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SOBRE A PEDAGOGIA UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA RETOR ‘Almir de Souza Maia \VICEAEITOR ACADEMIC Ely Eser Barreto César VICE REITOR ADMINISTRATIVE Gustavo Jacques Dias Alviae EDITORA UNIMEP ‘CONSELHO DE POLITICA EDITORIAL ‘Almit de Souza Maia (presidente) ‘Antonio Roque Dechen ‘Casimir Cabrera Ferata (Claudia Regina Cavaglen Elippe Blige Bosveneura Ely Eser Burroto César (vice-presidente) Francisca Cock Fontanella Gislene Garcia Franco do Nascimento Nivaldo Lemnos Coppini CCOMISSAO DELIVROS Angela Maria Cassavia Jorge Corréa Belarmino César Gulmardes da Costa Francisco Cock Fontanella (presidente) Maria Guiomar Carneiro Tomazello Nadia Kassouf Pizzinatto EDITOREXECUTIVO Heitor Amilear da Silveire Neto IMMANUEL KANT cE 20500020690 SOBRE A PEDAGOGIA Tradugéo Francisco Cock Fontanella 2* edi, revisada FBibliote [412 ZEEU 55 Cone ©1976 eo Uv aoe “aaido do original ales Ueber edaggie (Kans gesummele Schaiten, Ban IX, eniglch Reussehen Akacenie der Wissenschaften Becin/Leipig 1923, pp 461-49), ‘Cote aca com a verso ialena celzada por Angelo Vendarnni (G2, Fara, $C), tecom a vesso frances, ealzad pos Mee albert Ps: Galimard 1986), 1i6s Kase, maanuel (1725-1804) Sobre a pedagepa. Traduebo de Francisco Cock Fontnels Pe Pootabe Eom Unimen 99. 107p. Deen, (COU - 37 ~padagogia ISBN 8545541672 CCoorcenagto editorial ator Anica de Silvina Nero Alewandre Bragion ‘ Zeiss alo seceria SLi She hronete Savino gh fish gy 113i stence adminseatvo QL} fo (BM Miers ae tne i 2 2111, FEB) soa Bly hfs atET Ficha catlogeéica Regina Fraceto | ie | Capa. | P| | wey txts toe TE Teutasio detain «produto Grafica Unter Inpresse em Dupleadona Digial Kerax Docuech 135 Impressio vane Grafen ¢ cea Lada EDITORA UNIMEP ‘yom unimep br) ~editora Rodovin do Agicar, Ken 156 13400.911 — Peaccaba, S? Telefone/fax: (19) 480-1620 / 1621 E-mail. editora@unimep br Prefacio FRANCISCO COCK FONTANELLA* O presente texto (constante das Obras Completas de Immanuel Kant, Tomo IX, da edigéo da Real Academia Prussiana de Ciéncias, de 1923) foi publicado pela primeira vez por Theodor Rink, dscipulo de Kant. Diferentemente do que trax Angelo Valdarnini no proémio ao La Pedagogia Di Kant (G.B. Paravia, SC, p.22), T Rit faz remontar as prele- es de Kant fundamentalmente ao Manual da Arte Educativa, de D. Bock, colega de Kant, revelando que este néo se ateve estritamente dquele no andamento da pesquisa ¢ quanto aos principios.! Os professores de Filosofia da Universidade de Kénigsherg deviam regularmente ministrar curso de Pedagogia aos estudantes, revezando-se. M. Cramipe-Casnabet refere que as Ligées de Pedagogia foram ministradas por Kant em 1776) 77, 1783/84 e 17861872 Rink observa que a exigiidade de tempo desses cursos impediu toma redagio mais detalhada. THata-se de wm texto da segunda metade do séeulo XVII, muito conciso e de redagio ligeira.’ Além de tudo, a lingua alemd oferece fregilertes dificuldades de tradugao para as linguas neolati- nas. Iso pode muito bem ser constatado cotejanndo-se as duas versbes —ita- liana e francesa — agui utlizadas, Paeceu imperioso freqilentemente discordar de ambos ilustres tradutores. O termo alemdo Gemiit, ou Gemiith (“arcaico”), sobretudo, oferece dificuldade. Apés muito besitas * Dosor an Rola (Uns) « place da ogre de Pic atu om Eds da NM, o war delist dO Capo mo Lonard eda (brs UNE, RINK. Tag dn Arter 9.33 * CRAMPE-CASNABET. M Ratna roan lof: Tad Ly Mags. Rio Jr: og Zs, $$94,p.108,c037. PCERIN favek decid verter por “indole”. Ndo posso deizar de mencionar o importante e competente artigo