Professora do Departamento de Política e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC/SP.
agenda política nos anos 90 so uma dinâmica mundial, à programas econô
A fre profundas alterações. Não se
trata mais de discutir questões como a transição e nem a viàbilidade ou ne micos pré-estabelecidos pelas agências finan ceiras internacionais. Tal redefinição dos Es tados repercute diretamente no funcionamento cessidade de um regime democrático. O gran do regime democrático. de tema que orienta tanto as discussões cien A democracia para aqueles que assu tíficas, quanto as propostas de governo, é mem a perspectiva deste processo e que in dado pela adoção de projetos de desenvolvi corpOl'aram a ideologia neoliberal, é conside mento econômico, face ao processo de globa rada como um regime político causador do lização. Na área da Ciência Política, aparecem crescimento dos gastos do Estado, devido às discussões que tem como objetivo, entre ou pressões de setores organizados da sociedade, tras questões, a de rever as funções do Esta que querem ver suas demandas incorporadas do, dos partidos políticos e de outras institui pelo Estado. ções, diante desta nova etapa de desenvolvi Quais são as conseqüências da globali mento do capitalismo internacional. zação para o regime democrático? Com rela O termo globalização vem merecendo ção à essa questão, pode-se arrolar a reflexão vasta produção bibliográfica e discussões de alguns autores: David Held, Perry Ander acaloradas no meio acadêmico e intelectual. 'son, Atilio Boron, Bolivar Lamounier, José De forma geral, tendo em vista avaliar os Luís Fiori, Carlos Estevan Martins. efeitos sobre a Democracia, pode-se sintetizar David Held, em seu artigo "A Demo a globalização como um processo de interna cracia, o Estado-nação e o Sistema Global", cionalização da produção capitalista, de des afirma que vivemos um paradoxo, pois ao envolvimento das comunicações e tecnologia, mesmo tempo em que o regime democrático de redefinição da divisão internacional do tra ganha novos adeptos no sistema mundial, pre balho, do aumento exacerbado do poder das senciamos o questionamento da eficácia da agências financeiras internacionais, das em democracia: "As nações proclamam-se demo presas transnacionais, processo esse acentua cráticas no momento em que mudanças no do principalmente a partir dos anos 70. âmbito da ordem internacional comprometem Convém atentar para o fato de que este a possibilidade de um Estado-nação demo processo não deve ser compreendido como se crático independente" (HELD, 1991: 146). desenvolvendo em um único sentido, uma vez As premissas da Teoria da Democracia, que coexistem a valorização das especificida na avaliação de David Held, são as seguintes: des locais, quanto a manifestação do fenôme existência de unidades auto-suficientes, sepa no da segmentação, da produção. radas umas das outras, e as mudanças ocorri Este processo de globalização, especifi das num regime democrático responderiam camente ocidental, entendido enquanto ex aos requisitos de ordem interna, expressando pansão do capitalismo à vários cantos do pla a atuação dentro do Estado-nação. Porém es neta, provoca novos arranjos nos Estados sas premissas começaram a ser questionadas, nação, alterando funções, atribuições e a au pois vive-se em um período de predomínio tonomia destes Estados, agora subordinados à da dinâmica da economia mundial, que en-
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-- volve mudanças no plano do direito internaci tanto, consideram necessano o estabeleci onal e no crescimento das ligações transnaci mento de uma disciplina orçamentária, priori onais. zando a diminuição com os gastos sociais. O autor tem como preocupação mostrar Nesta concepção, as reformas estruturais (fis que apesar das mudanças ocorridas nas demo cal, tributária, administrativa) seriam funda cracias hoje, decorrentes do processo de glo mentais para enxugar a máquina administrati balização, não existem reflexões sobre as im va do Estado. Com esses mecanismos estrutu plicações deste processo e uma teorização ne rados, e com o livre jogo do mercado, a eco cessária para analisar estas alterações. nomia capitalista voltaria a crescer, às custas A nova ordem internacional pressupõe do aumento da desigualdade, avaliada como um sistema econômico global, uma rede de necessária para quebrar o poder dos sindica relações transnacionais e de comunicações, tos, e frutífera para dinamizar as economias. crescimento de organizações e regimes inter Segundo Perry Anderson, uma conse nacionais, desenvolvimento de uma ordem qüência direta desta política é o aparecimento militar global, elementos esses que ignoram, de altas taxas de desemprego, considerado ou escapam dos Estados-nação. Na avaliação como 'natural', pois este seria concebido de David Held: " ... a significação dos proces como um mecanismo necessário de qualquer sos atuais de decisão democrática tem de ser economia de mercado. Portanto, nesta pers considerada no contexto de uma sociedade pectiva, o Estado deixaria de exercer um pa multinacional, multilógica e internacional, e pel de interventor, restringiria sua atuação às no contexto de um enorme elenco de institui áreas de educação, saúde, segurança e trans ções já existentes ou em vias de nascer, regio portes. Para isso, deveria enxugar ao máximo nais e globais, políticas econômicas e cultu sua administração, promovendo as privatiza rais, instituições essas que transcendem e me ções de suas empresas, e se caracterizando diam as fronteiras nacionais" (HELD, 1991: como um Estado mínimo. 