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SOCIEDADE ‘OBJETIVOS ESPECIFICOS + Refletr sobre as caracersticas da sociedade em que vivemos, - Ideniticar diferentes concepbes de sociedade entre alguns autores clissicos da Sociologia; - Idenifcar os princpasftoresconstiutivs da sociedade captalista e a “questo sata” que fez emerge a Sociologia como ciéncia da sociedad Antes de entrar na discussao especifica do tema proposto, observe co quadro a seguir. Ele pretende esclarecer por que em cada item so apresentados os objetivos. fee ere = 0 objetivo é 0 estabelecimento da meta a ser alcancada, éa explicitagdo nosso objeto mais geral é a emergéncia da Sociologia como ciéncia da sociedade, e 0 mais especifico sao as diferentes concepcbes de sociedade elaboradas pelos classicos da Sociologia. Queremos, porém, que vocé nao apenas distinga essas concep¢ées, mas que seja capaz. de elaborar argu- ‘mentos que permitam validar algumas como as mais consistentes. | l | | do aonde queremos chegar depois do estudo de um objeto. Neste caso, | | O QUE EA SOCIEDADE! Claro esté que todos nés vivemos em sociedade. Pode-se dizer que a vida humana nao é possivel fora dela. Quando nasce uma crian- sa, torna-se visivel a sua fragilidade, o que exige cuidados especiais dos adultos que a cercam. Fica visivel, também, que desde quando nascemos comegamos a ser inseridos na vida em sociedade. A esse processo de insercio, de internalizacao dos modos de viver em cada sociedade particular, da-se o nome de socializacao, processo que se realiza pela educacio. Cada sociedade humana tem maneiras diferentes de socializar as no- vas geracdes, vale dizer, de educar. De modo geral, essa socializacio comega na familia, ainda que nao exista um tinico modelo de familia entre as diferentes sociedades e que, da mesma forma, existam familias organizadas de modo diferente dentro da nossa propria _S0COL0Gi, CULTURA, EDUCAIO E ESCOLA 14 sociedade. Essas familias, também de modo geral, esto inseridas em outras formas de organizacao social, como a vida religiosa ou 0 mundo do trabalho, por exemplo. No caso das sociedades ocidentais, predomina a vida religiosa ordenada pelo Cristianismo, que tem as ‘igrejas como lugar especialmente reservado para 0 culto. Mesmo as. familias que praticam outra religido ou nao praticam religido alguma levam seus filhos desde cedo a lugares aos quais se atribui valor im- portante no proceso de socializacio das criarcas. Um pouco mais tarde — e, com as mudancas verificadas na nossa sociedade, cada vez menos tarde — as criangas sio mandadas a escola, lugar por ex- celéncia da segunda fase dessa socializacio, ou, em outras palavras, lugar por exceléncia reservado 4 educacdo. A escola passou a ocupar uum lugar tao relevante na nossa sociedade que a ela tem sido atribu- ida a responsabilidade pela formacio da personalidade adulta e pela prepara¢ao para o mundo do trabalho. No entanto, observe bem. A palavra sociedade é de uso corriqueiro e, mesmo neste texto, ela jé foi usada varias vezes. Mas vocé sabe o que é a sociedade? Essa 6 uma pergunta para < qual existem varias respostas e vocé mesmo poderd ter a sua. Porém, queremos que voce teflita sobre o seu entendimento de sociedade em geral, sobre a so- ciedade na qual vocé vive e sobre algumas elaboracdes tedricas sobre oassunto. Mesmo se tratando de algo aparentemente simples — afinal cada um de nés tem idéias proprias sobre o que ela é—, nao devemos nos iludir, pois a sociedade é algo bastante complexo. Essa complexida- de foi sendo percebida sobretudo a partir do século XIX, o que fez emergir uma ciéncia social especifica — a Sociologia — para tentar explicé-la. Antes que sejam apresentados a vocé alguns dos autores que se dedicaram a esse exercicio, vamos tentar apontar algumas das principais caracteristicas da sociedade na qual vivemos. Essas carac- teristicas devem ser identificadas no proprio local onde voce vive e trabalha. Mesmo que vocé viva numa sociedade do interior do estado de Minas Gerais, inevitavel que ela seja identificada como parte da sociedade capitalista. Essa sociedade capitalista foi se formando naquele periodo que a Historia identifica como Idade Moderna (século XVI ao XVIII) e se consolidou nos dois séculos seguintes a ponto de predominar em todo o mundo hoje. E por isso que falamos em globalizagao ou mundializacdo, isto 6, expansao do modo capitalista de produzir para todas as fronteiras do globo, levando consigo um modo particular de organizar a vida em sociedade. Uma das principais caracteristi- cas dessa sociedade é o fato de ela se organizar por elevado grau de divisdo do trabalho. f importante reconhecer omodo como o traba- Iho esté dividido na sociedade, porque s6 assim compreenderemos 0 modo como ¢ dividido também o saber. Existem duas formas basicas de divisdo do trabalho. Uma delas diz respeito ao modo como o trabalho é dividido na sociedade, e a ela geralmente nos referimos como divisio social do trabalho. A outra diz respeito ao modo como um trabalho especifico ¢ divido em tarefas particulares, e a ela nos referimos como divisao técnica do trabalho. A primeira é propria de todas as sociedades. Por mais elementar que seja uma sociedade, sempre encontraremos uma diviséo por sexo, por idade, por setor de atividade produtiva etc. A outra é propria das sociedades capitalistas. Bla diz respeito ao modo como o trabalho dividido no interior da empresa ou a0 modo como a fabricagao de um produto é dividida em etapas, cada qual sob a responsabilidade de um trabalhador especializado. A divisdo social do trabalho expressa a maneira como ele é dividido na sociedade; adivisdo téenica do trabalho expressa a maneira como um tra balho