipo de imprensa que conhecemos não tinha
massa nos diferentes tipos de sociedade” características lhe fossem próprias, isto é, as
(Kunczik, 1997, p. 74). características não eram da imprensa, mas do
No Brasil, conheceu-se a imprensa tar- período histórico. Não havia um conceito de
diamente em relação às outras nações, in- jornalismo por trás da atividade artesanal de
clusive latino-americanas.6 Foi só no século reproduzir textos impressos. Conforme Nel-
XIX, quando a família real portuguesa trans- son Werneck Sodré (1983), os jornais publi-
feriu-se para a colônia, em 1808, que tive- cados refletiam o ardor apaixonado do de-
mos a impressão e a circulação dos dois bate político que se travou primeiro em torno
primeiros periódicos que inauguram a his- da questão da Independência e depois quanto
tória da imprensa brasileira: o Correio à estrutura do Estado-Nacional a ser molda-
Braziliense, feito em Londres por Hipólito da a partir da separação de Portugal. Os
José da Costa, e a Gazeta do Rio de Janeiro, pasquins, tipo de periodismo que vicejou no
jornal oficial produzido na Imprensa Régia período que vai da Regência até o final da
sob rígido controle da Coroa. primeira metade do século XIX, são exem-
O conceito de jornalismo, contudo, não plos disso. Sua linguagem panfletária, viru-
se define no mesmo momento em que se lenta, difamatória, sua periodicidade irregu-
implanta a imprensa no Brasil. Francisco lar e produção artesanal, entre outras carac-
Rüdiger (2003) nos alerta para a possibili- terísticas, são próprias mais da fase histórica
dade de haver imprensa sem que haja o que da imprensa. Tratava-se de um tipo de
correspondente jornalismo. Argumenta que jornalismo político, mas de vozes descone-
pode haver imprensa literária, sindical, re- xas, sem uma causa a lhes unificar a ação.
ligiosa, humorística, sem que estas possibi- Tinham tais características, segundo o his-
litem o exercício do jornalismo. O alerta do toriador, por absoluta impossibilidade de
historiador se faz em razão da necessidade ostentarem outras, uma vez que serviam a
de se distinguir entre conceitos que facilmente público pequeno, de nível baixo, usando as
podem ser confundidos. O autor designa armas que a época oferecia e permitia – a
jornalismo a prática social componente do injúria e a difamação. A educação estava em
processo de formação da opinião pública que, estado rudimentar, o ensino era pouco difun-
dotada de conceito histórico variável confor- dido, havia uma massa de analfabetos e os
me o período, pode estruturar-se de modo que sabiam ler não compreendiam as ques-
regular nos mais diversos meios de comu- tões públicas Eram formais e vazios, numa
nicação, da imprensa à televisão. A impren- época em que a educação era tida como
168 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III
adorno. “A única linguagem que todos com- Essa breve recuperação histórica justifi-
preendiam era mesmo a da injúria” (Sodré, ca-se pela necessidade de se buscar o con-
1983, p. 157). ceito de jornalismo subjacente às distintas
Apesar disso, o autor sustenta que o pe- formas de organização institucional que o
ríodo Regencial (1831-1840) constitui um jornalismo brasileiro vem experimentando ao
momento de ascensão liberal entre o Primeiro longo do tempo. Exceto no período em que
e o Segundo Reinado, quando os valores os jornais foram lançados diretamente pelo
nacionais se afirmam e em que prevalecem Estado ou por ele subsidiados, no seio do
algumas características de regime republicano, processo de estruturação do Estado-Nacio-
como eleições, primazia do legislativo sobre nal, pode-se afirmar que o desenvolvimento
o executivo, e ampla liberdade de imprensa. da imprensa jornalística no Brasil caminha
O período de conciliação que se inicia no rastro do desenvolvimento do capitalismo
com a união de conservadores e liberais em nacional, confirmando a tese habermasiana6
torno da figura de D. Pedro II, na primeira a respeito do desenvolvimento da imprensa.
fase do II Império, a partir de 1840, é marcado O esforço para se organizar como em-
pelo recuo da luta política e pela aproxima- presa foi a alternativa primeiro de jornalistas
ção com a literatura. Muitos dos principais e depois de empresários da comunicação para
representantes do Romantismo brasileiro se livrarem do controle de grupos políticos,
tornam-se conhecidos do público e se con- do aparelhamento dos periódicos por parte
sagram como grandes escritores na labuta das dos grupos em disputa pelo poder. A Pro-
oficinas artesanais onde se produziam os víncia de São Paulo, que após a proclama-
jornais da época. Machado de Assis, José de ção da República se transforma em O Estado
Alencar e Joaquim Manuel de Macedo são de São Paulo, Jornal do Brasil e Correio
exemplos bastante significativos. do Povo, para citar apenas três, são repre-
A luta política através dos jornais só é sentativos desse esforço de produzir jornais
retomada nas últimas décadas do século XIX, comprometidos apenas com os interesses do
quando todas as instituições brasileiras, como público, ainda que esse fosse um objetivo
o escravagismo, o latifúndio cafeeiro, a Igreja apenas retórico. No caso de O Estado de São
e o próprio regime monárquico passam a ser Paulo, alguns analistas asseguram que seu
questionados. Esse período, que começa no discurso de independência servia para dar
final dos anos 1860 e se estende até as últimas maior credibilidade às lutas do Partido
décadas, é especialmente importante porque Republicano na fase das reformas. Já o Jornal
é quando se encontra no Brasil, pela primei- do Brasil acolhia o pensamento conservador
ra vez, uma organização do jornalismo em de Rodolfo de Souza Dantas e Joaquim
termos empresariais. É na década de 1870 Nabuco, este um notório monarquista, na
que vamos encontrar os primórdios de uma primeira fase do regime Republicano (Bahia,
imprensa jornalística de caráter empresarial. 1990). E o Correio do Povo, como bem
A Província de São Paulo, fundado em observa Rüdiger (2003), resultou da percep-
1875, é o primeiro jornal brasileiro a ser ção de seu fundador, Caldas Júnior, de que
organizado como empresa. O negócio é o caráter político do jornalismo não preci-
resultado da iniciativa de um grupo de sava ser explícito. A organização empresa-
comerciantes, fazendeiros, empresários e rial, entretanto, contribui para dar viabilida-
jornalistas de São Paulo. Embora seus fun- de econômica às publicações e,
dadores tivessem vínculos inegáveis com o concomitantemente, para instituir um regime
Partido Republicano, apresenta-se ao público jornalístico, ou um conceito para o jornalis-
como independente e comprometido com uma mo. O conceito de que jornalismo significa
organização empresarial. O mesmo ocorre fornecer periodicamente informação de
com o Jornal do Brasil, de 1891, no Rio atualidade.
de Janeiro, e com o Correio do Povo, de É esse o conceito que passa a vigorar a
1895, no Rio Grande do Sul. De forma que partir do momento em que se desenvolve de
podemos localizar as raízes da grande im- forma mais sistemática a grande imprensa
prensa brasileira fincadas no final do século brasileira que se consolida no século XX. Até
XIX, embora só se consolidem no século XX. então, a imprensa foi ou literária ou ins-
ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO 169
não se pode reduzir a importância das Para concluir, ressalta-se que a discussão
comunicações apenas à transmissão de desse tema não interessa apenas a jornalistas
informações [...]. Elas não são canais e a pesquisadores do campo, mas a toda a
neutros. Ao contrário, são construto- sociedade, pelas implicações que apresenta
ras de significação. (Lima, 2001, p. para a democracia e para a diversidade
113). política e cultural no Brasil e no mundo.
172 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III