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Galileu Galilei
3 .a Edição
FU N D A ÇA O C A L O U ST E G U L B E N K IA N
SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS
SIDEREUS NUNCIUS
O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS
Galileu Galilei
SIDEREUS NUNCIUS
O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS
Galileu Galilei
H e n r iq u e L e it ã o
3.a Edição
0^ 0
FU N D A Ç Ã O C A L O U ST E G U L B E N K IA N
SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS
Reservados todos os direitos
de harmonia com a lei
SVEN DUPRÉ
9
PREFÁCIO
12
Mas, por outro lado, sem os elementos essenciais de con-
textualização e alguns esclarecimentos pontuais, a obra seria
dificilmente compreensível para o leitor actual. Nenhum texto
flutua a-historicamente sobre a época em que foi escrito,
encontrando-se sempre relacionado com as polemicas, as perso
nagens e o espírito do seu tempo, de maneira que a com
preensão fica muito melhorada com o esclarecimento destes
elementos externos.
A decisão de preparar uma versão portuguesa destinada a
um público culto, mas não especializado, corresponde também
à intenção que moveu Galileu a escrever a sua obra. O uso do
latim — que Galileu abandonou em trabalhos posteriores —
revela que visava uma audiência instruída e internacional, mas
a estrutura e o conteúdo do livro foram pensados de modo a
permitir a leitura pelos que eram pouco versados em astrono
mia ou nas ciências matemáticas.
Como sucede com todos os grandes textos da cultura oci
dental, a variedade e riqueza de traduções, para diversos idio
mas, entre as quais se encontram algumas de excelente quali
dade, significa que todos os problemas de compreensão e/ou
tradução se acham resolvidos, e que todas as passagens de
interpretação dúbia foram já amplamente discutidas e analisa
das. Há, de facto, uma vasta literatura em torno do Sidereus
Nuncius e, como ficará evidente no que segue, sou imensa
mente devedor desses trabalhos, que usei com abundância e a
que me refiro com frequência.
Mas o livro que agora se apresenta tentou atingir algumas
metas que o distinguem de outras traduções e edições em cir
culação.
Em primeiro lugar, foi feito um esforço para trazer ao
conhecimento do leitor os estudos mais actuais. A quantidade
de trabalhos sobre Galileu não tem cessado de aumentar, com
desenvolvimentos de grande importância nas últimas duas
décadas. Incluir os dados mais recentes e dar indicação dos
estudos mais modernos da historiografia galileana foi aqui uma
obrigação.
Em segundo lugar, nos dias de hoje praticamente todos os
materiais que se referem neste livro, quer fontes, quer literatura
secundária, encontram-se com muita facilidade, estando a
maior parte deles já disponibilizados online. Para dar apenas o
exemplo mais significativo, a monumental edição das Opere di
Galileo Galilei, por Antonio Favaro, que é o elemento de tra
balho imprescindível para qualquer interessado em assuntos
galileanos, está hoje integralmente disponível online, sem qual
quer custo. Na verdade, os estudos eruditos sofreram uma
revolução silenciosa nos últimos dez anos, motivada pelo facto
de o acesso às fontes ser hoje quase instantâneo. Publicar um
livro sobre Galileu, em 2010, sem levar isto em conta, seria
uma tolice. As indicações de fontes primárias que aqui se dão,
além de preencherem um dos quesitos básicos de qualquer tra
balho erudito, são um convite ao leitor a que, agora que o
pode fazer com toda a comodidade em sua casa, explore com
algum pormenor esses documentos.
Finalmente, em terceiro lugar, há aspectos relativos à
divulgação das descobertas telescópicas de Galileu — e do pró
prio telescópio — em Portugal a que se deu um especial des
taque neste trabalho. A história das novidades galileanas e do
telescópio entre nós é um dos episódios mais interessantes da
nossa história científica, reflexo do período particularmente
rico e internacional da ciência portuguesa que foram as pri
meiras décadas do século XVII. Pareceu-nos adequado recordar
aqui esses factos, ainda que brevemente.
* * *
14
acompanha já há anos outros projectos editoriais em que estou
envolvido, e que acompanhou também este com a sua habitual
combinação de profissionalismo, simpatia e suave insistência no
cumprimento de prazos. Ainda na Fundação Gulbenkian, tive,
também, a oportunidade de discutir alguns dos assuntos aqui
tratados com o Prof. João Caraça, que além disso me indicou
bibliografia e deu sugestões; para ele também o meu agradeci
mento.
Aos meus colegas e amigos Ana Simões, Bernardo Mota,
Carlota Simões, Guilherme de Almeida, João Filipe Queiró,
José Vaquero, Luís Miguel Carolino, Luís Tirapicos e Samuel
Gessner, tenho a agradecer muitas conversas em torno dos
assuntos desta obra, correcções, sugestões e esclarecimentos
demasiados para enumerar, o empréstimo de bibliografia ou
apenas as simples, mas importantes, palavras de estímulo. Devo
um agradecimento muito especial ao Prof. Domingos Lucas
Dias, que há muitos anos, com uma generosidade e uma
paciência que ainda hoje me enchem de espanto, me introdu
ziu na beleza e na precisão da língua latina, e agora me auxi
liou uma vez mais, eliminando alguns erros e sugerindo muitos
melhoramentos de estilo na minha tradução. Como é evidente,
quaisquer lapsos ou infelicidades estilísticas que ainda subsis
tam são da minha inteira responsabilidade. Estou também par
ticularmente reconhecido ao Dr. Sven Dupré, um dos maiores
especialistas da actualidade no telescópio de Galileu, que tenho
o privilégio de contar entre os meus amigos, e que teve a ama-
bilidade de enriquecer este livro com a sua preciosa nota de
abertura. A todos estes e aos muitos outros colegas e amigos
que ao longo dos anos me têm ajudado, aqui fica o meu reco
nhecimento.
A Janjão e os miúdos aturaram, com a sua habitual boa
disposição, um marido e pai que não tem horários, trabalha
em qualquer divisão da casa e insiste em que todos estejam a
par do último assunto que está a estudar, por mais recôndito
que seja. É mais que justo que lhes dedique este livro, em
modesta compensação do que os fiz penar.
* * *
H e n r iq u e L e it ã o
Universidade de Lisboa
16
ESTUDO INTRODUTÓRIO
por
H e n r iq u e L e it ã o
Uma Gazeta Sideral com “osservazioni di infinito stupore”
19
O Sidereus Nuncius é a obra em que Galileu deu a conhe
cer as novidades que descobrira com o telescópio, em observa
ções que vinha a fazer desde Outubro ou Novembro de 1609.
Consciente da excepcionalidade do que observara, nos primei
ros meses de 1610 ocupou-se febrilmente na preparação de um
pequeno resumo desses factos novos e sensacionais. Num
registo rápido, em pouco mais de 60 páginas, Galileu deu a
conhecer que a Lua tem uma superfície irregular, com monta
nhas e vales, que há muito mais estrelas fixas do que aquelas
que se conseguem distinguir a olho nu, que a Via Lactea é
constituida por miríades de estrelas muito próximas e, sobre
tudo, que Júpiter tem satélites. Deu também a conhecer ao
mundo o telescópio, instrumento com que fizera essas observa
ções e que foi imediatamente saudado em inúmeras peças lite
rárias e numa iconografia variada, mostrando que causara tanto
espanto como as descobertas em si.
A notícia dos descobrimentos astronômicos de Galileu
atravessou a Italia como um relampago e alcançou quase de
imediato as regiões mais distantes da Europa. O grande astrô
nomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) conta que soube
destes factos, em particular dos satélites de Júpiter, por volta de
15 de Março de 1610, por intermédio de um amigo, Johann
Mattháus Wackher, que, de uma carruagem diante de sua casa,
o pôs ao corrente das novidades sensacionais, e do espanto e
júbilo com que os dois celebraram estes descobrimentos.2
20
Kepler, como outros na altura, não hesitou em comparar Gali-
leu a um novo Colombo {Opere, X, 296).3 Em muito poucos
anos as notícias circulavam pelo mundo inteiro. Em 1611
haviam chegado a Moscovo, em 1612, à índia e em 1614,
pelas mãos de um português, era redigido, em Pequim, o pri
meiro sumário destas notícias extraordinárias em chinês.4
22
O Sidereus Nuncius assinala a primeira grande entrada em
cena do próprio Galileu, até aí um professor universitário dis
creto, muito talentoso, sem dúvida, mas praticamente sem pro
vas dadas. Era agora o anunciador das mais espantosas notícias,
um “Mercurius alter” ( Opere, X, 396), que, com a publicação
do opúsculo, de um dia para o outro, passou a ser considerado
o maior homem de ciência da Itália e da Europa. O Sidereus
Nuncius transformou Galileu; na feliz expressão de Noel Swer-
dlow, “as descobertas de Galileu mudaram o mundo, mas pri
meiro mudaram Galileu”9. Esta mudança deu-se pelo menos
em dois sentidos, intimamente relacionados. Em primeiro
lugar, o livro assinala uma drástica alteração nos principais
interesses científicos de Galileu, até aí preocupado principal
mente com assuntos de mecânica, para a astronomia. E certo
que nunca abandonará as investigações mecânicas, e que estas
virão a ter a sua coroação máxima no final da sua vida, com a
publicação dos famosos Discorsi e dimostrazioni matematiche
intorno a due nuove scienze (1638), mas a astronomia tomava
agora um lugar central nas suas reflexões. Em segundo lugar, e
talvez ainda mais importante, o Sidereus Nuncius anuncia o
aparecimento público de Galileu, o coperniciano.
A adesão de Galileu às teses copernicianas parece ter sido
um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A
30 de Maio de 1597, escrevia a Jacopo Manzoni dando aque
las que são as primeiras informações conhecidas acerca do seu
23
copernicianismo (Opere, II, 197-202) e, poucas semanas
depois, a 4 de Agosto de 1597, numa bem conhecida carta a
Kepler, declarava que havia aderido às idéias de Copérnico “há
já muitos anos” (“in Copernici sententiam multis abhinc annis
venerim”, Opere, X, 68-69). Os historiadores têm lido sempre
esta afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma
carta Galileu anunciava ter várias provas do copernicianismo, o
que não era seguramente verdade.10 Nos anos seguintes, con
tudo, até 1610, pouco se pode discernir nos seus textos acerca
deste assunto. Dois dos maiores especialistas de Galileu, os
historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam
que este teria suspendido ou abandonado as suas convicções
copernicianas no período entre 1604 e 1610. Seriam as obser
vações com o telescópio o factor crucial a tornar Galileu num
defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece
num passo do seu Dialogo sopra i due massimi sistemi dei
mondo (1632) (Opere, VII, 356)11. Todavia, no Sidereus
Nuncius, a forma como revela a súa adesão ao copernicianismo,
se bem que inequívoca, é ainda algo discreta. Uma defesa
pública e explícita do heliocentrismo copernicano só se dará a
partir de 1613, com a publicação da Istoria e dimostrazioni
intorno alie macchie solari, onde torna cada vez mais explícita a
sua campanha em prol do novo modelo de ordenamento
cósmico.
24
De todas as formas, quando publica o Sidereus Nuncius,
Galileu tem já muito claras as conclusões que pretende retirar
dos novos factos-, anunciando por três vezes ao longo do texto
a sua intenção de apresentar uma obra de grande envergadura
sobre o sistema do mundo. De facto, muitas das implicações
do que vira nestes meses com o telescópio só serão desenvolvi
das inteiramente no Dialogo sopra i due massimi sistemi, em
1632.
O Sidereus Nuncius anuncia ainda outras novidades, não
estritamente astronômicas, mas nem por isso menos dramáticas
ou de consequências menos duradouras. O tom e o estilo do
livro antecipam aquilo que será a marca do famoso pisano e
revelam desde logo uma atitude de aproximação ao estudo da
natureza profundamente diferente da preconizada e praticada
nas aulas de filosofia natural. O profundo desprezo de Galileu
pelos filósofos — que ele considera meros “comparadores de
textos” {Opere, X, 423) — e, ainda mais, pela “abordagem filo
sófica” ao estudo da natureza, é evidente em inúmeros passos
dos seus escritos, mesmo antes de ter razão de queixa das intri
gas e manobras de professores de filosofia contra si. Estes, por
seu lado, constituíram os seus adversários mais constantes e
mais tenazes. Quando não evidenciaram uma hostilidade
aberta, mostraram-se incapazes de compreender a grandeza dos
25
seus descobrimentos. Como observou Stillman Drake há já
alguns anos, com a excepção de Campanella, nenhum filósofo
apoiou Galileu — uma afirmação que talvez peque por ser um
pouco exagerada, mas que traduz aquele que foi o sentimento
geral dos filósofos para com o famoso cientista.12
Galileu ensaiou também a utilização de uma nova lingua
gem visual, num corte absoluto com os códigos de representa
ção habitualmente usados em astronomia. As suas gravuras da
Lua foram possivelmente mais determinantes na aceitação
da natureza rugosa da superfície do satélite do que qualquer
argumento ou demonstração, e a sua descrição visual do movi
mento dos satélites de Júpiter é completamente inovadora,
aproximando-se quase de uma narrativa cinematográfica.
Igualmente importante é o facto de o Sidereus Nuncius ter
sido peça capital na aproximação que Galileu vinha a desen
volver à corte do Grão Ducado da Toscana e à família Mediei.
As apuradas técnicas de ascenção social, de gestão da sua car
reira, de relação com os seus mecenas e o seu hábil sentido de
cortesão têm recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje
claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de Galileu
pode prescindir do conhecimento destes elementos13.
26
Já há alguns anos que Galileu planeava obter emprego ou,
pelo menos, transitar para a esfera de protecção da corte Tos-
cana. Fora tutor de matemática do jovem Cosme de’ Mediei
no Verão de 1604 e mantivera depois disso o contacto com
ele, que se intensificou em 1609, quando Cosme ascendeu ao
cargo de Grão-Duque. A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um
breve relatório das suas descobertas, que enviou para a corte,
iniciando assim um processo de aproximção que culminaria
com a nomeação dos satélites de Júpiter e a dedicatória do
Sidereus Nuncius a Cosme. O nome dos Mediei ficava para
sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais
da história da astronomia, e Galileu seria recompensado com a
entrada na corte florentina. Galileu planeou cuidadosamente
esta aproximação, em busca de um estatuto que lhe era indis
pensável para a legitimação das suas idéias científicas. Na ver
dade, era uma jogada muito ambiciosa, já que tinha como
objectivo a criação de uma categoria socioprofissional sem pre
cedentes, a de filósofo e matemático de corte, estatuto que ele
negociou e conseguiu obter dos Mediei.14
27
É também o livro onde Galileu revela publicamente de
maneira mais clara a sua participação em práticas astrológicas,
um envolvimento que os historiadores de épocas passadas, que
rendo acentuar os traços modernos da sua personalidade, em
geral ocultaram. Só Antonio Favaro dedicou alguma atenção ao
assunto, mas o seu trabalho mais importante sobre o tema aca
bou praticamente esquecido.15 Nas últimas décadas, contudo, o
cenário mudou radicalmente e, hoje em dia, sabe-se bastante
mais sobre estas actividades. Não existem dúvidas de que Gali
leu praticou astrologia durante toda a sua carreira e especial
mente durante o seu período paduano. Bem mais importante
do que os horóscopos que fez para mecenas e patronos
— pois, naturalmente, parte das suas obrigações na corte da
Toscana consistia em fazer previsões astrológicas — , fez horós
copos para as suas filhas ( Opere, XIX, 218-220), para alunos e
para alguns amigos {Opere, XIX, 205-206). O seu amigo Gian-
francesco Sagredo (1571-1620) solicitava-lhe horóscopos regu
larmente e Galileu aconselhava-o com base em previsões astro
lógicas {Opere, X, 96-97). Conhecem-se também duas cartas
astrais que Galileu fez para o seu próprio nascimento.16 E mais
complexo apurar qual o valor que atribuía às previsões astroló
gicas, pois um famoso passo no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi (1632) {Opere, VII, 135-136) e outras indicações dispersas
parecem indicar algum cepticismo ou descrença em pelo menos
algumas destas práticas.17
28
O telescópio
30
Conhecem-se desde a mais remota antiguidade “tubos
ópticos” (evidentemente sem lentes) empregues em observações
astronômicas, que continuaram a ser usados ao longo da Idade
Média em várias culturas. É claro que estes “instrumentos”
31
nada têm que ver com o instrumento óptico, mas o seu apare
cimento em relatos escritos e em alguma iconografia foi sufi
ciente para gerar fábulas sobre a origem do telescópio.21 Na
verdade, a pré-história do telescópio está ligada à confecção
medieval de lentes e aos progressos artesanais na arte de polir
o vidro e fabricar óculos durante a Idade Média. As lentes
apareceram na Europa medieval em finais do século XIII e os
óculos adaptados para a leitura existem desde os inícios do
século XIV, sendo a mais antiga representação conhecida de uns
óculos de 1350.
Ao longo da Idade Média, a qualidade dos vidros e as
técnicas de polimento foram sucessivamente melhorando, con
tando-se Florença e Veneza entre os mais importantes centros
de produção de vidro e lentes. No início do século XVI estavam
reunidos todos os conhecimentos práticos capazes de levar à
construção das primeiras lunetas.22 Não admira, pois, que a
partir de então se comecem a multipliar as reclamações de
prioridade na invenção do telescópio. O estudioso Domenico
Argentieri sugeriu que Leonardo da Vinci (1452-1512) havia já
montado um sistema de duas lentes para ver ao longe, por
32
volta de 1508, antecipando assim os fabricantes holandeses e
Galileu em mais de um século.23 Sempre atentos a que os seus
compatriotas não sejam deixados para trás, os historiadores bri
tânicos também se pronunciaram, defendendo que o telescópio
tinha sido feito primeiramente pelos ingleses Thomas Digges
(ca. 1546-1595) e William Bourne (ca. 1535-1582).24 Segundo
outros, o invento já viria anunciado na Homocentrica (1538) de
Girolamo Fracastoro (ca. 1478-1553), e recentemente, como se
o assunto não fosse já bastante confuso, foi argumentado que o
telescópio teria tido a sua origem na Catalunha.25 Esta profu
33
são de candidatos tem alguma justificação pois imediatamente
após a publicação do Sidereus Nuncius foram muitos os que
reclamaram a prioridade no invento do instrumento, a tal
ponto que quem se interessar por perseguir este assunto deve
estar pronto para entrar naquilo a que Favaro chamou “un
dedalo inestricabile di nomi” 26.
De todos os possíveis inventores do telescópio no século
XVI apenas Giovanni Baptista Delia Porta (1535-1615) parece
recolher o consenso dos investigadores. Na sua famosa Magiae
naturalis sive de miraculis rerum (1558 e 1589), Porta discutiu
muitos fenômenos e artefactos ópticos. A primeira edição da
obra (Nápoles, 1558) tinha apenas quatro livros, mas a
segunda edição (Nápoles, 1589), muito mais expandida, em
vinte livros, teve uma enorme difusão, sendo inclusivamente
traduzida para vários idiomas. Foi nesta edição que apresentou
um arranjo óptico com duas lentes, para aumentar a visão.27
Depois de ter sabido do aparecimento do telescópio galileano,
Delia Porta escreveu ao príncipe Cesi, na Accademia dei Lincei,
em Roma, a 28 de Agosto de 1609, reclamando a sua priori
dade no invento do instrumento que, segundo ele, já fizera nos
anos oitenta do século dezasseis ( Opere, X, 252).28 Esta recla
mação parece ter ficado mais ou menos aceite entre os mem
bros da Accademia dei Lincei, como se deduz de um verso
composto por Johann Faber (Giovanni Fabro), secretário dessa
34
Academia.29 Também Kepler sabia que Delia Porta havia pro
posto o telescópio antes e disse-o numa carta a Galileu.30 Em
abono desta tese que faz remontar o invento do telescópio a
Itália deve ainda registar-se que o filho de Zacharias Jansen
(1588-1632) — um dos holandeses associado ao aparecimento
dos primeiros telescópios — relatou que o seu pai fabricara o
primeiro telescópio em 1604, seguindo o modelo de um ins
trumento italiano que ostentava os dizeres “anno 1590”.31
36
O primeiro relato impresso mencionando um telescópio
acha-se num pequeno folheto publicado em Haia em 1608,
sem nome de autor nem de impressor, dando notícia da visita
de uma embaixada do Sião. No final, sem qualquer relação
com o assunto anterior, recolhe-se a notícia do excitante novo
invento:
37
semblables occasions, car d’une lieué loing et plus, on
peut aussi distinctement remarquer toutes choses, comme
si elles estoyent tout aupres de nous : et mesmes les etoi-
les qui ordinairement ne paroissent à nostre veuê et à nos
yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veuè, se
peuuent voir par le moyen de cest instrument.33 [...]
38
1609 já se encontravam à venda, em Paris, lunetas rudimenta
res, com um poder de ampliação de três vezes, e o número de
relatos acerca do novo artefacto óptico multiplicou-se.36 Pouco
depois, as primeiras notícias chegavam ao sábio italiano.
Galileu deixou três relatos acerca do modo como chegou
ao conhecimento do telescópio. Para além do que conta no
Sidereus Nuncius, explicou os acontecimentos numa carta de 29
de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci {Opere, X, 253), e,
anos depois, em 1623, no II Saggiatore {Opere, VI, 258). Infe
lizmente, esses três relatos apresentam discordâncias significati
vas, o que, aliado ao facto de não se conhecer correspondência
de Galileu no período entre 9 de Março e 24 de Agosto de
1609, torna impossível reconstituir com segurança o que se
passou.37 Aqui, e na Cronologia, no final deste Estudo, resu
mimos o que parece ser a sucessão de eventos mais provável e
consensual entre os historiadores.
39
Segundo parece, tudo terá começado com uma notícia do
telescópio holandês que chegou a Paolo Sarpi (1552-1623), em
Veneza, em Novembro de 1608.38 Sarpi, um amigo e corres
pondente, com quem Galileu discutiria variados assuntos cien
tíficos ao longo dos anos, transmitiu, por sua vez, essas novi
dades a alguns correspondentes franceses, em particular a
Jacques Badovere, em Paris, a quem, numa carta de 30 de
Março de 1609, pediu confirmação dos rumores.39
Galileu pode ter recebido as primeiras notícas acerca do
telescópio em Maio de 1609 quer através de Sarpi, quer de
Badovere — a quem alude no Sidereus Nuncius — não
podendo excluir-se ainda uma outra fonte, visto saber-se que, a
partir da Primavera de 1609, vários telescópios circulavam já
por Itália. Se se der crédito completo a Galileu, ele não teve
40
ocasião de ter nas mãos qualquer exemplar destas lunetas
holandesas, tendo apenas recebido informações oralmente, mas
sem ver directamente qualquer instrumento.
Outra possibilidade é que Galileu só tenha ouvido falar
do telescópio pela primeira vez aquando de uma estadia em
Veneza, entre 18 de Julho e 3 de Agosto de 1609. Nessa oca
sião teria tido oportunidade para discutir com Paolo Sarpi estes
assuntos, não se podendo eliminar completamente a possibili
dade de até ter visto um telescópio.
O que não oferece dúvidas é que, no Verão de 1609,
Galileu já sabia que precisava de polir uma lente objectiva
convexa (na realidade, plano-convexa) e uma ocular plano-côn-
cava e alinhá-las convenientemente. Entre finais de Julho e
os primeiros dias de Agosto desse ano, Galileu construiu o
seu primeiro telescópio. Seria uma luneta com um aumento
de três vezes, que em muito pouco se deveria distinguir das
lunetas holandesas que se vendiam em muitos mercados da
Europa. Sabe-se muito pouco acerca desse primeiro instru
mento. Importa recordar que quando Galileu teve as primeiras
notícias se encontrava particularmente bem preparado para
explorar as potencialidades que agora se abriam. Dominava
bem a tradição perspectivista medieval e, o que talvez seja mais
significativo, parece ter tido alguma experiência prática neste
campo. Galileu estava em contacto frequente com os fabrican
tes de óculos e já em 1602, um seu correspondente relatava
que havia recebido um par de “occhiali” da sua oficina (Opere,
X, 93).
Se se aceita que Galileu teve as primeiras notícias em
Maio, o intervalo de tempo entre essas notícias e a efectiva
construção de um telescópio só em Julho/Agosto parece exigir
alguma explicação e tem levado a algumas especulações. Sabe
-se hoje que ele e muitos dos seus contemporâneos perseguiam,
já há algum tempo, a concepção de um instrumento que per
mitisse ver ao longe, ensaiando combinações de lentes e espe
lhos. E muito possível que ao ouvir os primeiros rumores
Galileu tenha julgado tratar-se de mais um desses instrumen
tos, tendo gastado algumas semanas a testar arranjos com len
41
tes e espelhos, até mudar para a configuração adequada, com
duas lentes.40
Por tentativa e erro, melhorando as suas técnicas de poli
mento, é muito provável que Galileu tenha descoberto que, na
configuração usada (objectiva convexa e ocular côncava), o
efeito telescópico resulta de a objectiva ser fracamente conver
gente e a ocular fortemente divergente. Em meados de Agosto,
havia já conseguido construir uma luneta com ampliação de
cerca de nove vezes {Opere, X, 250), a que passou a chamar
perspicillum. Na posse do novo instrumento, pensou na possi
bilidade de obter algumas vantagens e, então, com o auxílio de
Paolo Sarpi, estabeleceu contactos com o Senado de Veneza.
Galileu fez uma primeira demonstração do uso do teles
cópio, para um grupo de notáveis venezianos, a 21 de Agosto,
a partir do campanile da catedral de São Marcos, e no dia 24
mostrou-o ao Senado.41 Ele próprio descreveu a sensação pro
vocada pelo novo instrumento referindo o “infinito stupore”, e
o facto de mesmo homens idosos, senadores e outros nobres,
terem subido a escadaria para poderem presenciar a demonstra
ção.42 Muitos anos depois ainda recordava, com evidente pra
42
zer, a sensação que causara em Veneza {Opere, VI, 258). A
carta ao Doge que acompanhava o telescópio que doou ao
Senado, e que é o primeiro documento em que descreve o ins
trumento, refere “un nuovo artifizio di un occhiale cavato dalle
piü recondite speculazioni di prospettiva, il quale conduce
gfoggetti visibili cosi vicini alfocchio, et cosi grandi et distinti
gli rappresenta, che quello che è distante, verbi grazia, nove
miglia, ci apparisce come se fusse lontano un miglio solo”
{Opere, X, 250-251). Galileu explica de seguida as vantagens
militares que resultam do instrumento, sublinhando que “per
ogni negozio et impresa marittima o terrestre puo essere di gio-
vamento inestimabile”.
O resultado desta iniciativa foi muito positivo. Convenci
dos das grandes vantagens da luneta, as autoridades venezianas
recompensaram os esforços de Galileu com a garantia de que o
seu contrato na universidade de Pádua seria renovado até ao
final da vida e que o seu salário seria aumentado para 1000
florins por ano {Opere, X, 254; XIX, 115-117, 501). Mas, ou
porque esta oferta continha algumas condições que lhe desa
gradavam, ou porque tinha alimentado expectativas ainda mais
elevadas, Galileu recebeu estas notícias com decepção.43
tia per scoprire in mare vele e vasselli tanto lontani, che venendo a tutte
vele verso il porto, passavano 2 hore e piü di tempo avanti che, senza il
mio occhiale, potessero essere veduti” {Opere, X, 253).
43 {Opere, XIX, 116-117). Curiosamente, Galileu nunca referiría
Sarpi como sua fonte de informação, nem como elemento central nos
seus contactos com o Senado de Veneza, e é possível que este tivesse
ficado magoado com a omissão. Tudo leva a crer que as relações entre os
dois homens se tivessem esfriado nesse período, muito possivelmente por
questões de prioridade e por Sarpi achar que os seus contributos não
haviam tido o reconhecimento devido por parte de Galileu. Embora a 16
de Março de 1610 (isto é, 3 dias após a publicação do Sidereus Nuncius),
Sarpi fale sobre o telescópio {Opere, X, 290), não diz nada sobre o livro
e, surpreendentemente, a 27 de Abril de 1610, numa altura em que em
Veneza não se falava de outra coisa, numa carta a Jacques Leschassier, diz
que ainda não leu o livro de Galileu. Vide PAOLO S a rpi , Lettere ai Galli-
43
O que Galileu fez, em seguida iria mudar o curso da his
tória da ciência. Consciente de que outros facilmente fariam
telescópios de qualidade comparável às dos que então dispu
nha, concentrou-se em melhorar apreciavelmente a qualidade
dos seus instrumentos. Em Novembro de 1609, tinha conse
guido um telescópio com ampliação da ordem das vinte vezes
e, no início de 1610, dispunha já de telescópios com amplia
ção de trinta vezes, que no Sidereus Nuncius classifica de “exce
lentes” e que diz ter construído sem olhar a canseiras nem des
pesas.44 Com melhores instrumentos, Galileu começou a
observar os céus.
Quais seriam as características ópticas dos primeiros teles
cópios galileanos, em particular daqueles que usou para fazer as
observações relatadas no Sidereus Nuncius? Não há qualquer
44
dúvida que, por parâmetros actuais, se podem considerar ins
trumentos muito deficientes, o que, aliás, só põe em relevo a
excepcional capacidade e a determinação do sábio pisano.45
O telescópio com que Galileu fez as observações do Side-
reus Nuncius é um tubo com duas lentes nos extremos: uma
ocular plano-côncava com uma distância focal de cerca de
cinco centímetros, e uma objectiva plano-convexa com distân
cia focal de aproximadamente 70 a 100 cm. Tratava-se de
lunetas com aberturas de aproximadamente 40 mm e amplia
ções ligeiramente superiores a 20 vezes. O campo visual anda
ria pelos 12-15 minutos e a resolução pelos 1,25 minutos de
arco. A estes parâmetros muito modestos haveria que somar a
má qualidade do vidro, com muitas bolhas, ainda longe de ser
incolor, e os graves efeitos de aberração cromática e aberração
esférica. Galileu aprendeu a minimizar os problemas de aber
ração esférica colocando um diafragma, isto é, um ecrã diante
da objectiva, reduzindo as aberturas para cerca de 15-20 mm,
utilizando apenas a região em torno do eixo das lentes {Opere,
X, 485, 501). A primeiro menção de Galileu ao uso de dia
fragmas encontra-se numa carta de 7 de Janeiro de 1610, onde
explica que a objectiva convexa deve ser parcialmente tapada,
45
com o que as imagens ficam muito mais nítidas.46 Dois dos
telescópios de Galileu que sobreviveram até aos nossos dias
mostram, de facto, o emprego de um diafragma de cartão para
tapar parte da objectiva.47 O melhoramento gerado pela aplica
ção do diafragma deve atribuir-se a Galileu já que os telescó
pios holandeses originais não o tinham e não há notícia de que
antes de Galileu alguém os tivesse usado.48 Segundo o próprio
luz dos astros, que vinha a fazer desde o aparecimento da nova de 1604.
Vid. S v e n D u p r é , «Galileos telescope and celestial light», Journal for the
History o f Astronomy, 34 (2003) 369-399.
47
focal.49 Segundo este investigador, Galileu baseou-se na óptica
do seu tempo, cujos princípios levavam a considerar que a
ampliação do telescópio estaria relacionada com o diâmetro da
lente convexa; mas embora Galileu continuasse a pensar que a
ampliação estava apenas relacionada com a lente convexa
(objectiva), percebeu que não tinha que ver com o seu diâme
tro, mas sim com a sua distância focal.50
A descrição, muito sumária, apresentada no Sidereus Nun-
cius, não menciona a possibilidade de focagem e seguramente
muitos dos primeiros leitores não consideraram esse problema e
a sua possível solução. Todavia, algumas das primeiras lunetas
que circularam em Itália já tinham essa capacidade e numa
carta de 28 de Agosto de 1609, de Giovanni Battista delia
Porta ao príncipe Cesi, mostra-se uma luneta cujo compri
mento pode ser variado, permitindo a focagem {Opere, X,
252). Galileu fala explicitamente do assunto na carta de 7 de
Janeiro de 1610 a Antonio de’ Mediei, explicando que “è bene
che il cannone si possa alungare e scociare un poco, cioè 3 o
48
4 dita in circa” e que se lhe deve antepor um diafragma
{Opere, X, 278).