particular é dividido, tanto na Fabrica quanto na escola. Nao é tarefa facil explicar os mecanismos de funcionamento dessa sociedade. A Sociologia foi se constituindo e construindo métodos de analise que se sustentavam em critérios cientificos de validagao do conhecimento produzido. A medida que ela foi se desenvolvendo, foi também se diversificando, isto é, os sociélogos foram percebendo que cada problema da sociedade merecia uma abordagem especifica. Ao longo do tempo, a Sociologia foi se subdividindo em Sociologia da Cultura, Sociologia do Trabalho, Sociologia da Religiéo, Sociologia do Conhecimento, Sociologia da Educagio etc. E desta ultima que vamos tratar aqui. Pode-se dizer, genericamente, ento, que a Sociologia é a ciéncia que estuda a sociedade e que a Sociologia da Educacao é 0 ramo da Socio- logia que estuda as formas como a educa¢ao, escolar ou nao, acon- tece nas sociedades. Em outras palavras, a Sociologia é a ciéncia que estuda os mecanismos de funcionamento das instituicdes sociais, ea Sociologia da Educagao é o amo da Sociologia que estuda os modos como sao formadas as novas geracdes. Com a ampliacao dos sistemas de ensino, ao longo do século XX, a Sociologia da Educacio passou a estudar sistematicamente os mecanismos de funcionamento das instituicdes especialmente voltadas para 0 ensino e 0 modo como essas instituigdes se relacionam com a sociedade. Na préxima Aula, analisaremos como a escola vai adquirindo, a0 lon- go dos tltimos trés séculos, grande centralidade como instituigao educadora. Ao mesmo tempo, analisaremos como diversas teorias sociologicas foram explicando as relacées entre escola e sociedade. Por enquanto, nesta Aula, vamos nos limitar 4 busca de um enten- dimento mais elaborado dos termos identificados anteriormente. Para analise da sociedade, vamos remeter a discussao a trés autores classicos do pensamento sociolégico: Karl Marx, Max Weber e Emile Durkheim. SOCIOLOGIA CULTURA EDUCAGKOE ESCOLA 16 Por que se diz que esses autores sao classicos? Porque eles elaboraram andlises sociolégicas fundamentais para o entendimento de como se constitui a vida em sociedade. Eles produziram suas andlises no final do século XIX e no inicio do século XX, no momento em que se consolidava a sociedade capitalista. Ceda um deles trouxe contribuicdes fundamentais ao entendimento dessa sociedade. Suas idéias foram amplamente debatidas a partir de ento e contribuiram para que outros autores, ao longo do século XX, claborassem novas teorias explicativas da vida social. A seguir, esses autores serao apresentados a vocé, na tentativa de pontuar algumas das suas contribuigdes. Veremos que eles tinham diferentes explicaées para a vida em sociedade. Nesse caso, mais importante do que elaborar uma teoria “verdadeira” sobre a sociedade é entender como cada um fundamentou a sua anilise. Karl Marx Karl Marx nasceu em 1818 na Alemanha e morreu em 1883 na Inglaterra, onde viveu a maior parte da sua vida. Foi, portanto, contemporaneo da segunda fase da Revolugio Industrial, momento de consolidacio do modo de producio capitalista. Embora nao tenha sido o primeiro a escrever sobre a sociedade capitalista, foi, certamente, quem mais influéncia exerceu nas andlises criticas posteriores. Como observador atento dos problemas do seu tempo, ‘Marx elaborou uma teoria geral do capitalismo, que estava acima das, fronteiras disciplinares que se constituiam naquela época. Sua analise foi, a0 mesmo tempo, filosofica, econdmica, histérica e sociolégica. E 0 que caracterizou toda a sua obra foi o esforgo de compreender 0 mundo do trabalho ¢ uma profunda anidlise critica do capitalismo. Como Marx via a sociedade capitalista? E o que ele criticava nela? Marx dizia que 0 modo de produsao capitalista havia desenvolvido ‘uma extraordinaria capacidade de produzir mercadorias. Nenhum outro tempo foi mais eficiente, e em nenhum outro momento da histéria os homens foram tio capazes de usar sua capacidade fisica e intelectual para trabalhar. As forcas produtivas do capitalismo eram de tal modo revolucionarias que tendiam a superar todos os outros modos de producao, expandindo-se para 0 mundo todo. Quanto ‘mais elas se expandiam, mais o capitalismo transformava tudo em mercadoria, convertendo o mundo num grande mercado. Asociedade capitalista é uma sociedade de mercado. Mas 0 que isso quer dizer? Observe que ha um mercado, que é aquele lugar onde vocé vai fazer a feira. Seja numa cidade grande, média ou pequena, ele é um lugar concreto, fervilhante, visivel, onde pessoas vo trocar seu produto por outro produto, vender seu produto para comprar outro, vender seu produto para acumular algum dinheiro ou simplesmente com- prar algum produto, fruir seu tempo livre na companhia de alguém, observar o modo de vida que ali se constitui. Esse tipo de mercado existe desde os tempos antigos. Inicialmente, as pessoas trocavam sempre produto por produto, numa modalidade de troca conhecida por escambo. Como foi ficando cada vez mais dificil realizar trocas de rodutos tao diversos, com 0 tempo, desenvolveram-se mecanismos para facilitar essas trocas. Criou-se o dinheiro. Isso quer dizer que 0 dinheiro passou a ser o equivalente geral de trocas. Noentanto, existe um outro mercado mais amplo, genérico, invisivel. Eo mercado capitalista. Apesar de se sustentar em trocas concretas, esse é um mercado de dificil apreensio, porque nio se limita a um AMA 17 SOOOLOBIA CULTURA EDLEAGHO E ESCOLA 18 lugar especifico e vai se tornando, com o tempo, cada vez mais complexo. Mercadorias produzidas na China s4o vendidas, legal ou ilegalmente, em todas as partes do mundo. Veiculos sio montados em um pais com pecas fabricadas em outros a partir de tecnologias