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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

JOÃO LUÍS MIOLA

A MÚSICA E A PATHOS

Ensaio apresentado ao Curso de


Psicologia, elaborado para a
disciplina de Psicopatologia e
Cultura, ministrada pelo Prof
Amadeu de Oliveira Weinmann

Porto Alegre
2014
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RESUMO

Os três momentos deste ensaio tratam, respectivamente, da música como um retrato


histórico-psicossocial; do adolescente rompendo laços com o discurso paterno e
buscando o seu próprio, através da música; e uma análise da pathos atual a partir dos
dois primeiros momentos. Ao final, propõe, ainda, uma reflexão sobre o que foi
constatado no terceiro momento do ensaio.

Palavras-chave: música – adolescência – identificação – desconstrução – utopia.


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Introdução

É facilmente visualizável o espaço e a importância que a música tem, não só na


brasileira, mas em diversas outras culturas. A exemplo disso tem-se “O grande Gatsby”,
de Scott Fitzgerald, que é descrito como o livro que caracteriza a chamada “era do jazz”
nos Estados Unidos, uma época pós-guerra que foi marcada pelo sonho americano e
pelos novos ricos. Assim como a discografia dos Beatles, com destaque para o “Sgt.
Pepper’s Loneny Hearts Club Band”, de 1967, que foi uma revolução na música, que
influenciou e influencia muitos músicos ainda hoje; quando lançado, inspirou Gilberto
Gil e Caetano Veloso a iniciar o movimento cultural/musical Tropicália, certamente um
dos movimentos musicais mais importantes da história brasileira.

Nota-se, pois, que este ensaio fará abordagens acerca da música. Freud se
posicionou em relação a ela dizendo que “[...] com a música, sou quase incapaz de obter
qualquer prazer. Uma inclinação mental em mim, racionalista ou talvez analítica,
revolta-se contra o fato de comover-me com uma coisa sem saber por que sou assim
afetado e o que é que me afeta.” (Freud apud Sousa e Seger, 2013). Creio que talvez não
seja necessário explicar o sentimento, basta senti-lo, pois, afinal, ela tem o poder de
dizer tudo sem dizer uma única palavra e se faz entendida, seu discurso é compreendido,
tal como se observa em trilhas sonoras, por exemplo. Mas meu foco quanto à música
não será este.

O presente ensaio tem por objetivo realizar uma análise da pathos atual para a
avaliação final da cadeira de Psicopatologia e Cultura, ministrada pelo Professor
Amadeu de Oliveira Weinmann, do curso de Psicologia da UFRGS (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul). Para isso separei o desenvolvimento em três momentos.
No primeiro momento abordo a importância e utilização da música como referência
histórica-psicossocial; posteriormente discuto a relação que o adolescente encontra com
a música ao identificar-se com ela e utilizá-la como discurso próprio para assumir a sua
identidade pessoal; e, por fim, apresentarei o discurso advindo dessa identificação com a
música por esse adolescente que, antes, não possuía um discurso, e, juntando o que
apresentei durante os três momentos, farei a minha análise da pathos atual tomando
como exemplo as manifestações sociais brasileiras de junho de 2013. Propondo, ainda,
ao final, uma reflexão sobre minhas considerações acerca do assunto.
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Música como retrato histórico-psicossocial

Assim como o cinema, a música também possui papel importante no retrato ‘[...]
dos dilemas sociais, estéticos e ideológicos da brasilidade [...]’ (Ridenti apud
Napolitano, 2014). Logo, cinema e música são e foram capazes de representar, em suas
próprias linguagens – mesmo que, muitas vezes, se combine imagem e som –, desde
problemas políticos-econômicos-sociais até a vida cotidiana do brasileiro. No filme Rio,
Zona Norte, de 1957, temos uma boa demonstração de como a música, no caso o samba,
e o cinema combinados possibilitam uma noção histórica-psicossocial da vida, seja
cotidiana ou social, dos anos 50 no Brasil (época retratada no filme) (Napolitano, 2014).