Galileu praticamente nada disse acerca da teoria que
explica o funcionamento do instrumento, apesar de prometer
uma explicação no Sidereus Nuncius. Embora tivesse reclamado
em vários locais que chegara à concepção do telescópio devido
a “recondite speculazioni di prospettiva”, isto é, às suas análises
dos princípios teóricos da ciência da perspectiva, a verdade é
que parece nunca ter dominado os princípios ópticos subjacen
tes ao funcionamento do instrumento.51 Em particular, é óbvio
que não entendeu a Dioptrice (1611) de Kepler, e numa con
versa ocorrida nos meses finais de 1614, com um francês que
o visitava (Jean Tarde), queixou-se de que o livro de Kepler era
“si obscur quil semble que 1’autheur mesme ne s’est pas
entendu”52 — uma apreciação que só pode classificar-se como
muito injusta e como mais um exemplo do surpreendente des
prezo a que votou o matemático alemão. A 13 de Setembro de
1616, um seu correspondente, Malatesta Porta, escrevia-lhe
recordando a promessa feita,53 mas nem nesta ocasião, nem nos
anos seguintes, Galileu colmatou esta lacuna, limitando-se a
dar indicações muito vagas no II Saggiatore (Roma, 1623)
{Opere, VI, 259) e em alguma correspondência dispersa.
49
A insistência no reduzidíssimo domínio de óptica teórica
por Galileu tem sido um topos da literatura especializada, san
cionada por autoridades como Vasco Ronchi, Olaf Pedersen,
David Lindberg, entre muitos outros. Recentemente, contudo,
Sven Dupré tem mostrado como Galileu conseguiu ter uma
compreensão do funcionamento do telescópio baseando-se nos
conhecimentos disponíveis junto dos praticantes da matemática
do século XVI, muito em especial como a Theorica speculi con-
cavi sphaerici de Ettore Ausonio, que Galileu conhecia bem e
copiou entre 1592 e 1601, foi importante para as suas idéias
sobre o funcionamento do telescópio.54
Como é evidente, é também possível que Galileu soubesse
muito mais do que explicou, e que tivesse mantido a máxima ,
discrição sobre os princípios ópticos relevantes para o funcio
namento do telescópio pelo desejo de os manter secretos.55
Se não esclareceu quase nada acerca dos princípios teóri
cos, Galileu, tal coimo os seus contemporâneos, também não
divulgou quase nenhumas indicações concretas sobre os méto
dos práticos pelos quais construiu o telescópio, a tal ponto que
há muitas interrogações sobre o modo como, na prática, se
levava a cabo este procedimento.56 Só em 1618 surgiría o livro
50
de Geronimo Sirtori, Telescopium: Siue ars perficiendi novum
illud Gãlilaei visorium instrumentum ad sidera, com informação
detalhada sobre as técnicas para polir lentes adequadas e cons
truir telescópios. (Curiosamente, como explicaremos adiante
mais detidamente, neste assunto são importantes as notas de
construção de telescópio de um professor do colégio jesuíta de
Santo Antão em Lisboa.) A documentação também não per
mite clarificar totalmente se, nos primeiros tempos, Galileu
recorria a artesãos para o ajudarem na construção dos telescó
pios, embora se saiba que, em anos posteriores, vários artesãos
trabalharam para ele construindo telescópios e que pelo menos
um deles, Ippolito Francini, teve alguma fama.57
A despeito das suas limitações, os telescópios construídos
por Galileu foram, durante alguns anos, os melhores telescó
pios do mundo. Foram, por isso, solicitados por muitas pes
soas, e o próprio Galileu tomou a iniciativa de os enviar a
muitos, tendo para isso transformado a sua casa numa verda
deira oficina de produção de instrumentos ópticos.58
51
A documentação da época permite verificar como era difí
cil realizar observações com os deficientes instrumentos da
altura. Escrevendo a um correspondente, Galileu transmitiu
informações preciosas acerca do uso do instrumento na prática:
52
res pois, depois de polidas, só pouquíssimas eram aprovadas
para serem aplicadas em telescópios.60
O próprio Galileu teve, por vezes, dificuldades em mos
trar os novos corpos celestes. Em Abril de 1610, deslocou-se a
Bolonha com o intuito de pessoalmente mostrar estas novida
des ao famoso astrônomo Giovanni Antonio Magini (1555
-1617), num episódio que redundou num clamoroso fracasso,
tendo Galileu de retirar-se mais cedo, humilhado.61 E noutras
ocasiões (por exemplo, na corte dos Mediei), recomendou enfa
ticamente que náo tentassem ver as luas de Júpiter sem ele
estar presente para ajudar {Opere, X, 289).
E as dificuldades práticas não eram tudo. O telescópio
introduzia ainda um conjunto de problemas novos, com os
quais Galileu iria ter de se confrontar ao longo da vida. Como
justificar que as observações telescópicas não eram meras ilusões
ópticas quando imediatamente se verificou que as lunetas tam
bém geravam, com facilidade, ilusões ópticas? Como aceitar os
resultados — muitas vezes perturbadores — de um instru
mento cujo funcionamento não se compreendia nem se sabia
explicar? E uma vez que muitas observações telescópicas não se
limitavam simplesmente a melhorar as observações feitas à vista
53
desarmada, mas entravam em conflito directo com essas, como
explicar as discrepâncias? No fundo, como foi possível a Galileu
tornar aceites e credíveis as suas descobertas com o telescópio?62
As estratégias desenvolvidas por Galileu — confirmações
alternativas, testemunhas, representações visuais convincentes,
insistência na superioridade dos própios telescópios, etc. —
revelar-se-iam de imenso sucesso. Como fez notar o historiador
Albert van Helden, o que é realmente surpreendente não é que
tenham surgido dúvidas e hesitações, mas, pelo contrário, que
tantos tivessem ficado convencidos das descobertas de Galileu
em tão pouco tempo, quando se pensa nas dificuldades das
observações, na sua fraca qualidade e na oposição generalizada
ao copernicianismo.63
54
satélites de Júpiter — introduzidos por umas breves páginas
acerca do telescópio, e separados por uma digressão, também
de poucas páginas, sobre as estrelas fixas.
A superfície da Lua
55
Lua, com um primeiro desenho feito em Julho de 1609. Har-
riot, contudo, parece nunca ter tido mais do que um interesse
estritamente cartográfico, representando o que pensava serem
os continentes, mares e litorais da Lua. E, na verdade, mesmo
depois de ter lido o Sidereus Nuncius, fez desenhos da super
fície lunar com algum detalhe, mas muito inferiores aos de
Galileu.65 De facto, o italiano empreendeu estes estudos com
uma determinação e uma genialidade sem igual, possuindo, na
altura, uma luneta com uma ampliação e uma resolução muito
melhor do que as de Harriot.
56
A natureza da Lua e, em particular, da sua superfície, fora
sempre objecto de discussões e debates desde a Antiguidade, ao
longo de toda a Idade Média até às vésperas do surgimento do
telescópio. As manchas da Lua são bem visíveis a olho nu e
levaram a que praticamente todos os povos as tenham tentado
interpretar. Já no Neolítico se havia discutido essas manchas.
Uma ideia que circulava desde a antiguidade, inicialmente pro
posta por Clearco, era a de que essas manchas se deviam ao
reflexo da superfície da Terra. Anaxágoras havia já declarado
que a Lua era feita como a Terra, com planícies e ravinas e
vários outros, como Heraclides e Platão (pela boca de Sócrates,
no Fédori), haviam argumentado que a Lua era como uma
outra Terra.66
Acima de tudo, havia Plutarco, que dedicara uma obra
importante e muito divulgada ao assunto, De facie quae in orbe
lunae apparet [Sobre a face que se vê no disco lunar\, onde afir
mava que a Lua é como a Terra, com montanhas e vales, e
onde discutia muitos outros temas relacionados, como as man
chas lunares, a explicação da origem e natureza da luz que
irradia da Lua, a matéria de que a Lua é feita, os eclipses, a
possibilidade de a Lua ser habitada, etc.67 Estas discussões pro
57
longaram-se por toda a Idade Média e Renascimento, influen
ciando pensadores e artistas. Era corrente a explicação, de ori
gem averroista, segundo a qual a Lua recebia a luz do Sol dife
rentemente, em função da sua densidade, o que explicaria a
existência das diferentes tonalidades, isto é, das manchas na sua
superfície.68 Mesmo nas vésperas das descobertas galilelanas,
estes assuntos eram discutidos em alguns dos texto mais
influentes, como, por exemplo, no comentário ao De caelo
(1593) do Curso conimbricense e, sobretudo, por Kepler, na sua
Óptica (1604).69 Kepler não se limitou a citar Plutarco abun
59
pitagórica de que a Lua é uma outra Terra”. O aparecimento
do telescópio permitia a Galileu fazer uma ousada manobra
retórica, impondo um verdadeiro corte na longa tradição dos
estudos sobre a Lua. Ao ignorar todos os textos e as ricas dis
cussões do passado, Galileu indicava implicitamente que o
telescópio inaugurava uma nova era. Não se sentia, assim, na
necessidade de dialogar com as opiniões do passado que
haviam ficado ultrapassadas — mas não necessariamente reba
tidas — com o advento da luneta.
Nem todos ficaram convencidos com esta manobra.
Quando começaram a ser divulgadas as observações galileanas
da superfície da Lua, alguns contemporâneos acharam que o
que se estava a divulgar como novo era assunto antigo e bem
sabido.72 E tinham bastante razão pois até o próprio Galileu já
era da opinião de que a Lua era como a Terra, com montanhas
e vales, alguns anos antes de a ver com o telescópio. Em 1606,
na sequência das discussões provocadas pelo aparecimento da
nova estrela de 1604, publicara, sob o pseudônimo de Alim-
berto Mauri, uma obra intitulada Considerazioni [ ...] intorno
alia stella apparita 1604, onde defendia já esta ideia.73 No
entanto, como rapidamente se constataria, uma coisa é discutir
com base em textos, argumentos, e autoridades. Outra coisa,
muito diferente, é ver, sobretudo quando o “ver” era guiado
pela pena e pela mente de um homem genial.
60
Entre 30 de Novembro e 18 de Dezembro, Galileu obser
vou a Lua em diversas fases, fazendo cuidadosos desenhos do
que via. Para além das gravuras que estão no Sidereus Nuncius,
conhecem-se alguns outros desenhos e aguarelas da Lua tam
bém feitos por ele.74 Muito recentemente foi localizado um
exemplar do Sidereus Nuncius, absolutamente idêntico aos da
primeira edição, mas que, em lugar das gravuras, apresenta
aguarelas que tudo leva a crer foram feitas pelo próprio Gali
leu.75 As gravuras da edição original do Sidereus Nuncius são de
boa qualidade, mas nas edições seguintes decaíram muito de
nível.
61
O estudo da superfície lunar por Galileu é antes de mais
nada um monumento à sua capacidade de observação e ao seu
talento gráfico. Fica bem patente a sua grande capacidade artís
tica, mas fica ainda mais explícita a sua compreensão da
importância das representações visuais como elementos persua-
sivos de imenso poder.76 No Sidereus Nuncius Galileu apresenta
cinco gravuras da Lua — na verdade apenas quatro são distin
tas pois há uma repetição — em diferentes fases, procurando,
muito mais do que uma cartografia precisa da Lua, fazer uma
descrição visual dos diferentes tipos de acidentes e relevos da
superfície lunar e a sua semelhança com os correspondentes
terrestres.
Algumas destas observações haviam sido dadas a conhecer
na carta de 7 de Janeiro de 1610 que enviou a Antonio de’
Mediei e, na verdade, quando semanas depois preparou o Side
reus Nuncius usou muito do texto que escrevera nessa missiva.
deixadas por Galileu, mas seria insensato não chamar a atenção do leitor
para a descoberta das novas aguarelas, uma das maiores novidades nos
estudos galileanos nos últimos anos, comunicada pela Universidade de
Pádua a 28 de Março de 2007 e analisada por William R. Shea a Horst
Bredekamp. Vide GlOVANNl CAPRARA, «E Galileo dipinse il volto delia
Luna», Corriere delia Sera, 27 Março 2007, pp. 15-18; RlCHARD O w e n ,
«The Galileo sketches that turned the universe on its head», The Times,
28 Março 2007, pp. 6-7; M. B e c k e r , «Galileis erste Mond-Bilder ent-
deckt», Spiegel, 30 Março 2007; JEFF lSRAELY, «Galileos Moon View»,
Time, 16 Agosto 2007.
76 Acerca deste tema, a literatura recente tem sido adicionada com
trabalhos de grande importância. Veja-se: WlLLIAM R. S h e a , « H ow Gali
leos mind guided his eye when he first looked at the moon through a
telescope», in: G é RARD S im o n and SUZANNE D é BARBAT, Optics and
Astronomy [= Proceedings of the XXth International Congress of History
of Science, Liège, 20-26 July 1997, vol. XII] (Turnhout: Brepols, 2001),
pp. 93-109; S a r a E l iz a b e t h B o o t h and A l b e r t van H e l d e n , «The
Virgin and the Telescope: The Moons of Cigoli and Galileo», Science in
Context, 13 (2000) 463-488 [republicado in: J ü r g e n R e n n (ed.), Galileo
in Context (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), pp. 193-
-216],
62
Ao redigir o Sidereus Nuncius, Galileu percebeu que necessitava
de criar uma nova linguagem visual para acompanhar a descri
ção de factos tão surpreendentes. As gravuras que preparou não
têm a pretensão de cartografar a superfície lunar e, quando
comparadas com imagens reais da Lua, imediatamente se reco
nhece que estão muito longe de serem representações fiéis. Pelo
menos desde meados do século XVII que vários astrônomos
fizeram notar que, consideradas como descrições cartográficas
da Lua, as gravuras do Sidereus Nuncius são muito deficientes.77
Mas a representação exacta dos detalhes lunares nunca foi a
intenção de Galileu. As gravuras que apresenta são peças
visuais de um argumento. Aliás, a comparação das aguarelas
que primeiramente desenhou, enquanto observava com o teles
cópio, com as gravuras depois publicadas, mostra que as pri
meiras são muito mais fiéis à realidade e que Galileu intencio
nalmente deformou e exagerou muitos aspectos do que vira,
para construir e ilustrar os seus argumentos. As imagens apre
sentadas são o ponto de partida e apoio visual de um argu
mento que Galileu monta acerca das zonas claras e escuras da
Lua, do modo como essas zonas de claridade e escuridão vão
variando com a passagem do tempo, e do que se pode deduzir
dessas mutações.
A análise de Galileu é verdadeiramente excepcional, sendo
toda baseada na observação de pontos luminosos e escuros e
manchas mais ou menos brilhantes na superfície da Lua, na
sua distribuição espacial e sua variação com o decorrer do
tempo. O telescópio não lhe mostrou directamente o perfil de
63
montanhas lunares, nem nunca Galileu reclamou tal coisa. Pelo
contrário, como explicou numa carta ao matemático jesuíta
Christoph Grienberger, a conclusão de que a Lua tem monta
nhas não é obtida pelos sentidos directamente, mas sim pela
“conjunção do discurso com as observações e aparências”78. A
existência de montanhas e vales, cordilheiras e depressões é,
pois, uma dedução a partir das propriedades do brilho da
superfície da Lua, uma dedução com que nem todos concor
dariam.
Observando com o telescópio e interpretando os resulta
dos foi possível concluir que a Lua tem zonas de planície,
montanhas e vales. Esta natureza irregular e montanhosa da
Lua é especialmente evidente examinando o terminador, isto é,
a linha que separa a região escura da região iluminada. Com
preendendo que alguns pontos brilhantes, na zona obscurecida
da Lua, seriam os cumes de montanhas lunares iluminados
pelo S.ol, Galileu foi ainda capaz de fornecer estimativas para a
altura das montanhas da Lua, com um argumento geométrico
simples mas muito engenhoso.79 Explicou ainda porque é que
64
essas montanhas não tornavam de aspecto rugoso o perfil exte
rior do disco lunar, como uma consequência da sobreposição
visual de muitas cordilheiras lunares ou devido ao efeito óptico
dos vapores atmosféricos da Lua, o que explicou detalhada
mente com um diagrama (Galileu abandonaria mais tarde, só
depois da publicação do Sidereus Nuncius, a ideia de qualquer
fenômeno atmosférico na Lua).
A importância que ele atribuía às gravuras da Lua é
evidente pois quando pensou em fazer uma nova edição do
Sidereus Nuncius, uma das suas intenções era melhorar essas
representações, incluindo uma série completa de imagens da
superfície da Lua para toda uma lunação {Opere, X, 300).
Um dos pontos centrais em toda a discussão acerca da
Lua tem que ver com o fenômeno da chamada Lua cinzenta,
ou Lua cendrada, a que Galileu chamará “luz secundária” da
Lua, isto é, a tênue luminosidade que se pode observar na
parte obscura da Lua quando está na fase crescente. A inter
pretação mais tradicional desta iluminação subtil atribuía-a à
luz solar, baseando-se na ideia de que o globo lunar era par
cialmente translúcido e que, quando era exposto à luz do Sol,
ficava impregnado dessa iluminação. Galileu discutiu o fenô
meno com atenção e mostrou tratar-se de luz que atinge a Lua
depois de ter sido reflectida pela Terra (tal como a Lua ilumina
a Terra com luz reflectida do Sol, também a Terra ilumina a
Lua com luz reflectida). Diz que já discutira e explicara este
assunto alguns anos antes, mas não refere que nem sequer fora
o primeiro a fazê-lo.80* É possível que não estivesse a par de
que um século antes já Leonardo da Vinci havia sugerido uma
tal explicação, num dos seus apontamentos manuscritos, mas
sabia certamente que Michael Maestlin (1550-1631), na sua
Disputado de eclipsibus solis et lunae (Tübingen,1596), já tratara
65
do assunto, e que Kepler já dera uma explicação completa do
fenômeno na sua Óptica (1604).81 Mas o que torna este
assunto de importância capital é que, para Galileu, a luz secun
dária, revelando uma simetria entre a Lua e a Terra, servia
como uma das indicações mais convincentes a favor do esta
tuto planetário da Terra, isto é, do copernicianismo. O assunto
permanecería de grande importância no programa coperniciano
em que Galileu se empenhou ao longo dos anos. Mesmo já
nos seus últimos anos de vida voltaria a este assunto a propó
sito do livro de Fortunio Liceti, Litheosphorus, sive de lapide
Bononiensi lucem (Udine, 1640), em que o autor defendia que
a luz da Lua era devida a um fenômeno semelhante ao da
pedra de Bolonha, isto é, um fenômeno de fosforescência.82
Todavia, como foi já argumentado convincentemente por
Roger Ariew, não pode dizer-se que as observações de Galileu
66
tivessem anulado completamente a descrição averroista.83 Talvez
por isso, ou porque a observação da superfície lunar com um
telescópio é muito simples de fazer, estas descobertas acerca do
relevo da Lua e do seu brilho secundário foram as que suscita
ram mais reservas e contestações. O famoso matemático jesuíta
Cristovão Clávio [Clavius] (1538-1612), se bem que estivesse
pronto para aceitar todas as outras observações telescópicas de
Galileu, incluindo a supreendente observação de satélites de
Júpiter, nunca aceitou completamente as opiniões de Galileu
relativas à Lua.
A análise da superfície da Lua por Galileu é um feito do
mais notável brilhantismo científico. Para que seja conveniente
mente apreciado importa ter presente que foi realizado em
condições muito desfavoráveis: os campos visuais dos telescó
pios de que dispunha (cerca 12 a 15 minutos de arco) apenas
lhe permitiam ver cerca de um quarto da Lua cheia. Galileu
praticamente abandonou o estudo da superfície da Lua após a
redacção do Sidereus Nuncius, o que se viria a converter num
campo de intenso trabalho científico sob o nome de Seleno-
grafia. Todavia ainda fez mais uma descoberta importante, ao
observar, na década de 1630, as librações da Lua84.
67
Toda a discussão em torno da Lua serviu a Galileu de
ocasião para introduzir, como um tema que se irá repetindo
em toda a sua obra posterior, a ideia da semelhança e da
co-familiaridade entre a Lua e a Terra e, portanto, a afirmação
de que a Terra é apenas mais um planeta. Aliás, será durante a
discussão da superfície lunar que Galileu fará a mais explícita
referência ao movimento da Terra em todo o Sidereus Nuncius.
A natureza da Lua, do seu brilho e a sua semelhança com a
Terra são extensamente tratadas no Dialogo sopra i due massimi
sistemi dei mondo (Florença, 1632), constituindo uma parte
central das discussões do primeiro dia {Opere, VII, 86-131).
As estrelas fixas
68
por reflectirem luz.86 Com o telescópio, contudo, corrigiu essa
primeira explicação, concluindo que os planetas apenas reflec-
tem luz, e que somente as estrelas brilham com luz própria.
Mas a observação telescópica de estrelas revelaria um compor
tamento inesperado. Galileu notou que quando as via com o
telescópio, embora elas se passassem a ver com brilhos muito
mais intensos do que a olho nu, continuavam a aparecer muito
pequenas, pontuais. Um comportamento muito diferente, por
tanto, dos planetas, que, observados com o telescópio, revelam
uma forma bem definida de discos. A 7 de Janeiro relatava
estes factos do seguinte modo:
69
A idéia de Galileu para explicar este estranho facto con
sistiu em argumentar que, à vista desarmada, as estrelas são
vistas sempre rodeadas de uma irradiação, uma espécie de
“cabeleira” de raios luminosos que saem da estrela em todas as
direcções, que as faz parecer de muito maior dimensão, mas
que esta irradiação seria eliminada (como que “rapada”, é a
expressão que usa) ao passar pelo telescópio. Com esta explica
ção Galileu conseguia não somente tornar coerente o funciona
mento do telescópio, produzindo o mesmo efeito para todos os
objectos celestes observados, mas conseguia também anular
uma importante crítica de Tycho Brahe contra o sistema de
Copérnico.88
É interessante notar que, para explicar este assunto, Gali
leu invocou observações não-télescópicas das estrelas. Podia
assim atacar as estimativas e os argumentos de Tycho Brahe
(que nunca tivera telescópios), ao mesmo tempo que desligava
o problema do diâmetro das estrelas da questão da fiabilidade
do instrumento.89
O problema do brilho das estrelas ocupá-lo-ia até ao fim
da vida e serviria para introduzir uma profunda análise e crí
tica das idéias tradicionais associadas à percepção visual. Depois
das primeiras menções no Sidereus Nuncius, voltaria ao assunto
70
na terceira carta sobre as manchas solares, em Istorie e dimos-
trazioni intorno alie macchie solari (1613) ( Opere, V, 196-197)
no Discorso delle comete (1619), escrito em nome de Mario
Guiducci {Opere, VI, 79-85), no II Saggiatore (1623) {Opere,
VI, 354-361), onde está a discussão mais desenvolvida deste
tema, no Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632)
{Opere, VII, 356-365), e mesmo no Le operazioni astronomiche,
um trabalho redigido já quase no fim da vida que ficaria
incompleto {Opere, VIII, 453-464). O argumento que Galileu
foi progressivamente desenvolvendo nestes trabalhos era o de
que a vista desarmada produz ilusões ópticas que o telescópio
resolve, e que, portanto, a nossa visão directa não deve ser con
fiada quando se trata de observações de fenômenos astronô
micos.90
Observando com o telescópio duas zonas bem conhecidas
do céu — na constelação de Orionte a zona do cinturão e da
espada, e as Plêiades, na constelação do Touro — , Galileu veri
ficou a existência de dezenas de novas estrelas fixas, invisíveis a
olho nu e por isso totalmente desconhecidas até então.91 As
71
Plêiades são um enxame aberto (Messier 45) conhecido desde a
mais remota antiguidade. Pelo menos seis estrelas são bem visí
veis sem instrumentos ópticos, mas em condições favoráveis
podem chegar a ser vistas 14. Estes dois exemplos eram sufi
cientes para deixar claro o que sucedería se todos os céus
fossem examinados sistematicamente. De uma assentada, o
número de estrelas e, portanto, o gigantismo do universo,
aumentava espantosamente. Deve ainda mencionar-se que as
gravuras que Galileu apresentou não são absolutamente rigoro
sas quanto à localização das estrelas, mas são surpreendente
mente completas já que apresentam quase sem falhas todas as
estrelas até uma magnitude de +6.
Galileu dirigiu também o seu telescópio para duas zonas
celestes que na altura se julgavam ser nebulosas. Observou
que a “nebulosa” da cabeça de Orionte [nebula capita Orionis,
A-Orionis] e a “nebulosa” de Presépio, no Caranguejo, que no
catálogo de Ptolomeu são descritas como nebulosas, e sempre
assim haviam sido consideradas pelos astrônomos, eram, afinal,
constituídas por numerosas estrelas, muito próximas umas das
outras. Na altura em que publicou estes resultados, o consenso
em torno deste assunto começava a desaparecer, pois desde o
início do século XVII, antes mesmo do aparecimento do teles
cópio, já vários autores haviam questionado a descrição antiga:
no famoso catálogo de Johannes Bayer (1564-1617), Uranome-
tria (Augsburg, 1603), o mais influente atlas celeste do século
XVII, a “nebulosa” da cabeça de Orionte aparece já resolvida
em três estrelas, sendo o aspecto nebular abandonado.92 Mas
72
seria Galileu, ao mostrar que essa “nebulosa” era afinal um
agregado de 21 estrelas muito próximas, quem desferiría a der
radeira machadada na concepção antiga.
De modo semelhante, a “nebulosa” do Presépio (hoje em
dia com a designação de agregado Messier 44 [M44, N G C
2632], um enxame aberto), facilmente visível a olho nu, é
conhecida desde a mais remota antiguidade; os gregos chama
vam-lhe Manjedoura, e Ptolomeu, no seu famoso Catálogo,
inclui-a também entre as sete nebulosas listadas no AlmagestoP
Sem lentes não se conseguem distinguir as estrelas, vendo-se
apenas uma mancha difusa, mas Galileu, com o telescópio,
resolveu-a num aglomerado de 38 estrelas.
Estas observações telescópicas pareciam resolver definitiva
mente a questão da verdadeira natureza das zonas nebulosas do
céu, e, baseado neste esclarecimento, Galileu explicava que era
exactamente o que também se observava na Via Láctea, sobre*
74
É também interessante notar o que não está dito no Side-
reus Nuncius relativamente às estrelas fixas, isto é, qualquer
menção do uso do telescópio para tentar observar a paralaxe
anual dessas estrelas.97 Galileu tinha perfeitamente presente
76
pela boca de Salviati, Galileu discutiu longamente a importân
cia da paralaxe anual e o facto de se tratar de um teste crucial
para o copernicianismo. No entanto, apesar de explicar como
se deveria levar a cabo essa observação (segundo o método pro
posto por Ramponi, mas sem o citar), omitiu completamente o
facto de ele próprio se ter dedicado a essas medidas, o que se
pode talvez explicar pelo falhanço das suas tentativas {Opere,
VII, 399-416).
Os satélites de Júpiter
77
tinha fornecido indícios nesse sentido.100 Galileu declarou que
essa descoberta fora uma graça especial que Deus lhe concedera
e insistiu sempre que ninguém antes dele tinha alguma vez
visto, ou sequer suspeitado da existência desses astros, e que ele
fora absolutamente o primeiro a observá-los. '
Em Janeiro de 1610, Júpiter estava em condições parti
cularmente favoráveis para ser observado. Tinha passado a opo
sição, quando estava à menor distância da Terra, e era o astro
mais brilhante da noite.101 Galileu estava seguramente interes
sado em observar o movimento do planeta que, por esses dias,
percorria um arco de retrogradação (i.e., de Leste para Oeste).
No dia 7 de Janeiro, observou Júpiter, notando que tinha
três pequenas estrelas perto de si, duas para o lado Este e uma
para o lado Oeste. Nesse mesmo dia, escrevendo a Antonio de’
Mediei, dava a primeira notícia dessa observação curiosa:
“questa sera ho veduto Giove accompagnato da 3 stelle fisse
totalmente invisibili per la lor picciolezza” {Opere, X, 277), e
num desenho reproduzia a observação. As estrelas encontra
vam-se dispostas ao longo de uma linha recta paralela à eclíp-
tica, uma disposição curiosa, mas muito útil para quem queria
78
inspeccionar em detalhe o movimento de Júpiter. No dia 8,
contudo, observou que, estranhamente, a disposição dessas
pequenas estrelas era diferente. No dia 9, não pôde fazer
observações porque estava enevoado, mas no dia 10 voltou a
observar que as estrelas se dispunham num arranjo diferente de
qualquer um que tivesse visto até então. Galileu concluiu que
eram as próprias estrelas que se estavam a deslocar: um com
portamento estranhíssimo.
No dia 13, a perplexidade aumentava, pois surgia agora
uma quarta pequena estrela que Galileu não vira anteriormente
(devido ao pequeno campo de visão das suas lunetas e ao fkcto
de em dias anteriores alguns dos satélites terem estado quase
sobrepostos ou demasiado próximos de Júpiter). Alguns his
toriadores especularam que teria sido a observação de quatro
pequenas estrelas que decidira Galileu a dirigir-se aos qua
tro Mediei.102
Galileu não demorou muitos dias a chegar à conclusão
— absolutamente surpreendente — de que se tratavam de saté
lites de Júpiter. A 30 de Janeiro, dava conta, pela primeira vez,
desta extraordinária descoberta, numa carta a Belisario Vinta,
relatando o seu descobrimento de quatro novos planetas orbi-
tando em torno de uma “stella molto grande”. Estava tão entu
siasmado com o seu descobrimento e tão preocupado que
outra pessoa o pudesse também fazer que, prudentemente, não
especificou que a “estrela” em causa se tratava de Júpiter.103
79
Galileu designa sempre os novos astros que descobriu
por stella, pequenas estrelas (stellulae) ou planeta, mas Kepler
sugeriu um termo específico, propondo inicialmente circula-
tores {Opere, X, 337) e, meses depois, numa carta a Galileu
em Outubro de 1610, designando-os pela primeira vez como
“satélites de Júpiter” {Joviales satellites) {Opere, X, 458), termo
que usou no título do relatório das suas próprias observações,
Narratio de observatis a se quatuor Iovis satellitibus (1611). Gali
leu, contudo, nunca usou o termo satélite, nem tão pouco
luna.lM
No Sidereus Nuncius são relatadas as observações dos saté
lites de Júpiter feitas entre 7 de Janeiro e 2 de Março de 1610,
num total de 65 observações. Para dar conta deste descobri
mento sensacional e também, sem dúvida, para eliminar possí
veis objecções, Galileu alterou completamente os códigos de
representação habituais em astronomia, apresentando as suas
observações, dia-a-dia, numa sequência de diagramas: uma
apresentação verdadeiramente inovadora, quase cinematográfica,
em que a enorme profusão de imagens ilustrando as diferentes
posições dos satélites em torno de Júpiter, impõe-se quase dis
pensando mais argumentos, mas simplesmente pelo peso esma
gador da evidência visual.
Não se devem esquecer as dificuldades em observar estes
pequenos planetas com instrumentos tão deficientes como os
de que Galileu dispunha. No manuscrito original do Sidereus
Nuncius Galileu assinalava algumas destas dificuldades dizendo
que ainda não havia sido capaz de determinar os períodos des-104
80
ses planetas e que ainda não havia sido capaz de os distinguir
convenientemente uns dos outros, pois não diferiam significati
vamente em cor ou tamanho {Opere, III/1, 46), mas depois ris
cou este trecho que na versão impressa acabou por ser omitido.
Galileu percebeu imediatamente não apenas a importância
científica da sua descoberta, mas também as suas potencialida
des na muito desejada aproximação à corte dos Mediei, e,
como explicaremos mais adiante, decidiu dedicá-la a Cosme II.
A meio de Fevereiro, enquando ainda fazia observações, entrou
em contacto com Belisario Vinta, o Secretário de Estado da
corte toscana, para se informar do melhor modo de levar a
efeito esta dedicação.
Ciente da excepcionalidade destas observações e da rela
tiva facilidade em as fazer, para quem possuísse um telescópio
de qualidade aceitável, Galileu foi extremamente cauteloso na
divulgação destas notícias. Nas primeiras folhas manuscritas
que deixou ao impressor havia apenas menção de grandes des
cobertas e de novas “Cósmica Sydera”, mas nenhuma revelação
de que circulavam nas vizinhanças de Júpiter e durante algu
mas semanas a sua correspondência revela que, embora fosse
dando a saber que descobrira novos astros, nunca fala de
Júpiter.