desenvolvidas em outros paises. Empresas captam dinheiro no mercado vendendo suas agdes na Bolsa de Valores, os bancos emprestam dinheiro para investimento na atividade produtiva ou para ampliar o crédito direto ao consumidor, as taxas de juros s40 aumentadas pelos governos como forma de conter 0 consumo, 0 lucros tanto podem ser reinvestidos ou simplesmente remetidos para a matriz, empresas sao deslocadas para lugares onde o valor dos saldrios é menor etc. Esse tipo de mercado, um mercado capitalista mundial, ganhou forma naquele longo perfodo que a Historia identifica como Idade Moderna, isto é, do século XVI ao XVIII, e se consolidou nos dois séculos seguintes. A Idade Moderna foi a época das grandes navega- «bes, dos grandes descobrimentos, da incorporacio das Américas a0 Velho Mundo, das revolucées filos6ficas, cient'ficas e tecnolégicas (telescépio, microsc6pio), das mudancas nas relagdes de trabalho, da formacio dos Estados Nacionais modernos e das chamadas Revolu- ‘Goes Burguesas, entre elas a Independéncia Norte-americana (1776) ea Revolugao Francesa (1789-1798). Além disso, nao se pode esque- cer da Revolugao Industrial que, uma vez desencadeada em meados do século XVIII, continua revolucionando o medo de vida nos dias atuais. Como ser visto em outro momento, foi na época da Revolucio Fran- cesa que os ideais de liberdade, igualdade, democracia, cidadania ad- guiriram forca, por meio da luta revolucionaria éa burguesia. Porém, com a consolidagdo do capitalismo, no século XIX, a miséria dos tra- balhadores foi ficando cada vez mais evidente. A industrializacio e a urbanizacao promoveram transformacées profundas no modo de vida de grandes parcelas da populacio, mas a maioria nao péde se beneficiar do progresso que, entio, se alcangava. Marx analisou pro- fundamente as contradicées do capitalismo, denuncioua situacao de desigualdade social gerada por esse modo de produsio e propés um projeto de luta revolucionéria para superar as contradicées e as desi- gualdades que denunciava. Quais eram as principais caracteristicas dessa sociedade capitalista em formagéo segundo Marx? E impossivel resumir, em poucas palavras, a sofisticada elaboracio que autor de O Capital fez da sociedade capitalista. Mas 0 pressuposto basicc dessa elaboracao é que essa sociedade est dividida em classes sociais que tém interesses ‘opostos. Os donos dos meios de produgao —_maquinas, ferramentas, indastrias — tém interesse em preservar e ampliar a sua propriedade, enquanto os trabalhadores tém interesse em reivindicar beneficios, como salario, diminui¢ao da jornada de trabalho, melhores condicdes de vida e trabalho etc. Os primeiros sio identificados como classe burguesa; os outros compdem o proletariado. Mesmo havendo os camponeses e as classes médias, Marx afirmava que burguesia e proletariado formavam as duas classes fundamentais do capitalismo e que caberia a este tiltimo conduzir a luta revolucionaria que deveria Promover a emancipacéo humana eo estabelecimento da igualdade entre todos os homens. Ao analisar as relagdes de trabalho, Marx destaca trés momentos fundamentais da sua organizagao: 0 artesanato, a manufatura ¢ a grande indistria. Nas sociedades em que predomina a producio arte- sanal — uma sociedade pré-capitalista ou uma tribo indigena no interior da Amaz6nia, ou, ainda, uma comunidade rural no interior do pais —, a populacio vive praticamente em torno e em funcio da aldeia. E muito pequeno o grau de divisao do trabalho, em ambos os sentidos apontados anteriormente (divisio social e divisio técnica do trabalho). O artesao independente, que faz seus produtos para levar ao mercado, é 0 responsével pela fabricacio deles. Ble prepara a matéria-prima, realiza todas as etapas da fabricagao e comercializa © produto na feira. O artesio é, por assim dizer, autonomo. £ ele quem decide o que fazer, 0 quando fazer e 0 como fazer. A educacao, nesse caso, esta ligada a procedimentos priticos e globais, uma vez que o aprendiz necessita aprender a dominar todo o processo de producao, inclusive desenvolvendo novas ferramentas que porventura venha a utilizar na fabricagao do seu produto. £ muito valorizadaa figura dos mais velhos, que sao os guardides do conhecimento acumulado. Esse conhecimento, que passado de geracao a geracao, refere-se tanto aos modos de fazer quanto aos valores, habitos e costumes que devem ser preservados. Predomina, portanto, uma educagao informal, isto é, que nao tem um. tempo determinado para se realizar ou um curriculo especifico, como acontece na educacao escolar. Entretanto, historicamente, a medida que mais arteséos vio fabri- cando mercadorias e os excedentes permitem ampliar as relagdes de comércio, mudancas sucessivas vio acontecendo no modo de pro- duzir. Produtores enriquecidos pelo comércio se fixam nas cidades. nascentes e, em vez de fazerem eles mesmos os produtos, passam a comprar as ferramentas, as matérias-primas, os cémodos onde pos- sam trabalhar e a pagar um saldrio em troca do trabalho dos outros. Surge, dessa forma, o trabalho parcelado, especializado, assalariado, e os burgueses — habitantes dos burgos, cidades — comecam a com- prar a forca de trabalho — capacidade fisica e mental — daqueles que nao conseguem ter o seu préprio negécio. © trabalho parcelado, em que cada trabalhador cuida apenas de uma etapa da fabricacdo do produto, é 0 elemento que constitui a divisio témnica do trabalho. A adoco em larga escala do trabalho parcelado revoluciona, verdadeiramente, a produgo, uma vez. que os trabalhadores 19 SOCIOLOGIA, CULTURA EDUCAGKO ESCOLA 20 ‘impos no mundo todo. se especializam na realizacao de apenas parte do processo produtivo. A educagao comega a ser