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Hermenêutica Bíblica

1. Origem do Termo

A palavra “hermenêutica” deriva do verbo grego hermeneuo e do substantivo


hermeneia. Esses termos estão ligados a Hermes, o deus-mensageiro da mitologia
grega. Sua missão era transformar o que estava além do entendimento humano em
algo que a inteligência humana pudesse assimilar. Hermes era o mensageiro ou
intérprete dos deuses e principalmente do pai, Zeus. Sendo assim, o verbo
hermeneuo passou a significar o ato de levar alguém a compreender algo em seu
próprio idioma (explicar) ou em outra língua (traduzir).

2. Definição
A ciência e a arte da interpretação bíblica. (Henry Virkler)

A prática ou a disciplina da interpretação. (Robert Stein)

A ciência que nos ensina os princípios, as leis e os métodos de interpretação. (Louis


Berkhof)

3. Elementos Envolvidos na Interpretação

Autor Texto Leitor

- Todo documento/texto tem um autor.

- O texto é moldado pela intenção desse autor.

- É essa intenção do autor que devemos buscar recuperar.

- O texto não deve ser interpretado da maneira que o leitor preferir.

- O texto não é autônomo! Não existe à parte do seu autor.


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4. A Necessidade da Hermenêutica

Um dos maiores motivos por que a Bíblia é um livro difícil de entender é o fato
de ser antigo. Alguns dos livros foram escritos há mais ou menos 3.400 anos, sendo
que o último deles (Apocalipse) foi escrito há cerca de 1.900 anos. Isso mostra que,
na hermenêutica, precisamos tentar transpor vários abismos que se apresentam
pelo fato de termos em mãos um livro tão antigo.

 O abismo do tempo (cronológico)


Uma gigantesca lacuna temporal separa-nos dos autores e dos primeiros
leitores da Bíblia. Como não estávamos lá, não podemos conversar com os autores
e com os primeiros ouvintes e leitores para descobrir de primeira mão o significado
do que escreveram.

 O abismo do espaço (geográfico)


Atualmente, a maior parte dos leitores da Bíblia vive a milhares de
quilômetros de distância dos países onde se deram os fatos bíblicos. Essa distância
geográfica deixa-nos em desvantagem.

 O abismo dos costumes (cultural)


Existem grandes diferenças entre a maneira de agir e de pensar dos
ocidentais e a dos personagens das terras bíblicas. Portanto, é importante conhecer
as culturas e os costumes dos povos dos tempos bíblicos. Muitas vezes, a falta de
conhecimento de tais costumes gera interpretações errôneas.

 O abismo do idioma (linguístico)


Existe uma enorme lacuna entre nossa forma de falar e de escrever e a dos
povos bíblicos. Os idiomas em que a Bíblia foi escrita – hebraico, aramaico e grego
– têm singularidades estranhas à nossa língua

 O abismo da escrita (literário)


Existem diferenças entre os estilos e as formas de escrita dos tempos bíblicos
e os do mundo ocidental moderno (provérbios, parábolas, linguagem figurada).

 O abismo espiritual (sobrenatural)


O fato de a Bíblia ser um livro sobre Deus coloca-a numa posição singular.
Deus, que é infinito, não pode ser plenamente compreendido pelo que é finito. A
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Bíblia relata os milagres de Deus e suas predições sobre o futuro. Ela também fala
de verdades difíceis de ser assimiladas, tais como a Trindade, as duas naturezas
de Cristo, a soberania de Deus e a vontade humana. Todos estes fatores,
somados a outros, agravam a dificuldade que temos de entender plenamente todo
o conteúdo das Escrituras.

5. A Tarefa da Hermenêutica

A tarefa da hermenêutica é:

♦ Remover as diferenças ou ligar o abismo histórico-cultural existente entre os


escritores bíblicos e os leitores/intérpretes modernos;

♦ Descobrir o significado pretendido pelo autor original;

♦ Compreender as implicações legítimas do significado pretendido pelo autor;

♦ Descobrir e demonstrar a significação do texto, ou seja, a sua aplicação para os


dias de hoje e situações do presente.

I. Princípios Gerais de Interpretação

1. Trabalhe partindo da pressuposição de que a Bíblia tem


autoridade.

Nas questões de religião o cristão se submete, consciente ou


inconscientemente, a uma das seguintes autoridades: A tradição, a razão, ou as
Escrituras.

 A tradição – Para a Igreja Católica Romana a tradição é o supremo tribunal


de recursos. O texto bíblico é interpretado conforme a Igreja o tem visto ao
longo da história. (A doutrina da Virgem Maria)

 A razão - Boa parte do protestantismo foi profundamente influenciada pelo


racionalismo do século XVII. Aqueles que se renderam aos princípios
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racionalistas são conhecidos como Liberais. Para o liberalismo a razão é o


supremo tribunal de recursos, o árbitro da verdade. (Concepção virginal de
Cristo não é nem racional nem essencial à fé)

 As Escrituras – O cristão fiel considera as Escrituras o supremo tribunal de


recursos. As Escrituras é quem define o que a igreja crê sobre Maria e sobre
a concepção virginal de Jesus.

Em caso de conflito entre a tradição, a razão e as Escrituras, a primeira lei da


interpretação diz que a Bíblia é o supremo tribunal de recursos. Para o cristão a
Bíblia tem e sempre terá autoridade.

2. A Bíblia é seu intérprete; a Escritura explica melhor a Escritura.

Quando estudar a Bíblia, deixe-a falar por si mesma. Não lhe acrescente nem
lhe subtraia nada. Deixe que a Bíblia seja o seu próprio comentário. Compare
Escritura com Escritura.

Exemplos: Mt 1.23 esclarece que a palavra hebraica (mulher jovem ou

virgem) usada em Is 7.14 deve traduzida por “virgem”.

At 7.1-3 define com exatidão o lugar onde Abrão estava quando


foi chamado por Deus em Gn 11.31-12.5.

3. Interprete a experiência pessoal à luz da Escritura, e não a


Escritura à luz da experiência pessoal.

O Novo Testamento contém três tipos principais de literatura: narrativa, didática


e apocalíptica. Os textos narrativos relatam acontecimentos e experiências ligadas à
vida de Jesus, dos apóstolos e outros personagens. Tais acontecimentos e
experiências podem ilustrar verdades eternas ou princípios imutáveis, mas não
podem usadas para formular doutrinas.
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Doutrinas universais e válidas para os cristãos em todas as épocas e lugares


são construídas sobre textos didáticos. Textos didáticos definem a doutrina, e os
textos narrativos, ilustram.

