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ARTIGO

o PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
"
E A ANALISE ORGANIZACIONAL
• Maurício Serva a análise organizacional, bem como dos limites que devem ser
Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia, observados.
pesquisador do CETEAD, mestre e doutorando em
Administração na EAESP/FGV.
* PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia, complexidade, organi-
zações.

>1< ABSTRACT: This paper presents a new scientific paradigm,


organized from cybernetics and biology, that in the last 20
* RESUMO: Este artigo apresenta um novo paradigma cien- years became useful in many areas of the science and called
tífico, originado na cibernética e na biologia, e que nos últi- until now by Complexity Paradigm; their origins, main
mos vinte anos tornou-se profícuo em várias áreas da ciência, scientists and some fundamental concepts: organization, auto-
denominado, até então, de Paradigma da Complexidade. São organization, autonomy and evento Later, some possibilities
enfocados as suas origens, os principais pesquisadores e alguns of aplication this paradigm to the organizational analysis, as
dos seus conceitos fundamentais: organização, auto-organi- well the limits.
zação, autonomia e evento. Em seguida, são apresentadas
algumas das possibilidades de utilização desse paradigma para * KEY WORDS: Epistemology, complexity, organizations.

26 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 32(2): 26-35 Abr./Jun. 1992


o PARADIGMA DA COMPLEXIDADE. ..
ORIGENS matemática, que descobrem, ou redescobrem,
que os movimentos espontâneos da matéria não
As raízes históricas do que se considera a conduzem à indiferenciação: em certas cir-
atualmente como paradigma da comple- cunstâncias, tudo se passa como se a matéria
xidade remontam às pesquisas desenvol- fosse capaz de se auto-organizar". 2 Os

vidas no Biological Computer Laboratory, avanços na microfísica fazem a física dis-


fundado por Heinz von Foerster na Uni- tanciar-se, paulatinamente, da mecânica
versidade de Illinois, em 1956. Em com- racional; a contribuição da escola de Bru-
panhia de grandes nomes da ciência, tais xelas à termodinâmica do desequilíbrio
como Ross Ashby, Warren Mac Culloch, rendem o Prêmio Nobel de Química a Ilya
Humberto Maturana, Gordon Pask, dentre Prigogine, em 1977, pela teoria das estru-
outros, von Foerster aprofundou estudos turas dissipativas, desembocando numa
sobre temas como causalidade circular, nova visão de ordem na natureza - ordem
auto-referência e o papel organizador do por flutuação - no estreitamento da
acaso, mesclando conhecimentos da bio- aproximação com a biologia molecular e na
logia e da cibernética. busca da compreensão do complexo.
Entre 1960e 1962,a realização de alguns
simpósios sobre sistemas auto-organi- •••••••••••••••••••••••
zadores, nos Estados Unidos, com a presen-
A emergência do paradigma da
ça de S. Cameron, M. Yovits, H. Zopf, von
Foerster, G. [acobi e G. Goldstein, provocou complexidade é uma tentativa de
a publicação dos primeiros estudos, abor- superar os impasses conceituais,
dando, sob o ponto de vista cibernético, a lógicos e epistemológicos que
dinâmica operacional dos sistemas auto- disciplinas como biologia, cibernética,
organizadores. Na primeira dessas publica-
físico-química, teorias da
ções, pode ser encontrado o texto reconheci-
do como fundador desse tema, On Self- comunicação, dentre outras, criaram
Organizing Systems and their Environments, a partir de seus próprios
elaborado por von Foerster em 1960. desenvolvimentos.
Ainda nos anos sessenta, a descoberta
do "programa genético" na biologia •••••••••••••••••••••••
molecular representa também um signifi- Todavia, é a publicação de O Acaso e a
cativo impulso a esse campo. Aprofun- Necessidade, em 1970, por [aques Monod,
dando o conhecimento da gênese da vida, que marca decisivamente esse segundo
pesquisadores comprovaram que a mesma momento. As pesquisas de Monod, junta-
repousa em mecanismos físico-químicos, mente com André Lwoff e François [acob,
suscitando novas questões e dirigindo a no campo da biologia molecular, valeram-
interpretação do funcionamento da célula lhes o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medi-
para a imagem de uma "máquina viva", cina em 1965. Ensejando uma cibernética
uma máquina que se constrói a si mesma. microscópica no estudo do funcionamento
Sua compreensão implica a percepção de e reprodução da célula, Monod extrapola
um modo de organização próprio a tal as fronteiras da bioquímica celular, elabo-
"maquinaria", utilizando termos e concei- rando uma obra epistemológica que clama
tos da teoria da comunicação como pro- pela renovação da ciência e ressaltando a
grama, código, informação, mensagem, compreensão do papel do acaso como
tradução etc., "vê-se um belo exemplo de cir- ponto de partida para uma nova teoria da
culação de conceitos entre disciplinas tão dis- evolução das espécies.
tantes uma da outra ... "1 Essa circulação é A emergência do paradigma da com-
apenas o início de um grande esforço pos- plexidade é uma tentativa de superar os
terior no sentido da transdisciplinaridade, impasses conceituais, lógicos e episte-
constante do paradigma em questão. mológicos que disciplinas como biologia,
1. DUMOUCHEL, P. & DUPUY, J.P.
Na década de setenta, opera-se o se- cibernética, físico-química, teorias da co-
(or9s.) L'auto·organisation: de la
gundo grande movimento que conduziu municação, dentre outras, criaram a partir physique au politique. Paris, Seuil,
ao estágio atual de desenvolvimento do dos seus próprios desenvolvimentos. 1983, p.15.
paradigma. "É primeiramente a física, a qui- Reunidos sob o tema da auto-organização,
mica e a termodinâmica, acompanhadas pela um dos temas centrais do paradigma, di- 2. Idem, ibidem, idem.

