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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES


DEPARTAMENTO DE MÚSICA

Relatório Final De Pós-Doutorado

A COMPOSIÇÃO MUSICAL EM MEIOS ELETRÔNICOS:


IMPLICAÇÕES TEÓRICAS

Supervisor: Prof. Dr. Fernando Iazzetta


Pós-Doutorando: Prof. Dr. Pedro A. O. Carneiro

São Paulo – SP
Maio de 2011
Metodologicamente, destacamos a intensificação do debate sobre todos os aspectos
da criação musical hodierna e de sua percepção, confrontada a procedimentos
anteriores, como um modo de penetração imprescindível na totalidade da obra,
visando ao seu processo objetivo, das relações estruturais e subjetivo, da relação
entre intenção e significação, revelando os liames diretos ou contraditórios – e até a
sua impossibilidade de revelação – do percurso que vai do ato criador ao objeto
criado.
(Fernando Cerqueira)

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Sumario:

1. Introdução.................................................................................................................4
2. Justificativa...............................................................................................................8
3. Objetivos.................................................................................................................17
4. Metodologia............................................................................................................17
5. Discussão e resultados............................................................................................18
5.1. Sobre a construção do pensamento musical da modernidade.........................18
5.2. Algumas questões sobre o processo de “desumanização” da música.............29
5.3. Considerações sobre o pensamento composicional em suportes eletrônicos..31
5.4. Reflexões sobre a dimensão pragmática da comunicação musical.................37
5.5. Algumas breves observações sobre a Fenomenologia da Percepção..............42
5.6. Algumas breves observações sobre a Estética da Formatividade...................45
5.7. Algumas breves observações sobre a Pragmática da Comunicação...............47
5.8. Algumas breves observações sobre a Estética da Recepção...........................48
6. Bibliografia............................................................................................................52
7. Atividades desenvolvidas durante o Pós-Doutorado.............................................56
8. Textos publicados durante o Pós-Doutorado.........................................................57
9. Anexos: cópia dos certificados e dos textos publicados........................................58

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1. Introdução:

Observa-se nos processos de criação musical que se desenvolvem sobre suportes


interativos, a possibilidade de um ambiente composicional em que o compositor
experiencia, ao mesmo tempo, as funções de ‘produtor’ e ‘receptor’. As tecnologias
digitais interativas embaralham os momentos da elaboração com os momentos da
performance. No âmbito desse processo, sobretudo quando se considera que o registro
da obra pode se tornar a própria obra, deixa de existir a distância entre o compositor e
o intérprete. Na medida em que a audição elaboradora, de natureza intelectual, não se
dissocia da audição fruidora de natureza sensorial e estética, deixa de existir, também,
a distância entre o momento da composição e o momento da fruição. Essas questões
fazem emergir uma série de novos problemas, sobretudo quando se considera que a
tradição teórica da música ocidental, majoritariamente, pensa os processos
composicionais a partir dos parâmetros da partitura, não indo, dessa forma, além das
questões referentes à sintaxe do texto musical.
As tecnologias digitais-interativas, quando utilizadas como suporte para a
composição musical, favorecem um certo desenvolvimento poético-criativo, que não
pode ser compreendido no âmbito das teorias composicionais de orientação analítica,
mas no terreno interpretativo de natureza fenomenológica, o que possibilitaria pensar
o momento da composição também a partir de parâmetros qualitativos. Em outras
palavras, isso pressupõe um enquadramento teórico que possibilite ir muito além do
trabalho sobre a partitura strictu sensu.
A força da tradição teórica de base analítica reside na expectativa de uma
compreensão racionalista da música, ou seja, na idéia de que partindo-se de
procedimentos precisos e muito bem definidos chegar-se-ia a um entendimento
objetivo, ou mesmo científico, da música. Nos termos dessa tradição teórica os
parâmetros de natureza subjetiva são ignorados em nome da objetividade.
Essas questões nos remete à idéia de ‘música pura’ formulada por Eduard Hanslick,
segundo à qual a música compõe-se apenas de “séries de sons” e de “formas sonoras”,
estas não tendo outro conteúdo que não elas mesmas (Hanslick, 1989, p.155). Em
síntese, pode-se dizer, como observa Enrico Fubini (1995, p. 104), que Hanslick
fornece as bases para o formalismo musical que se estende, praticamente, até os

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nossos dias. É o ideal da música pura, forjado no ambiente racionalista-positivista do
século XIX, que vai costurar, do ponto de vista teórico, uma tradição musical que
remonta à Bach e alcança os nossos dias.
Somando-se a isso, no âmbito dessa tradição, a partir do entendimento acerca do
modo específico de racionalidade ocidental desenvolvido por Max Weber, a
expressão da estética musical só tem relevância nos termos de uma experiência
desmistificadora do mundo, alicerçada no ideal de uma racionalidade autônoma e
autorreferencializada, que estende os procedimentos próprios do método científico à
todas as áreas da ação humana.
No ensaio Os Fundamentos Racionais E Sociológicos Da Música, Weber descreve
o processo através do qual a música ocidental autonomizou-se de suas origens rituais,
para se tornar, no contexto da modernidade ocidental, um modo de experiência
desmistificadora do mundo. No referido ensaio, Weber distingue a tradição da música
ocidental das outras tradições musicais do mundo. O destaque dado à música
ocidental se justifica em razão de seu modo singular de racionalidade: autônoma e de
natureza intramusical (autorreferencializada). Nessa linha de pensamento, a música
das outras tradições (não ocidentais) é percebida nos termos de uma racionalidade de
natureza extramusical, portanto, não autônoma e, dessa forma, incapazes de suscitar
uma experiência desmistificadora de mundo.
No âmbito da música, o que possibilitou, segundo Weber, o surgimento dessa
racionalidade autônoma de natureza intramusical, foi o desenvolvimento da moderna
notação ocidental. Em suas palavras, “caso se pergunte pelas condições específicas do
desenvolvimento da música ocidental, então trata-se antes de mais nada, da invenção
da nossa moderna notação musical” (1995, p. 119). Na esteira dessas reflexões, pode-
se inferir que o modo singular de racionalidade da música ocidental, alicerça-se na
lógica – implícita – de sua notação. Explica-se: a moderna notação ocidental,
redutível ao eixo cartesiano de coordenadas, ao operar por abstração e generalização,
possibilita o desenvolvimento dessa racionalidade de natureza ‘intramusical’. A título
de exemplo, observamos que operações simples como a relativização dos valores de
tempo e a permutação das alturas – fundamentais para o surgimento do pensamento
polifônico, da elaboração harmônica, bem como de todo posterior desenvolvimento
da música ocidental – são impensáveis sem o desenvolvimento da moderna notação
ocidental. No entanto, a ênfase na partitura (ou seja, nas operações possíveis e
suscitadas pela notação), enquanto principal parâmetro para o desenvolvimento de um

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pensamento musical/composicional, tende a fazer desaparecer (ou a esconder) do
processo de criação a dimensão sensível da experiência composicional.
No exercício da música eletroacústica, quando, entre outras coisas, a partitura
torna-se desnecessária, tais questões assumem uma outra dimensão. Aqui, destacam-
se dois pontos:
- A notação tradicional, enquanto uma forma abstrata de representação
cartesiana, ao trabalhar, quase que exclusivamente, com os parâmetros altura e
duração do som, está longe de alcançar a complexidade do fenômeno sonoro
total.
- Os modelos de análise musical, focados apenas no texto da partitura, não
possibilitam reflexões que se desenvolvam a partir da escuta ou fruição
estética da música.
Como já foi sugerido, a nota escrita norteia o processo de composição a partir de
uma lógica que lhe é própria. O caráter abstrato da nota escrita condiciona e informa o
momento da composição a uma ordem mais de natureza intelectual e cognitiva que
propriamente estética. Daí a emergência de uma racionalidade intramusical –
autônoma – e do desenvolvimento de várias musicologias enquanto ciências da
música. Algo que, no extremo, conduz a um certo entendimento da música em que as
criações musicais são percebidas como obras de grande rigor intelectual, exercícios de
lógica dedutiva, produtos de uma inteligência puramente abstrata, que sempre
atropela a subjetividade de seus autores.
Como bem observou Pierre Schaeffer, “as idéias musicais são prisioneiras, mais do
que se possa acreditar, da aparelhagem musical – exatamente como as idéias
científicas são prisioneiras dos seus dispositivos experimentais” (Schaeffer, 1993,
p.30). Até meados do século XX, a ‘aparelhagem musical’ dominante reduzia-se à
nota musical escrita que, na perspectiva de Schaeffer representava (ou se preferir,
representa) o “arquétipo do objeto musical, fundamento de toda notação, elemento de
toda estrutura melódica e rítmica” (Schaeffer, 1993, p.30).
A poética da música eletroacústica, ao trabalhar sobre suportes interativos, que
possibilitam o trabalho diretamente sobre o som, oferece as condições para um
ambiente de composição, diverso do trabalho sobre partitura. Trabalhar diretamente
sobre o som, ao invés de trabalhar sobre sua representação cartesiana (a nota escrita),
é trabalhar diretamente sobre a matéria estética (ou se preferir, estésica) da música.

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Tudo isso implica na possibilidade (e na necessidade) de se fundamentar o
momento da composição, no âmbito do que poderíamos chamar fato musical total, ou
seja, no domínio da composição e performance e, ao mesmo tempo, da escuta, o que
significa nortear e pensar todo o processo (de composição, performance e escuta) a
partir do próprio gesto da composição, e não a partir de parâmetros existentes a
priori.

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2. Justificativa:

Em nossos dias (início do século XXI), no âmbito mais restrito do exercício


musicológico propriamente dito (isto é, do trabalho dos especialistas em música) a
compreensão da música nos termos de uma racionalidade intramusical é muito
presente e constante. Particularmente isso se torna evidente no campo da Análise
Musical.
Em linhas gerais, no rol das musicologias1, o campo da Análise Musical ocupa-se
com a explicação da estrutura interna da música, desse modo, está diretamente
associado ao campo da Teoria que, nas palavras de Joseph Kerman, de forma
simplificada, “consiste na investigação daquilo que faz a música funcionar” (Kerman,
1987, p.3) em síntese, ocupa-se com os aspectos da gramática musical.
Tradicionalmente, se pensa que o campo da Teoria engloba o da Análise, dessa forma,
a Teoria é percebida como uma atividade anterior e maior, primária, portanto, em
relação à Analise. Com isso, é fácil supor que a Análise atue secundariamente, em
segundo plano, apenas como uma forma de demonstração e sustentação daquela. No
entanto, é preciso esclarecer que, no terreno das reflexões sobre a composição
musical, as coisas se invertem e funcionam de forma diferente: aqui é a teoria que, por
vezes, é englobada pela análise e atua de forma secundária, dando-lhe suporte e
legitimidade (é preciso esclarecer que estamos nos referindo às discussões relativas à
música contemporânea que tiveram início em meados do século XX, particularmente
nos trabalhos de Milton Babbitt, em Princeton, e Allen Forte, em Yale, quando ambos
passaram a tratar a teoria musical como uma disciplina acadêmica legítima e
autônoma, e não meramente como uma disciplina auxiliar).
Sobre isso, Joseph Kerman identifica, sobretudo no âmbito das discussões
envolvendo a composição contemporânea, amplas bases teóricas que confirmam o
primado da Análise sobre a Teoria. Enquanto atividade fundadora de certo
entendimento da música, a Análise emerge e ganha autonomia como uma forma de

                                                                                                               
1
Classicamente pode-se dizer que os estudos musicológicos se subdividem em quatro áreas: o que,
tradicionalmente, se conhece como Musicologia, que se ocupa, na maior parte das vezes, com as
músicas dos séculos XVIII e XIX (o interesse pelas músicas medieval e renascentista é, relativamente,
recente; o interesse pela música contemporânea é quase inexistente); a Etnomusicologia que, em linhas
gerais, estuda as práticas músicas tradicionais, não ocidentais; o campo da Teoria Musical e, por fim, o
campo da Análise (com um grande numero de trabalhos dedicados, em particular, à música
contemporânea).

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crítica formalista que norteia toda teoria e pensamento composicional. Neste ponto, o
trânsito intenso que se verifica entre o campo da ‘Análise’ e o da ‘Teoria’ os
transforma em áreas sobrepostas e sem fronteiras. A Teoria alicerça-se no que é
apresentado pela Análise, é informada por esta e vice-versa.
Fazendo-se um breve levantamento, os principais modelos de análise musical
utilizados na prática musicológica são os seguintes:
- A teoria da harmonia tonal de Henrich Schenker;
- A abordagem proposta por Arnold Schoenberg da harmonia, da forma e do motivo;
- A análise do tema e do motivo desenvolvida por Rudolph Réti.
- A “Set-Theory”, ou teoria dos conjuntos, de Allen Forte e Milton Babbitt, para a
análise das músicas atonais.
- A análise rítmica e melódica proposta por Leonard Meyer;
- O “Musical Critcism” de Joseph Kerman, Charles Rosen, Anthony Newcomp e Leo
Treitler;
- A semiologia da música de Jean-Jacques Nattiez e Nicholas Ruwet.
- As várias propostas de análise por computador;
- A teoria generativa de Fred Lerdahl e Ray Jackendorff, desenvolvida a partir dos
escritos do lingüista Noam Chomsky;
- As análises desenvolvidas para o estudo das músicas de tradição oral.
O que se observa, ao se aproximar de tais modelos de análise, é que, apesar da
aparente diversidade, quando se considera, em sentido amplo, a orientação
epistemológica de cada um deles, constata-se que as diferenças não são tão grandes
assim. Pode-se dizer que, entre eles, todos (talvez porque alicerçados em um mesmo
entendimento da música) pressupõem um certo modo de se relacionar com a música
que é comum, ou seja, todos partem de uma postura analítica stricto sensu: dividir um
problema em tantas partes quantas forem necessárias para melhor resolvê-lo.
Tal postura alimenta um certo modo de ‘escuta’, voltada apenas para a estrutura
interna da partitura. Com isso, o objetivo do analista limita-se a identificar as
características imanentes ao texto da partitura. Nos termos desse entendimento, a
música se define por sua escritura, se confunde com a partitura, se reduz ao texto,
fazendo uma analogia, mapa e território ficam embaralhados. Questões exteriores
relativas ao processo composicional, ao ouvinte, ou ao contexto social que cerca o
compositor ou o ouvinte, não interessam ao analista, para este, tudo que importa está
na partitura. Sobre isso, abrindo um parêntese, para fundamentar melhor essa

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discussão, levantaremos algumas considerações com base em reflexões de John
Dewey e Gilles Deleuze.
A reflexão sobre a arte no pensamento de John Dewey pressupõe uma continuidade
entre os momentos da produção e da recepção. Para Dewey, referindo-se ao momento
da recepção nos termos de um padecer, a arte une as relações de fazer e padecer em
sua forma, a energia de ida e de vinda que possibilita que uma experiência seja uma
experiência. O fazer é artístico, quando as qualidades da natureza do resultado
percebido no processo de criação controlam a produção. A ação de produzir, quando
conduzida pela intenção de produzir alguma coisa gozada na experiência imediata do
perceber, faz emergir qualidades que uma atividade não controlada ou espontânea não
possui. O artista, em seu processo de trabalho, incorpora a si próprio a atitude daquilo
que percebe (Dewey, 1980, p. 99).
Esta correspondência e continuidade, entre os momentos da produção e da
recepção, se estende à fruição artística. A dinâmica que envolve ‘produção’ e
‘recepção’ no processo de formação da obra de arte é a mesma do processo de
fruição. Observa Dewey que é mais difícil para o fruidor entender a relação íntima
envolvida entre o fazer e o padecer, somos inclinados a acreditar que o fruidor apenas
absorve aquilo que se encontra numa forma acabada, no entanto, o processo de
fruição envolve atividades comparáveis e similares às da criação. Não se deve
confundir receptividade com passividade, trata-se de um processo que ocorre a partir
de vários atos de resposta que vão se acumulando, voltados para uma culminância
objetiva (Dewey, 1980, p.104).
Ao salientar que receptividade não se confunde com passividade, Dewey toca em
um ponto fundamental. Quando o momento da recepção se reduz a um momento de
pura contemplação ou passividade, então, a experiência estética não se completa. Para
que esta seja completa, o momento da recepção precisa consistir de uma série de atos
que vão se acumulando na direção da integralização da experiência. Nos termos de
Luigi Pareyson, “receptividade que se prolonga em atividade”, visto que “receber” e
“desenvolver” reúnem-se em um único gesto no momento da fruição. Uma dinâmica
que, ao se fundar na “adoção do ritmo do objeto”, não apenas atualiza uma
“ressonância do objeto em mim”, como também revela uma sintonia com o mesmo,
quando o agir se dispõe a receber e o falar se dispõe a ouvir, ou seja, a atividade
ocorre em função da receptividade (Pareyson, 1993, p.59). Quando isso não acontece,
então o momento da recepção, nos termos de Dewey, não passa de reconhecimento.

