Professional Documents
Culture Documents
As sociedades empresárias são sempre personalizadas, ou seja, são pessoas distintas dos
sócios, titularizam seus próprios direitos e obrigações (a conta de participação não é, a
rigor, sociedade, mas um contrato de investimento comum que a lei preferiu chamar de
sociedade: Cap. 33, item 4). O estudo das sociedades empresárias, por isso, convém seja
iniciado pelo da teoria das pessoas jurídicas.
Começo pela natureza: muitas foram as soluções tentadas pelos teóricos para organizar o
argumento da questão ontológica da pessoa jurídica. Essas soluções dividem-se,
fundamentalmente, em duas. De um lado, as teorias pré-normativistas, que consideram as
pessoas jurídicas seres de existência anterior e independente da ordem jurídica. Para os
seus adeptos, a disciplina legal da pessoa jurídica é mero reconhecimento de algo
preexistente, que a ordem positiva não teria como ignorar. Segundo entendem, além do
ser humano, também elas se apresentam ao direito como realidades incontestáveis, como
os reais sujeitos das ações dotadas de significado jurídico. De outro lado, encontram-se
as teorias normativistas sustentando o oposto, isto é, as pessoas jurídicas como criação do
direito. Fora da previsão legal correspondente, não se as encontram em nenhum lugar. No
primeiro grupo, estão a teoria “orgânica” e a da “realidade objetiva”; no segundo, a da
“ficção” e a da “realidade jurídica” (Ferrara, 1921:346/348 e 359; Beviláqua, 1908:258).
A pessoa jurídica não preexiste ao direito; é apenas uma ideia, conhecida dos advogados,
juízes e demais membros da comunidade jurídica, que auxilia a composição de interesses
ou a solução de conflitos.
Sujeito de direito é conceito mais amplo que pessoa: nem todos os sujeitos são
personalizados. Em outros termos, os titulares de direitos e obrigações podem ou não ser
dotados de personalidade jurídica. Se se considerarem todas as situações em que a ordem
jurídica atribui o exercício de direito ou (o que é o mesmo, visto pelo ângulo oposto) o
cabimento de prestação, sujeito será o titular do primeiro ou o devedor da última. No
conceito de sujeito de direito encontram-se, assim, não só as pessoas, físicas ou jurídicas,
como também algumas “entidades” despersonalizadas. São o espólio, a massa falida, o
condomínio horizontal, o nascituro e outras, consideradas juridicamente aptas ao
exercício de direitos e assunção de obrigações. O espólio, enquanto não definida
judicialmente a partilha dos bens deixados por morte, é o sujeito ao qual compete exercer
os direitos e prestar os deveres atribuídos ao morto, ainda em vida ou mesmo após o
falecimento. Os tributos incidentes sobre a propriedade imobiliária do de cujus, por
exemplo, devem ser suportados pelo espólio, assim como lhe cabe a renda proveniente de
aluguel por ela proporcionada. A massa falida, comunhão dos interesses dos credores de
um empresário com falência decretada, substitui este último nas ações de que era parte,
fazendo-se representar pelo administrador judicial. Além disso, ela contrata auxiliares,
movimenta contas bancárias, realiza e recebe pagamentos. O condomínio horizontal,
originado dos interesses comuns dos proprietários (e, para determinados fins, também dos
locatários) de unidades autônomas de um edifício, é devedor de impostos e taxas, pode
contratar e demitir empregados, responde por danos causados por culpa destes e é credor
da contribuição condominial. O nascituro, por fim, é titular de direitos, assegurados desde
a concepção, e pode ser, em situações especiais, até mesmo sujeito passivo de tributos.
O sujeito de direito personalizado tem aptidão para a prática de qualquer ato, exceto o
expressamente proibido. Já o despersonalizado somente pode praticar ato essencial ao
cumprimento de sua função ou o expressamente autorizado.
Em suma, no campo do direito privado, o sujeito personalizado pode fazer tudo que não
está proibido; o despersonalizado, somente o essencial ao cumprimento de sua função ou
os atos expressamente autorizados. Esse o traço diferencial entre o regime das pessoas e
dos entes despersonalizados (registre-se que o direito público opera com conceitos algo
diversos, já que o estado, embora sendo pessoa jurídica, só pode praticar atos para os
quais se encontra especificamente autorizado — cf. Mello, 1980:13/14; Meirelles,
1964:78). Feitas tais considerações, cabe conceituar pessoa jurídica como o sujeito de
direito inanimado personalizado.