You are on page 1of 6

06--ART--Brandao--161-168 3/30/01 1:04 PM Page 161

Diagnóstico da hepatite C na prática médica:


revisão da literatura
Ajacio Bandeira de Mello Brandão,1 Sandra Costa Fuchs,2
Mauro Alberto dos Anjos Silva1 e Letícia Fanck Emer 1

RESUMO Objetivo. O objetivo do presente estudo foi revisar a literatura a respeito dos testes labora-
toriais para diagnóstico da infecção pelo vírus da hepatite C, disponíveis desde 1989. O diag-
nóstico da hepatite C é baseado em métodos serológicos e em técnicas de biologia molecular. O
método serológico, que utiliza pesquisa de anticorpos contra o vírus da hepatite C, é o mais fre-
qüentemente empregado para identificar a infecção, presente ou passada. Existem dois tipos de
testes serológicos: os que adotam a técnica ELISA, de alta sensibilidade, usados no rastrea-
mento da infecção; e os que utilizam a técnica immunoblot, de maior especificidade, denomi-
nados por isso suplementares ou confirmatórios. Em relação às técnicas de biologia molecular,
existem vários testes. Um deles possibilita a detecção do RNA do vírus C, sendo útil para es-
tabelecer o diagnóstico de infecção em situações específicas, como na fase inicial da infecção, em
pacientes imunossuprimidos ou com baixa probabilidade de estarem infectados. Também são
recomendados antes de se iniciar o tratamento com interferon e ribavirina e para monitorizar
a resposta terapêutica. Outros testes de biologia molecular possibilitam determinar a carga
viral, mediante amplificação do alvo, como na reação em cadeia de polimerase, ou amplificação
de um sinal, como no DNA ramificado. A determinação do genótipo do vírus da hepatite C
pode ser feita por metodologias de biologia molecular ou de serotipagem. A determinação da
carga viral e do genótipo do vírus C servem para definir a duração do tratamento da hepatite
crônica com interferon e ribavirina. Em geral, pode-se dizer que na última década houve
grandes avanços no diagnóstico da hepatite C, com melhora na sensibilidade e especificidade
dos testes utilizados para detecção de anticorpos, o que permitiu diagnósticos mais rápidos e
relativamente mais baratos. Contudo, é necessário desenvolver testes de maior acurácia para
avaliar grupos determinados, como pacientes imunossuprimidos ou com hepatite aguda.

Palavras-chave Hepatite C, serôlogia, ELISA, immunoblot, reação em cadeia de polimerase.

A infecção pelo vírus da hepatite C blica em todo o mundo, inclusive no peptídeos sintéticos possibilitou o de-
(VHC) é um problema de saúde pú- Brasil. Dados da Organização Mundial senvolvimento de testes que permitem
da Saúde (OMS) estimam que em a detecção de anticorpos contra o VHC
torno de 3% da população brasileira (anti-VHC), como os testes ELISA
1 Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de
Porto Alegre e Irmandade da Santa Casa de Miseri-
estaria infectada por esse vírus (1). O (enzyme-linked immunosorbent assay) e
córdia de Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação objetivo do presente estudo foi revisar RIBA (recombinant immunoblot assay). A
em Medicina: Hepatologia. Correspondência e pe- a literatura existente a respeito dos tes- terceira geração desses testes, que já
didos de separatas devem ser enviados a Ajacio
Bandeira de Mello Brandão no seguinte endereço: tes laboratoriais para diagnóstico da está disponível, é proporcionalmente
Rua Engenheiro Álvaro Nunes Pereira 400/apto. infecção pelo VHC. mais sensível e específica do que a pri-
402, CEP 90570-110, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail:
ajacio@via-rs.net A disponibilidade de testes diagnós- meira e segunda gerações (4). O desen-
2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Facul- ticos data de 1989 (2), quando foi deco- volvimento de técnicas para detecção
dade de Medicina, Departamento de Medicina So-
cial, Programa de Pós-Graduação em Epidemiolo-
dificado o genoma do VHC por Choo qualitativa e quantitativa do ácido ri-
gia, Porto Alegre, RS, Brasil. et al. (3). A produção de antígenos e bonucléico (RNA) do VHC, através da

Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 9(3), 2001 161


06--ART--Brandao--161-168 3/30/01 1:04 PM Page 162

reação em cadeia de polimerase (poly- TABELA 1. Proteínas recombinantes e peptídeos sintéticos empregados nos testes para
merase chain reaction, PCR), aumentou pesquisa de anticorpos contra o vírus da hepatite Ca
a acurácia diagnóstica, mas as técnicas
Antígeno
ainda não foram padronizadas (4) e os (região do genoma) ELISA I RIBA I ELISA II RIBA II ELISA III RIBA III
resultados variam entre os laborató-
rios. Também tornou-se possível de- 5-1-1 (NS4) ! !
terminar o genótipo do VHC em labo- c100-3 (NS3-4) ! ! ! ! !
c33-c (NS3) ! ! !
ratórios clínicos, o que pode ser útil
c200 (fusão c100-3/c33-c) ! !
em situações específicas (4). c22-3 (core) ! ! ! !
A disponibilidade de diferentes testes NS5 ! !
viabiliza o diagnóstico precoce, minimi- a A tabela inclui os antígenos recombinantes ou peptídeos sintéticos mais comumente utilizados nos testes para pesquisa de
zando o potencial para disseminação da anticorpos contra o vírus da hepatite C.
infecção, e torna relevante a discussão
das indicações de cada teste, a partir de
sua sensibilidade e especificidade.

clínicas e virológicas de infecção pelo doadores cujos receptores tinham de-


DIAGNÓSTICO LABORATORIAL VHC, 80 tinham um resultado positivo senvolvido hepatite postransfusional,
DA HEPATITE C no teste (7). Por outro lado, entre os in- o ELISA I identificou 78% dos doado-
divíduos sem infecção, o resultado do res anti-VHC reagentes, enquanto que
Pesquisa de anticorpos contra o VHC teste era positivo para 50 a 70% (taxa o ELISA II identificou 89% (12).
de falso-positivos) (4, 8). Assim, em Recentemente, evidenciou-se que
O VHC circula no sangue em baixa grupos com baixa prevalência de in- um teste ELISA construído de forma
concentração (5). A detecção de anti- fecção, como os doadores de sangue artesanal e utilizando apenas o antí-
corpos contra antígenos específicos (9–11), apenas 30 a 50% daqueles com geno recombinante-22 foi comparável,
do VHC é a maneira mais freqüente- resultado positivo no ELISA I tinham no que se refere à sensibilidade e espe-
mente empregada para identificar a infecção, documentada por teste de cificidade, a um ELISA II (15). É de
infecção, presente ou passada. Para maior especificidade, como o RIBA ou realização mais simples e, possivel-
isso, são utilizados testes de rastrea- a PCR. mente, mais barato do que os testes co-
mento, que apresentam alta sensibili- A segunda geração do teste ELISA merciais disponíveis, o que represen-
dade, e testes suplementares, também (ELISA II) surgiu em 1992 nos Estados taria uma vantagem adicional (15).
denominados confirmatórios, com maior Unidos (12), tendo incorporado duas O teste ELISA de terceira geração
especificidade. proteínas recombinantes do VHC: c22- (ELISA III) incluiu antígenos recom-
3 (derivada da região estrutural, ou binantes ou peptídeos sintéticos para
core) e c33-c (derivada da região não- captura de anticorpos e adicionou um
Testes de rastreamento estrutural NS3). A proteína c33-c foi antígeno da região NS5 (tabela 1). A
fusionada com o antígeno c100-3 para principal vantagem dessa nova ge-
Em função da prevalência de in- formar a proteína c200. Em relação ao ração do teste foi a redução do tempo
fecção pelo vírus C, estimada em 3%, o ELISA I, o ELISA II mostrou as seguin- médio de seroconversão, que passou
diagnóstico da hepatite C requer um tes vantagens: a) em grupos de baixo para 7 a 8 semanas (4). Além disso,
teste bastante sensível. Os testes co- risco para a infecção pelo VHC, como houve um aumento na sensibilidade
mercializados para detecção do anti- os doadores de sangue, aumentou para detectar infecção pelo VHC, tanto
VHC são os ELISA, que apresentam tanto a sensibilidade quanto a especifi- em doadores de sangue quanto em
vantagens como rapidez no processa- cidade, reduzindo a taxa de falso-posi- hepatopatas (16–19). A maior sensibili-
mento, facilidade de automação, alta tivos para 40 a 50% (4, 8, 12–14); b) em dade do ELISA III foi atribuída à nova
confiabilidade e custo relativamente grupos de alto risco de infecção, como configuração dos antígenos já presen-
baixo (6). As três gerações de ELISA hepatopatas ou aqueles com história tes no ELISA II, e não à presença do
desenvolvidas até o momento utilizam de potencial exposição ao VHC, apre- antígeno NS5 (16, 20). Em doadores de
proteínas recombinantes ou peptídeos sentou maior sensibilidade e especifi- sangue, a especificidade do ELISA III
sintéticos para a captação do anti-VHC cidade, identificando cerca de 95% dos parece ser semelhante (21) ou até su-
(tabela 1). pacientes infectados com o VHC (4); perior à do ELISA II (4, 17). Para gru-
O teste ELISA I, de primeira geração c) reduziu de 16 para 10 semanas o pos de alto risco, contudo, ela não está
(não mais utilizado na prática clínica), tempo médio de seroconversão, ou estabelecida (4). Em pacientes com
tinha como alvo somente um antígeno, seja, o tempo transcorrido entre a in- suspeita de hepatite aguda pelo VHC,
o polipeptídeo c100-3. A sensibilidade fecção e o surgimento do anticorpo (4). a negatividade da pesquisa do anti-
de 80% do teste ELISA I indicava que, Em um estudo utilizando o ELISA I e VHC com ELISA III nas primeiras 8
de cada 100 pacientes com evidências II para avaliar amostras de sangue de semanas não exclui a doença.