Após a publicação do Sidereus Nuncius, Galileu continuou
a estudar intensamente o movimento destes satélites, com o
objectivo de determinar os seus períodos sinódicos, num traba
lho que é um monumento de genialidade científica, quer do
ponto de vista teórico, quer do ponto de vista da dificuldade
das observações por ele levadas a cabo.105 Em 1612, conseguiu
81
finalmente determinar esses períodos. Publicou imediatamente
os resultados, aproveitando para isso o facto de estar a dar aos
prelos o Discorso [ ...] intorno alie cose che stanno in sú 1’acqua
ò che in quella si muovono, um livro que, no entanto, nada
tinha a ver com a questão astronômica.106
Os historiadores concordam em geral que a descoberta
dos satélites de Júpiter, esvaziando assim a objecção que pre
tendia negar o movimento da Terra pela impossibilidade de a
Lua a acompanhar, foi um facto decisivo na conversão de Gali-
leu a um copernicianismo explícito e militante. Para mais,
82
quando foi capaz de estabelecer os períodos, deu-se conta de
que os satélites mais interiores eram mais rápidos e os mais
exteriores mais lentos, exactamente como no sistema coperni-
ciano. No Sidereus Nuncius Galileu não desenvolveu em detalhe
todos estes argumentos, fazendo apenas notar que os planetas
mais interiores têm períodos menores do que os mais exterio
res e usando a comparação entre Júpiter com os seus satélites e
a Terra com a Lua para refutar o sistema de Tycho Brahe (sem
o nomear). Mas mais tarde, no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi dei mondo (1632), invocaria as suas observações destes
satélites para fundamentar o sistema coperniciano.
Galileu continuou sempre interessado nos satélites de
Júpiter, o que o levou a propor um processo de determinação
da longitude baseado no seu movimento. Tendo observado pela
primeira vez, em 1612, um eclipse de um satélite de Júpiter,
deu-se conta de que esses eclipses podiam servir como fenôme
nos capazes de proporcionar uma medição absoluta do tempo
e, portanto, um dos ingredientes indispensáveis para a medição
da longitude. O princípio era exacto, mas tudo ficava depen
dente da possibilidade de preparar tabelas de eclipses suficien
temente precisas e de fazer observações com o rigor necessário.
A partir de 1613, Galileu tentou convencer o governo de Espa
nha da aplicabilidade do método, mas sem grande sucesso. No
final da sua vida, retomou estas tentativas, mas agora com o
governo dos Países Baixos.107
83
No ano de 1614, Simon Mayr [Marius] (1570-1624)
publicava em Nuremberga uma obra intitulada Mundus Iovialis
anno M .D C.IX Detectus Ope Perspicilli Belgici onde reclamava
ter observado os satélites de Júpiter desde finais de Novembro
de 1609, começando a registar sistematicamente as suas posi
ções a partir de 29 de Dezembro de 1609. Galileu publicou
uma refutação devastadora no II Saggiatore (1623), mas hoje
em dia é muito difícil apurar quem tinha razão.108 Num
aspecto, contudo, Marius saiu vencedor, pois a designação
«estrelas de Mediei» foi rapidamente abandonada, em favor da
designação de inspiração clássica de Io, Europa, Ganimede,
Calisto que Marius propusera no Mundus Iovialis.
84
A escrita do Sidereus Nuncius e a ligação aos Mediei
85
adiantado, quase pronto.110 No dia 30 de Janeiro, Galileu
encontrava-se em Veneza para tratar já da impressão da obra,
escrevendo então a Belisario Vinta:
86
aproximação à corte do Grão-Ducado da Toscana.112 A ligação
de Galileu à família Mediei tinha já alguns anos; fora tutor de
matemática do jovem Cosme, tendo passado várias temporadas
na corte toscana: quase todo o Verão de 1605 {Opere, X, 144
-145), algumas semanas em Outubro de 1606 {Opere, X,
158-162), e quase todo o Verão de 1608 {Opere, X, 214-215).
Em 1606, dedicara a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso
geométrico et militare (Padova, 1606)113 e em Setembro de
1608, aquando do casamento de Cosme e Maria Madalena de
Áustria, havia escrito à Grã-Duquesa Cristina propondo uma
nova representação heráldica. Mas, apesar de todo o empenho
colocado por Galileu, que nunca escondeu o seu desejo de
regressar a Florença, abandonando a Universidade de Pádua,
estas aproximações não tiveram qualquer efeito duradouro.
Em 1609, Cosme sucedia a seu pai, Fernando I, ascen
dendo ao cargo de quarto Grão-Duque da Toscana, o que
abria novas possibilidades. Galileu não estava particularmente
feliz com a sua situação na Universidade de Pádua e, como
vimos, uma das primeiras coisas que fez após se ter dado conta
do potencial do telescópio havia sido a tentativa, no Verão de
1609, junto do Senado de Veneza, de melhorar as condições
contratuais que o ligavam à Universidade de Pádua. O resul-
87
tadó deste esforço, apesar de favorável, não havia agradado
inteiramente a Galileu, que terá certamente pensado em
melhores alternativas, possivelmente em Florença.
Mas o que alteraria completamente os acontecimentos
seria a extraordinária descoberta de satélites em torno de Júpi
ter, no início de Janeiro de 1610 e a decisão, tomada poucos
dias depois, de escrever um livro relatando esses factos notáveis.
A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um breve relatório das suas
descobertas, que enviou à Corte dos Mediei {Opere, X, 280
-281), iniciando assim um processo de aproximação que culmi
naria com a dedicatória do Sidereus Nuncius a Cosme II e o
baptismo dos satélites como “estrelas mediceias”.
A 13 de Fevereiro, isto é, pouco mais de um mês depois
de ter observado pela primeira vez um dos novos corpos celes
tes, Galileu escrevia a Belisario Vinta dando a conhecer a sua
intenção de baptizar os novos planetas com um nome relacio
nado com os Mediei e pedindo o parecer sobre qual a melhor
designação a atribuir às luas de Júpiter. Galileu hesitava entre
Cósmica Sydera, em honra de Cosme, e Medicea Sydera, em
homenagem a toda a família {Opere, X, 283)- Poucos dias
depois, Vinta respondia dizendo que a designação Cósmica
deveria ser evitada por causa da ambiguidade que poderia cau
sar (entre Cosme e cosmos), e que a designação Medicea Sydera
deveria ser usada {Opere, X, 284-285). Mas Galileu, que vivia
estes dias em estado quase febril de emoção, não esperara pela
resposta e já mandara imprimir a parte inicial da obra que abria
com um título que dizia “Cósmica Sydera” (foi. 5). Não houve
mais remédio senão colar uma tira de papel com o nome cor
rigido, Medicea, em todos os exemplares que foi possível.
O nome dos Mediei ficava assim para sempre ligado às
mais importantes descobertas observacionais da história da
astronomia, e Galileu seria recompensado com a nomeação de
matemático e filósofo da corte florentina. A importância desta
ligação estreita aos Mediei não deve ser diminuída, e não
somente porque as condições materiais passariam a ser muito
mais favoráveis, permitindo a Galileu o sossego suficiente para
se dedicar às suas investigações. Como o historiador Robert
Westman fez notar já há alguns anos, a elevada distinção social
associada ao cargo de matemático e filósofo particular dos
Mediei viria a ter repercussões muito mais profundas, já que o
baixo estatuto disciplinar das matemáticas aplicadas, como a
astronomia, a óptica e a mecânica, haviam constituído um dos
principais, se não mesmo o principal, obstáculo para a legiti
mação epistemológica do copernicianismo.114 Consciente ou não
de todas estas implicações, quando Galileu decidiu dedicar as
luas de Júpiter à célebre família florentina, estava a tomar um
dos mais importantes passos na divulgação do copernicianismo.
A impressão foi febril. Entre o dia em que Galileu pela
primeira vez entregou texto manuscrito ao impressor e a saída
da obra dos prelos decorreram apenas seis semanas, e o pro
cesso foi tudo menos sereno, com várias adições de material e
alterações de última hora. O próprio Galileu, numa carta a
Belisario Vinta, desculpava-se de o livro não ter saído com o
aprumo que o assunto merecia devido à urgência em o publi
car, revelando que o Sidereus Nuncius estava ainda a ser escrito
quando as partes iniciais estavam já a ser impressas, com receio
de que outra pessoa o pudesse ultrapassar na descoberta e
divulgação dessas notícias (Opere, X, 300). De facto, decidiu, à
última hora, incluir algumas coisas (por exemplo, os cálculos
sobre a altura das montanhas da Lua) e outras partes foram
introduzidas quando o livro já se encontrava a imprimir (parte
do texto sobre as estrelas fixas, entre foi. 16v e foi. 17r), aca
bando toda a montagem tipográfica do livro por revelar algum
desacerto.115
89
O corpo do livro estava praticamente todo impresso
em meados de Fevereiro e por essas datas Galileu começou a
ocupar-se das derradeiras questões administrativas, das autoriza
ções e das páginas de abertura, que o tipógrafo foi apressada
mente imprimindo à medida que lhe eram entregues. A 26 de
Fevereiro, os Riformatori do Estudo de Pádua, encarregues de
examinar a obra, comunicavam ao Conselho dos Dez não ter
objecções à publicação da obra — que é designada nestes
documentos por Astronômica Denuntiatio ad Astrologos {Opere,
XIX, 227) — e passados poucos dias, a 1 de Março, o mesmo
Conselho dos Dez concedeu a necessária autorização de publica
ção {Opere, XIX, 227-228).
A dedicatória foi datada de 12 de Março e nesse mesmo
dia, ou no seguinte, Galileu tinha nas mãos um primeiro
exemplar, ainda sem acabamentos, da sua extraordinária obra.116
No dia 13 de Março de 1610, o Sidereus Nuncius estava final
mente disponível para o público.
Com o livro nas mãos, Galileu iniciou o que viria a ser
uma enorme e bem planeada campanha de divulgação. Mas,
antes de mais nada, era urgente selar as relações com os
Mediei. No próprio dia em que o livro era publicado escreveu
ao Grão-Duque oferecendo-se para levar um telescópio {Opere,
X, 289). Galileu não tinha agora grandes dúvidas de que con
seguiría o ambicionado lugar na corte do Grão-Duque e tra
tava já dos últimos detalhes. Um dos mais importantes era a
90
sua designação precisa, que Galileu sempre insistiu que
incluísse, além de matemático, também o título de filósofo. A
7 de Maio de 1610, escrevia a Belisario Vinta, recordando a
necessidade imperiosa de adicionar o título de filósofo natural,
oferecendo a justificação, pouco convincente, de ter gasto
muito mais tempo a estudar filosofia do que matemática.117 A
razão verdadeira era mais profunda, mas mais difícil de expli
car. Apesar de toda a sua desconfiança, e até aversão, pelos filó
sofos e pelos estudos filosóficos, Galileu sabia bem que, só
como matemático, dificilmente teria credibilidade e autoridade
suficientes para a campanha coperniciana que planeava ini
ciar.118
Em Julho de 1610 estavam finalmente definidas as condi
ções contratuais que ligariam Galileu à corte dos Mediei. Essas
condições eram o melhor que se poderia esperar: Galileu seria
professor de matemática na Universidade de Pisa, mas sem
obrigação de dar aulas ou sequer de residir em Pisa, e seria o
filósofo e matemático do Grão-Duque, com um vencimento
anual de 1000 scudi florentinos. Resolvidas algumas questões
domésticas — que incluíram o abandono de Marina Gamba, a
mulher que em Pádua lhe dera três filhos, mas que, presumi
91
velmente, Galileu não considerava companhia adequada para o
ambiente sofisticado da corte florentina"9 — ficou tudo
pronto para a mudança. No dia 7 de Setembro de 1610, Gali
leu partia de Pádua, chegando a Florença a 12 de Setembro de
1610.
Saturno tricorpóreo
119 As duas filhas, Virgínia (n. 1600) e Livia (n. 1601) foram com
Galileu para Florença, tendo o filho Vincenzo (n. 1606) ficado com a
mãe por ser muito pequeno, até que, anos mais tarde, em 1613, Galileu
também o mandou buscar.
120 Galileu foi noticiando várias destas descobertas em cartas e
outros textos e pela primeira vez em letra de forma, de maneira muito
breve, no prefácio do Delle cose che stanno in su 1’acqua, em 1612 (Opere,
IV, 63).
92
“Saturno tricorpóreo” . Sabemos hoje que se trata do facto de
Saturno estar rodeado por um anel, mas que Galileu não pôde
observar nitidamente.
Esta descoberta vinha mesmo a calhar, pois embora ainda
não tivesse entrado formalmente ao serviço do Grão-Duque,
Galileu sentia já a pressão em cumprir o que havia prometido,
apresentando novas e admiráveis notícias dos céus. Poucos dias
depois (a 30 de Julho), escreveu a Belisario Vinta relatando
estes factos extraordinários e desenhando a configuração obser
vada, mas pedindo o maior segredo {Opere, X, 409-410). Para
garantir a sua prioridade, Galileu transmitiu também a desco
berta a alguns astrônomos, entre os quais Kepler, na forma de
um anagrama.121
Só a 13 Novembro, numa carta a Giuliano de’ Mediei,
Galileu esclareceu o anagrama, que devia ler-se: altissimum pla-
netam tergeminum observavi, (“observei o planeta mais alto
[= Saturno] tricorpóreo”). Explicava também, nessa carta, as
observações que havia feito, avisando que, se Saturno fosse
observado com telescópios de fraca qualidade, a sua real confi
93
guração não se observaria, parecendo apenas um astro oblongo
{Opere, X, 474) — exactamente como alguns dos seus contem
porâneos o iriam ver.
Tudo isto era verdadeiramente sensacional, mas estavam
guardadas ainda mais surpresas. No final de 1612, ao observar
de novo Saturno, constatou que a configuração havia mudado:
agora não se avistavam as pequenas “estrelas” dos seus lados.
Galileu, que havia dedicado ao assunto certamente muitas
horas de reflexão e observação predisse, no entanto, que elas
reapareceríam no ano de 1613 {Opere, V, 237). Realmente,
nesse ano de novo se voltaram a ver os dois pequenos astros
que ladeavam Saturno, mas ficava lançado o problema aos
astrônomos: o que eram estas configurações mutáveis de
Saturno? A questão consistia, no essencial, em saber qual das
duas possibilidades era a verdadeira: se Saturno era esférico e
estava rodeado de dois pequenos planetas, ou se o próprio
Saturno era tricorpóreo. O assunto era de tal modo intrigante
que Galileu não o podia abandonar, mas o mistério iria aden
sar-se ainda mais. Com efeito, no Verão de 1616, observou
que a sua forma tinha mudado, parecendo agora que dos lados
do corpo de Saturno saiam duas alças ou pegas, numa confi
guração que passou então a designar por ansae (pegas) {Opere,
XII, 276).122 Galileu continuou a observar e a desenhar a
forma de Saturno ao longo dos anos. Em 1623, no II Saggia-
tore apresenta um diagrama de Saturno na configuração com
pegas {Opere, VI, 361), e em 1640, já perto do final da sua
vida, escrevia a Benedetto Castelli relatando as suas observações
{Opere, XVIII, 238-239).
94
O problema, entretanto, já havia atraído a atenção de
outros, como Gassendi e Francesco Fontana, e, depois, a partir
dos anos quarenta, muitos outros, como Bouilliau, Hevelius,
Riccioli e Grimaldi, juntar-se-iam às observações sistemáticas e
ao estudo da forma de Saturno. Galileu suspeitara que estas
estranhas configurações de Saturno tivessem que ver com o ali
nhamento entre o planeta e a Terra, mas o enigma só seria cla
rificado com o esclarecimento definitivo da existência de um
anel em redor de Saturno, algumas décadas depois, por Chris-
tiaan Huygens (1629-1695), nas suas obras De Satum i luna
observatio nova (den Haag, 1656) e Systema Saturnium, sive de
causis mirandorum Satum i Phanenomenon, et comitê ejus planeta
novo (den Haag, 1659) e, ainda mais tarde, quando Jean
Dominique [Giovani Domenico] Cassini (1625-1712), em
1675, notou que esse anel era duplo.123
Fases de Vénus
95
quês Tycho Brahe (1546-1601) havia sugerido, no seu livro De
mundi aetherei recentioribus phaenomenis, publicado em 1588,
um arranjo cosmológico que mantinha a Terra imóvel no cen
tro do universo e o Sol rodando em torno dela, mas com
todos os planetas orbitando em torno do Sol. Este sistema
tinha as vantagens de manter a imobilidade da Terra, sendo, ao
mesmo tempo, do ponto de vista cinemático, completamente
equivalente ao heliocentrismo de Copérnico.124
No sistema de Ptolomeu, Vénus apareceria sempre como
um crescente, de maior ou menor tamanho, quando visto da
Terra — se se considerasse, como era o mais habitual, que
estava abaixo do Sol. Se, por outro lado, se achasse que estava
acima do Sol, apareceria sempre como um disco. Porém, se
Vénus circulasse em torno do Sol — como acontece no
modelo de Copérnico e de Tycho Brahe — , apresentaria um
ciclo de fases completo, passando de um crescente para um
disco (Vénus cheio), à semelhança das fases exibidas pela Lua.
O próprio Copérnico, no início do capítulo 10 do livro I do
De revolutionibus se referira à diferente aparência de Vénus
96
dependendo da sua posição relativamente ao Sol. Mas Copér-
nico, sem telescópio, não tinha qualquer possibilidade de
observar a face de Vénus.
Quando Galileu observou Vénus com um telescópio,
constatou que o planeta exibia ao longo dos dias um ciclo de
fases completo, passando de Vénus crescente a Vénus cheio.
Ficava assim demonstrado que Vénus circulava em torno do
Sol: um resultado excepcionalmente importante, que lançava
um golpe definitivo no sistema ptolomaico. As duas únicas
possibilidades eram agora o ordenamento planetário segundo
Copérnico ou segundo Tycho Brahe.
A 1 de Janeiro de 1611, Galileu escreveu a Giuliano de’
Mediei explicando a extraordinária importância da observação
das fases de Vénus que, segundo ele, era dupla: por um lado
resolvia uma antiga discussão, confirmando que os planetas não
têm luz própria e, por outro, mostrava inequivocamente que
Vénus circula em torno do Sol. Galileu omitia qualquer men
ção ao sistema de Tycho Brahe, tornando assim as fases de
Vénus num poderosíssimo argumento a favor do copernicia-
nismo.125 De facto, esta observação convertir-se-ia para Galileu
talvez no mais poderoso argumento a favor do copernicia-
nismo, a tal ponto que, no Dialogo sopra i due massimi sistemi
dei mondo (1632), fez o elogio de Copérnico por este ter pro
posto o heliocentrismo mesmo sem observar as fases de Vénus.
A história da descoberta das fases de Vénus gerou uma
viva polêmica entre os historiadores pois alguns, baseados em
certas peculiaridades do desenvolvimento cronológico destes
descobrimentos, argumentaram que Galileu teria procedido
97
desonestamente, “roubando” a ideia ao seu discípulo Benedetto
Castelli. A cronologia dos acontecimentos foi a seguinte. A 11
de Dezembro de 1610, Galileu escreveu a Giuliano de’ Mediei,
enviando um anagrama que continha a observação de que
Vénus apresentava fases tal como a Lua ( Opere, X, 483). No
final desse ano tornou pública a descoberta, relatando-a a Clá-
vio e a Castelli, a 30 de Dezembro {Opere, X, 499-303), e
decifrando o anagrama a Giuliano de’ Mediei, na já men
cionada carta de 1 de Janeiro de 1611 {Opere, XI, 11-12).
Sucede, porém, que no dia 5 de Dezembro de 1610, Bene
detto Castelli enviara uma carta a Galileu — carta que este
recebería por volta do dia 11 de Dezembro, se não mesmo
nesse próprio dia — , prevendo as fases de Vénus {Opere, X,
480-482). Embora Galileu viesse a dizer que já tinha feito essas
observações “da 3 mesi in qua”, alguns historiadores lançaram
dúvidas sobre esta afirmação, “acusando-o” de ter usado, sem
dar crédito, uma ideia que era originalmente de Castelli. Cer
tos traços da personalidade de Galileu — em particular a sua
habitual renitência em dar a outros o crédito devido — torna
ram plausível esta tese, mas, apesar disso, hoje em dia poucos
a subscrevem, sendo consensual que Galileu já observara as
fases de Vénus antes que a carta de Castelli lhe tivesse che
gado.126
98
Manchas solares
DRAKE, «Galileo, Kepler, and phases of Venus», Journal for the History o f
Astronomy, 15 (1984) 198-208 [também em: S tillm a n D ra k e , Essays on
Galileo and the History and Philosophy o f Science. Selected and introduced
by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto
Press, 1999), vol. 1, pp. 396-409.]; O w en G in g e r ic h , «The phases of
Venus in 1610», Journal for the History o f Astronomy, 15 (1984) 209-10;
WlLLIAM T. PETERS, «The Appearences o f Venus and Mars in 1610»,
Journal for the History o f Astronomy, 15 (1984) 211-214. A última peça
contra a tese da desonestidade terá sido o trabalho de Pa o lo Pa l m ier i ,
«Galileo did not steal the discovery o f Venus’ phases. A counter-argu-
ment to Westfall», in JOSÉ MONTESINOS y C a r l o s S o l í S (eds.), Largo
Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación
Canaria Orotava de la Historia de la Ciência, 2001), pp. 433-444, e
PAOLO Pa l m ie r i , «Galileo and the discovery o f the phases o f Venus»,
Journal fo r the History o f Astronomy, 32 (2001) 109-129.
127 Estas observações estão catalogadas em: A D. WlTTMANN and
Z. T. X u, «A catalogue o f sunspot observations from 165 BC to AD
1684», Astronomy and Astrophysics Supplement Series, 70 (1987) 83—94;
K. K. C. Ya u and E R. S t e p h e n s o n , «A revised catalogue of Far Eas-
tern observations of sunspots (165 BC to AD 1918)», Quarterly Journal
Royal Astronomical Society, 29 (1988) 175-197. O assunto da observação
de manchas solares no passado distante tem já uma longa história de
investigação, com um primeiro estudo por ALEXANDER H o sie , «Sunspots
and Sun shadows observed in China BC 28 —AD 1617», Journal o f the
North China Branch, Royal Asiatic Society, 12 (1878) 91-95. Seguiram-se
muitos trabalhos, entre os quais assinalamos: GEORGE SARTON, «Early
Observations of Sunspots?», Isis, 37 (1947) 69-71; D. M. W il lis , M. G .
E a s t e r b r o o k , and F. R. S t e p h e n s o n , «Seasonal variation of oriental
sunspot sightings», Nature, 287 (1980) 617—619; F. R. S t e p h e n s o n and
D. M. WlLLIS, «The earliest drawing o f sunspots», Astronomy and
Geophysics, 40 (1999) 21-22; J. M. V a q u e r o , M. C. G a l l e g o , and J.
A. G a r c Ia , «A 250-year cycle in naked-eye observations o f sunspots»,
Geophysical Research Letters, 29 (2002) 1997. Para uma discussão dos
O seu estudo sistemático e científico, contudo, só foi realizado
na Europa a partir de 1609, com o aparecimento do telescó
pio. A questão de quem foi o primeiro europeu a observar
manchas solares com telescópio permanece controversa. Não
subsistem dúvidas de que a primeira obra impressa sobre o
assunto tenha sido o livro de Johannes Fabricius, De maculis in
Sole observatis, publicado no Outono de 1611, mas é sabido
não ter sido Fabricius o primeiro a observá-las. Galileu e
Thomas Harriot observaram manchas em finais de 1610,
enquanto Johannes e David Fabricius as observaram pela pri
meira vez só em Março de 1611.
Galileu mostrou imagens de manchas solares a muitas
pessoas em Roma durante a sua viagem em 1611, mas não
empreendeu, nessa altura, qualquer estudo sistemático do
assunto.128 Só se ocuparia destas observações a partir de Abril
100
de 1612. Quem já estava a fazer estudos sistemáticos das
manchas solares desde Outubro de 1611 era Christoph Schei-
ner (1573-1650), um jesuíta professor de matemática em
Ingolstadt, que publicou uma obra dedicada exclusivamente ao
tema em Janeiro de 1612 : Tres Epistolae de Maculis Solaribus
Scriptae ad Marcum Welserum. Quando Galileu recebeu esse
livro, com um pedido para que expressasse a sua opinião,
encontrava-se doente e ocupado com a publicação do Discorso
[ ...] intorno alie cose che stanno in sú l’acqua, e só alguns meses
depois teve oportunidade de investigar em detalhe com o seu
discípulo Benedetto Castelli. Scheiner defendera que as man
chas eram devidas ao trânsito de satélites em torno do Sol, ao
passo que Galileu, embora sem ter a certeza do que se tratava,
explicou que as manchas estavam localizadas na superfície
do Sol.
A breve trecho envolveram-se numa polêmica famosa
durante o ano de 1612 que culminaria com a publicação, no
Verão de 1613, das três cartas de Galileu que, em certa
medida, assinalam o fim da polêmica. Galileu só voltaria ao
assunto anos depois no II Saggiatore (1623), mas, entretanto,
Scheiner tinha prosseguido e aumentado as suas investigações,
publicando entre 1626 e 1630 a Rosa Ursina, uma verdadeira
enciclopédia do assunto.
101
Neptuno
102
Dezembro de 1609, quando ainda não tinha sequer formado a
intenção de redigir um opúsculo dedicado ao assunto. A 7 de
Janeiro de 1610, escrevia a Antonio de’ Mediei um primeiro
relatório, extenso, acerca desses descobrimentos {Opere, X, 273
-278) e, nas semanas seguintes, revelaria, de modo esporádico e
fragmentário, mais algumas das novidades.
O aparecimento do Sidereus Nuncius provocou um
impacto imediato. Em poucos dias, primeiro Veneza, depois
toda a Itália, e finalmente os mais diversos pontos da Europa,
receberam com espanto, excitação ou incredulidade, as sensa
cionais notícias. Os quinhentos e cinquenta exemplares postos
à venda esgotaram em menos de uma semana {Opere, X, 300),
e tal era a apetência por informações acerca destes factos que
ainda no ano de 1610 apareceu em Frankfurt uma edição ile
gal do livro.
No próprio dia em que o Sidereus Nuncius era publicado
(13 de Março), o embaixador inglês em Veneza, Sir Henry
Wotton, apressava-se a escrever para fazer chegar o mais rapi
damente possível ao rei Jaime I a informação acerca desta
“strangest piece of news”. Wotton dava a conhecer a comoção
que se vivia em Veneza com a divulgação dessas inauditas novi
dades celestes que pareciam deitar por terra convicções milená-130
130 “I sent herewith unto his Majesty the strangest piece of news
(as I may justly call it) that he hath ever yet received from any part of
the world; which is the annexed book (come abroad this very day) of the
Mathematical Professor at Padua, who by the help of an optical instru-
ment (which both enlargeth and approximateth the object)”. Carta ao
conde de Salisbury, 13 de Março de 1610, in: LOGAN PEARSALL S m it h ,
The Life and Letters o f Sir Henry Wotton, 2 vols. (Oxford: Clarendon
Press, 1907), vol. I, pp. 486-487. Ao embaixador inglês também não lhe
escaparam as implicações astrológicas dos satélites de Júpiter. Ver também
I. B e r n a r d C o h e n , The Birth o f a New Physics, 2.a ed. (New York: W.
W. Norton, 1985), pp. 75-76. Há uma tradução portuguesa: O Nasci
mento de uma Nova Física (Lisboa: Gradiva, 1988).
103
Haviam passado somente alguns dias sobre o apareci
mento do livro e já Galileu escrevia a Belisario Vinta, a 19 de
Março, revelando a sua intenção de, a “brevíssimo tempo” fazer
uma reimpressão, mas com as figuras melhoradas e incluindo
muitas mais: planeava mostrar diagramas da Lua ao longo de
toda uma lunação, desenhar muito mais constelações e deter
minar o período dos satélites de Júpiter. Planeava também que
essa edição fosse em italiano {Opere, X, 299-300). Nos meses
seguintes, vários amigos de Galileu, como, por exemplo, Fede-
rico Cesi, insistiram para que desse aos prelos quanto antes
uma nova edição do Sidereus Nuncius, com as novas observa
ções {Opere, XI, 175). O aparecimento da edição pirata, em
Frankfurt, ainda no ano de 1610, de algum modo saciou o
interesse dos muitos leitores que ainda não tinham podido ler
a obra, mas não correspondia à actualização que muitos espe
ravam: essa edição mantinha o texto original, sem quaisquer
acrescentos ou alterações, e apresentava gravuras de qualidade
inferior às da edição original.
Benedetto Castelli recebeu o livro poucos dias após a
publicação e imediatamente o leu “piú di dieci volte con
somma meraviglia e dolzezza grande d’animo” {Opere, X, 310).
E foi também passados apenas poucos dias que, a muitas cen
tenas de quilômetros de distância de Veneza, em Praga, Kepler
teve as primeiras notícias destes factos.131 A opinião de Kepler
foi das mais procuradas neste período. Em Praga, Rudolfo II
recebeu uma das primeiras cópias do Sidereus Nuncius e, dese
joso de um julgamento abalizado sobre o conteúdo, mostrou-a
ao seu matemático imperial. Mas também Galileu estava
ansioso por saber a opinião de Kepler e, através do embaixador
da Toscana em Praga, fez-lhe chegar uma cópia, com o pedido
expresso de que este desse a sua opinião. Kepler recebeu este
104
exemplar em 8 de Abril de 1610. Dias depois (a 13), Kepler
visitava o embaixador, altura em que este lhe anunciou que
Galileu muito desejava saber a sua opinião mas, infelizmente,
isso teria que ser feito depressa pois os correios partiam para
Florença em breve. Kepler, como sempre, acedeu ao pedido de
Galileu com generosidade e entusiasmo e, em menos de uma
semana, a 19 de Abril, entregou ao embaixador uma carta,
dirigida a Galileu, com as suas opiniões sobre o Sidereus Nun-
cius {Opere, X, 319-340).
De todas as partes continuavam a chegar a Kepler pedi
dos de confirmação de tão sensacionais descobrimentos. Para
satisfazer a todas essas solicitações, ele começou a divulgar a
carta que tinha mandado a Galileu e, pouco depois, tendo-a
corrigido e ampliado um pouco, imprimiu-a num opúsculo
que dedicou ao embaixador da Toscana em Praga, intitulando-a
Dissertatio cum núncio sidereo,132 A despeito dos elogios com
que cobriu o autor do Sidereus Nuncius, o astrônomo alemão
teve também o cuidado de, delicadamente, clarificar assuntos
105
que Galileu, por temperamento e por estratégia, muitas vezes
deixava de modo pouco claro. Kepler explicou que Galileu não
fora o inventor do telescópio, que não fora o primeiro a falar
da natureza rugosa da superfície lunar e que não fora também
o primeiro a referir que havia muito mais estrelas nos céus.133
Mas o tom geral era de aprovação incondicional e a Dissertatio
cum núncio sidereo rapidamente se divulgou. Uma boa indica
ção do enorme interesse que todas estas novidades suscitavam
foi o aparecimento de uma edição pirata da Dissertatio, o que
muito desagradou a Kepler.
A confirmação das observações de Galileu por Kepler e o
modo entusiasmado e elogioso como este publicitou os argu
mentos e as deduções do italiano foram a mais importante
validação do Sidereus Nuncius que Galileu podia desejar. Que
passadas apenas algumas semanas da publicação do livro come
çasse a circular, a partir de Abril de 1610, primeiro em manus
crito e depois em impresso, um texto pela mão do mais
respeitado astrônomo da Alemanha, confirmando as novas
observações, foi um dos mais importantes factores na credibili-
zação dos novos descobrimentos.
Kepler, contudo, tinha confirmado o Sidereus Nuncius
sem que tivesse alguma vez observado com um telescópio. Por
isso, como tantos outros faziam nessa altura, a 9 de Agosto
de 1610 pediu a Galileu um telescópio com o qual pudesse
observar os satélites de Júpiter {Opere, X, 413-417). A resposta
de Galileu roça o escândalo. Tendo já garantida a aprovação
pública do Sidereus Nuncius por Kepler, não lhe interessava
que um gênio do calibre do alemão começasse a fazer obser
133 Meses mais tarde, Michael Maestlin escrevia uma breve carta ao
seu antigo aluno Johannes Kepler onde saudava a publicação da Disserta
tio cum Núncio Sidereo e onde, visivelmente irritado com a apropriação
por Galileu de feitos que não eram seus, e a sua desagradável incapaci
dade em dar o crédito devido aos que o haviam precedido, saudava
Kepler por ter clarificado este assunto, “arrancando as penas” com que o
italiano indevidamente se ornamentara. {Opere, X, 428).
106
vações: a 19 de Agosto, Galileu respondeu a Kepler dizendo
que não tinha nenhum telescópio disponível {Opere, X, 421
-422).
