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alimentos, Ehrlich sairia vencedor, pois o índice de preços tempo, e temos que discutir como nos adaptar a essa nova
monitorado pelo Banco Mundial revelou aumento de 143% realidade”, diz. O Brasil é um bom exemplo para explicar
na década passada. Os otimistas apostam que se trata de mo- esse efeito inercial do crescimento demográfico. Segundo o
vimento temporário. Eles ganharam munição quando em ja- IBGE, esse país já chegou, ao final da década passada, a u-
neiro deste ano o Instituto de Engenheiros Mecânicos, com ma taxa de fecundidade de 1,9, abaixo do nível de 2,1 filhos
sede em Londres, divulgou o relatório One planet, too many por mulher, considerado de mera reposição populacional.
people?. O autor, Tim Fox, afirma que, com devido investi- As projeções, porém, indicam que a população só deverá
mento e usando tecnologias já disponíveis ou em fase final começar a diminuir a partir de 2040. Mesmo tendo, em mé-
de desenvolvimento, é possível dar conta do aumento popu- dia, menos filhos, há uma proporção grande de mulheres em
lacional sobretudo se houver redução do desperdício e me- idade fértil. Além disso, com o aumento da expectativa de
lhora logística de transporte da produção agrícola. Há no en- vida, os brasileiros vivem mais tempo. O desafio para mui-
tanto uma variável nova e complexa em debate nos círculos tos demógrafos que rejeitam o rótulo de “neomalthusianos”
acadêmicos demográficos: aquecimento global. José Eustá- é como tratar, hoje, da questão populacional sem recorrer a
quio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do preconceitos ou simplificações. Malthus era contra políticas
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), argu- públicas de ajuda à população pobre por considerar que is-
menta que século 20 foi período único, marcado pelo recor- so incentivaria o crescimento dela. Ao menos, nos círculos
de histórico de crescimento tanto populacional quanto eco- acadêmicos de maior prestígio, é raro encontrar quem ainda
nômico. Mas o fato de ter acontecido no passado, segundo defenda ideias como essa. Mas isso não significa que o ta-
ele, não é garantia de que se repetirá no futuro. “O grande manho da população seja variável desprezível. Em 2009, o
combustível do desenvolvimento, nos últimos cem anos, foi relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas
o petróleo, uma fonte de energia fantástica, mas que poluiu defendeu ampliação do acesso à educação e a métodos con-
ar e atmosfera. O resultado é o aquecimento global, e o custo traceptivos como estratégia a longo prazo para lidar com o
do sucesso do século 20 está sendo cobrado agora”, diz Al- aquecimento global. Autor do documento Robert Engelman
ves. De novo, a inovação tecnológica terá papel fundamen- argumentou que a relação entre o tamanho da população e o
tal para garantir que o padrão de vida continue melhorando, meio ambiente, em vez de ressuscitar teses ultrapassadas so-
mesmo com crescimento populacional. Um relatório do bre controle compulsório da natalidade, poderia ser oportu-
Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas divulgado nidade para avançar na garantia dos direitos reprodutivos
em fevereiro deste ano apresenta uma estimativa do custo a- das mulheres. Em favelas cariocas, subúrbios europeus, tri-
nual dos investimentos para fazer transição da economia bos africanas ou megalópoles asiáticas, há farta evidência
marrom – baseada em fontes energéticas não renováveis – empírica da correlação entre maior escolaridade e menor
para a verde: US$1,3 trilhão por ano, ou 2% do PIB mundi- número de filhos. Com mais educação e acesso a métodos
al. “É, sem dúvida, muito dinheiro, mas menos do que é des- voluntários e seguros de controle da natalidade, cai o núme-
tinado hoje a gastos militares” afirma Alves. O mundo gas- ro de gravidezes não planejadas. Quando se reduz a mortali-
ta em torno de US$1,6 trilhão para se preparar à guerra. No dade infantil e acesso à escolaridade aumenta, mulheres ten-
caso do aquecimento global, no entanto, o tamanho da po- dem a ter menos filhos, especialmente quando lhes são da-
pulação não pode ser levado em conta apenas em números dos meios a que planejem melhor o momento em que quei-
absolutos. O impacto de cada habitante no problema ou sua ram ficar grávidas. Essa é, como afirma David Lam, a troca
pegada ambiental varia de acordo com seu nível socioeco- entre quantidade e qualidade: havendo menos filhos, é pos-
nômico e sua nacionalidade. EUA – cuja taxa de fecundida- sível investir-se mais em cada criança. Ao estimar que sere-
de já está em nível de reposição populacional (no qual a po- mos, no fim deste século, 10 bilhões de habitantes, a ONU
pulação ficaria estável, sem contar efeitos de imigração) – trabalha com uma variante média, considerada mais realista.
representa 5% da população mundial, mas consome 25% da No entanto, a entidade faz também um cálculo levando em
energia do planeta. A questão é que o modelo de desenvolvi- conta a redução mais rápida da fecundidade, e outro, proje-
mento econômico que permitiu que a população crescesse e tando queda mais lenta. Na variante baixa – de queda mais
melhorasse suas condições de vida no século passado conti- rápida –, chegaríamos a 2100 com 6,2 bilhões de habitantes,
nua a gerar dividendos. Especialmente na Ásia, mas tam- menos do que somos hoje. Na variante alta, o número atinge
bém América Latina, milhões de pessoas saem da pobreza 15,8 bilhões. Haver 9,6 bilhões de pessoas – a mais ou a me-
e formam nova classe média com aspirações de consumo i- nos, no mundo –, definitivamente não é um detalhe.
guais às de americanos ou europeus, o que tende a aumentar
mais o aquecimento global caso esse modelo de desenvolvi- (Folha de S. Paulo, “Ilustríssima”, 14.08.2011)
mento econômico permaneça assim. George Martine, ex-
-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacio-
nais, concorda que debates sobre planejamento familiar e ta-
manho ideal da população não podem ser ignorados nas dis-
cussões sobre aquecimento global. O perigo, para ele, é
transformar isso numa panaceia ou pôr a culpa na população
e desviar o foco do modelo de desenvolvimento baseado nos
atuais padrões de consumo. Para Martine, com ou sem cres-
cimento populacional, o mundo já está no limiar duma gran-
de ameaça climática e a margem de manobra para mudar es-
se quadro rapidamente via redução da fecundidade é míni-
ma. “Planejamento familiar não tem efeito retroativo. Cerca
de 80% do crescimento populacional projetado são inerci-
ais. Conquanto a taxa de fecundidade caia abruptamente em
todos os países, a população continuará crescendo por um