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A HISTÓRIA DOS CONCEITOS E A CONSTRUÇÃO DO SABER HISTÓRICO NA

SALA DE AULA

Railton Souza Santos1

A História dos Conceitos na perspectiva de Koselleck trata do encontro de duas


vias, a saber, o conceito e a história. Tendo por base essa visão, pode-se afirmar que a
“história social” para poder proceder de maneira concisa não deve recusar as perspectivas
teóricas da “história dos conceitos”, pois conhecer a fundo os conceitos trabalhados seria, na
opinião de Koselleck, o primeiro passo a ser dado. Essa premissa é válida, sobretudo, para
aqueles historiadores que trabalham numa perspectiva estrutural, na longa duração. O autor
afirma que a especialização da História dos Conceitos reverberou bastante nas investigações
da História Social. Entretanto, apesar de ser um componente metodologicamente autônomo da
pesquisa social e histórica, baseando-se na terminologia filosófica, na gramática, na filologia-
histórica, na semasiologia e na onomasiologia, a “história dos conceitos” não contém em si
mesma os meios e objetivos. Porque a investigação do universo semântico de cada um dos
principais conceitos em determinada sociedade, revela um ponto de vista polêmico dirigido
para o presente, assim como um componente de planejamento do futuro - “horizonte de
expectativa”. Torna-se, portanto interessante tanto para história dos conceitos como para a
história social ter o conhecimento da profunda mudança histórica, social e política pela qual
passou um conceito específico.

Partindo da premissa de que existe uma relação visceral entre História e linguagem, e
reconhecendo a mutabilidade das palavras, Koselleck realizou subsídio decisivo a este debate
inaugurando uma abordagem sobre a História das Ideias que se funde a uma verdadeira teoria
da história. E a desenvolve a partir de alguns aspectos basilares: o problema da consciência
histórica, sua articulação por meio do conceito de experiência e fazendo recurso à
hermenêutica filosófica que integrados perfazem uma História Social dos Conceitos. O ponto
alto de sua contribuição foi demonstrar os vínculos existentes entre o pensamento social ou
político e os sujeitos, por um lado e como se dá o amálgama entre as expressões de
determinadas consciências históricas por outro, que expressam o quanto o conhecimento
1
Mestrando pela Universidade Federal de Sergipe. Professor da Rede Estadual – SE. E-mail:
rai.dyda@hotmail.com
histórico pode tematizar as condições de possibilidade de histórias e a própria existência
humana (KOSELLECK, 1997, p. 68).

O caráter polissêmico dos conceitos

A história dos conceitos de Koselleck coloca-se como um instrumento teórico-


metodológico para a crítica documental de textos históricos. Contudo, o caráter polissêmico
dos conceitos sociais e políticos potencializariam e ampliariam as possibilidades de análise,
ultrapassando a esfera do estudo dos conteúdos históricos empíricos, ou seja,

O conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica assim como a


soma das características objetivas teóricas e práticas em uma circunstância, a
qual só pode ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse
mesmo conceito. [...] Um conceito não é somente o indicador dos conteúdos
compreendidos por ele, é também seu fator. Um conceito abre determinados
horizontes, ao mesmo tempo em que atua como limitador das experiências
possíveis e da teoria. Por isso a história dos conceitos é capaz de investigar
determinados conteúdos não apreensíveis a partir da análise empírica.
(KOSELLECK, 2006, p. 68)

Portanto, em um único conceito está contida uma multiplicidade de experiências,


conteúdos inatingíveis a partir da análise empírica, o que permite admitir a perspectiva de
analisá-lo enquanto índice/fator dessas experiências. Para tanto, segundo o historiador
alemão, é perfeitamente viável analisar a mudança conceitual tratando de forma sincrônica
espaço e tempo. Nesse trâmite, são utilizados conceitos que organizam os fatos, de modo a
torná-los inteligíveis. Obviamente, os conceitos estão tanto nas fontes, vestígios do passado o
qual o historiador deseja reconstituir, quanto no produto que resultará da sua investigação, a
saber, o texto historiográfico.

As discussões empreendidas pelo autor de Futuro Passado que versam sobre a


relação entre passado e futuro na história moderna, abordando problemas teóricos e
práticos, particularmente no que se refere às relações entre linguagem e história, e a
semântica histórica da experiência podem muito bem dialogar com o campo do ensino de
História.