Só no final do ano Kepler conseguiría obter um telescó
pio, por outras vias, iniciando imediatamente as suas próprias
observações e iniciando-se também na construção destes instru
mentos. O resultado destas investigações seria da maior impor
tância. Para além da confirmação das descobertas galileanas, fez
o seu próprio programa de investigação dos satélites de Júpiter,
que publicou em Narratio de observatis a se quatuor Iovis satel-
litibus (1611) {Opere, III/1, 185), mas sobretudo, ele, que já
havia publicado o Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astrono-
miae Pars Óptica Traditur (Frankfurt, 1604), usou todo o seu
domínio de assuntos ópticos para reformular os princípios
teóricos da ciência à luz do novo instrumento, produzindo
a Dioptrice (Augsburg, 1611), a obra que funda a óptica
moderna.
Entretanto, os encómios ao livro e ao gênio de Galileu
pareciam não ter limite, cada um saudando-o da maneira mais
entusiasmada e eloquente de que era capaz. Na prisão, em
Nápoles, Tommaso Campanella (1568-1639), louvava-o numa
carta plena de elogios, como o descobridor de “um novo céu e
uma nova Terra” {Opere, XI, 23), e em Inglaterra um admira
dor dizia que Galileu “hath done more in his threefold disco-
verie than Magellane in opening the streights to the South
Sea” 134.
O louvor era geral, mas não era unânime. Sobre um
fundo de aplauso genaralizado ouviam-se apesar de tudo algu
mas vozes discordantes e algumas opiniões desfavoráveis. Ape
nas um mês havia passado sobre o aparecimento da obra e
107
já Georg Fugger escrevia a Kepler, a 16 de Abril de 1610,
acusando Galileu de se apropriar de idéias de outros e de ter
apenas copiado um telescópio que vira {Opere, X, 316). Protes
tos deste gênero e reclamações de prioridade foram-se multipli
cando nas semanas seguintes, mas, para além destas, outro tipo
de objecções não tardaram em aparecer.
Logo em Junho de 1610, Martin Horky (n. ca. 1590),
que era assistente do astrônomo Giovanni Antonio Magini e
havia estado presente quando, em Abril, Galileu tentara sem
sucesso mostrar os satélites de Júpiter na casa de Magini,
publicou uma Brevíssima peregrinado contra Nuncium Sidereum
{Opere, III/1, 127-145). A obra não tinha qualidade e o ataque
acabou por se traduzir num fiasco, a tal ponto que Magini
escreveu a Galileu explicando que não tinha nada a ver com o
assunto e expulsou Horky de sua casa. Mais importante, e de
consequências que viriam a ser mais nefastas, foi o texto inti
tulado Contra il moto delia Terra que Ludovico delle Colombe
(1565-1616) escreveu entre finais de 1610 e o ano de 1611, e
que fez circular em diversas cópias, contendo um arrazoado de
objecções sem muito nexo ou consistência mas em que, pela
primeira vez, eram levantadas objecções de origem escriturística
às observações de Galileu {Opere, III/1, 251-290). Pela mão de
um professor de filosofia, o argumento religioso entrava em
cena.
Poucos meses depois, Francesco Sizzi (ca. 1585-1618)
publicou em Veneza a Dianoia Astronômica, Óptica, Physica
(1611) contendo também objecções — não muito convincen
tes, diga-se — às observações de Galileu {Opere, III/1, 201
-250). Em particular, Sizzi usava argumentos numerológicos
para “provar” que os satélites de Júpiter não podiam existir
realmente. No ano seguinte, Giulio Cesare Lagalla (1576
-1624), professor de filosofia em Roma, publicava o De phae-
nomenis in orbe lunae novi telescopii usu nunc iterum suscitatis
(Veneza, 1612), uma obra inspirada no texto de Plutarco,
questionando não a capacidade do novo instrumento, mas a
argumentação usada por Galileu na análise da superfície da
Lua. Como já se assinalou, as observações lunares contidas no
108
Sidereus Nuncius foram o aspecto mais questionado do livro,
tendo gerado várias refutações.135
Alguns ataques, como o de Francesco Sizzi e o de Ludo-
vico Delle Colombe foram especialmente desagradáveis, por
virem de homens que se mexiam com muito à vontade nos
círculos mais restritos da corte florentina e terem publicado as
suas diatribes em obras dedicadas aos Mediei.
109
dos céus.136 O aparecimento do Sidereus Nuncius, em Março de
1610, tornou ainda mais urgentes as investigações dos jesuítas.
Quando, alguns anos mais tarde, Christoph Grienberger,
um dos mais competentes matemáticos jesuítas, escreveu a
Galileu relatando os primeiros tempos do uso do telescópio no
colégio romano, referiu que, entre Abril e Setembro de 1610,
um dos seus confrades, o padre Giovanni Paolo Lembo, sem
ter informações de Galileu, construíra um telescópio com o
qual fora capaz de observar a irregularidade da superfície lunar,
as muitas estrelas novas nas Plêiades, em Orionte e em muitas
outras constelações, mas sem conseguir ver os novos planetas,
isto é, os satélites de Júpiter.137
110
Apesar dos esforços, os jesuítas foram durante algum
tempo incapazes de observar as luas de Júpiter, e este incapaci
dade tornou-os progressivamente cépticos relativamente a esta
novidade; por volta de Setembro as suas sérias dúvidas come
çam a ser conhecidas. Em Outubro, Lembo, provavelmente
com o apoio de Grienberger, tinha pronto um segundo teles
cópio, de melhor qualidade. Com este novo instrumento foi
possível observar pela primeira vez, as fases de Vénus, fenô
meno que investigaram sistematicamente durante quatro meses.
Os jesuítas conseguiram também, finalmente, observar os saté
lites de Júpiter mas continuaram com dúvidas se se tratariam
de planetas ou não.
Em Novembro-Dezembro, Antonio Santini enviou de
Veneza um telescópio de excelente qualidade como presente
para Clávio. Com este melhor telescópio, os jesuítas finalmente
fizeram observações inequívocas dos satélites de Júpiter e da
forma peculiar de Saturno. A 17 de Dezembro de 1610, Clá
vio escreveu a Galileu uma carta cheia de louvores, informando
que todas as novas observações haviam sido confirmadas pelas
observações do colégio romano {Opere, X, 484-485).
Por esta altura, os matemáticos do colégio romano já
tinham resolvido todos os problemas técnicos e levavam a cabo
observações telescópicas sistematicamente. Na verdade, o colé
gio romano tornara-se mesmo num dos mais importantes focos
de divulgação e confirmação de tão espantosas novidades.
Cientes da importância das observações astronômicas, as
autoridades eclesiásticas de Roma tentaram confirmar esses fac
tos extraordinários. A 19 de Abril de 1611, o cardeal Roberto
Bellarmino questionava os matemáticos jesuítas acerca das
novas observações, colocando, em particular, as seguintes per
guntas {Opere, XI, 87-88): 1. Se é verdade que com o telescó
pio se vê uma multidão de novas estrelas. 2. Se Saturno se
acha realmente rodeado por dois planetas mais pequenos. 3. Se
Vénus tem fases. 4. Se a Lua tem uma aparência irregular.
5. Se Júpiter tem satélites. Uns dias depois (a 24 de Abril), os
matemáticos responderam, confirmando as observações galilea-
nas, manifestando apenas alguma incerteza acerca do que real
mente se via na Lua ( Opere, XI, 92-93).138
A confirmação das observações telescópicas pelos jesuítas
do colégio romano foi talvez o mais importante passo na cre-
112
dibilização das novidades que Galileu descobrira e do valor do
instrumento que usara para as descobrir.
113
viria a nascer o termo “telescopium”, proposto por Demisiani
ou pelo próprio Cesi {Opere, XI, 420). Galileu foi formalmente
recebido como o sexto membro dessa Academia a 25 de Abril
de 1611, uma honra que muito prezou, tendo desde então pas
sado a assinar o seu nome como “Galileo Galilei Linceo”.
Mas Galileu estava sobretudo interessado em recolher as
honras e o crédito que os matemáticos jesuítas lhe poderiam
conferir. O enorme prestígio científico do Colégio Romano,
agora que os padres haviam confirmado as suas observações,
era um capital de credibilidade que não se podia desperdiçar.140
Aceitando o convite para visitar o colégio, teve várias discus
sões científicas com os matemáticos jesuítas e, no princípio de
Maio, foi recebido apoteoticamente para uma série de celebra
ções que culminaram com um discurso do jesuíta flamengo
Oddo van Maelcote (1572-1615) {Opere, III/l, 293-99).
Por volta de 1612, entre os jesuítas, o telescópio tinha
passado a circular muito para além do círculo restrito dos
fabricantes de instrumentos ou dos especialistas matemáticos e
muito para lá também das sessões de demonstração para aristo
cratas e soberanos. Tinha-se tornado parte indispensável do
treino científico de qualquer pessoa culta.
A euforia com que os jesuítas se associaram a estes desco
brimentos e com que celebraram o seu descobridor não ocul
tava, contudo, as dificuldades que se levantavam. As novas
114
observações colocavam sérios problemas cosmológicos e ques
tionavam de maneira grave as noções tradicionais. Um dos
mais dramáticos testemunhos dessas dificuldades vem do pró
prio Clávio, na edição de 1611 da sua Opera Mathematica141.
Depois de uma breve descrição das observações telescópicas e
consciente de que elas desfechavam um golpe definitivo nas
antigas idéias cosmológicas, Clávio rematava com estas palavras
famosas, que bem pode dizer-se que representam o fim de uma
época: “Quae cum ita sint, videant astronomi, quo pacto orbes
coelestes constituendi sint, ut haec phaenomena possint salvari”
[“Sendo as coisas assim vejam os astrônomos de que modo se
devem constituir os orbes celestes de modo a salvar estes fenô
menos”].142 A tarefa de reconstruir um modelo astronômico e
cosmológico concorde com as novas observações já não cairia
115
sobre o próprio Clávio, que falecería pouco depois, em 1612.
A possibilidade óbvia de uma adesão ao sistema de Tycho
Brahe não se mostrava, à partida, tão atractiva, em parte por
que o próprio Clávio nunca ocultara o seu desagrado por esse
modelo. O astrônomo dinamarquês nunca é mencionado na
vasta obra do jesuíta alemão e Jan Vremann (1583-1620)
— um jesuíta croata que trabalhou com Clávio em Roma e
que passaria por Portugal — confidenciou na sua corres
pondência que Clávio, “per varii rispetti è poco amico di
Tichone” 143. Os jesuítas encontravam-se, pois, numa situação
complicada. Os anos seguintes foram de intenso debate interno
na Companhia, debates que em certo sentido terminaram com
a publicação, em 1620, da Sphaera mundi seu cosmographia, de
Giuseppe Biancani (1566-1624), que marca a adopção oficial
pela Companhia de Jesus do sistema de Tycho Brahe.144
Galileu vivia então o momento mais alto da sua carreira.
As objecções aos factos do Sidereus Nuncius e demais observa
ções telescópicas caiam, uma por uma, sob o peso da contínua
116
confirmação das observações iniciais. Roma estava rendida ao
seu gênio científico e à importância das suas descobertas. O
cardeal Francesco Maria dei Monte escrevia ao Grã-Duque
Cosme II, a 31 de Maio de 1611, dando conta do grande
sucesso de Galileu em Roma e dizendo que, se ainda fossem os
tempos da antiga República Romana, lhe seria erguida uma
estátua no Capitólio {Opere, XI, 119).
118
miglia lontano et si scuoprono molte novità ne’ cieli,
principalmente nelli pianeti. Sarà grande charità mandar-
meli Vostra Riverenza et insieme qualche tratatello sopra
tali occhiali se v’è dimonstratione delle cose che si veg-
gono. E se V. R. non me li può mandare, per non haver
commodità o per non haver danari, la prego quanto
posso che mi mandi in scriptis et in figuris il modo e I’in-
ventione come si fanno, quanto piü chiaramente sarà pos-
sibile; ch’io in questi paesi li mandarò fare, perchè non
mancano officiali nè moita copia di cristalli.146
119
excepcional o famoso Tianwen lüe (Sumário de questões sobre o
Céu), que o jesuíta português Manuel Dias Júnior (1574-1659)
publicou na China em 1615.148 Esta seria uma das mais lidas e
citadas entre todas as obras publicadas pelos jesuítas na China
durante o século XVII, e é notável a vários títulos. O facto mais
relevante, contudo, é que, no final, contém algumas páginas
descrevendo as observações de Galileu ■— as primeiras que
alguma vez foram redigidas em chinês:
120
das 28 constelações. [...] No dia em que este instrumento
chegar à China daremos mais pormenores do seu maravi
lhoso uso.149
121
do mundo. Quanto ao aparecimento do próprio instrumento,
a primeira notícia concreta de um telescópio em mãos portu
guesas vem do Brasil. No relatório da batalha de Guanxan-
duba, travada a 19 de Novembro de 1614, o Major Diogo de
Campos Moreno refere que o comandante Jerónimo de Albu
querque observava o inimigo com “hum oculo de longa
vista”.151 A aparente banalidade com que o assunto é referido
deixa supor que o telescópio não fosse já uma grande novi
dade.
Mas a personalidade a quem mais se ficou devendo a
introdução das idéias de Galileu e do telescópio no nosso país
foi ao padre Giovanni Paolo Lembo que, como já referimos,
fora o principal responsável pela construção de telescópios no
Collegio Romano e que confirmara as observações de Galileu
no importante relatório ao cardeal Bellarmino em Abril de
1611.152 Lembo começou a leccionar na «Aula da Esfera» do
122
colégio de Santo Antão em Abril de 1615. Aparecia, assim, em
Lisboa, nos anos cruciais do debate cosmológico, um dos
homens mais informados acerca destes assuntos; a sua activi-
dade lectiva na “Aula da Esfera”, no período em que o debate
em torno das questões cosmológicas literalmente explodia pela
Europa, é um dos acontecimentos de maior importância na
história científica do Colégio de Santo Antão.
O curso que Giovanni Paolo Lembo leu em Santo Antão
nos anos 1615-1617 é um dos documentos mais importantes
da história da ciência em Portugal. Chegou até nós através das
notas tomadas por um aluno não identificado, num manus
crito de cerca de 140 fólios, redigido em português, e que se
encontra em bom estado de conservação.153 Tem muitas figu
ras, desenhadas à mão, sobretudo diagramas astronômicos e
matemáticos, representações de máquinas e outros artefactos
tecnológicos, cobrindo um leque de assuntos muito ambicioso.
Para além das matérias De Sphera e das questões náuticas, que
são uma constante nos cursos deste período, Lembo tratou um
conjunto de outras matérias, que incluem noções de trigono-
metria, uma introdução à geometria de Euclides, e noções
sobre o computo eclesiástico. Figuram de maneira proeminente
neste curso muitos aspectos relacionados com máquinas e ins
trumentação vária, reflectindo possivelmente os interesses do
professor que, como já dissemos, se destacara como construtor
de instrumentos no Colégio Romano.
123
A parte mais interessante deste curso, naturalmente, é a
dedicada à astronomia. Logo no Prólogo, Lembo alude aos
“longemira” modernos (foi. lv), naquela que é muito possível
mente a primeira referência ao telescópio em português. Mais
adiante, ao discutir o número de orbes, menciona pela pri
meira vez o nome de Copérnico, “varão doctíssimo”. O autor
prossegue analisando seguidamente o movimento dos orbes
celestes, cotejando as várias hipóteses cosmológicas, o que
obriga a fazer uma primeira referência ao possível movimento
da Terra.154 Depois de descrito, o heliocentrismo coperniciano
é rejeitado. Como se tornará habitual entre os professores da
«Aula da Esfera», a objecção ao heliocentrismo está centrada
sobretudo em argumentos técnicos (físicos e astronômicos) e
só marginalmente são aludidos os problemas escriturísticos
que levantava. Mas se a opinião de Copérnico parece de rejei
tar, Giovanni Lembo mostra que também o modelo geocên-
trico defendido pelo seu mestre Clávio não é aceitável em vista
dos novos descobrimentos na astronomia, explicando que o
próprio Clávio, no fim da vida, confrontado com essas novas
observações, indicara a necessidade de repensar todo o ordena
mento cosmológico.155 Ou seja, segundo o teor das aulas de
124
Lembo em Lisboa, o problema cosmológico, do correcto orde
namento dos orbes celestes de modo a salvar as aparências e
tomando em consideração as novas observações de 1610, está
em aberto.
A mais importante de todas as observações telescópicas,
pelo menos no que se refere ao ordenamento dos orbes, é a de
que Vénus exibe fases. Todas as outras observações (mesmo a
dos satélites de Júpiter) podem, apesar de tudo, ser incorpora
das num esquema ptolomaico. A observação de fases em
Vénus, contudo, ao mostrar que Vénus não está sempre entre
a Terra e o Sol, obriga a uma radical transformação do
esquema planetário tradicional. O curso de Lembo revela uma
completa compreensão deste facto. O professor italiano desen
bases digo em cuias basses estão postos 2 vidros ou occulos, pelo quoal
os obiectos que estão longe nos pareçem muito perto e m uiio [fl.33r]
maiores do que realmente são com este instrumento se vem m«ztas
estrellas no firmamento que sem elle de nenhum modo se podem ver,
prinçipalmetfte no 7 estrello yunto da nebulosa de Cancro, no Orion, na
via Lactea que comummente chamão estrada de sam Tiago, e noutras
partes mas isto não repugna ao que assima dissemos do numero das
estrellas serem 1022 porque ahi falíamos das estrellas que sem ajuda
deste instrumento se podem ver commodamente. A Lua também
quoando esta com pontos ou mea chea pareçe noctauelmente despeda
çada e a aspera, de modo que não posso deixar de me espantar muito
auer tantas desigoaldades no corpo da luã. Mas açerca deste ponto veiasse
Galileu Galileu, no Libro que intitulou nuntio das estrellas, e se empri-
mio em Venesa no anno de 1610, no quoal escreueo varias obseruaçõins
das estrellas que elle primeiro fez entre outras cousas que com este ins
trumento se vem Ke huã espantosa scilicet que venus recebe a luz do Sol
ao modo da luã de modo que appareçe com pontas maiores, ou meno
res, conforme á distançia que tem do Sol, o que muitas veses com outros
obseruei estando aqui em Roma, e Saturno tem 2 estrellas maes pequenas
iuntas assi, huã para o Oriente e outra para o Ocçidente Juppiter tem 4
estrellas erraticas as quoaes varião o sitio que entre sy tem e com o
mesmo Planeta Juppiter marauilhosamente pello que vejão os astronomos
como hão de ordenar os orbes cadestes para saluar estas Phenomenas e
apparençias, e atee qui Clauio. (fls. 32v-33r).
volverá o seu argumento, que o levará a propor uma nova dis
posição dos orbes. Lembo começa por relatar a observação de
fases no planeta Vénus que fizera em Roma, em 1610, e
depois, num passo que é do maior interesse para a história da
ciência em Portugal, revela que fizera o mesmo em Lisboa:
126
o professor italiano que o mesmo fenômeno se dá com Mercú
rio e que a dificuldade em o observar é simplesmente devida à
pequenez do planeta e ao facto de estar sempre mais próximo
do Sol do que Vénus. Uma vez mais, o autor refere as obser
vações levadas a cabo em Lisboa. O facto dos planetas Vénus e
Mercúrio exibirem fases tem profundas implicações no ordena
mento dos orbes, revelando que esses dois planetas orbitam em
torno do Sol. Lembo apresenta, então, o seu modelo de orde
namento cosmológico, que é uma variação do sistema de
Tycho Brahe.157
Na parte final do manuscrito (fl. 135r-v), encontram-se
instruções para a construção de um telescópio. Trata-se de ins
truções muito práticas, relacionadas com a técnica necessária
para o polimento das lentes. São muito importantes e interes
santes, pois instruções práticas sobre o modo de polir lentes só
começam a aparecer no início do século dezassete, já que até aí
estes conhecimentos eram transmitidos apenas no âmbito
muito reservado da formação de artesãos. Tanto quanto conse
guimos apurar, o Colégio de Santo Antão foi a primeira insti
tuição jesuíta da Europa onde os alunos foram iniciados no
polimento de lentes para construção de telescópios.
As notas de aula de Giovanni Paolo Lembo são do maior
interesse pois revelam a vitalidade das discussões em torno das
novidades astronômicas na «Aula da Esfera» pelos anos de
1615-17. Por elas se fica a saber que nessa altura já se faziam
observações telescópicas em Lisboa e se discutiam as implica
ções dos vários fenômenos observados. Fica também a saber-se
que, no Colégio de Santo Antão, se construíam telescópios e se
ensinava que o modelo de Ptolomeu estava irremediavelmente
ultrapassado. Também se percebe que a influência da «Aula da
Esfera» se estendia para além dos limites das suas lições e dos
127
seus alunos. Os seus mestres eram reconhecidos e as suas
opiniões eram procuradas e, como se viu, as demonstrações
eram também, por vezes, seguidas por outras “pessoas curiosas”.
Náo tem qualquer fundamento supor que em Portugal não
se conhecessem as novidades astronômicas descobertas por
Galileu e os debates que elas originaram. Pelo contrário, o
local por onde essas novidades entraram no país, onde foram
conhecidas e discutidas, foi precisamente o colégio dos jesuítas
em Lisboa.
As aulas de Lembo e a discussão dos possíveis arranjos
cosmológicos não foram uma excepção em Santo Antão, muito
pelo contrário. Nas primeiras décadas do século XVII todos os
professores da «Aula da Esfera» discutiram nas suas lições os
graves problemas astronômicos e cosmológicos que dominavam
a atenção da Europa culta da altura. Nessas aulas as novidades
galileanas foram estudadas em detalhe. O modelo cosmológico
ptolomaico foi rejeitado, o modelo astronômico coperniciano,
embora não aceite, foi discutido e explicado. Como pratica
mente todos os matemáticos da Companhia de Jesus — e, na
verdade, a maioria dos astrônomos europeus da altura — , os
professores da «Aula da Esfera» defenderam a adopção do sis
tema de Tycho Brahe (ou alguma variante) que, adequando-se
à nova evidência observacional, não levantava os problemas de
uma Terra em movimento.
Sensivelmente pela altura em que Lembo deixava de lec-
cionar, passava por Lisboa um impressionante grupo de jesuí-
tas-matemáticos que estiveram em Portugal pelos anos de 1617
-1618, acabando por partir para o Oriente em Abril de 1618:
Giacomo Rho (ca. 1592-1638), Johannes Schreck (1576
-1630), Wenzel Pantaleon Kirwitzer (ca. 1589-1626), e Johann
Adam Schall von Bell (1591-1666). Todos estes homens eram
autoridades em assuntos científicos e destacar-se-iam pela sua
acção científica no Extremo Oriente. Traziam consigo não ape
nas livros e instrumentos, mas sobretudo o domínio mais avan
çado de muitos assuntos científicos e o conhecimento das polê
micas cosmológicas, que assim eram discutidas em Santo Antão
por professores, alunos, e “muitas outras pessoas curiosas”.
No Outono de 1620, iniciava as suas aulas de matemática
em Santo Antão o alemão Johann Chrisostomus Gall (1586
-1643), que havia estudado no colégio de Ingolstad e acompa
nhara de perto o debate acerca do ordenamento cosmológico.
Evidentemente, nas suas lições [BNP, Cod. 1869] dedicou uma
atenção especial aos assuntos cosmológicos e aos debates em
torno do ordenamento celeste. As notas destas aulas que sobre
viveram mostram uma discussão cuidada dos novos factos
observados com o telescópio — qué Gall designa por “óculo
astronômico” (foi. 81r) ou “óculo comprido” (foi. 81v) — e
uma discussão pormenorizada dos vários sistemas celestes: o de
Ptolomeu, o de Tycho Brahe e o de Copérnico. A discussão
destes tópicos no curso de Gall é muito interessante, pois
mostra que, mesmo após a condenação do heliocentrismo, em
1616, o assunto era discutido abertamente no Colégio de
Santo Antão.
Gall leccionou durante vários anos, num período crítico
de debates científicos. Foi sucedido por um homem ainda
mais interessante a que já aludimos, o jesuíta italiano Cris-
toforo Borri, que viria a desempenhar um papel de grande
importância nos debates cosmológicos da época.158 A his
129
toriografia portuguesa mais antiga identificara Borri como o
homem que introduzira o conhecimento de Galileu e das des
cobertas galileanas em Portugal. Na verdade, ele não foi de
modo algum o primeiro, pois, vários anos antes, Lembo já o
havia feito, e depois Gall continuara. Mas porque Borri foi
uma personalidade muito mais expansiva do que Lembo ou
Gall e, sobretudo, porque viria a publicar, em Portugal, um
livro sobre o assunto, o seu papel como divulgador das novi
dades astronômicas foi de facto excepcional.
Borri passara uma primeira vez por Lisboa por volta de
1615, em trânsito para o Oriente, e já nessa altura discutira
em Portugal as novas idéias astronômicas. Após alguns anos na
Ásia (onde, entre outros afazeres, se continuou a envolver em
questões de astronomia), retornou à Europa. Foi nesse período
que deu aulas no colégio de Santo Antão, entre 1627 e 1628.
Tal como Lembo ou Gall, Cristovão Borri explicou nas suas
aulas que em face das novas observações cosmológicas o sis
tema cosmológico ptolomaico não era aceitável. Explicou a
natureza das novas observações, comentou em detalhe o fun
cionamento e os princípios ópticos do telescópio, insistiu tam
bém na necessidade de reformular profundamente a filosofia
natural de base aristotélica, defendendo, em particular, que os
céus teriam uma natureza fluida, não sendo compostos de
orbes rígidas. Borri não achou que o sistema còpernickno
— cujos prós e contras discutiu — fosse aceitável e avançou
com um ordenamento cosmológico semelhante ao de Tycho
Brahe.
Embora estas polêmicas novidades tenham sido discutidas
pelos jesuítas de formação matemática que leccionavam na
“Aula da Esfera”, isso não significa que todos os jesuítas em
Portugal as abraçassem. Como noutras regiões da Europa, tam
bém no nosso país os filósofos da Companhia tiveram muitas
vezes dificuldades em compreender e em aceitar as novidades
que os seus confrades matemáticos lhes transmitiam. Borri
envolveu-se em polêmicas com alguns jesuítas portugueses,
sobretudo com os filósofos do colégio de Coimbra, e algumas
130
delas parecem ter tido como base a diferença de opinião acerca
de assuntos astronômicos.159
Um dos momentos mais importantes na difusão destes
novos saberes foi a publicação, em 1631, em Lisboa, depois de
vencidas algumas resistências, da Collecta astronômica, a excep
cional obra em que Borri deu a conhecer ao público geral as
novidades astronômicas. A Collecta astronômica é o primeiro
livro publicado em Portugal em que se discutem de maneira
desenvolvida o telescópio, as novas observações astronômicas e
as suas implicações cosmológicas, e os vários sistemas astronô
micos; é o primeiro livro impresso no nosso país em que se
explica porque o modelo de Ptolomeu é insustentável e em que
se defende que os céus têm uma natureza fluida e não rígida.
Trata-se, portanto, de um documento do maior valor na histó
ria da ciência em Portugal, e mesmo da ciência europeia da
época, pois o seu impacto sentiu-se muito para além das fron
teiras nacionais.
Nos anos seguintes, o inglês Ignace Stafford (1599-1642),
que leccionou na «Aula da Esfera» entre 1630 e 1636, conti
nuou a analisar estes importantes assuntos astronômicos nas
suas aulas. Merece atenção especial o completíssimo tratado
sobre a natureza e usos dos paralaxes (BNP, PBA 240, p. 351
-393) que existe em várias cópias. Neste texto cita alguns dos
131
mais importantes astrônomos do período, incluindo alguns que
pela sua afiliação religiosa ou pelas opiniões que publicamente
defenderam talvez não se esperassem encontrar citados num
colégio jesuíta: Rothman, Kepler, Scaliger, etc.
Entre 1638 e 1641, foi professor na «Aula da Esfera» o
inglês Simon Fallon (1604-1642) que, a avaliar pelas notas de
aulas que chegaram até aos dias de hoje, usou boa parte das
suas lições para discutir muitos aspectos da nova astronomia.
O curso por ele leccionado em 1639 aparece dividido em três
Tratados (BNP, Cod 2258). No primeiro são apresentadas
noções gerais relacionadas com a esfera terrestre, os seus cír
culos, princípios astronômicos básicos, eclipses, aplicações à
navegação, etc. No tratado segundo, sobre a esfera sublunar,
analisa-se longamente o delicado problema da relação da esfera
da água com a esfera da terra, fazendo-se uma primeira, e pas
sageira, abordagem ao assunto «Se se move e como se move a
Terra?», (foi. 59r). A parte mais importante das aulas, contudo,
é a que se explana no Tratado 3.°: «Da Sphera celeste». Fallon
começa por descrever os “phenomenos, ou apparencias com-
muns que observarão os Mathematicos antigos” (foi. 92r), dis
cutindo em detalhe nove aparências celestes. No capítulo
segundo, «Lançasse fora alguns modos de saluar essas apparen
cias celestes, e especialmente se rejeita a hypotesi de Nicolao
Copernico» (foi. 95v), apresenta uma detalhada descrição do
sistema coperniciano, concluindo que “Com esta hipothesi
salua Copernico todas as apparencias” (foi. 96r). Passa, então, a
explicar detalhadamente como todas as nove aparências ante
riormente explicadas são “salvas” com este modelo. O professor
jesuíta termina com o seguinte juízo: “Hua cousa somente tem
contra sy esta hypothesi que a faz de todo improvável, e he o
movimento que concebe à Terra” (foi. 97r), e, para justificar
esta rejeição, alinha contra o sistema coperniciano as várias
objecções: escriturísticas, físicas, etc.
O desenrolar da matéria segue então o desenvolvimento
que já se tornara habitual nas lições de Santo Antão. Explicada
a impossibilidade de aceitar o esquema planetário de Copér-
nico e explicada também a necessidade de descartar o ordena
132
mento ptolomaico tradicional (no capítulo de título «Propense
e reietasse a hypothesi ptolemaica, e comum acerca do numero
e ordem das spheras celestes»), no capítulo quarto deste Tra
tado 3.°, “Apontaose alguns Phenomenos e apparencias novas
que os Mathematicos destes tempos observão” (foi. 102r) são
examinadas as novidades astronômicas que levam a que, no
capítulo quinto, se chegue à proposta final: “Poense a nossa e
verdadeira hypothesi que he a Tichoniana” (foi. 105v).
Esta edição
133
De 1610 a 1900 foram preparadas nove edições, em
latim, do Sidereus Nuncius. Quatro em publicações indepen
dentes ou incluídas em obras de outros autores (Veneza, 1610;
Frankfurt, 1610; Londres, 1653; Amsterdão, 1682) e cinco em
colectâneas de obras de Galileu (1655/56; 1718; 1744; 1843;
1892).161
Cotejámos a nossa tradução com aquelas que são actual-
mente as traduções de referência: a muito recente, em língua
inglesa, Galileo’s Sidereus Nuncius or A Sidereal Message. Transla-
ted from the Latin by W lLLIAM R. SHEA; Introduction and
Notes by William R. Shea and Tiziana Bascelli (Sagamore
Beach: Science History Publications, 2009), e a outra, também
para língua inglesa, Galileo Galilei. Sidereus Nuncius or The
Sidereal Messenger. Translated with introduction, conclusion
and notes by Albert van Helden (Chicago and London: The
University of Chicago Press, 1989); as de língua francesa, Gali
leo Galilei. Le Messager des Etoiles. Traduit du latin, presenté et
annoté par Fernand Hallyn (Paris: Seuil, 1992) e Sidereus Nun
cius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes établis par
Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992); a italiana, Gali
leo Galilei. Sidereus Nuncius. Traduzione con testo a fronte e
note di Maria Timpanaro Cardini (Firenze: Sansoni, 1948), e
na versão moderna, a cura di Andréa Battistini (Venezia: Mar-
silio, 1993); a espanhola, Galileo Galilei. La Gaceta Sideral
Johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral. Introduc-
ción, traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid:
Alianza Editorial, 2007 [Ia ed. 1984]), com o Sidereus Nuncius
nas pp. 37-116; e a tradução alemã, por Malte Hossenfelder,
Galileo Galilei. Sidereus Nuncius. Nachricht von neuen Sternen.
Dialog über die Weltsysteme (Auswahl). Vermessung der Hólle
Dantes. Marginalien zu Tasso. Herausgegeben und eingeleitet
134
von Hans Blumenberg (Frankfurt am Main: Insel Verlag,
1965), com o Sidereus Nuncius nas pp. 79-131.
