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Introdução ao direito societário

1. As sociedades empresárias

Atividades econômicas de pequeno porte podem ser exploradas por uma pessoa (natural),
sem maiores dificuldades. Na medida, porém, em que se avolumam e ganham
complexidade, exigindo maiores investimentos ou diferentes capacitações, as atividades
econômicas não mais podem ser desenvolvidas, com eficiência, por um indivíduo apenas.
O seu desenvolvimento pressupõe, então, a aglutinação de esforços de diversos agentes,
interessados nos lucros que elas prometem propiciar. Essa articulação pode assumir
variadas formas jurídicas, dentre as quais a de uma sociedade.

Em outros termos, se duas ou mais pessoas pretendem desenvolver, em conjunto, uma


atividade econômica, abrem-se-lhes algumas alternativas, no plano do direito, para a
composição dos seus interesses. As alternativas se diferenciam, por exemplo, no tocante
ao regime tributário aplicável, que aumenta ou reduz o custo da atividade, refletindo, por
evidente, nos resultados; diferenciam-se, também, no aspecto relativo à gestão, ou seja, a
quem cabe tomar as decisões e negociar com terceiros; principalmente, porém,
apresentam tais alternativas diferenças quanto à participação nos resultados positivos ou
negativos do esforço comum. Imagine-se, para ilustrar, que dois engenheiros de diferentes
especialidades identificam, no mercado, a demanda por serviços de consultoria técnica,
que depende do conhecimento de ambas as áreas de especialização. Cada um tem seus
próprios clientes, e o trabalho conjunto abre a perspectiva de ampliação das carteiras.
Considerem-se, então, as seguintes hipóteses de exploração dessa oportunidade: a)
acertam, oralmente, que desenvolverão o trabalho conjunto de consultoria, definindo caso
a caso os honorários de cada um, a serem pagos pelo contratante; b) firmam instrumento
escrito, obrigando-se a subcontratar um ao outro, na hipótese de serviço relacionado à
consultoria conjunta, fixando desde logo a remuneração; c) constituem uma sociedade
para a prestação do serviço.

Nota-se que as alternativas correspondem a diferentes graus de comprometimento


jurídico (e mesmo psicológico), e não se deve afastar a hipótese de paulatina evolução de
uma às outras, na medida em que crescerem as oportunidades de realização de trabalho,
os ganhos e a confiança recíproca. Na situação a, como a definição dos honorários é
específica para cada serviço e não existe instrumento escrito, pode-se dizer que é mínimo
o grau de comprometimento entre os engenheiros. Se, realizados os primeiros trabalhos
em parceria, um deles não se satisfizer inteiramente, o desfazimento do vínculo será
simples e independerá de maiores negociações ou formalidades. Já na hipótese b, a
insatisfação quanto ao preço dos serviços subcontratados exigirá revisão do acordo, e, se
o descontentamento alcançar o próprio negócio, isto é, a forma pela qual se desenvolve o
trabalho conjunto, será o caso de rescisão do vínculo contratual. Como as partes se
encontram formalmente obrigadas, a revisão e a rescisão devem ser objeto de
renegociação formal. Frustrada esta, somente mediante indenização dos danos poderá o
parceiro insatisfeito desligar-se do vínculo. Mas a questão torna-se muito mais complexa
no caso c, porque a sociedade é a forma jurídica que corresponde ao mais elevado grau
de comprometimento entre dois agentes econômicos. Como pessoa jurídica, ela possui
patrimônio próprio, créditos a realizar, negócios com terceiros, responsabilidades perante
empregados e fisco, aspectos que não podem ser desconsiderados ao término da parceria.
Por outro lado, a participação societária (isto é, os direitos dos sócios na sociedade),
conforme será examinado no momento oportuno, é de difícil avaliação econômica.
Destaco que as distinções até aqui assinaladas entre as três alternativas de articulação
entre os engenheiros dizem respeito ao encerramento do esforço comum. Há diferenças,
também, e importantes, no que se poderia chamar de gestão do negócio. Quando se opta
pela constituição de sociedade, devem os agentes definir quem é responsável por
administrá-la, ou, senão, como resolver-se-ão entre os sócios os impasses relativos à
administração dos interesses comuns. Assuntos como contratação e dispensa de
empregados, fixação de salários, gastos com aluguel, mobiliário e equipamentos, preço
dos produtos ou serviços fornecidos, controle de caixa, contatos com clientes e muitos
outros devem ficar necessariamente sob a responsabilidade de alguém. Outras fórmulas
de investimento comum implicam menor complexidade na gestão do negócio, porque os
agentes preservam a autonomia administrativa. Lembre-se, por fim, que certas opções se
desdobram: decidido formar a sociedade, cabe avaliar se é mais adequada a limitada ou a
anônima; optando por esta última, devem-se definir a quantidade e a espécie de ações de
cada sócio, as regras sobre a distribuição dos resultados etc.