O emprego de conceitos em sala de aula


O trabalho com conceitos históricos há muito tem sido considerado elemento
indispensável no ensino de História. Alguns livros didáticos tentam fazer algum esforço nesse
sentido através, por exemplo, de exercícios, no fim de cada capítulo, em que o estudante é
levado a assimilar determinados vocábulos. Porém, trata-se de uma atividade de aplicação do
conteúdo explorado, na qual o conceito é pensado somente como produto do conhecimento
obtido pelo educando, e não como resultado de uma construção sistemática e que pode ser
verificada em diversas situações, tendo como base o conhecimento que o aluno já traz
consigo. Desse modo, o professor, na sua prática didática, objetivando um ensino renovado
de História, lançando mão de documentos e diferentes linguagens, certamente adota como um
dos pressupostos do seu fazer, a apropriação, construção e emprego dos conceitos históricos
por parte de seus estudantes.

Notoriamente, uma das inquietações daqueles que lidam com o ensino de História na
contemporaneidade, é a de como proceder para que os alunos possam construir não só um
vocabulário histórico, que seja de fácil assimilação, mas que, principalmente, eles tenham
competência para utilizar tais conceitos em diversas situações de sua vida social. Uma das
elementares questões a ressaltar diz respeito ao fato de que o aluno já é detentor de um
vocabulário histórico de uso habitual, apropriado para descrever situações da realidade por ele
vivida. Isto mostra que os alunos, no cotidiano da sala de aula, possuem pontos de vista
acerca do mundo social, por exemplo, sobre poder, família, economia. Todavia, na maior
parte das vezes, estas concepções são incapazes de apreender os fenômenos sociais em sua
essência.

Nesse contexto, o ensino de História tem se deparado com um entrave, a saber, a


centralização, a ênfase excessiva nesse conhecimento ou vocabulário que o aluno traz para a
sala de aula. Tais conhecimentos, constituídos por uma série de informações, especulações e
noções, que os alunos edificaram no desenvolver de sua própria história, com as interações
sociais, e por essa razão, precisam ser levados em conta como referências iniciais, como bases
a partir das quais se pode dar significado e sentido aos conteúdos históricos.

Outra questão também precisa ser destacada. Tendo os alunos a possibilidade de


realizar suas próprias construções sobre os fenômenos e objetos do mundo social, eles não
recebem de forma passiva as informações que lhes são passadas pelo professor. Os alunos,
enquanto sujeitos sociais e históricos, com um determinado pertencimento de classe e com
inserção em uma determinada cultura, eles mesmos formulam hipóteses e interrogações
direcionadas ao contexto com o qual interagem. Não obstante, o conhecimento inicial dos
alunos, que é um conhecimento mais intuitivo, deve ser tomado a partir de sua distinção do
conhecimento cientificamente elaborado. A sinalização de que está ocorrendo uma mudança
conceitual é dada a partir do momento em que as explicações que o aluno tinha acerca de
determinados fenômenos e dinâmicas históricas não são mais suficientes, o que acaba por
exigir explicações mais plausíveis, pautadas em bases mais sólidas.

Na relação ensino-aprendizagem de História é fundamental que se promova a


construção de um conjunto de subsídios capazes de auxiliar os alunos a realizarem uma
análise mais densa da realidade social. Este instrumental é composto pelos conceitos
históricos, observando sua aplicabilidade e operacionalização, visto que eles não têm origem
diretamente do exame e do pensamento, "ele não é dado", mas como o nome adverte, é fruto
de uma "construção" a qual tem como base os aspectos da experiência individual, o teor, da
observação e da percepção. (GIOLlTTO, 1986, 94).

O aprendizado dos conceitos

Considerando que o trabalho com a construção de conceitos históricos precisa está


atrelado ao processo ensino-aprendizagem de História, é necessário também considerar que
isso não tem como objetivo usar indiscriminadamente termos técnicos ou a prescrição de
significações abstratas e memorizações categóricas de palavras e do seu significado. A
relevância de aprender conceitos vai muito além de acumular conceituações ou
conhecimentos formais, significa, sobretudo, construir um instrumento que auxilie o estudante
na sua apreensão e explicação da realidade social. A elaboração de séries conceituais pelo
aluno, eventualmente promove a leitura do contexto em que está situado, uma vez que,

O conhecimento histórico não se limita a apresentar o fato no tempo e no


espaço acompanhado de uma série de documentos que comprovam sua
existência. É preciso ligar o fato a temas e aos sujeitos que o produziram
para buscar uma explicação. E para explicar e interpretar os fatos, é preciso
uma analise, que deve obedecer a determinados princípios. Nesse
procedimento, são utilizados conceitos que organizam os fatos, tornando-os
inteligíveis. (BITTENCOURT, 2005, p. 183).
Os conceitos mostram-se imprescindíveis para a mediação dos conhecimentos
históricos, posto que, estando no universo histórico os conteúdos socialmente construídos são
fundamentais para que o aluno identifique as transformações ao longo do tempo e do espaço,
tome consciência do quanto ele próprio é marcado pelas contradições da sociedade e tenha
condições de propor alternativas de mudanças nas estruturas sociais.

