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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
A MÚSICA E A PATHOS
Porto Alegre
2014
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RESUMO
Introdução
Nota-se, pois, que este ensaio fará abordagens acerca da música. Freud se
posicionou em relação a ela dizendo que “[...] com a música, sou quase incapaz de obter
qualquer prazer. Uma inclinação mental em mim, racionalista ou talvez analítica,
revolta-se contra o fato de comover-me com uma coisa sem saber por que sou assim
afetado e o que é que me afeta.” (Freud apud Sousa e Seger, 2013). Creio que talvez não
seja necessário explicar o sentimento, basta senti-lo, pois, afinal, ela tem o poder de
dizer tudo sem dizer uma única palavra e se faz entendida, seu discurso é compreendido,
tal como se observa em trilhas sonoras, por exemplo. Mas meu foco quanto à música
não será este.
O presente ensaio tem por objetivo realizar uma análise da pathos atual para a
avaliação final da cadeira de Psicopatologia e Cultura, ministrada pelo Professor
Amadeu de Oliveira Weinmann, do curso de Psicologia da UFRGS (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul). Para isso separei o desenvolvimento em três momentos.
No primeiro momento abordo a importância e utilização da música como referência
histórica-psicossocial; posteriormente discuto a relação que o adolescente encontra com
a música ao identificar-se com ela e utilizá-la como discurso próprio para assumir a sua
identidade pessoal; e, por fim, apresentarei o discurso advindo dessa identificação com a
música por esse adolescente que, antes, não possuía um discurso, e, juntando o que
apresentei durante os três momentos, farei a minha análise da pathos atual tomando
como exemplo as manifestações sociais brasileiras de junho de 2013. Propondo, ainda,
ao final, uma reflexão sobre minhas considerações acerca do assunto.
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Assim como o cinema, a música também possui papel importante no retrato ‘[...]
dos dilemas sociais, estéticos e ideológicos da brasilidade [...]’ (Ridenti apud
Napolitano, 2014). Logo, cinema e música são e foram capazes de representar, em suas
próprias linguagens – mesmo que, muitas vezes, se combine imagem e som –, desde
problemas políticos-econômicos-sociais até a vida cotidiana do brasileiro. No filme Rio,
Zona Norte, de 1957, temos uma boa demonstração de como a música, no caso o samba,
e o cinema combinados possibilitam uma noção histórica-psicossocial da vida, seja
cotidiana ou social, dos anos 50 no Brasil (época retratada no filme) (Napolitano, 2014).
Surge, então, no final dos anos 50, um novo movimento musical (o MPB) que,
aos poucos foi dominando a cultura brasileira e tirando o samba do destaque; vindo a
simbolizar majestosamente e com suavidade as inúmeras expectativas de um Brasil
moderno e deslumbrado com o intrigante plano econômico de Juscelino Kubitschek
(Sant’Anna apud Zan, 2001, p. 9-10). Assim como também traduziu “ideias [...] de
povo, nação, libertação e identidade nacional [...] marcadas por conotações ‘romântico-
revolucionárias’” através de repertórios feitos, dentre outros, por Geraldo Vandré e Nara
Leão, “marcados pelo engajamento (canção de protesto). O lirismo da Bossa Nova cedia
espaço para o estilo épico das canções de protesto” (Zan, 2001, p. 8-9). Isso sem falar
no movimento mais famoso da história cultural brasileira durante o período ditatorial: o
Tropicalismo, que se utilizou da antropofagia de Oswald de Andrade e, com uma
majestosa poética, traduzia a realidade brasileira vivida naquela desigual ditadura
(Risério apud Zan, 2001, p. 12).
meio da música permite a aproximação do aluno com essas vidas que vivenciaram certo
momento da história, assim podendo obter melhor compreensão de como era essa vida,
o que viam, o que faziam e como se sentiam (Duarte apud Abud, 2005). “Elas (músicas)
são representações, não se constituem num discurso neutro, mas identificam o modo
como, em diferentes lugares e em diferentes tempos, uma determinada realidade social é
pensada e construída.” (Abud, 2005, p. 4).
De acordo com Duvall (1977, citado por Sampaio, 2002), para que o
adolescente consiga cumprir as tarefas de desenvolvimento que se lhe colocam,
tem de realizar, pelo menos, quatro operações inter-relacionadas: percepcionar
novas formas de comportamento a partir do que é esperado dele e do que é
observado nos outros, mais desenvolvidos; formar conceitos sobre si mesmo;
confrontar-se com conflitos acerca de si mesmo; ter motivação para atingir o
passo seguinte no seu percurso. (OLIVEIRA, 2003, p. 54-55)
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Por meio de duas pesquisas, uma datada de 1997 e outra de 2003, encontraram-
se dados de que 76% dos adolescentes portugueses ouvem música com frequência e que
entre jovens portugueses de 15 a 29 anos apenas 1% destes não ouve música (id, p. 64).
Pode-se pensar que as pesquisas revelam dados supérfluos, já que surpresa seria se os
dados indicassem baixa porcentagem de ouvintes de música, pois, afinal, arrisco em
dizer, que não ouvir música, ou, não apreciá-la é um fato inaudito.