162 Por outro lado, não nos pareceu necessário consultar outras tra
duções, de acesso relativamente fácil, como a italiana Nunzio Siderio, tr.
Luisa Lanzillotta (Milano, 1953) [= vol. 34 de La Letteratura Italianã\, as
espanholas, E l Mensajero de los Astros, trad. José Fernandes Chitt, introd.
por José Babini (Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires,
1964), e E l Mensaje y E l Mensajero Sidereal, introd. e trad. de Carlos
Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 1984), ou ainda outras, mais
antigas, como a primeira tradução em língua inglesa, The Sidereal Mes
senger o f Galileo Galilei and a Part o f the Preface to Keplers Dioptrics con-
taining the original account o f Galileos astronomical discoveries. A transla-
tion with introduction and notes by Edward Stafford Carlos (London,
1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mall, 1960), ou as francesas:
Alexandre Tinelis, abbé de Castelet, Le messager céleste (Paris, 1681); Side
reus Nuncius; Le Message Céleste. Texte établi et traduit par Émile Namer
(Paris: Gauthier-Villars, 1964); Galilée. Le Message Céleste. Traduction
complète du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi
de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les
Satellites de Júpiter de Jean Kepler, traduits pour la première fois du
Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989).
135
1987), que depois foi reeditada com o título modificado:
G a l il e u GALILEI, O Mensageiro das Estrelas (São Paulo: Duetto
Editorial, Scientific American Brasil, 2009). O texto produzido
visou deliberademente um público amplo, não tendo havido
hesitações em modernizar, o que foi sempre feito pela mão
segura do tradutor, um especialista em história de ciência de
créditos firmados. O estudo introdutório é muito breve e as
notas explicativas e de contexto reduzidas ao mínimo. Ou seja,
uma obra de qualidade indiscutível, mas de propósitos e ambi
ções diversos dos nossos.
Recordamos que o texto original do Sidereus Nuncius é,
hoje em dia, de consulta muito fácil já que se encontra dispo
nibilizado em versões digitalizadas, na Internet. As obras com
pletas de Galileu, com a versão do Sidereus Nuncius editada por
Favaro, estão também disponíveis na rede. Uma última menção
para o CD-ROM editado pela empresa Octavo, com uma
excepcional digitalização da obra de Galileu e da tradução
inglesa de Albert van Helden, com todas as facilidades de
busca [vid: www.octavo.com]
A sempre difícil tarefa de traduzir Galileu foi norteada
pelo desejo de procurar respeitar algumas das características do
seu estilo e, em particular, do estilo que empregou no Sidereus
Nuncius. Galileu é, ao mesmo tempo, um autor com grande
preocupação de claridade e precisão na linguagem, mas tam
bém muito atento ao efeito retórico dos seus textos. Tem um
bom domínio da língua latina, mas no Sidereus Nuncius optou
por uma linguagem despida, sem adornos, por vezes roçando
um registo quase meramente técnico, tendo alguns achado o
estilo “aridus” ( Opere, X, 316). Contudo, não há qualquer
monotonia no texto, que se apresenta sempre incisivo e tenso
em cada página.
H enrique Leitáo
Universidade de Lisboa
136
BREVE CRONOLOGIA
137
Nov. 30. Em Pádua, pouco depois do pôr do sol,
observa e desenha a Lua de quatro dias,
usando um telescópio com ampliação de cerca
de vinte vezes. Continua a observar até a Lua
“quase se pôr” (por volta das 8 da tarde),
fazendo, neste dia e nos seguintes, mais dese
nhos.
138
Jan. 9 Grande desejo de observar Júpiter é impedido
pelas nuvens.
140
GALILEU GALILEI
GALILEU GALILEI,
N O B R E F L O R E N T I N O 2,
professor de matemática da Universidade de Pádua3,
observou com o auxílio de uma
LU N E T A 4
por ele recentemente concebida5, na FACE DA LUA,
A S INUMERÁVEIS ESTRELAS FLXAS, A VIA LÁCTEA,
NEBULOSAS
e, sobretudo,
QUATRO PL ANE T AS 6
revolvendo em torno de JÚPITER, a distâncias e
com períodos diferentes, com espantosa rapidez, os quais
ninguém até hoje divisara, e agora pela primeira vez
foram vistos pelo Autor
E PO R E LE D E S IG N A D O S D E
C O SM E II D E M E D IC I,
QUARTO GRÂO-DUQUE DA TOSCANA7.
145
humanos acabam por perecer sob a força do tempo e da
velhice, concebeu símbolos mais incorruptíveis em relação
aos quais o tempo voraz11 e a invejosa velhice não reivin
dicassem para si nenhum direito. E, assim, passando para
os céus, inscreveu naqueles conhecidos orbes eternos dos
astros mais brilhantes os nomes daqueles que, por seus
feitos ilustres e quase divinos, foram julgados dignos de
disfrutar com as estrelas de uma vida eterna. Por isso, a
fama de Júpiter, Marte, Mercúrio, Hércules, e outros
heróis por cujos nomes as estrelas são designadas, não se
apagará antes que o próprio resplendor das estrelas se
extinga. Ora, esta invenção da sagacidade humana, nobre
e admirável entre todas, caiu no esquecimento há muitos
séculos, ocupando os antigos heróis essas brilhantes sedes
e mantendo-as como que por direito próprio. Em vão a
piedade de Augusto se esforçou por incluir Júlio César no
seu número, pois, quando ele desejou nomear como astro
Juliano a estrela que tinha aparecido no seu tempo,
daquelas a que os gregos chamam «cometa» e que nós
chamamos «cabeleira»12, ela, desaparecendo pouco depois,
frustrou a esperança de tão grande ambição.13 Mas agora,
Príncipe Sereníssimo, podemos augurar a Vossa Alteza
coisas mais verdadeiras e mais felizes, pois mal começaram
a brilhar na terra os imortais ornamentos da vossa alma,
mostraram-se nos céus uns astros brilhante que, como lín
guas, [3r] hão-de narrar e celebrar por todo o tempo as
vossas extraordinárias virtudes.14 Eis, pois, quatro estrelas
reservadas para o vosso nome ilustre, e não são elas da
multidão das menos notáveis estrelas fixas, mas da ordem
ilustre das estrelas vagueantes, que, com movimentos sem
dúvida diferentes, fazem os seus percursos e órbitas com
uma velocidade maravilhosa em torno da estrela de Júpi
ter, a mais nobre de todas elas, como sua autêntica des
cendência, enquanto todas juntas, em mútua harmonia,
completam as suas revoluções cada doze anos em torno
do centro do mundo, isto é, em torno do próprio Sol.15
N a verdade, parece que, com argumentos claros, o
próprio Criador dos Astros me exortava a designar esses
novos planetas pelo nome ilustre de Vossa Alteza, de pre
ferência a todos os outros. Efectivamente, do mesmo
m odo que essas estrelas, como digna descendência de
Júpiter, nunca se afastam do seu lado senão por pequena
distância, assim, quem ignora que a clemência, a bondade
de espírito, a gentileza das maneiras, o esplendor do san
gue real, a majestade no agir e a amplidão da autoridade
e mando sobre os outros, todas estas qualidades que acha
ram um dom icílio e sede em Vossa Alteza, quem, digo
eu, ignora que tudo isto emana da benigna estrela de
Júpiter, segundo [ordem de] D eus que é a fonte de todo
o bem? Foi Júpiter, Júpiter digo eu, que no nascimento
de Vossa Alteza, tendo já passado pelos vapores turvos do
horizonte, ocupando o meio do cé u 16 e ilum inando o
ângulo ocidental a partir da sua casa real17, desse sublime
trono olhou sobre o Vosso nascimento afortunado e der
ramou todo o seu esplendor e grandeza sobre o ar mais
puro, a fim de [3v] que o Vosso pequeno e terno corpo
juntamente com a Vossa alma, adornada já por Deus com
os mais nobres ornamentos, haurisse com o seu primeiro
sopro todo esse poder universal e autoridade. M as porque
uso argumentos prováveis quando posso tudo deduzir e
demonstrar a partir de razões necessárias? Aprouve a Deus
Todo-Poderoso que eu não fosse julgado indigno pelos
Vossos Sereníssimos Pais para a tarefa de instruir Vossa
Alteza nas ciências matemáticas, tarefa que cumpri nos
passados quatro anos, na altura do ano em que é mais
habitual descansar de estudos mais severos.18 Q uanto a
isso, visto ter eu, por evidente acção divina, a felicidade
de servir Vossa Alteza e, por isso, receber de mais perto
os raios da vossa inaudita clemência e benignidade, será
porventura uma surpresa que eu, que sou Vosso súbdito
não apenas por desejo mas também por origem e natu
reza,19 tivesse o meu espírito de tal m odo inflamado que,
dia e noite, não pensasse em quase nada mais do que em
tornar conhecido quão grato estou para convosco e quão
desejoso de promover a vossa glória?
E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sere
níssimo C O SM E, descobri essas estrelas, desconhecidas de
todos os anteriores astrônomos, decidi, com todo o
direito, adorná-las com o muito augusto nome da Vossa
família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará
o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar
ESTRELAS M ED ICEIA S, esperando que tanta dignidade
seja adicionada a estes astros por esta designação como foi
conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem
falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória
eterna [4r] todos os monumentos da história dão teste
munho, apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode
garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem,
de facto, duvidará que por grande que seja a expectativa
que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso
reino, não só a mantereis e defendereis, mas a havereis de
superar por larga margem, de modo que, uma vez venci
dos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia
vos superareis a vós e à vossa grandeza?
Galileu Galilei
148
Suas Excelências os Senhores Chefes do Excelente Conse
lho dos D ez21, abaixo assinados, com o testemunho dos
Senhores Reformadores do Estudo de Pádua, segundo o
relâtório de dois a este assunto designados, a saber, do
Reverendo Pe. Inquisidor, e do secretário examinador do
Senado Giovanni Marauiglia, sob juramento, como no
livro intitulado SYDEREVS N V N C IV S, etc. do senhor
Galileu Galilei não se encontra coisa alguma contrária à
Santa Fé Católica, aos princípios e aos bons costumes, e
que é digno de ser impresso, concedem a licença para que
possa ser impresso nesta cidade.
}
Chefes do Excelente
Senhor Nicolò Bon Conselho dos Dez
Senhor Lunardo Marcello
Bartolomeo Comino
Secretário do Mui Ilustre Conselho dos Dez
149
MENSAGEM ASTRONÔMICA2,
que contém e apresenta
A S R E C E N T E S O B SE R V A Ç Õ E S,
feitas com uma nova luneta, da, superfície da Lua,
da Via Láctea e das nebulosas, de inumeráveis estrelas fixas,
e ainda de quatro planetas designados por
A S T R O S D E C O S M E 23,
- nunca até hoje vistos.
151
diâmetro dessa mesma Lua parece quase trinta vezes, a
sua superfície noventa vezes e o seu volume quase vinte
e sete mil vezes maiores do que quando são vistos sim
plesmente à vista desarmada.26 Daí, consequentemente,
que qualquer pessoa compreenda, com a certeza dos sen
tidos, que a Lua não é de maneira nenhuma revestida
de uma superfície lisa e perfeitamente polida, mas sim de
uma superfície acidentada e desigual, e que, como a pró
pria face da Terra, está coberta em todas as partes por
enormes protuberâncias, depressões profundas, e sinuosi-
dades.
Além disso, não parece coisa de somenos ter elimi
nado as controvérsias acerca da Galáxia ou Via Láctea e
ter revelado a sua natureza aos sentidos, quanto mais
à inteligência; e será' maravilhoso e sumamente belo.
demonstrar claramente, como se apontando com um
dedo, que a substância dessas estrelas, que até ao presente
todos os astrônomos chamavam nebulosas, é muito dife
rente do que até agora se pensou.
Mas aquilo que excede imensamente toda a admira
ção, e o que especialmente nos impeliu a dar notícia a
todos os astrônomos e filósofos, é que descobrimos quatro
estrelas errantes27, nem conhecidas nem observadas por
ninguém antes de nós, que, tal como Vénus e Mercúrio
em torno do So l28, têm os seus períodos em torno de um
certo astro insigne entre o número dos conhecidos, ora o
precedendo, ora o seguindo, e nunca ficando afastadas
dele para além de certos limites. Todas estas coisas foram
descobertas e observadas há alguns dias29 por meio de
uma luneta concebida por mim depois de ter sido ilumi
nado pela graça divina30.
Coisas talvez mais excelentes serão descobertas com o
tempo, ou por mim ou por outros, com a ajuda de um
instrumento semelhante, cuja forma e construção, assim
152
como as circunstâncias de sua invenção, [6r] mencionarei
brevemente em primeiro lugar, e depois resumirei a histó
ria das observações feitas por mim.
154
até ao objecto FG segundo as linhas rectas E C F e ED G ,
mas, colocadas as lentes, [7r] seguem ao longo das linhas
refractadas E C H e ED I.40 Com efeito, os raios são aper
tados e onde antes, [propagando-se] livremente, eram
dirigidos para o objecto FG, agora apenas compreendem
a parte H I.41
157
[8v] N a verdade, não se vê apenas que na Lua a fronteira
entre as trevas e a luz é desigual e sinuosa, mas — o que
suscita ainda mais espanto — que um enorme número de
pontos brilhantes aparece no seio da parte escurecida da
Lua, completamente separados e desligados da zona ilu
minada e afastados dela por um intervalo que não é
pequeno. Estes pontos aumentam pouco a pouco, passado
algum tempo, em grandeza e lum inosidade, e, passadas
duas ou três horas, juntam-se ao resto da zona brilhante
que então aumentou. Entretanto, contudo, mais e mais
pontos como que pululando daqui e dali, iluminam-se,
na parte escura, aumentam e finalmente unem-se à super
fície lum inosa, que agora está ainda mais dilatada. A
mesma figura m ostra-nos o exemplo disso. Ora, não é
verdade que na Terra, antes do nascer do Sol, quando a
som bra ainda cobre as planícies, os cim os dos montes
mais elevados estão iluminados pelos raios solares? E que
após um curto intervalo de tempo a luz se espalha, ilu
minando as partes médias e mais largas desses montes? E,
por fim, quando o Sol já se levantou, não se juntam as
ilum inações das planícies e das colinas umas às outras?
N a Lua, todavia, este contraste entre as elevações e as
depressões parece exceder em m uito a desigualdade do
relevo terrestre, como mostraremos mais adiante.
Entretanto, não quero de maneira nenhuma passar
em silêncio um facto digno de atenção, que observei
quando a Lua avançava para a prim eira quadratura47 e
acerca do qual o mesmo desenho precedente dá um a im a
gem. U m enorme golfo tenebroso, com efeito, situado
para o lado do corno inferior, insinua-se na parte lum i
nosa. Tendo observado durante m uito tem po este golfo
sombreado e vendo-o todo mergulhado na escuridão,
finalmente, passadas cerca de duas horas, começou a des
pontar uma espécie de cume luminoso, um pouco abaixo
do meio da cavidade. Crescendo pouco a pouco, apresen
tava uma forma triangular e estava ainda completamente
158
separado e desligado da zona luminosa. Logo depois,
começaram a brilhar em torno dele três outras pequenas
pontas, [9r] até que, quando a Lua tendia já para o
ocaso, essa figura triangular estendeu-se e ampliou-se,
para finalmente se unir ao resto da parte luminosa e,
como um enorme promontório, sempre rodeada dos três
picos brilhantes já mencionados, irrompeu no golfo escuro.
Nas extremidades dos cornos, tanto do corno superior
como do corno inferior, emergiam também alguns pontos
resplandecentes e completamente isolados do resto da luz,
como se vê desenhado na mesma figura. Havia, também,
uma grande quantidade de manchas escuras em cada
corno, mas sobretudo no inferior; entre essas manchas,
aquelas que estão mais perto da fronteira entre luz e tre
vas aparecem maiores e mais escuras, enquanto as mais
afastadas aparecem menos escuras e mais apagadas. Mas
sempre, como já dissemos antes, a parte escurecida da
mancha está do lado da irradiação solar, enquanto uma
franja mais resplandecente bordeja a mancha na parte
oposta ao Sol e virada para a zona sombria da Lua. Esta
superfície da Lua, onde está assinalada pelas manchas
como a cauda de um pavão está pelos olhos de azur, asse
melha-se a esses pequenos vasos de vidro que, mergulha
dos ainda incandescentes na água fria, adquirem uma
superfície encarquilhada e ondulada de onde lhes vem a
designação popular de «taças de gelo».
No que respeita às manchas grandes da Lua, não se
vêem tão interrompidas e cobertas de depressões e protu-
berâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emer
gindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes.
Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião
pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra48,
a sua parte mais brilhante seria mais apta a representar a
superfície terrena e a sua parte mais obscura a superfície
aquosa49. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o
globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de
longe, a superfície de terra firme se oferecería mais clara
ao olhar [9v] e a parte de água mais escura. Além disso,
na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas
do que as zonas mais claras, pois tanto na fase crescente
como na fase minguante, vê-se sempre surgir no limite da
luz e das trevas, aqui e ali, em torno das próprias man
chas grandes, os bordos da parte mais clara, como tivé-
mos o cuidado de mostrar nas figuras. E os contornos das
ditas manchas não são somente mais cavados, mas tam
bém mais uniformes e não entrecortados por rugas ou
asperezas. A parte mais iluminada, além disso, eleva-se
muito perto das manchas, a tal ponto que antes da pri
meira quadratura, como nas vizinhanças da segunda,
enormes protuberâncias se elevam acentuadamente, perto
de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é,
boreal, da Lua, tanto acima como abaixo dela, como os
desenhos aqui juntos mostram:
160
Antes da segunda quadratura, vê-se essa mesma mancha
rodeada de contornos mais negros que, como os cumes
das montanhas muito altas, aparecem mais escuros
do lado oposto ao Sol e mostram-se mais brilhantes
onde estão diante do Sol. Dá-se o inverso nas cavidades,
cuja parte oposta ao Sol aparece resplandecente, mas
escura e sombreada a que está situada do lado do Sol.
Depois, quando a superfície luminosa diminuiu, logo que
a dita mancha esta quase totalmente coberta pelas trevas,
as costas mais luminosas das montanhas emergem paulati-
namente da obscuridade. As figuras seguintes ilustram
esse duplo fenômeno:
161
L1 Ov]
162
[llr ] H á uma outra coisa que observei não sem alguma
admiração e que não posso omitir. A área em torno do
centro da Lua está ocupada por uma cavidade maior do
que todas as outras e de forma perfeitamente redonda.50
Observei isto perto de ambas as quadraturas e dese
nhei-o tanto quanto me foi possível na segunda figura
acima. Oferece o mesmo aspecto, quanto à sombra e à
iluminação, que oferecería na Terra uma região seme
lhante à Boêmia se fosse encerrada por todos os lados por
montanhas muito altas, colocadas na periferia num cír
culo perfeito. Ora, na Lua, está rodeada de cordilheiras
tão elevadas que o lado que é vizinho à parte escura da
Lua se vê banhado de luz antes que a linha divisória
entre a luz e as sombras chegue ao diâmetro que secciona
em dois essa figura. Mas, tal como nas outras manchas, a
sua parte sombreada está diante do Sol, enquanto a parte
brilhante está virada para a parte escura da Lua, o que,
sugiro eu pela terceira vez, se deve considerar um argu
mento muito forte acerca da rugosidade e irregularidade
espalhadas em toda a região brilhante da Lua. Ora, entre
essas manchas são sempre mais escuras as que são vizinhas
à fronteira entre a luz e a escuridão, enquanto as mais
afastadas aparecem ou mais pequenas ou menos escuras,
de tal modo que, finalmente, quando a Lua está em opo
sição e cheia, a escuridão das depressões difere da lumi
nosidade das proeminências por uma muito ligeira e
tênue diferença.
Estas coisas que acabámos de descrever foram vistas
nas partes mais brilhantes da Lua. Nas manchas grandes,
porém, tal contraste entre depressões e proeminências não
se vê da mesma maneira como o que somos necessaria
mente levados a reconhecer nas partes brilhantes, devido à
mudança de formas causada pela variável iluminação dos
raios do Sol ao divisar a Lua de muitas diferentes posi
ções. No entanto, nas manchas grandes há, sem dúvida,
[llv ] áreas mais escuras, como mostramos nas figuras,
mas têm sempre a mesma aparência e a sua escuridão não
aumenta nem diminui. Elas aparecem, com diferenças
muito ligeiras, ora um pouco mais escuras, ora um pouco
mais claras, consoante os raios de Sol incidem nelas mais
ou menos obliquamente. Além disso, unem-se de modo
fluido com as partes vizinhas das manchas numa união
suave, misturando e confundindo as suas fronteiras. Con
tudo, as coisas sucedem de modo diferente às manchas
que estão na parte mais brilhante da Lua, pois, tal como
penhascos íngremes eriçados de rochas de arestas vivas,
eles estão divididos por uma linha que separa abrupta
mente a luz das trevas. Além disso, no interior dessas
manchas maiores são vistas outras áreas mais claras — na
verdade, algumas muito brilhantes. Mas a aparência destas
e das mais escuras é sempre a mesma, sem qualquer
mudança na forma, luz ou sombra. E então sabido com
certeza e fora de qualquer dúvida que elas se vêem desta
maneira por causa de uma dissemelhança real das partes e
não apenas por causa das desigualdades nas figuras que
tomam essas zonas, segundo as diferentes iluminações do
Sol que move diversamente as sombras. Isto sucede de
facto nas outras manchas, mais pequenas, que ocupam a
parte mais brilhante da Lua; elas alteram-se dia a dia,
aumentando, diminuindo e desaparecendo, visto que só
resultam das sombras das proeminências que se elevam.
Mas sinto que muitas pessoas são afectadas por gran
des dúvidas neste assunto e ficam tão embaraçadas por
uma grave dificuldade que são levadas a pôr em dúvida a
conclusão já explicada e confirmada por tantas aparências.
Pois se aquela parte da superfície da Lua que reflecte de
maneira mais brilhante os raios de Sol está cheia de
sinuosidades, isto é, de inumeráveis elevações e depres
sões, porque é que na Lua crescente o bordo virado para
o ocaso, e na Lua decrescente o bordo virado para o
Oriente, e na [12r] Lua cheia toda a periferia, não são
vistos desiguais, rugosos e sinuosos, mas perfeitamente
redondos e circulares e não irregulares, com proeminên-
cias e depressões? Tanto mais que todo o bordo é com
posto da substância lunar mais brilhante que, como disse
mos, é completamente irregular e coberto com depressões,
pois nenhuma das manchas grandes chega até ao extremo
do bordo, mas todas se vêem aglomeradas longe da peri
feria. Uma vez que tais aparências apresentam uma opor
tunidade para sérias dúvidas, proponho uma explicação
dupla e daqui uma dupla resolução da dúvida.51 Primeiro,
se as proeminências e depressões no corpo lunar estives
sem espalhadas apenas ao longo da periferia circular que
delimita o hemisfério visto por nós, então a Lua poderia,
sem dúvida, e deveria mesmo, mostrar-se-nos numa
forma análoga a uma roda dentada, isto é, delimitada por
uma linha eriçadà e sinuosa. Se, contudo, não houvesse
apenas uma única cadeia de proeminências distribuídas
apenas ao longo de uma única circunferência, mas antes
muitas filas de montanhas, com as suas lacunas e sinuosi-
dades, dispostas ao longo do circuito externo da Lua - e
estas não apenas no hemisfério visível mas também do
outro lado (mas perto da fronteira entre os hemisférios) -
então o olho, vendo de longe, não poderia de modo
algum distinguir entre proeminências e depressões. Pois os
intervalos entre os montes dispostos num mesmo círculo
ou numa mesma cadeia estão escondidos pela interposição
de fila após fila de outras proeminências; e isto especial
mente se o olho do observador estiver localizado numa
mesma linha com os cumes dessas elevações. Assim, na
Terra, os cumes de muitas montanhas situadas próximas
umas das outras parecem estar dispostos numa superfície
plana se o observador estiver muito longe e situado na
mesma altitude. Assim também, num mar encapelado, as
cristas elevadas das ondas parecem estender-se num
mesmo plano, [12v] muito embora, entre as ondas, haja
muitas cavas e golfos tão fundos que não apenas as qui
lhas mas também os convés, os mastros e as velas de
navios grandes ficam ocultos. Uma vez, pois, que na pró
pria Lua e em torno do seu perímetro há uma disposição
complexa de proeminências e depressões, e o olho, vendo
de longe, está localizado aproximadamente no mesmo
plano que esses picos, ninguém se deve surpreender que,
com os raios visuais rasantes, eles se mostrem numa linha
uniforme e nada sinuosa. A esta razão pode adicionar-se
uma outra, nomeadamente que, tal como em torno da
Terra, existe em torno do corpo lunar um orbe de subs
tância mais densa do que o resto do éter, capaz de rece
ber e reflectir a irradiação solar, embora sem tanta opaci
dade que possa inibir a passagem da visão (especialmente
quando não é iluminado).52 Esse orbe, iluminado pelos
raios solares, oferece e mostra o corpo lunar com o
aspecto de uma esfera maior e, se fosse mais espesso,
poderia limitar a nossa vista de modo a não alcançar
o corpo sólido da Lua. E é, de facto, mais espesso em
volta da periferia da Lua; não absolutamente espesso, digo
eu, mas mais espesso em relação aos nossos raios visuais
que o intersectam obliquamente. Por isso, pode dificultar
a nossa visão e, especialmente quando está iluminado,
esconder a periferia da Lua que está exposta ao Sol. Isto
vê-se claramente na figura junta, na qual o corpo lunar
A BC está rodeado pelo orbe vaporoso D EG :
\d
166
[13r] O olho, desde F, alcança as partes médias da Lua,
como em A, através dos vapores mais finos DA; para o
lado das partes extremas, porém, uma abundância de
vapores mais profundos, EB, bloqueia com o seu limite
a nossa visão. Uma indicação disto é que a parte da
Lua banhada pela luz parece ser de maior circunferência
do que o restante orbe mergulhado nas trevas. Poderá tal
vez achar-se esta mesma causa razoável para explicar por
que é que em parte nenhuma se vêem as manchas maio
res da Lua estender-se até ao limite exterior, embora fosse
esperado que algumas delas se encontrassem perto dele.
Parece plausível, contudo, que sejam invisíveis porque
estão escondidas sob vapores mais espessos e mais bri
lhantes.
Parece-me ter ficado suficientemente claro, pelas apa
rências já explicadas, que a superfície mais brilhante da
Lua esteja coberta por todo o lado com proeminências e
depressões. Falta-nos agora falar acerca dos seus tamanhos,
demonstrando que as rugosidades terrestres são muito
menores do que as lunares; digo menores falando absolu
tamente, não apenas em proporção aos tamanhos dos seus
globos. Isto vê-se claramente da seguinte maneira.
Como foi muitas vezes observado por mim que, em
diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro
da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados
de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da
luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâ
metro lunar total, descobri que essa distância algumas
vezes excede a vigésima parte do diâmetro53. Assumindo
isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é
CAF, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o
diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que
de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro
terrestre tem 7000 milhas italianas, C F terá 2000 milhas,
[13v] C E 1000 e a vigésima parte de todo CF será de
100 milhas54. Seja agora C F o diâmetro do círculo
máximo
i> c g:
168
[I4r] do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem
montanhas que tenham sequer a altura de 1 milha verti
cal. E, pois, evidente que as proeminências lunares são
mais elevadas do que as terrestres.55
Gostaria de explicar aqui a causa de um outro fenô
meno lunar digno de admiração. Este fenômeno foi por
nós observado, não recentemente mas há já muitos anos,
mostrado a alguns amigos próximos e alunos, explicado, e
dele dei uma demonstração causai.56 Mas uma vez que a
sua observação é facilitada e mais notória com o auxílio
da luneta, pareceu-me que não era desajustado repeti-la
aqui, especialmente para que o parentesco e a semelhança
entre a Lua e a Terra apareçam mais claramente.57
Quando a Lua, quer antes quer depois das conjun
ções, se encontra próxima do Sol, oferece à nossa vista
não apenas aquela parte do seu disco que está adornada
com cornos brilhantes, mas também um tênue círculo,
levemente reluzente, que parece delimitar o contorno da
parte escura (isto é, a parte afastada do Sol) e separá-la
do fundo mais escuro do próprio éter. Mas se examinar
mos este assunto com mais cuidado, veremos não apenas
o rebordo extremo da parte escura brilhando com brilho
tênue, mas toda a face da Lua - nomeadamente aquela
parte que ainda não sente o brilho do Sol — branqueada
por alguma luz não despicienda. À primeira vista, con
tudo, só aparece uma fina circunferência brilhante devido
à proximidade das partes mais escuras do céu em torno
dela, enquanto, pelo contrário, o resto da superfície
parece mais escuro devido ao contacto com os cornos bri
lhantes, que escurecem a nossa visão. Mas se se escolher
um lugar tal que esses cornos brilhantes fiquem ocultos
por um tecto, uma chaminé, ou outro obstáculo entre o
nosso olho e a Lua (mas colocado longe do olho),
ficando a restante parte [I4v] do globo lunar exposta à
nossa vista, então descobrir-se-á que esta região da Lua,
embora desprovida de luz solar, também brilha com uma
luz considerável, e especialmente quando as trevas noctur
nas já forem espessas devido à ausência do Sol; pois sobre
um fundo mais escuro a mesma luz parece mais brilhante.
Também se verifica que este brilho, por assim dizer,
secundário da Lua, é tanto maior quanto menos distante
a Lua estiver do Sol, pois, à medida que ela fica mais dis
tante dele, decresce mais e mais de tal maneira que, após
a primeira quadratura e antes da segunda, aparece fraco e
muito dúbio, mesmo observando num céu mais escuro,
enquanto que, no sextilo ou em elongações menores58,
brilha de uma maneira admirável mesmo no crepúsculo.
N a verdade, brilha de tal modo que, com a ajuda de uma
luneta precisa, se podem ver nela as manchas maiores.
Este brilho maravilhoso causou não pouco espanto
nos que se aplicam à filosofia, tendo avançado alguns
com uma razão e outros com outra, como sua explicação.
Alguns disseram tratar-se do brilho natural e intrínseco da
própria Lua, outros que lhe é conferido por V énus59,
outros pelas estrelas; e ainda outros disseram que é dado
pelo Sol, que penetraria a vasta massa da Lua com os seus
raios. Mas tais sugestões refutam-se sem muito esforço e
demonstra-se serem falsas. Pois se este gênero de luz fosse
próprio da Lua, ou conferido pelas estrelas, a Lua retê
-la-ia e mostrá-la-ia especialmente durante os eclipses
quando está num céu muito escuro. Mas isto é contrário
à experiência, pois a luz que aparece na Lua durante um
eclipse é muito mais fraca, avermelhada, quase cúprea,
enquanto que esta luz é mais brilhante e mais branca. A
luz que aparece durante um eclipse é, além disso, mutável
e move-se, pairando sobre a face da Lua de tal maneira
que a parte mais perto do bordo do círculo da sombra da
Terra se vê sempre mais brilhante e o resto mais escuro.
Daqui se compreende, sem qualquer dúvida, que esta luz
surge [15r] devido à proximidade dos raios solares inci
dindo sobre alguma região mais densa que rodeia a Lua
de todos os lados. Por causa deste contacto uma espécie
de aurora é espalhada na Lua nas regiões vizinhas [da
periferia], tal como na Terra a luz crepuscular é espalhada
de manha e de tarde. Trataremos deste assunto mais
desenvolvidamente no livro sobre o Sistema do M undo60.
Quanto a afirmar que esta luz é conferida por Vénus, é
tão infantil a ponto de não merecer resposta. Pois quem
é tão ignorante que não saiba que perto das conjunções e
no aspecto sextil é completamente impossível para a parte
da Lua oposta ao Sol ser vista de Vénus? Mas é igual
mente inaceitável que esta luz seja devida ao Sol que,
com a sua luz, penetre e invada o corpo sólido da Lua.
Nesse caso nunca diminuiría, uma vez que um hemisfério
da Lua está sempre iluminado pelo Sol, excepto no
momento dos eclipses lunares. Ora, a luz diminui quando
a Lua se aproxima da quadratura e desvanece-se comple
tamente quando ela passa a quadratura.
Uma vez, pois, que esta luz secundária não é intrín
seca e própria à Lua, e também não é emprestada por
nenhuma estrela nem pelo Sol, e visto que na vastidão do
mundo não resta nenhum outro corpo a não ser a Terra,
pergunto então o que devemos pensar? Que devemos
propor? Será que o corpo lunar, como qualquer outro
corpo escuro e opaco, é banhado de luz pela Terra? Mas
o que é que isso tem de tão espantoso? Mais do que isso:
a Terra, numa troca igual e agradecida, retribui à Lua
uma luz igual àquela que recebe da Lua durante quase
todo o tempo na mais profunda escuridão da noite.
