Professional Documents
Culture Documents
NATAL/RN
2015
WILLIAM BRENNO DOS SANTOS OLIVEIRA
NATAL/RN
2015
UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.
Catalogação da Publicação na Fonte.
RN/UF/BCZM
CDU 159.954.4
WILLIAM BRENNO DOS SANTOS OLIVEIRA
BANCA EXAMINADORA
1
Disponível em: <https://instagram.com/p/wnEeGssAcv/?taken-by=odyjackson> Acesso: 05 de mai. de
2015.
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, pelos livros que me deu e pelo exemplo de pessoa e profissional
da educação que é.
Aos meus irmãos, pela escuta cuidadosa de minhas reclamações, mesmo sem
entender o porquê.
A Frida Kahlo, por emprestar-se ao meu olhar exotópico de pesquisador.
A Penha, por orientar minhas relações dialógicas com Frida, com o mundo
científico e com o mundo da vida.
A Tânia Lima, por abrigo, comida, amizade, conselhos e por sempre me mandar
escrever.
A Maria das Graças Rodrigues (Graça), pelas inúmeras oportunidades.
A Henrique, por me ensinar cantilenas que nunca ouvira antes, por sempre
provocar o riso em mim.
A Palhano, por me ensinar que, para escrever uma dissertação, é preciso ter
disciplina e pela disponibilidade sincera de quem nunca duvidou de mim.
A Gilvando, por pegar em minhas mãos e me ajudar a treinar o olhar
perscrutador de um analista do discurso.
A Danielle de Paula, por olhar, escutar e falar com carinho e respeito de meu
trabalho, pelas ligações amigas e pelos abraços sinceros.
A Sandra, por ser professora, amiga, mãe, colega, parceira e uma mulher cheia
de passionalidade.
A Aline, Joaquim, Regina, Felipe e William (negão), por serem os melhores
parceiros de graduação que a vida poderia ter me dado.
A Diana, pelo belo resumo em espanhol e por partilhar de minha admiração por
Frida.
A Ágatha e Josse, por proferirem as palavras sinceras e produzirem os
acalantos singelos em momentos precisos.
A Ody, pelos traços valorativos que açambarcam a imagem que abre meu texto.
A Leandro, pelas discussões que atravessam as metáforas do meu dizer e do
meu devir.
Aos meus alunos do IFRN da Zona Norte, por constituírem tudo aquilo que sou
hoje.
As minhas professoras de Língua Portuguesa da Escola Estadual Profa. Isabel
Ferreira, Dona Lourdes e Maria do Ó, por enxergarem algo em mim que a sociedade
equadorense nunca viu.
E Frida, que era poeta, diz assim, cito em espanhol, que é mais belo: “Desde que me
escribiste, en aquel día tán claro y lejano, he querido explicarte que no puedo irme de los
días, ni regresar a tiempo ai otro tiempo. No te he olvidado — las noches son largas y
dificiles”. E diz mais, escute, é importante: “Lo que más importa es la no-ilusión. La
maílana nace”.
Passo noites longas, difíceis, o sono raro, entre fragmentos febris de suores e pesadelos,
assombrado por Frida Kahlo. Choro muito. Não consigo terminar o livro, não consigo parar,
não consigo ir em frente. Seguro sua mão imaginária no escuro do quarto e sei que seja qual
for a dimensão da minha própria dor, não será jamais maior que a dela. Por isso mesmo, eu
a suportarei. Como ela, em sua homenagem, Frida.
Entre los años 30 y 40 del siglo pasado, México vio surgir de las cenizas de la
revolución mexicana, una figura singular. Frida Kahlo es descrita hasta la fecha de hoy,
por el imaginario social – en sus pinturas, en sus fotografías – como una mujer que ha
marcado una época y se ha convertido en un símbolo de luchas, y esto se extiende hasta
la contemporaneidad. Se ha creado en torno a la pintora mexicana, varias imágenes
sociales que se describen en el juego dialógico entre sus obras y sus interlocutores.
Teniendo por referencia estas afirmaciones, la investigación aquí presentada ha tomado
como procedimiento realizar un análisis de seis cartas escritas por Frida a sus
interlocutores amados/amantes – tres hombres con los que estuvo involucrada,
emocionalmente, durante diferentes períodos de su vida – y, como objetivo, hacer un
mapeo de los ethé construidos por ella en enunciados en los cuales ella "pinta"
verbalmente una imagen de sí misma que se revela en las opciones léxicas elegidas para
hablar de amor, de traición, de amistad, de dolor y de su estar en el mundo. Por lo tanto,
hemos refinado una imagen estética e ideológica de Frida Kahlo que se cubre de
pasionalidades distintas y de diversos grados dialógicos. Hay, en el recorte temporal y
axiológico que hicimos para esta investigación, una mujer de naturaleza amante y que
transformó ese amor en el tono de sus enfrentamientos con los interlocutores con
quienes estuvo involucrada emocionalmente. Nuestro análisis está anclado en los
postulados teóricos del Análisis Dialógico del Discurso (ADD), cuyo teórico base es el
filósofo ruso Mikhail Bakhtin (2003, 2009, 2013) – sobre todo cuando se trata de estilo
– y en la teoría de la enunciación de Maingueneau (2008, 2005) y Charaudeau (2006) –
en lo que se refiere al ethos discursivo. Esta investigación se inserta en el área de
Lingüística Aplicada y tiene un enfoque cualitativo-interpretativo.
ANEXOS.............................................................................................................................137
Figura 2 – Foto do acervo pessoal de Frida Kahlo
2
Disponível em: <http://www.conexaofotografica.com.br/frida-kahlo/> Acesso: 22 de nov. de 2014.
13
3
Disponível em: <http://arosameditativa.blogspot.com.br/2014/07/magdalena-carmen-frieda-kahlo-y-
calderon.html>. Acesso em: 22 jul. 2014.
14
Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor.
Frida Kahlo
Frida Kahlo é uma mulher vista em seus autorretratos como exótica e bela,
porém torturada e martirizada por todo o sofrimento de uma vida e por um acidente que,
entre outras dores, impossibilitou-lhe de realizar um de seus maiores sonhos: ser mãe.
Além de tudo isso, Frida já havia sofrido com uma poliomielite aos seis anos de idade
que lhe rendeu o apelido de Frida perna-de-pau na infância/adolescência (ver apêndice –
Cronologia sucinta da vida e da obra de Frida Kahlo). Interessa, no entanto, nesta
pesquisa, a Frida escritora de inúmeras cartas, ao longo de toda sua vida, para diversos
interlocutores, dentre eles, o seu grande amor, Diego Rivera, seus amigos, suas amigas,
seu médico.
Tais cartas são reveladoras de vários ethé que não podem ser visualizados
apenas observando seus quadros. Nessas cartas, Frida mostra seus sentimentos mais
profundos e toda sua revolta com sua condição física e a concepção de fidelidade que
seu amado marido seguia, pois, segundo ele, “ser fiel era apenas mais um dos valores
burgueses” (HERRERA, 2011, p.55). Ao escrever, Frida usava de toda sua franqueza,
empregava um vocabulário singular e marcado de afetividade para externar suas ideias.
Construímos, portanto, uma pesquisa inserida nas altercações bakhtinianas a
respeito da noção de enunciado. Em outras palavras, interessa-nos como ele vai se
construir e se organizar; e como ele irá constituir e ser constituído pelo mundo da vida e
seus roteiros sociais.
Assim, especificamente, interessa-nos, no modo de organização do
enunciado, aquilo que Bakhtin (2010a) irá chamar de estilo individual. Na relação de
constituição do enunciado com o mundo da vida, será primordial para a nossa pesquisa
a noção de ethos discursivo – encabeçada pela análise do discurso. Dessa maneira,
procuramos em nosso trabalho, com a finalidade de atingir os nossos objetivos,
entrecruzar e fundir essas duas categorias (ethos discursivo e estilo individual). Em
15
outras palavras, podemos dizer que há, na construção da análise que fizemos, o estilo
individual dando suporte estruturante para a construção do ethos discursivo.
Em decorrência disso, olhamos para os dizeres de Frida Kahlo na intenção
de buscar e definir, quem sabe, imagens sociais, amparados por pistas estilísticas, que
foram, ao longo do tempo, construindo e desconstruindo ideologicamente Frida que,
obviamente, estava inserida em múltiplos contextos sociais.
Assim sendo, nossa pesquisa se desenvolveu em seis capítulos: o primeiro
traz uma discussão inicial sobre nosso trabalho, buscando construir uma visão geral do
texto (justificativa, questões de pesquisa e objetivos, metodologia, apresentação e
seleção do corpus e procedimentos); o segundo traça uma contextualização histórica e,
ao mesmo tempo, teórica, do espaço-tempo no qual Frida estava inserida4; o terceiro
traz um panorama do percurso do gênero discursivo carta pessoal; o quarto capítulo
mostra as vozes teóricas com as quais dialogamos para compor e sustentar a “paleta”
desta pesquisa; o quinto capítulo expõe tanto um quadro com as categorias de análise
quanto a análise de uma amostragem dos discursos de Frida nas cartas aos seus amantes
e o que, de alguma forma, pôs em evidência o objeto de estudo; por fim, o sexto
capítulo retoma os resultados do trabalho e busca responder, incisivamente, às questões
que nortearam esta pesquisa.
4
Optamos por fazer o entrecruzamento do contexto histórico e as discussões teóricas que envolvem
cultura, ideologia e liquidez, no capítulo dois, porque acreditamos que não seria possível dissociar as
categorias do mundo da práxis, ou, como diria Bakhtin, do mundo da vida. Foi, principalmente, por
estarmos desenvolvendo uma pesquisa nas Ciências Humanas, e mais especificamente na área da
Linguística Aplicada, que consideramos necessária a presença de tais discussões teóricas que nos
ajudaram a compreender as influências que, na prática, Frida carregava. Essas influências, de certo,
vinham desse entorno axiológico que constituiu a autora e do qual ela era constituinte.