Copyright ©1992, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 27
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versos pesquisadores vêm tentando escla- radigma são em grande número, não ca-
recer a "continuidade/descontinuidade entre a bendo aqui a sua descrição. Porém, seleci-
cibernética das máquinas artificiais e a ciber- onamos alguns que consideramos como
nética das máquinas naturais"? Menos do conceitos-chave para o tema que aborda-
que solucionar definitivamente os im- mos neste estudo. Portanto, discorreremos
passes, os diversos conceitos produzidos brevemente sobre organização, auto-or-
(auto-organização, autopoiese, ordem ou ganização, autonomia e evento.
complexidade pelo ruído", evento etc.) têm O conceito de organização está cor-
feito emergir uma lógica de organização relacionado às idéias de sistema e de or-
que parece indicar um caminho frutífero dem. A organização é a produtora de um
para o aprofundamento das questões que sistema ou uma unidade complexa, pois se
o paradigma assume discutir. afirma como disposição relacional que
A rigor, tais estudos não estavam desti- liga, transforma, mantém ou produz com-
nados a sair dos campos científicos nos ponentes, indivíduos ou acontecimentos.
quais tiveram origens. Entretanto, o con- Ela garante solidariedade e solidez relativa
texto sócio-político da pós-modernidade, às ligações, criando possibilidades de du-
notadamente a partir dos anos setenta, que ração ao sistema, em face das perturbações
envolve essas pesquisas conduziram-nas aleatórias." Logo, inter-relação, organiza-
às ciências do homem. ção e sistema são concebidos numa reci-
procidade circular. Embora estreitamente
••••••••••••••••••••••• ligada à ordem, a organização não deve ser
Menos do que solucionar confundida com ela: "a organização não pode
ser reduzida à ordem, embora comporte e pro-
definitivamente os impasses, os duza ordem". 7 A organização, enquanto
diversos conceitos produzidos têm disposição relacional, remete ao plano di-
feito emergir uma lógica de nâmico da interação, sendo superior por-
organização que parece indicar um tanto à idéia de ordem.
caminho frutífero para o Auto-organização é o conceito central da
complexidade. Tornou-se um pólo aglu-
aprofundamento das questões que o tinador. Sob a sua denominação, foi reali-
paradigma assume discutir. zado um colóquio em Cerisy, França, em
junho de 1981, reunindo cem pesquisado-
••••••••••••••••••••••• res, enfocando disciplinas tão distintas
A obra de Edgar Morin, uma tentativa como física, biologia, neurofisiologia, ma-
3. Idem, ibidem, p.16.
de concretização da transdisciplinaridade temática, cibernética, filosofia, sociologia,
4. O termo ruído é utilizado aqui no científica e filosófica, fazendo interagir economia, antropologia e política. A auto-
sentido estrito da teoria da informa· fenomenologia, dialética e teoria de siste- organização no campo da cibernética foi o
ção: "Chama-se ruído toda a pertur- mas, acrescida às obras não menos impor- tema gerador das primeiras pesquisas da
bação aleatória que intervem na co- tantes de outros autores, como Cornelius complexidade. No entanto, é na biologia
municação da informação e que, por Castoriadis, René Girard, Ivan Illich, jun- que o conceito torna-se mais complexo e
isso, degrada a mensagem, que se taram-se a esses estudos em busca de dar desafiante. Com a metáfora do "programa
torna errônea. O ruído é, portanto, forma a uma constelação de aspirações re- genético", a biologia molecular avança,
desordem que, desorganizando a
lacionadas à autonomia do sujeito, à auto- mas se depara com um novo impasse: di-
mensagem, torna-se uma fonte de
erros". MORIN, Edgar. Ciência com nomia dos indivíduos face à padronização ferentemente dos sistemas cibernéticos,
consciência. Lisboa, Europa-Améri- excessiva imposta pela sociedade. Para que são programados por um ente exterior,
ca, 1982, p.167. Dupuy 5, doravante a autonomia referida, o "programa genético" é um programa que
concebe-se sobre o modelo da célula viva programa a si mesmo, isto é, um programa
5. DUPUY, Jean-Pierre. Ordres et ou das estruturas dissipativas. Assim, que tem a necessidade dos produtos de sua
désordres: enquéte sur un nouveau aprofunda-se também a questão da auto- leitura e de sua execução, para ser lido e
paradigme. Paris, Seuil, 1982. nomia do social, na tentativa de entender executado por ele próprio.
a sua complexidade. É portanto, do estudo dos sistemas vivos
6. MORIN, Edgar. O método: a natu-
reza da natureza. Lisboa, Europa-
que provém o maior aprofundamento do
América, 1977. A COMPLEXIDADE· PRINCIPAIS CONCEITOS conceito de auto-organização. Ela se apre-
senta nesses sistemas como resultante da
7. MORIN, Edgar. Ciência com Os conceitos produzidos pelo conjunto capacidade de fazer face às perturbações
consciência. Op. cit., p.73. de pesquisadores envolvidos nesse pa- aleatórias do ambiente, por desorganiza-