Surge, então, no final dos anos 50, um novo movimento musical (o MPB) que,
aos poucos foi dominando a cultura brasileira e tirando o samba do destaque; vindo a
simbolizar majestosamente e com suavidade as inúmeras expectativas de um Brasil
moderno e deslumbrado com o intrigante plano econômico de Juscelino Kubitschek
(Sant’Anna apud Zan, 2001, p. 9-10). Assim como também traduziu “ideias [...] de
povo, nação, libertação e identidade nacional [...] marcadas por conotações ‘romântico-
revolucionárias’” através de repertórios feitos, dentre outros, por Geraldo Vandré e Nara
Leão, “marcados pelo engajamento (canção de protesto). O lirismo da Bossa Nova cedia
espaço para o estilo épico das canções de protesto” (Zan, 2001, p. 8-9). Isso sem falar
no movimento mais famoso da história cultural brasileira durante o período ditatorial: o
Tropicalismo, que se utilizou da antropofagia de Oswald de Andrade e, com uma
majestosa poética, traduzia a realidade brasileira vivida naquela desigual ditadura
(Risério apud Zan, 2001, p. 12).

No artigo de Katia Abud intitulado “Registro e representação do cotidiano: a


música popular na aula de história”, de 2005, a autora também reforça a ideia de que a
música é um importantíssimo meio de se entender a história, não somente em seus fatos
puramente ditos, mas também na perspectiva psicossocial. Quer dizer, de maneira a
entender os pensamentos e sentimentos daqueles que viveram certo período da história,
pois, afinal, “a música [...] tem uma forte associação com o afetivo-emocional, as
emoções.” (OLIVEIRA, 2003, p. 65-66). Abud ainda afirma que o ensino histórico por
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meio da música permite a aproximação do aluno com essas vidas que vivenciaram certo
momento da história, assim podendo obter melhor compreensão de como era essa vida,
o que viam, o que faziam e como se sentiam (Duarte apud Abud, 2005). “Elas (músicas)
são representações, não se constituem num discurso neutro, mas identificam o modo
como, em diferentes lugares e em diferentes tempos, uma determinada realidade social é
pensada e construída.” (Abud, 2005, p. 4).

O adolescente e a influência da música nele

Tratarei aqui a adolescência como um período de transição entre o conforto


paternal, onde o infante possui “seu” discurso e seus “ideais” advindos da autoridade
paterna; e a adultez, em que o indivíduo adquire, desta vez, o seu próprio discurso e
ideais (OLIVEIRA, 2003, p. 48-55; Weinmann, 2012). Esse período da adolescência
pode ser comparado à transição da heteronomia, em que a base moral da criança é dada
pelas figuras paternas, para a autonomia, em que a criança agora responde por sua
própria moral, presente na teoria de Piaget (apud Freitas 1999).

O infante só chega ao “estágio” de adolescente quando ocorre um


enfraquecimento da função paterna, quando, pois, a parentalidade não mais pode
interferir no processo de o adolescente inscrever seu traço na cultura e, assim, assumir a
sua identidade (Weinmann, 2012). Nesse processo ocorreria a perda de seu corpo
infantil, podendo agora seguir para a adultez e “disso decorre que a passagem
adolescente constitui-se em um momento de desamparo frente ao Outro cultural, pois é
no intervalo entre a queda da imago paterna e a invenção de um Nome-do-Pai, que a
adolescência floresce.” (Id, 2012). Porém, o “[...] sujeito precisa inscrever-se na cultura
por meio de um registro singular, pois a tradição e a comunidade não respondem mais
por ele.” (Costa apud Weinmann, 2012). Mas como ele fará isso?

De acordo com Duvall (1977, citado por Sampaio, 2002), para que o
adolescente consiga cumprir as tarefas de desenvolvimento que se lhe colocam,
tem de realizar, pelo menos, quatro operações inter-relacionadas: percepcionar
novas formas de comportamento a partir do que é esperado dele e do que é
observado nos outros, mais desenvolvidos; formar conceitos sobre si mesmo;
confrontar-se com conflitos acerca de si mesmo; ter motivação para atingir o
passo seguinte no seu percurso. (OLIVEIRA, 2003, p. 54-55)
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Aí me parece estar o problema do adolescente. Qual o caminho a ser traçado


para que chegue, enfim, à formação de seu self? A partir desta obscuridade ele começa a
aderir práticas de grupo, integra culturas juvenis, relaciona-se, partilha experiências,
referências identitárias e simbolismos para afirmar-se. Porém, “entre estas, a música
ocupa um lugar destacado, constitui uma atividade importante na formação da
identidade [...]” (id, p. 63-64). Deve-se, dessarte, por em relevo a importância da música
na formação da identidade adolescente.

Por meio de duas pesquisas, uma datada de 1997 e outra de 2003, encontraram-
se dados de que 76% dos adolescentes portugueses ouvem música com frequência e que
entre jovens portugueses de 15 a 29 anos apenas 1% destes não ouve música (id, p. 64).
Pode-se pensar que as pesquisas revelam dados supérfluos, já que surpresa seria se os
dados indicassem baixa porcentagem de ouvintes de música, pois, afinal, arrisco em
dizer, que não ouvir música, ou, não apreciá-la é um fato inaudito.