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Sobre recepção e reconhecimento, considera ele que a diferença entre os dois é
imensa. O reconhecimento, em suas palavras, é uma ‘percepção detida’ anterior à
oportunidade e possibilidade de um livre desenvolvimento. É verdade que no
reconhecimento se encontra o princípio de um ato de percepção, no entanto, no
âmbito desse princípio, desse começo, não é possível o desenvolvimento de uma
percepção completa e plena da coisa reconhecida. É percepção detida na medida em
que está a serviço de qualquer outro propósito. Como em um estereótipo, no
reconhecimento recaímos sobre um esquema anteriormente formado. O
reconhecimento implica um esquema previamente formado. Aqui é suficiente
atualizar o objeto presente segundo tal esquema como se estivéssemos diante de um
padrão reconhecido. A percepção é mais complexa, se sobrepõe e substitui o mero
reconhecimento. Na percepção a consciência emerge com mais força, torna-se mais
presente e vivida, opera um ato de atividade reconstrutora. Este ato envolve a
cooperação e coordenação de todos os elemento motores, ainda implícitos e não
exteriorizados, do mesmo modo que envolve à coordenação e cooperação do
somatório de todas as idéias acumuladas que possam contribuir para que o novo
quadro em formação se complete. O mero reconhecimento não é suficiente para
despertar uma consciência forte e vívida. Não existe resistência suficiente entre o
antigo e o novo, que possibilite a consciência da experiência que é tida. Nas palavras
de Dewey, “até um cão que ladra e move alegremente a cauda ao ver seu dono está
mais plenamente vivo ao receber seu amigo do que um ser humano que se contenta
com o simples reconhecimento” (Dewey, 1980, p. 102).
A análise musical – enquanto uma forma de ‘percepção detida’ da música – é algo
que não ultrapassa o limiar do reconhecimento. Os modelos de análise musical que
trabalham a partir da afirmação absoluta do texto da partitura, do pressuposto de sua
auto-suficiência, ao considerar que o sentido que importa é tão-somente o que advém
de sua organização interna – sempre anterior a qualquer experiência –, ao focar e não
ultrapassar as invariantes estruturais do texto da partitura, etc., o ponto de chegada
desses modelos de análise musical nunca será mais do que o reconhecimento de um
padrão estabelecido de antemão. A estrutura da partitura, aquilo passível de ser
mensurado ou quantificado, é a única coisa a ser descrita – reconhecida, reapresentada
– pelo analista. No contexto de tal compreensão teórica, a música propriamente dita
jamais poderia ser fruída, circunstância em que, necessariamente, interfeririam os
elementos sem freio da experiência, irredutíveis a qualquer forma de stásis. Acontece

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que estes, os elementos sem freio da experiência, no contexto da postura analítica,
devem ser evitados, para que a análise musical se realize como uma “ciência”. No
âmbito dessas questões, consideramos a necessidade de se mudar o foco do texto da
partitura, enquanto estrutura imutável, para a dinâmica – caosmótica – da experiência
estética. Não podemos esquecer que a compreensão da música não existe fora de seu
acontecimento, de sua situação pragmática, onde a escuta – sempre informada por
uma cooperação que envolve todos os elementos de forma dinâmica – atualiza uma
experiência estética em sua totalidade. É nesse contexto que, recorrendo a Gilles
Deleuze, gostaríamos de apresentar as noções de diferença e repetição, onde a análise
musical, enquanto “percepção detida”, irá aparecer como um modo de “repetição do
mesmo”.
O problema da diferença e repetição é algo que Deleuze tomou emprestado de
Friedrich Nietzsche, mais precisamente da idéia do “eterno retorno”. Na dinâmica do
eterno retorno, o ser não se opõe ao devir, a identidade não se opõe à diferença. Tais
oposições emergem na filosofia da representação – inaugurada por Platão – quando
considera que o devir deve ser reabsorvido no ser, que o múltiplo deve ser submetido
à unidade e a diferença à identidade.
Na leitura que Deleuze faz de Nietzsche, há uma relação muito íntima, intrínseca,
entre o ser e o devir. Mas isso não quer dizer que é o ser, enquanto portador de uma
identidade, que retorna. Na dinâmica do eterno retorno não é o mesmo – fundado em
uma identidade – que retorna, ao contrário, é sempre o diverso, o múltiplo, o
diferente. Como sugere Foucault comentando a leitura que Deleuze faz de Nietzsche,
“o ser é o revir da diferença sem que haja diferença na maneira de dizer o ser”
(Focault apud Machado, 1990, p. 86).
Comentando sobre tais questões, observa Roberto Machado que a idéia do ‘eterno
retorno’ representa o ápice do antiplatonismo de Nietzsche, bem como de sua critica à
filosofia da representação que busca a superação do mesmo e do semelhante, em
favor do que difere, ou do mesmo que difere, do mesmo produzido pela diferença, ou
pela vontade de potencia. Situando-o na esteira de uma tradição que remonta à Duns
Scot e Espinosa, Deleuze reconhece em Nietzsche o momento mais alto da ontologia
através de uma leitura do ‘eterno retorno’ como “o ser unívoco que se diz da diferença
ou, ainda mais fundamentalmente, da interpretação de que no eterno retorno o ser
unívoco não apenas é pensado, mas efetivamente realizado” (Machado, 1990, p. 95).

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É a noção de eterno retorno – compreendida nos termos de um antiplatonismo e de
uma crítica à filosofia da representação – que alimenta a idéia da repetição como algo
que não se opõe à diferença, mas à representação. A repetição – enquanto movimento
livre de qualquer mediação – é algo percebido no singular, ao passo que a
representação – sempre mediada – é algo da ordem do genérico, do universal, do
abstrato. Nesses termos a repetição é única e, em razão dessa singularidade, ela nunca
retorna como um mesmo, a repetição de uma nota musical, por exemplo, nunca será
igual à primeira. O retorno do mesmo – possível apenas num plano abstrato – supõe
uma seleção prévia de alguns elementos, um processo de mediação que,
necessariamente, arranca da repetição sua singularidade, dessa forma, sua lógica não é
mais a da repetição propriamente dita – compreendida no âmbito concreto de uma
singularidade – mas a da representação – alicerçada na mediação e abstração das
singularidades. Ocorre que a representação opera relacionando conceito e objeto: em
sua lógica o conceito – ou representação – é algo que emerge a partir dos traços gerais
e semelhantes entre os objetos. Não há outro modo de representar a não ser a partir da
promoção do que é genérico e da abstração do que é singular, o re de representação
significa a repetição do que é semelhante, ou seja, significa a repetição do mesmo, nos
termos de Deleuze, “o prefixo RE, na palavra representação, significa a forma
conceitual do idêntico que subordina as diferenças” (Deleuze, 1988, p. 106). É no
âmbito dessas questões que a repetição – definida nos termos de sua singularidade –
não se opõe à diferença, mas sim à representação. Segundo Deleuze, o mundo
afirmado da diferença é escamoteado pela representação. A representação só
reconhece um centro, uma única e fugidia perspectiva e, desse modo, possui uma
falsa profundidade, mesmo porque, ela não move nem mobiliza nada, mas apenas
mediatiza tudo. De outro modo, o movimento supõe uma enorme pluralidade de
centros, perspectivas superpostas, pontos de vista imbricados, coexistência de
momentos que desmontam, em sua essência, a representação (Deleuze, 1988, p.106).
Ao refletir a cerca da noção de diferença, gostaríamos de aproximar Dewey de
Deleuze, e sugerir que o que o primeiro chama de experiência, o segundo chama de
diferença, melhor dizendo, a experiência, nos termos em que é compreendida por
Dewey, é a situação que possibilitaria – ou configuraria – o retorno do diferente,
como este é apresentado por Deleuze.
Como vimos, para Dewey, o pensamento é algo que brota da experiência, um
acontecimento decorrente de uma situação em condição de conflito e resistência. Sob

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tal situação, retomando as palavras de Dewey, “aspectos e elementos do eu e do
mundo implicados nessa interação qualificam a experiência com emoções e idéias, de
maneira tal que emerge a intenção consciente”. Ocorre que com freqüência a
experiência que se vive é incompleta, “as coisas são experienciadas, mas não de modo
tal que se componham em uma experiência”. Isso acontece porque há distração e
dispersão, com isso, o fosso entre o que desejamos e o que alcançamos permanece, o
que observamos e o que pensamos não se irmanam, dessa forma, “começamos e logo
nos detemos, não porque a experiência haja alcançado o fim em vista do que foi
iniciada, mas por causa de interrupções estranhas, ou por qualquer letargia interna”
(Dewey, 1980, p. 90). Para Dewey, só há experiência de fato quando o material
experienciado segue seu curso – sem desvios – até sua realização completa.
Para Deleuze, a experiência da diferença é crucial “toda vez que nos encontramos
diante de ou em uma limitação, diante de ou em uma oposição, devemos perguntar o
que tal situação supõe”. Isso, segundo ele, supõe um certo formigamento, um
pluralismo de diferenças não domadas, selvagens e livres, “um espaço e um tempo
propriamente diferenciais, originais, que persistem através das simplificações do
limite e da oposição” (Deleuze, 1988, p. 97).
Retomando a questão da incompletude da experiência referida por Dewey, nos
termos de Deleuze, poder-se-ia dizer, é o que leva a uma indiferença, ou melhor, é o
que não passa de indiferença. Esta possui dois aspectos: o primeiro é o de um “abismo
indiferenciado”, de um “nada negro”, um “animal indeterminado”; o segundo é o de
um “nada branco”, de uma “superfície tornada calma em que flutuam determinações
não-ligadas, como membros esparsos, cabeças sem pescoço, braços sem ombro, olhos
sem fronte” (Deleuze, 1988, p 63). Aqui, não apenas o indeterminado é totalmente
indiferente, como também as determinações flutuantes são igualmente indiferentes
umas em relação às outras. A experiência incompleta – ou indiferença – não permite o
retorno do diferente, só o retorno do mesmo.
Nos termos de Dewey, a experiência em seu sentido vital, só se define nas
situações em que podemos determinar que “aquela foi uma experiência”. A unidade
da experiência, quando se distingue – ou quando se determina – como um
acontecimento notável, lhe confere seu nome. Assim, em relação a um prato num
restaurante, por exemplo, se este se distingue como “uma lembrança memorável do
que pode ser a comida”, podemos então determinar que “aquela foi uma experiência”.
Ora, segundo Deleuze, “a diferença é este estado em que se pode falar d’A

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determinação”. Observa ainda que “a diferença é este estado de determinação como
distinção unilateral. Da diferença, portanto, é preciso dizer que ela é estabelecida ou
que ela se estabelece, como na expressão ‘estabelecer a diferença’.” (Deleuze 1988,
p.63 a 64).
Voltando a Dewey, ele salienta que “uma experiência de pensamento tem sua
qualidade estética própria (…), nenhuma atividade intelectual será um acontecimento
integral (uma experiência), a menos que seja integralizada pela mencionada
qualidade. Sem ela o pensar é inconclusivo.” (Dewey, 1980, p. 91). Para concluir, o
estético, de forma alguma, pode ser separado ou ignorado da experiência intelectual,
esta para ser completa deverá apresentar cunho estético. “O que distingue uma
experiência como estética é a conversão das resistências e das tensões, das excitações
que em si próprias são tentações para a dispersão, em um movimento dirigido para um
término inclusivo e satisfatório” (Dewey, 1980, p.99). Como vimos, com Deleuze a
diferença emerge com a determinação, essa determinação é algo que se dá com – o
que Dewey chama – a “qualificação da experiência”. Esse é, a nosso ver, o ponto de
intersecção entre os dois autores. Ora, atualizar as relações que qualificam a
experiência com emoções e idéias é pensar, pensamento esse, nunca é demais
salientar, que brota do âmbito da dimensão estética da experiência.
Fechando o parêntese anteriormente aberto e retornando a Joseph Kerman, observa
ele que a grande deficiência dos analistas é a miopia. O enfoque concentrado e
limitado às relações internas da obra (isto é, da partitura) é, em última instância,
subversivo, no que se refere a qualquer visão razoável da música, enquanto fenômeno
complexo que é. A estrutura autônoma da música é apenas um, entre vários outros,
dos elementos que contribuem para sua importância, e está longe de ser suficiente
para seu significado total. Considera Kerman que essa obstinada preocupação com a
estrutura, vem acompanhada da negligência com outros aspectos vitais, não apenas
em relação a toda complexidade histórica na qual a obra está inserida, mas também
negligência a tudo o que torna a música afetiva, tocante, emotiva e expressiva
(Kerman, p. 93 a 94, 1987).
Como já foi colocado na introdução, a poética da música eletroacústica possibilita
um outro ambiente de composição, ambiente esse de grande imersão sensorial.
Trabalhar com o som, e não com sua representação cartesiana (a nota escrita), faz
emergir uma série de questões estéticas que não podem e não devem mais ser
ignoradas. Fazendo coro com Susan Sontag, concluímos que “o que importa agora é

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recuperarmos os sentidos. Devemos aprender a ver mais, ouvir mais, sentir mais (...).
Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte” (Sontag, 1997,
p.23). Tudo isso conduz à necessidade de um empreendimento em um quadro teórico
de referências que possibilite, ao musicólogo ou pesquisador, ir muito além das
relações internas ao texto da partitura.

  16  
3. Objetivos

Geral:
• apresentar uma compreensão do fenômeno da composição musical em
meios eletrônicos a partir de suas especificidades e características próprias.

Específicos:
• Apresentar as limitações e lacunas dos modelos de análise que se limitam
ao texto da partitura.
• Apresentar um quadro teórico de referências a partir do qual uma
compreensão do processo de composição em meios eletrônicos torna-se
possível.
• Apresentar um quadro teórico de referências a partir do qual uma
compreensão das produções musicais em meios eletrônicos torna-se
possível.

4. Metodologia

Trata-se de pesquisa de natureza bibliográfica e de caráter teórico, dessa forma,


em linhas gerais, a metodologia segue o roteiro comum a qualquer pesquisa
bibliográfica: identificar, localizar e obter material bibliográfico de interesse para as
questões propostas e, na seqüência, trabalhar criticamente sobre esse material.