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o PARADIGMA DA COMPLEXIDADE ...
ções seguidas de reorganizações internas, quece o conhecimento das interações com
absorvendo, tolerando, integrando o erro ele.
e/ ou o ruído causadores das perturbações. Nesse sentido, a autonomia refere-se a
O princípio da "ordem a partir do ruído", uma atitude que consiste em definir um
formulado em 1960 por von Foerster, teve sistema por sua coerência interna, isto é,
o mérito de possibilitar a compreensão por seus comportamentos prõprios", com
inicial desse processo. Atlan" reelabora-o, o objetivo de dar conta de sua identidade.
formulando a "complexidade a partir do A clausura de um sistema já permite uma
ruído", pois o processo auto-organizador variedade de comportamentos próprios, as
cria o radicalmente novo, ampliando a ca- perturbações provenientes do ambiente
pacidade do sistema de interagir com os desencadeiam, transformam, originam
eventos aleatórios que o perturbam, assi- novos comportamentos próprios.
milando-os e modificando a sua estrutura. De acordo com Morgan, "a interação de
Nessa perspectiva, ambigüidade e pa- um sistema com seu ambiente é em realidade
radoxo marcam a relação entre ordem e um reflexo e uma parte de sua própria organi-
desordem. Quanto mais complexo um zação [...] é nesse sentido que podemos com-
sistema o for, maior será a sua capacidade preender que seu ambiente é em verdade uma
de operar com a desordem: "os sistemas parte dele mesmo"," Os comportamentos
mais complexos que conhecemos - o cérebro e próprios contêm facetas essenciais do am-
a sociedade dos homens - são os que funcionam biente, já que na base de seu surgimento
com a maior parte de áleas, de desordens, de estão as interações sistema-ambiente.
ruiâo"," Atlan 10 indica que, para gerar Desse modo, a auto-organização pode
complexidade pelo ruído, o sistema precisa ser concebida como um conjunto de com-
ser parcialmente indeterminado, o pro- portamentos que são característicos
cesso resultante da interação ordem-de- das unidades autônomas. O conceito de
sordem é pura criação, portanto sua evo- autonomia provém das idéias de organi-
lução não pode ser totalmente prevista. O zação e de sistema e é elaborado mediante
aumento da complexidade do sistema uma lógica paradoxal, pela qual autonomia
conduz à passagem de um nível de orga- e dependência não são vistas como condi-
nização a outro mais elevado, com novas ções excludentes, já que o sistema depende
propriedades emergentes, uma maior ap- em parte do ambiente; a autonomia nunca
tidão para assumir novas formas e uma poderá ser absoluta, o pensamento que
maior propensão para novas disposições pretende dar conta do complexo assimila-
8. ATLAN, Henri. L'organisation
relacionais. as simultaneamente, assumindo o para-
biologique et la théorie de
Um outro ponto de vista da auto-orga- doxo. /'information.Paris, Hermann, 1972.
nização nos é dado por Varela." Intrigado Com a noção de evento ou aconteci-
pela idéia de um programa que programa mento, estreitamente ligada à de acaso, o 9. MORIN, Edgar. Ciência com
a si próprio, Varela busca perceber em que paradigma da complexidade busca afastar- consciência.Op. cit., p.168.
consiste a identidade desse programa, se do determinismo até então dominante
desvendando o mecanismo da auto-orga- na ciência. Baseados numa visão fenome- 10. ATLAN, Henri. "L'émergencedu
nização. Conceituando como autopoiese, a nológica das realidades físicas, biológicas nouveau et du sens". In:
lógica de funcionamento interno dos sis- e antropossociais, os pesquisadores da DUMOUCHEL, P. & DUPUY, J. P.
Op.cit.
temas autoprodutores, Varela estabelece a complexidade tentam resgatar a impor-
relação entre auto-organização e autono- tância do evento em todos os campos ci- 11. VARELA, Francisco. 'L'auío-
mia. Segundo ele, a caracterização dos entíficos. O evento designa, evoca o que é organisation: de I'apparence au
sistemas vivos como sistemas abertos de- improvável, acidental, aleatório, singular, mécanisme'.ln: DUMOUCHEL,P.&
corre da tentativa de um observador ex- concreto e histórico. Dessa forma, vê-se que DUPUY, J.P. Op. cit.
terno em lhes dar um sentido, uma razão ele está presente em todos os conceitos
de ser. Apoiando-se na tese de Castoriadis descritos acima. Para Moles, eventos são 12. Idem, ibidem.
de que um autômato só pode ser pensado "tipos de variações perceptíveis de um ambien-
do seu interior, Varela coloca-se do ponto 13. MORGAN, Gareth. Images de
te que não foram previstas pelo ocupante do
/'organisation.Québec,ESKA,1989.
de vista do interior dos autômatos vivos, centro deste ambiente [...] é um fenômeno, quer
conceituando seu funcionamento como dizer, qualquer coisa que aparece ao indivíduo 14. MOLES, Abraham. "Notes pour
clausura organizacional; no entanto, a e, entre outras, que varia suficientemente rápi- une typologie des événements'. In:
clausura organizacional não implica o iso- do no intervalo de percepção" .14 Communications, 18. Paris, Seuil,
lamento do ambiente, ao contrário, enri- Os estudos da complexidade, ao resga- 1972, p.90.