Em outra pesquisa, sobre a identidade afrodescendente, de 2013, a partir de


buscas feitas no Facebook, inferiu-se a força da música nos jovens: “Música como
representação do discurso dos jovens negros, essa música é o discurso e o laço libidinal
entre os membros identificados com a ideologia afrodescendente.” (Júnior, Silva e
Aquino, 2014), ou seja, a música é muito mais do que uma “arte dos sons constituída de
melodia, ritmo e harmonia” (CHEDIAK, 2009, p. 41).

António Contador, em seu artigo de 2001, entendeu que:

[...] a música a prática de relacionamento com a música no sentido lato é a


chave para entender os contornos do processo de identificação. Com efeito, a
música possibilita a construção das noções do eu e dos outros, no contexto de
uma performance identitária, que se serve das referências/variantes como
elementos estéticos desterritorializados e redesterritorializáveis. Neste sentido,
a música é uma prática esteticizada que não define o processo de identificação,
mas que, ao invés, está contida neste último; articulada com as demais práticas
que remetem para os códigos éticos e para as ideologias sociais [...]
(CONTADOR, 2001).

E ainda afirmou que “a atividade (ato: consumo, etc.) musical ritualiza a


identidade ou o próprio processo de identificação.” (Id, 2001).
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Portanto, esta “célebre crise da adolescência”, caracterizada como essa falta de


identidade, de valores, e, mais importante, de um discurso para se afirmar tanto na
adultez como na sociedade (cultura), faz com que o adolescente busque esse seu lugar,
ou que pelo menos o traduza em palavras. Lugar esse que ele sabe qual é, mas ainda é
inefável. É uma busca do eu nos outros, um período de vulnerabilidade. Mas quando o
adolescente encontra esse lugar aparentemente utópico, ele o traduz em palavras, ou
seja, ele se identifica e adota o seu discurso (OLIVEIRA, 2003, p. 53-54). Mas onde o
adolescente encontra esse ideal fantástico com o qual se identifica? Poderá encontrá-lo
na música?

A música “é como uma ‘força poderosa, capaz de alterar nossa percepção e


nossa cognição’. Como tal influirá também no desenvolvimento adolescente”
(OLIVEIRA, 2003, p. 63). Por meio da música, os adolescentes frequentemente
admitem que, juntamente com suas letras cantadas, representam aquilo que eles próprios
vivenciam, sonham e, mais importante, pensam (Id, 2003, p. 65). Aí está, enfim, o seu
discurso. Proponho, pois, que o adolescente se identifica com a letra da música e,
consequentemente, a sua alocução é formada nele e, agora, ele constrói uma identidade,
os seus valores e o seu tão almejado discurso próprio.

Tais argumentos levam a refletir, ainda, que o tipo de música assume uma
importância significativa na construção da identidade do indivíduo adolescente. Não
raro, percebem-se adolescentes transitando entre diversas identidades em um curto
período de tempo, isso porque, muitas vezes, leva tempo para que ele encontre o que
considera a sua identidade ideal (Id, 2003, p. 54-55 e 67-66). Vale ressaltar que não
excluo a possibilidade de um devir constante na identidade de um ser humano e que ele
passe por esse processo de, segundo Deleuze e Guattari (apud Contador, 2001),
territorialização e desterritorialização para além da idade jovial, a qual se atrela o termo
adolescente.

O discurso “novo” em sua cultura

Até o momento, dentro de minha humilde opinião, procurei fundamentar meu


pensamento sobre a música e a adolescência. Utilizarei, agora, as duas partes que já
fundamentei – sendo estas: a música como relato histórico e psicossocial, e o
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adolescente incorporando o seu discurso através de uma identificação com essa música.
– para realizar a minha análise sobre a pathos atual, e como a vejo através destas lentes
que acabo de expor. Nesta parte final do ensaio proponho que este adolescente, que
acaba de adquirir o seu discurso pela música, ponha em prática o uso deste discurso em
manifestações sociais como, por exemplo, a ocorrida no Brasil em junho de 2013.
Seguem nos próximos parágrafos minhas reflexões e considerações acerca do tema.