modificada, passando a ser exigida do trabalhador uma aprendizagem ligada as ativicades especificas que ele vai realizar. Ainda que o aprendiz esteja ligado diretamente ao processo produtivo, sua educacao passa a exigit o desenvolvimento de habilidades particulares e peculiares em fungao dessa nova organizagao do trabalho. Essa é a fase de predominio da manufatura, isto 6, trabalho feito & mao ou com a utilizacao de ferramentas. A escola comega a ser considerada importante lugar da educacéo, onde todos devem aprender a ler, escrever e contar. A manufatura revolucionou a produgao ao modificar a forma de produzir mercadorias. Porém, nada se compara ao que estava por vir nos séculos seguintes, com a Revolugao Industrial, que combinou a mudanga no modo de produzir com a maquinaria na grande indistria. Em linhas gerais, o que caracteriza a grande indiistria, além da divisao técnica do trabalho e o uso crescente da maquinaria, é a submissio do trabalhador @ maquina e ao dono dos meios de produgao. Marx faz uma severa critica a essa divisio do trabalho, porque ela ndo permite a todos os trabalhadores desenvolverem suas potencialidades. Ele atribuia grande importéncia tanto ao trabalho manual quanto ao trabalho intelectual. O grande problema, para cle, era que, na sociedade capitalista, aqueles que se ocupavam do trabalho manual estavam impedidos de se dedicarem ao trabalho intelectual. Era necessario, portanto, superar as condicdes adversas que impediam os trabalhadores de refletirem sobre suas condi¢des de existéncia, Para Marx, caberia ao proletariado a tarefa histérica de romper com o processo de expropriacao dos trabalhadores e a exploracao de uns pelos outros. capitalismo passou a ser 0 modo de produgao Gominante na maior parte do mundo. Entretanto, néo extinguiu a produgdo artesanal e a manufatura. Ele as modificou e as submeten & légica do mercado que Max Weber Outro pensador que trouxe uma grande contribuigio para se refletir sobre a sociedade foi Max Weber (1864-1920). Weber também era alemao e, assim como Marx, era economista, historiador e sociélogo. Porém, além de uma concepsao de sociedade muito diferente da de Marz, ele tinha uma expectativa muito diferente em relacao as possi- bilidades humanas. Marx acreditava que o proletariado promoveria as transformagées necessérias a superacao das desigualdades sociais. Weber, pelo contrério, era pessimista em relacao a essas possibilida- des, porque, segundo ele, os conflitos sio resultantes de interesses que nunca seréo superados. Um dos conceitos basicos com os quais Weber constréi sua idéia de sociedade é 0 de agéo social. Uma ago é social quando aquele que age © faz em funcao de um sentido previamente atribuido a sua relacio com outro ou outros. O sentido dessa acio é estabelecido em funcio do significado que ela tem para o agente. A realidade social é uma teia de significados construida pelos individuos em aco. Max Weber elaborou uma sociologia da aco social, demonstrando que a sociedade resulta das miltiplas interagdes de individuos num determinado meio. Segundo Weber, os trabalhadores podem até agir de modo semelhante, visando a defender os mesmos interesses, quando, por exemplo, funda. um sindicato ou um partido; porém, nem todos os trabalhadores se sindicalizam e nem todos os que se sindicalizam lutam pelos interesses da categoria, porque nem sempre os interesses em jogo tém o mesmo significado para todos. Esses trabalhadores agem de modo diferente porque as coisas tém significados diferentes para eles. Pode ser também que, durante o dia, os trabalhadores protestem por melhores salarios e, & noite, cada um vai rezar numa Igreja diferente, vai qualificar-se melhor para o trabalho numa escola ou para o clube se divertir com os amigos. Nao havia, segundo Weber, nada que pudesse mover o proletariado a lutar pela transformacao da realidade, porque nunca haveria um sentido tinico a orientar suas acoes. Weber identitica quatro tipos de acio social: 1) Agao racional referente a fins. # a acao pensada, calculada, planejada, orientada, especificamente, por uma finalidade que se deseja atingir. Quando fazemos um proje- to, apontamos os objetivos, isto é, os fins, as metas que pretendemos ua a ‘SOCIOLOGIA, CULTURA, EDUCAGRO ESCOLA 22 atingir e os meios através dos quais pretendemos atingir tais fins. Exemplos: hé objetivos claramente estabelecidos para vocé atingir 20 final do estudo desta unidade; o professor elabora seu plano de aula estabelecendo, antes de ir para a sala, 0s objetivos a serem atingidos; ao elaborar um projeto de pesquisa, os objetivos constituem um dos pontos principais que o pesquisador deve expl 2) Agdo racional com relagio a valores £ uma acéo também pensada, planejada, orientada. Porém, quem age orientado pelos valores nao esté interessado em criar algo novo. Age em fungao de algo que esté na moda. Exemplo: Vamos a loja e compra~ ‘mos nao uma roupa qualquer, mas aquela que nas deixa em sintonia com os habitos do vestuario naquele momento; edotamos a perspec- tiva construtivista nao porque a conhecemos suficientemente bem para adoté-la como um recurso a mais na pritica pedagégica, mas porque se tornou moda falar em construtivismo no ambiente peda- Ogio. 3) Acao afetiva, especialmente emocional E a acdo movida por um estado puramente emocional, seja demons- trando afeicao, alegria, seja demonstrando tristeza, édio, rancor ete. Exemplos: Tanto o individuo que chora a perda de um ente querido ‘ou um amor nao correspondido quanto aquele que vibra com o gol do seu time agem movidos pela emocio. 