de Valério Rohden, que se originou “de dificuldades de tradugéo do termo Gerniit, no decieso da preparagio da tradugio da Cr tica da Faculdade do Juizo de Immaruel Kant ao portugués”,4 Na tradu- edo da Critica da Razio Pura, publicads pela Abril Cultural (vérias reedigbes) e sob a responsabilidade do mesono tradutor, Gemiité traduaido por “mente”, Tal traduedo foi sem divida infeliz. No final do artigo citado, Gemiit “é em primeiro lugar a perspectiva de um todo de faculda- des em relagdo recfproca” Esforco-me por ver em Kant 0 preciesor da visio snificada e total do ser humano, no dividido, na filosofa ocidental; por isso, do escondo sminhas reticbncias ante termos de conotagio dualista, como é 0 caso de “faculdades”. Conquanito 0 tenmo “mente” seja, no mex entender, aber- zante em relagao ao pensamento de Kant ¢ época da redagdo da KRV, a expressi “faculdades” continua deixando a desejay, também por suas pro- fundas conotagées metafisicas. Quer me parecer que esse lero md fz jus 4 corporeidade, ao corpo, enquanto Gemiit, em Kant, parece dar a entert- der umn ser tico, total, néo dividido, um conjunto de disposicées, talvez, em relagio reciproca. Kant usa por duas vezes 0 termo latino “indoles” na p. 482 (p. 79 desta edigio), sem 0 comespondente termo clemdo: indoles servis ¢ indo les mercenaria. Isso indica, a rigor, que, para ele, “indoles” e Gemiit nao seriam equivalentes. Entretanto, 0 termo “indole” ro faz parte do vocabu- lirio filosdfico e, por isso, néo traz conotagées desse teor (por isso o preferi). Saraiva fiz derivar “indole” de inca (de endo, do grego encdon = in) e oles- cere = crescer podendo significar: dsposicdo natural, inclinagdo, tendéncia, Propensio, bom natural, boas disposiebes, carder, natureza, qualidade, boa qualidade.® Quando falamos da indole de alguém, nao distinguimos mente « corpo: falamos da pessoa total, Uin outro termo que poderia,talver tra- diaz com alguoma felicidade o termo Gemit, seria “timo”, mas o paren- tesco com “anima” me suscita reservas. Escolhendo esta tradugio, sei que {FT ROMDEN WO waded tana Govit en Kat Arabi, 1 (0: 61.75, 193. Soi 97. “SARAIVA, ER dS Nets Dinh Ltn vt 1a Rio de aie Ga, 958 pn 55802. abri o flanco as crtticas mais justificadas, Mas queinam os leitores ver nessa escola uma tentativa: sequer é wna indicagiio, Devo aqui agradecer ao casal Assmann (go e Melsene), que tan tas vezes gemilich se dspésa me esclarecer sobre a tradugéo mais propria de certos termos, sobretudo fazendo sentir aquele “sabor” conotativo, 0 qual o dicionério nem de longe consegue suger. “Todas as falhas desta tradugo deve ser atribuidas unicamente a min. | Sumario | Introducio u | Sobre a Educagio Fisica 37 Sobre a Educacéo Prética 85 © homem a tinica crianara que precisa ser educada. Por educacao entende-se 0 cui- dado de sua infincia (a conservagéo, o trato), a discipline ea instrugéo com a formagio. Conse- atientemente, o homem é infante, educando ¢ discipulo. Os animais, logo que comecam a sentir alguma forca, usam-na com regulatidade, isto 6 de tal mancira que néo se prejudicam a si mesmos. E de fato maravilhoso ver, por exem- plo, como os filhotes de andorinhas, apenas saf- dos do ovo e ainda cegos, sabem disporse de modo que seus excrementos caiam fora do ninho. Os animais, portanto, no precisam ser cuidados, no maximo precisam ser alimenta- dos, aquecides, guiadas e protegidos de algum modo. A maior parte dos animals feqier nutri- Gao, mas no requer cuidados. Por cxidados entendem-se as precaugées que os pais tomam paca impedir que as criangas fagam uso nocivo de suas forgas, Se, por exemplo, um animal, 20 