Definição de conceito

É oportuno questionar: o que constitui um conceito na visão de koselleck? Buscando


responder a isto, o próprio autor assevera:

Todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um


conceito. Toda palavra possui um sentido, mas não são todos os sentidos
atribuídos a uma palavra interessante para a História dos Conceitos, para esta
interessam conceitos passíveis de uma teorização e cujo entendimento é
também reflexivo (Koselleck, 2006, p. 106).

O conceito é mais que uma palavra e esta só se transforma em um conceito na medida


em que as circunstâncias totais político-sociais a ela se agregam. Os conceitos sociais e
políticos encerram uma exigência real de generalização, ao mesmo tempo em que são
palavras que reúnem vários significados, isto é, são sempre polissêmicos. Isso equivale a dizer
que, com o passar dos tempos os termos tendem a se transformarem. Este fenômeno pode ser
ilustrado com o que ocorreu com o conceito “revolução”. Na época de Aristóteles, este
conceito significava um movimento cíclico ou um retorno. Mas os acontecimentos
indomáveis de 1789, na França, transformariam o entendimento do termo. Desde então,
passou a representar todas as revoluções, mas tendo como referência a Revolução Francesa.
Conforme Koselleck, o termo evoluiu para a forma de um “coletivo singular”. E é nesse
sentido que Koselleck, em Futuro Passado, em que discorre “sobre a teoria e o método da
determinação do tempo histórico”, irá, brilhantemente, propor um elo complexo entre a
História dos conceitos e a história social. O historiador alemão advoga a favor da ideia de que
há uma força peculiar nas palavras, pois sem as mesmas o “sofrer e o fazer humanos” não
poderiam ser experimentados tampouco transmitidos.

De forma esquemática, Koselleck sugere uma interessante fórmula em que é possível


observar a questão da mudança do ponto de vista das relações mais “orgânicas” entre
conceitos e realidades. Na hipótese de que, de um lado existe uma realidade, um contexto, um
estado de coisas, e de outro um conceito no qual se espera abarcar tudo isto, quatro situações
são prováveis: a) a realidade e o conceito conservam-se ambos estáveis ao longo de um
período de tempo; b) o conceito e a realidade simultaneamente se transformam; c) os
conceitos sofrem mudanças sem que ocorra uma alteração concomitante da realidade, isto é, o
mesmo estado de coisas é conceituado de modo diferente; d) a realidade é alterada, entretanto
o conceito permanece o mesmo.2

Koselleck atribui um caráter heurístico e didático a este esquema, em vista da


articulação muito mais complexa entre linguagem e história. Primeiramente porque a relação
entre realidade sociopolítica e conceito, entre “dogmata” e “pragmata”, não se dá
simplesmente em termos de separação e oposição. Predomina a perspectiva de que, enquanto
os conceitos possuem capacidades políticas e sociais, seu papel e performance semânticas não
são somente resultantes das conjunturas sociais e políticas às quais eles se reportam. Um
conceito é bem mais do que um indicativo das relações que ele recobre; é também um
elemento no interior delas. Cada conceito instaura um horizonte particular para a experiência
potencial e a teoria possível e, nessa lógica, estabelece um limite.

A seleção dos conceitos

Diante dessas considerações acerca dos conceitos, cujas potencialidades heurísticas e


didáticas podem ser exploradas pelo professor/pesquisador em sala de aula, convém indagar:
que conceitos dever ser privilegiados no ensino de história? Antes de responder a esta questão
é preciso refletir acerca da concepção de História que dar sustentação a perspectiva
metodológica do ensino. Da mesma forma, é necessário considerar os objetivos que se almeja
alcançar, os interesses e demandas dos alunos e a realidade vivenciada por professores e
estudantes. De acordo com Silva e Fonseca (2010): a história ensinada sempre resulta de uma
seleção, um “recorte” temporal, histórico. Em decorrência, as histórias são provenientes de
múltiplas leituras, interpretações de sujeitos históricos situados socialmente. Semelhante a
História, o currículo escolar não se restringe a um conjunto conhecimentos escolares a serem
ensinados, apreendidos e avaliados.