162 Brandão et al. • Diagnóstico da hepatite C na prática médica


06--ART--Brandao--161-168 3/30/01 1:04 PM Page 163

Na tabela 2, adaptada de Gretch (4), TABELA 2. Sensibilidade e valor preditivo positivo dos testes ELISA
estão indicadas a sensibilidade e o va- para pesquisa de anticorpos contra o vírus da hepatite Ca
lor preditivo positivo das três gerações
Valor preditivo positivob
do teste ELISA em populações com (%)
alta e baixa prevalência de infecção
Grupos de Grupos de
pelo VHC. A sensibilidade identifica baixa alta
quantos indivíduos com infecção de- ELISA Sensibilidadec (%) prevalência prevalência
tectada através dos testes RIBA e PCR
(padrão ouro positivo) têm resultado I 70 – 80 30 – 50 70 – 85
II 92 – 95 50 – 61 88 – 95
positivo no teste ELISA. O valor predi- III 97 25 não avaliado
tivo positivo caracteriza quantos indi-
a Tabela modificada a partir de Gretch (4).
víduos com um resultado positivo no b Em comparação com RIBA. Os grupos de baixa prevalência incluem os doadores de sangue;
teste ELISA são portadores da infec- entre os grupos de alta prevalência estão os pacientes com hepatite crônica.
c Com base em achados clínicos e na detecção do RNA do vírus da hepatite C pela técnica de
ção, comparativamente ao diagnóstico
reação em cadeia de polimerase.
através dos testes RIBA e PCR. Des-
taca-se o aumento da sensibilidade e a
redução na taxa de falso-positivos a
partir da primeira geração. Entretanto,
os testes ELISA não detectam todas as No RIBA, incuba-se o soro do pa- anticorpos a antígenos individuais, pos-
pessoas infectadas com o VHC (4, 22– ciente com tiras de nitrocelulose. sui maior especificidade (28). Em re-
25) e, como não há padronização na Nessas tiras estão imobilizados, em lação aos testes para pesquisa do RNA
produção de antígenos entre os vários bandas individuais, os diferentes antí- viral, são de realização mais simples e
fabricantes, os resultados podem va- genos recombinantes do VHC, a supe- de maior reprodutibilidade (28, 30).
riar, principalmente em grupos com róxido dismutase (SOD) — já que, pela Os testes RIBA II ou III têm sido em-
baixo risco de infecção (26, 27). tecnologia utilizada, todos os antígenos pregados na avaliação diagnóstica de
são fusionados com a SOD — e duas pessoas com baixa probabilidade de in-
bandas controle de imunoglobulina G fecção pelo VHC e com reação positiva
Testes suplementares (29). Considera-se reação positiva o ao teste ELISA (4, 8, 31). Como a taxa
surgimento de bandas escuras nas tiras de falso-positivos dos testes ELISA II
A baixa especificidade dos ELISA de nitrocelulose após a incubação com ou III nesse grupo é elevada, justifica-
determinou o desenvolvimento de tes- o soro do paciente. O teste é conside- se o uso de um teste suplementar para
tes suplementares para confirmação rado positivo quando houver reação estabelecer o diagnóstico da infecção.
diagnóstica da infecção pelo VHC em positiva a dois ou mais antígenos e in- Ao contrário, nas pessoas com maior
indivíduos com resultados positivos. determinado quando ocorrerem outros probabilidade de infecção (história de
Nos testes suplementares, a especifici- padrões de positividade (29).3 exposição ao vírus ou alterações de
dade indica a proporção de indivíduos Tecnicamente, os testes suplementa- aminotransferases, por exemplo) e com
com resultado negativo quando a in- res não são considerados confirmató- teste ELISA de segunda ou terceira ge-
fecção está ausente (padrão ouro ne- rios, uma vez que contêm os mesmos ração positivo, mais de 95% apresen-
gativo). Contudo, um resultado posi- antígenos presentes nos testes ELISA tam confirmação da infecção pelo im-
tivo mesmo em um teste suplementar, (8). Entretanto, como o RIBA identifica munoblot (4, 8, 32). Nesse caso, o alto
nem sempre é indicativo de infecção, valor preditivo positivo do ELISA
visto que os pacientes que se recupe- torna desnecessária a solicitação de um
ram da infecção podem permanecer teste complementar (4, 8, 32, 33).
3 No RIBA II, uma banda visível com intensidade
anti-VHC positivos durante anos (28). A interpretação dos resultados do
entre 1+ e 3+ (comparativamente à intensidade das
Um dos testes por immunoblot mais bandas controle de imunoglobulina G; a intensi- RIBA II depende da probabilidade de
utilizados é comercializado com o dade máxima é 4+), é considerada 2+; e uma banda o paciente apresentar infecção pelo
visível com intensidade acima de 3+ é considerada
nome de RIBA e produzido pela Chi- 4+, de acordo com os fabricantes. O resultado é in- VHC antes de realizar o teste. Entre os
ron Corporation (Estados Unidos). As determinado quando houver reatividade de 1+ ou indivíduos com baixo risco de infecção
mais a um único antígeno ou reatividade de 1+ ou
modificações de configuração do RIBA mais contra os antígenos c100-3 e 5-1-1. O resultado
pelo VHC, cerca de 76% daqueles com
foram surgindo concomitantemente é positivo quando houver reatividade de 1+ ou testes RIBA II positivos e 2% dos com
mais contra outras combinações de dois ou mais an- resultado indeterminado são positivos
com as dos testes ELISA, havendo até tígenos. Ocorrendo reatividade contra a SOD, o re-
o momento três gerações (29), sendo sultado positivo deve ser considerado indetermi- no teste por PCR (34). Entre os indiví-
que o RIBA I não é mais comerciali- nado. No RIBA III, o teste é positivo quando ocorrer duos com alto risco para infecção pelo
reatividade de 1+ ou mais contra dois ou mais an-
zado. A tabela 1 mostra as proteínas tígenos. O resultado é indeterminado se ocorrer VHC, 90% daqueles com resultado po-
recombinantes e peptídeos sintéticos reatividade de 1+ ou mais contra um antígeno. sitivo no RIBA II e 68% daqueles com
Reatividade a múltiplos antígenos combinada com
empregados nas três gerações dos tes- reatividade à SOD também configura resultado resultado indeterminado (com reativi-
tes ELISA e RIBA. indeterminado. dade aos antígenos c22-3 e c33-c) são

Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 9(3), 2001 163


06--ART--Brandao--161-168 3/30/01 1:04 PM Page 164

positivos para a presença de RNA do do RNA do VHC através da PCR. O tar menos de 100 cópias/ml, com es-
VHC (34). Quando há reatividade ape- método utiliza sondas de ácido nu- pecificidade de 97 a 99% (4, 8).
nas para os antígenos 5-1-1 ou c100-3 cléico (sondas genéticas, ou primers), Outro método empregado para a
(que são da mesma região do genoma), que são fragmentos de DNA ou RNA detecção qualitativa do RNA do VHC,
praticamente não haverá confirmação com estrutura complementar a uma ainda em investigação, é a amplificação
da infecção (4, 8, 34). seqüência do ácido nucléico a ser de- mediada pela transcriptase (transcription-
A não detecção de RNA viral em tectado. A PCR possibilita ampliar se- mediated amplification, TMA). É um
amostras RIBA II positivas pode ter vá- qüências genéticas específicas, de tal método simples, rápido e capaz de de-
rios significados: a) manuseio inade- modo que uma única molécula de tectar menos de 50 cópias/ml dos prin-
quado da amostra, com conseqüente DNA possa ser detectada na presença cipais genótipos do VHC (31).
degradação do RNA viral; b) viremia de milhões de outras. Com o objetivo de tornar a adminis-
intermitente (com nível, no momento tração de sangue e derivados mais se-
da testagem, abaixo do limite de de- gura, tem sido preconizado pesquisar
tecção); c) heterogeneidade genética do Testes qualitativos o RNA do VHC através de técnicas de
VHC, determinando incapacidade de amplificação de ácidos nucléicos (47).
detectar infecção com os testes disponí- Os testes qualitativos informam a Recentemente, a OMS estabeleceu o
veis; d) resultado falso-positivo (35). presença — ou não — do RNA viral primeiro padrão de referência para
Comparativamente ao teste RIBA II, (resultado positivo ou negativo). Um esses testes (48). Apesar de a técnica
o RIBA III é mais específico e possui teste sensível para a identificação do indicar aumento de segurança no uso
maior acurácia em relação aos resulta- RNA do VHC é a reação em cadeia de de derivados de sangue, há registro de
dos da PCR, além de produzir menor polimerase com a enzima transcrip- transmissão do VHC através da trans-
número de resultados indeterminados tase reversa (reverse transcription-poly- fusão de concentrado de plaquetas
(36–38). Na série de Pawlotsky et al. merase chain reaction, RT-PCR), que ca- feito a partir de sangue com teste de
(38), os resultados do teste RIBA III talisa a síntese do DNA complementar amplificação negativo (49).
foram indeterminados em 10% dos (DNAc) a partir da região 5'RNC do Na prática clínica, na maioria dos
pacientes, havendo confirmação da RNA viral. A seguir, a PCR é utilizada pacientes a investigação diagnóstica
infecção, através da PCR, em 53% dos para amplificar o DNAc, produzindo começa pela pesquisa de anticorpos
casos. Ao contrário, houve confirma- quantidades suficientes para serem contra o VHC através do teste ELISA.
ção da infecção em 90% dos pacientes detectadas em gel de agarose (29). O No entanto, em pacientes com hepatite
RIBA III positivos (38). Pacientes imu- limite teórico de detecção, por PCR, crônica que são negativos para a pre-
nossuprimidos, com infecção pelo em condições ótimas, é de aproxima- sença de anti-VHC (como os pacien-
VHC confirmada pela pesquisa do damente 1 000 cópias do genoma/ml tes em hemodiálise ou submetidos a
RNA viral, têm maior probabilidade (41), mas existem variações da técnica, transplante de órgãos) (50, 51), ou em
para resultados indeterminados no e uma das mais sensíveis é capaz de pacientes anti-VHC positivos e com
RIBA III (38). Em doadores de sangue, detectar até 100 cópias do genoma/ aminotransferases normais, por exem-
apenas 50% dos RIBA III positivos ml de soro (42). A RT-PCR é uma téc- plo, é necessário utilizar o teste PCR
apresentam confirmação da infecção nica laboriosa que requer cuidados qualitativo. Nestes últimos, os resulta-
(37). O teste utiliza antígenos e peptí- extremos para evitar resultados falso- dos do teste podem indicar duas pos-
deos do genótipo 1 do VHC, o que positivos ou falso-negativos (43). sibilidades: infecção curada (RNA
pode comprometer os resultados na Como os protocolos não são padroni- do VHC negativos) ou em atividade
avaliação de pacientes infectados com zados, os resultados variam entre os (RNA do VHC positivos), a despeito
outros genótipos (39). laboratórios. Um estudo comparando da normalidade das enzimas (52, 53).
Além do RIBA, existem outros testes os resultados da determinação do No caso de pacientes com positividade
suplementares por immunoblot para RNA do VHC por RT-PCR em 31 la- para a presença de RNA do VHC, se as
pesquisa do anti-VHC, de similar sen- boratórios (principalmente europeus) aminotransferases persistirem com va-
sibilidade, produzidos por outros fa- constatou que apenas cinco (16%) lores normais, não há indicação de tra-
bricantes como, por exemplo, o teste identificaram corretamente todas as tamento (33). Contudo, deve ser carac-
Matrix HCV (Abbott Laboratories, amostras do painel de controle (44). terizada a infecção, a fim de orientar o
Chicago, Estados Unidos) ou o Inno- Recentemente, tornaram-se disponí- paciente sobre as vias de transmissão
Lia HCV III (Innogenetics, Zwijna- veis testes industrializados para de- do VHC, medidas preventivas e neces-
arde, Bélgica) (40). tecção qualitativa do RNA do VHC sidade de acompanhamento clínico.
utilizando a técnica da RT-PCR (45). Outra situação que requer o uso do
De acordo com o fabricante do pri- teste PCR qualitativo é a de pacientes
Determinação do RNA do VHC meiro desses testes (Amplicor, Roche com hepatite pelo VHC, candidatos
Diagnostics), o limite de detecção é de a tratamento com interferon isolado
O padrão ouro para o diagnóstico de 700 cópias/ml (46). Contudo, com mo- ou associado com a administração de
infecção pelo VHC é a determinação dificação da técnica, é possível detec- ribavirina. A testagem seriada desses