16
cinquenta cartas escritas em diferentes épocas de sua vida e com interlocutores os mais
variados possíveis, remetentes que rodeavam a vida social da mulher que mantinha o
hábito de escrever cartas. Nosso objeto de análise, no entanto, é composto por seis
cartas que selecionamos de acordo com interesses específicos, os quais explanaremos
mais adiante.
Contudo, gostaríamos de explanar algumas justificativas sem as quais nosso
trabalho perderia o tom científico e, por que não dizer, artístico. A primeira delas advém
da seguinte assertiva de Geraldi no livro “Palavras e contrapalavras: enfrentando
questões da metodologia bakhtiniana”, organizado pelo Grupo de Estudos dos Gêneros
do Discurso (GEGe) da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos-SP:
que serão apresentados a seguir. Portanto, como vemos, não existe investigação, em
níveis mais “complexos”, que contemple o nosso objeto de pesquisa, muito menos com
o foco teórico e metodológico no qual pretendemos nos apoiar, qual seja: um enfoque
orientado pela concepção dialógica de linguagem e, consequentemente, de sujeito
(BAKHTIN, 2003, 2009). Para Bakhtin, o sujeito, histórico e inacabado, é construído e
constituído nos processos de interação verbal. Interação que pressupõe um outro, sendo
esse outro o mundo em que esse sujeito está mergulhado, e não apenas o seu
interlocutor direto.
Dessa maneira, por sopesarmos e adotarmos o que diz Bakhtin (2003, p.
262) a respeito dos gêneros discursivos – que estes são produzidos, reelaborados e
estilizados nas práticas sociais e que cada esfera social elabora seus “tipos relativamente
estáveis” –, entendemos que o gênero discursivo “carta pessoal” não se constitui de
forma diferente. No caso de Frida, ela é esse sujeito histórico e inacabado que, em
constante diálogo com seus outros, por meio das cartas, cria para si mesma
determinadas imagens que serão interpretadas, lidas e acabadas por tantos outros os
quais, dependendo do lugar em que estão, poderão observá-las de formas diferentes.
Portanto, propomo-nos a perscrutar as cartas de Frida Kahlo, a partir do olhar
exotópico5 (BAKHTIN, 2003), para tentar dar acabamentos às imagens que a pintora
revolucionária construiu de si mesma.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, a prática de escrita de Frida –
via gênero carta pessoal – interessa-nos por consistir uma prática social de linguagem a
partir da qual ela se posicionava a respeito dos mais variados temas. Então, devido ao
fato de a LA, segundo Moita Lopes (2006), ser, principalmente, “um modo de criar
inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central” e,
ainda, segundo Celani (2000, p.19), a LA como área do conhecimento ser “vista hoje
como articuladora de múltiplos domínios do saber, em diálogo constante com vários
campos que têm preocupação com a linguagem”, entendemos que nossa proposta
necessita do par de óculos “indisciplinar” (MOITA LOPES, 2009) da LA para
prosseguir nesse caminho até agora inexplorado.
Em quarto lugar, por fim, conforme já indicado anteriormente, a pesquisa
toma importância pelo fato de não haver, na área da Linguística Aplicada, trabalho em
5
Compreendemos, aqui, esse olhar como um olhar de distanciamento. Um olhar que me permite ver,
como pesquisador, o meu objeto. Permite-me, também, certo distanciamento que poderia comprometer
uma visão menos apaixonada e mais “neutra”. Bebemos, com essa nomenclatura, nos dizeres
bakhtinianos a respeito de exotopia e olhar alheio. Bakhtin (2003, 2009, 2013).
18
Dessa vez, tendo como interlocutor seu marido, e maior amante, o muralista
mundialmente conhecido, Diego Rivera. Os últimos enunciados/cartas foram escritos,
um em 16 de fevereiro de 1939 e outro em 27 de fevereiro de 1939. Nestes, o outro
com quem Frida dialogava era Nickolas Muray, fotógrafo húngaro que ela conhecera no
México em 1938.
Dessa forma, deixamos claro que nossa escolha foi orientada: primeiro, pela
recorrência dos interlocutores do sexo masculino (a quem chamamos de amantes, não
no sentido pejorativo que a palavra ganhou na história da humanidade, mas na intenção
de criar uma bipolaridade entre a figura que ama e as figuras que são amadas), visto que
buscamos, diante das recorrências linguístico-discursivas, das pistas estilísticas, no
modo de construção dos enunciados/carta, uma imagem passional da pintora mexicana;
segundo, pelo recorte temporal que demarca fases da vida de Frida em que esta se
mostra em contextos socioculturais distintos. Poderemos, então, a partir dessa
categorização, traçar um panorama da formatação desse ethos passional ou, até mesmo,
das variadas formas em que essa imagem se apresenta – explicaremos melhor mais
adiante. Mantivemos, portanto, as cartas/enunciados na ordem de sequenciação que
dissertamos nos parágrafos anteriores e optamos por numerá-los de 1 a 6.
Uma última ponderação necessária concentra-se na quarta carta (Enunciado
4) que constitui o recorte empírico deste trabalho, ou seja, a segunda carta endereçada a
Diego Rivera. Para compor a cena enunciativa na qual ela se insere, decidimos trazer a
carta que Rivera escrevera para Frida e que, muito provavelmente, gerou uma resposta –
a carta que Frida escreveu para Diego e que se une às recorrências que separamos para
análise na seção que segue.
Subdividimos, também, os enunciados por cores (rosa-chá, magenta e
vermelho rubro) que acreditamos fazer parte da estética fridiana de compor – falamos
aqui da Frida pintora que tingia suas telas com cores bem particulares de sua cultura e
do mundo da vida – e que correspondem ao momento cronológico da produção de cada
par de cartas e das próprias escolhas que revelarão ora uma falta de maturidade, ora
maturidade transbordante; ora a presença de um amor mais quente (erótico e visceral),
ora um amor mais pueril (fraterno e inocente).
1.5 Procedimentos
22
Figura 4 – Pintura a óleo: Mi nana y yo (1937), óleo sobre lágrima, 30x35 cm.
6
Disponível em: <http://yazim.livejournal.com/147322.html> Acesso em: 20 out. 2014.
24
mergulhando em alguns contextos com a intenção de extrair algo novo do ponto de vista
teórico-metodológico.
Nessas camadas conceituais perscrutadas por Eagleton (2005), são
destacadas as investigações do Raymond Williams, quando este distingue três sentidos
modernos e principais para a palavra “cultura”. Em primeiro lugar, a noção equipara-se
semanticamente à “civilização”, isso por causa de suas raízes etimológicas no trabalho
rural. Um incentivo ao cultivo individual. Mas tal conceito vai se desconstruindo por
volta da virada do século XIX, que é quando os aspectos normativos e descritivos da
palavra “civilização” começam a se separar. Uma nova virada é contornada por
Eagleton (2005, p. 23):
Assim sendo, por acreditarmos que não se pode falar de Frida Kahlo sem
antes considerar o diálogo intrínseco entre o eixo da cultura popular mexicana, sua
produção artística, suas vestimentas e a batalha política que ela encabeçava ao lado de
Diego Rivera, é que dissertamos, neste capítulo, a respeito de cultura, mais
especificamente cultura mexicana. Sinteticamente, diríamos que nosso pensamento
sobre as questões culturais que cercavam a pintora mexicana podem estar, aqui,
ancoradas em princípios teóricos e metodológicos que orientam nossa compreensão da
natureza fluida e contingente das relações sociais humanas. Tais relações,
materializadas semioticamente e circulantes no mundo da vida, (des)velam as nuances
de uma interculturalidade que não é ingênua, muito pelo contrário, ela é implicada nos
confrontos, nas trocas, no entrelaçamento de posicionamento.
Consideramos, ainda, a pintora como um ser constitutivamente dialógico.
Frida é construída nas relações humanas em que a linguagem tem um papel central, e
com as quais e por meio das quais se estabelecem, também, algumas relações de poder.
Tudo isso nesse espaço-tempo, em que ela, enquanto criadora e eticamente responsiva,
constrói imagens de si mesma. É seguindo as pistas estilísticas, demarcadas na
materialidade linguística, que tentaremos dar formas e cores às imagens socioestilísticas
do universo fridiano.
Assim, convivendo com revolucionários, artistas e líderes comunistas,
alguns companheiros e também amantes, como Trotsky, Frida ia construindo a imagem
de mulher engajada e voltada para os valores de sua terra e para ideais de uma
revolução. Uma mulher que se construía através de uma teatralidade que lhe era, por
demais, útil – indumentárias indígenas e muito coloridas, brincos, anéis e colares
chamativos, além de um discurso contornado por palavrões, ironias, gargalhadas
31
escolhas lexicais, vão remontando uma cultura híbrida e cheia de alcances realocados.
Ela bebe em todas as suas experiências ao longo de sua vida. Há uma Frida que
representa um povo indígena, mexicano, latino etc., e também uma mulher singular que
fazia de suas dores temáticas para as situações em que a linguagem desempenha um
papel central.
A seguir, tomamos, para a construção desse tecido estrutural, uma noção de
ideologia que nos ajudará a compreender as interferências sociais na formação desse
sujeito histórico e inacabado sobre o qual nos debruçamos.
Assim, nos é caro o conceito de ideologia que Eagleton traz como solução
primeira. Inicialmente, porque ele está diretamente ligado às práticas sociais e suas
esferas de produção do conhecimento. Em segundo lugar, no que tange ao nosso
interesse, é coerente dizer que as práticas sociais que envolvem linguagem e valor,
sobretudo, as materializadas nos enunciados produzidos por Frida, receberão o nosso
olhar atravessado por lentes teóricas eagletoneanas também.
Por fim, essa “elucidação”, em certo ângulo, do conceito de ideologia ao
campo da cultura servirá para melhor compreender como as influências culturais que
cercam o mundo da vida de Frida estão povoadas por arenas ideológicas e por roteiros
sociais que ela afirma ou renega o tempo todo. Esse mundo cultural mexicano e
indígena, que ela faz questão de estandardizar e servir de baluarte, é construído a partir
de questões que envolvem preceitos ideológicos e processos simbólicos de uma
sociedade em particular, ou, como diria Eagleton (1997), essa noção “ofereceria um
antídoto valioso ao idealismo”.