2
Ver. KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos históricos.
Vol. 5, n. 10, p. 134-146.
Nesse sentido, é possível adotar alguns critérios para nortear a primeira seleção dos
conceitos a serem abordados no ensino de História. Dentre os quais:

1. A seleção de uma quantidade considerável de conceitos que podem ser empregados


pelo professor e extraídos do próprio material didático ao quais os alunos têm acesso.

2. A seleção de conceitos que tenham a natureza mais universal possível, para facilitar
o seu uso em um maior número de situações e contextos históricos.

3. Operar um tratamento didático que promova a aprendizagem pelo aluno, porque os


conceitos históricos não são de fácil aprendizagem, especialmente nas séries iniciais do
ensino fundamental.

Um dos conceitos mais importantes a serem escolhidos para ser trabalhado, é o


conceito de tempo. Pode-se perguntar o que o tempo histórico, afinal? Esse é um dos
questionamentos mais árduos para se chegar a uma conclusão no domínio da historiografia. A
pergunta nos conduz indispensavelmente ao campo da teoria da história, sob uma ótica ainda
mais profunda do que a usual. Porque as fontes do passado são apropriadas para nos dar
notícia instantânea sobre fatos e ideias, acerca do plano e acontecimentos, contudo, não sobre
o tempo histórico em si. No intuito de solucionar de maneira mais adequada possível essa
questão, costumaz no campo dos estudos da história, é preciso recorrer a mais de uma
abordagem teórica, já que os testemunhos da tradição e do passado têm-se revelado
insuficientes.

À primeira vista, uma das primeiras noções que os alunos apresentam em discussões
acerca do mundo social, é a de que ele se mantém inalterado, tudo foi sempre igual. As
questões de mudança, de transformações e do processo histórico são elaborações mentais
mais complexas e dependem da intervenção, da mediação do ensino. Tal intervenção é no
sentido de fazer com que os alunos tenham a chance de refletir sobre as especificidades destas
duas dimensões do tempo, a saber, passado e presente (dos "tempos da História"). Intervir
para que os alunos adquiram, gradativamente, o fundamento dos tempos históricos, da
sucessão, da ruptura, da permanência, da duração e das mudanças. O trabalho com os tempos
históricos deve levar os alunos a construírem diferenciações, tanto entre distintos momentos
da História, como entre diferentes tipos de sociedades. Esta abordagem será mais eficaz de
estiver atrelada a noção de período histórico, dentre outras, levando o aluno a construir pontos
de referência (datas, durações, acontecimentos), levando os alunos compreenderem a divisão
ou medida do tempo ( hora, dia, ano, século).

Não é exagero afirmar que no decorrer de uma investigação empenhada com


circunstâncias históricas é desnecessário formular categoricamente a pergunta sobre um
tempo histórico. Entretanto,

[...] a datação exata é imprescindível para que se possa organizar e narrar


esse conteúdo constituído de eventos Mas a datação correta é apenas um
pressuposto, e não uma determinação da natureza daquilo que se pode
chamar de “tempo histórico”. A cronologia – como ciência auxiliar que é –
responde às questões sobre datação à medidas de tempo empregados ao
longo da história, reunindo-os em um único tempo regido segundo o nosso
sistema planetário e calculado segundo as leis da física e da astronomia. Esse
tempo único, natural, passa a ter, então, o mesmo valor para todos os
habitantes da Terra (se desconsiderarmos as diferenças nas estações do ano e
nas variações na duração de um dia). (Koselleck, 2006, p. 13).

Esse mesmo princípio pode servir de ponto de partida no que diz respeito ao tempo
biológico do homem, o qual, apesar dos recursos da medicina, varia de forma bastante
limitada. Entretanto, tal pressuposto natural, presente em nossa divisão do tempo, será
estranho à investigação da co-incidência entre história e tempo. Por isso, os estudantes
precisam compreender que o tempo histórico revela e elucida o processo pelo qual passou ou
passa a realidade em análise, uma vez que ele tem como agentes os grupos humanos, os quais
promovem as mudanças sociais, e concomitantemente são modificados por elas. Todavia, a
história não se deixa aprisionar pelo tempo cronológico. Por vezes, é forçoso ir e voltar no
tempo. Voltamos para compreender as origens de certa situação estudada e seguimos em
frente ao explicar os seus desdobramentos.