4) Acdo tradicional £ a acdo motivada pelo valor da tradigao, pelo costume arraigado. Algo ¢ tradicional num meio quando ¢ repetido 20 longo do tempo, com pouca ou nenhuma modificag4o. Exemplos: Um professor é tradicional quando nao produz inovacao na sua forma de trabalhar; vocé vai a missa ou ao culto nao por atribuir a esse ato um valor em si, mas porque nao fica bem nao fazer aquilo que todos fazem e que sua tradicao religiosa exige. Duas observagdes devem ser feitas a respeito da ardo social. A primei- ra é que, ainda que as ages sociais possam ser concretamente verificd- veis, o resultado delas somente pode ser pensado como probabilidade. Ha uma probabilidade de que nossos projetos se realizem; se ndo, nao fariamos projetos. Entretanto, mesmo as a¢ées racionais bem plane: jadas, calculadas e orientadas podem resultar exztamente no oposto do que se desejava. A segunda é que uma mesma a¢ao pode ser lida de modos diferentes quanto A caracterizacao acima. For exemplo, alguém pode agir em conformidade com a moda ao comprar uma roupa, mas © seu objetivo final é apresentar-se com maiores chances de conquista diante de um(a) pretendente. Alguém pode realizar um ato de violén- cia porque foi movido por um sentimento instantaneo de célera ou pode calcular metodicamente os meios de realizar uma vinganca. Ou pode simplesmente agir 4 maneira tradicional porque reconhece nesse gesto maior eficacia que outras tentativas bem calculadas e reconheci- damente mal-sucedidas. Em relagao a divisao do trabalho, Weber é reconhecido como 0 teé- rico da burocracia. Nao que ele a visse com bons olhos, uma vez que, ja naquela época em que viveu, a burocracia apresentava os mesmos vicios que possui hoje. Porém, para Weber, é impossivel organizar 0 trabalho em grandes empresas, nas reparticées piiblicas ou nas grandes maquinas partidarias se nao for entregue a profissionais especiali- zados a realizagao de tarefas especificas. O problema, para ele, nao esté na divisio do trabalho em si, ou na hierarquizacio de fun¢ées, ou seja, 0 problema nao esté na burocracia em si. O problema est énas condigdes em que se realiza 0 trabalho ou no modo como sao recrutados os funcionarios. No momento em que este texto é escrito, h4 um amplo debate nacional sobre a proibi¢ao do nepotismo no Poder Judicidrio, exatamente o Poder que deveria resguardar o principio que estabelece que os funcionarios piblicos somente podem ser recrutados por concurso puiblico. Dessa forma, Weber 6 um autor que nos ajuda a entender o modo como se organiza o aparato institucional do Estado brasileiro. Seus estudos sobre o poder trazem grande contribuigdo para entendermos os vicios que impregnam a maquina estatal. Ou, ainda, Weber nos ajuda a entender as formas como o poder esta distribuido na sociedade. Mas o que € 0 poder? Segundo Weber, poder & a capacidade que alguém (individuo ou grupo) tem de impor sua vontade sobre outros, mesmo contra resisténcias. Ha uma probabilidade de que, numa relagao de hie- rarquias, uns mandem, outros obedegam. Mas por que uns mandam e outros obedecem? Para responder a essa pergunta é preciso que consideremos a ques- to da distribuigio do poder na sociedade. Se todos os individuos tém algum poder, de alguma forma, eles podem ser levados a esta- belecer uma relacao de mando em determinadas circunstancias. E se todos tém o mesmo propésito de mandar, a luta pelo poder instaura um estado de guerra de todos contra todos, como dizia o filésofo inglés Thomas Hobbes (1588-1679). Mesmo sendo a sociedade perpassada de contradicdes e interesses opostos, somos levados a reconhecer que ha esforcos notaveis para fazer prevalecer um estado de paz e concérdia sobre o estado de guerra e conflito. A principal pergunta a ser respondida, aqui, portanto, é: por que existe obediéncia a ordens dadas por terceiros? A resposta nao é tao simples, mas é possivel responder, inicialmente, que ha obediéncia porque, em determinadas circunstancias, alguém est investido de uma autoridade que é reconhecida e legitimada individual ou cole- tivamente. Weber chamou a essa legitima relacdo de mando de do- minagio. Segundo ele, poder e dominagio sio duas faces da mesma moeda. Como jé foi dito anteriormente, poder é a capacidade que alguém tem de impor sua vontade sobre outros. Por sua vez, domina- a0 6a probabilidade de que esses outros obedecam as ordens dadas, isto 6, esses outros aceitam e, por isso, legitimam as ordens dadas por alguém. Por isso, Weber fala em dominagao legitima. 23 SOCIOLOGIA, CULTURA, EDUCAGROE ESCOLA 24 As vezes Weber fala em dominagao, as vezes em autoridade. Entao, a domina¢ao legitima esta para a autoridade assim como a dominagao ilegitima esta para o autoritarismo. Essa é uma questio relevante a qual voltaremos adiante para falar da relacdo entre professores € alunos e da situagao dos profissionais do ensino como mediadores da cultura. Ao contrério do autoritarismo, que é imposicéo pura e simples, a autoridade é a capacidade de direcao fundamentada no consenso, isto é, na aceitagao. Cabe, agora, verificar qual é a base desse consenso. Em outras palavras, qual é o fundamento da legiti- midade da dominacio ou por que a dominacao élegitima? Segundo Weber, existem trés “tipos puros” de dominagio legitima: a tradicional, a carismatica e a racional-legal. Vamos analisar cada uma delas, tentando verificar como elas podem ser reconhecidas no nosso cotidiano. Mais uma vez queremos reforcar: a dominac3o é legitima porque ha a aceitacao do poder de mando de alguns sobre outros. Quando as bases da legitimidade se quebram, estabelecem-se novas lutas pela conquista ou pela manuten¢ao do poder. Uma das questdes mais discutidas sobre a escola atualmente é exatamente a quebra da autoridade dos professores. Nas palavras do proprio Weber, a dominagdo tradicional se estabelece “em virtude