vir a0 mundo, gritaste, como fazem os bebés, tomar-se-ia com certeza presa dos lobos e de ‘outros animais selvagens atraidos pelos seus gr- tos. Oigeraie cin arene gpd oer io ‘ras ropnden spo dno dre Asien Pras Scie Eo, ge rte apse ee ong Sis pe sees ley oon deo reese tne cleee 0 coo aaa rE dnd pagan takin con ei oie. INTRODUCAO" 441 IMVANUELKANT 11 ——— A disciplina transforma _a_animalidade transforma a a Aad 12 SOBRE A PEDAGOGIA ‘em humanidade, Um animal é por seu proprio “instinto tudo aquilo que pode ser; uma razio exterior a ele tomou por ele antecipadamente todos 05 cuidados necessitios. Mas 0 homem tem necessidade de sua propria azo, Nao tem instinto, ¢ precisa formar por si mesmo 0 pro- jeto de sua conduta, Entretanto, por ele nio ter a capacidade imediata de o realizar, mas vir a0 mundo em estado bruto, outros devem fazé-lo porele. A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma ‘Forgas, todas as qualidades naturais, que perten- a huumanidac® Cina getagio educa a ‘outra, Pode-se buscar 0 comeco da humani- dade num estado bruto ou num estado perfeito de civilizagio. Mas, neste tikimo caso, € neces- sirio admitir que o homem tena caido depois no estado selvagem ¢ no estado de natureza nade. A disciplina ¢ 0 que impede ao homem de desviarse do seu destino, de desviarse da hhumanidade, através das suas inclinagbes ani- mais, Ela deve, por exemplo, conté-lo, de ‘modo que nao s¢ lance ao perigo como um ani- mal feroz, 03 como um estipido. A disciplina, "porém, é puramente negativa, porque é 0 trata- mento através do qual se tira do homem a sua selvagerias a insrugéo, pelo contro, é a parte postiva da educagio. AA selvageria consite na independéncia t de qualquer lei. A disciplina submete o homem as leis da humanidade e comeca a fa2#-lo sen- ir a forca das préprias leis. Mas isso deve acontecer bem cedo. Assim, ‘as criangas si0 “imandadas cedo & escola, no para que af aprendam alguma coisa, mas para que ai se ‘acostumem a ficar sentadas tranqiilamente ¢ obedecer pontualmente Aquilo que Ihes é mandado, a fim de que no futuro elas néo sigam de fato ¢ imediatamente cada um dey seus éaprichos, Mas o homem é tio naturalmente inci- nado & liberdade que, depois que se acostuma a ela por longo tempo, a ela tudo sacrifca. Ora, esse 6 0 motivo preciso, pelo qual é conveniente recorrer cedo & disciplina; pois, de outro modo, seria mud uy 9 Fors Ele seguiria, entio, todos os seus caprichos_Do mesmo modo, pode-se ver que os selvagens jamais se habitwam a viver como os europeus, ainda que permanegam por muito tempo a seu servigo. O que neles no deriva, como opinam Rousseau e outros, de uma nobre tendéncia & liberdade, mas de uma certa rudeza, uma vez que 0 animal ainda nao desenvolveu 2 humani- dade em si mesmo numa cesta medida, Assim, é preciso acosnuméelo logo a submeter-se aos Ine KANT 0 443, 14 SOBRE A PEDAGOGIA preceitos da rio. Quando se deixon o hhomem seguir plenamente a sua vontade dorante toda a javentude e nao se Ihe resist cem nada, ele corserva uma certa selvageria por toda a vida. Tampouco uma afeigSo materna exagerada & ttl 20s jovens, uma vez que mais tarde lhes surgirlo obstéculos de todas as partes « receberio golpes de todos os lados, logo que tomarem parte nos afazeres do mundo, _Um erro, no qual se cai comumente na edacagio dos grandes, é 0 de nao se lhes opor nenhuma resisténca durante a juventude, por- a brutalidade requer polimento por causa de sua inclinasio a liberdades no animal bruto, pelo contrario, isso nao é necessdrio, por causa do seu instinso. (© homen: tem necessidade de cuidados € de formagio. A formacéo compreende