Quem busca achar o cotidiano do tempo histórico deve observar as rugas na face de
uma pessoa, ou mesmo as cicatrizes nas quais se desenham os traços gerais, as marcas de uma
saga já vivida. Ou pode também, observando ao redor, a própria cidade, trazer à memória a
presença, lado a lado, de edificações em ruínas e construções atuais, vislumbrando assim a
evidente transformação de estilo que confere uma profunda dimensão temporal a um simples
conjunto de habitações.
Por fim, que contemple a sucessão das gerações dentro da própria família,
assim como no mundo do trabalho, lugares nos quais se dá a justaposição de
diferentes espaços da experiência e o entrelaçamento de distintas
perspectivas de futuro, ao lado de conflitos ainda em germe. (Koselleck,
2006, p. 14).

Esse simples exercício de contemplar a passagem do tempo a partir de coisas que estão
ao nosso redor já é suficiente para que se note o quão é complexo traduzir, prontamente, a
universalidade de um tempo calculável e natural – mesmo que esse tempo tenha uma história
própria – para um conceito de tempo histórico. Então,

a própria singularidade de um tempo histórico único, distinto de um tempo


natural e mensurável, pode ser colocada em dúvida. Pois o tempo histórico,
caso o conceito tenha mesmo um sentido próprio, está associado à ação
social e política, a homens concretos que agem e sofrem as consequências de
ações, a suas instituições e organizações. Todos eles, homens e instituições,
têm formas próprias de ação e consecução que lhes são imanentes e que
possuem um ritmo temporal próprio. ( Koselleck, 2006, p. 14).

Ainda acerca dessa questão do tempo cronológico e do tempo histórico, podemos


pensar nos diferentes calendários festivos que articulam a convivência em sociedade, na
alternância dos tempos destinados ao trabalho e em sua duração, que produziram o
encadeamento da vida no passado e prosseguem a instaurá-la diariamente.

É na relação entre o passado e o futuro, na distinção entre ambos que se apreende o


tempo histórico. Partindo de uma terminologia antropológica: “(...) entre experiência e
expectativa, constitui-se algo como um tempo histórico” (Koselleck, 2006, p. 16). Isso
significa pensar que é na forma como cada geração se relacionou com seu passado (formando
seu campo de experiência) e com seu futuro (construindo um horizonte de expectativa)
construiu uma relação com o tempo que possibilita sua caracterização como tempo histórico.

Segundo Koselleck, a modernidade caracteriza-se pelo progressivo afastamento entre


experiência e expectativa, de modo que só se pode pensar a modernidade como um tempo
novo a partir do momento em que as expectativas passam a afastar-se cada vez mais das
experiências feitas até então. Trata-se de um tempo não apenas histórico, e sim historicizado,
pois a forma como cada geração operou esta relação entre passado e futuro alterou-se. À
medida que o homem experimentava o tempo como um tempo sempre inédito, como um
“novo tempo” moderno, o futuro se mostrava sempre mais desafiador.

A experiência da novidade, do imprevisto, ao que tudo indica se acentuou no contexto


da Revolução Francesa. O tempo histórico sofreria, a partir de então, uma mudança de
direção, e isso justifica a escolha do autor em concentrar-se na análise deste período,
examinando como esta nova consciência pôde ser expressa através da linguagem, na criação
de conceitos de movimentos que pareciam emancipados do passado: ruptura radical, que
marca ainda hoje nossa relação com o tempo histórico.

Para Hartog (2013), a temporalidade contemporânea é regida pelo presente. A queda


do muro de Berlim, além de toda a conotação política-ideológica, significou um “corte” no
tempo, de modo esse fato que teria assinalado o fim da preponderância do futuro, que se
tornou imprevisível.3É relevante pensar professores e alunos estão inseridos nesse contexto de
crise do futuro, nessa “brecha” temporal que estremeceu a relação do Ocidente com o tempo e
a história, dando a impressão de que se vive num permanente e aprisionador presente (o
presentismo). É fácil perceber entre os mais novos uma valorização do presente em
detrimento das outras dimensões temporais - o passado e o futuro.4 Logo, é necessário
desmistificar a evidência do presente, historicizando-o.