164 Brandão et al. • Diagnóstico da hepatite C na prática médica


06--ART--Brandao--161-168 3/30/01 1:04 PM Page 165

pacientes define a existência de res- HCV Monitor™ 2.0 parece ser mais sen- seis genótipos e inúmeros subtipos (63,
posta virológica e orienta a necessi- sível do que o Quantiplex™ HCV RNA 64). Embora o método de maior acurá-
dade de manutenção ou não do trata- 2.0 para detectar baixos níveis de vire- cia para a determinação do genótipo do
mento (33). Por fim, o teste é também mia em pacientes em tratamento (57); VHC seja a identificação completa da
preconizado para hepatite aguda no contudo, nesses casos, os testes reco- seqüência dos 9 500 nucleotídeos e a
período de janela imunológica, quando mendados são os qualitativos, pela construção de uma árvore filogenética,
o RNA do VHC pode ser detectado 1 maior sensibilidade (33, 58). Apesar de esse método só pode ser utilizado em
semana após a exposição (54). os testes quantitativos apresentarem laboratórios de pesquisa (65), e não em
resultados bastante confiáveis, é im- laboratórios clínicos. Assim, foram de-
portante que sejam conhecidas suas senvolvidos métodos para genotipa-
Testes quantitativos limitações para evitar interpretações gem utilizando apenas as regiões mais
equivocadas. conservadas do genoma, como a pro-
O nível de RNA do VHC (ou a carga A principal indicação para solici- teína do envoltório (E1), a proteína core
viral) no soro ou no plasma reflete as tação de carga viral, na prática médica, e a proteína não estrutural NS5B. A se-
taxas de replicação viral e de elimi- é a definição do tempo de tratamento qüência dos nucleotídeos dentro dessas
nação do vírus pelo hospedeiro. Foram combinado (interferon/ribavirina) de regiões relativamente conservadas é
desenvolvidas basicamente duas téc- pacientes com hepatite crônica pelo genótipo-específica, e os isolados po-
nicas de biologia molecular para a VHC. O consenso da Associação Euro- dem ser genotipados, independentemente
quantificação do VHC: uma utiliza a péia para o Estudo do Fígado, reali- da região que for utilizada para análise
tecnologia da PCR e a outra, a do DNA zado em 1999, sugere que, para pacien- (63–65). Para uso em laboratórios clíni-
ramificado (branched DNA) (55). Esta tes infectados com o genótipo 1 do cos foram desenvolvidas basicamente
última se baseia na amplificação de VHC, a duração do tratamento deve duas metodologias que se valem de téc-
um sinal, e não do DNA alvo, como ser determinada pela carga viral pré- nicas de biologia molecular (genotipa-
ocorre na PCR. O ácido nucléico do tratamento: 6 meses de tratamento se a gem) ou serológicas (serotipagem).
agente infeccioso, se presente na amos- carga viral for inferior a 2 000 000 có- Os métodos que adotam técnica de
tra, é capturado por sondas, hibridi- pias/ml e 12 meses se a carga viral for biologia molecular para genotipagem,
zado com fitas de DNA que possuem maior. Pacientes infectados com outros utilizando porções do genoma, in-