Por exemplo, o livro de Atos relata diversas experiências de grupos de


pessoas distintas em ocasiões diferentes relacionadas ao dom de línguas (At 2.1-4;
10.44-46; 19.6). Não podemos elaborar o ensino acerca desse dom com base
nessas experiências, mas, por exemplo, no que Paulo ensina em 1Co 12 – 14.

Esse princípio se aplica hoje para toda e qualquer experiência que alguém
possa ter com Deus. As experiências precisam ser avaliadas à luz das Escrituras, e
não as Escrituras à luz das experiências. As Escrituras definem a doutrina, e as
experiências atestam a sua validade.

II. Análise Histórico-Cultural

Para se chegar ao significado pretendido pelo escritor sagrado, é necessário


considerar o ambiente histórico-cultural e contextual do autor. Ou seja, é preciso
considerar a situação histórica geral bem como as circunstâncias específicas que
envolviam o autor e seus destinatários.

Gordon Fee entende que é necessário determinar o contexto histórico, ou


seja, o pano de fundo histórico de um determinado documento.

Berkhof entende que pelo fato da Palavra de Deus ter se originado de modo
histórico, ela só pode ser entendida à luz da história. Ele entende que no processo
de interpretação é preciso levar em conta o lugar, o tempo, as circunstâncias e as
concepções prevalecentes do mundo e da vida em geral dos escritores e
destinatários.
No capítulo onde trata do pano de fundo histórico e cultural das Escrituras,
Grant Osborne diz: “Considerando-se que o cristianismo é uma religião histórica, o
intérprete deve reconhecer que uma compreensão da história e cultura dentro da
qual a passagem foi produzida é um instrumento indispensável para descobrir o
significado de tal passagem” (p.198).
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Para se fazer uma análise histórico-cultural e contextual, é de suma


importância fazer algumas perguntas:

 Qual o ambiente histórico-cultural em que o autor escreveu?


 Quem foi o autor e para quem ele estava escrevendo?
 Qual o propósito do autor ao escrever este livro?
 Quais as circunstâncias históricas, políticas e religiosas do autor e seus
destinatários?
 Quais os costumes cujo conhecimento esclarecerá o significado do texto?

Exemplos: Gl 1.6-9 – Que outro evangelho era esse? Alguns judeus convertidos à
fé cristã (judaizantes) passaram nas igrejas da Galácia e ensinaram que, além da fé
em Jesus, os crentes gentios deveriam guardar a lei de Moisés e se circuncidar para
serem salvos (At 15.1; Gl 5.1-6).

Mc 7.11 – O que era o costume chamado pelos fariseus de Corbã? Na


prática do corbã um homem poderia declarar que todo o seu dinheiro iria para o
tesouro do templo quando ele morresse, e, uma vez que o dinheiro pertencia a
Deus, já não lhe cabia a responsabilidade do sustento dos pais idosos.

Mc 14.12-14 – Na antiga Palestina, carregar água era considerado


trabalho de mulher; normalmente não se via homens carregando cântaros de água.
Essa informação não deixaria dúvida acerca de quem eles deveriam seguir.

Pv 22.28 – É uma proibição contra um tipo de furto específico. O


“marco”, aqui, refere-se ao poste que indicava o fim da propriedade de certa pessoa
e o começo da do seu vizinho. Na época, era relativamente fácil aumentar a área de
uma propriedade mudando “os marcos”.

III. Análise Contextual e Léxico-sintática

Este princípio aponta para a necessidade de se interpretar um texto em


relação com o seu contexto.
Virkler diz que essa análise considera a relação de uma passagem com o
corpo todo do escrito de um autor.
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Gordon Fee fala desse mesmo princípio sob o título “Contexto Literário”. Para
ele, as palavras somente fazem sentido dentro de frases, e, na sua maioria, as
frases na Bíblia somente tem significado em relação às frases anteriores e
posteriores.
Robert Stein diz que “o significado específico de uma declaração é
determinado pelo contexto”. É através do contexto (frase, parágrafo, capítulo) que o
autor revela o significado específico pretendido.
Berkhof diz que “a Bíblia foi escrita em linguagem humana e
consequentemente deve, antes de tudo, ser interpretada gramaticalmente”. Para ele
a interpretação gramatical inclui o estudo do significado das palavras isoladas
(etimologia, uso corrente das palavras, o uso de palavras sinônimas) e o significado
das palavras no seu contexto.
Cada escritor sagrado teve uma razão particular para escrever seu livro. No
desenvolver de sua argumentação há uma conexão lógica entre uma seção e a
seguinte. Sendo assim, a passagem precisa ser interpretada em harmonia com o
seu contexto. Esta é uma das regras essenciais de interpretação.

Exemplos: Is 41.6 – Nessa passagem, quem ajudou quem? Quem animou quem?
Mt 6.33 – A expressão “todas estas coisas” é uma referência a quais
coisas?
Ef 3.1-4 – Nessa passagem, o que é o “mistério de Cristo”?
Jo 10.10 – Nesse versículo, o “ladrão” é uma referência a quem?

Um princípio estritamente ligado a esse diz respeito à interpretação de


“palavras”. Uma palavra possui uma extensão de significados possíveis e é tarefa
do intérprete descobrir o significado específico pretendido pelo autor ao usar uma
determinada palavra. E, para cumprir essa tarefa, o contexto fornecido pelo autor é
essencial para o intérprete fazer a escolha certa dentre os significados possíveis. “O
contexto que ele fornece presta enorme auxílio para reduzir os significados possíveis
a apenas um significado específico”.
Grant Osborne diz que “cada palavra tem muitos significados, e o significado
que um autor lhe dá depende do contexto do momento e não tanto do uso da
mesma palavra em contextos anteriores”. Ou seja, “o contexto imediato tem a última
palavra nas decisões sobre o significado de um termo ou contexto”.
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Sendo assim, uma palavra precisa ser interpretada em relação à sua


sentença e ao seu contexto.

Exemplos:

 Fé
Gl 1.23 – a doutrina do evangelho.
Rm 14.23 – convicção de que é isto que Deus quer que se faça.
1Tm 5.11, 12 – penhor ou promessa feita ao Senhor.