7
Esse termo vai ser citado pela primeira vez pela Profa. Dra. Beth Brait, no livro “Bakhtin: dialogismo e
polifonia”. Em um ensaio no qual apresenta um breve panorama dos estudos bakhtinianos pelo mundo,
desde sua origem, com o próprio Bakhtin, já no fim do capítulo, Brait (2009, p.55) assume esse termo
com algo mais moderno associado às noções que se espalham por toda obra do filósofo russo, vejamos:
“Isso fica patente em vários momentos desse primeiro capítulo, mas especialmente no trecho em que
Bakhtin se refere às relações dialógicas, fenômeno que, em outro capítulo, será tratado como o objeto
da Translinguística, ou do que hoje se poderia chamar de Análise Dialógica do Discurso”(p.55)
39
Isso significa dizer que esses signos não só denominam um ser no mundo,
mas também fazem referência a uma outra realidade fora da imediata. A foice e o
martelo adquirem sentido quando entram no campo em que está sendo travado o embate
entre o eu e o outro. É a relação dialógica que vai pintando papéis sociais e roteiros
nesses instrumentos e os transforma em signos pertencentes às mais variadas esferas de
produção.
Assim, por ser ideológico, para Bakhtin e o Círculo,
Diante das questões que se entrecruzam para dar cor e forma ao caminho
que ora resolvemos percorrer, na intenção de melhor compreender o sujeito8 Frida,
situado sócio-historicamente, compreendemos que é necessário identificar as práticas
discursivas da pintora como marcas de uma constituição e construção modernas e, como
diria Bauman, “leve e líquida”. Essa característica, indicada nos posicionamentos
revelados nas práticas epistolares da artista, alinha-se à desconstrução dos processos
“modernos e pós-modernos” (BAUMAN, 2001, p.11).
Para melhor esclarecer nossas afirmações, recorremos à voz baumaniana ao
apontar para o momento em que há uma ruptura com uma tradição colonial e tal
processo surge com uma guinada da modernidade. Vejamos na afirmação a seguir:
8
Tratamos aqui da noção de sujeito segundo a concepção bakhtiniana, a qual compreende os seres de
linguagem em suas práticas sociais situadas em um espaço e um tempo bem definidos (BAKHTIN, 2003).
42
mundo da vida, tanto como enunciadores quanto como coenunciadores. Essas práticas,
refletindo e refratando as demandas de cada contexto social, histórico, cultural, etc.
Portanto, não há dúvida de que as práticas discursivas, sejam da
contemporaneidade ou não, sempre irão exigir a interação face a face. Em outras
palavras, uma aliança discursiva entre as manifestações sociais e as individuais de cada
sujeito cujo uso da linguagem se dá nas esferas sociais de circulação e produção dos
gêneros do discurso. Entendendo-se esfera como os espaços sociais nos quais essas
práticas discursivas são desenvolvidas.
Como insistia Bakhtin (2003) e outros tantos estudiosos vêm reiterando, a
produção de gêneros do discurso faz com que nós – seres de linguagem –
sedimentemos, na ação discursiva de cada gênero, essas práticas discursivas variadas.
Dessa forma, podemos salientar, também, que para cada esfera e, por conseguinte, cada
prática existirão determinados gêneros exclusivos (podemos citar como exemplo a
esfera jurídica com as audiências, as petições, os processos, etc.). Ao passo que a
evolução tecnológica e a variação linguística vão interferindo nessas esferas, as práticas
discursivas vão se atualizando e elegendo modos de articulação e organização distintos.
Trouxemos todas essas afirmações para realçar o fato de essas práticas sociais, que
envolvem a produção com a linguagem, estarem implicadas no processo de interação
verbal. Desse modo, elas elegem um suporte, um modo de circulação, preveem a
recepção e escolhem do modo de produção de cada gênero do discurso. A esse respeito
Bakhtin (2003, p. 364) assevera:
No que diz respeito a esse aspecto, interessa-nos pontuar que, em uma tradição
ocidental da arte de escrever cartas há uma variedade de práticas discursivas com
finalidades específicas. Como forma de exemplo, trazemos as cartas de Cícero e as de
Sêneca, citadas por Tin (2005, p. 20) como “modelos da literatura epistolar”, as
chamadas cartas familiares, mais conhecidas como um gênero literário-filosófico. Elas
foram escritas não somente para parentes, mas também a todos os amigos, e possuíam
intenções comunicativas diversas, que iam desde recrear para o entendimento até
queixar-se de algo ou alguém. Embora elas trouxessem, em sua materialidade
linguística, o nome para quem se dirigiam, eram escritas para a leitura de um público
amplo o que permitia a difusão e socialização de ideias. Em resumo, essa prática
discursiva epistolar tinha sempre em seu horizonte ora o deleite, ora o ensino; ora
reflexões acerca das ações humanas de modo geral, ora reflexões subjetivas e
individuais.
Falemos agora de cada autor que citamos nos parágrafos anteriores. Demétrio,
de acordo com a explanação de Tin (2005), foi o autor do tratado IIԑί έµɳvԑίαϛ, em latim
De elocutione. Em seu tratado, ele aborda o estilo simples que será associado ao vício
da aridez, também propõe a aplicação desse estilo na escrita de cartas. Segundo Tin
(2005, p.19), Demétrio tem como base de suas ideias um juízo de Artemón, “que teria
compilado as cartas de Aristoteles”. Sobre a noção de escrever cartas cunhada por
Demétrio, o autor afirma:
[...] a carta deve ser algo mais elaborado que o diálogo, pois, enquanto
o diálogo imita alguém que improvisa, a carta, de outra forma, é
escrita e enviada a alguém, como se fosse um presente. Ainda assim,
deve-se adotar na carta um estilo simples, pedestre, de maneira que
mais se aproxime de uma conversa entre amigos do que da
demonstração pública de um orador.
E prossegue:
[...] comparando a carta ao diálogo: deve ser ela rica na descrição dos
caracteres, pois pode-se dizer que cada um escreve a carta como
retrato de seu próprio ânimo, sendo ela a forma de composição
literária em que mais se pode ver o caráter do escritor desse texto.
(TIN, 2005, p. 20).
49
Em sua conclusão, Demétrio apud Tin (2005, p. 22) mostra que, quanto ao modo
de elocução, a carta deve misturar “os estilos gracioso e simples”, encabeçando uma das
partes do diálogo. É importante lembrar que, em um corredor histórico das influências
das epístolas em períodos históricos específicos, a discussão presente no tratado de
Demétrio refletiu a função da literatura epistolar, seja ela da esfera privada ou da
pública, em um período conhecido como helenístico.
No entanto, as práticas discursivas que envolvem as cartas citadas por Demétrio
não são equivalentes às cartas pessoais que conhecemos hoje, aquelas produzidas e lidas
em espaço de privacidade. Na realidade, elas eram escritas pensando em espaços em
que fossem publicizadas. As cartas que conhecemos hoje, de uma esfera mais intimista,
surgem no século XVII e compõem o cotidiano comunicativo das pessoas na esfera
privada. Nesse sentido, elas assumem outras intenções de comunicação, como por
exemplo: dar notícias a quem estava longe e ausente há bastante tempo, manter um
diálogo para fomentar um relacionamento à distância, etc. Esse tipo de prática
discursiva epistolar, muito mais comum na esfera familiar, se aproxima do arremate que
é dado ao gênero, segundo Tin (2005), por Marco Túlio Cícero (106-43 a. C.).
Ao contrário de Demétrio, Cícero não escreveu nenhum tratado epistolar. O que
existem são diversos conceitos a respeito daquilo que ele vai chamar, em suas cartas, de
“A arte epistolográfica”. Tais conceitos nos levam a pressupor que ele possuía muitos
conhecimentos a respeito da teoria grega epistolar. Essa sucessão de cartas é chamada
de Epistular ad actticum. E nelas, Cícero vê a carta como uma conversação por meio da
escrita.
Nada teria para escrever. Nenhuma nova ouvi, e a todas as tuas cartas
respondi ontem. Mas, como a aflição não só me priva do sono, mas
também não me permite manter-me acordado sem uma imensa dor,
por isso comecei a escrever-te sem assunto definido, pois assim
contigo quase falo, e é a única coisa que me acalma. (CÍCERO apud
TIN, 2005, p. 25)
Nesse sentido, ele não se afastaria de Demétrio. Mas sua série de cartas traz
conceitos diferentes, aos quais Demétrio não faz referência alguma. Como, por
exemplo, o fato de a carta, para Cícero, manifestar o caráter de quem escreve. Assim
como uma subdivisão que ele faz adotando estilos diferentes entre as cartas da litterae
publicae e as da litterae privatae. Para o filósofo grego, as cartas, ainda, deveriam
adaptar-se às circunstâncias comunicacionais assim como ao comportamento de seus
coenunciadores. Nesse sentido, as cartas, ainda, poderiam se utilizar das conversas
50
Vale salientar que, para esse tratado, tais partes não são exigidas com rigor nas
cartas. Pode haver, sem maiores problemas, cartas compostas sem algumas dessas
características.
Em seguida, depois de mais um salto temporal feito por nós, Tin (2005) explicita
as ideias presentes nos tratados de Desidério Erasmo (c. 1469 – 1536), mais conhecido
como Erasmo de Rotterdan. Ao todo, de acordo com Tin, Erasmo escreveu três tratados
sobre a escrita de cartas. Sendo estes: Breuissima maximeque compendiaria
conficiendarum epistolarum formula (1520); Libellus de conscribendis epistolis (1521);
e Opus de conscribendis epistolis (1522). Apesar das proximidades de cada publicação,
entende-se que os tratados foram produzidos bem antes.
51
De maneira geral, Tin (2005) afirma que, para Erasmo, o estilo da carta não pode
ser comparado ao estilo de quem grita no teatro, mas ao de quem sussurra num canto
com algum amigo. “O escritor de cartas deve aspirar, dentro dos limites do sermo e sob
a contentio da oração, pela agudeza, dicção apropriada, inteligência, humor, encanto e
brevidade” (TIN, 2005, p. 53). Nesses tratados ainda podemos encontrar partes
dedicadas aos mestres e abordagem de exercícios e imitações, ou à maneira de ensinar a
arte epistolar. O que os torna bastante didáticos à época.