Proponho que se pense, agora, este adolescente em meio à situação política,


econômica e social que cercou os brasileiros na metade de 2013. Havia uma
instabilidade que afetava o adolescente, já que fazia parte de seu “macrossistema”,
como Brofenbrenner chama (apud Dessen e Outros, 2005, p. 10). Em meio a inúmeras
questões sociais o adolescente sente-se no intuito de interferir na cultura, de abrir a sua
voz (Contador, 2001; OLIVEIRA, 2003), de “vaiar Roma”, como diz o ditado.
Retomando o que já expus de minha opinião sobre o processo de identificação do
adolescente através da música, proponho que ele busque seu discurso, para poder
“vaiar”, em músicas de protestos de épocas anteriores a sua (Zan, 2001, p. 8-9). E que
épocas são essas?

O adolescente possui um incontável arsenal de artistas e estilos musicais para se


ouvir, disponíveis na web. No caso, trabalhando com a ideia de que ele identificar-se-á e
adquirirá seu discurso através da música, proponho que ele busque um tipo musical que
tenha letras críticas, letras que denunciam. E, no mesmo raciocínio, suponho que ele
acabe encontrando essa temática de protesto para adquirir seu discurso nos majestosos
MPB e Tropicalismo, ambos dos anos 60 (Zan, 2001, p. 8-9); ou no rock crítico da
banda Legião Urbana, já que todos estes são músicas com letras que protestam; sendo,
portanto, em minha visão, exatamente o que o adolescente procura.

Ressalto que não limito o encontro identitário e a obtenção de discurso pelo


adolescente somente através da música. Ela é, acredito, um dos meios possíveis de se
alcançar a identidade e, neste ensaio, é o meio que escolhi para fazer a minha análise.

A questão que reflito e que aqui analiso, é que esse ideal que o adolescente
supostamente encontrou na música, e com o qual se identifica e obtém seu discurso,
geralmente é um ideal de morte, uma pulsão de morte, como nomeou Freud, ou seja, um
ideal que tende à desagregação e desconstrução. Refletindo sobre as letras de protesto,
sejam elas dos anos 60 ou dos anos 90, elas, geralmente, realçam um desejo de
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retrocesso do agora, isto é, pensa-se para o futuro, o passado. Em outras palavras, o


discurso transpassado pela música de protesto político, não realça uma solução, uma
construção, uma melhoria, ou uma ação de morte seguida por uma ação de Eros. Ao
invés disso, ela passa uma mensagem de “retorno a um estágio anterior”, uma ideia de
“antes estava ruim, agora está pior, prefiro o antes” (grifo meu); ou, ainda, algo do tipo:
“se podia antes, porque não pode agora?” como evidenciado na canção de Caetano
Veloso “Alegria, alegria”, de 1968, na passagem “eu vou, porque não?”. Isso é, pelo
menos em minha visão, um ideal que remete para o futuro algo que pertence ao passado.

Não acho que isso seja digno de condenação, ainda mais no contexto em que a
música se encontra (ditadura militar brasileira), porém, se esse discurso de
desconstrução permanente vangloriar em uma construção sempre que esta ocorrer ficar-
se-á sem ações, em um espaço tão desconstruído que não há como voltar a construir.
Corremos o risco de estagnar-se em uma cultura que refuta a imaginação e criatividade,
e, assim, aceitando o que somos e ficará por isso, já que a utopia é muito longe e muito
improvável de acontecer (Sousa, 2011).