 Sangue
Hb 9.6, 7 – fluido vermelho que circula nas veias e artérias dos animais
Ef 1.7 – morte expiatória de Cristo
Mt 27.4 – pessoa inocente

 Carne
Gn 2.23, 24 – uma referência à carne que compõe corpo humano.
Rm 8.5-8 – Uma referência à “natureza pecaminosa” do ser humano.
At 2.17 – Uma referência às pessoas.
Jo 1.14 – ser humano.
Rm 9.8 – nascimento natural.
Hb 5.7 – vida neste mundo.
Jd 7 – imoralidade sexual.

Atividade
- Leia Rm 15.1; 14.1-6; 13-23 e responda: Quem são os “fracos” e quem são os
“fortes”?
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IV. Análise Teológica

Berkhof entende que há muita coisa que não pode ser explicada mediante
uma interpretação histórica e gramatical, como por exemplo, o fato de ser a Bíblia a
Palavra de Deus; o fato de que a Bíblia é um todo orgânico, do qual cada livro em
particular, é parte integrante; o fato de que o VT e o NT se relacionam como tipo e
antítipo, profecia e cumprimento, germe e perfeito desenvolvimento. Por esta razão,
diz ele, “não é apenas perfeitamente possível, mas absolutamente necessário,
complementar a interpretação histórica e gramatical com um terceiro tipo – a
interpretação teológica”.
Virkler diz que a análise teológica estuda o nível de compreensão teológica
na época da revelação a fim de averiguar o significado do texto para seus primitivos
destinatários. Para isso, ela leva em conta textos bíblicos relacionados, quer dados
antes, quer dados depois da passagem em estudo. Para Virkler, a pergunta
fundamental feita na análise teológica é: “Como esta passagem se enquadra no
padrão total da revelação de Deus?”
Portanto, “uma doutrina não pode ser considerada bíblica, a não ser que
resuma e inclua tudo o que a Escritura diz sobre ela" (HENRICHSEN, 7ª edição,
1997, p.64). Nessa mesma linha de raciocínio, Osborne declara que “as doutrinas
não devem ser formuladas em cima de uma única passagem, mas, ao contrário,
devem resumir tudo o que as Escrituras afirmam sobre o tema em questão” (p.35).
Exemplos:

Rm 3.28; 5.20; 10.4; Gl 5.18 – A graça de Deus nos livra de qualquer obrigação de
vivermos uma vida santa e disciplinada? (Rm 6.1-4)

Jo 14.13, 14; 16.23 – Temos aqui a garantia que receberemos tudo que pedirmos
em nome de Jesus? Tudo que pedirmos em nome de Jesus, inevitavelmente,
receberemos? (Jo 15.7; 1Jo 5.14, 15; Tg 4.3)
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V. Análise Literária

Lidando com Gêneros Literários

A hermenêutica bíblica divide-se em duas subcategorias: Geral e a especial.


A hermenêutica geral é o estudo dos princípios que regem a interpretação do texto
bíblico inteiro. Ou seja, é estudo das regras gerais de interpretação. A
hermenêutica especial é o estudo dos princípios que regem a interpretação dos
gêneros literários específicos. Ou seja, é o estudo das regras específicas de
interpretação.
No processo de comunicação da Palavra de Deus, os escritores bíblicos
fizeram uso dos vários gêneros literários disponíveis na língua comum a eles e aos
seus destinatários. Ao fazerem isso, conscientemente, se submeteram às normas de
linguagem. Nesse caso, o “método do bom senso” é o mais indicado; ou seja,
interpretar de acordo com as demais formas de comunicação verbal, respeitando as
regras aplicáveis a cada literatura específica: profecia, poesia, prosa, provérbios,
epístolas, parábolas, literatura apocalíptica, etc.
Para interpretar corretamente os textos bíblicos não é suficiente conhecer
somente as regras gerais, mas é necessário também aprender as regras específicas
que se aplicam a cada forma literária. Robert Stein diz que “é também, importante
que o leitor compreenda a forma literária empregada pelo autor, pois cada uma é
regida por regras diferentes”.
Existem várias formas literárias na bíblia, cada uma com suas próprias regras
de interpretação. Por isso, precisamos saber as várias regras envolvidas na
interpretação desses diferentes gêneros literários. Perceber as características dos
gêneros antigos é uma chave para interpretar os textos bíblicos (Osborne, p.228).
Osborne afirma que “o gênero ou tipo de literatura em que se encontra determinada
passagem fornece ‘as regras dos jogos de linguagem’ (Wittgenstein), ou seja, os
princípios hermenêuticos pelos quais se interpreta o texto” (p.32).
Falando especificamente da interpretação do Apocalipse, Fee e Stuart
afirmam: “ Assim como acontece com a maioria dos demais gêneros bíblicos, a
primeira chave à exegese do Apocalipse é examinar o tipo de literatura que é”.
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1. Parábolas
A parábola é um tipo de linguagem figurada em que se fazem comparações.
É uma história baseada em fatos do cotidiano com o objetivo de ilustrar e aclarar
uma verdade. Pode-se ainda dizer que parábola é uma forma literária imaginária
composta de duas partes: Uma de ficção (a história em si mesma), e, outra, real (a
comparação com a qual é parecida).

1.1. A Finalidade das parábolas

As parábolas tinham duas finalidades básicas: (Mt 13.10-13; Mc 4.10-12)

- Revelar verdades aos crentes, aos seguidores de Jesus.

- Ocultar a verdade “aos de fora”, aos que endurecem o coração contra ela.

Os mestres da lei anteriormente já haviam demonstrado endurecimento de


coração (Mt 12.24; Mc 3.22). Sendo assim, não tinham condições de compreender o
significado das parábolas de Jesus.

Osborne diz que nas controvérsias com os líderes e com o Israel incrédulo,
uma grande parte do objetivo das parábolas era esconder a verdade deles. Esse era
um julgamento divino sobre um Israel teimoso, comparável ao julgamento do faraó
(Osborne, p.376-377). Por rejeitarem a mensagem de Jesus, Deus endurecia ainda
mais o coração deles por meio das parábolas.