Por fim, Erasmo de Rotterdan dedica um longo espaço de seus tratados à ordem
nas cartas, atribuindo conselhos para cada um de seus tipos, distinguindo cartas com
assunto único e cartas com assunto múltiplo. Mesmo enquadrando o gênero epistolar em
modelos, ele ainda afirma: “a liberdade da carta é tal que ela pode tomar seu ponto de
partida não importa de onde” (ERASMO apud TIN, 2005, p. 60). Ele ainda faz uma
diferenciação entre carta e discurso, muito embora afirme que a carta é um gênero
oratório, fazendo uma alusão aos tratados de retórica.
Prosseguindo, consideramos importante destacar a aparição de um humanista
flamengo chamado Justo Lípsio (1547-1606). Tanto por seu grau de importância para a
literatura epistolográfica, quanto por ser ele revisitado na obra de Emerson Tin (2005).
Lípsio escreveu a Epistolica institutio. Um livro, dividido em treze capítulos, no
qual ele trata, do primeiro ao último capítulo, da arte de escrever cartas. Tin (2005), na
tentativa de dar conta dessa importante obra epistolar, tenta resumir de maneira bem
didática o conteúdo de cada parte do compêndio de Lípso. Seus desdobramentos
destacam desde a explicação etimológica – “dos vários nomes da carta: e da sua forma
entre os Antigos” (TIN, 2005, p. 62) – até a abordagem que se assemelha, não
totalmente, mas apenas em alguns aspectos, àquilo que as teorias da enunciação vão
chamar de cena enunciativa – “quem deve ler, quando se deve ler, o que e de quem se
deve selecionar, o que se deve imitar e o que evitar, quais modelos seguir com a
indicação dos escritores prototípicos” (TIN, 2005, p. 66).
Por conseguinte, podemos observar que à época desses filósofos e bem antes
dela, a carta era um gênero que buscava atingir algumas exigências que se configuravam
por causa das atividades do Estado. Na Grécia e Roma antigas, por exemplo, ordens,
leis, proclamações, pronunciamentos, comandos militares, documentos administrativos
e negócios políticos do Estado eram emitidos na forma de carta, os chamados
documentos legais ou oficiais. Encontram-se, talvez, nesse ponto o início de uma
sociedade que passou a se organizar através de práticas discursivas, tornando-se assim
52
E continua:
9
Disponível em: <http://www.artenadas.com/2011/12/frida-pinturas-obras-vida-cuadros.html > Acesso
em: 20 nov. 2014.
56
Dessa maneira, e vendo por esse prisma, pretendemos contornar, dar cores
discursivas a essa autora-criadora, com a finalidade de traçar o ethos desta mulher que
foi martirizada pelas traições de seu esposo, mulher do profano e levou uma vida regada
pelas revoluções, artes e figuras significativas da sociedade mexicana e mundial da
época. Em outras palavras, Frida é o outro a quem pretendemos definir rastreando as
escolhas lexicais que a autora fez e, posteriormente, seremos definidos e revelados
também pelas palavras que direcionaremos, que escreveremos e, até mesmo, que
59
construiremos. Tudo isso em função da busca incansável pela imagem valorada de uma
mulher que, até a atualidade, é referência de vida e luta política.
Por conseguinte, intentamos, aqui, problematizar a linguagem em
enunciados construídos nas cartas pessoais da pintora, nas relações de Frida com seus
outros. Sendo estes circulantes das esferas discursivas do “mundo da vida” da própria
autora, que se posiciona em defesa de ideologias diversas.
Assim acontece nas mais variadas esferas do mundo da vida e nas mais
variadas atividades humanas que envolvam interação face a face. Seja nas habilidades
de brincadeira e do trabalho ou nas nimiedades do ócio; no esporte e no espetáculo,
praticados ou apenas assistidos; na roupa e nos detalhes infinitos do cuidado pessoal; no
que se come e no que se excreta; nas reviravoltas do sexo; na coleção de fotos que o
tempo vai juntando em uma caixa de sapatos; na literatura e na filosofia, na psicanálise,
no conhecimento científico, ou na arte. Em todo e qualquer campo em que os
enunciados concretos circulem socialmente, seremos refletidos e refratados pelo
acabamento que o outro nos dá.
Assim sendo, nos filiamos à noção de sujeito de Bakhtin e seu Círculo. Em
que, para compreender esse “ser de verdade”, é preciso observar sua construção social, a
partir da interação verbal na relação com o outro. Ou seja, o sujeito bakhtiniano é ativo
na constituição da língua e é constituído por ela. Obviamente, toda essa construção só
pode acontecer a partir da interação verbal com o outro que lhe dará acabamento
estético.
Acompanhada dessa noção de sujeito, associamos nossa pesquisa, também,
ao conceito de alteridade que, assim como a concepção anterior, é discutida ao longo de
toda obra de Bakhtin. Compreende-se, portanto, a alteridade como essa necessidade
estética e, provavelmente, absoluta que o ser de linguagem tem do outro. Nesse sentido,
o único que é capaz de criar uma imagem valorada, dar acabamento a esse sujeito é a
relação eu-outro. Em outras palavras, só o outro tem como atribuir uma personalidade
ao eu, sem esse outro essa imagem externa simplesmente não existe.
Assim sendo, Bakhtin (2003, p. 34) afirma:
Uma vez que o sujeito bakhtiniano se expressa por meio de enunciados reais
e concretos, precisamos situar teoricamente o que entendemos por enunciado. Para esta
pesquisa, pois, as cartas que compõem o corpus desta dissertação serão compreendidas
como enunciados na perspectiva aqui assumida.
Sendo assim, acreditamos que:
Tudo isso nos possibilitou pensar a linguagem inerente ao ser humano assim
como os enunciados “relativamente estáveis” como ponte comunicativa entre os sujeitos
sociais.
Tendo em vista que “a língua não é algo imóvel, dada de uma vez para
sempre e rigidamente fixada em ‘regras’ e ‘exceções’ gramaticais, [...] não é de modo
algum um produto morto, petrificado, da vida social [...]” (VOLOCHÍNOV, 2013,
p.155), e observando o seu movimento progressista dentro das relações verbais, dos
intercâmbios comunicativos, é que chegamos à conclusão de considerar a enunciação
fridiana, nas cartas pessoais, objeto de estudo e análise.
67
Cabe ainda colocar que não nos interessa pensar as formas ligadas aos
estudos que classificam a artista como surrealista ou, até mesmo, que se restringem a
formas ou tipos de vida econômicos que cercavam seus quadros e sua biografia. Nesta
dissertação, dedicamos atenção particular, precisamente, às imagens axiológicas que a
autora pinta de si mesma em suas cartas pessoais. Para isso, foi preciso ler o gênero
dentro de uma cena comunicativa e de um determinado intercâmbio comunicativo
artístico.
É necessário, neste ponto, lembrar que a concepção de enunciado, como
uma característica própria da ADD, não se encontra aqui “acabada”. Consequentemente,
não pretendemos dar a última palavra sobre essa concepção teórica ou até mesmo sobre
as cartas de Frida. No entanto, os sentidos e as particularidades, inatas à nossa
subjetividade, vão sendo construídos a partir do momento em que colocamos nossa voz
em constante diálogo com as vozes dos autores trazidos para esta arena.
Tomando de empréstimo as palavras de Brait (2010, p. 67), na perspectiva
bakhtiniana,
Assim, contemplados pela fala de Palhano (2011), vemos que essas teorias
entendem tanto o estilo individual quanto o ethos discursivo como estando no centro de
análise das correntes enunciativo-pragmáticas. Cabe a nós, aqui, acrescentar o
desdobramento que é dado por Amossy (2005), no que diz respeito ao ethos discursivo,
e que também se aglutinou ao nosso quadro teórico para nos ajudar na compreensão dos
fenômenos enunciativos que compuseram nosso corpus.
69
Para esta dissertação a categoria estilo é deveras importante. Sem ela não
teríamos condições de desenvolver este trabalho. Por isso, gostaríamos de dar o enfoque
devido a essa categoria, pois ela está em um eixo teórico estruturante de nossa pesquisa.
Sem ela não teríamos como traçar o ethos discursivo, tendo em vista que ele é
estruturado por indícios estilísticos, e serão esses indícios que embasarão nossos
pensamentos a respeito das imagens ideológicas de Frida Kahlo nas cartas.
Desta feita, resolvemos privilegiar tendências estilísticas que bebem em
teorias enunciativas. Com isso, afirmarmos que, embora existam perspectivas distintas
do ponto de vista estilístico – a vertente estruturalista, a psicologista e, até mesmo, a
enunciativa – e, em alguns momentos, aproximadas, nos filiamos a uma abordagem que
atenda da melhor forma nosso cabedal teórico.
Por conseguinte, sabemos que na contemporaneidade é comum associar
estilo a sujeito, falante, autor, enunciador, etc., o que nem sempre foi algo comum. Essa
categoria, retirada da retórica greco-latina, dentre tantas outras, perde forças com o
apagamento, e até mesmo o desaparecimento, do sujeito histórico nas teorias sobre a
linguagem. Só depois, quando a Linguística começa a extrapolar a abordagem
saussuriana, é que esses elementos voltam para a cena nas discussões teóricas,
principalmente, com as postulações enunciativas da linguagem.
No entanto, não traçaremos um percurso cronológico do estilo na história da
construção do pensamento e das ciências linguísticas por não haver tempo suficiente
para desenvolver tamanha pesquisa.
Cabe, apenas, dizermos que nos afastaremos das proposições de Bally,
Vossler e Spitzer por não considerarmos interessante essa perspectiva para os nossos
objetivos. Sabemos que há certo afastamento entre os estudiosos da estilística e algumas
correntes teóricas da Linguística, mas a confluência, em pontos que consideramos
fulcrais para a nossa pesquisa, nos afasta dessa noção embora não neguemos suas
influências para a estilística contemporânea.