da crenga na santidade das ordenacées e dos poderes senhoriais de ha muito existentes” (apud Cohn, 1986, p. 131). Como © préprio nome indica, é um tipo de relacdo de mando que se assenta na tradi¢ao, assegurado por lacos de fidelidade entre senhor e stidi- tos. A histéria do Brasil é rica em exemplos desse tipo de dominacao. Desde os tempos de colénia estabeleceu-se uma sociedade patriarcal centrada na figura do senhor de escravos ¢ terras, que atendia geralmente pela alcunha de coronel. O coronelismo entrou em crise, mas ainda é forte a presenca de influentes coronéis de norte a sul do pats. Adominagdo carismética é uma forma de exercicio do poder tipica dos momentos de crise, uma vez que descontentamento e desequilibrio social podem desregulamentar as formas rotineiras de vida, desinte- grando as instituicdes ou o poder de mando do chefe tradicional. Os momentos de crise so propicios para o surgimento de lideres caris- miaticos, porque eles sio vistos como personages extraordindrios, portadores de qualidades sobrenaturais ou excepcionais. Segundo © socidlogo inglés Anthony Giddens (1990, p. 223), 0 lider caris- matico pode se manifestar nos mais diferentes contextos sociais ¢ historicos. As personalidades carisméticas tanto podem ser profetas religiosos ou lideres politicos — Cristo, Maomé, Napoledo, cujas ages influenciaram o curso da evolucao de civilizagées inteiras —, como ainda toda espécie de demagogos que tenhem obtido uma ade- so temporaria. A legitimidade da autoridade carismatica baseia-se sempre, e qualquer que seja 0 contexto em que esta tenha surgido, no fato de todos acreditarem na autenticidade da missao do lider. Jé a dominacio racional-legal requer uma forma particular de auto- ridade. Ao contrario do carter pessoal das relagdes de mando tra- dicional e carismatico, na dominacdo racional-legal, o individuo que exerce esse tipo de autoridade o faz em nome de “regras impessoais” que foram conscientemente instituidas como produto de um debate coletivo. £ racional porque tende a expressar o esforgo coletivo de estabelecer, a partir de critérios racionais, normas as quais todos devem obedecer. E é legal porque essas normas s30 expressas em leis, questo que sera abordada posteriormente. | Algo legal quando se sustenta mum regulamento ordenado por lei. B0 | império da legalidade. Seu contraponto é a ilegalidade. Algo é legitimo | quando se sustenta na aceitagao consentida das pessoas em determinado contexto, Seu contraponto éailegitimidade. AWA 25 _SOCILOGiA CULTURA EDLCAGHO E ESCOLA 26 Emile Durkheim Se movermos a nossa atengao para o terceiro éos classicos identifi- cados anteriormente, vamos encontrar no francés Emile Durkheim (1858-1917) uma perspectiva inteiramente diferente de sociedade, tanto em relacdo a Marx quanto em relacao a Weber. Durkheim é 0 socidlogo por exceléncia, pai da Sociologia geral e da Sociologia da Educacao em particular. Para ele, a sociedade é um con- junto integrado de fatos sociais. E 0 que € fato social? E tudo aquilo, no contexto das relagdes sociais, que tem existéncia prépria, inde- pendente das manifestacdes e juizos individuais, e que exerce sobre os individuos uma coer¢ao exterior. E como se manifesta essa coer¢40? Quando nascemos, diz Durkheim, encontramos todo um sistema de crengas, normas e valores ja constituido ao qual devemos ser incor- porados através da educacao. Por isso, ele afirma que a sociedade exerce uma coer¢io sobre os individuos. A educacéo é uma das for- mas de exercicio dessa coergio, porque toda atividade pedagégica supée um esforco de permitir aos individuos internalizarem algo jd constituido. A lingua, as leis, as normas da convivéncia coletiva, diz Durkheim, precedem ao nascimento dos individuos. E tarefa da educacao permitir aos individuos a apropriacaodessas normas. Esse é um motivo que, como veremos, implicava uma crenca nas insti- tuigdes de ensino, uma vez que caberia a elas difundir valores que proporcionassem a coesio social. Coergdo social e coesao social so conceitos muito diferentes. Coerc40 ou coagao é forca, imposigao, é manifestacao de poder. O grau de intensidade da coercao é muito variavel. Até algum tempo atras, os. professores exerciam essa coercao sobre os alunos com palmatéria, os pais com vara de marmelo e chicote. Esses instrumentos de pu- nigéo foram banidos da escola eh uma ampla campanha para que sejam banidos da educacao doméstica. Porém, amenos que sejamos muito permissivos, tanto como pais quanto como professores, nés coagimos nossos filhos e nossos alunos a adotarem certas condutas que consideramos as mais adequadas, seja em casa, na casa do vizi- nho, na rua ou na escola. Ou vocé deixa seu filho ou seus alunos fa- zerem 0 que bem entendem em qualquer lugar a qualquer hora que desejarem? Ao cobrar deles uma postura adequaia ao entendimento das instrugoes, vocé esta exercendo uma coer¢ao. Ninguém nasce disciplinado no exercicio de ouvir, falar, ver, trabalhar etc, Socializar a crianca significa fazer com que ela incorpore determinados modos adequados a convivéncia em sua sociedade. HA determinadas coer¢ées que sio universais, por exemplo, aquelas expressas nos mandamentos do cristianismo, como nao matar, néo roubar etc. Diriamos que s&io coergdes que a civilizacao estabelece como meio de conter as pulsdes. Outras sao localizadas e variam de sociedade para sociedade. Sao elas que definem os bons habitos que devem ser cultivados, de acordo com os critérios que cada sociedade estabelece, Na nossa sociedade, ser cortés, respeitoso e estudioso so habitos geralmente muito valorizados, mas ninguém nasce com eles. Eles constituem valores os quais entendemos que devem ser difundi- dos pela educacao. E