Fazer com que o aluno construa o conceito de tempo é muito importante, porque ele
não o domina de maneira a priori, para tanto é exigido certo grau de abstração (teoria da
história). Nessa linha de pensamento, o conceito de tempo deve ser correlacionado a outras
categorias, como a da noção de período histórico, levando o aluno estabelecer pontos de
referência, a exemplo de: datas, durações, acontecimentos. A partir disso é possível que os
alunos compreendam a divisão ou medida do tempo (hora, dia, ano, século). Se a História
estuda os grupos humanos através do tempo, a experiência do tempo faz parte do nosso
cotidiano; por exemplo, quando percebemos coisas que mudaram ou permaneceram de uma

3
Ver. HARTOG, François. "Regimes de Historicidade. Presentismo e Experiências do Tempo". Belo Horizonte:
Editora Autêntica, 2013. O grande evento que definiu a época atual ocorreu em 1989: a queda do muro de
Berlin, que representou o fim do projeto comunista e da revolução e a ascensão de múltiplos fundamentalismos.
4
Sobre o assunto do presentismo dominante, Hartog afirma que vivemos o tempo galopante da globalização que
é ao mesmo tempo resultado da crise de credibilidade do progresso e sua realização, já que o avanço tecnológico
continua a se expandir e a sociedade de consumo se amplia.
época para outra, experimentamos a diversidade de concepções, perspectivas ou mentalidades
existente entre pessoas do mesmo grupo. Podemos então concluir então, que a noção de
tempo é ampla. Abrange, portanto aspectos cronológicos, psicológicos e o aspecto histórico-
social. O chamado tempo histórico se relaciona com as percepções sobre mudanças e
permanências nos modos de ser e de viver das sociedades. Para o historiador Nicolau
Sevcenko ( 2001, p. 3), o tempo histórico nos fornece o contexto no interior do qual podemos
avaliar a escala, a natureza, a dinâmica e os efeitos das mudanças em curso, bem como quem
são seus beneficiários e a quem elas prejudicam.5

Ao lidar com estes diferentes conceitos, uma dos mais recorrentes dificuldades diz
respeito ao fato de que muitas vezes, o limite entre o conceito e o fato histórico é
demasiadamente tênue. Ademais, diferentes conceitos são compostos de diferentes graus de
dificuldade de aprendizagem, tanto pelo seu nível de abstração, como pelo seu afastamento do
vivido ou do existente previamente no conhecimento do aluno.

Há conceitos abordados no ensino de História que possuem caráter mais universal,


ficando seu conteúdo inalterado no tempo e no espaço, exemplo disto são os conceitos de
monarquia, república, industrialização, espaço urbano, espaço rural, constituição, cidade,
produção agrícola, família nuclear, família patriarcal, colonizadores. Em contrapartida, alguns
conceitos são mais exclusivos de um momento ou de um espaço determinado, nesta
perspectiva tem-se: índios: imigração, migração. Existem ainda os conceitos como, tropeiros,
bandeiras, bandeirantes, região caudilhismo, que se referem a fenômenos bem específicos ou
singulares no tempo e no espaço. Entretanto, o limite entre o conceito e o fato histórico nem
sempre está bem claro, o que se constitui em um grande desafio a ser enfrentado no cotidiano
da sala de aula. Ademais, como já foi dito, diferentes conceitos, tanto pelo seu nível de
abstração, como pelo seu distanciamento do vivido ou por não fazer parte do conhecimento
prévio do aluno, mostram diferentes nuances de dificuldade de aprendizagem.

5
Em sua brilhante obra “A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa”, Nicolau Sevcenko inicia
dizendo que uma das sensações mais intensas, do mundo atual, que se pode experimentar é a montanha-russa,
por submeter às pessoas as experiências extremas de deslocamento e aceleração que alteram a percepção do
próprio corpo e do mundo ao redor. Assim, Sevcenko faz uma analogia entre a montanha-russa com o século
XX, mostrando que os dois possuem um ritmo bem parecido de grandes subidas (momento de grandes avanços
tecnológicos) e descidas (período em que não ocorre grandes avanços tecnológicos).
O trabalho com conceitos no ensino de História envolve algumas atividades básicas,
dentre as quais podemos destacar as de classificar, definir e de aplicar os conceitos em
determinadas situações, de programação e de comunicação. Enquanto alguns conceitos podem
ser classificados conforme o seu significado mais amplo, outros se classificam pelo seu
significado mais peculiar ou temático. Sociedade, poder, civilização, cultura e economia, por
exemplo, podem ser mais facilmente apreendidos a partir do seu significado mais amplo, ou a
partir de certas referências:

SOCIEDADE. A construção desse conceito ocorre mediante ao conhecimento de


uma determinada organização social em um determinado momento da história; ao se situar os
direitos e deveres dos diferentes componentes sociais (operários, classes médias, etc).