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tar cientificamente o evento, tentam esbo- lógica da autopoiese definida por Varela.
çar uma ciência do devir, isto é, uma ciên- Salienta Morgan que a autopoiese, con-
cia das condições da evolução humana, siderada como uma metáfora, pode ter in-
pois os sistemas mais complexos seriam teressantes conseqüências sobre a com-
aqueles mais assimiladores do evento, do preensão das organizações, notadamente
acidente, do ruído: A evolução, proveniente
JI das suas interações com o ambiente. Inter-
dos acontecimentos exteriores perturbando os pretando a clausura auto-referencial de
dispositivos generativos dos sistemas, conduz uma organização enquanto sistema auto-
a sistemas extremamente complexos (sociedades produtor, pode-se perceber como cada área
humanas) integrando e produzindo neles (nos do ambiente que interage com a organiza-
desvios individuais, nas desordens e nos con- ção faz parte dela mesma: "vendo como seus
flitos sociais) os acontecimentos eooluiioos":" fornecedores, seu mercado, sua mão-de-obra, a
coletividade ao nível local, nacional e interna-
ANÁLISE ORGANIZACIONAL· cional e mesmo seus concorrentes fazem em
POSSIBILIDADES E LIMITES realidade parte do mesmo sistema que ela, uma
organização começa a perceber a inter-
Trabalhar com o paradigma da comple- dependência sistêmica e a estimar suas conse-
xidade, seus conceitos, sobretudo sua ló- oüências"," A constituição da identidade da
gica pluralista, pode ser frutuoso para organização ganha outros contornos,
aqueles que se aventuram na análise relativizando suas fronteiras com o ambi-
organizacional. Recentemente, alguns ente.
analistas parecem tê-lo percebido. As Uma segunda vertente da configuração
possibilidades são múltiplas. Faremos re- do fluxo em transformação é a plena uti-
ferências a alguns estudos já elaborados, ao lização da lógica da causalidade mútua.
passo que tentaremos identificar outras Citando Gregory Bateson e Anthony
possibilidades, seja em áreas já trabalhadas Wilden, Morgan demonstra as vantagens
que poderiam ser enriquecidas pelo co- auferidas com o emprego de modelos cir-
nhecimento do paradigma, seja em áreas culares de interação para conceber as re-
ainda não visitadas; de qualquer sorte, te- lações organização-ambiente.
mos a consciência de que o leque de pos- Revendo as teorias sobre a gestão da
sibilidades é bem mais amplo do que pode mudança organizacional, Morgan detecta
antever este breve estudo. que elas ou são puramente descritivas ou
caracterizam a mudança com termos abs-
••••••••••••••••••••••• tratos, tais como incerteza e instabilidade .
Essas teorias permitem elaborar alternati-
Trabalhar com o paradigma da vas de como a organização pode reagir
complexidade, seus conceitos, diante de diferentes tipos de mudança
sobretudo sua lógica pluralista, pode ambiental. A imagem do fluxo em trans-
ser frutuoso para aqueles que se formação, por sua vez, permitiria fornecer
indicações sobre a maneira como a orga-
aventuram na análise organizacional. nização poderia começar a influenciar efe-
••••••••••••••••••••••• tivamente a natureza das mudanças às
quais elas fazem face.
Descortinando novos horizontes para a Chanlat, ao investir na renovação dos
teoria das organizações, Morgan" prega a estudos em comportamento organizacio-
utilização de imagens como recurso para nal, engendrando uma perspectiva mais
15. MORIN, Edgar. Ciência com aprofundar o conhecimento das organiza- ampla, antropológica, afirma que essa po-
consciência.Op. cit., p.132. ções. Guiando a percepção das organiza- sição epistemológica junta-se à de outros
ções por imagens como máquina, orga- pesquisadores contemporâneos - fazendo
16. MORGAN, Gareth. Op. cil. nismo, cérebro, cultura, dentre outras, referências expressas a Morin, Bateson,
Morgan demonstra novas modalidades de Serres, dentre outros - que "tentam dar
17. Idem, ibidem, p.285.
formulação das questões inerentes à vida conta da complexidade humana" .18 A sensibi-
18. CHANLAT, Jean-François (org.) da organização. Uma dessas imagens é a lidade de Chanlat para o paradigma da
L'individu dans /'organisation, les do fluxo em transformação. Para concebê- complexidade revela-se em outro mo-
dimensions oubliées. Québec, la, Morgan faz claras referências ao mento, utilizando-o em outro plano de
Editions ESKA, 1990, p.VIII. paradigma da complexidade, utilizando a análise: classificando a teoria das organi-