inúmeras ramificações e revelado pelo genótipos do VHC que não o 1 devem cluem a PCR aninhada (nested PCR)
sistema indicador. Esse sistema é com- ser tratados durante 6 meses, indepen- (66), a técnica de RFLP (restriction frag-
posto de oligonucleotídeos comple- dentemente da viremia basal (33). ment length polymorphism) (67), a hibri-
mentares conjugados à enzima com Os trabalhos multicêntricos (59, 60) dização reversa (68) (INNO-LiPA, In-
atuação sobre um substrato quimilu- que evidenciaram o efeito benéfico do nogenetics, Bélgica; Gen.Eti DEIA
minescente (55). Assim, o “sinal de am- tratamento combinado em pacientes HCV, Sorin Biomedica, Itália) e o
plificação” é obtido sem amplificação com hepatite crônica pelo VHC e que seqüenciamento direto da região não-
do ácido nucléico do vírus. serviram de base para as recomen- codificante 5' (TruGene, Visible Genet-
O teste produzido pela Roche Mole- dações de consenso utilizaram um ics, Canadá). Suas principais vantagens
cular Systems, já em segunda geração teste quantitativo (HCV Superquant™, são a informação direta sobre se-
(Amplicor HCV Monitor™ 2.0), usa a National Genetics Institute, Estados qüência dos nucleotídeos do genoma
tecnologia da PCR, enquanto o produ- Unidos) comercializado apenas para viral, a alta sensibilidade, por se ba-
zido pela Chiron Diagnostics (Quanti- laboratórios de pesquisa. Recente- searem na PCR, e a possibilidade de
plex™ HCV RNA 2.0) adota a técnica mente, demonstrou-se que os resulta- identificar o subtipo viral (69).
do DNA ramificado. Conforme os fabri- dos desse teste são comparáveis aos Os métodos para determinação do
cantes, o limite de sensibilidade do Am- dos testes Quantiplex HCV RNA 2.0 e genótipo que utilizam serotipagem
plicor HCV Monitor™ 2.0 é de 1 000 Amplicor HCV Monitor, utilizados em baseiam-se na detecção de anticorpos
cópias de RNA viral/ml, e o do Quanti- laboratórios clínicos (61). genótipo-específicos contra epítopos
plex™ HCV RNA 2.0 é de 200 000 equi- Estão sendo desenvolvidas outras do VHC (por exemplo, proteínas da
valentes de genoma/ml (56). Contudo, técnicas para a quantificação do VHC, região do core) (70). Os testes comercia-
esses limites de sensibilidade não são sendo que uma das mais promissoras lizados utilizam diferentes técnicas,
comparáveis, já que as “cópias” e os utiliza sistema de detecção em tempo ELISAs competitivos ou immunoblot
“equivalentes de genoma” não repre- real (62). (Murex-HC1-6, Murex Diagnostics
sentam a mesma quantidade de RNA Ltd, Reino Unido; RIBA HCV Sero-
do VHC (56). Ambos os testes quantifi- typing Assay, Chiron Diagnostics, Es-
cam de maneira semelhante os vários DETERMINAÇÃO DO GENÓTIPO tados Unidos). As principais vanta-
genótipos do VHC e são capazes de DO VHC gens da técnica de serotipagem são o
quantificar a viremia em 89 a 95% dos baixo custo e maior facilidade de reali-
pacientes RT-PCR positivos que não O VHC constitui-se em uma família zação, em comparação com os testes
estão em tratamento (56). O Amplicor heterogênea de vírus, com no mínimo de biologia molecular (69).

Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 9(3), 2001 165


06--ART--Brandao--161-168 3/30/01 1:04 PM Page 166

A determinação do genótipo, ante- Estão disponíveis testes qualitati- estandardização dos testes possibilite
riormente utilizada em pesquisas, mas vos ou quantitativos para a detecção uma melhora na acurácia dos testes
sem maior utilidade na prática médica, do RNA do VHC, que possibilitam a qualitativos.
atualmente é recomendada para uso detecção da viremia. Os testes quali- Também observou-se notável pro-
clínico. Como já mencionado, os pa- tativos, fundamentalmente utilizando gresso em relação à disponibilidade de
cientes infectados pelo genótipo 1 do a RT-PCR, são usados antes de se ini- testes industrializados para a detecção
VHC devem ser tratados por 12 meses ciar o tratamento de pacientes com do RNA do VHC. A determinação da
enquanto os demais, por 6 meses (33). hepatite C e para avaliar a eficácia do carga viral é realizada basicamente por
tratamento. Os testes quantitativos, testes que utilizam a metodologia da
assim como a determinação do genó- PCR ou do DNA ramificado. Pesqui-
CONCLUSÕES tipo do VHC, são importantes para sas nesta área devem desenvolver o
definir a duração do tratamento da método ideal para a quantificação da
Em geral, pode-se dizer que na úl- hepatite C com interferon e ribavi- carga viral do VHC. É importante estar
tima década houve grandes avanços no rina. Portanto, os testes são utilizados ciente de que os valores da carga viral
diagnóstico da hepatite C. Nesse pe- não só para estabelecer o diagnóstico obtidos por PCR ou DNA ramificado
ríodo houve progressiva melhora na da infecção mas, também, no manejo não são intercambiáveis. Portanto, no
sensibilidade e especificidade dos tes- dos pacientes com hepatite C. Em re- acompanhamento de um paciente
tes utilizados para detecção de anticor- lação aos testes qualitativos para a deve-se usar sempre o mesmo teste. A
pos contra o VHC, sendo possível iden- detecção do RNA do VHC, também determinação do genótipo do VHC
tificar pessoas infectadas com o vírus houve significativo avanço nos últi- pode ser feita por PCR ou serotipa-
de maneira rápida e relativamente ba- mos anos, estando melhor definidas gem. A primeira técnica é mais sensí-
rata. Contudo, é necessário que sejam as condições técnicas que possibili- vel e possibilita a identificação de sub-
desenvolvidos testes de maior acurácia tam obtenção de resultados mais tipos do VHC. Contudo, a segunda é
na avaliação de determinados grupos confiáveis e reproduzíveis. É espe- de mais fácil realização e mais barata,
de enfermos, como os imunossuprimi- rado que o desenvolvimento de espé- razão pela que é importante que a téc-
dos ou com hepatite aguda. cimes de referência padronizados e a nica seja aprimorada.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. Hepatitis C: 8. Gretch DR. Use and interpretation of HCV di- blood donors by a multiple-antigen HCV en-
Global prevalence. Update. Wkly Epidemiol agnostic tests in the clinical setting. Clin Liver zyme immunoassay. Transfusion 1992;32(9):
Rec 1997;72(46):341–344 Dis 1997;1(3):543–557. 805–813.
2. Kuo G, Choo Q-L, Alter HJ, Gitnick GL, Re- 9. Hsu HH, Gonzalez M, Foung SKH, Feinstone 15. Lopes EPA, Granato CH, Lanzoni V, Granero,