Expliquemos o assunto mais claramente. A Lua, nas
conjunções, quando ocupa um lugar entre o Sol e a
Terra, é inundada pelos raios solares no seu hemisfério
superior, que está virado para o lado oposto da Terra,
enquanto o hemisfério inferior, que está virado para a
Terra, está coberto de escuridão e por isso não ilumina de
maneira alguma a superfície terrestre. Quando a Lua se
afasta pouco a pouco do Sol, uma parte do hemisfério
inferior virado para nós passa a ser iluminada e mostra-
-nos uns finos cornos esbranquiçados, iluminando ligeira
mente a Terra. A iluminação solar cresce na Lua [15v]
agora que ela chega à quadratura, e, na Terra, o reflexo da
sua luz aumenta. À medida que o brilho da Lua se
estende ainda mais, para além do semicírculo, as nossas
noites brilham mais claras. Finalmente, toda a face da
Lua que está voltada para a Terra é iluminada com uma
luz muito brilhante que vem do Sol em oposição, e a
superfície da Terra brilha por todas as partes, inundada
pelo esplendor lunar. Depois, quando a Lua começa a
decrescer, emite raios mais fracos na nossa direcção e a
Terra é iluminada mais fracamente; e à medida que a Lua
se aproxima da conjunção, a noite escura vem sobre a
Terra. Nesta sequência, portanto, numa sucessão alter
nada, a luz lunar espalha sobre nós as suas iluminações
mensais, umas vezes mais brilhantes, outras mais fracas.
Mas o favor é retribuído da mesma maneira pela Terra,
pois quando a Lua está sob o Sol, próximo das conjun
ções, ela está diante da superfície inteira do hemisfério da
Terra exposta ao Sol e iluminada por raios vigorosos,
recebendo luz reflectida dela. E, assim, por causa desta
reflexão, o hemisfério inferior da Lua, embora destituído
de luz solar, aparece com um brilho considerável. Quando
a Lua está afastada do Sol por um quadrante, ela apenas
vê uma metade iluminada do hemisfério terrestre, a saber,
o ocidental, pois a outra, a metade oriental, está escure
cida pela noite. A Lua é, pois, iluminada menos brilhan
temente pela Terra, e a sua luz secundária aparece-nos por
consequência mais fraca. Pois, se supusermos a Lua em
oposição ao Sol, ela terá diante o hemisfério completa
mente tenebroso e coberto de noite escura da Terra
situada a meio. Se, portanto, uma tal oposição se der na
eclíptica61, a Lua não receberá qualquer iluminação,
ficando privada de ambas as radiações, solar e terrestre.
Nas suas diferentes posições em relação ao Sol e à Terra,
a Lua recebe mais ou menos luz da reflexão terrestre ao
estar diante de uma parte maior ou menor do hemisfério
terrestre iluminado. Pois as posições relativas desses dois
globos são sempre tais que, quando a Terra está mais ilu
minada pela Lua, a Lua está menos iluminada pela Terra
[16r] e vice-versa. Sejam suficientes estas breves coisas que
dissemos aqui acerca deste assunto. Diremos mais no
nosso Sistema do M undo62, onde, com muitos argumentos
e experiências, demonstraremos a reflexão muito forte da
luz solar pela Terra àqueles que defendem que a Terra
deve ser excluída da dança das estrelas, especialmente por
que não tem movimento nem luz. Mostraremos, pois,
que ela é [um astro] errante e que ultrapassa a Lua em
brilho, e que não é a lixeira da porcaria e detritos do uni
verso63, e confirmaremos isto com inumeráveis64 argu
mentos a partir da natureza.
173
isto se perceba melhor [I6v] a partir do seguinte: as estre
las, emergindo por entre as primeiras luzes no crepúsculo
vespertino, mesmo se forem de primeira grandeza65, apa
recem muito pequenas, e até Vénus, se se nos apresenta
ao meio-dia, é visto tão pequeno que mal parece igualar
uma pequena estrela de última grandeza. As coisas são
diferentes para outros objectos e para a própria Lua, que,
quer seja observada ao meio dia ou na mais profunda
escuridão, parece-nos sempre do mesmo tamanho. As
estrelas vêem-se, por isso, raiadas no meio da escuridão,
mas a luz do dia pode rapá-las da sua cabeleira66; e isso
sucede não apenas com a luz do dia mas também com
uma nuvem pequena e tênue que se interponha entre a
estrela e o olho do observador. O mesmo efeito também
se consegue com véus escuros ou vidros coloridos, que,
interpondo-se e opondo-se, fazem com que o brilho
envolvente abandone as estrelas. A luneta faz a mesma
coisa, pois, primeiro, retira às estrelas o brilho emprestado
e acidental e, depois, aumenta os seus globos simples (se
de facto as suas figuras são globulares), e por isso parecem
aumentadas por uma razão muito menor. Efectivamente,
pequenas estrelas de quinta ou sexta grandeza parecem de
primeira grandeza quando vistas pela luneta.67
A diferença entre a aparência dos planetas e das
estrelas fixas também parece digna de nota. Com efeito,
os planetas apresentam os seus globos exactamente redon
dos e circulares, como pequenas luas, inteiramente cober
tos de luz, ao passo que as estrelas fixas não aparecem de
modo algum delimitadas por contornos circulares mas, ao
invés, como luminárias cintilando em toda a volta com
raios brilhantes. Elas aparecem com a mesma forma
quando são observadas com a luneta como com a vista
desarmada, mas muito maiores, de tal maneira que uma
pequena estrela de quinta ou sexta grandeza parece igual
ao Cão, que é certamente a maior de todas as estrelas
fixas.68 [17r']
N a verdade, com a luneta poderá ver-se uma tal
multidão de outras estrelas abaixo da sexta grandeza, que
escapam à vista desarmada, tão numerosa que é quase
inacreditável, pois podem observar-se mais do que seis
outras ordens de grandeza. As maiores destas, que pode
mos designar de sétima grandeza, ou primeira grandeza
das invisíveis, mostram-se maiores e mais brilhantes com
o auxílio da luneta do que as estrelas da segunda grandeza
quando vistas a olho nu. Para que possam ver-se um ou
dois exemplos da quase inconcebível multidão delas,
decidi reproduzir dois asterismos, para que a partir desses
exemplos se possa formar um julgamento acerca das
outras. No primeiro tinha decidido representar toda a
constelação de Orionte69 mas, vencido pela enorme mul
tidão de estrelas e pela falta de tempo, diferi esse
empreendimento para uma outra ocasião. Com efeito,
dentro do limite de um ou dois graus existem e dissemi
nam-se, em torno das antigas, mais de quinhentas70 novas
estrelas. Por esta razão, às três no cinturão de Orionte e
às seis na sua espada que já foram observadas de há
muito71 adicionei oitenta, muito próximas, vistas recente
mente, respeitando as suas distâncias tão rigorosamente
quanto possível. Para que se distingam desenhei maiores
as conhecidas ou antigas, traçando os seus contornos com
linhas duplas, e as outras invisíveis, menores, usando
linhas simples. Também respeitei tanto quanto possível a
diferença de tamanhos.
No segundo exemplo, desenhei as seis estrelas do
Touro chamadas PLELADES (digo seis porque a sétima
quase nunca aparece) contidas nos céus entre limites
muito estreitos.72 Perto destas encontram-se mais de qua
renta outras estrelas invisíveis, nenhuma das quais afastada
das seis antes mencionadas mais do que meio grau. Assi
nalei apenas trinta e seis destas, respeitando as suas dis
tâncias mútuas, os tamanhos, e a distinção entre antigas e
novas, tal como no caso de Orionte.
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177
N EBU LO SA S por todo- * astrônomos até hoje são
enxames de pequenas esn.-l.-s reunidas de forma espan
tosa. Embora cada uma individualmente escape à nossa
vista, por causa da sua pequenez ou da sua grande dis
tância a nós, da junção dos seus raios nasce aquele brilho
que até hoje se atribuía a uma parte mais densa dos céus,
capaz de reflectir os raios das estrelas ou do Sol. Obser
vámos algumas destas e queremos reproduzir os asterismos
de duas delas.
No primeiro tem-se a N EBU LO SA chamada Cabeça
de Orionte, na qual contámos vinte e uma estrelas.
Na segunda está a N E B U LO SA chamada PRESÉ
PIO, que não é apenas uma única estrela mas a reunião
de mais de quarenta pequenas estrelas. Além dos Aselos
assinalámos trinta e seis estrelas, dispostas como segue:75
* *
* ■*
178
[19r'] Descrevemos brevemente as observações feitas, até
agora, da Lua, das estrelas fixas e da GALÁXIA. Falta-nos
revelar e divulgar aquilo que parece ser o mais importante
da presente matéria: quatro PLANETAS nunca vistos
desde o princípio do mundo até aos nossos dias, as cir
cunstâncias da sua descoberta e observação, as suas posi
ções e as observações feitas nos últimos dois m eses76
acerca dos seus deslocamentos e mudanças. E convoco
todos os astrônomos a que se dediquem a investigar e a
determinar os seus períodos, o que, por falta de tempo,
não nos foi possível levar a cabo até agora. Contudo,
advertimo-los novamente de que necessitarão de uma
luneta muito precisa, como a que descrevemos no princí
pio deste nosso relato, se não arriscam-se a empreender
essa investigação em vão.
Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente
ano de 1610, na primeira hora da noite77, quando eu
examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter
mostrou-se, e, como me tinha munido de um instru
mento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes
devido à fraqueza do outro instrumento) que três peque
nas estrelas estavam perto dele - pequenas, mas muito
brilhantes. Embora achasse que eram do número das
estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam
estar dispostas exactamente ao longo de uma linha recta
paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras
da mesma grandeza. A sua disposição entre si e em rela
ção a Júpiter era a seguinte:
179
mamente com a distância entre elas e Júpiter, pois, como
já disse antes, achei que eram estrelas fixas. Mas quando,
no oitavo [dia] voltei a estas observações, guiado não sei
por que destino78, encontrei um arranjo muito diferente.
As três pequenas estrelas estavam todas para o Oeste de
Júpiter, achando-se mais perto umas das outras do que na
noite anterior, separadas por intervalos iguais, como se
mostra no desenho seguinte:
Ori. Q * * * Occ.
Ori. * * O ^ cc<
180
com Júpiter e localizadas exactamente segundo a longi
tude do Zodíaco. Tendo visto estas coisas e porque não
me era possível de maneira nenhuma atribuir semelhantes
mutações a Júpiter [20r'] e porque, além disso, me dei
conta de que eram sempre as mesmas estrelas (pois
nenhumas outras, quer precedendo, quer seguindo Júpi
ter, estavam presentes ao longo do Zodíaco por uma
grande distância), mudei desde aí a minha perplexidade
em admiração, concluindo que a permutação aparente
tinha a sua origem não em Júpiter, mas nas ditas estrelas.
Por esta razão decidi continuar daí em diante as observa
ções com mais exactidão e rigor.
Foi assim que, no dia décimo primeiro, vi a seguinte
disposição:
Ori. Q Occ.
Ori. 4: * Occ.
182
No décimo quarto dia o tempo estava nebuloso.
No décimo quinto dia, à terceira hora da noite, as
quatro estrelas estavam dispostas relativamente a Júpiter
como na figura seguinte:
Ori. Q Occ.
Ori. Q Occ.
Ori. * Occ.
Ori. * * O * ° cc*
184
A estrela oriental era maior do que a ocidental e estava
oito minutos afastada de Júpiter, enquanto a estrela oci
dental estava a dez minutos de Júpiter.
No décimo nono dia, à segunda hora da noite, este
era o arranjo das estrelas:
Ori. * O * * ° CC*
Ori. * » * * Occ.
Oíi. * O * * ° cc
Ori. * O ** Occ.
Ori. * O * ’" ° CC
186
No vigésimo primeiro dia, às zero horas e trinta
minutos, estavam três estrelas pequenas para Leste, igual
mente espaçadas umas das outras e de Júpiter.
Ori. Occ.
Ori. * Q *% * Occ.
O cc.
Ori. O * * *
187
A oriental era muito pequena e, como antes, distava cinco
minutos de Júpiter. As três ocidentais estavam igualmente
afastadas de Júpiter e entre si, com intervalos de cerca um
minuto e vinte segundos cada; [23r'] a estrela mais pró
xima de Júpiter aparecia menor do que as outras duas
que se seguiam; e todas pareciam estar exactamente ao
longo da mesma linha recta.
No vigésimo terceiro dia, quarenta minutos depois
do ocaso, a configuração das estrelas era esta:
Ori. # * O * Occ.
Ori. Occ.
O
No vigésimo quarto dia foram observadas três estrelas,
todas para o lado Leste, e aproximadamente na mesma
linha recta com Júpiter, pois a do meio desviava-se ligei
ramente para o Sul. A estrela mais próxima de Júpiter
estava a dois minutos dele, a seguinte a trinta segundos
188
desta, e a mais oriental a nove minutos daquela; e todas
eram muito brilhantes.
Ori. * * * O Occ.
O»- * * O Occ.
189
Viam-se realmente três estrelas das quais duas estavam
para Leste e a terceira para Oeste de Júpiter. Esta última
estava a cinco minutos dele, enquanto a oriental do meio
estava a cinco minutos e vinte segundos dele. A mais
oriental estava a seis minutos da do meio. Estavam dis
postas numa mesma linha recta e eram da mesma gran
deza. Seguidamente, na hora quinta, a disposição era
quase a mesma, diferindo apenas nisto, que perto de
Júpiter uma quarta estrela havia aparecido no Leste,
menor do que as outras, e então afastada trinta segundos
de Júpiter, mas ligeiramente elevada para o Norte acima
da linha recta, como se vê na figura junta:
Ori. * * * Occ.
Ori. » O Occ.
O ri. * * * O cc.
190
Uma estava para Leste, a dois minutos e trinta segundos
de Júpiter, e duas estavam para Oeste, das quais a mais
próxima de Júpiter estava a três minutos dele e a outra a
um minuto desta. As estrelas mais exteriores e Júpiter
estavam dispostas numa linha recta, mas a estrela do meio
estava ligeiramente elevada para Norte; a mais ocidental
era menor do que as outras.
No último dia [de Janeiro], na segunda hora, apare
ceram duas estrelas para o Leste e uma para Oeste:
Ori. * * O * Occ.
Ori. ** O * Occ.
O ri. * * O cc.
191
A estrela mais oriental estava a seis minutos de Júpiter e
a ocidental a oito [minutos]. Para o Leste, uma estrela
muito pequena estava vinte segundos afastada de Júpiter.
Traçavam uma linha perfeitamente recta.
No segundo dia [de Fevereiro], as estrelas apareciam
nesta ordem:
Ori. Q * * Occ.
O ri. * Q * * O cc.
192
A oriental estava a um minuto e trinta segundos de Júpi
ter, a ocidental mais próxima [25r'] a dois minutos; e a
outra ocidental estava dez minutos afastada desta. Esta
vam precisamente na mesma linha recta e eram de igual
grandeza.
No quarto dia, à segunda hora, havia quatro estrelas
em torno de Júpiter, duas orientais e duas ocidentais, dis
postas exactamente numa mesma linha recta, como na
figura junta.
Ori. * *O * * Occ.
Ori. ** O * * Occ.
193
Ori. Occ.
Ori. Occ.
194
Júpiter quase o tocava. Estava apenas a dez segundos dele,
enquanto as outras se tinham afastado de Júpiter, estando
a do meio a seis minutos de Júpiter. Finalmente, na
quarta hora, aquela que antes estava mais próxima de
Júpiter, agora não se via, por estar unida com ele.
No nono dia, às zero horas e trinta minutos, estavam
duas estrelas perto de Júpiter [26r'J para o Leste, e uma
para o Oeste, nesta formação:
Ori. • « Occ.
Ori. Occ.
195
Ori. * * O * ° cc*
A ocidental estava a quatro minutos de Júpiter; a oriental
mais próxima estava igualmente a quatro minutos de
Júpiter, enquanto a mais oriental estava a oito minutos
desta. Eram bastante visíveis e estavam na mesma linha
recta. Mas na terceira hora apareceu a oriente uma quarta
estrela, perto de Júpiter, menor do que as outras, separada
de Júpiter trinta segundos
Ori. ^ * * 0 * ° cc-
Ori. * * * O * Occ.
Ori. * * O cc.
196
A estrela oriental mais afastada estava a dez minutos
de Júpiter enquanto a mais remota para Oeste estava afas
tada oito minutos. Eram ambas muito conspícuas. As
outras duas estrelas estavam muito perto de Júpiter e
eram muito pequenas, especialmente a mais oriental, que
estava a quarenta segundos de Júpiter, enquanto a ociden
tal estava a um minuto. Mas na quarta hora, a pequena
estrela que estava próxima de Júpiter para o Leste já não
aparecia.
No décimo terceiro dia, às zero horas e trinta minu
tos, viam-se duas estrelas para o Leste e também duas
para o Oeste.
Ori. * * O ** ° CC‘
197
estava a cinquenta segundos dele, a seguinte estava a vinte
segundos desta, e a estrela mais oriental, a dois minutos
desta última e era maior do que as outras, pois as duas
mais próximas de Júpiter eram muitíssimo pequenas. Mas
por volta da hora quinta só se via uma das estrelas perto
de Júpiter, afastada dele trinta segundos:
Ori. * •O Occ.
198
N o décimo sétimo dia, à primeira hora, estavam pre
sentes duas estrelas, uma oriental, a três minutos de Júpi
ter, e outra ocidental distanciada dez minutos. Esta
[estrela] era algo menor do que a oriental:
Orl # Q * Occ.
°r i. * * O * * O cc.
199
A estrela mais oriental estava a três minutos da seguinte,
[28r'] e esta estava a um minuto e cinquenta segundos
de Júpiter; Júpiter estava a três minutos da estrela oci
dental seguinte, e esta a sete minutos da estrela mais
ocidental. Eram todas quase iguais, apenas a oriental
perto de Júpiter era um pouco menor do que as outras, e
estavam todas na mesma linha recta paralela à eclíptica.
No dia 19, às zero horas e quarenta minutos, viam
-se apenas duas estrelas, bastante grandes, para o lado
Oeste de Júpiter, precisamente alinhadas com Júpiter na
mesma linha traçada ao longo da eclíptica:
Ori. O * * Occ.
Ori. * O * * Occ.
O ri. O cc.
200
duas para Leste, cujas distâncias entre elas e Júpiter eram
iguais [28v'] a quatro minutos. A Oeste havia uma única
estrela, a dois minutos de Júpiter. Estavam precisamente
numa mesma linha recta, ao longo da eclíptica.
No dia 26, às zero horas e trinta minutos, só havia
duas estrelas, uma para Leste a dez minutos de Júpiter e
a outra para o Oeste, afastada seis minutos:
Ori. * * Occ.
Ori. * O * * Occ.
Ori. * Q * #
>|r fixa
201
No dia 27, à uma hora e quarenta minutos,83 as estrelas
apareceram nesta configuração:84
Ori. *
fixa
* Occ.
% fixa
202
Mas à quinta hora distinguia-se uma terceira pequena
estrela, para Leste, afastada de Júpiter dois minutos,
numa disposição deste tipo:
Ori. * * O * Occ.
Ori. * * * O 0cC‘
sjcfixa
Ori. * * * ^ cc*
>fcfixa
203
O mais oriental estava a sete minutos de Júpiter,
enquanto este estava a trinta segundos do planeta
seguinte. O ocidental estava dois minutos afastado de
Júpiter. Os [planetas] mais exteriores eram maiores e mais
brilhantes do que o outro, que aparecia muito pequeno.
O mais oriental parecia um pouco elevado para o Norte,
acima da linha recta, passando por Júpiter e pelos outros.
A estrela fixa que já referimos estava afastada oito minu
tos do planeta ocidental ao longo da linha traçada desse
planeta85 perpendicularmente à linha recta, passando por
todos os planetas, como a figura mostra.
Pareceu-me bem adicionar estas comparações de
Júpiter e os seus planetas adjacentes com a estrela fixa
[30r'] para que a partir delas qualquer pessoa possa com
preender que o avanço dos ditos planetas, em longitude e
em latitude, está exactamente de acordo com os movi
mentos que se deduzem das tabelas.
204
Depreende-se ainda que as revoluções dos planetas
que descrevem círculos menores em torno de Júpiter são
mais rápidas. C om efeito, as estrelas mais próximas de
Júpiter são vistas muitas vezes para o Leste quando no dia
anterior apareciam para o Oeste, e vice-versa, enquanto,
do exame cuidadoso dos seus retornos minuciosamente
anotados, o planeta que percorre o maior orbe parece ter
um período semimensal8é.
Temos, além disso, um excelente e esplêndido argu
mento para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora
admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em
torno do Sol no sistema coperniciano87, ficam tão pertur
bados pela circulação de uma única Lua em torno da
Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual
em torno do Sol, que concluem que esta constituição do
universo deve ser recusada como impossível. Pois aqui
temos não apenas um planeta revolvendo em torno de
outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um
grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos
mostram-nos quatro estrelas vagueantes [30v'] em torno
de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao
mesmo tempo que todas elas com Júpiter percorrem um
grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos.88
Finalmente, não podemos passar em silêncio a razão
por que sucede que as estrelas Mediceias, enquanto com
pletam as suas revoluções muito pequenas em torno de
Júpiter, parecem por vezes duplicar de tamanho. Não
podemos de maneira nenhuma buscar a razão nos vapores
terrestres, pois as estrelas aparecem maiores ou mais
pequenas enquanto os tamanhos de Júpiter e das estrelas
fixas vizinhas se vêem completamente inalterados. Por
outro lado, parece absolutamente inconcebível que elas se
aproximem e afastem da Terra no perigeu e apogeu das
suas revoluções a ponto de causar tais grandes mudanças.
De facto, o pequeno círculo que percorrem não pode, de
maneira nenhuma, ser capaz de produzir esse efeito;
quanto a um movimento oval (que neste caso teria que
ser quase direito), parece ser inconcebível e de maneira
nenhuma concordante com as aparências.89
Ofereço com agrado o que me parece neste assunto e
submeto-o ao julgamento e censura dos bons filósofos. É
bem sabido que por causa da interposição dos vapores
terrestres o Sol e a Lua parecem maiores, mas as estrelas
fixas e os planetas mais pequenos. Por esta razão, perto
do horizonte as luminárias parecem maiores mas as estre
las mais pequenas e geralmente invisíveis; e diminuem
ainda mais se esses vapores são inundados de luz.90 Por
essa razão, as estrelas parecem muito pequenas durante o
dia e nos crepúsculos; mas não a Lua, como já afirmámos
antes. Pelo que já dissemos acima e também pelas coisas
que serão discutidas mais amplamente no nosso Sistema91,
é igualmente certo que não apenas a Terra mas também a
Lua tem o seu próprio orbe vaporoso em seu redor. E
podemos, por isso, fazer o mesmo julgamento acerca dos
restantes planetas, de tal maneira que não parece inconce
bível colocar ao redor de Júpiter um orbe mais denso do
que o resto do éter em torno do qual os planetas M EDI-
C E U S são levados, como a Lua em torno da esfera dos
elementos. E no apogeu, pela interposição deste orbe, eles
parecem mais pequenos, enquanto no perigeu, por causa
da ausência ou atenuação deste orbe, parecem maiores.
A falta de tempo impede-me de prosseguir este
assunto. O honesto leitor pode esperar em breve mais
sobre estes temas.
FIM
206
NOTAS
208
5 Perspicilli nuper a se reperti. M uito se escreveu já sobre o
sentido correcto a atribuir a esta expressão, que depende da tradução
do verbo reperio. Drake: “lately invented by him”; Van Helden:
“lately devised by him”; Hallyn: “récemment conçue par lui”; Pantin:
“q u il venait d’inventer” . A posição de Galileu acerca disto foi clara,
embora nem sempre com preendida por todos. Galileu reconheceu
que os holandeses haviam sido os primeiros a fazer um telescópio e
sempre disse que a notícia disso lhe tinha chegado. Por exemplo, no
II Saggiatore (1623) foi completamente claro acerca da prioridade da
invenção, falando de um “Olandese, primo inventor dei telescópio”
( Opere, VI, 259). M as também sempre insistiu em que a sua concep
ção, se bem que posterior, havia sido independente, e não uma cópia
de qualquer telescópio. Veja-se E dw ard R o s e n , «Did Galileo claim
he invented the telescope?», Proceedings o f the American Philosophical
Society, 98 (1954) 304-312.
209
8 Sobre o estilo deste prefácio recorde-se a feliz expressão de A.
Battistini quando disse tratar-se de um a dedicatória “piena di cerimo-
niose genuflessioni verbali”. In: A n d r é a B a t t is t in i , Galileo e i
Gesuiti. M iti lettemri e retórica delia scienza (Milano: Vita e Pensiero,
2000) , p. 22. Sobre a estrutura e o valor literário e social destas car
tas dedicatórias, veja-se: K ev in D u n n , Pretexts o f Authority: Rhetoric
o f Authorship in the Renaissance Preface (Stanford: Califórnia Univer-
sity Press, 1994) e S. T a r q u in i , Sim bologia dei Potere. Codici d i
Dedica a l Pontefice nel Quattrocento (Roma: Rom a nel Rinascimento,
2001) . Mais especificamente sobre estas cartas na literatura científica,
veja-se: NlCHOLAS JARDINE, «The places o f astronomy in early-
modern culture», Jou rn al fo r the History o f Astronomy, 29 (1998)
49-62.
210
12 Tal como a palavra grega Cometes [KoprjTTjç], também o
termo latino Crinitas significa farta cabeleira.
211
17 O rientalem que angulum sua Regia illustrans. O ângulo
oriental é o formado pela intersecção da eclíptica com o horizonte
oriental, isto é, refere-se ao signo que está a nascer. O passo tem
alguma dificuldade de tradução que, no entanto, já foi resolvida pelos
anteriores tradutores. O ablativo “sua Regia” tem aqui valor instru
mental e refere-se à casa regida por Júpiter, isto é, Sagitário. Galileu
dá, portanto, um a indicação temporal bastante precisa: Júpiter encon
trava-se no ponto mais elevado da sua trajectória e o signo Sagitário
estava a nascer. Estes factos são confirmados nos dois horóscopos
(cartas natais) de Cosm e II que Galileu fez (só um está completo).
21 2
expressão “astronomicus nuncius” tem sido sempre traduzida com o
sentido de “mensagem astronômica”. Astronomicus nuncius parece ter
sido o segundo título que Galileu pensou para o livro, já que antes o
havia designado por Astronômica denuntiatio, e depois passou a cha
mar Sidereus Nuncius.
21 3
29 Significa que esta parte do texto foi escrita pouco depois da
descoberta dos satélites de Júpiter, isto é, em meados de Janeiro de
1610.
214
(Roma: Istituto delia Enciclopédia Italiana, 1960), vol. 5, pp. 114
-116; F r a n c o M u sa r r a , «Giacom o Badovere e il problema dei
‘Libertini’», Ateneo Veneto, 11 (1973) 121-137.
215
alterar de forma significativa o trajecto dos raios. Com o se explica no
Estudo introdutório, isto parece estar de acordo com o que se julga
ter sido a compreensão de Galileu da óptica involvida.
216
dade, com especial destaque para Plutarco, haviam defendido que a
Lua era como a Terra, com montanhas e vales.
217
55 A demonstração da altura dos montes da Lua foi contestada
por um Johann Georg Brengger, e depois defendida por Galileu,
num a troca de correspondência entre finais de 1610 e o início de
1611. Vid. Opere, X, 461-462, 466-473; X I, 13-14, 38-41.
218
A 7 de M aio de 1610, ou seja, poucos dias depois da publicação do
Sidereus Nuncius, numa carta a Belisario Vinta, listando as obras que
planeava escrever, Galileu refere um “D e sistemate seu constitutione
universi, concetto immenso e pieno di filosofia, astronomia e geome
tria” {Opere, X , 351). A obra a que alude só surgiría mais de trinta
anos depois e trata-se evidentemente do Dialogo sopra i due massimi
sistemi (1632). Em bora as origens do termo “sistema” [crú crT qpa,
systemd\ radiquem no sentido que lhe era dado pelos estóicos da anti
guidade, a expressão “sistema do m undo” \systema mundt\ só entrou
no vocabulário corrente da astronomia no final do século XVI. Sobre
a expressão “sistema do m undo”, ver: MlCHEL-PlERRE LERNER, «The
origin and meaning o f “World System”», Jou rn al fo r the History o f
Astronomy, 36 (2005) 407-441.
219
creation, to which the dregs and baser elements sank. The actual cen
tre indeed was hell”, A r t h u r O LOVEJOY, The Great Chain o f Being
(New York: Harper and Row, 1960), pp. 101-102. A opinião de que
o centro é o pior lugar do mundo aparece claramente em Aristóteles
(D e caeto, liv. II, cap. 3, 293 a) e em Cícero (D e natura deorum, liv.
II, cap. 6, 17), por exemplo. Em 1640, John Wilkins defendia que o
principal argumento contra o copernicianismo a ser refutado era
aquele “from the Vileness o f our Earth, because it consists o f a more
sordid and base Matter than any other part o f the World; and there-
fore must be situated in the Center, which is the worst place, and at
the greatest distance from those Purer incõrruptible Bodies, the Hea-
vens”, «A Discourse concerning a new planet, tending to prove, that
(‘tis probable) our Earth is one o f the Planets», in J o h n WlLKlNS,
M athem atical and Philosophical Works (London: John Nicholson,
1708), p. 200. Sobre este assunto, vide R em i B r a g u e , «Le géocen-
trisme comme humiliation de 1’homme», in R. BRAGUE et J. E
COURTINE (eds.), Herméneutique et ontologie. Hommage à P. Aubenque
(Paris, 1990), pp. 203-223, depois como: R em i B r a g u e , «Geocen-
trism as a humiliation for man», M edieval Encounters, 3 (1997) 187
210; D e n n is R. DANIELSON, «The great copernican clichê», American
Jou rn al o f Physics, 69 (2001) 1029-1035; D e n n is R. D a n ie l s o n ,
«The bones o f Copernicus», American Scientist, 97 (2009) 50-57;
D e n n is R. D a n ie l s o n , «Myth 6: That copernicanism demoted
humans from the center o f the cosmos», in: R o n a l d L. N u m b er s
(ed.), Galileo goes to ja i l an d other myths about Science an d religion
(Cambridge, Mass. and London: Harvard University Press, 2009),
pp. 50-58.
220
chamadas de primeira grandeza, as outras a seguir de segunda gran
deza e assim em diante, até às de sexta grandeza. N a versão portu
guesa do Atlas Celeste de Flamsteed, edição de 1804 [Atlas Celeste,
arranjado por Flamsteed (...) Prim eira edição portugueza, revista e cor
recta pelo D outor Francisco Antonio Ciera, e pelo Coronel Custódio
Gomes Villas-Boas (Lisboa: na Impressão Régia, 1804)] usa-se ainda o
termo “grandeza” . Sobre magnitude estelar, ver: MÁXIMO FERREIRA e
G u il h e r m e d e A l m e id a , Introdução à Astronomia e às Observações
Astronômicas (Lisboa: Plátano, 1995), pp. 196-201.
221
71 As três estrelas no cinturão de Orionte são as conhecidas
“três Marias”: M intaka (ô-Orionis), Alnilam (s-O rionis) e Alnitak
(Ç-Orionis). Entre as seis da espada conta-se a nebulosa de Orionte
(M 42) que, como se explica no Estudo, estranhamente Galileu não
refere (supra, p. 74).
222
77 H ora sequentis noctis prim a. A primeira hora da noite não
se refere à uma hora depois da meia noite. N o tempo de Galileu, o
tempo era contado a partir do pôr do sol e o dia civil começava e
terminava com o pôr do sol. A primeira hora em Pádua a 7 de
Janeiro de 1610 começou por volta das I6h30.
223
mais ilações desta observação, mas ela é de extremo significado.
Alguns historiadores sugeriram que este argumento teria desempe
nhado um papel central na aceitação do sistema coperniciano: “ I
would suggest that this realization that the earth could likewise keep
the moon in tow was absolutely central to Galileos conversion to a
strong, enthusiastic heliocentrism. Later, when he had determined the
periods o f the circumjovials, he realized that the innermost satellite
was the quickest to round Júpiter, the outer satellite was the slowest,
and so on. Behold! A miniature Copernican system!” , OWEN GlNGE-
RICH, «Truth in Science: Proof, Persuasion, and the Galileo AfFair»,
Perspectives on Science and Christian Faith, 55 (2003) 80-87, cit. na
p. 84.