  17  
5. Discussão e resultados

5.1 Sobre a construção do pensamento musical da modernidade

Antes de mais nada, é preciso observar que o processo de racionalização da música


ocidental faz parte de outro, muito mais amplo e complexo, que é o da racionalização
da cultura ocidental, responsável pelo surgimento da sociedade moderna. Dessa
forma, antes de se problematizar sobre a música da modernidade, torna-se necessário
compreender a modernidade. Sobre isso, concordamos com Sergio Paulo Rouanet
quando considera que “não há melhor guia que Max Weber para elucidar a questão”
(Rouanet, 1989, p.231). O pensamento de Weber oferece um ponto de vista
privilegiado, não apenas para a compreensão da modernidade, como também, para o
entendimento do pensamento musical da modernidade.
A modernidade, para Weber, é pensada como o produto de um processo de
racionalização, ocorrido exclusivamente no ocidente, que tornou possível a
modernização da sociedade, bem como, a modernização da cultura.
Sobre a modernização social, Weber (tal qual Marx) compreende tal processo a
partir da diferenciação da economia capitalista e do Estado moderno. A empresa
capitalista alicerça-se na existência de força de trabalho formalmente livre e em um
modo de organização racional da produção fundada no cálculo contábil e no uso
técnico do conhecimento científico.
A modernização cultural, por seu lado – de algum modo informada pela dinâmica
da lógica capitalista – é um processo de racionalização das várias visões de mundo da
cultura e, em particular, da religião.

Em conseqüência desse processo, vão se diferenciando esferas axiológicas


(Wertsphären) autônomas, até então embutidas na religião: a ciência, a moral e a arte. A
ciência moderna permite o aumento cumulativo do saber empírico e da capacidade de
prognose, que podem ser postos a serviço do desenvolvimento das forças produtivas. A
moral, inicialmente derivada da religião, se torna cada vez mais secular. Ela deriva de
princípios gerais, e tem caráter universalista, distinguindo-se nisso das morais
tradicionais, cujos limites coincidem com os do grupo ou do clã. Esses princípios morais,
internalizados pelo indivíduo, deram origem à ética do trabalho e forneceram o substrato
motivacional para o desenvolvimento capitalista, segundo a famosa análise weberiana
que postula uma relação causal entre a ética protestante, ou uma ética profissional
(Berufsethik), e o progresso material. Enfim, surge a arte autônoma, destacando-se do seu
contexto tradicionalista (arte religiosa) em direção a formas cada vez mais
independentes, como o mecenato secular e finalmente a produção para o mercado
(Rouanet, 1999, p. 232).

  18  
Para Weber, uma ação para ser racional precisa cumprir duas condições: primeiro,
é racional toda ação orientada para um objetivo formulado com clareza, ou ainda,
orientada para um conjunto de valores, igualmente formulado com clareza e
consistência lógica. Segundo, é também racional toda ação em que os meios
escolhidos para se atingir determinado objetivo são os mais adequados.
No sistema de Weber, quando um ato pode ser descrito com base nos cânones da
lógica, dos procedimentos da ciência ou do comportamento econômico bem sucedido,
ele pode ser considerado como racional; em outras palavras, quando um ato em suas
intenções, se volta para um objetivo concreto e está, no que diz respeito aos meios
para a consecução desse objetivo, em total concordância com o conhecimento dos
fatos e a compreensão teórica, ele é racional. Ou seja, todas as vezes em que a escolha
de um objetivo e a escolha dos meios para que se atinja esse objetivo satisfazem esses
critérios, então um ato é plenamente racional. No entanto, quando os objetivos finais
de um ato são aceitos por razões de tradição, e os meios (que, em razão disso, não são,
necessariamente, ineficazes) também, alicerçam-se na tradição, teremos o
comportamento de um tipo que tem sido o modo dominante e mais freqüente na maior
parte das sociedades de todos os tempos. Poder-se-ia falar aqui de um comportamento
ainda racional, mas de um tipo de racionalidade exterior, administrada de fora, dessa
forma, desprovida de uma legalidade própria e carente de autonomia. Por fim, os atos
podem ser motivados por afetos ou paixões. Este gênero de comportamento – quando
os meios e os fins derivam de emoções – está no extremo oposto ao do ato
intencionalmente racional (MacRae, 1988, p.73).
Está separação, entre o modo específico de racionalidade da sociedade ocidental e o
das outras, é muito presente no pensamento de Weber e atravessa todos os aspectos da
cultura estudados por ele. Na introdução de A Ética Protestante E O Espírito Do
Capitalismo escreve:
No estudo de qualquer problema da história universal, um filho da moderna civilização
européia sempre estará sujeito à indagação de qual a combinação de fatores a que se
pode atribuir o fato de na Civilização Ocidental, e somente na Civilização Ocidental,
haverem aparecido fenômenos dotados (como queremos crer) de um desenvolvimento
universal em seu valor e significado (...). Apenas no Ocidente existe a “ciência” num
estado de desenvolvimento que atualmente reconhecemos como “válido” (Weber, 2001,
p. 9).
Mais adiante, reportando-se à arte como um todo, mas, mais precisamente à
música, escreve o seguinte:
O mesmo ocorre com a arte (...). Música racional – tanto o contraponto como a harmonia
–, a formação da sonoridade na base de três tríades com o terceiro harmônico; nossa
cromática e inarmônica interpretadas não em termos de espaço, mas desde o

  19  
renascimento, de harmonia; nossa orquestra com seu quarteto de cordas como núcleo e
com a organização do conjunto de instrumentos de sopro; nosso acompanhamento de
graves; nosso sistema de notação (que possibilitou inicialmente a composição e o uso de
nossos instrumentos, e depois sua própria sobrevivência); nossas sonatas, sinfonias,
óperas e os instrumentos básicos que lhes serve de meio de expressão: o órgão, o piano, o
violino só existiram no ocidente, se bem que a música figurativa, a poesia tonal, a
alteração de tons e a dissonância tenham existido como meios de expressão em várias
tradições musicais (Weber, 2001, p. 10).

Em Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música – publicado pela


primeira vez como um anexo do livro Economia e Sociedade, e onde se exercita, no
âmbito da música, as teses ali enunciadas – Weber dedica-se a descrever o processo
de autonomização sofrido pela música no espírito da modernidade. Trata-se de uma
teoria da música ocidental que se alicerça na perspectiva da racionalidade. Como bem
observa Rafael Bastos, “esta racionalidade deve ser entendida nos termos da efetiva
eficácia teleológica do sujeito sobre o material sonoro da música, tal material
definindo-se como um conjunto de fenômenos acústicos em torno da série harmônica”
(Bastos, 1993, p.47). Como já foi observado, todo ato racional supõe que critérios
lógicos norteiem a escolha dos objetivos, bem como a escolha dos meios para a
consecução desses objetivos.
Partindo da noção de uma racionalidade intramusical, Weber descreve a longa
trajetória – que remonta à Grécia de Pitágoras – através da qual a música ocidental
passa a ser elaborada a partir do controle dos parâmetros intramusicais, internos à
música: autônomos de qualquer forma de extramusicalidade, como, por exemplo, a
função ritual de culto da música litúrgica. Não se pode esquecer que o que está
subjacente a essas questões é o tema do “desencantamento do mundo” (expressão que
Weber tomou do poeta Schiller e que, muito embora seja traduzida dessa forma, em
sua língua de origem tem o significado de “expulsão da magia das coisas”)
Reiterando, os escritos sobre música de Weber refletem as questões de sua
sociologia: os processos de secularização e racionalização da civilização ocidental e,
como conseqüência, a emancipação do homem do universo mítico, típico das
sociedades tradicionais. Por outro lado, como Gabriel Conhn observa, a música
também influencia o modo como Weber constrói seu pensamento: “O gosto de Weber
pela música penetra muito mais fundo na sua obra do que esse texto [Os Fundamentos
Racionais E Sociológicos Da Música], visto isoladamente dá a entender. As suas
grandes análises histórico-sociológicas são literalmente concebidas como
composições, em que os temas e os conceitos correspondentes vão-se desenvolvendo
e ganhando conteúdo ao longo da obra” (Conhn, 1995, p.9).

  20  
Retornando ao tema do desencantamento, o que abre caminho para uma sociedade
racional, orientada em escala crescente, pelos componentes da pura racionalidade, é o
processo de ultrapassagem de um mundo social “encantado” – próprio das sociedades
tradicionais – para o mundo “desencantado” da modernidade ocidental. No âmbito
das sociedades tradicionais, por exemplo, ações orientadas por um saber técnico e
ações justificadas na magia, por vezes, se confundem. Arte, técnica, ciência e religião
funcionam sob a mesma lógica. Com o processo de desencantamento, todas as ações –
antes orientadas a partir de um mesmo sistema complexo de signos – começam a se
separar e a se diferenciar.
Desse modo, a racionalização é um processo através do qual as mais variadas
linhas de ação ganham significação e legitimação próprias. Com isso, não é
exatamente o mundo como um todo que se racionaliza, mas as várias linhas de ação.
“Há uma lógica intrínseca que comanda o encadeamento dos significados em cada
uma dessas linhas. Há nos termos weberianos, uma ‘legalidade própria’ a cada qual”
(Conhn, 1995, p.13). É essa legalidade própria que assegura a separação entre as
diversas linhas de ação, “ao conferir aos significados que nelas ocorrem os conteúdos
que as tornaram, por exemplo, jurídicas e não econômicas, religiosas e não políticas”
(Conhn, 1995, p.13). O que caracteriza o mundo moderno, portanto, é esse processo
de departamentalização do conhecimento, tornado possível com o desencantamento
do mundo.
No que diz respeito ao processo de racionalização da esfera estética, Weber, no
texto Rejeições Religioso do Mundo e Suas Direções, escreve o seguinte:
A religiosidade mágica está numa relação muito íntima com a esfera estética. Desde seu
início, a religião tem sido uma fonte inesgotável de oportunidades de criação artística, de
um lado, e de estilização pela tradicionalização, de outro. Isso se evidencia em vários
objetos e processos: ídolos, ícones, e outros artefatos religiosos; na padronização das
formas comprovadas magicamente, o que constitui um primeiro passo na superação do
naturalismo por uma fixação de ‘estilo’; na música, como meio de êxtase, exorcismo, ou
mágica apotropaica; em feiticeiros que eram cantores e dançarinos mágicos; em relações
de tom comprovadas magicamente e portanto padronizadas (…). A sublimação da ética
religiosa e a busca de salvação, por um lado, e a evolução da lógica inerente da arte, por
outro, tenderam a formar uma relação cada vez mais tensa (…). A relação entre a ética
religiosa e a arte continuará harmoniosa no que diz respeito à arte, e enquanto o artista
criador considera seu trabalho resultado seja do carisma ou da ‘habilidade’
(originalmente mágica), seja do jogo espontâneo (…).O desenvolvimento do
intelectualismo e da racionalidade da vida modifica essa situação. Nessas condições, a
arte torna-se um cosmo de valores independentes, percebidos de forma cada vez mais
consciente, que existe por si mesmos. A arte assume a função de salvação neste mundo,
não importa como isto possa ser interpretado. Proporciona uma salvação das rotinas da
vida cotidiana, e especialmente das crescentes pressões do racionalismo teórico e prático.
(Weber, 1997, p.173 a 174).

  21  
Identificamos dois momentos distintos na citação acima, o primeiro refere-se à
correspondência entre arte e religião: a arte – compreendida como uma espécie de
ferramenta da religião – apenas atualiza, confirma e reitera os princípios religiosos. O
segundo, diz respeito ao processo de emancipação da arte, quando esta conquista
valores próprios – autonomizados dos valores religiosos – na dinâmica específica e
própria de seu processo de criação.
A arte, ao se descolar da religião, cria uma situação de tensão: a arte autônoma
não depende mais da legitimação que antes lhe dava a religião, esta legalidade passa a
ser instituída pela própria arte, é construída internamente, no âmbito da dinâmica da
operosidade específica e singular da arte. Portanto, a arte verdadeiramente autônoma é
aquela que possui uma legalidade própria instituída de dentro do próprio ato de
criação artístico. É a lógica específica – única – do operar artístico que possibilita à
arte emergir enquanto esfera autônoma e singular.
Como já foi visto, não é o mundo todo que se racionaliza, mas as diversas
linhas de ação, autonomizadas das representações míticas e religiosas, em esferas
distintas de conhecimento. Sobre isso, se faz necessário acrescentar que, no
pensamento de Weber, o processo de racionalização – através do qual se intensifica o
crescimento dos componentes da racionalidade na compreensão da realidade – pode
ser estudado em dois níveis: o primeiro diz respeito à diferenciação das várias linhas
de ação que surgiram com a modernidade; o segundo refere-se à lógica interna e a
operosidade específica de cada uma das linhas de ação, ou seja, remete-nos à
racionalidade intrínseca de cada linha, ao modo como cada uma delas institui-se e
emerge como “legalidade própria”. É no âmbito de tais questões que podemos
entender a idéia de uma racionalidade intramusical.
Weber parte do pressuposto de que há dois tipos de música: a ocidental e as
outras. O que particulariza a música ocidental da música de outras tradições é o seu
modo singular de elaboração, fundado no domínio de uma racionalidade autônoma –
descolada de suas origens e funções rituais. Como observa Leopoldo Waizbort numa
reflexão sobre o texto de Weber:
A racionalização do sistema sonoro (…) pode operar basicamente de dois modos: como
uma racionalização extramusical ou como uma racionalização intramusical. A
racionalização extramusical mostra-se claramente na criação e utilização de intervalos
obtidos de modo arbitrário, e Weber detecta essa tendência em variadas músicas do
Oriente, formulando a hipótese – que se encaixa perfeitamente em seu pensamento – de
que a música ocidental permaneceu num nível inferior de racionalização (num grau
menor e numa direção diferente) justamente por racionalizar seu material sonoro de
modo extramusical, ou ao menos de racionalizá-lo desse modo em grande parte (…). Em

  22  
contraste e oposição à racionalização extramusical – digamos, típica do oriente –, Weber
vai apontar a racionalização intramusical como aquele traço específico da música
ocidental. Racionalização intramusical, “a partir de dentro” do sistema sonoro, significa
temperamento: “temperada é, em sentido amplo, toda escala na qual o princípio da
distância é levado a efeito de tal modo que a pureza dos intervalos é relativisada com o
fim de compensar a contradição dos distintos ‘círculos’ de intervalos entre si, mediante a
redução a distâncias sonoras só aproximadamente justas (Waizbort, p 44, 1995).

Em síntese, a noção de racionalidade intramusical é trabalhada por ele em dois


momentos: no primeiro, descreve o processo de formação dos intervalos musicais e
das escalas que conduz ao temperamento (processo onde o intervalo de oitava é
dividido em doze semitons exatamente iguais)2. No segundo, Weber trabalha a idéia
de que a música ocidental especifica-se da música de outras tradições na medida em
que seu material é racionalizado harmonicamente – no plano vertical e horizontal – ao
passo que a música de outras tradições é racionalizada apenas no âmbito melódico e
de forma não temperada.
No entanto, o fato de maior importância para o desenvolvimento da racionalidade
intramusical diz respeito ao surgimento da notação musical.
Caso se pergunte pelas condições específicas do desenvolvimento da música ocidental,
então trata-se, antes de mais nada, da invenção da nossa moderna notação musical (...).
Uma obra de arte musical moderna, por menos complicada que seja, não poderia ser
produzida, nem transmitida, nem reproduzida sem os meios de nossa notação. Sem ela
uma obra musical moderna não pode em geral existir em lugar algum e de nenhuma
maneira, nem mesmo como uma propriedade interna de seu criador (Weber, 1995,
p.119).

Portanto, não haveria racionalidade intramusical sem o desenvolvimento da


moderna notação. Poder-se-ia dizer que essa racionalidade alicerça-se na lógica
implícita das operações tornadas possíveis a partir da notação musical. Em outras
palavras, a notação musical, ao operar por abstração e generalização – por se tratar de
uma representação gráfica do som redutível ao eixo cartesiano de coordenadas –
favorece o desenvolvimento da racionalidade intramusical. Procedimentos básicos e
fundamentais para a música como, por exemplo, a relativização dos valores de tempo
e a permutação das alturas, ambos redutíveis a valores quantitativos, são impensáveis
sem uma notação – de certo modo, fundada em um modo de representação abstrata de
tempo e espaço.