todos nés, pais e/ou educadores, nos sentimos constrangidos quando nao conseguimos difundi-los. A coesto social, por outro lado, resulta dessas relagées coercitivas. ‘Vamos discutir um pouco mais essa questo tomando como referén- cia a divisao do trabalho que apontamos anteriormente. Segundo Durkheim, a coercéo é um instrumento fundamental para que haja coesio social, isto 6, integracio dos individuos a sociedade. Quando acham que podem agir sem obedecer aos regulamentos, as pessoas podem ser punidas pela transgressio. Hé transgressdes “leves ne- cessarias ao proprio processo de mudanca social, e ha transgressoes graves, que podem ser consideradas crimes, cabendo a cada socie- dade definir o que constitui crime, e a pena que deve ser imposta a0 criminoso, Para Durkheim, a vida social é regulada pela solidariedade social, um conceito que nio deve ser confundido com o do sentido atual da expressio “ser solidario”, geralmente remetida a um ato ge- neroso de ajuda aos mais necessitados. A solidariedade social é um fator de coesio social, que vai se diferenciando de acordo com o grau de divisio do trabalho. Nas sociedades nas quais é baixo 0 grau de divisao do trabalho, os principais lacos de coesao se baseiam numa “solidariedade mecénica’, isto é, no compartilhamento coletivo de valores e normas de conduta muito semelhantes. Pense numa sociedade indfgena ou numa tribo que habita uma localidade distante, que ainda nao estabeleceu contatocom ‘outros povos. E muito baixo o grau de diferenciacao entre os individuos. Todos os membros da comunidade partilham um mesmo conjunto de crengas e sentimentos muito firmes e aceitos coletivamente. A educagao, nesse caso, também é pouco varivel, porque ela consiste em difundir sempre os mesmos padrées de comportamento, os mesmos valores e os mesmos habitos. Além das semelhancas no modo de os individuos se comportarem, a mudan¢a social é extremamente lenta nessas sociedades. Porém, & medida que vai aumentando o grau de divisio do trabalho, © nivel de diferenciacfo social aumenta progressivamente, em decorréncia da especializacio de fungdes que os individuos tém que desempenhar. Essa é uma tendéncia das sociedades modernas, diz Durkheim, que consiste em produzir maior coopera¢ao no trabalho. A cooperacdo resulta da divisao do trabalho, que passa. exigir individuos cada vez mais especializados para cumprir funcées sociais cada a7 ‘SOCOL0GI, CULTURA EDUCAAO EESCOLA 28 vez mais especificas. A coeso que resulta dess2 tipo de cooperacao Durkheim chama solidariedade orgénica, que exige aumento do graut de escolarizagao, cabendo a escola formar os trabalhadores que essa divisao do trabalho exige. ‘Temos aqui, portanto, um ponto de vista radicalmente distinto do de Marx no que refere a diviso do trabalho na sodedade. Ao contrario de Marx, que analisa a sociedade sob a perspectiva da contradicio e do conflito, Durkheim centra-se na questao do consenso, pergun- tando como a ordem e a estabilidade sociais sio possiveis e como a educacéo deverd estar a seu servico. Além de teérico, ele tentou realizar, na pratica, as suas idéias e criou a disciplina Sociologia da Educa¢&o, que ministrou, por muitos anos, em diversos cursos de formagao de professores na Franca. Além de propor uma definigio de educacio, ele analisou, entusiasticamente, o lugar dela na confor- mago de relacées sociais estveis e duradouras. Na proxima Aula, voltaremos a essa questao para analisar a centralidade que a institui- cdo escolar passa a adquirir no mundo moderno, isto é, num mundo cada ver caracterizado pela divisao do trabalho. A coergio estd ligada ao conjunto de limites que as instituigdes sociais | impéem aos individuos, regulando 0 comportamento de todos na sociedade. A coesao diz respeito aos lagos de solidariedade social que | ligam os individuos uns aos outros. Feita a apresentacéo desses autores, resta dizer que o que une todos eles é o interesse em dar uma resposta a “questo social” que emergiu na Europa com a passagem do modo de producdo feudal ao capitalista. Essa passagem durou um longo periedo, pelo menos trés séculos, e foi caracterizada por varias revolucées que produziram profundas transformagées em todos os planos da existéncia. No plano econémico, a Revolugao Industrial ampl:ou as condigées de producao da manufatura ao introduzir a maqainaria e instalar a grande industria. No plano demografico, o crescimento populacional ea intensa urbanizacao deslocaram o eixo da v:da social do campo pata as cidades. No plano politico, a Revolucao Francesa instaurou um novo modo de organizar o poder, trazendo a lume as idéias de cidadania, democracia, direitos etc. No plano social, sobretudo a partir do século XIX, tudo isso desencadeou a “questo social” que fez emergir a Sociologia como ciéncia da sociedade. No plano educacional, houve também uma revolugao. A partir de entdo, a escola passou a ser reivindicada para a educacao do povo. A educacio, cada vez mais associada & escola, passou a ser vista como um direito do cidadao e um dever do Estado. Aqui, fala-se de educagéio formal, isto é, trata-se de concentrar o ensino de centetidos especificos, organizados num curriculo, num tempo determinado, seqiencial, com avaliagdes, notas, aprovacbes, reprovacées, certificados e diplomas para aqueles que completam determinados niveis de escolarizacao, © novo modo de produgao passou a exigir trabalhadores cada vez mais qualificados para 0 exercicio de fungées cada vez mais exigentes. ‘A Sociologia emergiu como uma ciéncia voltada para a tentativa de compreender a natureza dessas transformacées. Mas ela pretendia, também, trazerumarespostaaosproblemasapresentados. ASociologia da Educagao deveria identificar