a dis- plina e a instrugio. Nenum animal, quanto ssibamos, necessita desta tiltima, uma vez. que nenhurn deles agrende dos seus ascendentes qualquer coisa, a ndo ser aqueles pAssaros que aprendem a cansar. De fato, 0s passaros so treinados no canto por seus genitores; ¢ € admi- ravel ver, como se fosse numa escola, os pais cantarem com todas as forgas diante dos fiho- tes, enguanto estes se esforgam por tirar os mes- mos sons das suas pequenas gocles, Para convencerse de que os passatos nfo cantam por instinto, mas que aprendem a cantar, vale a pena fazer a prova: tre dos canérios « metade dos ovos € 0 substina por ovos de pardais; ou também misture aos canarinhos filhotes de par- dais bem novinhos. Coloque-os num cémodo onde nfo possam escutar os ards de fora eles aprendetio dos canérios 0 canto ¢ assim tere- 1mos pardsis cantamtes. # estupendo o fato de ‘que toda espécie de pissaros conserva em todas ‘as geragdes um certo canto principal; assim, a tradigio do canto é a mais fiel do mundo, X-(O homesn néo pode se tornar um verda- deiro homem seno pela educagio, Ele € aquilo aed dle ado gue ee 96 pode lhomiens 68 toma mestres muito mins de seus leducandas. Se um ser de namateza saperior ‘Fomasse cuidado da nossa educacio, versa, entio, o que poderfamos nos tornax Mas, assim como, por um lado, a educagio engina alguma, coisa 20s homens ¢, por autro lado, nao faz. mais que desenvolver nele certas qualidades, nfo se pode saber até agnde nos evariam as nossas dis- posigées nacurasSe pelo menos fosse feita uma cexperigncia com a ajuda dos grandes ¢ reunindo as forgas de muitos, isso solucionatia a questio dese saber até aonde o homem pode chegar por esse caminho, Uma coisa, porém, tio digna de INOMANUELKANT 15 18 SOBRE A PEDAGOGIA ss ide caaltara, pois esa cbservagio para uma mente especativa quanto triste para 0 amigo da humanidade é ver que a maior parte dos grandes no cuida sendio de si mesma e no toma parte nas interessantes expe- éncias sobre a educacio, para fazer avancar algum paso em diregio & perfeigio da narureza bumana. Nao hi ninguém que, tendo sido abando- nado durante a juventude, sja capaz de reconhe- cer na sua idade madura em que aspeco foi desenidado, se na discipina ou na cultura (pois que assim pode ser chamada a instrugio),{Quem tem disciplina ou educagio ¢ un selva gem, ‘Aaa de dplina é ur mal ior que ta AB “remediada mais tarde, 20 pasio de que no se pode abolic 0 jestado selvagem e comtigit um defeico de di ' plina'“Talvez a educagao se tome senipre melhor ‘e cada uma das geragdes fururas dé um passo a ‘mais em direcSo a0 aperfeigoamento da humani- dade, uma vez que o grande sgredo da perfeigio dda nanureza hurmana se esconde no préprio pro- blema da edacagio.A partir de agora, isso pode acontecer, De fato, aualmente se comeca a ular ‘com exatidio e a ver de modo claro 0 qué pro- priamente pertence a uma boa educagio. E entu- siasmante pensar que a natureza humana ser mndhor desenvoida © spor pel Shean © gir E posted ope «Sc forma, a qual em verdade convém & humani- dade, iso abre a perspectiva para uma futur fli- ‘cidade da especie humana, projeto de uma teoria da educacio uum ideal muito nobre e no faz mal que néo possamos realizélo. NS podemos considerar ‘tina Tela como quimética e como um belo sonho 6 porque se interpéem obstdculos a sua realizacSo. ‘Uma Idéia nao é outra coisa senio 0 con- ceito de uma perfeigSo que ainda nfo se encon- tra na expetidncia, Tal, por exemplo, seria a Taéia de uma repiblica perfeta, governada con- forme as leis da justica. Dirse- entretanto, que € impossivel? Em primeiro lugar, basta que a nossa Idéia seja auténtica; em segunco lugar, que 0s obstéculos para eferuéla nao sejam absolutamente impossiveis de superar. Se, por exemplo, todo mundo mentsse, 0 dizer a ver- dade seria por isso mesmo uma quimera?