Tais argumentos levam a refletir, ainda, que o tipo de música assume uma
importância significativa na construção da identidade do indivíduo adolescente. Não
raro, percebem-se adolescentes transitando entre diversas identidades em um curto
período de tempo, isso porque, muitas vezes, leva tempo para que ele encontre o que
considera a sua identidade ideal (Id, 2003, p. 54-55 e 67-66). Vale ressaltar que não
excluo a possibilidade de um devir constante na identidade de um ser humano e que ele
passe por esse processo de, segundo Deleuze e Guattari (apud Contador, 2001),
territorialização e desterritorialização para além da idade jovial, a qual se atrela o termo
adolescente.
adolescente incorporando o seu discurso através de uma identificação com essa música.
– para realizar a minha análise sobre a pathos atual, e como a vejo através destas lentes
que acabo de expor. Nesta parte final do ensaio proponho que este adolescente, que
acaba de adquirir o seu discurso pela música, ponha em prática o uso deste discurso em
manifestações sociais como, por exemplo, a ocorrida no Brasil em junho de 2013.
Seguem nos próximos parágrafos minhas reflexões e considerações acerca do tema.
A questão que reflito e que aqui analiso, é que esse ideal que o adolescente
supostamente encontrou na música, e com o qual se identifica e obtém seu discurso,
geralmente é um ideal de morte, uma pulsão de morte, como nomeou Freud, ou seja, um
ideal que tende à desagregação e desconstrução. Refletindo sobre as letras de protesto,
sejam elas dos anos 60 ou dos anos 90, elas, geralmente, realçam um desejo de
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Não acho que isso seja digno de condenação, ainda mais no contexto em que a
música se encontra (ditadura militar brasileira), porém, se esse discurso de
desconstrução permanente vangloriar em uma construção sempre que esta ocorrer ficar-
se-á sem ações, em um espaço tão desconstruído que não há como voltar a construir.
Corremos o risco de estagnar-se em uma cultura que refuta a imaginação e criatividade,
e, assim, aceitando o que somos e ficará por isso, já que a utopia é muito longe e muito
improvável de acontecer (Sousa, 2011).
Já que o ideal cantado desconstrói, onde está o que constrói? Freud dizia que
para se renovar algo, deve-se morrer para renascer, ou seja, toda a morte é seguida de
uma construção, algo novo, exceto em situações traumáticas, em que a desconstrução é
muito intensa. Mas vejo que neste discurso não há Eros, há uma constante morte, que
visa retornar aos "bons tempos". Em “Roda viva”, de Chico Buarque, de 1968, o cantor
repete várias vezes ações que se podia fazer e que agora (na ditadura) não se pode mais,
e que deve-se lutar pelo o que se tinha de novo; fala-se também em saudade, vontade de
voltar. Mais uma vez, um ideal de retorno a um estágio anterior. Não sou a favor da
ditadura, e acredito que, na época, o certo era lutar pelos direitos, porém, me parece que
a ideia de retorno permanece ainda nos dias de hoje, quando se pensa para o futuro, algo
que já foi no passado; e também quando não se arrisca a usar a criatividade para superar
problemas, pois se entende que a utopia é muito distante (Id, 2011), e, a meu ver, fica
cada vez mais longe.
Considerações finais
Acerca da música, na primeira parte do ensaio, fundamentei como ela pode ser
lida como um instrumento que narra um fato histórico, porém, de modo mais rico, pois
agrega ao fato os sentimentos, pensamentos e vivacidade do ser psicológico que
vivenciou o que, geralmente, se lê a respeito em livros.
Na terceira e última parte, expus a minha análise da pathos atual, tendo em vista
as duas primeiras partes, e usei como exemplo as manifestações sociais brasileiras de
junho de 2013. Em outras palavras, refleti sobre a cultura atual observando-a no
contexto de seu mais recente protesto político, e julguei que o ideal que ligava a todos
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nestes manifestos sociais era um ideal que desconstrói, que opta por retornar ao que era
antes, e que não há ideais que acrescentem, que construam em cima desta morte. Isso
porque, a meu ver, o discurso que o adolescente adquiriu provinha da música, e essa
possuí um discurso da saudade, ou seja, que preza pela volta, pela regressão, pela
desconstrução; e ao invés de construir algo novo, retoma no futuro, o passado. E, ainda,
devido a essa satisfação com o simples retorno ao que era, não incentivamos a
criatividade e a imaginação, assim, desacreditando a utopia por ela estar muito distante,
e, dessarte, na minha visão, ela fica cada vez mais afastada.
Mais uma vez retorno a dizer que não me limito a dizer que a obtenção de
identidade e de discurso pelo adolescente provenha apenas através da música, e que
todas as músicas e todos os manifestantes da ocasião aludiam a uma desconstrução, e
que a ideia de utopia seria, para todos, um pensamento onírico visto com descrédito. O
que expus neste ensaio foi humildemente minha análise e minha opinião sobre a pathos
da atualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NAPOLITANO, Marcos (2014). Rio, Zona Norte (1957) de Nelson Pereira dos
Santos: a música popular como representação de um impasse cultural. In: Per
musi [online], Belo Horizonte, n. 29, p. 75-85, jan./june. Acesso em: 29 nov. 2010.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
75992014000100009&lang=pt.
SOUSA, Edson Luiz André (2011). Por uma cultura da utopia. In: E-topia: Revista
Electrónica de Estudos sobre a Utopia [online], n. 12. Acesso: 28 nov.2014, em:
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8907.pdf.
ZAN, José Roberto (2001). Música popular brasileira, indústria cultural e identidade.
In: Eccos Revista Científica [online], São Paulo, v. 3, n. 1, p. 105-122, junho. Acesso
em: 29 nov.2014, em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71530108.