                                                                                                               
2
Nos termos de Weber: “temperada é, em sentido mais amplo, toda escala na qual o princípio da distância é
levado a efeito de tal modo que a pureza dos intervalos é relativizada, com o fim de compensar a contradição dos
distintos ’círculos’ de intervalos entre si, mediante a redução a distâncias sonoras apenas aproximadamente justas.
Sua forma-limite mais radical é aquela que toma por base um intervalo – naturalmente a oitava, que por seu lado
não suporta nenhuma espécie de pureza apenas relativa – e simplesmente o decompõe em distâncias sonoras de
mesma grandeza” (Weber, 1995, p130).

  23  
As notações de caráter – aproximadamente – ideogramático de outras tradições, ao
operar por analogia e semelhança, não permitem o grau de abstração das operações
possíveis com a notação – simbólica, discreta, não contínua – da tradição ocidental.
Na esteira dessas questões Pierre Boulez aponta três razões para a superioridade da
notação simbólica: faz uso de uma simbólica proporcional; opera a partir de estruturas
cerebrais mais refinadas – rejeita aproximações grosseiras; por último, favorece a
noção totalizante de tempo musical, apreendida apenas a partir de valores discretos
(Boulez, 1992, p.112).
O pensamento musical da modernidade surge de dentro desse cenário. Sobre o
trânsito entre o ambiente da modernidade e o pensamento musical comprometido com
o ideal de uma racionalidade autônoma, Weber escreve o seguinte:
No que diz respeito à teoria enquanto tal, nada é na verdade tão palpável quanto o fato de
que ela quase sempre vem a reboque dos fatos do desenvolvimento musical. Mas nem
por isso ela foi menos influente, e sua influência também não agiu de modo algum
apenas no invólucro [Wagschale] do que já existia na prática, embora seja verdade que
ela muitas vezes tenha imposto à música artística limites que persistem de forma
duradoura. A moderna harmonia de acordes certamente pertencia à música prática desde
muito antes que Rameau e os Enciclopedistas lhe dessem uma base teórica (ainda pouco
perfeita). Mas foi muito fecundo para a música prática que isto tenha ocorrido,
exatamente da mesma forma como os esforços de racionalização dos teóricos medievais
o foi para o desenvolvimento da polivocalidade já existente também seu [sua]
intervenção. As relações entre a ratio musical e a vida musical pertencem às relações
variadas de tensão historicamente mais importantes da música. (Weber, 1995, p. 134 a
135).

Não se pode deixar de observar o nexo entre a “ratio musical” e a “vida musical”,
ambos os termos estão entrelaçados, verifica-se aqui um jogo forte de
correspondências muito semelhante ao que ocorre entre a “ética protestante” e o
“espírito do capitalismo”. Como Weber sugere, trata-se de uma “individualidade
histórica”, ou seja, “um complexo de nexos na efetividade histórica que nós
encadeamos conceitualmente em um todo sob o ponto de vista de sua significação
cultural” (Weber apud Waizbort, 1995, p.46). Com isso, o significado cultural da
moderna música ocidental está – nos termos dessa sociologia da música – imbricado
no processo do “moderno racionalismo ocidental”.
Theodor W. Adorno desenvolve suas reflexões acerca da totalidade musical,
também, a partir do pressuposto dos modos intramusical e extramusical de
racionalidade. No pensamento de Adorno, totalidade intramusical é aquela alicerçada
na objetividade de seus próprios materiais, ou seja, que se articula e se desenvolve a
partir de uma lógica interna a esses materiais, e é isso que dá unidade à obra.

  24  
Cada obra de arte estabelece, por assim dizer, programaticamente a sua unidade. O que
passou pelo espírito define-se como ‘uno’ contra a má naturalidade do contigente e do
caótico. A unidade é mais do que simplesmente formal: graças a ela a obra de arte
subtraem-se à dissociação mortal. A unidade das obras de arte constitui a sua cesura
relativamente ao mito (...). A unidade emerge dos seus próprios elementos, do múltiplo;
elas não extirpam o mito, mas atenuam-no (Adorno, 1988, p.211).

O que designa como a “verdadeira” música, aquela comprometida com a


emancipação do sujeito, só pode ser totalidade a partir de um desenvolvimento
intramusical. Para Adorno, no âmbito da tonalidade, por exemplo, o ponto alto desse
“verdadeiro” modo de racionalidade – fundado na dinâmica de uma totalidade que se
articula a partir de parâmetros intramusicais – é a música de Beethoven. Martin Jay
traduz a importância da música de Beethoven para Adorno:
Beethoven representava o momento mais elevado da humanismo burguês, a mais
clara personificação da razão prática em termos sensuais, a maior realização da
subjetividade ativa no material musical objetivo. Não mais dependente da
obrigação de agradar a patrocinadores aristocratas, à maneira de Mozart ou
Haydn, Beethoven estava ligado ao novo público criado pela emancipação da
burguesia, público capaz de apreciar a beleza de sua música e de identificar-se
com sua verdade. Na sonata, forma que Beethoven levou à perfeição em suas
sinfonias e quartetos de cordas, o antigo ideal da obra de arte como um todo
orgânico foi efetivamente realizado (Jay, 1988, p 127-128).

Para Adorno, depois de Beethoven se inicia o processo de esgotamento do sistema


tonal. Aos poucos a tonalidade degenera de um modo de racionalidade, para uma
racionalização – quando se torna “ideologia” burguesa. Ao se tornar previsível,
elaborada dentro dos limites do gosto burguês, a música tonal cai para um modo de
elaboração extramusical – perde sua autonomia e integridade ao ficar presa ao padrão
estético próprio da burguesia.
O ponto extremo de degeneração da música tonal é, no entender de Adorno, a
música de Wagner. O recurso ao leitmotiv e a idéia da melodia infinita, por exemplo,
desde quando prescinde de um desenvolvimento harmônico mais complexo – onde
microestruturas remetem a macroestruturas e vice-versa – compromete a noção de
unidade. Em Wagner, o que se tem é apenas aparência, belas melodias de superfície
que, em nome de um sensualismo fácil, não submergem (o material melódico) em
busca de uma elaboração harmônica mais complexa. O material melódico, em função
da beleza fácil, desvincula-se do compromisso com uma progressão harmônica real,
onde todos os materiais – melódicos e harmônicos – estão intimamente imbricados.
Com isso, substitui-se um dinamismo musical recortado do quadro de uma totalidade
temporal orgânica e autônoma, por uma legalidade alicerçada no espaço de uma
temporalidade previsível, não progressiva e estagnada.

  25  
O tema da delicada relação entre música e sociedade, é trabalhado por Adorno –
também na esteira de Weber – em sua Introdução à Sociologia da Música:
A relação entre as obras de arte e a sociedade é comparável à mônada de Leibniz.
Desprovidas de janela – isto é, não conscientes da sociedade e, de qualquer maneira, não
acompanhadas, de maneira constante e necessária, dessa consciência –, as obras de arte
(sobretudo as musicais, que se encontram amplamente distanciadas dos conceitos)
representam a sociedade. A música, podemos imaginar, fá-lo tanto mais profundamente
quanto menos aponta na direção da sociedade (Adorno, apud Jay, 1988, p. 120 a 121).

A música, mesmo sendo uma linguagem não-conceitual e não-discursiva, “re-


(a)presenta” o mundo social que lhe é exterior, e o faz sem a consciência disso. Muito
embora não opere por conceitos, não deixa de representar o mundo. Acontece que
essa representação ocorre sem a consciência da realidade representada. Ora, o status
de esfera autônoma (com uma legalidade própria) e de uma racionalidade
intramusical, depende dessa falta de consciência. Dessa forma, enquanto mônada e,
ao mesmo tempo, enquanto mimese, não resta alternativa, senão a de considerar a
música (e o seu modo singular de racionalidade) como um fenômeno histórico. Desse
modo, poder-se-ia dizer que, a lógica inscrita no modo de racionalidade intramusical é
uma escritura da história. Em outras palavras, no entender de Adorno, o modo de
racionalidade da “verdadeira” música remete à lógica da história, ou seja, ao seu
progresso. Nos termos desse pensamento, Schoemberg representa o progresso, na
medida em que sua música, na dinâmica da lógica histórica, cumpre-se como mimese
do progresso histórico. Stravinsky, por seu lado, representa a restauração – o
retrocesso –, sua música, ao desviar-se da lógica inscrita no progresso histórico,
estaria na contramão da “verdade”.
O artista não é um criador. A época e a sociedade em que vive não o delimitam
de fora, mas o delimitam precisamente na severa exigência de exatidão que suas
mesmas imagens lhe impõem. O estado da técnica se apresenta como um
problema em cada compasso: em cada compasso, a técnica em sua totalidade,
exige ser levada em conta e que se dê a única resposta exata que ela admite nesse
determinado momento. As composições não são nada mais do que respostas deste
gênero, soluções de quebra cabeças técnicos, e o compositor é a única pessoa que
está em condições de decifrá-los e compreender sua própria música (Adorno,
1974, p.38)

A música de Schoemberg (do período pré-dodecafônico), na visão de Adorno, é


legítima e verdadeira, no momento em que atualiza em sua própria forma a técnica no
seu estado presente, no estágio exato de seu processo de evolução. E, ao assim
proceder, o faz de dentro da operosidade específica da música, não dependendo em
nada do exterior. “As dificuldades proibitivas da obra não são descobertas, contudo,

  26  
refletindo-se sobre ela, mas sim na obscura interioridade da própria obra” (Adorno,
1974, p. 38).
A música “verdadeira” (revolucionária e emancipatória) – como, por exemplo, a
música de Beethoven e Schoemberg no contexto em que foram produzidas – é criada
no exercício de uma técnica – fundada em um modo autônomo de racionalidade –
que, necessariamente, deve estar em consonância com a lógica do progresso histórico
no qual está inserida. Poder-se-ia dizer que, é porque falta à música a consciência da
realidade representada por ela que a sua representação é verdadeira: a sua verdade
está na pureza – na autonomia – de seu modo de articulação e desenvolvimento, não
contaminado de fora por nenhuma ideologia. Com isso, a sua verdade
(comprometimento com a história) é a sua integridade (totalidade), que é a sua
intramusicalidade (pureza), que é o mesmo que sua autonomia
(autorreferencialidade), fundada na sua abstração (notação simbólica), possível
somente na ausência da consciência de uma realidade exterior, mas que,
contraditoriamente, ela acompanha e representa.
Enquanto esfera autônoma, operacionalizada a partir da objetividade e domínio de
seus próprios materiais, ela mantém o distanciamento necessário para a construção do
re da re-presentação. Sendo esfera autônoma, ocupada apenas com os parâmetros
intramusicais, a música não significa, o significado é de natureza extramusical. Sendo
assim, a música é apenas um modo de escritura. Enquanto escritura, ela é a
representação da estrutura dinâmica de um processo de conhecimento aprendido em
sua abstração. Portanto, enquanto “totalidade revelada de modo dinâmico (Adorno,
1988, p.209), é a mimese de um modo de articulação compreensiva, ou seja, a música
informa um modo de compreensão. É esse o modo da música ser escritura da história:
dizendo gestualmente um modo de pensar – historicizado a partir da aceitação ou
recusa dos materiais tais quais estes se encontram no estado presente das técnicas de
composição, isto é, na dinâmica da intramusicalidade. Em síntese, a música e a
realidade histórico-social coincidem de modo peculiar:

A música como tal não somente carece de conteúdo univocamente concreto, mas,
além disso, quanto mais a música purifica suas leis formais e confia nelas, mas
se fecha a representação manifesta da sociedade dentro da qual tem seu território
reservado. (...) O conteúdo social da verdadeira música está garantido, não pelo
ouvido, mas tão somente pelo conhecimento dos diversos elementos e de sua
configuração. (...) O isolamento da nova música radical não deriva de seu
conteúdo associal, mas de seu conteúdo social, pois mediante sua única
qualidade, e com tão maior vigor quanto mais puramente a deixa transparecer,

  27  
indica a desordem social, ao invés de volatilizá-la no engano de uma humanidade
entendida como já realizada. Já não é ideológica. Nisto coincide, por sua
segregação, com uma grande mudança social (Adorno, 1974, p.104-105).

Na visão de Adorno, portanto, a música não fala diretamente ao modo de


uma linguagem, já que, obviamente, não opera com conceitos. No entanto,
enquanto mimese, é a tradução de um gesto que representa a lógica da história,
é uma encenação de seu progresso.
É preciso observar que, a técnica (expressa na partitura), enquanto mimese,
depende da autenticação do progresso histórico natural no estágio em que se encontra.
Essa autenticação, no âmbito do compromisso com a objetificação dos materiais –
elaborados no domínio de uma pureza (autonomia) musical – pressupõe um
distanciamento de todas as referências sociais e humanas.
No entanto, a posição que se adota nesse trabalho é a de que, a técnica, para
acompanhar o progresso histórico no estágio exato de sua evolução, precisa entrar em
contato com as demandas sociais e históricas. Não existe música pura, toda música é
permeável às “impurezas” humanas. Ou seja, só se desenvolve no domínio estético de
uma heteronomia musical, não no de uma autonomia. O ideal de uma arte pura, que
ao mesmo tempo em que se é mônada é mimese, representa a figuração de uma
impossibilidade. Concorda-se com Edward W. Said quando este escreve que:

Em virtude da autonomia da música em relação ao mundo social ter sido dado como
obvia durante pelo menos um século, e, em função também dos requisitos técnicos
exigidos pelas análises musicais serem tão distintos e severos, há uma suposta ou
imputada auto-suficiência musicológica, que é agora muito menos justificável do que
jamais foi (Said, 1992, p. 73).

Para finalizar essa parte, pode-se dizer que, a compreensão da música, como
aparece em Weber e Adorno, sintetiza e representa (com algumas variações), toda a
tradição da música ocidental como ela é pensada sob o ponto de vista técnico e
teórico. No entanto, nunca é demais observar, muito antes de Weber e Adorno, esse
processo (que desencadeou o desenvolvimento desse modo particular de compreensão
da música) pode ser rastreado na tradição da filosofia, da estética e da musicologia,
em obras como, o Compêndio Musical de Descartes, o Dicionário de Música de
Rousseau, em textos de Kant, Rameau, Leibniz, Schlegel, Hoffmann, Hanslick (entre
outros).

  28  
5.2 Algumas questões sobre o processo de “desumanização” da música

       Recapitulando o que já foi dito, a ênfase na estrutura interna da música é algo que
nos remete à idéia de sua autonomia e, conseqüentemente, à noção de uma
racionalidade intramusical, o que vai possibilitar o surgimento do conceito de “música
pura”, análogo ao de “arte pela arte”, no entanto, reiteramos, não existe, de fato,
música pura, toda música é permeável às “impurezas” humanas e só se desenvolve no
domínio de uma heteronomia musical, não no de uma autonomia. José Ortega y
Gasset, em A Desumanização da Arte, pensando, não especificamente sobre a música,
mas sobre a arte em geral, toca nessas questões. Seu ponto de partida é a
antipopularidade da arte de vanguarda do início do século XX.

Convém distinguir o que não é popular do que é impopular. O estilo que inova demora
certo tempo para conquistar a popularidade; não é popular, mas tampouco é impopular.
(…) A questão não é que a obra jovem não agrade à maioria do público e sim à minoria.
O que acontece é que a maioria, a massa, não a entende. (…) O característico da nova
arte, “do ponto de vista sociológico”, é que ela divide o público nestas duas classes de
homens: os que a entendem e os que não a entendem. Isto implica em que uns possuem
um órgão de compreensão, negado portanto aos outros; em que são duas variedades
diferentes da espécie humana. A nova arte, pelo visto, não é para todo mundo, como a
romântica, e sim vai desde logo dirigida a uma minoria especialmente dotada. (Ortega y
Gasset, 1991, p. 21 a 23).