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o PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
zações em dois paradigmas, o funciona- retorno paradoxal dos instrumentos sobre
lista, que trata preferencialmente da a sociedade, os quais revelam uma perda
integração, do consenso, da coordenação de controle. Isto indica que, além de certos
funcional, enfim, da ordem; e o crítico, que limites críticos de desenvolvimento, a for-
privilegia o conflito, a mudança, isto é, a ma heterônoma (negação da autonomia),
19. CHANLAT, J.F. & SEGUIN·
desordem; Chanlat faz um apelo à adoção própria da burocracia, de produzir engen-
BERNARD, F. (orgs.). L'analysedes
do paradigma da complexidade: "ordem, dra uma completa reorganização do meio organisations, une anthologie
desordem, auto-organização a partir do ruído, físico, institucional e simbólico, tal que as sociologique. Tome I. Ouébec,
acaso organizador, catástrofe, social histórico, capacidades autônomas concretizadas pe- Préfontaine, 1983, p.73.
e outras noções novas lembram à teoria e aos los comportamentos auto-organizadores
teóricos das organizações que eles não podem são paralisadas, tornando os sistemas so- 20. CHANLAT, J.F. & SEGUIN·
mais por muito tempo ignorar o novo ciais e seus respectivos instrumentos im- BERNARD, F. L'analyse des
paradigma em gestação" .19 produtivos, ensejando assim a contrapro- organisations, une anthologie
dutividade. sociologique. Tome 11. Ouébec,
Em estudo mais recente, Chanlat e
Préfontaine, 1987, p.35.
Séguin-Bernard reafirmam que "... as no-
ções de complexidade, de incerteza e de ambi- ••••••••••••••••••••••• 21. PERROW, Charles. "La théorie
güidade se impõem cada vez mais como Não é de se surpreender, com a des organisations dans une societé
parâmetros associados a todo fenômeno orga- d'organisations".ln: CHANLAT, J.F.
elevada obsolescência organizacional,
nizacional. [.. .] Nos é necessário doravante & SEGUIN·BERNARD (orgs.)
imaginar a complexidade. [,..1Nós cremos que um mal crônico. Quanto mais uma L'analyse des organisations, une
é necessário desenvolver meios de pensar as administração luta para fazer anthologiesociologique.Tome I.Op.
cit., p.470.
novas realidades que são a complexidade, a face à obsolescência, mais ela a
ambigüidade, o paradoxo e a incerteza aprofunda, pois uma das condições 22.ILLlCH, Ivan. Némésismedicale,
organizacionais. É fazendo apelo a este imagi-
essenciais para a criação do /'expropriation de la santé. Paris,
nário social e organizacional que nós vamos par- Seuil,1975.
ticipar desta edificação por sua vez intelectual e radicalmente novo é uma certa dose
social"," Vê-se que para esses autores o de indeterminação do sistema. 23.O paradigmado"Estadoemação"
paradigma da complexidade seria uma via analisa as relações entre Estado e
de reedificação da teoria organizacional. ••••••••••••••••••••••• sociedade sem considerar aquele
Embora sem fazer nenhuma referência Ao invés de tratar as ineficácias e inefi- como um meroapêndice das classes
expressa ao paradigma aqui analisado, ciências à luz de um modelo de tipo ideal dominantes, e nem como a esfera
construído por Weber, a análise organiza- neutraepropiciadoradobemcomum.
Perrow aproxima-se bastante dele ao
Aanáliseassumeo Estadonãocomo
inaugurar uma nova abordagem em seus cional experimentaria um substancial
um bloco monolítico, e sim como
estudos organizacionais. Empreendendo a avanço ao tratar esses aspectos de forma uma instituição complexa, repleta de
crítica ao paradigma dominante na teoria auto-referencial, ou seja, examinando as interesses múltiplos, engendrando
das organizações, pondo em causa aspec- condições específicas, locais, singulares, ações muitas vezes contraditórias.
tos como a racionalidade, a teoria do capi- que estabelecem o limite crítico de desen- Nesse sentido, a análise das orga-
tal humano, liderança, relações humanas e volvimento de cada um dos sistemas or- nizações públicas ganha em realis-
outros, Perrow proclama o seu afasta- ganizados de forma burocrática e hete- mo e profundidade. No Brasil, po-
mento definitivo do paradigma funciona- rônoma; enfim, dissecando cada processo demos destacar os trabalhos de:
lista após toda uma vida de pesquisas de instalação da contra produtividade. MARTINS, Luciano. Estado capita-
listaeburocracianoBrasilpós-64.Rio
embasada nele, ao passo que exorta os A análise de organizações públicas bra-
deJaneiro, PazeTerra, 1985;DINIZ,
pesquisadores a uma nova produção que sileiras, desencadeada nos últimos anos E. & BOSCHI, R. Empresariado na-
dê conta de novas concepções: "a ordem por um conjunto de pesquisadores, tem cional e Estado no Brasil. Rio de
causal deve ser invertida. A forma determina a revelado interessantes paradoxos inerentes Janeiro, Forense-Universitária,1978;
função. As estruturas determinam a tecnologia. à natureza e ao funcionamento dessas or- BOSCHI, Raul. Elites industriais e
As atitudes não predizem os comportamentos, ganizações, na perspectiva conhecida democracia:hegemoniaburguesa e
mas o inverso. O acaso, o fortuito e o acidente como do Estado em ação." Os estudos mudança política no Brasil. Rio de
são a regra" Y demonstram que muitas agências gover- Janeiro, Graal, 1979;ABRANCHES,
Em outro ângulo, percebemos que as namentais são aparatos burocráticos com- Sérgio. Thedividedleviathann:state
economic, policy formation in
ineficácias e ineficiências organizacionais, plexos: ao mesmo tempo em que possuem
authoritarian Brazil. Ithaca, Tese de
tratadas pelos estruturalistas como dis- e defendem interesses próprios, constituí- doutorado, Cornell University, 1978;
funções da burocracia, poderiam ser ana- dos por sua tecnoburocracia, as agências PAIXÃO, L. A. & SANTOS, M. H. C.
lisadas com maior rigor e profundidade representam e atuam também por interes- "O álcool combustível e a pecuária
através da noção de contraprodutividade ses externos localizados, os chamados in- de corte". Revista Brasileira de Ci-
criada por Illich.F Ela indica os efeitos em teresses privados. Uma outra ordem de ências Sociais, 3(7), 1988.

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ambigüidades verifica-se em diversas em- se pode deixar de levar em conta o