os problemas relativos as instituigdes de ensino e encontrar uma solucao para esses problemas. Para finalizarmos este item, vamos trazer mais alguns elementos de comparagio entre esses autores, verificando em que medida séo possiveis algumas aproximacées, mas também quais s4o os distancamentos. ‘Vamos, entio, destacar os seguintes pontos: | ‘Marx analisava. sociedade observando principalmente suas contradicbes e seus conflitos, manifestos nas lutas de classes, enquanto Durkheim analisava a sociedade observando principalmente o consenso, isto 6, como épossivel que aordem ea integracto nela existam. Markera citicosevero | dadiviséo técnicadotrabalho porque vianelaum impedimentoparaqueos | trabalhadores desenvolvessem todas as suas potencialidades. Durkheim | celebrava a divisto do trabalho como instrumento de cooperagio e | defendia que a educagao consistia em desenvolver as aptidées individuais | epermitira formagdo de trabalhadores especializados. Marx era otimista | ‘em relasdo a sociedade e acreditava que a revolucéo do proletariado seria a tinica solugao posstvel para o problema da desigualdade entre os homens. Durkheim também era otimista em relacao a sociedade, porém acreditava que as mudancas desejadas seriam alcangadas através da educagao. ‘Ao contrério de Marx, que centrava sua andlise nas relagdes entre as classes sociais, ede Durkheim, que analisava a sociedade tomando-acomo um conjunto integrado de fatos sociais (instituigbes), Weber analisava 0 significado das ages dos individuos. E uma postura metodolégica bastante diferente, 0 que resulta numa explicacao também diferente para as relagBes sociais. No primeiro caso, tem-se o entendimento de que a sociedade & dividida em classes, que esto em conflito em decorréncia da relacdo de posse e nao posse dos meios de produgao (Marx), ou que ‘que constitui objeto de andilise sociolégica sao as instituigées, porque somente elas tém uma dinémica prépria que pode ser tomada como um fato independente dos jutzos de valor dos individuos. No segundo caso, também ha o entendimento de que a sociedade vive sob conflito «endémico, com distribuigao desigual do poder. Porém, isso nao deriva das relagées de propriedade, mas dos interesses divergentes que motivam as 29 Bibliografia BAUDELOT, Christian. A sociologia da educacio: para qué? Teoria e Debate, Porto Alegre, Pannonica, n. 3, p. 29-42, 1991. COHN, Gabriel (Org). Introducio. In: Weber: Sociologia. 3. ed. Séo Paulo: Editora Atica, 1986. CUIN, Charles-Henry; GRESLE, Francois. Histsria da Sociologia. S80 Paulo: Editora Ensaio, 1994, DURKHEIM, Emile. Educacdo e Sociologia. Lisboa: Bdigbes 70, 2001. 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TURA, Maria de Lourdes R. (Org.). Sociologia pera educadores. Rio de Janeiro: Quartet, 2001. WEBER, Max. Metodologia das ciéncias sociais. 2. ed. Sao Paulo: Cortez; (Campinas: Editora da UNICAMB, 1995. 2v. CULTURA COBJETIVOS ESPECTFICOS - Idenificar a cultura como abjeto de anise socioligca, = Identificar diferentes concepcbes de cultura; - Identifiar as relagdes exstentes entre sociedad, cultura e escola, verficando como (0s profissionas do ensino atuam como mediad a5 relacBes, Feita a discussio inicial sobre a sociedade e apresentados os trés autores clissicos da Sociologia, vamos agora discutir os outros trés temas propostos para esta primeira unidade: cultura, educa¢ao e escola. Damesma forma que a “questo social” fez emergir a Sociologia como cigncia da sociedade, pode-se dizer, também, que ha uma questio cultural que se constitui objeto de estudo da Antropologia ou da Sociologia da Cultura. Nao hé uma fronteira muito nftida entre esses dois campos do conhecimento, mas é possivel dizer que, enquanto a primeira trata da constitui¢ao dos sistemas simbélicos préprios de cada sociedade ou da cultura como um atributo puramentehumano, a segunda trata dos modos através dos quais esses sistemas simbélicos circulam entre sociedades diferentes ou dentro de uma mesma sociedade. Essa é uma idéia que nos interessa, porque, apesar de nao tratarmos aqui especificamente do primeiro caso, é preciso entender que é a cultura para analisar os modos pelos quais os professores atuam como mediadores culturais nas escolas. Mas o que 6 cultura? Em Interpretacdo das Culturas, Clifford Ge- ertz (1989, p. 14) afirma que a dificuldade que esse tema apresenta nao se liga ao fato de nao existir um conceito apropriado, mas sim pelo fato de existirem muitos. Ele cita a antropéloga Clyde Kluckho- Inn, que em seu livro Um espelho para o homem, definiu o termo cultu- ra de onze maneiras diferentes. Depois de fazer uma ampla discus- sto do tema e suas definicées, Geertz afirma que, por haver tantas definicoes, é preciso escolher. E escolhe uma definigao sustentada em Weber, para quem a cultura é uma teia de significados construida pelos proprios homens em agao. Segundo um outro autor, Roque de Barros Laraia — em seu livro Cultura: um conceito antropoldgico —, “no final do século XVIII e SOCIOLOGIA CULTURA EDUCAGKOEESDOLA 32 no principio do seguinte, o termo germanico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente as realizagdes materiais de um povo” (Laraia, 2002, f. 25). Esses termos, diz ele, foram sintetizados pelo antropélogo inglés Edward Tylor no vocabulo Culture, que “tomado em seu sentido etnografico, 6 este todo complexo que inclui conhecimentos, cren¢zs, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou habitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (Tylor, apud Laraia, 2002, p. 25). Com essa defini¢ao, Tylor atribuia ao termo cultura duas de suas caracteristicas bésicas: diz respeito a todas

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