160). Na avaliação de Atilio Boron, as críti Apesar destas mudanças, Held afirma cas feitas contra o Estado interventor pelos que o processo de globalização não é homo neoliberais são infundadas, pois as economias gêneo e, a inserção dos Estados-nação é dife capitalistas dos países europeus só cresceram renciada a este processo, o que pressupõe a graças à intervenção do Estado e ao aumento persistência de sua capacidade de formular com os gastos sociais. Falar hoje da crise das orientações políticas nas ordens interna e ex democracias e da ingovernabilidade é fazer terna. Portanto, o que prevalece é uma sobe um discurso conservador, visando destruir os rania afetada e uma autonomia estatal limita regimes democráticos. Será necessário dimi da. nuir o Estado? Mudanças são necessárias, re Esse processo de globalização tem uma formas devem ser executadas, mas não às ideologia, o neoliberalismo, que segundo Per custas da contenção indiscriminada dos gastos ry Anderson, é uma reação teórica e política sociais. contra o Estado interventor e de bem-estar. As Boron defende o fortalecimento do Es idéias neoliberais começam a ganhar destaque tado, o aprofundamento das reformas sociais, com a crise do sistema capitalista, a partir dos porém não nega que a democracia na América anos 70. As críticas dos neoliberais são dirigi Latina possui sérios problemas, como: au das ao aumento do poder do Estado, ao poder mento da violência e criminalidade; decom dos sindicatos e do movimento operário, e ao posição social e anornia; crise e fragmentação crescente gasto público com questões sociais. dos partidos políticos; ineficácia do Estado; A saída apontada pelos neoliberais co poder maior do Executivo; isolamento da meça pela estabilidade monetária, visando classe política; impunidade aos crimes sociais conter os altos índices inflacionários. Para políticos e econômicos efetuados pelas elites;
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ressentimento e frustração das massas; cor Lamounier acredita que num futuro rupção do aparelho estatal e de certas esferas próximo predominarão países com regimes da sociedade civil; submissão do Congresso democráticos, com sistemas partidários menos ao Executivo; problemas com a Justiça. ideológicos e menos coesos, partidos mais A concepção de democracia para Bo pragmáticos, com menos antagonismos ideo ron, envolveria não só uma democracia políti lógicos. Apesar do otimismo do autor, o que ca, mas social e econômica, e neste sentido o se presencia é uma crescente dependência dos papel do Estado seria fundamental, enquanto "Estados-nação" ao sistema financeiro inter redistribuidor de rendas, visando minimizar as nacional, a vigência de uma democracia polí desigualdades sociais. tica, sem a eliminação das desigualdades eco Se existe esta proposta de enxugamento nômicas e sociais. A busca do "consenso" e a da máquina estatal e a contenção dos gastos eliminação das diferenças ideológicas, avalia sociais para os países da América Latina, e das positivamente pelo autor, provocará a todas as conseqüências decorrentes deste pro destruição da democracia, pois esta pressupõe cesso, o mesmo se pode afirmar sobre o paí a divergência, a convivência das diferenças, ses que fazem parte da União Européia. O ou como afirma José Luís Fiori, devemos Tratado de Maastricht tem como objetivo buscar o "dissenso", pois o desaparecimento prescrever uma política para os estados euro das diferenças significa o desaparecimento da peus se adequarem às normas estabelecidas democracia. por este tratado, implicando em austeridade, Deve-se concordar, no entanto, que estabilidade e contenção dos gastos públicos. ocorreu, com esse processo de globalização, Um outro dado a ser acrescentado neste uma alteração no funcionamento dos partidos processo é o significado da globalização para políticos. Os partidos de massa, de militantes, a democracia representativa. As autoridades deixou de existir, predominando o partido que eleitas estão perdendo o seu poder em decor disputa as eleições, dentro do ciclo parla rência da hegemonia dos planos econômicos mentar/eleitoral, e o político pré-fabricado por traçados pelas grandes agências financeiras uma indústria de marketing político. internacionais. Na avaliação de Bolivar La "Nas democracias contemporâneas, di mounier o resultado desta processo de globa versificam-se e multiplicam-se os canais lização leva: ao fortalecimento de Executivo, abertos a essa participação (política), fenôme com aclamação plebiscitária para os executi no que atesta a sua vitalidade. Dentre tais ca vos que promovam