70
Em toda sua obra, Bakhtin discute a noção de estilo. Tal arcabouço teórico
nos dá suporte para compreender estilo como acabamento estético. Portanto, o estilo,
para a teoria bakhtiniana, está intimamente ligado à composição e ao tema de um texto,
haja vista que é no estudo das formas e das categorias que encontramos o estilo.
Assim sendo, por se tratar de uma categoria essencialmente interlocutiva e
dialógica, o estilo de um determinado texto, e a maneira singular com que um
enunciador faz uso dessa categoria, a qual, para Bakhtin, nunca esteve divorciada de
definições ideológicas, possibilita, ao sujeito produtor, deixar as marcas de
subjetividade em todo plano da materialidade linguística. Dessa forma, o estilo traz
consigo a avaliação do enunciador e uma concordância valorativa com o coenunciador.
Em outras palavras, podemos afirmar que, para Bakhtin, a noção teórica de
estilo está relacionada a um querer dizer do enunciador, que ganha forma, que define
seus limites sob as condições de interlocução. Trata-se, portanto, de um acabamento que
é estético e transitório, sempre aberto a novos sentidos por estar submetido às condições
sócio-históricas.
71
E complementa:
E continua:
nas reformulações e debates nos quais surge a noção de ethos.” (AMOSSY, 2005, p.
15). A construção da imagem de si, como denomina Amossy, é engrenagem principal
que faz funcionar a máquina da retórica e, consequentemente, está ligada a toda e
qualquer enunciação seja oral ou escrita.
Chegamos, portanto, a uma conclusão simples sobre as aspirações greco-latinas
(aristotélicas), as afirmações de Barthes e o acabamento dado por Amossy (2005) ao
ethos como categoria teórica: é preciso agir e argumentar estrategicamente para poder
atingir a moral do debate. O ethos, constituído por alguns elementos essenciais ao
procedimento retórico, objetiva dois movimentos no jogo argumentativo: persuadir e
promover adesão às teses pelo discurso.
Amossy ainda vai colocar essa categoria como um “princípio transcendental
concreto e contrafactivo” (AMOSSY, 2005, p. 45), isso significa dizer que todo orador,
do ponto de vista retórico, deve apresentar essa imagem ao seu auditório e buscar
defendê-la de maneira eficaz. Vejamos as palavras da autora:
E continua:
Por conseguinte, e também nessa mesma tônica, Charaudeau (2006) afirma que
o ethos também faz parte de um imaginário social, ou seja, a identidade do sujeito
passeia por representações sociais que nada mais é do que a realidade permitida por
relações que circulam em determinados grupos sociais em volta do sujeito “fiador” e
que Charaudeau também chama de “imaginários sociodiscursivos”, pois
77
[...] a visão que uma sociedade tem do corpo depende dos imaginários
coletivos que ela constrói para si. Diremos que o ethos apóia-se em
um duplo corporal e moral ou que é um imaginário que, aqui, se
“corporifica”. [...] Na medida em que o ethos está relacionado à
percepção das representações sociais que tendem a essencializar essa
visão, ele pode dizer respeito tanto a indivíduos quanto a grupos.
(CHARAUDEAU, 2006, p.117).
pelo sujeito produtor, ou, como chama Bakhtin (2003), o autor-criador. Em nosso caso,
autora-criadora.
Para finalizar, gostaríamos de trazer a voz de Bakhtin (2003, p. 366), quando
este afirma:
Figura 6 – Foto do acervo pessoal de Frida, publicada no livro Frida Kahlo: suas fotos10
10
Disponível em: <http://mais20min.com.br/tag/curitiba/ >. Acesso em: 2 dez. 2014.
81
82
mostra que, no momento em que são criadas, algumas afirmações axiológicas extraídas
de determinado texto, representam determinadas verdades para o sujeito que o produz.
No entanto, uma verdade passível de mudança, uma vez que esse enunciado caracteriza
um determinado momento histórico-social em que o sujeito se encontra, e que pode ser
revertido em outros enunciados, com opiniões diferentes, acréscimos, modalizações,
etc., se construindo em um momento diferente.
A ideia bakhtiniana, obviamente, não tem seus fundamentos em verdades
únicas e absolutas. Uma vez que os sujeitos estão e promovem processos de constantes
mudanças, é mais que natural que seus enunciados, ao longo de suas vidas, reflitam e
refratem essas mudanças também. Ao passo que esses sujeitos vão experienciando o
mundo da vida, eles mantêm contato com leituras diferentes, ideologias distintas, que
podem fazer com que eles retornem a suas verdades antigas com a intenção de
modificá-las.
Com isso, colocamos que: embora os enunciados escolhidos aqui para
análise estabeleçam relações dialógicas com o “já dito”, ocupam um lugar único e
singular, o que nos leva a tratá-los como um evento particular dentro de um
determinado fenômeno social, mesmo que outras vozes que os anteciparam já tenham
trazido informações e valorações neles contidas.
Para amparar nosso discurso, trazemos Bakhtin, quando este assevera:
partir das traduções de suas cartas. Esse foi o principal motivo que nos levou a trabalhar
com as cartas na língua mãe de Frida. As traduções passam por um processo de
acabamento das palavras da pintora que sofrem interferências alheias (os acabamentos
dos tradutores). Sendo assim, seria muito difícil construirmos uma imagem verbal de
Frida sem olhar para o nosso corpus no idioma materno de sua produtora, pois as pistas
estilísticas deixadas por ela poderiam sofrer mudanças ideológicas a depender da
interpretação que o tradutor do texto fizesse.
Outro ponto que necessita ser apontado, antes de adentrarmos na análise,
seria aquilo que Bakhtin (2010c) vai chamar de “forma arquitetônica” do enunciado. Ao
longo das análises, será possível entender que todo arranjo formal do gênero, do estilo
individual e estilo do próprio gênero (carta pessoal), na urdidura fridiana no percurso de
construção de sua imagem – no jogo comunicativo –, está a favor dos vários ethé que se
constroem com auxílio dessas formas arquitetônicas. Isso quer dizer que, as escolhas
lexicais, as adjetivações, as rupturas com as formas do gênero não aparecem no
enunciado aleatoriamente, mas refletem uma lógica de ordenação que, muitas vezes,
podem não ser percebidas quando todos esses elementos estão juntos e combinados.
Em relação ao entendimento da forma como elemento constituinte das
escolhas do sujeito produtor, e que interfere diretamente na intenção comunicativa e no
posicionamento ideológico deste, Bakhtin indaga:
recorrências que nos ajudaram a compor essas imagens com graus de passionalidades
distintas por uma questão metodológica e espaço-temporal. Não teríamos condições de
dar conta de todos esses acabamentos axiológicos que são dados à Frida Kahlo. Nosso
foco aqui será somente nos recortes categóricos que apontamos nos parágrafos
anteriores e na seção metodológica.
Passemos agora ao quadro de recorrências que decidimos montar a partir do
que emergiu do corpus em análise. Abaixo, veremos, mais claramente, como a divisão
feita por nós se apresentará durante a análise e que categorias nos fala da composição
imagética de Frida neste recorte epistolar:
Quadro de categorias
Durante esse período, como já havíamos falado antes, Frida estudava na Escola
preparatória nacional do México. Secretamente, ela mantinha um relacionamento com
Alejandro (seu interlocutor nos dois primeiros enunciados), pois o namoro não fora
11
Nesse caso queremos esclarecer que afastamos o sentido “negativo” do termo (pessoa que tem relações
sexuais extraconjugais). A opção pelo adjetivo “amante” se deu para dar destaque ao ser que ama. Na
definição 1 do Dicionário Houaiss: que(m) ama; apaixonado.
88
Enunciado 1
Enunciado 2
1 1 de enero de 1925
2 Contésta-me contésta-me contésta-me contésta-me contésta-me
3 “ “ “ “ “
4 “ “ “ “ “
5 “ “ “ “ “
6 “ “ “ “ “
7 ¿Sabe usted la noticia?
8 Mi Alex: A las once recogí tu carta, pero no te contesté ahora mismo porque
9 como tú comprenderás no se puede no se puede escribir ni hacer nada cuando está uno
10 rodeado de manada, pero ahorita que son las 10 de la noche, que me encuentro sola y mi
11 alma es el momento más apropiado para contarte lo que pienso… Acerca de lo que me
12 dices de Anita Reyna, naturalmente ni de chiste me enojaría, en primer lugar, porque
13 no dices más que la verdad, que es y será siempre muy guapa y muy chula y, en segundo
14 lugar, que yo quiero a todas las gentes que tu quieres o has querido (?) por la
15 sencillísima razón de que tú las quieres. Sin embargo, eso de las caricias no me gustó
16 mucho, porque a pesar de que comprendo que es muy cierto que es chulísima, siento algo
17 así… vaya, cómo te diré, como envidia ¿sabes?, pero eso sólo es natural. El día que
18 quieras acariciarla, aunque sea como recuerdo, acaricias a mí y te haces las ilusiones de
19 que es ella ¿eh? ¿Mi Alex?... Oye, hermanito, ahora en 1925 nos vamos a querer mucho,
20 ¿eh? *(Dispensa que repita mucho la palabra “querer”, cinco veces de a tiro, pero es que
21 soy un poco maje.) No te parece que vayamos en diciembre de este año, hay mucho
22 tiempo para arreglar todos los asuntos, ¿no crees? Dime todo lo que le encuentres de
23 malo y de bueno y si de veras te puedes ir, es bueno que hagamos algo en la vida ¿no te
24 parece? Cómo nos vamos a estar nada más de majes toda la vida en México; como para
25 no hay cosa más linda que viajar, es un verdadero sufrimiento el pensar que no tengo la
26 suficiente fuerza de voluntad para hacer lo que te digo, tú dirás que nada más se
27 necesita fuerza de voluntad, sino antes que nada la fuerza de la moneda o (moscota),
28 pero se junta eso trabajando un año y ya los demás pues es más fácil ¿verdad? Pero
29 como yo la mera verdad no sé muy bien de estas cosas, es bueno que tú me digas qué
90
30 tiene de ventajas y qué desventajas y si de veras son muy desgraciados los gringos.