deker AG, Purcell RH, et al. An assay for cir- S M, Greenberg HB. Antibodies to hepatitis C Paranhos-Baccala G, Tomiyama H, et al. Eval-
culating antibodies to a major etiologic virus virus in low-risk blood donors: Implications uation of an enzyme immunoassay for hepati-
of human non-A, non-B hepatitis. Science for counseling positive donors. Gastroenterol- tis C virus antibody detection using a recom-
1989;244(4902):362–364. ogy 1991;101(6):1724–1727. binant protein derived from the core region of
3. Choo Q-L, Kuo G, Weiner AJ, Overby LR, 10. Romeo JM, Ulrich PP, Busch MP, Vyas GN. hepatitis C virus genome. Mem Inst Oswaldo
Bradley DW, Hougton M. Isolation of cDNA Analysis of hepatitis C virus RNA prevalence Cruz 2000; 95(5):717–720.
clone derived from a blood-borne non-A, and surrogate markers of infection among 16. Barrera JM, Francis B, Ercilla G, Nelles M,
non-B viral hepatitis. Science 1989;244(4902): seropositive voluntary blood donors. Hepa- Achord D, Darner J, et al. Improved detection
359–369. tology 1993;17(2):188–195. of anti-VHC in post-transfusion hepatitis by a
4. Gretch DR. Diagnostic tests for hepatitis C. 11. van der Poel CL, Reesink HW, Schaasberg W, third-generation ELISA. Vox Sang 1995;68(1):
Hepatology 1997;26(3 Suppl 1):43S–47S. Leentvaar-Kuypers A, Bakker E, Exel-Oehlers 15–18.
5. Bradley DW. Hepatitis C Virus: Background PJ, et al. Infectivity of blood seropositive for 17. Craxi A, Valenza M, Fabiano C, Magrin S,
and strategies for cloning a major etiologic hepatitis C virus antibodies. Lancet 1990; Fiorentino G, Diquattro O, et al. Third-gener-
agent of PT-NANB. In: Hollinger FB, Lemon 335(8689):558–560. ation hepatitis C virus tests in asymptomatic
SM, Margolis HS, eds. Viral Hepatitis and 12. Alter HJ. New kit on the block: Evaluation of anti-HCV-positive blood donors. J Hepatol
Liver Disease. Baltimore: Williams & Wilkins; a second-generation assays for detection of 1994;21(5):730–734.
1991. p.320–328. antibody to the hepatitis C virus [editorial]. 18. Kao J-H, Lai M-Y, Hwang Y-T, Yang P-M,
6. Reis MM. Testes imunológicos. Manual Hepatology 1992;15(2):350–353. Chen P-J, Sheu J-C, et al. Chronic hepatitis C
ilustrado para profissionais da saúde. Porto 13. Aach RD, Stevens CE, Hollinger FB, Mosley without anti-hepatitis C antibodies by second-
Alegre (RS): AGE Editora; 1998. JW, Peterson DA, Taylor PE, et al. Hepatitis C generation assay. A clinicopathologic study
7. Gretch DR, Lee W, Corey L. Use of amino- virus infection in post-transfusion hepatitis. and demonstration of the usefulness of a
transferase, hepatitis C antibody, and hepati- An analysis with first- and second-generation third-generation assay. Dig Dis Sci 1996;41(1):
tis C polymerase chain reaction RNA assays assays. N Engl J Med 1991;325(19):1325–1329. 161–165.
to establish the diagnosis of hepatitis C virus 14. Kleinman S, Alter H, Busch M, Holland P, 19. Uyttendaele S, Clayes H, Mertens W, Ver-
infection in a diagnostic virology laboratory. J Tegtmeir G, Nelles M, et al. Increased de- haert H, Vermylen C. Evaluation of third-
Clin Microbiol 1992;30(8):2145–2149. tection of hepatitis C virus (HCV)-infected generation screening and confirmatory as-

166 Brandão et al. • Diagnóstico da hepatite C na prática médica

You might also like