presas públicas: a convivência, quase imponderável, o fortuito, o erro. Existe, tam-
sempre conflitual, de duas filosofias de bém, aquele espaço menor, porém muitas vezes
ação distintas, uma empresarial e outra decisivo na história, no qual interfere a fortu-
governamental ou pública. na [...1Os nexos entre os sistemas nem sempre
Esses paradoxos são fontes de tensões operam adequadamente. [...) Em decorrência,
quase que permanentes no cotidiano des- todo equilibrio é precário, todo avanço contra-
sas organizações, determinando em grande ditório, toda normalidade contém elementos de
parte suas ações, seu desenvolvimento ou desajustamento e crise":" O texto prossegue
seu desaparecimento. O recurso ao focalizando sua temática específica las-
paradigma da complexidade poderia abrir treado por uma abordagem muito seme-
novas frentes nesse importante esforço lhante ao paradigma da complexidade, que
analítico, seja pelo emprego da sua lógica lhe concede a ampliação da capacidade de
paradoxal, seja pela discussão da autono- traduzir a realidade observada.
mia/ dependência das agências governa- A recuperação da importância do even-
mentais em face dos interesses privados. to como mais uma fonte de explicação dos
fenômenos organizacionais acarretaria
••••••••••••••••••••••• talvez a prospecção de um novo subcampo
analítico. Decerto que as interações orga-
A obsessão pelo planejamento e pelo nização-ambiente não são todas elas
controle, signos balizadores da marcadas pelo ruído, por perturbações,
ideologia e ação gerenciais, depõe pela desordem enfim. As interações são
permeadas tanto por regularidades como
totalmente contra aquela condição.
por oscilações. Mas a teoria das organiza-
Essa obsessão revela outra mais ções continua guiada pelo determinismo
profunda: a obsessão pela mesmo quando estuda a turbulência: sua
24. ABRANCHES, Sérgio. "O leviatã racionalidade instrumental, que tem intenção é fornecer meios para prever as
anêmico: dilemas presentes e futu- orientado a teoria e a prática da oscilações ambientais, ensejando um pla-
ros da política social". Planejamento nejamento estratégico, uma maneira sofis-
e políticas públicas, nº 1, Rio de Ja- administração.
ticada de assegurar antecipadamente as re-
neiro, 1989, pp.7-32. gularidades pela redução dos graus de
•••••••••••••••••••••••
indeterminação na trajetóriadas organizações.
25. Idem, ibidem, p.12.
Ainda na esfera pública, num texto re- Nesse contexto, não é de se surpreender,
26. Razãobaseada nocálculo utilitá- cente, Abranches= empreende o exame dos com a elevada obsolescência organizacio-
rio de conseqüências dos atos hu- dilemas da política social no BrasiL Seu nal, um mal crônico. Quanto mais uma
manos - ver RAMOS, A. Guerreiro. estudo adquire requintes de preciosidade administração luta para fazer face à
A nova ciência das organizações. Rio ao utilizar, de forma complexa, competen- obsolescência, mais ela a aprofunda, pois,
de Janeiro, FGV, 1981 -, impreg- temente a metáfora sistêmica: ao conside- como vimos em Atlan, uma das condições
nando-os de um pensamento que rar a sociedade política, o Estado e o mer- essenciais para a criação do radicalmente
conduz a um agir onde todos os cado como sistemas institucionais inter- novo é uma certa dose de indeterminação
meios são subordinados a determi- dependentes, o autor emprega conceitos do sistema. A obsessão pelo planejamento
nados fins, relacionados à eficiência
como, código, informação, sinais, tradução, e pelo controle, signos baliza dores da
e à eficácia, eticamente inques-
tionados. Tal concepção de para descrever as interações entre aqueles ideologia e ação gerenciais, depõe total-
racionalidade identificada, com o sistemas, bem como as suas propriedades mente contra aquela condição. Essa obses-
produtivismo, desvaloriza o pensa- ativas, a saber, as capacidades estratégica, são revela outra mais profunda: a obsessão
mento ético e a ação afetiva - ver associativa e criativa. pela racionalidade instrumental", que tem
MOTIA, Fernando C. Prestes. Teo- A rigidez sistêmica é adequadamente orientado a teoria e a prática da adminis-
ria das organizações: evolução e crí- flexibilizada, pelo reconhecimento do tração. Ora, é justamente na fronteira do
tica. São Paulo, Pioneira, 1986- bem evento, da álea, das perturbações: "Em si- racional que o evento se situa: "o evento
como a intuição; cria e impõe uma tuações de perfeito equiltbrio, as regras são es- está no limite onde o racional e o real se
"nova' realidadeao ser humano, pre-
táveis, conhecidas, legítimas e dotadas de comunicam e se separam. Mas é nessas ter-
tende um mundo totalmente tecnoló-
gico, o que para alguns quer dizer credibilidade. Existe previsibilidade. As infor- ras limites que surgem os problemas do singu-
"racionalizado". mações são relativamente corretas. [...1Mas o lar, do individual, do novo, do aleatório, da
mundo é imperfeito. A estabilidade é sempre criação, da história ... "27
27. MORIN, Edgar. Ciência com afetada por fatores imprevisíveis, mudanças não O resgate do evento na análise das or-
consciência. Op. cit., p.138. antecipadas, elementos imponderáveis. [...1Não ganizações indicaria até que ponto o acaso

32
o PARADIGMA DA COMPLEXIDADE ...
foi organizador ou não, quanto ele contri- e simples do que poderia parecer. Em ter-
buiu, de fato, para a criação de novas or- ceiro plano, a lógica complexa faz consi-
dens ou para a desintegração do sistema, derações que poderão revelar-se frutuosas
ensejando um novo tratamento analítico no aprofundamento da questão parte-todo,
dos efeitos das desordens, flutuações, do das quais reproduziremos alguns bre-
imprevisto, no âmbito dos sistemas orga- víssimos extratos a título de ilustração:
nizacionais
A profunda complexidade presente no "O todo é menos que a soma das partes
âmbito das interações parte-todo num sis- (porque estas, sob o efeito das coações resul-
tema organizacional dado não é devida- tantes da organização do todo, perdem ou vêem
mente abordada pela teoria das organiza- inibir-se algumas de suas qualidades ou pro-
ções, talvez por questões ideológicas. É priedades); [...] ... a consciência-de-si só emerge
inegável a preponderância da idéia do todo nos indivíduos. Neste sentido: as partes são
sobre as partes da organização, no pa- eventualmente mais que o todo. [... 1 O
radigma funcionalista, o qual guia a teoria 'progresso' não está necessariamente na
organizacional tradicional. constituição de totalidades cada vez mais am-
Spink denuncia e lança dúvidas sobre a plas; pode estar, pelo contrário, nas liberdades
naturalidade desse processo de encobri- e independências de pequenas unidades. A ri-
mento das partes. Analisando a questão a queza do universo não está na sua totalidade
partir de dois eixos essenciais da teoria dispersiva, mas nas pequenas unidades refle-
organizacional, cultura e mudança, Spink xivas desviadas e periféricas que nele se consti-
reconhece que: "se as partes, ainda defini- tuíram. [...1 O todo é insuficiente, o que de-
das de maneira aberta, são os lugares de resi- corre de tudo quanto precede:">
dência no sentido de atividade e ação, e são a
base da reprodução da subjetividade, qual é o •••••••••••••••••••••••
papel do todo? A questão de partes e todo leva
Indicamos, então, como mais uma das
a uma linha de debate que reconhecemos como
sendo bastante complexa". 28 possibilidades do aproveitamento do
Spink questiona quais seriam os objeti- paradigma da complexidade, a análise
vos reais na conceituação da organização das organizações alternativas.
como um todo concreto, e principalmente Analisar organizações coletivistas
quando esse todo concreto é concebido
com a lógica e instrumentos
como uma cultura. Em relação ao eixo da
mudança, o autor é contundente: "Mas, construídos para analisar as
igualmente, é necessário refletir sobre quantas burocracias pode significar, no
vezes a mudança no campo social tem sido mínimo, uma insensatez teórica
abordada pela desvalorização da ação da parte que certamente acarretaria
frente à tirania simbólica do todo, e perguntar
resultados nefastos.
até que ponto a reificação do todo não é o pas-
so crucial na negação da ação das pessoas en- •••••••••••••••••••••••
quanto elaboradoras de sua própria história". 29
Cremos que a epistemologia da com- Há um conjunto volumoso de organi-
plexidade tem muito a contribuir no pro- zações que vêm sendo sistematicamente
cesso de resgate da parte na teoria das or- marginalizadas pela teoria organizacional,
ganizações. Em primeiro lugar, porque o seja em função de determinados pressu- 28. SPINK, Peter. "O resgate da par-
conceito de organização não é construído postos ideológicos e/ ou seja pela ausência te". Revista de Administração. São
com um caráter simplificador, ou seja, por de uma fundamentação teórica adequada Paulo, 26(2):28, 1991.
redução e disjunção, o que equivale a dizer à sua natureza. São as organizações vaga-
que a organização é assumida como com- mente caracterizadas como não-burocrati- 29. Idem, ibidem, p.29.
plexa por natureza. Em segundo lugar, a zadas, substantivas, coletivistas, ou ainda,
epistemologia complexa insere o sujeito no alternativas. Surgidas principalmente a 30. MORIN, Edgar. Ciência com
Consciência. Op. cit., pp.142·43.
contexto da construção das realidades, partir da década de sessenta, essas organi-
como também na produção científica. Ela zações já são observadas em todo o mun- 31. HUBER, Joseph. Quem pode
incorpora seriamente a subjetividade, do, atuando nos mais variados ramos de mudar todas as coisas, as alternati·
indicada por Spink como uma dimensão atividade. Huber" estimava no início dos vas do movimentoafternativo. Rio de
que toma as organizações menos objetivas anos 80 que só na Alemanha Ocidental Janeiro, Paz e Terra, 1985.