31 Porque tienes que ver que de todo esto que te escribo desde la crucecita hasta this
32 renglón, mucho hay de castillos al aire y es bueno que me desengañe de una vez…
33 A las 12 de la noche pensé en ti mi Alex ¿y tú? Yo creo que también porque me
34 sonó el oído izquierdo. Bueno, como ya sabes que “Año Nuevo vida nueva”, tu
35 mujercita va a ser este año no peladilla de a 7 pe, kilo, sino lo más dulce y bueno que
36 hasta ahora se haya conocido para que te la comas enterita a puros besos.
37
38 Te adora tu chamaca
39 FRIDUCHITA
40 (Un Año Nuevo muy feliz para tu mamá y hermana)
12
Não foi possível trabalharmos com os documentos originais, pois tratava-se de uma questão legal. Esse
fator, aliado ao fato de que desconfiávamos das supressões feitas nas cartas de Frida, talvez tenha nos
levado a uma análise de recortes restritos. Porém, não temos dúvida de que, diante do corpus em análise,
pudemos levantar características de Frida Kahlo através das pistas estilísticas com as quais dialogamos.
91
amor insano, mas um pertencimento de quem acreditava que não havia prazo de
validade para o amor, de quem acreditava que o amaria para sempre e gostaria muito de
ser correspondida.
Por outro lado, o uso dessa palavra de maneira tão enfática, pois será
recorrentemente utilizada, principalmente, nos vocativos, nesse bloco de enunciados,
revela que Frida enxergava em Alex (essa era a forma como Frida o chamava) um bem
preciosíssimo e fazia questão de lembrá-lo disso, assim como lembrar que ele pertencia
a ela, pelo menos como objeto de desejo, ao qual ela oferecia todo seu amor juvenil.
Em se tratando das formas que a autora escolhe para tratar com seus pares,
nesse caso Alejandro, e da construção dessa imagem passional inocente, encaixamos no
bloco dos vocativos apenas essa recorrência, que se apresentará, também, em outros
blocos de enunciados, em que Frida escolhe, para evocar a presença do interlocutor na
cena enunciativa, um diminutivo do substantivo hermano (irmão). Ex.: E2 L19 Oye,
hermanito […]. Para nós, essa escolha revela um tom fraternal, que revela ainda mais a
imaturidade fridiana para tratar, nessa fase de sua vida, seus amores.
No âmbito da construção da imagem de Frida, por meio da observação de
suas escolhas lexicais, nos indagamos: haveria pensamento mais ingênuo e inocente,
típico de fases imaturas da vida humana, do que a conclusão desse sentimento de
pertencimento do outro, simplesmente por ele nos mover para o amor, ou nos fazer amar
pela primeira vez? Como fora a primeira vez que nos apaixonamos? Teria Frida sido
enganada por sua falta de experiência com relacionamentos amorosos?
Consideramos tais questionamentos muito ousados e caminhos que podem
nos desviar do foco principal de nossa pesquisa. Eles, para nós, apontam na direção de
uma menina, essa figura pueril que Frida veste para com Alex e que, desde muito cedo,
já lida de maneira muito intensa com o amor, ou por que não dizer de maneira muito
passional.
Falando ainda das quebras vocativas que Frida faz ao optar por maneiras
pouco convencionais ao tecer seus enunciados/cartas, voltaremos nosso par de óculos,
agora, para o E2 e a abertura poética que inicia na L2 e se estende até a L6. Vejamos o
excerto do qual falamos:
93
L6
L5
L4
L3
me
L2
contésta-me
contésta-me
contésta-me
contésta-me
contésta-
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
“
E costura:
escolhas lexicais que Frida faz e são bastante recorrentes. Esse percurso de indagações
retóricas inicia em E1 já na L3 e apresenta recorrências, ainda, na L8. No E2, as
perguntas aparecem nas Linhas 8, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 30 e 35. Vejamos os exemplos
que se espalham pelos dois primeiros enunciados, nas cartas direcionadas a Alejandro:
E1
L3 Desde que te vi te amé. ¿Qué dice usted? […]
E2
L7 ¿Sabe usted la noticia?
L17 vaya, cómo te diré, como envidia ¿sabes?, pero eso sólo es natural. El día que
L18 quieras acariciarla, aunque sea como recuerdo, acaricias a mí y te haces las
ilusiones de
L19 que es ella ¿eh? ¿Mi Alex?... Oye, hermanito, ahora en 1925 nos vamos a querer
mucho
L20 ¿eh?
L21 […] No te parece que vayamos en diciembre de este año, hay mucho tiempo para
L22 arreglar todos los asuntos, ¿no crees? Dime todo lo que le encuentres de
L23 malo y de bueno y si de veras te puedes ir, es bueno que hagamos algo en la vida
¿no te parece?
L28 pero se junta eso trabajando un año y ya los demás pues es más fácil ¿verdad?
L33 A las 12 de la noche pensé en ti mi Alex ¿y tú?
E1
L4 [...] te voy a suplicar que no te vayas a
L5 olvidar de tu mujercita linda,[...]
E2
L34 […] Bueno, como ya sabes que “Año Nuevo vida nueva”, tu mujercita va a
L35 ser este año no peladilla de a 7 pe, kilo, sino lo más dulce y bueno que
L36 hasta ahora se haya conocido para que te la comas enterita a puros besos
Como podemos observar, as metáforas que aparecem nos dois excertos que
recortamos estão diretamente associadas à figura de Frida. Assim, quando olhamos de
maneira mais cuidadosa detectamos que na composição estilística das metáforas há
presença de lexemas adjetivais que dão o tom valorativo à metáfora que, por sua vez,
valoram axiologicamente Frida. Temos, então, as escolhas: E1 L5 mujercita linda; E1
L9 Yo quisiera ser todavía más fácil, una cosita chiquita; e E2 L34 L35 tu mujercita va
a ser este año no peladilla de a 7 pe, kilo.
97
É notório que, nessa fase da vida, no momento em que Frida se volta para si,
ela se coloca sempre como uma figura pequena – mujercita. Essa característica
discursiva apequena a Frida adolescente que estudava em uma das melhores instituições
de ensino da Cidade do México. As metáforas e as adjetivações desse bloco
singularizam a autora-criadora e pintam verbalmente uma menina que sonha com o
amor, uma figura que se vê pequena diante da grandeza de seu amante/namorado.
Por fim, Frida promete se transformar para atender a possíveis exigências –
que talvez só existissem na cabeça dela – feitas por Alex, ou para atender às suas
preferências. Legitimando sua vontade, ela lança mão de uma metáfora belíssima que
mistura cultura, culinária e delicadeza. Dessa forma, Frida assimila características de
um objeto/comida ao seu modo de ser e agir.
Quando usa a metáfora da “peladilla de a 7 pe” (E2 L35), Frida, ao falar de
si, e de seu comportamento, obviamente, faz um trocadilho com aquilo que, no contexto
espaço-temporal do México, chamam de peladilla e que significa: “Mulher vulgar ou
insolente”. Esse tom criativo da autora traz para suas cartas um posicionamento
revelador, pelo menos nesse momento, de um ethos que cria imagens, que brinca com as
atividades de linguagem, que rompe com as cartas tradicionais nas quais somente se
questionava sobre o bem estar dos interlocutores e as novidades que o cercavam.
Sendo assim, Frida inova com seus traços de escrita marcante e passional,
de certo modo, porém criativa, inventiva e brincalhona. Essa metáfora ainda pinta em si
a imagem de uma mulher desapegada dos valores sociais de uma época ainda repressora
para a classe feminina e revela uma imagem da mulher libidinosamente sensual e sem
pudores puritanos, mas isso é algo que discutiremos em outro momento, por enquanto
vamos ficar na “criatividade” marcada em seus escritos e nas ações que demarcaram,
para esse bloco, um perfil discursivo cheio de uma passionalidade pueril.
Passemos agora às assinaturas de despedidas. Nos interessa, nesse recorte, o
acabamento estético que Frida dá a si própria. Quando se nomeia, se entrega, ou até
mesmo se resguarda, ela constrói para nós uma imagem de menina travessa.
Vejamos:
E1
L12 Tu chamaca, escuincla o lo que tú quieras.
L13
L14 FRIEDA
98
E2
L38 Te adora tu chamaca
L39 FRIDUCHITA
E continua:
A fama de Diego precedia sua vida com Frida. Ele havia se casado na
Rússia, mas se separou de sua esposa antes de retornar à Cidade do México. Não
existem registros a respeito do que Frida pensava da fama de mulherengo que
acompanhava Diego quando o conheceu. Talvez a volubilidade de Rivera a tenha
atraído; talvez ela tenha se aferrado àquela velha e enganosa esperança: eu serei a
mulher que vai cativar e prender o amor dele. Obviamente, os dois se amaram
intensamente, mas não sem conflitos.
Pelo fato de Diego ser, também, pintor e ter alcançado uma fama bem antes
que Frida, alguns jornalistas ousaram compará-los, ou até mesmo insinuar que Frida
bebera unicamente da fonte afamada do Diego Rivera. Contudo, ela fazia questão de
pontuar que nunca havia estudado com Diego. Aliás, nunca estudara com ninguém.
Apenas começou a pintar, segundo ela.
Em uma de suas entrevistas a uma jornalista do Detroit News, descrita por
Herrera (2011, p.200), Frida, jocosamente, ironiza as especulações asseverando:
“Obviamente, ele até que não é nada mal para um menino, mas eu é que sou a grande
artista.” A jornalista ainda descreve o olhar de Frida após a resposta: “Depois seus dois
100
Enunciado 3
1 23 de julio de 1935
2 ................................................................
101
3
4 Por casualidad vi una carta en un abrigo, un derecho que pertenece al hombre,
5 una mujer que viene de lejos y sangrienta Alemania. Creo que debe ser la señora que
6 Willi Valentiner 13envió con fines “científicos”, artísticos” y “arqueológicos”… que me
7 hizo enojada y, a decir la verdad, celosa…
8 ¿Por qué tengo que ser tan terca y obstinada hasta el punto de no
9 entendimiento que todas esas cartas, aventuras con mujeres, maestras de “inglés”,
10 modelos gitanas, asistentes con “buenas intenciones”, “emisarias plenipotenciarias de
11 sitios lejanos”, sólo constituyen flirteos. En el fondo, tú y yo nos queremos muchísimo?