224
GALILEU GALILEI
SIDEREUS NUNCIUS
Reprodução facsimilada da edição de Veneza,
Tommaso Baglioni, 1610
S I D E R E V S
N V N C I V S
M A G N A , L O N G E Q V E A DMlR AB ILIA
Spc-íiacula pandeDs, (uípicicndaqire proponcns
vnicuiquc, pTaefertnn vcrò
PR 1LOSOPIIJS , A S T R O N O M l S , qtt& a
GALILEO GALILEO
P A T R 1 T I O FLORENTINO
Patauini Gymoafij Publico Mathematico
P E R S P I C I L L I
fytpcr i fc reparti beneficiofiettí obferttata in F*A CIE, FIXIS
TiTMEUIS, LsACT EO ClKfVLO, ST EL L IS 'KJLBVLCSIS,
Jtpprm e vero in
QJV A T V O/R P L A N E T I S.
C itei I O V I S Stcllaru difparibus interuailis, atque periodís, celcri-
tate mirabüi circumuoJutis; quos , neminiin hanc vfque
diem cogniccs, nouiflimc Autbor depez-
facndit pnmus', atque
M E D IC E A S I D E R A
NVNCVPANDOS DECREVIT*
i i i ~ Í N a g y S R j T . rí-v
V E N E T I I S , ApudThomamBagliònum. M D C X.
Su ferm n m Ptrrmfiu > ó Prtttilegiv.
[227]
SERENÍSSIMO
CO SM O M EDICES II.
MAGNO M T R V R L E
D V C I 11II-
*2{acLrum fa n e , Atque humanitatts
plenum eorum j u i t m flitutum , qui
excellentium noirtute y,rorurn tes
p r aclare gefías ab inuidia, tutari 3
eorumqtte im m ortahtate digna no-
mina abobliuione 3 atque mtcritt*
•nindicare conati JU n t . H tnc a d memorlam poflertta-
tis p ro d ita Im agin es,yelm árm o re in fcu lp ta, ^velex
Ate fi£ la j hinc p o jita ò tatu a tarn pedefires } q u àn tj
cquf-firesi bine C ohm naruw , atque T y ram id u m ,y tin -
quit ii(e,fum ptuí a d Sydera ducii; hine denique narbes
ad ip eatc, eorumqtte inftgnita nomir.ibus , quos g r a ta
pojleritas aternitaticomrnendandosexi(hmautt'. E iu j-
rnodi íJi enim humana mentis conditio j y t nifi ajjtduis
rcrum pm ulacris tn eam extrinfecus irrumpentibus
pulfctur, omnis ex illa recordatio facile effluat.
ZJerum alij jir m o r a , ac diuiurnioraJJ>eblantes3ater-
num fum m orum yirorum praconium non / axis,ac me
tA z tallis
[229]
t a llis , f e d SMufarum cuflodix 3 incorruptis littera-
rum monumentis confecrarunt . cAt- quid ego ifla com-
memoro iq u a fi *vèrò humana, folertia bis contenta re-
gionibus y ylterius progredí non fit a u f a a t t a m e n lon-
g m silla profj>;ciens3 cum optimè inteíhgeret omnia hu
mana monumenta <x>i3 tempefiate, ac noem/iate tandem
interire , incorruptiora Signa excogitauit3 in qua Tem-
pns edaXi atque iuuidiofa V etufasnullum fibi ius yin
dicar et. In Ccelum itaque m g ran s 3clariJJimorum Sy~
dcrum notis3fem piternis illis O rbibus eorum nom:na
confignauit 3 qui ob egrégia , ac propè diuina facínora
digni babiti fu n t3 qui o >nâ cum zAftris aua fem piter-
nofru eren tu r. ^ u a m ob remnon prius Iouis3 <SMar-
t i s } 'Sllercurij} Hercuhs 3 caterommque heroum3quo -
rum nofninibus S telU appellantur 3fa m a obfcurabi-
tu r 3 quàm ipforum Syderum fplendor extinguatu r .
H o c autem humana fagacitatis inuentum cum primis
nobile, ac mirandum multorum iam faculorum inter-
tiallo exoleuit , prifeis heroibus lúcidas illas fedes oc-
cupantibus , ac fuo quaft iure tenentibus: in quorum
catum f u f t r a pietas tAugufli lulium Cafarem coapta-
re conata e fl: nam cum Stellam ftio tempore exortam ,
e x ijs3 q u a sG rx c i Cometas 3 nofiri C rin itas mocant*
lulium Sydus nuncupari yoluiJfet3breui illa e r>anefcens3
tan ta cupiditatis fpem delufit. At qui bnge njerio -
f a 3 ac f l u i o r a 3 T rinceps Serenijjime3 Celfitudini tu a
pojjnm us augurari -3 nam u i x dum in ter ris im m orta-
lia ammi tui decora fu lgere experunt, cum in Coelis lú
cida ty d e ra f e f e offerunt, qua tanquam língua p rx -
8 an -
fian tifsim as u irtu te s tuas in omne tempus loquantur*
ac celebrent. En igitur quatuor S y d tra tuo tnclyto no-
mini referuata , ncque illa de gregário , ac minus inft-
gn i inerrantium numero, f e d ex illuflri u agan tiu m
òrd in e, q u a quidem difparibus inter f e motibus cir -
cum louis Stellam caterarum nobihjjimam , tanquam
germ ana eius progenies , cttrfus f u o s , orbesque confi-
ciunt celeritate m ra b ili interea dum u n a m mi con
córdia circa mundi centrum , circa Solem nempe ip-
Ju m t omnia fim u l duodecimo quoque anno magnas
conuolutiones ab/oluunt. Z,’t autem inclito Celfitudi-
nis tu a nornini p r a cateris noms bofce T lanei as de-
fin a r e m , ipfcmet Sydem m Opifex perfpictiis argumen
tis me admonere u i ju s e (l . Etenim quemadmodum
ha Stella tamquam Ioue digna proles nunquam ab il-
I ííís latere , ntji exigtto interuallo difcedunti ita quis
ignorat clementiam , animi manfuetudinem, morutn
fu attitatem , regij Jan guin is fplendorem , in aElioni-
bus m aicfiarem , authoritatis , & \mperij in atios
amplitndinem , q u a quidem omnia in tuaQelptudine
(ibi domicilium , ac fedem collocarunt, quis inquxm
ignorat hac omnia ex bemgnijfimo louis Aflro ,fe c u n -
dum D eum omnium bonorum fontem^emanare? lup-
piter, Iuppiter inquarn, à primo C elftu dm is tu a ortu
turbidos Horizontis vapores iam tran fgn fju s mediumq;
celi cardinem occupans 3Orientalernque angulum f u a
H egia illuflranSffoeliciJJimumpartúex fu b h m ' illo tro
no profpexityomnemqi fplendorem, atq-} atnphtud.ncm
fitam in purijjimum aerem profudtt, u t un iu erfam
ülam
[231]
Mia m <"vim 3ac potcflatem tenerum corpufculum nm à
cum animo nobilionbus ornam.ntis iam a Deo decora-
to 3prim ofpiritu b au riret . Verum qu id ego probabi-
Ubusnjtor argumentationibus 3 cum idneceffaria pro-
pemodum raticne concludere , ac demonflrare queam £
rP la c u itrDeo Optimo M áxim o 3 V ta Serenijjlmis pa-
rentibus tuis non indignus exijlim arer 3 qui Celfitudi-
n\ tu/c in iradendis M athematicis difciplinis operam
nauarem , quoâ quidem p rx jíiti qnatuor fuperioribus
annis proxtmè elapfts , eo anni tcmpore , quo d feuerio-
ribus Jiu d ijs ocium e jfe confueuit. Ehto circa cum mi-
hi diuinitusplane contigerit3y t Celfttudini tu£ infer-
uirem 3atque ideo incredibilis Clementite, acbenigni-
ta tistu x rádios propius exceperim ; quidm irum fia n i-
mus meus adeo incaluit 3 rv t nibil aliud propemodum
dies 3no£tesque meditetur 3 q u àm n jt ego 3 qui nonfo-
lum animo >fe d etiam ipfò ortu 3 ac natura J u b tueu
dominatione f u m 9 tu& flo ria cupidijpmus 3 c r quàm
gratijjim us erga te cffe ccgnofcar £ jÇhea cum ita fin t3
cum te Aujpice C 0 S M E Serenifftme > bas Stelias
fuperioribus A (Ir onomis omnibus incógnitas explora-
uerim 3 optimo iure eas<sAugufliffmoT:>rofapi& tuxno-
mirse infignire decreui . Jzheodjí illas prim us indaga-
u i , quis me iure reprahendat, fiijfdem quoque nomen
impofuero3 ac M E D 1 C A E Á S T D E l i A appel-
laro ?fperans fo re3 <-uttantiim dignitatis ex hac appel-
latione ijs Syderibus acccdat} qüantum alia catcris
Heróibus attulerun t. Uparn y t taceam de SeremJJlmis
tuis CMaioribus} quorum gloriam fem p ite m am om-
nium
[232]
m àm hiflorUrum tnonumtnta tejlan tu r , Jo la tua u i r -
tus , M axitne H e r o s } illis <±Aflrisimpertiri pote f i n o -
piinis immortalitatem. Cui eriim dubium e jje potefi
quin quam tui expeSlationem fid icifsim is Imperij Âu-
fp ieijs concitafti , quam uisfum m am , eam nonJolum
fu fiin e a s , ac tu e a r is , u eru m etiam longo interuallo
fu peratn rus fis ? v t cum aliostui (imites <■v ice ris3 te-
cum tuhilominus ip fe certes} ac teip fo t ac m agnitudi-
xe tua in dies maior e u a d a s »
Sufcipe itaque Ctemenúfsime rPrinceps bane tibi ab
tAftris referuatam gem iliciam gloriam , & illis diuinis
b o n is ,q u a non ta m a Stellis, quam à Stellam m Op't~
jice , ac Moderatore U eo tibi deferuntur3 quàm diu~
tifsim e fru ere.
D atum P atau ij 4 .id u s M a rtij, *D C X *
Celjttudinis tu a
Çaldettf Çalileus*
[233]
GH Eccellcntiífitni SignoriOpídell'Ecc. ConC dc'X.
ir.fráfcritti, hauuia fede dalli Sig.Reformatori dei Studio
dvPadoua per relatione delli due à qucfto deputati, cioè
dal Reuèr.P.inquiíitor,& dalCirc.-Sccretario dei Sena to
Gio.Marauiglia, con ginramente, come nel libro Intitola-
t o S Y D E R E V S N V N C l V S, &c. di D.Ga-
íileo Galiiei non fi trouaalcuna cofa contraria alia Santa
Fede Cattolica,Prencipij& buoni coftumi,& chcèdegno
di Srampa,concedono licenza^ che pofli cífer Aampaco in
queftaCittà.
PatumDie primo Martij lóio.
D.M.Ant.ValareíTo
D.Nicotò Boa
D.i.unardoMarcdto
[234]
A ST R O N O M IC V S
N VN CIVs
O S S E R V A T 10N ES R E CE N S H A B I T A S
Noui Perjpicilli beneficio inLm x facie,La£ieo circulo
Stellisft ncbulcfis, innumerisf x is , nccntn im
quAtuor Planetis
C Ó S M I C A S T D E R A
m ncupatts, nunquam confpe&is adhuc comintus,
atque declaram .
[235]
OBSERVAT. SID ER EA E
per duas tantum eaíüetn dimeníiones diftaret; adeò
vt eiufdem Luna? diameter vicibus quaíiterdenis,fu-
perficies verò noningentis, folidum autem corpus
vicibus proximè viginti feptem milllbus maius appa-
reat, quamdum libera tantum acieípedaturiexquo
deinde fenfatacertitudine quiípiam tntelligat , Lunam
fuperficieleni , & perpolita nequaquam eíle indutam,
fcd aípera, & inaequali; ac veluti ipfiusmet Telluris
facies ingentibus tumoribus, profundis lacunis, at-
que anfraótibus vndiquaque confertam exiftere.
Altercationes infuper de Galaxya, feu. de Ladeo
circulo íubftuliiTe, eiufquè eíTentiam fcnfui, nedum
intellcdui manifeftaíTe, parui momentiexiftimandum
minimè videtur iinfuperquè íubílantiamSte]Iarú,quas
Ncbuloías hucvfquè Aftronomorum quilibetappella-
uit digitodemonftrare, longèque aliameíTe quam cre-
ditum hadenus eft,iocundumerit, atque perpulcrum*
Verum, quod omnem admirationem longe fupe*
rat, quodvè ad Monitos faciendos cundos Aftro-
nomos, atque Philofophos nos apprimè impulit, il«
lud eíl, quod fcilicet Quatuor Erraticas Stellas nemí-*
ni eorum, qui ante nos,, cognitas, aut obferuatas ad-
inuenimus, qua; circa Stellam quandam infígnem è
numero cognitarum, inílar Y'eneris, atque Mercuríj
circa Solem, íiias. habent períodos , eamquè modò
prceeunt, modò fubfequuntur, nunquam extra certos
limites ab illadigredientes. Quae omnia ope Perlpi-
cilli à me excogitati diuina prius illuminante gratia*
paucis abhinc diebus reperta,, atque obferuata fue-
runt.
Alia fortè praeífontiora, vel à m e, vel ab alijs in-
dies adinuenientur coníirnilis Organi benehcio, cuius
formam* & apparamm, necnon iilius excogitandi oc-
caúonem.
R E C E N S H A BITA E. t
cafíoncm prius breuicer commemorabo, deinde habi-
tarum â me Obferuationum hiftoriam receníèbo.
[237]
O B S E R V A T . S ID E R E A E
tuitus>acfi vix per duas Telluris diâmetros abeflet*
Poft hanc StelJas tum fixas, tum vagas incredibili a*
nimi iocunditate fiepius obferuaui; cumquè harum
maximam frequentiam viderem, de ratione qua illa-
rum interftida dimetiii poíTem excogitare c ç p i, ac
dcmumreperi. Qua de rc fingulos praunonitos eflè
decet, qui ad huiuícemodi obíêruadones accedere
voJunt. Primo enim necefíarium eít3vt fibi Perípicil*
luin parent exadiífimum, quod obieíla peliucida,
diftinda, & nulla caligine obduila repra?lèntet> ea-
demquead minus íècundum quatercentuplam ratio-
nem multiplicet; tunc enim illa bisdccupio viciniora
commanftrabit; nifí enim cale fucdt inftrumentunu
ea omnia^qua.1d nobis conípe&a fiintincçlis., quaevè
infra enumerabuntur» intueri tenta bitur fruftra. Vt
autem de multiplicatione inítrumemi quilibet paruo
negotio cercicr reddatur> círculos binos, aut quadra-
tabina cartacea contornabit > quorum alterum qua-
terccnties altero tnaius exifiat, id autem erittunc>cü
xnaioris diameter,ad diametrum alterius longitudine
fuerit vigecupla; deinde fuperficies ambas in eodem
pariete mfixasíimul à longe fpeòiabic, minore qui-
dem altero oculo ad Perípicillum admoto, maiorem
verè altere oculo libero» cammodè cniin id ficri li-
cct vno eodemque tempore oculis ambobus adaper-
tis; tunc enim figura? ambx eiufdcm apparcbuiuma-
goitudinis, fi Organum íècundum optatam propor-
tionem obieâa aaultiplioaucrit. ConiimiJi parato In-
ftrumento, de ratione diftantiarum dimedendarum
inquirendumerit; quod taliartificio aílequemur. Sit
enim , facilioris intelligentia? grada »Tubus A B C D.
Oculus inípicientis efto E. radij, dum nulla inTubo
adcflènt Perípicilla ad obie&um F G. íècundum li-
neas rç&as E.C.F. E D G.íèrrcntur, íedappoíitis Per-
[238]
R E C E N S H A BITA E. 7
fpicillis fcrantur fecundum lineas refra&as E C H.
E D l. coar&mcur enim, & qui prius libcri ad F G ,
Obiedum duigebantur, partem caotummodQ H l. cõ»
[239]
O BSERVA T. S ID ER EA E
vergit primo loco dicamus, quam íacilioris intelligen*
riae gratia in duas partes diítinguo, alteram nempè
dariorem 3obícuriorem alteram: clarior videtur totum
Emiíphayrium ambire, atque perfundere ; obícurior
verò veluti nubesquardam faciem ipíãm iníicit, macu-
lofamque rcdditj iftas autem macula* fubofcurae, 8c
fatis amplie vnicuique funt obuia?, illafqueamumom-
ne confpexít; quapropter magnas, feu antiquas eas
appellabimus, ad diíferentiam aliarum macularum am -
plitudine minorum, atfrequentia ita confítarum} vt
totam Lunarem fuperíiciem, pradcrtim verò lucidio-
rem partem conípergant; h x verò à nemine ante nos
obferuata? fuerunt; cx ipfarum autem faspiusiteratis
inípeòtionibus, ineam deduòli fumus íèntentiam, vt
certo intelligamus, Lun* fuperficiem, non perpoli-
tam, sequabilem, exa&iífima»que íphaericitatis exiftere,
vt magna Philofophorumcoors de ipfa, dequè reliquis
corporibus coeleítibus opinata eft, fed contra inaequa»-
lem } afperam, cauitatibus, tumoribuíque confertam,
non fecus,acipfíusmet Telluris facies>quaemontium
iugis3valliumque profundiratibus hincindèdiítingui-
tur. Apparentiae verò ex quibus harc colligere licuit
eiufmodi funt.
Quarta aut quinta poft coniunòHonem die, curn
Iplendidis Luna ieíè nobis cornibus oífert , iam
terminus , partem obfcuram á luminofa diuidens,
non cequabiliter íècundum ouaiem lineam extendi-
tu r, veluti in íolido perfedtè ípha?rko accideret ,•
fed inxquabili, afpera , & admodum fínuofa linea
defígnacur3 veluti appoíita figura repraefentat. com-
plures enim veluti excrefcentke lúcida? vltra Iucis tc-
nebrarumquè confínia in partem obícuram exten-
duntur, & contra tenebricofae paniculae intia lumen
ingrediuntur. Quinimo , & magna nigricantium ma»
cularum
[240]
R E C E N S HABITAE. 1?
cularum exiguarum copia, omninoâ rencbroíà parte
leparatarum^ totam ferèplagamiam Solislumincper-
tuiam vndiquaquè confpergit, illa faltem excepta par
te qua? magnis, & antiquis maculis cft affc&a. Adno-
tauimus autem,mododi&as exíguas maculas in hoc
íempcr,& omnes conucnire, vt parcem habeant ni-
gricantem locum Solis refpicientem; exadueríbautetn
oolislucidioribus terminis, quaíi candcntibusiugis co
ronentur. Ac confímilcm pçnitus afpe&umhabemus
in Terra circa Solis exortum, dumvalles nondumlu-
mine perfufas, montes veròillasex aduerfo Soüs.cir
cundantes iam iam íplendore fulgentes intuemur: ac
veluti tcrreftrium cauitatum vmbr* Sole fublimiora
petente immimuuntur, ira & Lunares iftsmacuLe,
cielccnte parte iuminofa tenebras amittunt.
Verum
[241]
O BSERVA T. SID ER EA E
Verom no» modo tenebrarum & Juminis confínla
in Luna inxqualia , ac finuoíã cernuntur, fed, quod
maiorem infere admirationem, permulta? apparent
lúcida; cufpidcs intra tenebrofam Luna; partem om-
ninoab illuminata plaga diuif*, & auulfa?, abeaqüè
non per exiguam intercapcdinem diflitsc, qu * paula-
tim aliqua intericâa mora magnitudine, & lumine
augentur; poft verò fecundam horam, aut tertiam,
reJiqua» parti lúcida?, & amplioriiam fa&a? iunguntur;
ínterim tamen alise, atque alia; hincindequafi puliu-
Jantes intra tcnebrofãm partem accenduntur, augen*
rur, aedemum cidcm luminofx fuperficiei magis ad*
hueextenfa;, copulantur. Huius exemplumeadcm fi
gura nobis exibet. At nonne in terrisante Solisexor
tum , vmbraadhuc plankies occupante, aldifimorum
cacuminamontiumSolaribusradijs illuítranturr* non-
nè exiguo interie&o rempore ampliacur Jumen dum
media;,&l:trgiore$ corundemmontium panes illumi-
nanturiac tandem ortoiam Sole planicierum, &col-
lium illunmiationes iunguntur ? Huiufmodi autem
cminentir.rmn, & cauitarum diícrimina in Luna longè
Jatèque terrcftrem afperitatem fuperare videntur, vt
infrademonftrabimus. ínterim fílentio minimcinuol"
uam quid animadueríione dignum à meobferuatum
dum Luna ad primam quadraturam properaret, cuius
ctiam imaginem eadem fuprapoíita delineario pra;fe-
fert j ingens enim finus tenebrofus in partem lumino-
fam fubit, verfus inferius cornu locatus; quem quidfí
finum cum diurius obferuafièm, totumque obícurum
vidiíTem, tandem poft duas íerè horas paulò infra me-
diuincauitatis vereex quidam luminoíus exurgere cãr-
pit,hic verò paulatimcrefceus trigonam figuramptar
feferebat, cratquc orrnino adhuc àluminol3 fuic rc*
uulíiis, acfeparatus» mexcireailimn tresalia* cuípidev
exígua;
# R E C E N S H A BITA E. 9
exígua? lucere cxperunt; donec, Luna iam occafuns
verfus tendente, trigona illa figura extenfà, & am*
plior iam fada cum reliqua luminofa parte nedebatur,
ac inftar ingentis promontorij, â tribus iam comme~
moratis Jucidis verticibus adhuc obíeíTa, in tenebro-
fumílnum erumpebat. In extremis quoque cornibus
tàm ruperiori,quàm inferiori íplendida qua?dampua
d a , &omnino á reliquo lumine diíiunda emerge-
bantj veluti ineadem Hguradepidum cernitur .Erat>
que magna obfcurarum macularum visin vtroque cor
nu,maximè autem in inferiori jquarum maiores, &
obfcuriores apparent, qua? termino lucis,&tentbra*
rum viciniores funt; remotiores veròobfcura?minus,
ac magis diluta?» Sempertamen, vtfupraquoqueme-
mimmus , nigricans ipíius macula? pars irradiationis
Solaris locum relpicit, fplendidiorverò limbusnigri-
cantetn maculam in parte Soli auerfa, & Luna? tene-
brolam plagam refpiciente3 circundat. Ha?c Lunaris
fupeificies, quà maculis, inflar Pauonis cauda cçru*
kis ocnlis, diftinguitur, vitrcis illis vafculis redditur
coníimilis, qua? adhuc calenria in frigidam immifla
perfradam, vndofamq; ruperfidem acquirunt,ex quo
á vulgo Glaciales Ciari nuncunpantur. Verum magna:
eiufdem Luna? macula? coníimili modo interruptar, at-
que lacunis, &eminentijs conferra?minimècernútur;
fcd magis arquabilcs, &vniformesj fblummodo cnim
clarioribusnonnullis arcolishàc illàc fcatcnt; adeòvc
íi quisvctercm Pythagoreoruin ícntentiamexfulcitare
vclir, Lunam fciJicetdTequafi Tellurem alteram, cius
pars lucidior tcrrenam fuperficiem , obfcurior vcrò
aqueam magis congruè reprxfentet: mihi autem du-
btum fuirnunquam,Terrcltris globià longe confpe-
âijatqueâradijsSolaribuspertuli, terream fuperficiê
dariorem,obícuriorem vcrò aqueam feíc in confpe-
C dum '
OBSERVAT. S I DEREAE
âumdaturam. Deprefliorcs infuper in Lunaccrnun-
tur magnae macuix., quám clariores plaga? j in ijla eniin
ram crcíccate, atiam decreíccntc feraper in lucis cene-
brarum^ucconnnio j prominentc hincindècircaiplas
magnas maculas contermiui partis lucidiorisjvduti in
defcribendis figuris obfcruauimus; neque deprdfiores
tantunomodolunc di&arum macularum tcrmini, ícd
a?quabiliorcs,ncc rugis,aur afptriraribus interrupti.
Lucidior vcrò pars maximc propc maculas cmincr i a-
deòvr,&anrc quadraturam primam iniplãlermc
fecunda circa maculam quandam , fuperiorem , borea*
lem nempèLunç plagam occupantcm valdè artollan-
tur ram lupraiUam>quàm infra ingentes qua'da emi
nência?, veluei appoíirar pra?fefcrunc delineationes.
H jec
[244]
U x c cadem macula ante íccundam quadraturam
nigrioribus quibufdam terminis circumuallara conípi-
citur; qui tanquam alrifíima montiimi iugaex parte
Soliaucrfa obfcuriores apparent, quà verò Solem re-
fpiciunr lucidioresextantj cuius oppofitum in cauira-
tibus accidit, quarum par* Soli auerfa fplendens ap-
parec, obfcura verò, ac vmbroíà, qu * ex parte Solis
íira eft . Imminuta deinde luminola fuperficic, cum
primum tota fermèdida macula tenebriseftobduíta,
clariora mõtium dorfa eminenter tenebras fcandunt.
Hanc dupUccm apparcniiam íequentes figur* cora*
moftrant.
C 2 Vnum
[245]
[246]
R E C E N S H A BITA E. rr
Vnumquoque obliuioni minimètradam,quodnõ
nifi aliquacum admiratione adnotaui: médium qua-
fiLuníe locum à cauitate quadam occupatum cíTere-
liquisomnibus maiori,ac figura perfe&a: rotunditatis;
hanc prope quadraturas ambas confpcxi eandemque
in fecundis fupra pofitis figuris quantum licuit imita*
tus fum. Eundemquo ad obumbrationera, & illu-
minationem facit aípetium,ac faceret in terris regio
confimilisBoemiar, fimontibuj alciífimis, inque pe-
riphatrfam pcrfe&i cireuli dilpofitis oceluderetur vn-
dique: in Lunaçnimadeò elatis iugis vallatur, vrex
trema hora tenebrofae L u n z parti contermina Solis
lumine perfuíãfpeâetur, priuíquàm lucis vmbraeque
terminusad mediam ipfius figurai diametrum pertin-
gat. De more autcm reliquarum macularum,vmbro-
fa illius pars Solem relpicit, luminoíã verò verfus te-
nebrasLunae conftítuitur;quod tertio Jibenter obfer»
tiandum admoneo, tanquam firmiífimum argumen-
tum, afperitatum 5ina:qualitatuinque per totam Lu-
d x clariorem plagam diiperfarum > quarum quidem
macuiarum femper nigriores funtillx, qu<E confinio
luminis, & tenebrarum conterminas funt> remotiores
verò tum minores, tum obfcuraíminus apparent,ita
vt tandem cum Luna in oppofitione totum impleue-
rit orbem, modico3admodumque tenui diferimine»
cauitatum opacitas ab etninentiarum candore difere-
pet. ^
Hzec quae recenfuimus in clarioribus Lunce regio»
nibus obferuantur 3 verum in magnis maculis talisnõ
conípiciturlacunarum, eminentiarumquediffercntia,
qualem neceflariò conftituere cogimur in partelucidio
r i, ob mutationem figurarum ex alia, atque alia illu-
minatione radiorum. Solis „ prout multiplici pofitu.
Lunam relpicit i. atin magnis maculis exiftunt quidera
areolaj
[247]
O BSERVA T. S ID ER EA E
areoIa?nonnull£fubobícuiiores velutiin figurls adno*
tauimus, attamen iíte eundem femper faciunt afpe-
&um,neque intenditur earum opaciras, aut remitti-
tur , fed exíguo admodum difcrimine pauJulum ob-
fcuriores modò apparent, modò verò dariores>íima-
gis ,aut min us obiiqui in easradij Solares incidantj
iunguntur prteterea cum proximis macularum parti-
bus leni quadam copula, confinia mifcentes, accon-
fundentes; fecus verò ia maculis accidit fplendidiorê
Lu na; fuperficiem occupantibus; quaíi emm abruptae
rupesafperis, & angulatisfcopulis confita?, vmbiarú,
luminumque rudibus difcriminibus ad lineam difter*
minantur. Spe&antur infuper intra eafdem magnas
maculas areolar qua?damalia? clariores, imò notinullaí
lucidiftuna?: verüm & harum, & obfcuriorum idem fem
per eft afpedus, nulla , aut figurari>m>autlucis,aut
opacitatis mutatio; adeò vt comperrum, indubita-
tumque/ít,apparerc illas ob veram partium diflimila-
rirarcm, non aurcm obinsequalitates tantum infígu-
ris earundem partium, vmbrasex varijs Solis illumi-
najiombus diuerfímodc mouentibus; quod benecon-
tingitde maculis alijsminoribusclariorem Lun* par
tem occupantibus jíndies enim permutantur, augen-
tur,imminuuntur,abolentur;quippequ«e ab vmbris
tantum eminentiarum ortum ducunr.
Verüm magna hic dubitatione complures affici íèn-
tio, adeoque graui difficultate occupari, vt iam expli
caram ^ toc apparenrijs confirmatam concJuíionem
jndubium reuocaie cogantur. Si enim pars illaLu-
naris fuperfíciei,quíefplendidiusSolaresradiosretor-
quet, anf'i adibus, tumoribus fcilicet, & lacunis ínnu-
meris eft rcpletk; cur in crefcenti Luna extrema cir»
cumfcrentia, qua? occalum verfus lpedat, in decre-
ícenti verò altera femicircumíerentia orientalis , ac in
pleniiu-
[248]
R E C E N S H A BITA E. II
plenilúnio toca periphxria non inxquabilis, afpera, &
iinuoíà, verum exadtè rotunda,& cúcina:a,nulliíque
tumoribus,aut çauitacibus corroia confpicitur/* acque
ex eo maximè, quia totus integer limbus ex clariori
Luna? íubftantia conftat, quam tuberofam , Jacuno-
íàm^ue tocam eife ditimus, magnarum enirn macu-
laruninulla ad extremum vfque perimetrum exporri-
gicur, fed omnesprocul ab órbita aggregata? cernun-
tur. Huius apparentia? anfam tara grauicer dubitan.
di prtebentis, duplicem caufam,ac proindeduplicem
dubitationis íojutionem in médium aflfero. Primo e-
nimjíi tumores, & cauitates in corpore Lunari fe-
cundum vnicara tantura circuli peripha:riam, emif*
phítriuni nobis confpicuum terminantem, protende-
rentur; tunc poiTet quidera, imodeberet Luna fub
ípecie quaíi dentatae rota? fefe nobis oftendere, tu*
berolo nempe, ac íinuofo ambitu terminata; at íi non
vna tanturaeminentiarumferies,iuxta vnicarafolum-
modo circumícrentiam difpofítarum, fed permulti
montium ordines cumfuis Iacunis,& anfradtibus cir-
ca extremum Luna? ambitum coordinati fuerint, i/<^;
non modo in emiíphatrio apparente, íed in auerío etiá
(propè tamen emifphçriorum finitorem) tuncoculus
à longè protpiciens eminentiarum cauicatunique di-
ícrimina depraehendere minimè poterit; intercapedi-
nes errnn montium in eodem circulo, feu in eadem
ferie difpoíitorura, obieòtu aliarum eminentiarum in
al)j$, atque alijs ordinibus conftitutarum, occultantur;
id^ue maximè, íioculus aípicientisin eademredlacu
diâarum eminentiarum verticibus fueritlocatus. Sic
in terra multorum ,ac frequentium montium iuga fe-
cundum planam fupcrficiem difpoíita apparent,fi pro-
fpiciensproculfuerit,& in pari aicttudineconíliturus.