Para Ortega y Gasset, a arte nova é impopular em sua essência. Essa


impopularidade manifesta-se no ensimesmamento de uma arte que busca se
autorreferencializar, através da ênfase em uma pureza formal, alicerçada na defesa e
valorização de padrões internos de composição. Observa Ortega y Gasset que a nova
arte destina-se a uma minoria privilegiada de fruidores, por ele denominada de
artistas, quando reconhece nessa minoria um especial talento para entender os valores
da arte pura. No pólo oposto a essa minoria está a grande maioria, muito distante de
uma arte que se esforça para ser pura – não contaminada com os extratos da vida,
presentes, por exemplo, na opinião do referido autor, na arte do romantismo.
Tal posição, no extremo oposto da que é assumida por Ortega y Gasset, nos remete
ao ideal de pureza proposto, em meados do século XX, por Milton Babbitt3, do
compositor como um especialista, do projeto de uma música feita por músicos para
músicos, produzida dentro dos muros da universidade e executada a portas fechadas
                                                                                                               
3
Vide o artigo ‘Who Cares if You Listen’, originalmente intitulado “The Composer As Specialist”
publicado em 1958 na revista High Fidelity por Milton Babbitt

  29  
apenas para uma seleta platéia capaz de compreende-la. Para Babbitt, o compositor
não precisa e não deve se preocupar com quem ouvirá sua música, caso contrário,
poderá perder o poder de inovar livremente, pois estará preso às limitações do ouvinte
médio, incapaz de compreender as inovações técnicas de seu trabalho de composição,
a preocupação com o ouvinte, portanto, condicionaria o trabalho do compositor ao
que pode ser facilmente apreendido, e, como conseqüência, isso representaria a morte
da inovação.
É preciso esclarecer que a proposta de Babbitt revela, talvez, certo ressentimento à
resistência de sua época à sua música. No entanto, tal posicionamento não deixa de
ser representativo de um projeto teórico-musical, onde “a teoria de composição é
valorizada primordialmente pelo que possibilita ao teórico fazer enquanto teórico de
música nova, e só secundariamente pelo que lhe diz, ou a qualquer outra pessoa,
acerca da música já composta” (Kerman, 1987, p.125).
A conseqüência do distanciamento da arte nova em relação aos aspectos da vida é,
segundo Ortega y Gasset, a desumanização da arte. Forçando uma aproximação entre
Ortega y Gasset e Max Weber, é possível enxergar um paralelo – ou analogia – entre
a idéia da “desumanização da arte” e o processo que leva ao “desencantamento do
mundo”. Como vimos, o processo de desencantamento do mundo ocorre a partir do
desenraizamento da experiência cotidiana. Em síntese, esse desenraizamento se torna
possível a partir da nova experiência de tempo e espaço abstratos, inaugurada pela
modernidade. Com isso, a compreensão do mundo, norteada por um novo modo de se
administrar o tempo e o espaço, fragmenta-se em esferas autônomas e racionaliza-se.
Fechando o círculo, todo esse processo só se torna possível à custa de um
distanciamento dos fatos da vida ordinária (promovido pelos novos modos de nos
relacionarmos com tempo e espaço), a partir do qual a dimensão subjetiva parece
perder o seu valor. Ora, o pano de fundo a partir do qual Ortega y Gasset
problematiza o processo de desumanização da arte, diz respeito ao distanciamento dos
fatos da vida ordinária.
Se a nova arte não é inteligível para todo mundo, isso quer dizer que os seus recursos não
são os genericamente humanos. (…) Para a maioria das pessoas, o prazer estético não é
uma atitude espiritual diversa em essência da que habitualmente adota no resto da sua
vida. (…) Definitivamente, o objeto de que a arte se ocupa, o que serve de termo à sua
atenção e com ela às demais potências, é o mesmo que na experiência cotidiana: figuras e
paixões humanas. E denominará arte ao conjunto de meios pelos quais lhes é
proporcionado esse contato com coisas humanas interessantes (Ortega y Gasset, 1991, p.
25 a 26).

  30  
       Quando o processo de purificação da arte aumenta – quando a ênfase nos elementos
exclusivamente estruturais da partitura faz crescer o fosso em relação às referências
humanas – a obra, aos poucos, parece deixar de fazer sentido. Isso acontece em dois
momentos, primeiro, ao não se deixar recortar de um horizonte de expectativas
propriamente humano e histórico, ao perseguir uma autonomia que se funda no
distanciamento dos fatos da vida ordinária, a arte, que se quer pura, no extremo desse
ideal, perde seu lugar no sistema da cultura, torna-se estrangeira. Segundo, essa arte
deixa o homem, o fruidor, sem papel, ao valorizar sua autonomia – construída na
objetificação dos materiais sonoros (autorreferencializados) –, exclui do homem
qualquer forma de intervenção. Funcionando como uma espécie de mônada sem
janelas, exclui – ou, se preferir, ignora – o momento da fruição, a experiência estética
propriamente dita.
Embora seja impossível uma arte pura, não há dúvida alguma de que cabe uma tendência
à purificação da arte. Essa tendência levará a uma eliminação progressiva dos elementos
humanos, demasiadamente humanos, que dominavam na produção romântica e
naturalista. E, nesse processo, chegar-se-á a um ponto em que o conteúdo humano da
obra será tão escasso que quase não se verá. Então teremos um objeto que só pode ser
percebido por quem possua esse dom peculiar da sensibilidade artística. Seria uma arte
para artistas, e não para a massa de homens; será uma arte de casta, e não demótica.
(Ortega y Gasset, 1991, p. 29).

Com isso, na visão de Ortega y Gasset, uma obra de arte onde não se encontra
vestígios de extrato da vida, corre o risco de se tornar incompreensível, pelo menos
para os não especialistas.
Do que foi apresentado, o que interessa para esse trabalho é a consciência de que o
projeto de uma música pura – subjacente aos modelos de análise musical oficiais –
ignora o momento da experiência estética.
O texto de Ortega y Gasset, no contexto em que foi escrito – o do surgimento das
vanguardas do início do século XX – possui um certo traço reacionário, sobretudo
quando se concorda que as referidas vanguardas possuíam um conteúdo
revolucionário. No entanto, algumas reflexões ali apresentadas, quando transportadas
para os nossos dias, ganham atualidade.

5.3 Considerações sobre o pensamento composicional da música produzida em


suportes eletrônicos

Em um ambiente cultural de grande imersão sensorial, como o da


contemporaneidade, a dimensão sensível da experiência não pode ser ignorada. No

  31  
âmbito da música, em particular, dos processos composicionais, observa-se uma
restituição da dimensão sensível4 (sem prejuízo para a dimensão intelectiva) em
práticas e modos de uso da música alicerçadas em uma dinâmica de natureza
sensorial, quando somos orientados, poder-se-ia dizer, por uma lógica da sensação,
necessariamente fundada no compromisso com a dimensão sensível da experiência.
Algo que contrasta profundamente com a orientação positivista que norteia a prática e
o pensamento da musicologia mais ortodoxa, que privilegia os parâmetros
quantitativos e mensuráveis.
Retomando o que já foi mencionado na introdução, a tecnologia digital possibilita
uma paridade entre produtor e receptor. O momento da elaboração e o momento da
performance se confundem, desaparece a distância entre o compositor e o intérprete.
Mais do que isso, desaparece, também, a distancia entre o compositor e o fruidor, a
audição-elaboradora de natureza intelectual não se separa da audição-fruidora de
natureza sensorial, aqui, as dimensões intelectiva e sensível estão imbricadas, não se
separam, uma é informada pela outra, uma remete à outra. No âmbito desse processo
observa-se outras formas de elaboração musical, a organização do pensamento
composicional baliza-se por parâmetros que são desconhecidos (ou ignorados) pela
musicologia mais tradicional, trata-se de uma dinâmica que muito se aproxima
daquela estudada por Claude Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem.
Lévi-Strauss, no referido livro, divide a humanidade em dois grandes grupos: a dos
bricoleurs e a dos engenheiros ou construtores. Estes, organizam seu ambiente a partir
de coisas fabricadas mediante uma técnica e com base em um projeto; aqueles (os
bricoleurs) apenas recolhem o que encontram na natureza, dando às coisas finalidade
e significado de modo imediato, sem a mediação de um projeto. No momento
bricoleur tudo se funda e termina na espontaneidade do gesto empírico. No momento
construtor tudo se alicerça na objetividade e realização de um projeto. Segundo Lévi-
Strauss:
O bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas porém, ao
contrário do engenheiro, não subordina nenhuma delas à obtenção de matérias primas e
de utensílios concebidos e procurados na medida de seu projeto: seu universo
instrumental é fechado, e a regra de seu jogo é sempre arranjar-se com os "meios-
limites", isto é, um conjunto sempre finito de utensílios e de materiais bastante
heteróclitos, porque a composição do conjunto não está em relação com o projeto do
momento nem com nenhum projeto particular mas é o resultado contingente de todas as
                                                                                                               
4
A dimensão sensível da experiência é ignorada pela tradição musicológica de orientação positivista,
que pensa a música apenas a partir da relações internas do texto da partitura, ou seja, desenvolve-se
exclusivamente no âmbito da dimensão intelectiva.

  32  
oportunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer o estoque ou para mantê-lo
com os resíduos de construções e destruições anteriores (Lévi-Strauss, 1997, p.32-33).

Lévi-Strauss sugere que o pensamento bricoleur está comprometido com uma


ciência do concreto, por oposição a uma ciência do abstrato, própria do pensamento
construtor.
No âmbito dessas reflexões, propomos traçar um paralelo entre a divisão feita Lévi-
Strauss e àquela que é apresentada por Max Weber em Os fundamentos racionais e
sociológicos da música, quando divide a produção musical do mundo em duas
grandes categorias: a ocidental e as outras.
Como já vimos, Weber descreve, no referido ensaio, o modo como o pensamento
da música ocidental (a partir da lógica implícita à notação musical) foi sendo
elaborado na perspectiva da racionalidade. Nesse processo, emerge um entendimento
da música em que, a dimensão sensorial (sonoro-auditiva) vai sendo, aos poucos,
disciplinada e controlada (ou, talvez, negada) em favor de uma racionalidade
autônoma. Considerando-se que o processo de abstração (fundamental para a
autonomização da racionalidade musical) depende de um distanciamento da dimensão
sensorial, observa-se que tal controle (ou negação da dimensão sensível) torna-se
possível em razão do caráter abstrato da nota escrita – redutível ao eixo cartesiano de
coordenadas. Portanto, nessa perspectiva, a conquista de uma esfera própria e
autônoma, fundada numa racionalidade de natureza ‘intramusical’, só se torna
possível com a domesticação ou submissão da ordem sensorial. Esta domesticação do
som, a partir da abstração (subtração) de sua ordem sensorial, conduz a uma escuta
parcial que privilegia, quase que exclusivamente, os níveis melódico e harmônico
como os mais legítimos, quase únicos, da musicalidade. Desaparece desse modo de se
pensar a música o escopo semiológico, ou seja, o sentido (não confundir com
significado) que só se atualiza quando recortado de um horizonte de expectativas
comum a todos, portanto, algo que só é possível no domínio de uma apropriação ou
contaminação social pela música. Aqui a dimensão contextual e, conseqüentemente,
sensorial (negada pela dinâmica da racionalidade intramusical) é fundamental. A
intenção semiológica só emerge no domínio de uma música heterônoma, que não se
importa de ser impura, ou seja, permeável aos parâmetros de natureza extramusicais.
Retomemos a divisão estabelecida por Lévi-Strauss, nas sociedades bricoleurs, de
tradição oral, o processo de abstração, responsável pela instituição das esferas
autônomas do conhecimento, não existe, seus modos de representação do mundo

  33  
remetem ao todo da vida, ou seja, a lógica a partir da qual constroem e representam
sua realidade não é discriminante nem departamentalizadora, pelo contrário, poder-se-
ia dizer que é uma lógica de tipo fusional. Como observa Milton Santos, nas
sociedades tradicionais "o acontecer é balizado pelo lugar" (Santos, 1994, p.38), o
fluxo dos acontecimentos está preso ao lugar, o cotidiano é fundado em atividades
localizadas. É a modernidade que, ao promover a experiência de tempo e espaço
abstratos, autônomos em relação aos fluxos da localidade, torna possível os processos
de desterritorialização e, com isso, a instituição das esferas de conhecimento
autônomas – deslocadas – do fluxo da vida. A razão balizada pela lógica do lugar é
substituída por uma razão norteada pela produção, e isso só é possível ao final de um
processo onde a lógica da produção é atualizada e legitimada a partir de um processo
de abstração das experiências de tempo e espaço.
Se o ambiente da modernidade ocidental é construído com base em representações
abstratas, possível a partir das experiências de tempo e espaço abstratos, para as
sociedades orais, tempo e espaço coincidem sob lógica do lugar. No domínio da
oralidade, o vocábulo é investido de certo poder de ação pela sua qualidade sonora,
preso à irreversibilidade do tempo. Em outras palavras, o enunciado está totalmente
comprometido com as circunstâncias de sua enunciação, o enunciado se dá no modo
de sua enunciação. Cada enunciado está sempre singularizado pelas circunstâncias da
enunciação que o envolve. Desde que esta (a enunciação) ocorre no âmbito de uma
irreversibilidade temporal, a sua repetição não ocorre, não havendo repetição, não há
espaço para a reflexividade, mas apenas para o fático. Sendo a fala localizada,
personalizada, não há lugar para a idéia de universalidade – o universal é abstrato. A
esse respeito, Daniel Bougnoux observa que, "onde o saber permanece situacional, o
universal não emerge. Os homens permanecem entre si, especularmente. Entendamo-
nos: sem a mediação simbólica de um corpo de ciências ou razões objetivas,
transcendentais à sua relação" (Bougnoux, 1994, p.96). Não há, também,
objetividade, a noção de objeto é devedora da dicotomia entre sujeito e objeto, no
regime da oralidade o que importa é a relação entre sujeitos, e a objetividade anularia
a dinâmica da intersubjetividade. Além disso, o processo de objetificação – ou de
conceitualização, que é, também, de abstração – necessita do estático enquadramento
da perspectiva. A intersubjetividade, por outro lado, é fundada no jogo dinâmico da
relação entre sujeitos. Desde que desconhece a dicotomia entre sujeito e objeto, a
verdade oral é de natureza intersubjetiva, desse modo não trabalha com o dissenso –

  34  
separando, contando, discriminando –, mas com o consenso. Em outras palavras, a
verdade oral não é referencial, não remete a nenhum objeto, é constituída pelo acerto
de conta das partes, no calor de uma relação entre sujeitos que se seduzem
mutuamente.
É preciso observar que as questões referentes ao pensamento bricoleur não estão
limitadas às sociedades de tradição oral, sobretudo quando consideramos que:
O homem ‘nu’, tal como ele é estudado e descrito pelos laboratórios de psicologia
cognitiva, sem suas tecnologias intelectuais nem o auxílio de seus semelhantes, recorre
espontaneamente a um pensamento de tipo oral, centrado sobre situações e modelos
concretos. O ‘pensamento lógico’ corresponde a um estrato cultural recente ligado ao
alfabeto e ao tipo de aprendizagem (escolar) que corresponde a ele (Lévy, 1993, p.93).