O mesmo quadro, em princípio, observa-se também em grandes empreendimentos,


quando as alternativas dos agentes são acordos operacionais, consórcio, agrupamento
complementar, incorporação e outras. Em suma, a realização de investimentos comuns
para a exploração de atividade econômica pode revestir variadas formas jurídicas, e uma
delas é a sociedade empresária. Delimitar as exatas consequências da escolha por certa
forma, no tocante aos custos do investimento, gestão do negócio e à composição dos
interesses dos empreendedores e investidores envolvidos, é tarefa do direito comercial,
enquanto tecnologia. E, para tanto, o profissional da área necessita compreender e
operacionalizar conceitos de um capítulo específico desse conhecimento, o direito
societário.

A realização de investimentos comuns para a exploração de atividade econômica pode


revestir várias formas jurídicas, entre as quais a “sociedade empresária”.

Sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa. Atente-se que o
adjetivo “empresária” conota ser a própria sociedade (e não os seus sócios) a titular da
atividade econômica. Não se trata, com efeito, de sociedade empresarial, correspondente
à sociedade de empresários, mas da identificação da pessoa jurídica como o agente
econômico organizador da empresa. Essa sutileza terminológica, na verdade, justifica-se
para o direito societário, em razão do princípio da autonomia da pessoa jurídica, o seu
mais importante fundamento. Empresário, para todos os efeitos de direito, é a sociedade,
e não os seus sócios. É incorreto considerar os integrantes da sociedade empresária como
os titulares da empresa, porque essa qualidade é da pessoa jurídica, e não dos seus
membros.

Além dos limites da linguagem técnica, chamam-se “empresários” os sócios da sociedade


empresária. Assim eles se identificam nos círculos sociais, e até mesmo em instrumentos
jurídicos, como escrituras e contratos. O uso atécnico da expressão, contudo, embora
largo, não pode confundir o entendimento da matéria em seus exatos contornos jurídicos.
Defina-se, pois, desde logo, que, no direito societário, a sociedade é a empresária, e não
os seus sócios. Estes serão chamados, aqui, de empreendedores ou investidores; no
primeiro caso, para a identificação dos sócios que, além de investirem capital, são
responsáveis pela concepção e condução do negócio e, no último, dos que contribuem
apenas com capital para o desenvolvimento da empresa.

Quando o ordenamento jurídico brasileiro era filiado ao sistema francês de disciplina


privada da economia, fundado na teoria dos atos de comércio (Cap. 1), adotava o conceito
de sociedade comercial para a identificação da pessoa jurídica exercente das mais
importantes atividades econômicas. Distinguia-a, então, da sociedade civil pela natureza
de seu objeto. Sendo este a exploração de negócio definido como ato de comércio,
submetia-se a sociedade ao regime próprio do direito comercial (isto é, estava sujeita a
falência, podia pleitear concordata, tinha obrigações específicas de escrituração de livros
etc.). Se o objeto social, no entanto, não fosse ato de comércio, era civil a sociedade. Tal
critério apenas se excepcionava em relação às sociedades por ações, submetidas ao regime
comercial em razão apenas da forma, independentemente do objeto (LSA, art. 2º, § 1º).
Na transição para o sistema italiano, com a incorporação da teoria da empresa, o direito
societário brasileiro pôde afastar essa classificação. Sociedade empresária não é, assim,
apenas um nome diferente para o que todos conheciam por sociedade comercial. Trata-se
de conceito mais amplo, que abarca uma das maneiras de se organizar, a partir de
investimentos comuns de mais de um agente, a atividade econômica de produção ou
circulação de bens ou serviços. O Código Civil de 2002, ao entrar em vigor, completou a
fase de transição do direito privado brasileiro em direção à teoria da empresa. A partir de
sua vigência, superou-se a teoria dos atos de comércio como critério de delimitação do
âmbito de incidência da disciplina jurídico-comercial. De notar que, a exemplo do
verificado há mais de 60 anos, na Itália, onde a teoria da empresa foi criada em 1942,
ainda permanecerá no Brasil a bipartição do direito privado (em direito civil e comercial).
Diversos dispositivos do CC (por exemplo, o art. 998, que determina seja o ato
constitutivo da sociedade simples inscrito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas,
enquanto o das sociedades empresárias são arquivados na Junta Comercial) apontam para
a sobrevivência de dois regimes jurídicos à unificação legislativa do direito privado. Na
verdade, a teoria da empresa apenas altera os contornos delimitadores do âmbito
correspondente ao direito civil e ao comercial.

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