No entanto, parece claro que Jesus tinha um objetivo maior aos usar parábola:
desafiar o povo e suscitar-lhe uma resposta. As multidões são forçadas a tomar
uma decisão pró ou contra Jesus; as parábolas as toca e as leva à decisão.

1.2. Princípios básicos de interpretação de parábolas

- Identifique o problema, a pergunta ou a situação que originou a parábola.

Exemplos: Parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 22.1-16)

Parábola do filho pródigo (Lc 15.11-31)


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- Identifique a verdade principal que a parábola ilustra

Geralmente uma parábola ensina uma única verdade. Quando Jesus


explicava uma parábola, quase sempre explicava uma única verdade espiritual. Ele
não costumava fazer analogias de todos os detalhes das parábolas que contava (Mt
13.18-23; 37-39 são exceções)
Portanto no estudo das parábolas, devemos procurar o seu ponto principal e
não explorar os detalhes. Para isso, devemos levar em consideração a introdução e
a conclusão de uma parábola. As introduções, e especialmente as conclusões
contêm as diretrizes que nos ajudam a encontrar o significado pretendido por Jesus
e pelo autor bíblico.
Exemplos: Mt 18.21, 35; 22.14; 25.13

Lc 10.29, 36; 12.15, 21; 15.7, 10; 18.1, 9

Estudiosos como Blomberg e Osborne discordam da escola do “ponto


único” de Jülicher e Jeremias. Eles entendem que cada parábola deve ser
interpretada individualmente, e o intérprete deve estar aberto à possibilidade de
pontos secundários, de acordo com o que o texto determinar (Jo 15.1-8; 10.1-6).
Apesar de pensar assim, Osborne é cauteloso e afirma: Podemos falar de
parábolas alegóricas, mas não alegorizar por conta própria. Não existe licença para
os intérpretes fazerem o que bem entendem com os detalhes.
Osborne entende que existem indicações que parábolas são de fato alegorias,
apesar de firmemente controladas pela intenção do autor (p.379).

OBS. Hoje temos consciência que os autores dos evangelhos não eram simples
redatores dos ensinos de Jesus, mas também seus intérpretes. Cada evangelista se
sentiu livre para explicar, esclarecer, aplicar, abreviar ou reordenar esses materiais,
sob a orientação do Espírito de Deus.
Em algumas ocasiões os evangelistas pegaram uma parábola de Jesus,
originalmente endereçada a um público específico, e aplicaram o mesmo padrão de
significado a uma nova situação.
Exemplos: Parábola da ovelha perdida (Lc 15.3-7; Mt 18.12-14)
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Mateus e Lucas as usaram em diferentes situações e lhes deram uma ideia


central ligeiramente diferente. Mas, duas coisas precisam ser levadas em
consideração:

(1) Sendo Jesus um pregador itinerante, ele poderia usar parábolas em mais
de um lugar. Se o caso foi, então não se trata da interpretação dos
evangelistas, mas do próprio Jesus.
(2) Não possuímos licença para retirar as parábolas de seus cenários
históricos e interpretar múltiplos significados nelas.

2. Provérbios

Vejamos algumas definições de provérbios:

“Provérbios são declarações generalizadas que cobrem o mais vasto número de


casos, mas nenhum deles deve ser considerado um conjunto de regras inflexíveis a
serem aplicadas a todos os casos sem exceção.”

(Walter C. Kaiser Jr.)

“Provérbios são declarações sucintas que geralmente empregam linguagem


metafórica para expressar uma verdade geral.”

(Robert H. Stein)

“Os provérbios ou máximas são verdades gerais fundamentadas na larga


experiência e na observação. São princípios que, em geral mostram-se
verdadeiros.” (Roy B. Zuck)

“O provérbio pode ser definido como a afirmação breve de uma verdade


universalmente aceita, formulada de um modo que possa ser memorizada.”

(Grant R. Osborne)

“Por sua própria natureza, eles são afirmações genéricas cujo propósito é
aconselhar, e não estabelecer códigos rígidos pelos quais Deus opera”

(Grant R. Osborne)
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Todos esses autores destacam que os provérbios não podem ser


considerados verdades absolutas, porque há exceções. Eles são diretrizes, não
garantias; são preceitos, não leis nem promessas. Eles, na realidade, são verdades
gerais. Portanto, um provérbio não deve ser interpretado como uma lei universal.
Os provérbios bíblicos realçam uma verdade geral relativa à vida cotidiana
a partir da perspectiva divina. Por causa de sua natureza “geral” existe a
possibilidade de exceções. As exceções, no entanto, não são razão para refutar ou
rejeitar a validade dos provérbios, pois a verdade de cada um prevalece na maioria
dos exemplos; ou seja, no maior número de casos os provérbios se mostram
verdadeiros.
Exemplos:

Pv 22.6 – Todos os filhos de crentes que aprende dos pais através do ensino
e do exemplo correspondem positivamente? Não! (Vejamos os casos de Eli e
Samuel). No entanto, na maioria dos casos, os filhos que foram instruídos, seguirão
a fé dos seus pais.

Jó 4.7, 8; 5.15 – Os amigos de Jó lançaram vários provérbios contra ele,


depois que este havia perdido riqueza, os filhos e a saúde. No entanto, esses
provérbios não se ajustavam ao caso de Jô. Seu caso era uma exceção dentro da
verdade geral ensinada nos provérbios citados.

Devido a sua forma concisa, os provérbios têm, em geral, um único ponto de


comparação ou princípio de verdade para comunicar. Forçar um provérbio em
todos os pontos de comparação leva, facilmente, em ir além da intenção do autor.

Exemplo:

Pv 31.14 – Nesse provérbio o rei Lemuel comparou a mulher virtuosa com o


“navio mercante”. Qual o seu ponto de comparação? Em que aspecto a mulher
virtuosa é como o “navio mercante”? Nas suas dimensões? Na sua circunferência?
Ela é como o “navio mercante” porque ela vai a vários lugares em busca de alimento
para a família.
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Portanto, ao interpretarmos esse gênero literário, devemos levar em


consideração (1) que provérbios funcionam como verdades gerais, (2) que as
exceções não invalidam nem desmerece a verdade ensinada em cada um, e (3)
que, em geral, os provérbios têm um único ponto de comparação.