|A Idéia de uma educagio que desenvolva no homer todas as suas disposigées naturais 6 ver dadeira absolutamente. “| {Com a educagio presente, o homem ro atinge plenamente a finalidade da sua exis- téncia, Na verdade, quanta_diversidade_no modo de viver ocorre entre os homens! Entre eles no pode acontecer uma uniformidade de vide ‘ando ser na medida em que ajam segundo “0s mesmos principios} e seria necessério que 445 lvwenvennat a 18 SOBRE A PEDAGOGIA esses principios se tomassem como que uma outra natureza para eles. Podemos trabalhar num esbogo de uma educagio mais conveni- ente e deixar ndicagées aos pésteros, os quais poderio pé-las em pritica pouco a pouco. Vé- se, por exemplo, nas flores chamadas “orelhas de urso” que, quando as arrancamos pela raiz, tém todas a mesma cor; quando, ao invés, plan- tamos suas seraentes, obtemos cores diferentes ¢ variadissimas. A natureza, portanto, depos rnelas certs germes da cor e, para desenvolvé- Jos, basta semear e transplantar de modo con- veniente estas flores. Acontece algo semelhante com o homem. ‘Hi muitos germes na humanidade e toca 4 nds desenvolver em proporcio adequada as disposigbes naturaise desenvolver a humanidade 2 panir dos seus germes ¢ fazer com que 0 homem atinja a sua destinagao. Os animais cum- prem o seu destino espontaneamente € sem 0. duo humano tio pode cumprir por si s6 essa destinagio. Se admitimos um primeiro casal, realmente educado, do género humano, é pre- iso saber também de que modo ele edacou os seus filhos. Os primeiros genitores dio a seus filhos um primeiro exemplo; estes 0 imitam e assim se desenvolvem algumas disposicées natu- rais, Mas no podem todos ser educados desse ‘modo, uma vez que as criangas véem os exem plos ocasionalmente. Normalmente os homens no tinham idéia alguna da perfeigéo de que a natureza humana capaz. Nés mesmos ainda no a temos em toda a sua pureza. E certo igual- ‘mente que os individuos, 20 educarem seus filhos, nfo poderdo jamais fazer que estes che- guem a atingir a sua destinacio/ Essa finalidade, pois, ndo pode ser atingida pelo homem singular, “S. mas unicamente pela espécic humana. ¢ ‘A educagio € uma arte, cuja_pritica ‘extraise de se mesmo o bem ¢, por assim dizer, assim Ihe fala: “ntra no mundo, Coloquei em titoda espécie de disposigées para o bem. Agora compete somente a ti desenvolvé-las e a tua feli- Cidade ou a ma infelicidade depende de ti". O homem deve, antes de tudo, desen- volver as suas disposigdes, para o bem a Provi- déncia ndo as colocou nele prontas; séo simples disposigdes, sem a marca distintiva da moral. ‘Tomarse melhor, educarse ese se € mau, pro IROANLEL KANT 20. SOBRE APEDAGOGIA _duzic em sia moralidade: eis o dever do homem,Desde que se reflita detidamente a res- peito, vése o quanto é diffcil. A educacso, por tanto, € maior e 0 mais atduo problema que pode ser proposto aos homens. De fato, os conhecimento dependem da educagio © esta, por sua vez, depende daqueles. Por isso, a edu- cago no poderia dar um passo & frente a no ser pouco a pouco, ¢ somente pode surgir um. conceito da arte de educar na medida em que cada geragio transmite suas experiéncias e seus conhecimentos & geracSo seguinte, a qual Ihes acrescenta algo de seu ¢ os transmite & geracio aque the segue. Que grande cultura e que experiéne a, portanto, esse conceito supée? Na verdade, tal conceito no poderia ter surgido senio muito tarde e nds mesmos ainda néo o eleva- mos ao seu mais alto grau de pureza. Deve a educagio do individuo imitar a cultura que a humanidade em geral recebe das geragées anteriores? Entre as descobertas humanas b4 duas tem controvérsias sobre esses assuntos. Ora, de onde comegarfamos a desenvo!