No ambiente da contemporaneidade, de grande imersão sensorial (por conta da


grande diversidade de dispositivos tecnológicos multissensoriais que nos cerca) tais
questões ganham em complexidade. A esse respeito, Giulio Carlo Argan reportando-
se às reflexões de Lévi-Strauss, considera que a proliferação de coisas
“multicoloridas, práticas ou fantasiosas”, enquanto constitutivas do ambiente da
contemporaneidade, favorece à emergência de um tipo de postura que, de algum
modo, remonta à atitude dos bricoleurs:
A religião do homem moderno é animista, só que a realidade com a qual o homem se
identifica não é a natureza, mas o universo das coisas que o próprio homem produz
freneticamente para poder freneticamente consumi-las (...). Em um universo em que a
dominante é a imagem, não há outra atitude possível a não ser a do bricolage. O desenho
industrial, que, em última análise, projeta a necessidade de satisfação, é um instrumento
de bricolage em um ambiente todo artificial, quase uma segunda natureza em que
pessoas e coisas se movem com ritmos aparentemente insensatos e convulsos da cidade
industrial moderna (Argan, 1996, p. 277).

Em um outro texto, refletindo sobre o mesmo tema, considera Argan que:


Mais do que aprender a construir o ambiente, essa sociedade deverá aprender a
familiarizar-se com ele e a utilizá-lo, a nutrir-se dele, a fruí-lo com toda desenvoltura,
tomando gozando e descartando: e não será mais uma sociedade de construtores, mas de
bricoleurs (Argan, 1996, p.5).

Portanto, o ambiente da contemporaneidade favorece a emergência de um tipo de


atitude que remonta à dos bricoleurs. No âmbito das questões relativas à
contemporaneidade, observa Michel Maffesoli:
A figura de Dioniso é, talvez, o mito encarnado contemporâneo (...), e essa figura
emblemática é essencialmente estética, o que quer dizer que favorece e conforta as
emoções comuns. Saber dionisíaco é aquele que reconhece essa ambiência emocional,
descreve seus contornos, participando, assim, de uma hermenêutica social que desperta
em cada um de nós o sentido que ficou sedimentado na memória coletiva (Maffesoli,
1998, p. 193).

  35  
Para o referido autor, este saber dionisíaco alicerça-se em uma vitalidade
subterrânea irredutível às habituais analises racionalistas. No domínio dessa
vitalidade é fundamental uma atitude ou compromisso que coloque em ação um modo
de pensamento que se reconcilie com o todo da vida, dito de outro modo, é necessário
uma filosofia da vida. Não se pretende aqui sugerir um retorno, no sentido de um
retrocesso, a uma situação, digamos, bricoleur, própria às culturas de tradição oral. O
que se observa é o fato de que o ambiente da contemporaneidade favorece a
compreensão de que o intelecto e a sensibilidade são inseparáveis. Entendemos que o
modelo racionalista, com sua ambição cientificista de dominar o mundo, é incapaz de
perceber, apreender e atualizar o aspecto denso e fusional da experiência vivida.
A esquize do racionalismo não fornece senão uma épura do homem e do mundo. Produz
um esquema que apresenta características importantes mas ao qual falta o essencial: a
vida. Não que falte eficácia - os desempenhos da modernidade estão aí para prová-lo -
mas deixa de ser satisfatório a partir do momento em que se assiste, de diversas
maneiras, ao élam vital renascente (Maffesoli, 1998, p.31).

A partir disso, sugere Maffesoli, é preciso encontrar um modos operandi que atue
no âmbito de uma fruição pensante, ou, talvez, de uma fruição acompanhada de
consciência capaz de aliar o inteligível ao sensível, onde a função cognitiva esteja
comprometida e ligada à dimensão estética.
No terreno da estética, propriamente dito, esse modos operandi, referido por
Maffesoli a uma fruição pensante, caracteriza-se por uma dinâmica, que acreditamos,
se aproxima do pensamento bricoleur. Estamos nos referindo aqui ao um certo padrão
de sensibilidade, que, alguns autores, denominam de pós-moderno. Enquanto
fenômeno estético da contemporaneidade, a poética pós-moderna, apesar de complexa
e resistente a definições, apresenta alguns traços estilísticos que podemos reconhecer
como característicos. Observa Richard Shusterman que:
Entre essas características podemos citar em particular: a tendência mais para uma
apropriação reciclada do que para uma criação original única, a mistura eclética de
estilos, a adesão entusiástica à nova tecnologia e à cultura de massa, o desafio das noções
modernistas de autonomia estética e pureza artística, e a ênfase colocada sobre a
localização espacial e temporal mais do que sobre o universal ou o eterno (Shusterman,
1998, p.145).

No que diz respeito à composição produzida com auxílio de computador, as


características acima são bem evidentes. Um compositor que faz uso de um programa
de computador, em grande parte de seu processo de criação, trabalha com operações
que envolvem escolhas, onde se verifica um modos operandi norteado por uma
atitude empírica que, a nosso ver, em muito se assemelha à lógica bricoleur –

  36  
fundamentada na dimensão sensorial da experiência. Se se argumenta que no âmbito
desse processo as escolhas já estão dadas, porque já foram anteriormente planejadas,
os resultados, ao contrário, são completamente imprevisíveis, balizados, poder-se-ia
dizer, por uma lógica em devir.
Para concluir, gostaríamos de propor que, o pensamento bricoleur, enquanto
informado por uma lógica em devir, inscreve-se no domínio de um método ou via
pragmática, quando o sentido da realidade só emerge na perspectiva (ou no jogo) dos
parceiros em relação.

5.4 Reflexões sobre a dimensão pragmática da comunicação musical

Como vimos, é o compromisso com o ideal de uma estrutura autônoma que torna
os analistas míopes para a riqueza de toda heteronomia musical, algo que só será
percebido na perspectiva de uma pragmática musical, onde a continuidade entre a
experiência estética e os fatos da vida ordinária não é esquecida.
Em síntese, o trabalho do analista, comprometido com a idéia de uma música
autônoma, é procurar os elementos constantes que caracterizam e revelam a estrutura
da música, isto é, a identificação das invariantes estruturais. A esse respeito, Gilles
Deleuze e Félix Guattari, problematizando sobre a lingüística, observam o seguinte:
A questão das invariantes estruturais - e a própria idéia de estrutura é inseparável de tais
invariantes, atômicas ou relacionais - é essencial para a lingüística. É sob essa condição
que a lingüística pode reivindicar para si uma pura cientificidade, nada a não ser
ciência..., a salvo de qualquer fator supostamente exterior ou pragmático. (Deleuze,
Gauttari, p. 34, 1995).

       O lingüista, estando preso à idéia de constantes estruturais, sejam elas fonológicas,


morfológicas ou sintáticas, fecha a língua sobre si mesma, esquecendo, desse modo,
as questões relativas à pragmática, ou seja, ao acontecimento da língua (Deleuze,
Guattari, p.21, 1998). Do mesmo modo que os lingüistas, poder-se-ia dizer, que os
analistas musicais, perseguindo o ideal de uma musicologia científica, fecham a
música sobre si própria. Ocorre que, lembrando Maurice Merleau-Ponty, no exercício
da ciência, no modo como as coisas são por ela manipuladas, pressupõe-se a renúncia
de habitá-las (Merleau-Ponty, p.275, 1975). Na perspectiva de uma pragmática
musical, que se desdobra da dinâmica do fato musical, se faz necessário "habitar" a
música. Tarefa impensável para o analista, já que este supõe ser a música uma
realidade autônoma do todo da vida. Os analistas preocupam-se apenas com as

  37  
invariantes estruturais, imanentes ao texto da partitura, porque as questões relativas a
uma pragmática musical – ao acontecimento da música – escapam ao método
científico: o método pede distanciamento, uma pragmática pressupõe envolvimento.
O que os referidos autores observam, no que diz respeito a uma ênfase da dimensão
pragmática – ou, se preferir, ao destaque das esferas do "performativo" e do
"ilocutório" – é a emergência de três importantes conseqüências:

1) A impossibilidade de conceber a linguagem como um código, visto que esta é a


condição que torna possível uma explicação; e a impossibilidade de conceber a fala
como a comunicação de uma informação: ordenar, interrogar, prometer, afirmar, não é
afirmar um comando, uma dúvida, um compromisso, uma asserção, mas efetuar esses
atos específicos imanentes, necessariamente implícitos; 2) A impossibilidade de definir
uma semântica, uma sintaxe ou mesmo uma fonemática como zonas científicas de
linguagem que seriam independentes da pragmática; a pragmática deixa de ser uma
"cloaca", as determinações pragmáticas deixam de estar submetidas à alternativa: ou se
voltar para o exterior da linguagem, ou responder a condições explicitas sob as quais elas
são sintaxizadas e semantizadas: a pragmática se torna, ao contrário, o pressuposto de
todas as outras dimensões, e se insinua em toda parte; 3) A impossibilidade de manter a
distinção língua - fala, visto que a fala não pode mais ser definida pela simples utilização
individual e extrínseca de uma significação primeira, ou pela aplicação variável de uma
sintaxe prévia: ao contrário, são o sentido e a sintaxe da língua que não se deixam definir
independentemente dos atos de fala que ela pressupõe (Deleuze, Guattari, p.14, 1995)

Ao fazerem tais observações, Deleuze e Guattari reportam-se às teses de John L.


Austin a cerca dos aspectos performativos e ilocutórios da linguagem. Austin esforça-
se em demonstrar que, muitas das relações que se estabelecem entre a fala e as ações
que se realizam no ato da fala remetem-se mutuamente. É este "remeter-se
mutuamente", porque intrínseco às circunstâncias da enunciação, que define o
enunciado, melhor dizendo, enunciado e enunciação se confundem, poder-se-ia dizer
que são a mesma coisa, por exemplo: o performativo juro ao dizer "eu juro". Como
observa Deleuze e Guattari: "Um enunciado performativo não é nada fora das
circunstâncias que o tornam o que é (...). 'Eu juro' não é o mesmo se for dito em
família, na escola, em um amor, no interior de uma sociedade secreta, no tribunal"
(Deleuze, Guattari, p.20, 1995).
A ênfase na dimensão pragmática trás à tona questões relativas ao movimento da
língua, aos aspectos que se mostram irredutíveis a uma gramática. No âmbito da
pragmática, os problemas relativos a uma "agramaticalidade" deixam de serem vistos
como contingências da fala – aquilo, de natureza exterior, que se oporia à ordem
interna da gramática – para serem percebidos como a característica própria da língua:
algo que, estando em estado de variação contínua, atualizaria, permanentemente, um

  38  
jogo de diferença e repetição, sempre fundado nas circunstâncias da enunciação. "A
lingüística não é nada fora da pragmática (...) que define a efetuação da linguagem e o
uso dos elementos da língua" (Deleuze, Guattari, p.26, 1995). Parafraseando Deleuze
e Gauttari, poderíamos dizer que: uma compreensão da música não existe
independente de seu acontecimento – de sua situação pragmática – de onde também
se verifica um jogo de diferença e repetição, que atualiza, permanentemente, o seu
uso e o seu sentido – fundados na situação e no modo em que a música é fruída.
As questões relativas à pragmática são inseparáveis das questões relativas ao estilo.
A compreensão da dimensão pragmática depende da apreensão do estilo e vice-versa:

O que denominamos um estilo, que pode ser a coisa mais natural do mundo, é
precisamente o procedimento de uma variação contínua. Ora, dentre todos os dualismos
instaurados pela lingüística, existem poucos menos fundados do que aquele que separa a
lingüística da estilística: sendo um estilo não uma criação psicológica individual, mas um
agenciamento de enunciação, não será possível impedi-lo de fazer uma língua dentro de
uma língua (Deleuze, Guattari, p.41, 1995).

Muito embora as questões problematizadas por Deleuze e Guattari se referem à


lingüística, acreditamos que a transposição de tais questões para o âmbito dos
problemas relativos à arte – à produção e recepção estéticas, de um modo geral – é de
fundamental importância se se pretende pensar a arte – e a música em particular – no
âmbito de uma pragmática.
Particularmente, acreditamos que as questões relativas ao estilo, tanto no domínio
da lingüística como no da arte, estão muito próximas. Maurice Merleau-Ponty
escrevendo sobre o trabalho do pintor faz a seguinte consideração: "O que o pintor
põe no quadro não é o eu imediato, o matizar-se do sentir, mas seu estilo, que
conquista tanto por seus experimentos quanto pela pintura dos outros e do mundo"
(Merleau-Ponty, p.341, 1975).
Mas afinal, o que é o estilo? Em Deleuze e Guattari, como foi visto, é o
procedimento de uma variação contínua, mas é, também, um agenciamento de
enunciação. Ou seja, algo que se atualiza – que se enuncia – no âmbito de um jogo de
diferença e repetição. No livro Proust E Os Signos o estilo é o modo como a diferença
é revelada. Tematizando sobre a leitura de Deleuze nesse livro Roberto Machado
escreve o seguinte:

“Só a arte revela a essência como ‘diferença última e absoluta’. E efetivamente, em le


temps retrouvé, Proust define o estilo como revelação da diferença. O estilo é ‘revelação,
que seria impossível por meios diretos e conscientes, da diferença qualitativa que há no
modo como nos aparece o mundo, diferença que, se não houvesse a arte, permaneceria o

  39  
segredo de cada um’. Diferença qualitativa que na interpretação deleuzeana não pode ser
reduzida a uma diferença empírica: é uma diferença interna absoluta. Só arte cria um
verdadeiro pensamento diferencial (Machado, 1990, p.176 a 177).

Esse jogo, que se dá a partir da desterritorialização e reterritorialização de valores,


é percebido, nos termos de Merleau-Ponty, como algo que se desenvolve a partir dos
experimentos do artista em relação à tradição – "a pintura dos outros" – e o mundo.
Dito de outro modo, a dinâmica do jogo de diferença e repetição se desenvolve no
conflito - ou, se preferir, no diálogo - entre o artista, a tradição e o mundo que os
envolve. O estilo é modo como esse conflito – que sempre envolve
desterritorialização e reterritorialização de valores – se resolve numa obra de arte. De
modo simplificado, o estilo é o modo como se joga. A esse respeito, assinala Monclar
Valverde:
Concebendo a arte como jogo, a criatividade artística aparece como força que resulta da
tensão entre diferença e repetição. Todo processo simbólico, todo processo em que se dá
a configuração de um sentido partilhado, só é possível com o permanente confronto e
combinação de padrões sistemáticos, regrados e estruturais, com um regime
assistemático, que envolve o acaso, a circunstância, o momento e a performance, e que
instaura essa tensão entre repetição diferença. (Valverde, p.10, 1998).

Tendo observado isso, podemos dizer que a obra dos compositores não é apenas o
encadeamento de sons numa determinada estrutura. Por outro lado, o estilo não é,
simplesmente, o resultado de uma vontade estética, como observa Alfonso Quintás:
"Os estilos (...) são o resultado da confluência de diversos elementos – estéticos,
éticos, religiosos, econômicos, políticos e sociais – que dão lugar a uma determinada
concepção da existência e a uma atitude vital correlativa" (Quintás, p. 156, 1993).
Enquanto jogo, a arte revela um modo de estar no mundo, de reagir às resistências que
o mundo impõe, de responder ao chamado dos valores da cultura e da tradição, enfim,
de ver e de viver o mundo. Neste sentido, é legítimo pensar que as obras dos
compositores encarnam um mundo particular: o mundo de Bach, o mundo de Mozart,
de Chopin, etc (Quintás, p. 77, 1993). Desde quando foi atualizada na dinâmica de um
jogo, a arte não pode, ou não deveria, ser percebida nos termos de uma estrutura que
se revela a partir de suas constantes. Enquanto atualização de uma condição
existencial, a arte é um mundo a ser habitado, experienciado, vivido, e, enquanto tal, é
abertura de possibilidades transformadoras – irredutíveis a um modelo estático de
estrutura.
O ato de compor pressupõe uma postura de abertura e disponibilidade para a vida,
melhor dizendo, abertura e disponibilidade para misturar o seu próprio âmbito de vida

  40  
com o âmbito de outras realidades. Aqui, autonomia e heteronomia coincidem, poder-
se-ia dizer que conspiram em favor do jogo criativo:

Essa atividade lúdica instaura vida espiritual, une o homem às realidades do meio
ambiente com formas relevantes de unidade, põe-se na presença delas, porque supera a
divisão entre o campo do interior e o do exterior (...). A abertura à realidade sob o
impulso desta atitude concede ao homem liberdade interior, liberdade para a criatividade
(...). Este modo elevado de liberdade (...) permite vincular de modo fecundo no homem a
autonomia e a heteronomia, o poder de se governar por leis próprias, elaboradas em sua
interioridade, e a necessidade de se orientar por critérios e normas recebidos em princípio
'de fora' (Quintás, p. 78, 1993).