12 ¿Por lo cual soportamos un sinnúmero de aventuras, golpes sobre puertas, referencias
13 nuestras madres, imprecaciones, insultos y reclamaciones internacionales, pero siempre
14 nos amaremos? Creo que lo que está sucediendo es que soy un poco estúpida y una
15 tonta, porque todo eso sucedió y se han repetido todas estas cosas a través de los siete
16 años que llevamos viviendo juntos. Todos los corajes que he hecho sólo han servido para
17 hacerme comprender, por fin, que te quiero más que a mí propio pellejo y que tú sientes
18 algo por mí, aunque no me quieras en la misma forma. ¿No es cierto? Si esto no es
19 cierto, yo siempre tengo la esperanza de que va a ser , y esto es suficiente para mí…
20
21 Ámame un poco
22 Te amo
23 Frieda
13
Wilhelm Valentiner nasceu em Karlsruhe (Baden), e estudou em Heidelberg sob Henry Thode, e na
Holanda com Cornelis Hofstede de Groot e com Abraham Bredius, cujo assistente estava na galeria de
Haia. Em 1905, ele foi chamado para Berlim por William Bode, com quem trabalhou no Museu Kaiser
Friedrich e Kunstgewerbe Museum. Em 1906, publicou sua dissertação sobre Rembrandt iniciada em
1904: Rembrandt auf der Lateinschule. Em 1907, foi nomeado curador do departamento de artes
decorativas no Metropolitan Museum, em Nova York, o qual sob a sua supervisão se tornou um dos mais
avançados do mundo.
102
Enunciado 4
1 8 de Diciembre de 1938
2
3 Niño mío…
4
5 Son las seis de la mañana
6 y los guajolotes cantan,
7 calor de humana ternura
8 Soledad acompañada
9 Jamás en toda la vida
10 olvidaré tu presencia
11 Me acogiste destrozada
12 y me devolviste entera
13 Sobre esta pequeña tierra
14 ¿dónde pondré la mirada?
15 ¡Tan inmensa, tan profunda!
16 Ya no hay tiempo, ya no hay nada.
17 Distancia. Hay ya sólo realidad
18 ¡Lo que fue, fue para siempre!
19 Lo que son las raíces
20 que se asoman transparentes
21 transformadas
22 En el árbol frutal eterno
23 Tus frutas dan sus aromas
24 tus flores dan su color creciendo con la alegría
25 de los vientos y la flor
26 No dejes que le dé sed
27 al árbol del que eres sol,
28 que atesoró tu semilla
29 Es “Diego” nombre de amor.
30
31 De la gran ocultadora
32 Frieda
103
E3
L3 […] un derecho que pertenece al hombre
L11 [...]tú y yo nos queremos muchísimo
L12 ¿Por lo cual soportamos un sin número de aventuras, golpes sobre puertas,
referencias
L13 nuestras madres, imprecaciones, insultos y reclamaciones internacionales, pero
siempre
L14 nos amaremos?
L3 Niño mío…
14
Esse era um dos apelidos que Diego recebera nas rodas sociais mexicanas. Ele remetia para sua feiura e
suas formas alargadas e exageradas.
105
acidentes, etc., uma tentativa de Frida mostrar que não ligava para as traições que Diego
Rivera cometia? Acreditamos que não! Muito pelo contrário, já no fim do primeiro
parágrafo a pintora mexicana esclarece seus sentimentos e toma como força valorativa o
adjetivo L7 celosa, que em uma tradução literal significa enciumada.
Porém, antes de discutirmos as metáforas e das adjetivações, enquanto
categorias de análise, gostaríamos de falar um pouco sobre as indagações retóricas e
sobre o jogo de interlocução que consideramos como marcas do conjunto de escolhas
que, aqui, são feitas pela autora-criadora. Para tanto, temos, neste bloco, apenas em E3:
L8 ¿Por qué tengo que ser tan terca y obstinada hasta el punto de no
L9 entendimiento que todas esas cartas, aventuras con mujeres, maestras de “inglés”,
L10 modelos gitanas, asistentes con “buenas intenciones”, “emisarias plenipotenciarias
de
L11 sitios lejanos”, sólo constituyen flirteos. En el fondo, tú y yo nos queremos
muchísimo? […]
L12 […] ¿Por lo cual soportamos un sinnúmero de aventuras, golpes sobre puertas,
referencias
L13 nuestras madres, imprecaciones, insultos y reclamaciones internacionales, pero
siempre
L14 nos amaremos? […]
E4
L7 calor de humana ternura
L8 Soledad acompañada
E3
L21 Ámame un poco
L22 Te amo
L23 Frieda
E4
L31 De la gran ocultadora
L32 Frieda
tengo la esperanza de que va a ser, y esto es suficiente para mí…; e, ainda, em forma de
súplica, pede e declara, respectivamente: L21 Ámame un poco L22 Te amo.
As escolhas que a autora-criadora faz aqui, nos leva a construir, no bojo do
jogo enunciativo, a imagem de uma mulher que sofria muito por esse amor, mas que
não se enxergava sem ele; que conduzia suas decisões, enviesada por esse sentir que a
dominava. Frida prepara o terreno para a maior entrega que faria em sua vida com
Diego. Conformada, ela admite alimentar uma esperança de que tudo o que ela pensara
seria verdade, e esse simples fato já seria o bastante. Ela abaixa a sua cabeça, não para
Diego, mas para o sentimento que a toma e a consome. Essa afirmativa revela-nos um
grau de passionalidade que se distingue dos outros, em momentos em que ela veste essa
máscara passional.
Compreendemos, portanto, que no jogo interlocutivo com Diego a imagem
passional de Frida se agiganta, ganha força, emerge no plano discursivo em um grau
maior e mais intenso do que na enunciação entre ela e Alex ou entre ela e Muray. Dessa
forma, o apelo, a súplica, a passionalidade disfarçada de ironia vão delineando,
axiologicamente, uma Frida que estava sob o jugo desse amor inenarrável.
Na cenografia construída por Frida em E4, temos uma cena enunciativa
deferente, pois, como já havíamos colocado anteriormente, Frida aqui responde a uma
carta de Diego. E, nesta carta15, existem afirmações e declarações que, muito
provavelmente, insuflam a paixão que Frida sentia pelo Sapo-gordo. Aqui temos a
presença do mesmo grau de passionalidade só que agora por um motivo diferente, ou
melhor, um motivo que agradava a pintora mexicana.
A despedida do E4 está, no plano valorativo, plasmada à assinatura. Ela
mistifica a figura feminina da pintora, empodera Frida com armas discursivas que
parecem inatas ao seu jeito de agradecer a Diego e, até mesmo, de construir uma
imagem de ocultista, aquela que também sabe esconder as coisas ou que conhece o que
está oculto, por trás da carta que ele mandara naquela ocasião.
Por outro lado, acreditamos que Frida busca denunciar, com esse
acabamento de si, o caso que ela matinha com Nickolas Muray. Na ocasião em que
Frida produziu esta possível resposta a Diego, de acordo com Herrera (2011), ela estava
em Nova York, onde assistiu à exposição de sua obra na galeria Julien Levy, e mantinha
relações amorosas com Muray. Ocultar-se, diante dessa conjuntura, se ressignifica e
15
Ver anexo A.
112
ganha tons valorativos que vão além de misticismos e feitiços presentes na carga
axiológica da palavra ocultadora. De posse dessa informação, podemos afirmar que
Frida tenta dar o troco a Rivera. Assinala que existem coisas que ela esconde e que
podem feri-lo profundamente.
No entanto, não seria de sua natureza tratar o imenso amor que sentia por
Diego com tamanho desdenho. Apesar dele não fazer a mínima questão de camuflar
seus casos fora de sua relação com Frida. Ocultar Muray seria matar um pouco esse
amor devastador que a autora sentia por Diego? Talvez sim.
O que nos é possível afirmar é que Frida não era indiferente ao seu
sentimento por Diego, muito menos às traições que sofria. Ela respondia
responsivamente aos arroubos amorosos de seu amante predileto, às feridas que se
abriam e se suturavam o tempo todo, ações de um homem que considerava a fidelidade
um valor burguês e aprisionador. Frida não se escondia em falsos álibis. Ela assinava
suas ações diante do mundo da vida.
A escolha do termo la gran ocultadora não foi aleatória, nem
despretensiosa. Frida quer que Diego saiba que ocultar é uma habilidade que ela
desenvolve com bastante frequência. E que, apesar de amá-lo intensamente, ela
mantém, nessa fase de sua vida, alentos para suprir o abismo que o seu relacionamento
com Diego abrira.
Sobre a assinatura, percebemos que ela não se altera de um enunciado para
o outro. O que dá uma certa padronização e garante a presença daquele sujeito fridiano
assinando por seu discurso. Frieda é o nome da pintora de verdade. É como está em seu
registro de nascimento e era como sua família a conhecia. Ou seja, esse interlocutor era
tratado, realmente, como alguém com quem Frida compartilhava sua vida íntima ou
nutria alguma importância por ele.
Chegando ao fim deste bloco de análise, podemos constatar que há,
recorrentemente, nesses dois enunciados/cartas a presença de uma passionalidade mais
intensa e desesperada. Uma tendência por conclamação ao amor do outro e, em tons
quase jocosos, uma autocomiseração que a coloca no patamar de sofrimento dilacerante.
Abriremos, agora, o último bloco de análise deste capítulo. De agora em
diante, passaremos a analisar duas cartas escritas a Nickolas Muray. Um dos amantes
que Frida teve em uma fase mais “madura” de sua vida. Demos o nome de Vermelho-
rubro por se tratar de um movimento mais pensado, mais adulto, mais carnal e menos
sentimental.