PODER. A apreensão desde conceito se relaciona, por exemplo, ao entendimento do


modo como as pessoas são governadas e como se tem exercido o poder político por meio das
instituições; como as nações relatam os acontecimentos referentes ao seu passado de guerra e
paz. O conceito de poder, seja em seu aspecto político (poder monárquico, republicano, dentre
outros), seja em aspectos relacionados com o poder econômico, religioso, social e ideológico
são importantes na construção da consciência cidadã, algo que se espera do ensino do ensino-
aprendizagem de História.

Deve-se admitir ainda a possibilidade de também laçar mão de uma classificação


mais temática, estabelecida, fazendo-se um recorte do conteúdo. Suponhamos que o tema
escolhido seja Era Vargas. Nesse caso, pode-se tentar agrupar os conceitos em: políticos(
povo, nação , Estado); econômicos( desenvolvimentismo, industrialização, agro-exportador) e
sociais( trabalhadores, oligarquia, cidadania). Mais um importante trabalho que professores e
alunos têm condições de realizar com os conceitos, diz respeito a sua definição, pois é
importante que o aluno consiga expressar o seu significado político e social contido em uma
palavra e tenha condições de distingui-la dos demais conceitos. Além de Koselleck, podemos
recorrer ao pesquisador Cristòfol A. Trepat Carbonell (1995). Segundo esse autor, é possível
definir os conceitos de diferentes formas. Nesse sentido têm-se as definições nominais, se
reportam à etimologia, ou seja, referem-se ao significado do termo que designa o conceito.
Por exemplo: Democracia - vem do grego antigo: demos (povo) e kratos (poder), e significa
poder ou governo do povo.
As definições reais referem-se ao objeto que nomeiam. Por exemplo: Democracia - é
uma doutrina política que pressupõe a participação do povo no governo e na eleição de
governantes. Nas definições essenciais o significado de um conceito é dado de forma
especifica através da listagem de algumas características consideradas imprescindíveis para se
aproximar de sua definição mais coerente. Exemplificando: democracia – doutrina, regime
político, princípio.

O uso de sinônimos e antônimos também é viável para se apreender um conceito.


Por exemplo: colônia - é o contrário de metrópoles; ditadura é o contrário de democracia.
Quando se trata de trata-se de explicar o significado de um conceito a partir da exposição do
maior número de seus atributos, temos as definições descritivas. Por exemplo: uma forma de
governo em que o chefe de Estado é eleito pelos representantes dos cidadãos ou pelos
próprios cidadãos, e exerce o seu cargo por um limitado tempo, pode ser um dos conteúdos a
serem agregados ao termo democracia.

Por fim, há as definições que podem ser feitas de forma serial. Nessa perspectiva, o
conceito é definido a partir de sua contextualização dentro de um recorte temporal de
sucessão ou simultaneidade. Ditadura é um termo que se refere a um dos regimes não
democráticos ou antidemocráticos, ou seja, governos onde não há participação popular, ou em
que essa participação ocorre de maneira muito restrita. Num regime ditatorial, o poder está em
apenas uma instância, portanto esse conceito pode ser aplicado ao Brasil, no período de 1937
– 1945 e 1964 a 1985.

Vale notar que, na construção das definições dos conceitos, devemos tomar muito
cuidado para não dar a entender que apenas uma definição é válida, pois os conceitos sociais e
políticos encerram uma exigência real de generalização, ao mesmo tempo em que são
palavras que reúnem vários significados, e por essa mesma razão são, necessariamente,
sempre polissêmicos.6 No que tange a aplicação, essa etapa pode ser feita de maneira
gradativa:

6
Nas palavras de Marcelo Jasmin: “na relação complexa entre conceitos e realidade, entre “dogmata” e
“pragmata”, a separação entre linguagem e história não implica em aceitar por aceitar o caráter linguístico
constitutivo da realidade social e política, mas a busca de um modelo teórico no qual os significados linguísticos
simultaneamente criam e limitam as possibilidades da experiência política e social”. (Jasmin, 2005, p. 33).
a) O aluno precisa detectar os conceitos em fontes primárias ou secundárias;

b) organizar os conceitos coletados, segundo algum critério de classificação;

c) Comparar o conceito identificado em uma fonte com o mesmo conceito usado em outras
situações, percebendo diferenças e semelhetudes;

d) Comunicar conhecimentos históricos, fazendo uso dos conceitos, em contextos corretos,


através de frases, textos etc.