3. Profecia

Para muitas pessoas, profecia é sinônimo de predição. Osborne diz que “o


equívoco básico em relação à literatura profética do AT é dizer que ela tem relação
principalmente com o futuro. É comum pensar que “predição” pode ser definida
como profecia” (Osbrone, p.338). Fee e Stuart afirmam que “Menos que 2 por cento
da profecia do AT é messiânica. Menos que 5 por cento especificamente descreve a
Era da Nova Aliança. Menos de 1 por cento diz respeito a eventos ainda vindouros”.
Os profetas realmente anunciaram o futuro. Mas, usualmente, era o futuro imediato
de Israel, Judá e doutras nações.
No entanto, quando lemos a literatura profética, fica claro que grande parte se
constitui de narrativa e proclamação. No Antigo Testamento um profeta é profeta é
visto mais como um proclamador da mensagem divina do que de eventos futuros.
Ou seja, o seu ministério estava mais relacionado à proclamação do que predição.
Sendo assim, ver os profetas como sendo primariamente preditores dos
eventos futuros é perder de vista sua função primária, que era proclamar a
mensagem de Deus para os seus contemporâneos.
O aspecto da profecia, no entanto, que é mais difícil de ser interpretado é
aquele que trata da previsão. O número de previsões sobre o futuro dentro da bíblia
é impressionante. De acordo com os cálculos de J. Barton Payne dos 31.124
versículos existentes na bíblia, 8.352 deles contêm algum tipo de previsão. Ou seja,
27% da bíblia trata de previsões futuras. Os únicos livros que não contêm previsões
são Rute e Cantares no Antigo Testamento e 3 João no Novo Testamento.
Diante de tais informações, vejamos algumas diretrizes que devem ser
levadas em consideração no estudo das profecias bíblicas.
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3.1. Considere o contexto cultural e as circunstâncias em que os profetas


transmitiram as suas mensagens.
Os profetas costumavam falar de circunstâncias da época, às vezes indicando
o que Deus haveria de fazer num futuro próximo e outras vezes referindo-se a
eventos que se cumpririam num futuro distante. Fato é que as palavras de Deus por
eles proclamadas não estavam desvinculadas do curso da história.

Moisés, Samuel, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel e cada um dos doze


profetas de Oséias a Malaquias, bem como os profetas do Novo Testamento,
falaram a palavra profética de Deus dentro de seu contexto cultural.

3.2. Considere o sentido normal, gramatical das palavras proféticas.


Toda profecia tinha intenção de comunicar uma compreensão adequada do
futuro para os ouvintes que a recebiam. Sendo assim, as palavras da profecia
devem ser compreendidas em seu sentido gramatical e normal. As regras da
interpretação gramatical devem ser aplicadas tanto à literatura profética quanto à
não profética.
Não se pode negar, no entanto, que a linguagem figurada e simbólica é muito
utilizada nos textos proféticos. Sendo assim, deve-se adotar o sentido normal das
palavras, a não ser diante da existência de uma figura de linguagem ou simbolismo.
Uma “regrinha” que nos ajuda a identificar o uso de linguagem figurada ou simbólica
é: “Quando o sentido normal de uma afirmação indicar impossibilidade ou falta de
lógica, está caracterizado o emprego de linguagem figurada.” (Roy B. Zuck, p. 280)

Exemplos:

Is 40.3, 4 citada por Lucas em Lc 3.3-6 – Se essa profecia fosse interpretada


literalmente, requereria mudanças geográficas e topográficas no planeta.

Ap 6.12-14 – Sabe-se hoje que muitas estrelas são maiores que a terra e
que a abóbada da terra é uma ilusão de ótica.
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3.3. Considere o princípio da “perspectiva” profética


A perspectiva profética é um fenômeno que mescla tanto os aspectos
próximos quantos os distantes da previsão de uma profecia ou visão. Os profetas
costumavam misturar esses dois aspectos e, em geral não entediam como se
desenrolariam. Pedro escreveu acerca disso (1Pe 1.10, 11).

Ao olharem para o futuro, muitas vezes os profetas vislumbravam as duas


vindas de Cristo como se fossem os picos de duas montanhas separadas por um
vale. Eles viam os picos e não os vales. Eles não conseguiam enxergar o espaço de
tempo que separava a primeira vinda da segunda.

Exemplo: Jesus leu Is 61.1, 2 na sinagoga de Nazaré, no v.2a e que


aquela profecia estava sendo cumprida naqueles dias. Por que ele não leu até o
fim? A segunda parte do versículo 2 se cumprirá apenas na sua segunda vinda.
Mas, No AT, Isaías vislumbrou como um único acontecimento.

Na maior parte do tempo, os profetas não tinham consciência de que na


mesma visão existia uma infinidade de detalhes que estavam apenas começando a
vislumbrar.

Exemplos:

A profecia de Joel 2.28-32 se cumpriu parcialmente em At 2.16-21. O


cumprimento final dessa profecia ainda está reservado para dias futuros.

A profecia de 2Sm 7.12-16 teve um cumprimento histórico em Salomão e


aguarda um cumprimento final na pessoa de Jesus.

3.4. Faça a distinção entre profecia incondicional e condicional


As profecias da bíblia podem ser classificadas tomando-se como base seu
cumprimento: Condicional e incondicional. No geral, esses tipos de profecias são
acompanhados de indicadores no texto que ajudam o leitor ou intérprete a distinguir
entre eles.

 Profecia Incondicional – As promessas contidas nesse tipo de profecia são


unilaterais no sentido de que não dependem de forma alguma da obediência ou
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cumprimentos humanos para que elas se cumpram. Estão normalmente ligadas à


aliança.
Exemplos:

Gn 15.7-18 – Deus fez aliança com Abraão e assumiu sozinho a obrigação,


passando entre as metades dos animais que haviam sido cortados. Abraão não
passou pelo corredor. Isso caracteriza a aliança unilateral e, portanto, incondicional
da parte de Deus.

2Sm 7.8-16 – A promessa de uma dinastia para Davi e seus descendentes.

Jr 31.31-34 – A promessa de uma nova aliança.

 Profecia Condicional – A característica mais marcante dessas profecias é


que cada uma tem um “se” ou um “a menos que”. Pode aparecer de forma explícita
no texto ou, mais frequentemente, implícita.
Exemplos:

Dt 28.1, 2, 15; Lv 26.3, 14 – Todas as profecias condicionais estão baseadas


nesses dois textos.