       O que é importante observar a partir do que foi colocado, é a percepção de que os


"mundos particulares", por exemplo, de Bach, Beethoven, ou Chopin, plasmados em
suas obras, não são privativos destes. Como assinala, em relação ao trabalho do
pintor, Merleau-Ponty: "A obra não se passa longe das coisas e em algum laboratório
íntimo cuja chave o pintor possuísse" (Merleau-Ponty, p.343, 1975). A atitude de
abertura e disponibilidade do artista – presente no jogo criativo – se estende até à
obra. Os âmbitos de emoção da obra de arte, fundados no jogo entre a condição
existencial do artista, as resistências do mundo e os valores da tradição, podem ser
atualizados e vividos por nós. É possível participar desse mundo – a obra de arte – de
modo concreto, visto que ele pode ser partilhado, ou, melhor, habitado:
A obra que se cumpre não é, logo, a que existe em si como coisa, mas a que atinge ao
espectador, convidando-o a retomar o gesto que a criou e, saltando mediações, sem outro
guia que não o movimento da linha inventada, a alcançar o mundo silencioso do pintor,
ora proferido e acessível (Merleau-Ponty, p.340, 1975).
 
       De tudo o que foi dito, gostaríamos de observar que, ao contrário de uma postura
analítica que visa a um entendimento objetivo de uma arte, que se pretende, autônoma
do todo da vida; uma postura fenomenológica, que privilegia a experiência estética,
pensa a compreensão do fenômeno arte, a partir do compromisso com uma
participação ontológica entre obra de arte (enquanto jogo dinâmico que atualiza uma
condição existencial) e o fruidor. No domínio dessa postura fenomenológica, tal modo
de compreensão nos remete para o sentido etimológico da palavra 'conhecimento':
entendido como um 'nascer com'. Sentido que, vale observar, atualmente só se
mantém no francês: connaissance que é co-nascimento.
Portanto, no âmbito da música, a escuta pressupõe um envolvimento fundado numa
participação ontológica. Tal participação é possível a partir da compreensão de que,
as obras dos compositores encarnam mundos particulares, que atualizam uma
determinada condição existencial, plasmada no jogo da relação entre o compositor, os

  41  
valores da tradição estética a qual pertence, e as resistências do mundo – valores
sociais, políticos, etc – que o cerca.
Não podemos deixar de observar que, o resultado desse encontro entre o
compositor e as realidades que o circunda, não pode ser reduzido a um mero
subjetivismo: o mundo impenetrável do compositor. Trata-se de uma entidade
relacional, de um 'entre', que por ser desse modo, possibilita a participação dos outros.
É nestes termos que a 'escuta' – na condição de experiência estética da música – pode
ser percebida no âmbito de uma pragmática, que se dá na lógica de uma participação
ontológica.
Trazendo tais questões para o terreno do pensamento composicional, tudo isso
implica na necessidade de se pensar a composição no âmbito do fato musical total, ou
seja, não apenas nos termos dos processos intelectivos, mas também, no domínio dos
processos de performance, fruição e escuta, isto é, nos termos do acontecimento
propriamente da música, o que faz emergir a necessidade de um quadro teórico de
referencias que contemple todos esses pontos. Considerando isso, levando-se em
conta as conseqüências e os desdobramentos implicados, identificamos quatro
possibilidades ou campos teóricos de reflexão:
- Pensar o processo de composição no âmbito de uma fenomenologia da
percepção musical;
- Pensar o trabalho do compositor na perspectiva da estética da formatividade;
- Refletir sobre a dinâmica da composição nos termos de uma pragmática da
comunicação musical;
- Trabalhar na perspectiva de uma estética da recepção musical.

5.5 Algumas observações sobre a Fenomenologia da Percepção

Refletindo sobre a nossa experiência de mundo, sobre o modo como percebemos as


coisas que nos cercam, escreve Merleau-Ponty:
O mundo percebido não é uma soma de objetos, no sentido que as ciências dão a esta
palavra (...); nossa relação com ele não é a de um pensador com um objeto de
pensamento (...), a unidade da coisa percebida (...) não é assimilável a um teorema que
muitos pensadores reconhecem, nem a existência percebida à existência ideal. Não
podemos, em conseqüência, aplicar à percepção a distinção clássica de matéria e forma
nem conceber o sujeito que percebe como uma consciência que “interpreta”, ou “ordena”
uma matéria sensível da qual possuiria a lei ideal. A matéria é “grávida” de sua forma
(Merleau-Ponty, 1989, p. 41-42).

  42  
Em Merleau-Ponty, a experiência corporal é originária, é só no âmbito dessa
experiência que a unidade fundamental do mundo, enquanto mundo sensível, emerge.
É só no domínio da experiência corporal – do corpo vivido – que se constitui o modo
como estamos no mundo, tanto doando, quanto ganhando significação. Em suas
palavras:
Não é o sujeito epistemológico que efetua a síntese, é o corpo, quando sai de sua
dispersão, se ordena, se dirige por todos os meios para um termo único de seu
movimento, e quando, pelo fenômeno da sinergia, uma intenção única se concebe nele.
Nós só retiramos a síntese do corpo objetivo para atribuí-la ao corpo fenomenal, quer
dizer, ao corpo enquanto ele projeta em torno de si um certo “meio”, enquanto suas
partes se conhecem dinamicamente umas às outras, e seus receptores se dispõe de
maneira a tornar possível, por sua sinergia a percepção do objeto. Dizendo que essa
intencionalidade não é um pensamento, queremos dizer que ela não se efetua na
transparência de uma consciência, e que ela toma por adquirido todo o saber latente que
meu corpo tem de si mesmo (Merleau-Ponty, 1994, p.312).

O que Merleau-Ponty descobre e revela, ao contrario de Husserl, é o fato de que o


mundo que é percebido pelo corpo vivente, é sempre o fundo pressuposto de toda
forma de racionalidade, de toda forma de valor, de toda existência. Portanto, de forma
alguma, ao contrário do que afirmam alguns críticos dessa fenomenologia, uma
concepção dessa espécie destruiria a racionalidade, como muito bem salienta o
referido autor, busca apenas fazê-la descer à terra (Merleau-Ponty, 1989, p.42).
Em O Olho E O Espírito, seu último texto publicado em vida, Merleau-Ponty
desenvolve essas questões no terreno da criação artística, referindo-se à atividade do
pintor, escreve:
O pintor “emprega seu corpo”, diz Valéry. E, com efeito, não se vê como um espírito
pudesse pintar. Emprestando seu corpo ao mundo é que o pintor transforma o mundo em
pintura. Para compreender estas transubstanciações, há que reencontrar o corpo operante
e atual, aquele que não é um pedaço de espaço, um feixe de funções, mas um entrelaçado
de visão e movimento (Merleau-Ponty, 1975, p.278).

Aqui, a atividade do artista é pensada no âmbito de uma reflexão de natureza


ontológica, remete ao ser, ao modo do ser, enquanto corpo vivente, no mundo: “há
que reencontrar o corpo o perante e atual...”. Reportando-se ao sentido da pintura para
Descartes, observa que “a pintura não é para ele uma operação central que contribua
para definir o nosso acesso ao ser; é um modo ou uma variante do pensamento
canonicamente definido pela posse intelectual e pela evidência (Merleau-Ponty, 1975,
p. 285). Com efeito, por oposição, a pintura (bem como qualquer outra forma de arte),
precisa ser compreendida na qualidade de “uma operação central” que contribua para
“definir o nosso acesso ao ser”. Neste ponto, gostaríamos de introduzir a noção de
Quiasma apresentada em O Visível E O Invisível.

  43  
De forma resumida, a noção de Quiasma se refere a um certo entrelaçamento ou
entrecruzamento de duas ou mais linhas, entrelaçamento esse que, segundo Merleau-
Ponty, faz emergir questões acerca dos limites entre o corpo e o mundo.
O corpo interposto não é propriamente coisa, matéria intersticial, tecido conjuntivo, mas
sensível para si, o que quer dizer não este absurdo: cor que se vê, superfície que se
apalpa, mas este paradoxo [?]: conjunto de cores e superfícies habitadas por um tato, uma
visão portanto, sensível exemplar, que capacita a quem o habita e o sente de sentir tudo o
que de fora se assemelha, de sorte que, preso no tecido das coisas, o atrai inteiramente, o
incorpora e, pelo mesmo movimento, comunica às coisas sobre as quais se fecha, essa
identidade sem superposição, essa diferença sem contradição, essa distância do interior e
do exterior, que constituem seu segredo natal. O corpo nos une às coisas por sua própria
ontogênese, soldando um a outro os dois esboços de que é feito, seus dois lábios: a massa
sensível que ele é e a massa do sensível de onde nasce por segregação, e à qual, como
vidente, permanece aberto (Merleau-Ponty, 1992, p. 132).

Nessa perspectiva, o corpo humano, tal qual uma folha de papel, é percebido como
uma entidade de duas faces:
Dizemos, assim, que nosso corpo, como uma folha de papel, é um ser de duas faces, de
um lado, coisa entre as coisas e, de outro, aquilo que as vê e toca; dizemos, porque é
evidente, que nele reúne essas duas propriedades, e sua dupla pertença à ordem do
“objeto” e à ordem do “sujeito” nos revela entre as duas ordens relações muito
inesperadas (Merleau-Ponty, 1992, p. 133).

Com efeito, ao mesmo tempo, tocamos o mundo e somos tocados por ele, sentimos
o mundo e, ao mesmo tempo, somos percebidos como uma presença em meio a todas
as coisas visíveis e invisíveis do mundo. Nessa dinâmica interligação ou conexão
entre as coisas dos mundos subjetivo e objetivo, emerge o mundo perceptivo relativo
àquele que percebe. O corpo, portanto, na condição de mais um entre os objeto do
mundo, é responsável pela origem do mundo objetivo, mas também, enquanto objeto
que age sobre receptores, traz à tona a consciência sobre si mesmo, como escreve
Merleau-Ponty, “meu corpo como coisa visível está contido no grande espetáculo.
Mas meu corpo vidente subtende este corpo visível e todos os visíveis com ele. Há
recíproca inserção e entrelaçamento de um no outro” (Merleau-Ponty, 1992, p. 135).
No âmbito dessa matriz compreensiva, que é como apresentamos e entendemos a
Fenomenologia da Percepção de Merleau-Ponty, onde muitas das questões acerca da
dinâmica envolvida no processo de composição ganham sentido, gostaríamos de
introduzir a Estética da Formatividade de Luigi Pareyson.

  44  
5.6 Algumas observações sobre a Estética da Formatividade

Antes de mais nada, é preciso observar que arco de abrangência da estética da


formatividade, como pretendido por Luigi Pareyson, é grande e transcende o lugar
comum da estética enquanto teoria do belo. A esse respeito escreve ele o seguinte:

A estética não é parte da filosofia, mas a filosofia inteira concentrada sobre os problemas
da beleza e da arte e, em segundo lugar, as questões concretas da estética pelo fato de
serem particulares não deixam em absoluto de ser filosóficas e não ficam devendo em
nada, quanto a dificuldades, às questões mais gerais, empenhadas como estão em mais
uma imediata e peremptória verificabilidade das soluções propostas (Pareyson, 1993, p.
17)

Desse modo, a teoria da formatividade, apesar de centrar a arte como objeto de sua
reflexão, aplica-se ao todo da vida, isto é, à toda forma de ação humana, não se
limitando exclusivamente à produção artística. Para Pareyson, qualquer atividade
humana encerra um processo formativo, o alcance desse processo abrange desde as
atividades formativas propriamente ditas – como o processo de formação de uma obra
de arte –, até as atividades de interpretação, não menos sujeitas às leis da
formatividade. Em um ensaio sobre a estética de Pareyson, Umberto Eco desenvolve
tal questão:

Toda vida humana é para Pareyson, invenção, produção de formas; toda a atividade
humana, tanto no campo moral como no do pensamento e da arte, origina formas,
criações orgânicas e perfeitas, dotadas de compreensibilidade e autonomia próprias (Eco,
1986, p. 17)

Considerando isso, toda e qualquer atividade estão sujeitas às leis do processo


formativo. Porém, do mesmo modo que toda atividade é formativa é, também, ao
mesmo tempo, especulativa e prática. O que torna possível a diferenciação das
atividades é a sua especificação, ou seja, quando ela é mais especulativa ou mais
prática ou apenas formativa. Dessa forma, por exemplo, uma atividade de natureza
filosófica especifica-se em razão de seu caráter especulativo dominante, da mesma
forma, uma atividade de cunho científico tem acentuado o seu caráter prático, a arte
por sua vez, é pura formatividade. Vejamos o que nos diz Pareyson a esse respeito:

Toda operação humana é sempre ou especulativa ou prática ou formativa mas, seja qual
for a sua especificação, é sempre ao mesmo tempo tanto pensamento como moralidade e
formatividade. Uma operação não se determina a não ser especificando uma atividade
entre outras, mas não pode fazê-lo a não ser concentrando-se em si todas as outras
simultaneamente. Em toda operação existe, ao mesmo tempo, especificação de uma
atividade e concentração de todas as atividades: esta é a estrutura do operar em que

  45  
especificação e concentração das atividades vão pari passu, de tal sorte que uma não
pode andar sem a outra (Pareyson, 1993, p.26)

Na medida em que a formatividade é própria a toda experiência – e quando


oportunamente especificada torna-se o que entendemos por arte -, é legítimo
considerar que há uma artisticidade que permeia todo tipo de atividade humana, assim
sendo, torna-se possível promover a estética enquanto disciplina que é “a filosofia
inteira concentrada sobre o problema da beleza e da arte” (Pareyson, 1993, p.17).
Mas o que é de fato a formatividade? De um modo simplificado podemos dizer que
a formatividade é um processo, e é a dinâmica desse processo que constitui o tema
central a partir do qual Pareyson desenvolve sua teoria estética:

O conceito central é o de formatividade, entendida esta como a união inseparável de


produção e invenção. “Formar” significa aqui “fazer” inventando ao mesmo tempo o
“modo de fazer”, ou seja, “realizar” só procedendo por ensaio em direção ao resultado e
produzindo desse modo obras que são formas (Pareyson, 1993, p.30)

Este fazer que enquanto faz inventa ao mesmo tempo o modo de fazer, encerra
um movimento de grande dinâmica, que se exerce a partir da tensão, ou, se preferir,
do diálogo entre dois pólos: de um lado, a matéria sobre a qual a obra vai ser formada,
uma materialidade que reclama um modo particular de intervenção, um modo de
operar específico que põe limites, mas, também, possibilidades e, dessa forma,
imprime suas marcas no processo. De outro lado, a espiritualidade do artista, sua
história pessoal, seus preconceitos, suas habilidades aprendidas da tradição a qual faz
parte, em suma, toda sua espiritualidade – sua história de vida –, que da mesma forma
que a materialidade, também, inscreve suas marcas no processo. Como observa
Pareyson:

A operação artística como exercício de formatividade pura consiste em duplo processo:


de um lado, a humanidade e a espiritualidade do artista, colocadas sob o signo da
formatividade, especificam melhor a própria vocação formal e se fazem elas mesmas
modo de formar, ou seja, estilo; do outro, a intenção formativa se define no mesmo ato
que adota sua matéria e lhe transforma as resistências em estímulos e sugestões. Mas os
processos não são dois, e sim um só, porque só se inventa o estilo quando se fazem as
obras, ou, formando a matéria, e não se pode formar a matéria sem um modo pessoal de
formar, ou estilo (Pareyson, 1993, p.30).