33
RAE

cerca de 80.000 pessoas estavam partici- graus variados de intensidade, formas


pando de organizações alternativas. autogestionárias de organização e de pro-
Nesse tipo de organização, aquilo que dução. Aprofundando a pesquisa sobre as
quase sempre desperta curiosidade é que, organizações coletivistas, talvez possamos
em geral, seus princípios, formas orga- apreender o que significa passar do dis-
nizativas e sobretudo as práticas desen- curso à prática autogestionária no contex-
volvidas por seus membros são substanci- to turbulento da pós-modernidade.
almente diferentes, por vezes até opostos, Indicamos, então, como mais uma das
daqueles empregados pelas organizações possibilidades do aproveitamento do
burocráticas, glorificados e recomendados paradigma da complexidade, a análise das
pelas teorias e metodologias administrati- organizações alternativas. Ele nos parece
vas. Não obstante esse distanciamento do trazer a fundamentação teórica mais ade-
que é considerado pela teoria como quada a esse fim. Analisar organizações
racionalidade, as organizações coletivistas coletivistas com a lógica e instrumentos
continuam a existir e proliferar, desenvol- construídos para analisar as burocracias
vendo soluções próprias não previstas nos pode significar, no mínimo, uma insensa-
manuais de administração. Elas parecem tez teórica que certamente acarretaria re-
animadas por um outro tipo de raciona- sultados nefastos.
lidade, a racionalidade substantiva." A espontaneidade subjacente à criação e
principalmente ao funcionamento das or-
••••••••••••••••••••••• ganizações alternativas, que muitas vezes
o possível emprego da nova corrente conduz a uma espécie de subversão dos
padrões consagrados pela teoria organi-
científica na análise organizacional
zacional, nos faz crer que os conceitos de
nunca deverá ser mitificado como auto-organização, autonomia, autopoiese,
panacéia para desvendar todos os hierarquia entrelaçada, evento, acaso
mistérios do fenômeno organizador, ordem-desordem, dentre
organizacional. outros do paradigma da complexidade,
bem como sua lógica pluralista e parado-
••••••••••••••••••••••• xal, são os indicados para a composição de
um pano de fundo adequado ao exame das
Praticamente não existem estudos sobre organizações alternativas.
tais organizações. Os pouquíssimos pro- Em meio a tantas possibilidades acima
duzidos não enfocam a dimensão admi- apresentadas, gostaríamos de chamar a
nistrativo-organizacional, centro de nosso atenção para três ordens de sérios limites
interesse. A multiplicidade das organiza- ao emprego do paradigma da complexi-
ções coletivistas em todo o mundo já se dade no estudo de organizações.
constitui num fenômeno de tal magnitude A primeira delas nos é apresentada por
que a análise organizacional não pode mais Morgan." Ele faz uma observação perspi-
se dar ao luxo de ignorá-la. Estudos com- caz a respeito da utilização da autopoiese na
parativos face às organizações burocráticas imagem do fluxo em transformação. O
poderão ajudar, mas não são suficientes fato de que tal imagem forneceria indica-
para dar conta do fenômeno. ções de como se poderia influenciar as
Somente o estudo promovido numa mudanças com as quais se defronta a or-
perspectiva auto-referencial poderá aju- ganização não significa dizer que se teria
dar-nos a compreender essas organizações, automaticamente a capacidade efetiva de
sua clausura organizacional, seus com- fazê-lo. A concretização dessa influência
portamentos próprios, suas vias de inten- dependeria de uma série de fatores estrei-
32. Racionalidadeque habilita o indi- sificação de complexidade. Talvez essa tamente correlacionados, alguns até im-
víduo a ordenar a sua via eticamen- modalidade de estudo possa nos trans- previstos. Conseqüentemente, Morgan
te, na direção do aumento da satis- portar das cansativas e já velhas discussões antecipa que alguns poderão tachar de
fação pessoaVsocial e da auto-reali-
intelectuais em torno da autogestão para o idealista tal concepção. Acrescenta também
zação. Ver: RAMOS, A. Guerreiro. A
nova ciência das organizações. Rio território cotidiano de sua realização, de que é necessário atentar para os limites de
de Janeiro, FGV, 1981. seu empreendimento efetivo. Supõe-se que predição dessa abordagem; ele a defende
é nas organizações alternativas que são contra possíveis apropriações indevidas
33. MORGAN, Garel. Op. cil. concretizadas em maior escala, segundo por parte de futurólogos.