5>ic eíluofi pelagi fubiimes vndarum vertices fecundum
idera
[249]
O B SER V A TIO N ES S ID E R E A E
idem planumvidentur extenfi, quamuisinter flu&us
maxima voraginutn)& lacunarum fitfrequentia,adeo-
que profundarum, vt iublimium nauigioru in non mo
do carmse, verum etiam puppes, m^li, ac vela inter
illas abícondantur. Quia igitur in ipla Luna, & circa
ciu$ perimetrum multiplex efteminentiarum ,& caui-
tatum coordinatio,& oculusè longínquo ípe&ansin
eodemferè plano cumverticibus illarum locatur jne-
minimirum eíTe debet quod radio viforio illos abra*
dcnti, fecundumxquabilemlineam, minimequc an-
fra<5tuofamfeíeofFerant. Huic rationi altera iubncdi
poteft, quòdnempè circaLunarecorpuseft,veluti cir
ca Tcrr3m, orbis quidatn deníioris íubftantia: reiiquo
aetere, quiSolis irradiationem concipere,atquercfle-
étere valet, quamuis tanta non fít opacitate pratditus,
vtvifui(pra:íèrtimdum illuminatusnon fuerit) tran-
íitum imbere valeat. Orbis ifta: à radijs Solaribus illu-
minatus, Lunarecorpus fub maioris fphcere ípeciem,
rcddir, repra:fentat4ue: eíTetque potisaciem noftiam
terminare quominus ad Luna: foliditatem pertinge-
ret, fí craflities eius fbfet profundiorj atqueprofim-
dior quidem eít circaLuna: periphjeriam, profundior
inquàmnon abíbJuiè,íèdad rádios noftros, obliquè
illum- fccantes, relatus; ac proinde vifum noftrum ini-
bere poteft, ac pradertim luminofus exiftens, Lunçque
pcripheriam SoJiexpofítatnobtegere.Quodclaiius in
appoílta figura intelligiturjin qua Lunare corpus ABC.
[250]
R E C E N S H A B IT A E . 13
ab orbe vaporofo circundacur D E G . Oculus vcrò
ex F. ad partes intermedias Lunx, vt ad A. percin-
git per vapores DA. minus profundos s at veríus ex*
tremam horam, profundiorum copia vaporum E B.
alpe&um' noftrum fuo termino prardudit. Signum
huius eft, quod pars Lunx lumine perfufa amplio-
ris circumferentia? apparet, quam reliquum orbis
tenebrofí : atque hanceandem caufam quifpiam for
te rationabilem exiftimabit, cur maiores Lunxmacu-
Jçnulla ex parte ad extremumvfqueambituin prorcn-
di conlpiciantur, cumtamen opinabile fit nonnuilas
etiamcircaillum reperirij inconfpicuaftamen eíTè crc-
dibile videturex co, quod fub profundiori, ac luci-
diori vaporum copia abfcondantur.
EíTe igitur dariorem Lona* fuperficiemtumoribus,
atque lacunis vndiquaque coníperfam, ex iam explica-
tis apparitionibus latis apertum cífe reor; fupereft vt
de illorum magnitudinibus dicamus, demonftrantes
Tcrreílrcs aíperitates Junaribus eííè longè minores:
minores inquametiam abfolutèloquendo, nonautem
in ratione tantum ad fuorumgloborum magnitudines;
idqueíic manifeftè dedaratur.
Cum fíepius à me oblcruatum íit in a!ijs atque nlijs
Luna? ad Solem conílitutionibus vertices nonniiilos
intra tenebrofam Luna? partem, licet à termino lu-
cis latis remotos, Iumine perfufos apparerc; cor.fe*
renseorum diftantiamad integramLuns diametrum,
cognoui interftitium hoc vigelnnam interdum dia-
rcetri partem luperare. Quo lumpro; intclligatur
Lunaris globus, cirius maximus circulus C A F. ccn-
trum verò E. Dimetiens. C F . qui ad terra: dia-
metrum elt vt duo, ad feptem; cumque terrciliis
diameter, fccundum exadtiorcs obleruationes mil-
liaria Icalica 7000, contineat,crn C F. 2000. CE.
D verò
[251]
O BSERVA T. S ID ER EA E
verò 1000. parsautçm vigeíima totius. C F. müia
ria too. Sit modo CF. Dimetiens circuli nuximi.
1> C G
[253]
O BSERVA T. SID ER EA E
reliqua Lunaris globi aípeiftui noftro expofira relin-
quatur, tuncluce non exigua hanc quoquc Lunccpla*
gatn, JicetSoJari lumine deftitutamíplenderc depra?-
hcnder,idque pociflimum, fi iam no&urnusorror ob
folis abfentiam increueriti in campo cnim obfcurio-
ri eademlux clarior apparet. Compertum infupcreft,
hanc fecundam (vtita dicain) Luna;claritatem ma-
iorcm eflè quòipla minus á Sole diftiterir; per elonga-
tioncmenim abco remictiturmagis, magisquc, adeò
vtpoft primam quadraturam, & ante fecundam, de-
bilis, &admodum incerta comperiatur, licct in ob-
fcuriori coelo ípcdetur; cum tamen in fextili, & mi-
nori elongatione, quamuis inter crepufcula mirum
immodum fulgeat: íüígeat inquam adcò, vt ope exa-
di Perfpicilli magnaemacul* in ipfa diftinguantur.Hic
mirabilis fulgor non modicam philofophantibus intu-
lit admirationem; pro cuius cauia aífercnda alij alia
in médium protulerunt. Qpidam enim proprium cfie,
ac naturalern ipfíusmet Luna? fplendorem dixerunt;
alij á Venere illi eífeimpertitum, alij à Stellis omni
bus, alij á Sole/quiradijs fuis profundam Lunx íoli
ditacem permeet. Verüm huiufcemodi prolata exi
guo labore coarguuntur, ac falfuatis euincuntur. Si
cnim aut proprium eífet, auíà Stelliscollatum ciuf-
modi lumen,illud maximè inEclypfibus rerineret,o
ítcnderetquc, cum in obfcuriílimo coelo deftituarur;
quòd tamen aduerfatur experienriaJ: fulgor enim qui
in deliquijs apparet in Luna longè minor eft, fubru-*
fus, ac quafí aeneus; hic verò clarior, & candidior; eft
infupcrille mutabilis, ac loco mobiliss vagatur cnim
per Luna.' fadem, adcòvt pars illa, quarperipharria:
circuli vmbrae terreftris propinquior eft, clarior, re-
iiquavcrò obícurior femper fpe&etur, ex quo omni
proculdubio id áccidere intelligimus, çx radiorum So-
larium
[254]
^ R E C E N S HABITAE. ij
laríumvicinitate tangentium craflíorcm quandam regio-
nem,quar Lunam orbiculariter ambit,exquo cõcaâu Au
roraquardam in uicinasLun«eplagas effunditur,nõíecus
ac in terris tum mane, tum vefperi crepuículinum ípargi-
turlumen; quadere fufiusin libro de Siftematetnundi
pertraftabimus.Afíerere autem à Venere impertitam eiuf
modi lucem puerile adeò eft,vt refponfione íit indignum;
quisenim adeò infcius erit,vt non intelligat>circa coniun
âionem>& intrafextilem afpe&ü,partem Lunar,Soli auer.
fam vt à Venere ípe&ctur omninò efleimpoifibile? Efle au
tem ex SoIe,qui fuo lumine profundam Lunç foliditatem
penetret,atque perfundat^pariter eft inopinabilei nunquã
cnim imminueretur,cumfemperemiípharrium Lunar àSo
le fit illuftratum, tempore Lunarium Edypftum excepto:
diminuitur tamen dum Lunaadquadraturam properat.âe
omninò ét hebetatur,dum quadratum fuperauerit. Cum
itaque eiufmodi fecundarius fulgor,nec Lunar íit congeni
tus,atque proprius,nec á Stellis vllis,nec à Sole mutuatus,
cumq; iam in Mu ndi vaftitate corpus aliud fuperíit nullü .
nifi folaTellus, quid quarfoopinandum ? quid proferen-
dumf nunquidà Terra ipfumLunare corpus,autquidpiã
aliud opacum, arquetencbrofum lumine perfundi ? quid
mirum ? maximè: arqua grataque permutatione rependic
Tellus parem illuminationem ipíi Lunar, qualem & ipfa á
Luna in profundioribus no&is tenebris totoferè tempo
re recipit. Rem clarius aperiamus. Lunain coniun&o-
nibus,cum médium inter Solem &Terram obtinet locú,
Solaribusradijsin fuperiori fuoemiípharrioTerrçaueríò
perfunditur; emifphanium verò inferius, quoTerram
aípicit tenebris eft obdudumjnullatenusigitur tcrreftré
fuperfkiem illuftrat. Luna paulatim à SoledigreíTa iam
iamaliqua ex parte in cmifpharrio inferiori ad nos ver-
gente illuminatur, albicantia cornua,fubtilia tamen ad
nosconueitit; & Jeuiter Terrara illuftrat: crefcitin Luna
D 3 iam
[255]
%O B S E R V A T . S I D E R E A E
iamad quàdraturam accedcnte Solaris illuminatio; àu-
geturin terris eius luminis reflexio; exrenditur acihuc
íupra femicirculum fplendor in Luna; & noftras claríores
eífulgentno&estandem integer Luna? vultus, quo ter-
ramaipicit, ab oppofito Sole clariflimis íulgoribus irra*
diaturj enitet longèlate^ue terreftris íiiperficies Luna.
ri ípíendore perfufàí poftmodutn decrefcens Lunadebi-
lioresad nos rádios emittit, debilius illuminatur terra
Lunaadconiundionem properat, atra nox Tcrramoc-
cupat. Taliitaque período alcernis vicibus Lunaris ful
gor menílruasilluminationcs clariores modo, debiJiores.
alias nobislargitur: veruma?qualance beneficium àTel-
lurecompenfatur. Dumenim Luna fubSole eifca con-
iunâionesxeperitur, fuperficiem terreftris emiípherij So
li expoíiti, viuidisque radijs illuftrati integram refpicit „
reftexum^ue abipfalumen concipit rac proinde ex tali
refkxione infèrius emifpha?rium Luna?, lícet Solari lu«
mine deftitutum, non modicè lucens apparet. Eadem
Luna per quadrar»tem à Sole remota, dimidium rantum
terreftris emilphícrij illuminatum confpicit, fcilicet occi-
duum, altera enim mcdietas oriental is nodte obtenebra--
turr.ergo &ipfa Luna íplendidè minus áTerra illuftra*
tur, eiufvè proinde lux iila fecundaria exilior nobisap-
paret.. Quòd íi Lunamin oppofttione adSoJem confti-
tuas: ipe&aòit ipíà emilpharrmm intermedia: TcJJuris om
uinò tenebrofum, obfcuraquenoóte perfufum; íiigitur
edyptica fucrit talis oppc iitio, nuilam prorfus illumina-
tionem recipiet Luna, Solari fimul, actcrreftri irradia-
tione dcilituta. In alijs,arqueaJijsadTerram, &adSo
lem habitudinibus maius, minusvè à tcrreftri refkxio-
ne recipic lumen, prout maiorem ,aut minorem terre-
ftris emifpharrij iiluminati'partem fptdkucrit; is enim
inter duos holce Globos feruatur tenor, vtquibustem-
poribus maximè d Luna üluftratur Teilus, ijfdem mb
nus
[256]
R E C E N S H A BITA E. 16
nus vice verfa á Terra illuminetur Lu na, & è còntra.
Arque haec pau ca de hac rc in prgfentiloco di&a fuf-
ficiant,fufms enim in noftro Syítemate Mundi; vbi
complurimis & rationibus, & experimenris validifíl-
ma Solaris luminis è Terra reflexio oftendirur illis,
qui eam à Steliarutn corea arcendam eífc iaítitant,
ex eo potiífimuin> quòd à motu,&à limtinefttva-
cua: vagam enim illam, ac Lunam fplendorefupc-
rantem, non autem fordium, mundanarumque fe-
cum fentinam, eíTe demonílrabimus, &nacuralibus
quoque rationibus íèxccntis coníirmabimus.
Diximushucufque de Obferuationibus circaLuna-
re corpus habitis,nuncdeStellis fíxisea quaea&enus
à nobis inípc&a fuerunt breuitcrin médium adfera-
mus. Ac primo illud animaduerfíone dignum eft,
quod fcilicec Srelhetam fix x , quamerrabunda?, dum
adhibico Perfpicillo ípe&antur, nequaquam magni-
tudine augeri videntur iuxta proporcionem eandem,
fecundum quamobieâa reliqua, & ipfamet quoque
Luna, acquirunt incrementa: verum in Stellis talis
auCHo longè minor appartt ^adeo vt Perfpicillum,
quod reliqua obie&a fecundum centuplam, gratia e«
xempli racionem multiplicare potens erit, vix íccun-
dum quadr uplam ,aut quintuplam Stcllas multiplices
reddere credas: ratio autem huius eft,quod fcilicet
Aftradum libera, ac naturali oculorum acie fpeétan-
tur,non fecundum fuamfímplicem, nudamcjue,vt
itadicam, magnitudinem fefe nobis olferunc, ícdful-
goribus quibufdam irradiata nucantibusque radijs
crinita, idquepotiflimum,cum iam iiicreucrit nox; ex
quo longè maiores videntur,quam fi afeitijs illis cri-
nibuseftenr exuta: angulus enim viforiusnon à pri
mai ioStellae corpufculo, feda latè circumtufo iplcn»
dote terminacur, Hoc apertiílimè intelligas licec ex
eo,
[257]
O BSERVAT. S ID ER EA E
co, quod Stellatin Solis occafu inter primi erepu-
fculaemergentes, tametíi primae íüerint magnitudi*
nis, exígua; admodum apparent; & Venus ipfa íi qua»
do circa meridiem fc nobis in confpe&um dederit,
adeoexilis cernitur, vtvix Stellulara magnitudinis vl*
timxxquarcvideatur. Secus in alijsobieâis,&inip*
íãmetLuna contingit, qua? íiuein meridiana luce, fi-
uc inter profundiores tenebras fpettetur, eiufdem fem
per molis apparec. intonfa igitur in medijs tenebris
ipeâantur Áftra, crines tamen illorum diurna lux ab*
radere poteft ; at non lux ifta tantum, fed tenuis quo-
que nubecula, qux inter Sydus, & oculumafpicicntis
iríterponatur; idem qnoque praeftant nigra velamina,
ac vitra colorata, quorum obiettu ,atque incerpofitio-
necircumfufifulgoresStellasdeíèrunt. Hocidem pa-
riter efficit Perfpicillum, prius enim adícititios,acciden-
talesque àStéllis fulgores adimic, illarum inde globu»
los limpJices ( íi tamen figura fuerintglobofa ) augct,
atqueadeofccundum minorem multiplicitatemadau-
â a videntur: Scellula enim quinta?,aut fextx magnitu-
dinisper Perfpicillum vila, tanquam magnitudinis pri-
Dif repradentatur.
Adnotacione quoque dignum videtur efle diferi-
men inter PIanetarum,atque fixarum Stellarum afpe-
âu s: Planets enim globulos fuos cxaftè rotundos,
accircinatos obijciunt,acveluti Lunulat quaedamvn-
dique lumine perfufae, orbiculares apparent: Fixa? ve
ro Stellx peripheria circulari nequaquam terminatf cõ-
fpiciuntur, fed veluti fulgores quidam rádios circumcir
ca vibrantes >atque admodum fcintillantes: coníimili
tandem figura prçditar apparent cum PerípicÍllo, ac
dum naturaliintuitu fpeóiantur, fed adeò maiores, vc
Scellula quintae,aut fexta? magnitudinis Canem,ma-
ximam nempè fixarum omnium xquere videatur •
Verum.
R E C E N S H A BITA E. '/
Vei üm infra Stellas magnitudinis fextae,adeò numeroíum
grcgem aliarum,naturalcm intuirum fugientium,per Pcr-
ípidllum intueberis, vt vix credibile fit^pluresenim quam
fexaliéemagnitudinum differentixvideaslicet. quarúma
iores, quas magnitudinis feptimatj, feu prima’ inuiíibiliurn
appellarepoífumus, Perfpicilli beneficio maiores, &cla-
riores apparenr, quam magnitudinis íècundx Sydera acic
naturali viía.Vt autem de inopinabiii ferè iilarum frcquen
cia vnam,alteramvè atteftationem vidcas Afterifmos duos
fubícribere placuit, vt ab corurn exemplo de cxteris iudi-
cium feras. In primo integram Orionis Conílellationem
pingere decreueram; ver üm ab ingenti Stellarum copia,
temporis veròinopia obrutus,aggreífionemhanc inaliã
occafionem diftuli j adftant enim, 8c circavetcres intra v-
niijs, aut alterius gradus limites diflèminantur plurcs quin
gentis: quapropter tribus qua? in Cingulo, & fenis qua:
in Enfe iampiidtm adnotatx fuerunt, alias adiaccntes o*
íluagin ta recens vifas appofuimusjearumq; intcrftitia quo
exaóíius licuit feruauimus; notas, feu veteres,diftin&ioni$
gratia,maiorespinximus,aç duplici linea contornauimus,
alias inconfpicuas,minores,ac vnis lineis notauimus; ma-
gnitudinum quoquc difcrimina quo magis licuit feruaui-
mus. In altero exemplo íèx StcllasTauri, PLEIADAS di-
ítasdepinximusfdico autem fex,quandoquidem fcptima
fere nunquam apparet) intra anguftiflimos in ccelocan-
cellos obdufas, quibus alia? plures quam quadragintain-
uiíibilcs adiacent> quarum «nulla ab aliqua ex prardiétis
fexvix vltra femigradum clongatur; harum nostantum
trigintafex adnotauimus, earumque interftitia, magnitu-
dines, nccnon veterumnouarumque difcrimina vcluti in
Orionc feruauimus.
PLEIA.
[259]
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[ 260]
PLEIADVM CONSTELLAT10.
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[262]
R E C E N S H A BITA E. ^ vj
DeLuna ,de inerrantibus S td lis, acdeG alaxya,
qua* hadenus obferuata funt breuiter enarrauimus.
Supcreft v t, quod maximum in prarfenti negocio exi-
ítimandum videtur, quatuor PLANETAS à primo
mundi exordio ad noílra vfque têmpora nunquam
confpedos, occaíionem reperiendi, atque obferuan-
di,necnon ipforum loca, atque per duos proximè
menfes obleruationes circa eorundem lationes, ac
mutationes habitas, aperiamus ,ac premulgemus: a-
ftronomos omnes conuocantes, vt ad iÜorum perio-
dos inquirendas,atq; defíniendas fe conierant,quod
nobis m hanc vtque ciiem ob temporis anguttiamaf*
fequi minírne licuit. llios tamen iterum monitos fa-
cimus, nead talem infpedioncm incaílum accedant,
Perfpicillo cxadiílimo opus eíTe,& quale in principio
íèrmonis huius, dcfcripiirnus.
Dic itaque fcptiiua lanuarij inftantis anni millcíi.
mi fexcentciimi decimi,hora fequentis nodis prima,
cutn cçledia fydcra per Peripicillum ípedarem, lup*
piter le fe obuiam tecit, cumque admodum excel*
iens mihi paraííem inílrumcntum, ( quod amea ob
alterius Organi debilitatem minime c.oncigerat) tres
illi adítare Iteliulas, exiguas quidein, veruntamen da-
riírimas,cognouij qua? licet è numero inerrantiumà
me credcrcntur, non nullam ramen inrulerunt ad-
mirationem, eo quod fscundum exadam lineain re*
d am , atque Eclyptkw pararellam dilpoiira:videban-
tur: ac cçteris magnitudine paribus rplcndidiores:
erarque illarum incer fe Si ad louem talis conítitiuio.
Ori. *o Occ.
ex parte,
[263]
O B S E R V A T IO N E S S I D E R E A E
ex parte ícilicec Orientali duae aderant Stell#, vna vc*
ròOccaíutn verfus.Orientalior atqueOccidentalis, re-
liqua paulo maiores apparabant, de diítantia inter
ipíãs & louemminime follicicus fui; fixas cnim vti di-
ximus primocreditas í'uerunc, cumautem die odaua,
nefcio quo Fato diidus,ad infpcdionem eandem re-
uerfus eíTem, longè aliam cõfticutionem repeti j erant
cnim tres Stellulx occidentalcs omites àloue,atque
inter fe quam íuperiori node viciniores, paribufque
interftitijs mutuo dilfeparata:, veluti appoíita pntfe-
fert delineatio. Hic licet ad mutuam Stellarum ap-
propinquationetnminimè cogitationetn appultirem»
Ori. *o Occ.
[264]
R E C E N S H A BITA E. 'It )
nullaratione reponi poíTc intclligerem , atqucinfuper
fpe&atas Stellas femper caíílem Fuifie cognofcerem,
( nullae enim aliat, aut precedentes, auc confequea-
tesintra magnum interuallumiuxtalongitudinemZo-
diaci aderant) iam arabiguitatem in admirationem
permucans, apparentem commurationem non in loue,
Fed inStellis adnoratis repoíitã cfíe compcrijac pro-
inde oculatè, & fcrupulosè magisdeincepsobferuan-
dum fore fum ratus.
Die itaq; vndecima eiuícemodi conftitutionem vidi:
Ori. * * Q Occ.
[265]
OBSERVAT. S I DE REA E
Ori. * * o * Occ.
Ori. » ** * Occ.
Ori. O * Occ.
[266]
R E C E N S H A B IT A E . jl * **
Iulumin boream attollebatur; propinquior Iouicrac
omnium mínima, reliquas conícquentcr maioresap-
parebant jintcrualla inter Iouem,& tria copfequantia
òydera crant arqualia omnia, ac duorum minutorum:
at occidentálius aberat à libipropinquo minucisqua-
tuor. Erant lúcida valde,&nihil funtillantia, qualia
femper rum ame, tum poít npparucrunt. Veruuiho
ra íêpcímatres íòlummodo aderant S tella?, in huiuf-
Ori. Q * * Occ.
Ori. * Q * * Occ.
Ori. * * Occ.
loue
[267]
O BSERVA T. SID ER EA E
Iouediftabat min; 3. occidentalis pariter vna à Ioue
diíiansmin: 1 i.Orientalis duplo maior apparebatcc-
cidcntalij nec plures aderanr quamifta? dua?. Vcrum
poft horas quatuor, hora nempè proximè quinra, ter-
tia ex parte orientali eniergere cçpít, qua? antea, vc
opinor cum priori iunéta erat; fuitque taiis poíitio .
Ori. * * O * ^cc.
Ori. % Q Occ.
Ori. * Occ.
[268]
R E C E N S H A BITA E. ia
di médium iain inter {ouetn, & orientalem Stellam
locum exquiíitè oçcupantem,itavt talis fuerit confi-
Ori. * * Q * * Occ,
Ori. * Q * * Occ,
Ori. * Q ** Occ.
Ori. » ** Occ,
[269]
O B SE R V A T . S ID E R E A E
ab ocddentaliori non pluribus decem fecundis remota.
Die vigefimaprima hora o. m: 30. aderant ex oriente
Stcilulaetres,«qualiter inter fe, & àloue dixtantes,■
OrL * O * Occ.
Ori. * * Occ.
[270]
R E C E N S H A B ITA E.
mè: & Stella loui vicinior reliquis duabus fequcntt-
bus minor apparebat j ornnefquein eadcm reòtaexqui-
fite dixpofita? vidcbantur.
Die vigefima tertia hora o. min: 40. ab occafu, in húc
fçrmè modum Stellarum conilitutio íe habuit: erant
Ori. O cc.
* o
Ori. Occ.
Ori. Occ.
?fc ^
Ori. * O Occ.
F folum-
[271]
O B SER V A T IO N ES 5 ID E R E A E
fôlummodo feiè ofFerebant Steliaein hocpofitu.- nem*
pecumlouein eadem re&a linea ad vnguem, à quo
elongabatur propinquiormin:p-.3. altera veroab hac
min: p:8. in vnam, ni fallor,coierant duas media; prius
obíèruataeSceüute.
Dievigeíimaquintahora z. min.-4 0 . ira íè habcbae
Ori. # % Q Occ.
Ori. O
Occ.
[272]
R E C E N S HABITAE. # 2 *-
tara Stellula confpiciebatur, eaquc orientalis fecun-
Ori. O Occ.
Ori. * O * * Occ.
Ori. ** Q * Occ.
Ori. * Occ.
F 2 res
[273]
OBSERVAT. SIDEREAE
resad inuicem adhucerant; aberant enim folummo-
do min: fec. 20. apparuitin hifce obferuationibus oc-
cidentalis Stclla facisexigua.
DieFebruarij prima hora nodis fecunda confimilis
fuic conílitutio. Diítabac orientalior Stclla á Ioue
Ori. * * Occ.
Ori. * Q * * Occ.
Ori. *o Occ.
[274]
R E C E N S HABITAE. 2f -
dentalis próxima min. 2. abhac vero elongabatur oc-
Ori. *o * * Occ.
Ori. * Occ.
Ori. * * Q * * Occ.
dium
[275]
OBSERVAT. S I D E R E A E
diumlouemintercipiemes, vt in figura appofira fpe-
âatur: orientalis d loue diftabat min, a. occidentalis
verò min. 3. erant in eadem reâa cum loue , & magnt-
tudine pares.
Dieíèptima dux adftabantStell*, à loue orienta*
Ori. * * O Occ.
Ori. Q Occ.
[276]
# R E C E N S HABITAE. s£
orientales, & voa occidentalis in rali difpoíitione. 0 «
Ori. * « Occ.
Ori. • *^ Occ.
Ori. * * O * 0cc
Ori. * * »Q * ° cc*
[277]
OBSERVAT. SIDEREAE ^ #
minor, à Ioue dilTita per min. o. fec. 30. & à re<fta li-
nea per reliquasStellas protradamodicumin Aquilo-
nemdefle&ens, fplendidiísima? erantomnes,ac valdc
confpicua?. Hora vero quinta cumdimidiaiam Stella
oriemalis loui próxima,abilloremotior fada mediu
inter ipfum, &òtellatn orientaliorem íibi propinquam
obtinebat locum , crancque omnes in eadem re&ali-
nea ad vnguem, &eiufdem magnitudinis, vc in appo-
fita defcriptione viderc licec.
Ori. * * * O * Occ.
Ori. * * * Occ.
Ori. O
Occ.
[278]
R E C E N S HABITAE. 57
dentalibus remotior à Iouc conlpicua valdèabeodi-
rimebatur min. 4. i 11ter hanc & louem intercidebac
Scellula exigua, ac occidcntaliori Stellae vicinior,cnm
ab ea non magis abeffet min.o.fec. 30. erant omnes
in eadem retfa fecundum Edyptic* longitudinem ad
vnguem.
Die decimaquinta ( nam decímaquarta coelum nu«
bibus fuit obduòtum ) hora prima talis fuit aftrorum
poíitus. tres nempe erant orientales Stella?, nuilave-
Ori. ** Q Occ.
Ori. •O Occ.
Ori. Occ.
[279]
o bser v a t . sidereae
berat* íuppiter à fequenti occidua min. 5. htec ve
r á à reliquaoccideutaliori min. 3* eranc omnesciuf-
Ori. * Q * % Occ.
[280]
E E C E N 5 HABITAE.
Ioue m.i.fec. jg.Iuppitcr ab occidentaliíèqucntim. 3.
Ori. * * O * * Occ.
Ori. Q * * Occ.
Ori. * Q * * Occ
Ori. » * * Occ.
[281]
OBSERVAT. SID EREA E
aquàlesfuerur;t,ac min.^Occidcntalisvnaaberat à lo-
uc min. 2. Erantin eadem reda ad vnguem,íecundum
Edyptka; dudiun .
Dic 26. Hora o. m.30. bina; tantum áderant Steíla?.
Orientalis vna diítans álouem . io . Occidentalisaltcra
Ori. * Q * Occ.
Ori. * O * * Occ.
Ori. » Q * #
>fr fixa
[282]
R E C E N S HABITAE.
min.í.fcc. 3o.ab hac occidentalior diílabat mln.i
sfc fixa
Ori. * Q ^ Occ.
fixa
Ori. * Occ.
* O *
[283]
O BSERVA T. S ID ER EA E
omnes confpetfae funtjquarum Ioui próxima aberatab
eo m.a. fequensab hac m .i. tertia m.o. fec.ao. eratque
Ori. ^ Occ.
* fixa
Ori. ** O * Occ.
fixa
[284]
R E C E N S HABITAE. ^ 3 0
Iationes apponereplacuit, vt ex illis eorundé Planetarum
progreíTuSjtum fecundú longitudinem,tum etiamfecúdú
latitudinem,cum motibus}qiii cx tabulis auriuntur ad vn-
guem congruere quilibet intelligere pnífit.
Hajfuntóbferuationesquatuor Mediceorum Planeta
rum recens3ac primo à merepertorum,exquibusquãui$
illorum períodos numerís colligere nondü detur; licet fal
tem quaedam animaduerfione digna pronunciare. Ac pri
mo cum louem coníímihbusintcríUtijs modo confequan
tur,modo pra?eant3ab eoq; tum verfus ortuimtum in occa
furti anguftiífimis tantú diuaricationibus clongentur3eun
demq; retrogradum píarher, atq; dircâum concomitétur,
quin circa il.um fuas conHciant conuerfionc$,ínterea dum
circa mundicentrumomnes vnà duo decênalespcriodos
àbfoluunt,nemini dubiü elíèpoteft.Conuertúturinfuper
in circulis inçqualibus, cg manifeftè colligitur ex eo, quia
inmaiprjbusàlouc digreífionibus núquãbinosPlanetas
iun&os videre licuitjcum tamen propè louem duo3trcs3&
interdum o és fímul conftipati repcrti fint.Deprçhenditur
infuper vclociores eífc conuerfionesPlanetarü anguftio- .
res circa louem círculos delcribentiújpropinquioresenim
Ioui Stcllx fxpiusfpedlantur orientales,cumpridieexoc«
cafu apparuerint3& è contra :at Planeta maximu permeãá'
orbem, accuratèpra?adno taras reucrfionespcrpendenti,
reftitutiones íeinimenftruas habcre videtur.Eximium prae
terea praeclarumq; habcmus argumentú pro fcrupulo ab il
lis demcndo, qui in òiÜemate Copernicano conuerfioné
Planetarum circa So!é a?quo animo íerentes,adeò pcrtur
bantur ab vnius Lu na? circa terra latione3intereadü arnbo
annuúorbe circaSolé abfoluunt,vthancvniuer(i cõfticu-
tioné tanqimpoflibilcm encrtcndã ellearbitrcnturjnunc
enim nedum Planerã.vnú. circa alifi conuertibilé habemus»
du ambo magnú circa Soié perluilrant orbem; vcrum qua
tuor circa louc inflar Lunx circa T dlurédenfus nobis va-
gances
[285]
OBSERVAT. SID ER EA E
jantes offcrt Stellas,dtím oés fimuJ cü loue 12. annorum
ipacio magnO circaSolépeimeant orbe. Pmereundú ran
dem non eíhqua nã rõne contingat, vt Mcdicea Sidera dú
anguftiílimascircaloué rotationesabfoIuunr,femetipfís
interdum plusq, duplo maiora videantur.Caufàm in vapo
ribusterrenis minimèqrere poííumus.-apparentenim au-
íla/eu minutájdü Iouis , & propinquarü fixarú moles nil
immutata: cernuntur. Acççdere afit illos, adeoq; àterra e-
longari circafuíe cõueríionís perigeibaut apogeGiVt tantíe
nuitarioniscãmnancifcantur,oínò inopinabilevr;nãarda
cii cularis latio id nulla rõneprçftare valetjoualis vero mo
tus(qui in hoc cafu redus ferè elíèt)& inopinabil is,& ijs q
apparent nulla rõne confonus eífe vr. Quodhac in rc íuc-
currit lubens profero,ac redè philoibphantifi iudicio,cé-
íuraq; exhibeo.Cõftat terreflriú vaporüobitéiu Solé,Lu*
namq; maiores,íèd fixas, atqj Planetas minores apparerc:
hincLuminariapropè orizouté maiora,Steilacvero mino
res,ac plerunq;inconípicuac;imminuuntur ét magis fi ijde
vapores lumine fuerint perfüfi; idcirco Stellíe iuterdiu,ac
intra crepufculaadmodum exiles 3pparenriLuna nonite,
vt fupra quoq; monuimus. Conftat infuper nõ modo Tel
lurem/cd €1 Lunam fuum habere vaporofum orbé circG.
fufura,tum ex his quaefupraditfimus, türa maxime ex ijs,
qux fufius in noftro Siftemate diçènturjat ide qttoq; de rc
hquis Planetisferre iudiem congruepoíTumus;adeò vt ct
circalouemdenfiorem reliquo arthereponereorbemin-
opinabile minimevideaiur,circaquem,inftar Lunje circa
elementoruin fpheram,Planeta? MEDICEA circumducan
tur, atquehuiusorbis òbièdu dum apogei fuerint mino-
reSidum vero perigei,per eiufdem ovbis ablationem,feu at
tenuationem maiores appareant. Vltcriuspro-
gredi tçmpOris anguítia inhibet; plura
de hjsbreuicandidus Lc&or
expede t.
F 1 N I S.
[286]
ÍN D IC E D E M ATÉRIAS
ISBN 978-972-31-1317-4
EDIÇÕES
DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
ISBN 978-972-31-1317-4