Jn 3.4 – No caso dessa profecia de Jonas não havia uma promessa explícita
de que, se o povo se arrependesse, seria poupado. As profecias de julgamento são
condicionais. A regra para esse tipo de profecia encontra-se em Jeremias 18.7-10.

3.5. Procure a interpretação divinamente embutida no texto


Às vezes os próprios textos proféticos trazem as interpretações. Era comum o
caso de anjos que interpretavam os acontecimentos que os profetas vislumbravam
nas visões registradas na literatura apocalíptica.
19

Dn 2.36-45

v.37, 38 – Nabucodonosor é a cabeça, o reino babilônico

v. 39 – braços e peito de prata é o império medo-persa

v. 39 – reino de bronze, a Grécia

v. 40 – reino de ferro, o império romano

v. 44, 45 – A pedra cortada do monte, o Reino de Deus

4. Narrativas do Antigo Testamento


A Bíblia contém mais do gênero literário chamado "narrativa" do que qualquer
ou gênero. Mais de 40 por cento do Antigo Testamento é narrativa. No Novo
Testamento, grandes porções dos evangelhos e quase a totalidade de Atos também
são narrativa.

Sendo assim, pressupomos que o Espírito Santo sabia o que estava fazendo
e que esse gênero literário serve bem ao propósito de Deus no processo de sua
revelação ao ser humano.

4.1. Três níveis de narrativas


Ao lermos e estudarmos as narrativas bíblicas, devemos reconhecer que a
história está sendo contada em três níveis.

 Nível superior – é aquele que trata do plano inteiro e universal de Deus


elaborado através da sua criação. Por exemplo, a própria história da criação, a
queda da humanidade, o poder e universalidade do pecado, a necessidade da
redenção, e a encarnação e sacrifício de Cristo.
 O Nível intermediário – é aquele que trata de uma forma mais específica da
nação de Israel. Por exemplo, o chamado de Abraão, a história dos patriarcas, a
escravidão no Egito, a libertação da escravidão, a conquista da terra prometida, os
pecados de Israel, os dois cativeiros, a retorno para a Terra Santa e restauração da
nação.
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 O Nível inferior – Nesse nível encaixam-se todas as centenas de narrativas


individuais que compõem os dois outros níveis. Por exemplo, a história de José, a
história de Gideão e a sua dúvida, a história de Davi com Bate-Seba, e etc.
Ao lermos uma narrativa devemos ter em mente que cada narrativa individual do
Antigo Testamento (nível inferior) é pelo menos parte da narrativa maior do povo de
Israel (nível intermediário), a qual por sua vez faz parte da narrativa da criação de
Deus e da redenção dela (nível superior).

4.2. O que as narrativas Bíblicas não são


 Não são apenas histórias acerca de pessoas que viviam nos tempos do
Antigo Testamento. São histórias acerca daquilo que Deus fez para aquelas
pessoas e através delas. E última análise Deus é o herói de todas as
narrativas bíblicas.

 Não são alegorias, ou histórias cheias de significados ocultos.

4.3. Princípios para a Interpretação de narrativas


 Geralmente, uma narrativa não ensina diretamente uma doutrina.
Normalmente ela ilustra uma doutrina ou doutrinas ensinadas de modo
proposicional noutros lugares.
Exemplos:

A história de José filho de Jacó ilustra o que Paulo ensinou em Rm 8.28.

O relato de At 2.1-4 não deve ser usado como a base sobre a qual se constrói
a doutrina do "dom de línguas", mas, sim, 1Co 12.8-10, 28-30.

 Geralmente, em suas introduções e conclusões os autores dão dicas de como


os leitores deveriam entender e interpretar a narrativa.
Exemplos:

A introdução registrada em Êx 3.6-12 mostra os acontecimentos de Êxodo a


Deuteronômio. A conclusão registrada em Dt 34.9-12 resume o conteúdo dos livros
de Êxodo a Deuteronômio.
21

Os escritores dos evangelhos auxiliam, também, os leitores com dicas de


conteúdo apresentadas em suas introduções e conclusões (Mt 1.1; Lc 1.1-4; Jo
20.30, 31).

 Outra maneira que o autor dá dicas de como a narrativa deve ser interpretada
pelo leitor é pela repetição de temas.
Exemplo:

O autor do livro de Juízes revela seu propósito escrevendo através da


constante repetição de dois temas principais:

(1) A experiência cíclica de Israel de rebelião, retribuição, arrependimento e


restauração (Jz 2.10-19; 3.7-9; 12-15; 4.1-3). A repetição desse tema mostra
claramente que o autor está querendo ensinar que o pecado leva ao julgamento,
mas o arrependimento leva à salvação.

(2) A declaração repetida em Juízes 17.6; 18.1; 19.1; 21.25 ajuda os leitores a
compreenderem a intenção do autor. Sua intenção era mostrar que a ausência de
um rei resultou em anarquia. Assim, ele prepara seus leitores para a chegada da
monarquia.

5. Salmos
O livro dos salmos é uma coletânea de orações e hinos hebraicos inspirados.
Sem dúvida, é o maior livro da Bíblia e consiste de 150 salmos individuais
organizados em cinco livros (1-41, 42-72, 73-89, 90-106, 107-150). O número maior
de salmos é atribuído a Davi (73), mas outros são atribuídos a Asafe (12), aos filhos
de Core (11), a Salomão (2) e a Moisés (1).
Por serem basicamente orações e hinos, os salmos, pela sua própria
natureza, são dirigidos a Deus ou expressam verdades acerca de Deus em cântico.
Pelo fato de não serem proposições, nem imperativos, nem narrativas, os salmos
não funcionam primariamente para ensinar doutrina ou comportamento moral. Eles
são proveitosos quando corretamente empregados para os propósitos objetivados
por Deus que os inspirou. São de grande benefício para o cristão que deseja ter
22

ajuda da Bíblia para expressar alegrias e tristezas, sucessos e fracassos,


esperanças e pesares.

5.1. Algumas diretrizes para a interpretação dos Salmos


Conforme acontece com os demais gêneros literários, os salmos por serem um
tipo especial de literatura requerem cuidados especiais na leitura e na interpretação.