reformas liberais; tendên nais, destacam-se alguns meios de comunica cia à existência do "govemo por decreto", si ção de massa" (TÓTORA e CHAIA, 1993: gnificando existir o uso e abuso de instru 40). Além da proliferação de ONOs (Organi mentos excepcionais - decretos-leis, medidas zações não Govemamentais), de Igrejas, pre provisórias -, utilizados devido à relativa ine senciamos, portanto, o fortalecimento da mí gociabilidade das propostas de reforma. No dia, que ocupa um espaço da esfera política, entanto, Lamounier reconhece que a globali antes restrita aos partidos políticos. zação produzirá dois efeitos benéficos para a No atual período democrático, frente ao democracia, no médio prazo: "1) a conver processo de globalização, deve-se avaliar o gência (ou pelo menos a redução do antago impacto do fortalecimento dos meios eletrôni nismo) nas ideologias econômicas; 2) a con cos de comunicação de massa. vergência de países engajados em processos A preocupação com a relação entre de de integração supranacional no sentido de mocracia e sociedade de massa foi apontada uma mesma forma político-constitucional, originariamente, de maneira significativa, por que sem dúvida será a democracia" Alexis de Tocqueville no final do século XIX, (LAMOUNIER, 1996: 7). preocupado então em detectar os obstáculos ao funcionamento da Democracia, expressos
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tanto na tirania da maioria, quanto na valori lação de complementariedade entre a esfera zação da igualdade em detrimento da liberda da política e o sistema de mídia, também de, entre os norte-americanos. A escola de pode-se perceber a existência de tensões, à Frankfurt, na primeira metade do século XX, medida em que a mídia pode desqualificar, ao politiza também essa discussão situando a in generalizar ou informar parcialmente, a ativi dústria cultural no interior das relações capi dade política, ao investir contra parlamentares talistas. Nos anos 60, Marshall Mcluhan cha e outros agentes políticos, sejam eles indiví ma a atenção para o caráter revolucionário da duos ou organizações. mídia ao afirmar que o mundo é uma "aldeia Não se quer com isso afirmar que o global", com a comunicação eletrônica e a desprestígio, ou a rejeição aos políticos e à produção de informação circulando sem algumas instituições democráticas seja decor fronteiras. rente diretamente do poder manipulador da Recentemente, Paul Virilio contribui mídia, mas problematizar os limites que equi para essa discussão, conceituando a "guerra libram críticas e manutenção de valores ou eletrônica total", no interior do qual a veloci instituições democráticas. Uma pergunta pode dade absoluta fundamenta uma nova situação ser feita: quem controla a mídia? O peso polí autoritária, onde a produção e o consumo dos tico dos meios de comunicação é muito gran produtos da mídia colocam em risco a demo de nesta etapa da globalização, assim se toma cracia, uma vez que impede a reflexão, a par importante debater o sentido das transforma ticipação, sendo que os valores são impostos ções experimentadas pelo sistema político e pelos meios de comunicação. pelo sistema midiático, tendo em vista a pre Também Regis Debray ao propôr a mi servação e fortalecimento da sociedade demo diologia como disciplina afirma que no atual crática. "Estado-Sedutor", que deu lugar ao "Estado As reflexões aqui propostas sobre a rela Educador", a política passa a depender da tec ção Globalização e Democracia, embora inci nologia, reduzindo assim o papel desempe pientes, são importantes para se compreender nhado pelos políticos na atual sociedade, uma a relação entre a política e a nova ordem vez que deve sujeitar-se às máquinas de co mundial. municação. Neste cenário contemporâneo, busca-se então abordar o poder da mídia - estruturador de um campo simbólico, com enorme signifi cação no âmbito das conjunturas ou disputas Professora do Depto. de Ciências Sociais da DEL políticas -, sob condições de vigência da De mocracia em uma época de globalização in tensiva. A mídia deve ser compreendida en , 'Globalização e democracia: quanto fonte geradora de sistemas de repre novos desafios à mídia sentação da realidade, utilizados seja para brasileira", foi uma mesa compreender a sociedade ou para acionar di que você coordenou na 48 3 SBPC. Segundo ferentes formas de ações. reportagem publicada na Folha de São Paulo, Mesmo ao se considerar a impor era detectável uma visão pessimista sobre as tância da mídia no controle dos poderes polí possibilidades da democracia em uma socie ticos e, portanto, sua contribuição para a ma dade globalizada. Isto era visível nas falas de nutenção de experiência democrática e para a Venício Lima, da UNB e de Gabriel Cohn, da liberdade, um ponto fundamental a ser assi USP. nalado refere-se ao fato de que a mídia, em Havia um consenso entre os debatedores determinados momentos, reforça as críticas às de que a mídia ocupa hoje um papel de van instituições políticas democráticas. Numa re guarda no processo de globalização, por isso,
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