- ver as disposigdes naturais dos homens? Deve- rremos comesar pelo estado nude ou pelo estado jf culto? Nao é facil conceber um desenvolvi= mento, partindo do estado rude (dai também a difculdade de formar uma idsia do primeiro homem); € vemos que, sempre que se partiu esse estado, o homem sempre recaiu na radeza € novamente se levantou a partir daf, Até nos povos bastantescivizados reencontrames ausén- cia de limites para a rudeza, 0 que € atestado pelos mais antigos monamentos escritos, que nos foram legados ~ e que gran de culrura a «seria ndo supe? ~ de tal modo que se pode- xia propotainvengéo da ect como o comeco do mundo com respeito a cvlizagi Tima vez que as disposigdes natursis do ser bumano nio se desenvolvem por si mesmas, toda educagio é uma arte. A natureza néo depo- sitou nele nenhum instinto para esa fialidae ‘A origem da arte da educacio, assim como 0 seu progreso, &: ou mecinica, ordenada sem plano conforme as circunstincias, ou racocinada, A arte da educagio nao é mecénica seno em certas coporunidades, em que aprendemos por exper- éncia se uma coisa é prejudicial ou teil a0 hhomem. Toda arte desse tipo, a qual fost pura- mente mecéinica, conteria muitos erros e ‘acunas, pois que no obedecera a plano algum A aze Inumana de tal modo que esta possa conseguir 0 ‘eu destino. Os pais, os quais jé receberam uma cera educagio, sio exemplos pelos quais os filhos se regulam. Mas, se estes devem tornar-se DAMANEL RANT a b 2 22, SOBRE APEDAGOGIA melhores, a pedigogia deve tomarse um estudo; de outro modo, nada se poderia dela esperar ¢ a cciucagio seria confiada a pessoas ni educadas corretamente, E preciso colocar a ciéncia em lugar do mecanicismo, no que tange 3 arte da educaclo; de outro modo, esta no se tomar jamais um esforgo coerente; € uma geragio poderia destrur mdo 0 que uma outra anterior tivesse elifcade Um principio de pedagogia, o qual mor- mente os homens que propéem planos pata a arte de educar deveriam ter ante os olhos, é: no se devem educar as criangas segundo o pre- sente estado da espécie humana, mas segundo exado menor, possivel no faruro, isto & segundo a idéia de humanidade destinagao. Esse principio é da maxima impor- ‘inca. De modo geral, os pais eccam_seus filhos para © mundo pr ainda que seja comupto. Ao contrétio, deveriam dashes uma ceducagio melhor, para que possa acontecer umm estado melhor no futuro. Mas aqui se deparam dois obsticulos: os pais néo se preocupam ordi- nariamente sendo com uma coisa, isto é, que seus fihos fagam uri boa figura no mundos e os principes consideram os préprios sidivos apenas como instrumerto para os seus propésitos. Os pais cxidam da casa, os principes, do Esado. Uns ¢ outros deixam de se propor como fn ino 0 bam geal ¢ a pedsgio a qu es sua inteira estinada a humanidade e para a qual eta ter as disposigées. O estabelecimento de um projeto ‘educativo deve ser executado de modo cosmo- polta, Mas o bem geral & uma Idéia que pode tomarse prejudicial 20 nosso bem particular? ‘Nunca! Jé que, ainda que parega que lhe deva- mos sacrificar alguma coisa, na verdade trabalha- mos desse modo melhor para 0 nosso estado presente. E, entio, quantas conseqiiéncias nobres: | Jse seguem! Uma boa edbcagio € justamente 2 | fonte de todo bem neste mundas Os germes que { {0 depositados no homem devem set deservol- -vidos sempre