 Considere a natureza dos salmos – Salmos como poesia


Talvez a coisa mais importante da qual se deve lembrar ou interpretar os
salmos deva também ser a mais óbvia: são poemas musicais. Um poema musical
não pode ser lido da mesma maneira que se lê uma epístola ou uma narrativa. Um
salmo tem a intenção de apelar às emoções, de evocar sentimentos mais do que
pensamento proposicional. Precisamos ter consciência de que a poesia hebraica,
pela sua própria natureza, era dirigida à mente através do coração; ou seja, boa
parte da linguagem dos salmos é intencionalmente emotiva.

Portanto devemos tomar cuidado para não colocarmos exegese de mais nos
salmos a ponto de achar significados especiais em toda a palavra ou frase.
Devemos lembrar que a natureza da poesia hebraica sempre envolve paralelismo.

- Paralelismo sinônimo ou sinonímico – A segunda linha, ou a linha subseqüente,


repete ou reforça o sentido da primeira linha.

- O segundo verso repete o primeiro com acréscimo de pouco ou nenhum significado


(Osborne).
Exemplos: Sl 2.2-4; 19.1; 127.3; 73.13

- Paralelismo antitético – A segunda linha ou a linha subsequente contrasta o


pensamento da primeira. Esta é a forma mais comum de paralelismo na Bíblia.
Exemplos: Pv 3.33; 10.1; Sl 37.16, 21, 22

- Paralelismo sintético ou progressivo – A segunda linha ou verso repete ou


reproduz o pensamento do primeiro, mas ao invés de repeti-lo ou simplesmente
relacioná-lo com o anterior, adiciona um novo pensamento.
Exemplos: Mt 10.40; Sl 19.1-3
23

 É importante lembrar-se de que o vocabulário da poesia é deliberadamente


metafórico. Sendo assim, devemos tomar cuidado para procurar a intenção da
metáfora. É importante que o leitor não force as metáforas, nem as entenda
literalmente.
Exemplos: Sl 23.1; 28.1; 46.1; 84.11

 Devemos levar em consideração que os salmos são de vários tipos


diferentes. Ter consciência do tipo de salmo que está lendo é de grande importância
para o leitor compreender um salmo

É possível agrupar os salmos em sete tipos diferentes, mas alguns autores o


fazem empregando outras nomeclaturas:

(1) Salmos de lamentações – Existem mais de 60 salmos de lamentações.


Incluem lamentações individuais e coletivas. As lamentações individuais ajudam a
pessoa a expressar diante do Senhor as suas lutas, os seus sofrimentos ou a sua
decepção (Sl 3, 22, 31, 120, 139, 142). As lamentações coletivas fazem a mesma
coisa para um grupo de pessoas ao invés de para um indivíduo (Sl 12, 44, 80, 94,
137).
(2) Salmos de ações de graças – Esses salmos expressam alegria diante do
Senhor porque alguma coisa saíra bem, porque as circunstâncias eram boas, ou
porque as pessoas tinham motivo para dar graças a Deus pela sua proteção,
fidelidade e benefício. Esse tipo de salmos ajuda uma pessoa ou um grupo a
expressar pensamentos e sentimentos de gratidão (Sl 65, 124, 18, 92).
(3) Hinos de louvor – Esse tipo de salmo centralizam-se no louvor a Deus por
causa de quem Ele é, pela Sua grandeza e pela sua beneficência para com o mundo
inteiro e o seu próprio povo (Sl 8, 19, 66, 100).
(4) Salmos da História da Salvação – Esses poucos salmos tratam da história
das obras salvíficas de Deus entre o povo de Israel, especialmente seu ato de
libertá-lo da escravidão do Egito e a sua criação dele como povo (Sl 78, 105, 106,
135, 136).
(5) Salmos de Celebração e Afirmação – Nesta categoria estão incluídos vários
tipos de salmos: Liturgias da renovação da aliança (Sl 50, 81), salmos reais (Sl 2,
18, 110), salmos de entronização (24, 47, 95), Cânticos de Sião (Sl 46, 84, 122).
24

(6) Salmos de Sabedoria – Existem 8 salmos que podem ser incluídos nessa
categoria. Eles podem ser lidos lado a lado com o livro de provérbios (Sl 36, 37, 49,
73, 112, 127, 128, 133).
(7) Cânticos de Confiança – São 10 os salmos dessa categoria. Eles focalizam
sua atenção no fato de que se pode confiar em Deus, e que mesmo em tempos de
desespero, Sua bondade e Seu cuidado sua bondade e seu cuidado para com o seu
povo devem ser expressados (Sl 11, 16, 23, 27, 62, 63, 91, 121, 125, 131)

6. Literatura Apocalíptica – Apocalipse


Assim como acontece com a maioria dos demais gêneros literários, a primeira
chave para a interpretação do Apocalipse é examinar o tipo de literatura que é. Um
diferencial, no entanto, é que o Apocalipse é uma combinação de três tipos literários
distintos: O apocalíptico, a profecia, e a epístola. No entanto, o gênero literário
predominante é o apocalíptico.

6.1. Apocalipse como literatura Apocalíptica


O Apocalipse está escrito numa linguagem simbólica bem conhecida para os
seus primeiros leitores: a linguagem apocalíptica. Em nosso mundo moderno tão
distante dos tempos de João e de seus primeiros leitores, muitas das chaves de
interpretação nos são estranhas e até inacessíveis para entender hoje o mesmo livro
que foi tão claro para os seus primeiros leitores.
A apocalíptica judaica surgiu entre o século 2 a.C. e o fim do século 2 d.C.
Foram séculos de uma gravíssima crise histórica e de um grande perigo para o povo
de Deus, primeiro judeu e depois cristão. Nessa situação, alguns fiéis encontraram
uma forma genial de responder as ameaças que enfrentavam. Em meio aos
sofrimentos, esses escritores criaram um mundo simbólico de visões, de monstros
grotescos, batalhas horrendas e cataclismos celestiais a fim de infundir fidelidade e
coragem em seus leitores.
Os principais escritos apocalípticos judaicos e cristãos são: Do século 2 a.C.,
1 Enoque, Jubileus e Oráculos Sibilinos, Testamento dos Doze Patriarcas. Do século
2 d.C., Assunção de Moisés, assunção de Isaías, 2 Enoque, 2 Esdras, Apocalipse
de Baruque. Todos esses escritos têm algumas características em comum:
25

- Nasceu ou no meio de perseguições ou num tempo de grande opressão. Os


escritores apocalípticos aguardavam exclusivamente o tempo em que Deus levaria a
história a um fim violento e radical, um fim que significaria o triunfo da justiça e o
julgamento final de todo o mal.