Como já foi visto, na visão de Pareyson toda atividade humana é resultante de um


processo formativo, inclusive a atividade de interpretação. Portanto, assim como se
verifica na operação artística a confluência de um duplo processo, o mesmo ocorre
com o momento da interpretação:

  46  
A interpretação é justamente isto: mútua implicação de receptividade e atividade. Com
efeito, a atividade desencadeada para interpretar é a adoção do ritmo do objeto. A
interpretação por um lado é a ressonância do objeto em mim, ou seja, receptividade que
se prolonga em atividade, dado que recebo e ao mesmo tempo desenvolvo; e, por outro
lado, é sintonia com o objeto: um agir que se dispõe a receber, um fazer falar para
escutar, atividade em vista de uma receptividade (Pareyson, 1993, p.175).

É preciso considerar, portanto, que na lógica desse pensamento, é muito mais


apropriado pensar na obra enquanto algo do domínio de uma relação fruitiva –
referida a uma dinâmica da experiência – do que algo que remete a uma estrutura
objetiva – referida à idéia da arte pura e autônoma. Quando Pareyson nos fala da
“adoção do ritmo do objeto”, enquanto atitude para a interpretação, ou quando nos
fala da “ressonância do objeto em mim”, em relação ao processo de fruição, ele está,
do mesmo modo que Dewey, redefinindo a arte no âmbito da experiência.

O artista estuda amorosamente a sua matéria, perscruta-a até ao fundo, observa-lhe o


comportamento e as reações. Interroga-a para poder comandá-la, interpreta-a para poder
domá-la, obedece-lhe para poder subjugá-la, aprofunda-a para que lhe revele
possibilidades latentes e aptas às suas intenções, escava-a para que ela mesma sugira
novas e inéditas possibilidades a tentar, segue-a para que seus desenvolvimentos naturais
possam coincidir com as exigências da obra projetada, investiga os modos como uma
longa tradição ensinou a manipulá-la para que dela brotem germes inéditos e originais ou
para prolongá-los em desenvolvimentos novos (Pareyson, 1993, p..50)

Posto isto, gostaríamos de reiterar, a partir do que já se disse, que o momento da


criação e o momento da interpretação não constituem uma oposição, muito pelo
contrário, há uma continuidade entre eles. Desse modo, refletir sobre a arte na
dimensão da experiência, implica em pensar a arte nos termos de uma paridade entre
produção e recepção. É nessa perspectiva que tais questões demandam uma reflexão
no âmbito de uma Fenomenologia da Percepção, quando então ganham sentido e
relevância.

5.7 Algumas observações sobre a Pragmática da Comunicação

No mesmo campo de ressonância, e em total acordo e sintonia com os fundamentos


já apresentados (em particular no que se refere ao compromisso com a dimensão
estética da experiência), está a Pragmática da Comunicação. Em linhas gerais, e de
modo bem resumido, segundo Herman Parret, três propriedades compõem o método
pragmático:

  47  
Em primeiro lugar: "o sentido do objeto pragmático é determinado por seu
posicionamento num contexto e, em particular por sua força de contextualização"
(Parret, 1997, p.12). Diferente, portanto, da orientação de base racionalista que pensa
o sentido como algo imanente e autônomo. Considera-se aqui, o caráter heterônomo e
dinâmico do objeto pragmático e de seu contexto - "não são entidades autônomas e
estáveis: elas só existem por meio de uma interdependência dinâmica" (Parret, 1997,
p.12).
Em segundo lugar: é preciso observar que "o objeto pragmático é trabalhado de
fora a fora pela racionalidade" (Parret, 1997, p.13). Não se trata da racionalidade pura
e abstrata da ciência, que se pretende autônoma em relação ao sensório e às paixões.
Trata-se de um logos que inclui o pathos, dito de outro modo, como sugere Parret,
trata-se de uma razoabilidade, aquilo que Maffesoli chama de fruição pensante.
Em terceiro lugar: "o sentido pragmático só existe no nível dos mecanismos de
compreensão" (Parret, 1997, p.13). O que se observa é que as estéticas de inspiração
racionalista privilegiam o momento da produção em detrimento do momento da
recepção. No âmbito da pragmática isso é invertido. Considera-se aqui o fato de que
um artista, um compositor, por exemplo, antes de fazer parte de uma comunidade de
compositores (produtores) que dominam uma técnica, legitimada por certos
pressupostos teóricos, faz parte de uma comunidade de ouvintes, onde a aplicação de
sua técnica – porque recortada de um horizonte de expectativas comum a todos desta
comunidade – faz sentido e poderá, assim, ser compreendida.

5.8 Algumas observações sobre a Estética da Recepção

No âmbito de uma estética ou pragmática da comunicação, a experiência estética


não acontece em uma via de mão única, apenas da partitura para o fruidor, por
exemplo, trata-se de um processo muito mais complexo. Essas questões foram
trabalhadas por Hans Robert Jauss no terreno dos estudos literários.
Em 1967, em uma conferência na Universidade de Constança na Alemanha, Jauss
lança suas primeiras provocações. Divergindo das teorias vigentes em seu tempo,
considerava inaceitável a afirmação da autonomia absoluta do texto. O pressuposto de
uma estrutura auto-suficiente, cujo sentido emerge apenas de sua organização interna
anula o sujeito na relação entre fruidor e obra de arte.

  48  
Pode-se dizer que, no estudo das obras literárias, considerando o contexto teórico
da época, Jauss opera um pequena revolução copernicana: seu interesse recai sobre a
recepção das obras e não sobre a produção. Entre outras coisas, a ênfase na recepção
pressupõe uma revalorização do prazer estético. Para Jauss, o significado de uma obra
de arte não emerge sem que ela tenha sido vivenciada na dimensão sensível da
experiência, e isso inclui a presença do prazer durante todo o processo, considera ele
que, na dinâmica da experiência estética não há conhecimento sem prazer, nem prazer
sem conhecimento.
Tais questões leva-o a formular um par de conceitos interdependentes e
fundamentais para o desenvolvimento de suas reflexões seguintes, são eles a ‘fruição
compreensiva’ e a ‘compreensão fruidora’. De forma simplificada, só podemos gostar
do que entendemos e compreender o que apreciamos.
A ênfase no prazer revela uma preocupação com a dimensão comunicacional da
obra de arte, já que é no âmbito do prazer estético que se revela a natureza
comunicativa de uma obra de arte.
Para Jauss, o desprestígio do prazer estético determina a rejeição da arte por inteiro,
conduta implícita em teorias que se recusam a aceitar a validade da experiência do leitor
ou que a discriminam encarando-a tão somente como efeito da indústria cultural e dos
produtos destinados ao consumo (Zilberman, 1989, p. 53).

É preciso observar que o oponente mais direto de Jauss, no que se refere a essas
questões, é Theodor W. Adorno. Em linhas gerais, nos termos da estética da
negatividade de Adorno, a dimensão (ou vocação) comunicativa da obra de arte
revela, não apenas a sua tendência para a massificação, como também, por conta
disso, o seu comprometimento com os valores da classe dominante que uma arte
verdadeiramente revolucionária deveria combater.
Ao recusar (ou negar) a função comunicativa da obra de arte, Adorno está, na
verdade, zelando por sua autonomia, pois considera que uma arte não autônoma,
necessariamente, degenera em ideologia, quando é alimentada pelos valores que vêm
de fora. A arte verdadeiramente emancipadora, nestes termos, deve ser livre de
qualquer influência externa, operando exclusivamente a partir de suas relações
internas. Por conta disso, Adorno tende a valorizar apenas o experimentalismo, um
exemplo disso é a grande importância que ele confere à fase atonal pré-dodecafônica
da música de Arnold Schoenberg. No entanto, a fase dodecafônica de Schoenberg já
não é celebrada por Adorno, porque, entende ele, que o dodecafonismo (contaminado
de ideologia) reflete a mecânica da ‘razão administrada’ – legitimadora da ideologia

  49  
burguesa – denunciada por ele e por Max Horkheimer em A Dialética do
Esclarecimento.
Retomando Jauss, é preciso observar que ele, no que diz respeito às vanguardas ou
à arte experimental, não é um conservador. Muito pelo contrário, podemos dizer que
sua recusa para com a literatura de massa, bem como para com os produtos da cultura
midiática, o aproxima de Adorno. O que ele não aceita é a idéia de que a arte de
vanguarda ou experimental não deseje se comunicar com o público, ou ainda, que o
público não sinta – ou não possa sentir – prazer diante de obras contemporâneas
originais. Postura oposta, portanto, à de Babbitt (quando se considera a sua defesa do
compositor como especialista, de uma música feita por músicos e para músicos
apenas), exemplo de um projeto teórico-musical que se volta para dentro, “para o
refúgio privado da oficina do compositor”, onde “a teoria de composição é valorizada
primordialmente pelo que possibilita ao teórico fazer enquanto compositor de música
nova, e só secundariamente pelo que lhe diz, ou a qualquer outra pessoa, acerca da
música já composta” (Kerman, 1987, p.125). Sobre isso, em relação a Jauss, escreve
Regina Zilberman:

A validade da experiência estética como simultaneamente prazer e conhecimento não


impede Jauss de atribuir-lhe função transgressora (...). Para Jauss, a circunstância de a
obra contrariar um ‘sistema de respostas’ ou um código atua como estímulo para que se
intensifique o processo de comunicação: a obra se livra de uma engrenagem opressora e,
na medida em que recebida, apreciada e compreendida pelo seu destinatário, convida-o a
participar desse universo de liberdade (Zilberman, 1989, p. 56).

Como foi visto, o ponto de partida para as reflexões de Jauss é a recepção, ou seja,
a experiência estética. Esta, por sua vez, reúne três momentos complementares e
simultâneos, são eles: a poiesis, a aisthesis e a kathasis. Nas palavras de Jauss:

A conduta de prazer estético, que é ao mesmo tempo liberação de e liberação para,


realiza-se por meio de três funções: para a consciência produtora, pela criação do mundo
como a sua própria obra (poiesis); para a consciência receptora, pela possibilidade de
renovar a sua percepção, tanto na realidade externa, quanto na interna (aisthesis); e, por
fim, para que a experiência subjetiva, pela anuência ao juízo exigido pela obra, ou pela
identificação com normas de ação predeterminadas e a serem explicitadas (Jauss, 1979,
p. 81).

Em resumo, o momento da poiesis diz respeito à participação do leitor na produção


do texto; a aisthesis é o momento em que se amplia o conhecimento que o fruidor tem
do mundo; por fim, a kathasis, se refere ao processo durante o qual o leitor se
identifica com a obra, a ponto desta afetar as suas possibilidades existenciais

  50  
emancipando-o de seu lugar comum. A fronteira entre estes três momentos parece não
ser muito rígida:

A função comunicativa da experiência estética não é necessariamente mediada pela


função catártica. Também pode decorrer da aisthesis, quando o observador, no ato
contemplativo renovante de sua percepção, compreende o percebido como uma
informação acerca do mundo do outro ou quando, a partir do jogo estético, se apropria de
uma norma de ação. A atividade da aisthesis, contudo, também pode se converter em
poiesis. O observador pode considerar o objeto estético como incompleto, sair de sua
atitude contemplativa e converter-se em co-criador da obra, à medida que conclui a
concretização de sua forma e de seu significado (Jauss, 1979, p. 82).

Dado os limites desse relatório, não sobra espaço aqui para uma apresentação das
categorias metodológicas desenvolvidas por Jauss em sua Estética da Recepção. O
que gostaríamos de destacar e reiterar é o compromisso é o compromisso de uma
teoria que se desenvolve a partir do prazer da experiência estética, como ele mesmo
reforça, “em todas as relações entre as funções, a comunicação literária só conserva o
caráter de experiência estética enquanto a atividade da poiesis, da aisthesis ou da
kathasis mantiver o caráter de prazer (Jauss, 1979, p. 82).
Um modelo de análise musical fundado no compromisso com o prazer da
experiência estética ainda está para ser desenvolvido. Acreditamos que as discussões
levantadas pela Estética da Recepção podem representar um bom começo.

 
         

  51  
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Atividades desenvolvidas durante o Pós-Doutorado:

1- Participou do 6˚ Encontro de Música e Mídia: Música de/para, realizado


nos dias 15, 16 e 17 de setembro de 2010, apresentando o trabalho “A
composição em meios eletrônicos: algumas questões teóricas”.

2- Participou do III Encontro Nacional de Pesquisadores em Filosofia da


Música, no período de 28 a 30 de setembro de 2010, apresentando o trabalho
“Música e recepção: por um paradigma estético”.

3- Participou do IV World Congress on Communication and Arts,


apresentando o trabalho “Algumas questões sobre a composição musical em
suportes digitais e a técnica do bricolage” em 20 de abril de 2011.

4- Participou do IV World Congress on Communication and Arts,


apresentando o trabalho “Música e recepção: por um paradigma estético” em
20 de abril de 2011.

5- Coordenou as apresentações da mesa PT2A do IV World Congress on


Communication and Arts, em 20 de abril de 2011.

6- Coordenou as apresentações de trabalhos na mesa Direito Civil no 18˚


SIICUSP – Simpósio Internacional de Iniciação Científica na área de
Humanas e Humanidades da Universidade de São Paulo, realizado no
período de 16 a 18 de novembro de 2010 na Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.

7- Coordenou as apresentações de trabalhos na mesa Estereótipo e identidade


nas questões de raça e gênero no 18˚ SIICUSP – Simpósio Internacional
de Iniciação Científica na área de Humanas e Humanidades da
Universidade de São Paulo, realizado no período de 16 a 18 de novembro de
2010 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

8- Coordenou as apresentações de trabalhos na mesa Educação e Meio


Ambiente II no 18˚ SIICUSP – Simpósio Internacional de Iniciação
Científica na área de Humanas e Humanidades da Universidade de São
Paulo, realizado no período de 16 a 18 de novembro de 2010 na Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

9- Coordenou as apresentações de trabalhos na mesa Educação Física e


Corporalidade no 18˚ SIICUSP – Simpósio Internacional de Iniciação
Científica na área de Humanas e Humanidades da Universidade de São
Paulo, realizado no período de 16 a 18 de novembro de 2010 na Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

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Textos publicados durante o Pós-Doutorado:

1- Por uma música encarnada: reflexões sobre a composição em meios


eletrônicos. In: Anais do World Congress on Communication and Arts WCCA
2010. Guimarães – Portugal, 2010 (ISBN 978-85-89120-80-7 & ISBN 978-
89549-76-9).

2- A composição em meios eletrônicos: algumas questões teóricas. In: Anais do


6˚ Encontro de Música e Mídia: Música de/para. São Paulo: Escola de
Comunicações e Artes da USP, 2010 (ISBN 978-85-62959-06-6).

3- Algumas questões sobre a composição musical em suportes digitais e a técnica


do bricolage. In: Anais do IV World Congress on Communication and Arts
WCCA 2011. São Paulo, 2011 (ISBN 978-85-89120-91-3 & ISBN 978-85-
89549-87-5)

4- Música e recepção: por um paradigma estético. In: Anais do IV World


Congress on Communication and Arts WCCA 2011. São Paulo, 2011 (ISBN
978-85-89120-91-3 & ISBN 978-85-89549-87-5)

5- Sobre música, bricologe e novas tecnologias. In: Sitientibus: revista da


Universidade Estadual de Feira de Santana, n˚ 41. ISSN 0101-8841 (a ser
lançada em breve).

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Anexos: cópia dos certificados e dos textos publicados

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