mais, Na verdade, ndo hi nenham Drinelpio do inl nas disposigSes naturas do ser Iumano. A inica causa do mal consiste em no A Gnica causa ac submeter a natureza a norma ha germes, sendo para o bem. Assim sendo, de quem deve provir 0 melhoramento do estado social? Dos principes, ‘ou dos siiditos, no sentido de que estes se aper- feigoem antes por si mesmos e fagam meio caminho para ir de encontro a bons governos? Se, pelo contrétio, esse aperfeicoamento deve partir dos principes, entio, comecese por melhorar a sua educago; esta sempre teve gra- ves erfos, uma ver que néo resistu jamais aos principes durante a sua juventude, Uma drvore que permanece isolada no meio do campo no cresce direito ¢ expande longos galhos; pelo contrario, aquela que cresce no meio de uma RUPNLELKANT 23 449 24 SOBRE APEDAGOGIA floresta cresce ereta por causa da resisténcia que Ihe opdem as outras drvores, ¢, assim, busca por cima o ar € 0 Sol. Com os principes acontece 0 ‘mesmo. Mas vale que sejam sempre educados por algum dos seus siiditas do que pelos seus pares. Néo se pode esperar que o bem venha ~ do alto, a nao ser no caso em que Ia 2 educagso scja primorosa. Aqui é necessdrio, portanto, contar mais com os esfozgos paticulares do que ‘com a ajuda dos principes, como julgaram Basedow ¢ outros; uma vez que a experiéncia ensina que os principes, para atingi seus objeti- ‘os, se preacupam no com 0 bem do mundo, ‘mas com o bem do seu Estado, Se prestam auxtlo 8 educazio com dinheiro, eservam-se 0 dieito de estabelecer o plano que Ihes convém, (O mesmo diga-s de tudo aquilo que diz respeito cultiza do espitito humano ¢ ao incremento dos conhecimentos inumanos. Estés dois resulta- dos no sio conseguidos pelo poder ¢. pelo dinheiro, mas séo no méximo por eles failta- dos. Na verdade poderiam fazélo, se 0 Estado nfo arrecadasce impostos unicamente destinado 20 interesse do seu exdrio. Nem mesmo as acade- mis produziram estes resultados, ¢ hoje em dia, ‘ais que nunca nfo se vislumbra o menor sinal de que essas os produziéo. A ditegio das escolas deveria, portanto, ence ta dais Fs Pstadas. Toda culsura comeca pelas petoas privadas e depois, a partir desas, se dfinde. A natureza humana pode aproximarse pouco a pouco do seu fim apenas através dos esforcos das pessoas dotadas de generosas inclines, as aquais se ineressam pelo bem da socedade estio aptas para conceber como posivel um estado de coisas melhor no futuro Enaetanto, ‘algal poderosos consideram, de certo modo, © seu povo como uma parte do reino animal tém em mente apenas a sua multiplicagio. No méximo desejam que eles tenham um certo stumento de habilidade, mas unicamente com a finalidade de poder aproveitar-se dos pr6prios stiditos como instrumentos mais apropriados aos seus designios. As pessoas particulares devern em primeiro gar esa atentas &finlidade da naty- +eza, mas deve, sobrerudo,cuidar do deserwol- vimento da humanidade, ¢ fazer com que ea se tome néo somente mais babil, mas ainda mais mora ¢, por tikimo ~ coisa muito mas dif - empenharse em conduzit a postridade a um grau mis elevado do que elas ating. Naeducagio, ohomem deve, portanto: 1. Ser dlscipinado. Disciplinar quer dizer procurar, impedir que a animalidade prejudi- que o cariter humano, tanto no individuo ‘como na sociedade, Portanto, a disciplina con- sie em domar a selvageria. 2. Tornar-se culto. A cultura obrange a instrugio e vitios conhecimentos. A cultura & VUUELIANT. 28 a criagio da habilidadee sta a pose de uma capacidadk ente com todos os fins que. almejamos, Ela, portanto, néo determina por

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