34
o PARADIGMA DA COMPLEXIDADE...

A segunda limitação provém da própria sim optamos por fazê-Ia, em razão do re-
natureza do conhecimento científico. Por lativo desconhecimento, no Brasil, do
mais bem elaborado que possa parecer, ele paradigma descrito. A tarefa foi suficien-
sempre será insuficiente, precário e im- temente árdua devido à amplitude do
preciso em face do real. Popper foi extre- paradigma, resultando na dificuldade em
mamente feliz ao divulgar que a ciência fazer recortes para selecionar alguns con-
não é um tipo de conhecimento portador ceitos que julgamos úteis apresentar antes
da verdade, e sim um conhecimento que se de indicar as possibilidades na análise or-
pode criticar, que fornece os meios pró- ganizacional. A nossa preocupação pri-
prios para sua crítica. A nova corrente ci- mordial foi a de que o leitor não perdesse
entífica, se em verdade já puder ser consi- os fios condutores, que ele pudesse asso-
derada como um paradigma constituído, ciar facilmente a indicação das possibili-
sê-lo-á sempre no sentido Kuhníano", com dades e limites aos conceitos originais do
todas as decorrências dessa constatação. O paradigma. Para tanto, buscamos traduzir
seu possível emprego na análise organiza- o mais fielmente possível os conceitos aqui
cional nunca deverá ser mitificado como apresentados.
panacéia para desvendar todos os misté- As possibilidades ainda não trabalha-
rios do fenômeno organizacional; temos das, principalmente, são sugestões para
que ser vigilantes para que ele também não linhas de pesquisa. O que tentamos fazer
seja apropriado como mais uma moda, foi vislumbrar, numa primeira reflexão, as
processo tão comum no campo da teoria contribuições que o paradigma nos ofere-
organizacional. 35 ce; no entanto, temos a consciência de que
A terceira limitação se refere à trans- as possibilidades são infinitamente maio-
disciplinaridade pretendida pelos pesqui- res que aquelas aqui indicadas, devido à
sadores. Cutsatz" faz uma brilhante aná- riqueza e profundidade dos estudos de-
lise dos riscos embutidos na circulação de senvolvidos pelos pesquisadores nos últi-
conceitos entre as ciências, notadamente no mos vinte anos. Exortamos, portanto, os
caso do paradigma da complexidade das pesquisadores brasileiros dedicados ao
ciências exatas e da natureza para as ciên- avanço da análise organizacional a inves-
cias sociais. Adverte que a transposição de tir no conhecimento e desenvolvimento
conceitos deve ser feita com extremo rigor dessa scienza nuova.
e cuidado, levando em conta as dificulda- Nós acreditamos piamente na validade
des epistemológicas devido aos contextos da utilização do paradigma da complexi-
próprios de cada ciência, o sentido e as dade na análise organizacional; cremos que
particularidades presentes quando da sua utilização enriquecerá esse nosso
criação dos conceitos no interior daquela campo de estudo e trabalho, mas sabemos 34. Thomas Kuhn, enquanto criador
ciência específica, e a sua viabilidade no que todo paradigma é precedido por uma do conceito de paradigma, indicava
campo social. Lembra que a circulaçãq visão de mundo que está na base de sua que ele é precedido por uma visão de
pode ser frutuosa, caminhando por metá+ construção, portanto haverá sempre quem mundo, valores e crenças, dentre
foras enriquecedoras, ou ser nefasta, utili- o rejeite sem maiores argumentações. No outros aspectos, compartilhados por
zando conceitos-camaleões, trivializando entanto, temos a certeza de que aqueles uma determinada comunidade cien-
irresponsavelmente a complexidade. tifica. Ver: KUHN, Thomas. A estru·
que investirem no seu desenvolvimento
tura das revoluções científicas. 2ª
O paradigma da complexidade na aná- experimentarão um grande avanço no seu
edição. São Paulo, Perspectiva,
lise social e/ ou organizacional, ainda que trabalho científico. 1987.
venha a utilizar conceitos originados em Definitivamente, a organização não é
outros campos, transformando-os em me- um fenômeno claro, objetivo e simples. A 35. Uma análise das modas referen·
táforas que impulsionem a imaginação nossa percepção indica que provavelmen- tes a teorias e metodologias admi·
criativa, deve sempre ancorar-se na histó- te a esfera organizacional seja aquela em nistrativas no Brasil encontra-se em:
ria, na sociedade, na contingência dos que os homens compartilhem, em maior OLIVEIRA, Mauricio R. Serva de. A
aftaires humaines. grau, ambigüidades, paradoxos, conflitos, importação de metodo/agias admi-
ambivalências; talvez seja essa uma marca nistrativas no Brasil. São Paulo,
Dissertação de mestrado, EAESP/
CONSIDERAÇÕES FINAIS inelutável da pós-modernidade. Um
FGV, 1990.
paradigma que permita penetrar nesses
A longa descrição empreendida nas .paradoxos, jogando o seu jogo através de 36. GUTSA TZ, Michel. "Les dangers
duas primeiras seções deste texto poderão uma lógica também paradoxal, será sem- de I'auto'. In: DUMOUCHEL, P. &
ter sido cansativas para o leitor; ainda as- pre bem-vindo. O DUPUY, J.P. (orgs.) Op. ct

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