Retomando a ideia da música como identidade, agora proponho a sua influência


no canto que considero o ideal supremo do protesto brasileiro de junho de 2013: “não
me representa”. Como se pode observar, as manifestações brasileiras de 2013 possuíam
ideais dos mais diferentes entre si, porém todos os participantes estavam ligados por
algo: o discurso da não representação. Este era o laço libidinal entre todos os que foram
às ruas, mais ou menos como “somos todos iguais, braços dados ou não” como cantou
Geraldo Vandré. Aquele aforismo do protesto era o que unia a todos: todos iguais por
este ideal supremo, mas nem sempre abraçados, pois havia ideais menores discordantes
entre si. Considero o bordão uma música, já que não era falado como em um monólogo,
era gritado melodicamente, cantado e sentido como em um show de rock’n’roll. Ou
seja, era sentido e pronunciado como uma música, já que, assim seria mais forte: “o
canto sempre foi uma dimensão potencializada da fala” (Tattit apud Abud 2005, p. 5).
Porém, mais uma vez, retomo, é um ideal que desagrega, desconstrói, mata: “não me
representa!”, “que país é esse?!”. Até mesmo frases do cotidiano reforçam a ideia de
desconstruir: “é por isso que o Brasil não vai para frente”. Creio que reforçar o discurso
de desconstrução não é o caminho para “ir para frente”, me parece que falta uma ideia
utópica a ser seguida, uma criatividade a ser desperta do sono profundo (Sousa, 2011).
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Já que o ideal cantado desconstrói, onde está o que constrói? Freud dizia que
para se renovar algo, deve-se morrer para renascer, ou seja, toda a morte é seguida de
uma construção, algo novo, exceto em situações traumáticas, em que a desconstrução é
muito intensa. Mas vejo que neste discurso não há Eros, há uma constante morte, que
visa retornar aos "bons tempos". Em “Roda viva”, de Chico Buarque, de 1968, o cantor
repete várias vezes ações que se podia fazer e que agora (na ditadura) não se pode mais,
e que deve-se lutar pelo o que se tinha de novo; fala-se também em saudade, vontade de
voltar. Mais uma vez, um ideal de retorno a um estágio anterior. Não sou a favor da
ditadura, e acredito que, na época, o certo era lutar pelos direitos, porém, me parece que
a ideia de retorno permanece ainda nos dias de hoje, quando se pensa para o futuro, algo
que já foi no passado; e também quando não se arrisca a usar a criatividade para superar
problemas, pois se entende que a utopia é muito distante (Id, 2011), e, a meu ver, fica
cada vez mais longe.

Considerações finais

Apresentei neste ensaio minha opinião sobre a importância da música, tanto


como relato histórico como para a formação de discurso no indivíduo adolescente, e
minha análise sobre a pathos atual: uma cultura, a meu ver, que se destina à
desconstrução e se vê tão distante de uma utopia que sequer ousa pensar em uma.

Acerca da música, na primeira parte do ensaio, fundamentei como ela pode ser
lida como um instrumento que narra um fato histórico, porém, de modo mais rico, pois
agrega ao fato os sentimentos, pensamentos e vivacidade do ser psicológico que
vivenciou o que, geralmente, se lê a respeito em livros.

Na segunda parte demonstrei a situação que o adolescente se encontra logo após


dispensar o discurso paterno e propus que ele poderá encontrar o seu novo discurso
através da música. Inferi que ele se identifica com o discurso oferecido pela música e o
adota para si, construindo, assim, a sua identidade.

Na terceira e última parte, expus a minha análise da pathos atual, tendo em vista
as duas primeiras partes, e usei como exemplo as manifestações sociais brasileiras de
junho de 2013. Em outras palavras, refleti sobre a cultura atual observando-a no
contexto de seu mais recente protesto político, e julguei que o ideal que ligava a todos
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nestes manifestos sociais era um ideal que desconstrói, que opta por retornar ao que era
antes, e que não há ideais que acrescentem, que construam em cima desta morte. Isso
porque, a meu ver, o discurso que o adolescente adquiriu provinha da música, e essa
possuí um discurso da saudade, ou seja, que preza pela volta, pela regressão, pela
desconstrução; e ao invés de construir algo novo, retoma no futuro, o passado. E, ainda,
devido a essa satisfação com o simples retorno ao que era, não incentivamos a
criatividade e a imaginação, assim, desacreditando a utopia por ela estar muito distante,
e, dessarte, na minha visão, ela fica cada vez mais afastada.

Mais uma vez retorno a dizer que não me limito a dizer que a obtenção de
identidade e de discurso pelo adolescente provenha apenas através da música, e que
todas as músicas e todos os manifestantes da ocasião aludiam a uma desconstrução, e
que a ideia de utopia seria, para todos, um pensamento onírico visto com descrédito. O
que expus neste ensaio foi humildemente minha análise e minha opinião sobre a pathos
da atualidade.

Proponho agora, neste fechamento do ensaio, uma reflexão a respeito de seu


terceiro momento. Ainda necessita-se um estudo muito mais aprofundado tanto sobre as
polêmicas manifestações sociais brasileiras de junho de 2013, como na utopia enquanto
uma ideia longínqua demais a ser pensada. A reflexão que proponho é em cima de
minha análise: se fomos capazes de, nos protestos, manifestar o desejo pela
desconstrução, qual é a construção em cima disso? O que se propõe como futuro? Por
que há um medo em propor uma ideia utópica a ser seguida como ideal da civilização?
Se dentro desta ideia de contínua desconstrução e regresso nos vemos sem uma
possibilidade de ideal utópico, sem um ideal que constrói, não se pode refletir que nossa
cultura está imersa em algo da ordem do traumático? E, se sim, qual seria este trauma
que nos angustia?
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