No primeiro momento, as atenções devem centralizar-se no uso apropriado dos


conceitos históricos, relativos às dimensões de temporalidades: ordenação, sucessão,
cronologia, duração, simultaneidade, antes, depois, durante, no momento em que, faz tempo,
naquele momento, etc. Neste primeiro estágio é fundamental fomentar também, a utilização
adequada dos termos históricos comumente empregados em narrativas, ou relatos, colocando-
os oralmente em outros contextos.

Numa etapa seguinte, o aluno deve saber usar por escrito ou oralmente conceitos
alusivos a personagens ou situações com maior fundo histórico; aplicar oralmente ou por
escrito, conceitos relacionados a fatos conectados à vida cotidiana ou a aspectos técnicos,
situando-os numa perspectiva histórica; fazer uso de conceitos diametralmente relacionados
com a História, como o conceito de fonte histórica.

Numa terceira etapa, estimula-se a utilização de conceitos históricos que demandam


certo nível de abstração, tais como: liberdade, progresso, república, revolução, dentre outros.
O aluno poderá exercitar a capacidade de definir os conceitos mencionados, elaborar frases
corretas do ponto de vista histórico, utilizando estes conceitos, oralmente ou por escrito,
relacionando-os ao seu cotidiano, aos costumes, à tecnologia. Da mesma forma, espera-se a
aplicação dos conceitos relacionados à ciência histórica, como cronologia, documento, fonte e
interpretação, etc.

A partir disso, já é possível trabalhar com os conceitos históricos essencialmente


abstratos, tais como: sindicato, partido político, civilização, bem como usar conceitos
habitualmente usados em análises, reconstituições e explicações históricas, a saber: sociedade,
contexto, classe, grupo social, permanência, mudança, etc. Por serem ainda mais abstratos,
liberalismo, socialismo, terrorismo, fascismo, comunismo são conceitos a serem aplicados
quando o aluno já estiver num bom nível de amadurecimento intelectual, sendo capaz de
classificar com facilidade os conceitos históricos presentes nas fontes primárias e secundárias
a partir de critérios e questões previamente formuladas.

É importante frisar que o trabalho com a construção de conceitos pressupõe a criação


de momentos e canais, a fim de que os alunos possam além de explorar também possam
comunicar essas categorias. Esta ideia básica decorre, sobretudo, do fato de que os alunos
precisam ter domínio sobre os conceitos históricos que permeiam a construção do saber
histórico e deles fazer uso em diferentes situações. Assim, propõe-se a sistematização do
trabalho sob a forma da comunicação dos conceitos.

Como ficou evidente, a comunicação dos conceitos se constitui na culminância do


processo de apreensão dos mesmos, tal comunição pode ser realizada sob a forma da
construção de narrativas históricas. Sendo a História um gênero textual que se materializa em
um texto inteligível, no qual preponderam sequências narrativas e descritivas, sobre
personagens e fatos reais, é indispensável também que alunos tenham clareza sobre algumas
sugestões metodológicas de pesquisas e técnicas utilizadas no trato das fontes, para que assim
possam elaborar um texto histórico.

A partir do momento em que os estudantes compreendem que o saber histórico é se


faz a partir de versões, e, que um mesmo acontecimento pode ser narrado de várias formas,
em diversas perspectivas, eles entendem que é preciso buscar fontes variadas, a fim de ter
uma visão mais abrangente sobre qualquer experiência histórica. Portanto, será crucial fazer,
cotidianamente, um esforço para que os alunos adquiram a consciência de que a História se
constitui em um instrumento fundamental para o conhecimento humano, e de que o próprio
conhecimento é dinâmico, não sendo compostos de verdades absolutas e inquestionáveis. De
outra forma, corre-se o perigo de se ter um ensino meramente reprodutor que faz perpetuar
imagens, conceitos e ideias que engessam o olhar sobre a realidade dos fatos.
Por fim, é oportuno pontuar que a prática da leitura sistemática (leitura,
problematização produção escrita e oral) pode ser uma metodologia eficaz na articulação do
processo ensino-aprendizagem, ou seja, lendo sistematicamente, o aluno criará condições
necessárias para se apropriar dos conceitos, dos conteúdos históricos e acerca deles construir
um posicionamento crítico, identificando problemáticas do passado que podem ser trazidas
para o presente. Em decorrência, ele será protagonista da construção do conhecimento do
saber histórico.

REFERÊNCIAS

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Editora Cortez, 2005.
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