- Seu conteúdo é apresentado em forma de visões e sonhos, e sua linguagem é


enigmática e simbólica.

- As figuras de linguagem da apocalíptica frequentemente são formas de fantasia


e não da realidade. (mostros com sete cabeças e dez chifres, mulher vestida do sol).

- Apresenta um dualismo ético: A luta na história entre o bem (Deus) e o mal


(Satanás).

- É caracterizado por uma freqüente participação de seres angélicais e


demoníacos.

- Há uma grande estima pelo uso simbólico dos números.

- Eram documentos pseudônimos. Ou seja, para dar maior credibilidade aos seus
escritos, os autores desses escritos apocalípticos usavam o nome de um grande
herói da história.

O Apocalipse de João tem a maioria das características da apocalíptica


judaica. Nasceu numa época de perseguição, seres angelicais e demoníacos
aparecem com frequência, tem a intenção de falar acerca do fim, com o triunfo de
Cristo e de sua igreja, emprega linguagem enigmática e rico simbolismo de fantasia
e de números. O grande diferencial do Apocalipse de João é que ele não é
pseudônimo. João se identificou! Ele era conhecido de seus leitores, e escreveu sete
cartas para igrejas conhecidas da Ásia Menor que eram suas contemporâneas.

6.2. Alguns princípios básicos de interpretação

 A primeira tarefa exegética do Apocalipse é procurar a intenção original do


autor.
Como no caso das epístolas, o significado primário do Apocalipse é aquilo
que João pretendeu que significasse, e que, por sua vez, deve também ter sido algo
que seus leitores poderiam ter entendido como sendo seu significado.
26

A tarefa da exegese aqui é compreender o João pretendia que seus leitores


originais escutassem e compreendessem.

 O lugar para começar sua exegese do Apocalipse é com reconstrução


provisória da situação em foi escrito.

 Visto que o Apocalipse é deliberadamente profético, devemos estar abertos à


possibilidade de um "sentido secundário", inspirado pelo Espírito Santo, mas
não plenamente percebido pelo autor ou pelos seus leitores.

 Quando o próprio João interpreta as suas próprias figuras de linguagem,


estas figuras interpretadas devem ser sustentadas com firmeza e devem
servir de ponto de partida para compreender outras.

Exemplos:

- A Quem era semelhante ao Filho do Homem? (1.17-18)

- O que são os sete candeeiros e as sete estrelas? (1.20)

- Quem é o dragão? (12.9)

- Quem é a besta? O que são as sete cabeças e os dez chifres? (13.1; 17.1-18)

 Devemos ver as visões como um todo e não forçar alegoricamente todos os


pormenores. Nesta questão, as visões são como parábolas. A visão como um
todo está procurando dizer alguma coisa.

 Os apocalipses em geral, e o Apocalipse de João em especial, raras vezes


pretendem oferecer uma narrativa detalhada e cronológica do futuro. A
preocupação maior de João é que, a despeito das aparências atuais, Deus
está controlando a história e a igreja. E embora a igreja venha experimentar o
sofrimento e morte, será triunfante em cristo, que julgará Seus inimigos e
salvará o Seu povo.
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I. Aplicação

Este último passo geralmente não é considerado como parte integrante da


hermenêutica. No entanto, cumprir corretamente todos os passos anteriores e não
desembocar numa aplicação prática para a vida do leitor moderno, não teria
nenhuma importância significativa.
Robert Stein entende que o objetivo da leitura e interpretação da Bíblia não é
apenas compreender o significado pretendido pelo autor, mas também descobrir as
implicações legítimas desse significado e sua aplicação para os nossos dias,
que ele chama de significação.
Virkler entende aplicação como o importante passo que traduz o significado
de um texto bíblico para seus primeiros ouvintes com o mesmo significado que ele
tem para os crentes em época e cultura diferentes.
Gordon Fee diz que a tarefa de interpretar envolve o leitor em dois níveis: (1)
É necessário escutar a Palavra que eles ouviram “lá e então”; (2) devemos ouvir
essa mesma Palavra no “aqui e agora”. Ouvir a Palavra no “aqui e agora” é
compreender como ela se aplica no presente; é responder adequadamente as
seguintes perguntas: O que significa agora? Como devemos nos apropriar como
Palavra de Deus para nós?
Grant Osborne argumenta que “o estudo das Escrituras só se completa
quando passa do texto para o contexto. O estudo estático o significado original de
um texto nunca deve ser um fim em si mesmo, pelo contrário, deve sempre ter como
objetivo a aplicação dinâmica do texto às necessidades concretas dos estudiosos e
o compartilhamento desse texto com outros via pregação e ensino expositivos”
(p.530). Para ele, “a tarefa do pregador é garantir que a Palavra fale tão claramente
hoje quanto falou nos tempos antigos” (p.530)
Portanto, o processo hermenêutico completo inclui a tarefa de descobrir o que
o texto significava e o que ele significa hoje.
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Referências Bibliográficas

BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. 2a edição. Rio de Janeiro:


Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1981.

FEE, Gordon D. Ouvindo a Deus, Uma abordagem multidisciplinar da leitura


bíblica. 1a edição. São Paulo: Shedd Publicações, 2001.

FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Lês?, Um Guia para


Entender a Bíblia com o Auxílio da Exegese e da Hermenêutica. 2ª edição. São
Paulo: Vida Nova, 1997.

HENRICHSEN, Walter A. Princípios de Interpretação da Bíblia. 7ª Edição. São


Paulo: Mundo Cristão, 1997.

KAISER Jr., Walter C., SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São
Paulo : Cultura Cristã, 2002.

KÖSTENBERGER, Andreas J; PATTERSON, Richard D. Convite à Intepretação


Interpretação Bíblica – A tríade hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 1ª edição,
2015.

STEIN, Robert H. Guia Básico para Interpretação da Bíblia, Interpretando


conforme as regras. 3ª edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

VIRKLER, Henry A. Hermenêutica, Princípios e Processos de Interpretação


Bíblica. São Paulo : Vida, 1990.

ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica, meios de descobrir a verdade da Bíblia.


São Paulo: Vida Nova, 1994.

OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica: Uma nova abordagem à


interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009.

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