113
E continua:
ENUNCIADO 5
1 16 de febrero de 1939
2
3 Mi querido Nick,
4 Cuando llegué, los cuadros todavía estaban en la aduana, porque ese hijo de
5 perra Breton no se tomó la molestia de sacarlos. Jamás recibió las fotografías que
6 enviaste hace muchísimo tiempo, o por lo menos eso dice, no hizo nada en cuanto a los
7 preparativos para la exposición, y hace mucho que ya no tiene una galería propia. Por
8 todo eso fui obligada a pasar días y días esperando como una idiota, hasta que conocí a
114
9 Marcel Duchamp, pintor maravilloso y el único que tiene los pies en la tierra entre esta
10 montón de hijos de perra lunáticos y trastornados que son los surrealistas. De
11 inmediato sacó mis cuadros y trató de encontrar una galería. Por fin una, llamada
12 <<Pierre Colle>>, aceptó la maldita exposición. Ahora Breton quiere exhibir, junto
13 con mis cuadros, catorce retratos del siglo XIX (mexicanos), así como 32 fotografías de
14 Álvarez Bravo y muchos objetos populares que compró en los mercados de México,
15 pura basura; ¡es el colmo! Se supone que la galería va a estar lista el 15 de marzo. Sin
16 embargo… hay que restaurar los catorce óleos del siglo XIX, y este maldito proceso
17 tarda un mes entero. Tuve que prestarle 200 lanas (dólares) a Breton para la
18 restauración porque no tiene ni un céntimo. (Le telegrafié a Diego describiéndole la
19 situación, y le dije que le presté ese dinero a Breton. [Diego] se puso furioso, pero ya lo
20 hice y ya no se puede hacer nada al respecto.) Todavía me resta dinero para permanecer
21 aquí hasta principios de marzo, de manera que no me preocupo mucho.
22 Bueno, cuando hace unos días, todo, más o menos estaba arreglado, como ya te
23 platiqué, Breton de repente me informó que el socio de Pierre Colle, un anciano
24 bastardo e hijo de perra, vio mis cuadros y consideró que sólo será posible exponer dos,
25 ¡porque los demás son demasiado “escandalosos” para el público! Hubiera podido matar
26 a ese tipo y comerlo después, pero estoy tan harta del asunto que he decidido mandar
27 todo al diablo y largarme de eta ciudad corrompida antes de que yo también me vuelva
28 loca.
29
30 “... tu telegrama llegó esta mañana y lloré mucho, de felicidad y porque te
31 extraño, con todo mi corazón y sangre. Recebí tu carta ayer, mi cielo, es tan hermosa y
32 tan tierna que no encuentro palabras que te comuniquen la alegría que sentí. Te adoro,
33 mi amor, créeme; nunca he querido a nadie de este modo, jamás, sólo Diego está tan
34 cerca de mi corazón como tú… Extraño cada movimiento de tu ser, tu voz, tus ojos, tu
35 hermosa boca, tu risa tan clara y sincera. A ti. Te amo, mi Nick. Estoy tan feliz
36 porque te amo, por la idea de que me esperas, de que me amas.
37 Querido, dale muchos besos a Mam de mi parte. Nunca la olvidaré. También
38 besa a Aria y a Lea. Para ti, un corazón lleno de ternura y caricias, un beso especial en
39 el cuello, tu
40
41 Xóchitl”
ENUNCIADO 6
1 27 de febrero de 1939
2
3 Mi amado Nick:
4
5 Esta mañana recibí tu carta, después de tantos días de espera. Sentí tal
6 felicidad que empecé a llorar antes de leerla. Mi niño, en realidad no debería quejarme
115
por parte de Frida, nesse enquadramento inicial, tanto em E5 quanto em E6. O vocativo, no
jogo interlocutivo com o coenunciador dos Enunciados 5 e 6, bebe de maneira mais direta
nos vocativos canônicos do gênero discursivo em questão.
As remissões que Frida faz a Muray no corpo do Enunciado 6 também chamam
nossa atenção:
E6
L6 […] mi querido Nick,
L21 Cariño
L33 niño
L46 Cariño
Esse bloco, no qual Frida, reiteradas vezes, evoca Muray para o jogo
interlocutivo, nos mostra como ela via seu amante. Como ela dava acabamento à imagem de
seu amado. Sempre em tom passional, marcado pelos pronomes possessivos ao lado de
adjetivações do campo semântico amoroso: querido; cariño; niño.
Quanto às perguntas presentes nesses enunciados/cartas observamos que elas são
inexistentes em E5. Por outro lado, em E6 aparecem algumas vezes. Observemos:
E6
L21 ¿Por qué me mandaste ese cheque
L22 de dólares? ¿Tu amigo, “Smith”, es imaginario?
L43 que te de masaje dos veces e la semana? Lo odio un poco, porque te alejó de mi lado
L44 durante muchas horas. ¿Has practicado la esgrima mucho? ¿Cómo está Georgio?
L45 ¿Por qué dices que sólo tuviste éxito a medias en el viaje a Hollywood?
E6
L10 esa risa tan limpia y franca que sólo tú tienes
L31 Mi amante, mi cielo, mi Nick, mi vida, mi niño, te adoro.
L58 Te necesito tanto que me duele el
L59 corazón…
entanto, por estar em uma fase mais madura de sua vida e ações, ela frisa, no Enunciado 5,
sem receios de magoar o amado: L32 Te adoro, L33 mi amor, créeme; nunca he querido a
nadie de este modo, jamás, sólo Diego está tan L34 cerca de mi corazón como tú…
Podemos afirmar que Frida, mesmo apaixonada por Nickolas Muray, não ensaia o
medo de perdê-lo, pelo menos não nos enunciados sobre os quais nos debruçamos. O que já
aponta para uma diferença da mulher que escreve para Alejandro ou para Diego. Ela não se
preocupa em colocar para o amante que Diego é seu concorrente direto e que ocupa um lugar
especial em seu coração.
Frida também usa de metáforas comparativas ao descrever em E5, saudosamente,
a risada de Muray: tu risa tan clara y sincera. E em E6: esa risa tan limpia y franca que sólo tú
tienes. De maneira poética, ela vai contornando as lembranças que guarda da risada de seu
amado. Revelando uma imagem de uma passionalidade criativa, que brinca com a linguagem.
Quanto às adjetivações de si, encontramos apenas uma recorrência em E6 L36
además de que soy una perra muy rica. Aqui Frida brinca para não magoar seu amante, pois
ele havia enviado dinheiro para ela. Frida jocosamente se compara a uma vadia, vagabunda
(perra); na tentativa de não magoá-lo. Na realidade, a autora não aceita o dinheiro de Muray.
Acreditamos que essa escolha faz parte do cenário debochado de Frida. Uma
imagem construída a duras penas – pois era mulher e nos acordos sociais da época, uma
mulher que falava palavrões não era bem vista – e regada com muitas palavras chulas,
insultos, palavrões, etc. Nos interessa aqui o campo ideológico no qual essa palavra se insere.
Perra é sim a condição de Frida diante de Muray. Ela era sua amante. Mas a maturidade com
que Frida trata disso, sem esquecer de seu amor por Diego, revela um grau de passionalidade
mais controlado, menos intenso e mais racional.
Ante esse bloco de enunciados, nos voltaremos, agora, para as despedidas e/ou
assinaturas. No caso de E5 e E6 há uma recorrência bem específica que não se repete em
nenhum outro enunciado e com nenhum outro interlocutor. E, por isso, chamou nossa atenção.
Tanto em E5 quanto em E6, Frida não tece uma despedida em um lugar separado do corpo do
texto, isso já seria uma forma de singularizar sua escrita, pelo menos quando diz respeito a
Nickolas Muray; e assina como Xóchitl.
Vejamos:
E5
L38 Para ti, un corazón lleno de ternura y caricias, un beso especial en
L39 el cuello, tu
121
L40
L41 Xóchitl
E6
L58 Oh, mi querido Nick, te adoro tanto. Te necesito tanto que me duele el
L59 corazón…
L60
L61 Xóchitl
Nas duas sentenças que ensaiam uma despedida, tanto em E5 quanto em E6, a
autora lança mão de imagens metafóricas para tratar de seu sentimento com relação àquela
paixão. Em ambas ela fala do coração. Essa escolha, não aleatória, mais uma vez aciona o
campo semântico e ideológico da paixão, do amor. A figura do coração está sempre ligada ao
campo amoroso das relações humanas. Atrelada a imagens poéticas – a que Frida recorre nas
duas cartas desse bloco – teremos uma construção que vai delineando uma imagem passional
que se revela justamente nessas escolhas lexicais.
Quanto às assinaturas é necessário que compreendamos o sentido, na cultura
mexicana, da palavra Xóchitl.
No México, essa palavra é atribuída a uma flor, espécie de brasão atualmente. É
um nome feminino de origem nahuatl16 e Azteca. Também pode fazer alusão a um mito de
uma rainha azteca que reuniu um exército de mulheres e lutou ao lado de seu marido em uma
guerra civil de seu tempo. Na região onde vivia essa rainha tinha muitas flores que,
posteriormente, receberiam seu nome. No México é um nome dado a muitas mulheres e uma
forma carinhosa de se referir a uma mulher de fibra, corajosa.
Acreditamos que essa escolha de assinatura era compartilhada pelos dois amantes
no cenário da troca dialógica. Frida aqui assina como mexicana, como latina, como índia,
como uma mulher que carrega em seu perfil discursivo todo sangue de uma cultura forte,
quente, alegre, singular.
16
El náhuatl (que deriva de nāhua-tl, «sonido claro o agradable» y tlahtōl-li, «lengua o lenguaje») es
una macrolengua uto-azteca que se habla principalmente por nahuas en México. Surgió por lo menos desde el
siglo VII. Desde la expansión de la cultura tolteca a finales del siglo X en Mesoamérica, el náhuatl comenzó su
difusión por encima de otras lenguas mesoamericanas hasta convertirse en lengua franca de buena parte de la
zona mesoamericana, en especial bajo los territorios conquistados por el imperio mexica, también
llamado imperio azteca, desde el siglo XIII hasta su caída (el 13 de agosto de 1521) en manos de los españoles,
motivo por el cual a la lengua náhuatl también se le conoce con el nombre delengua mexicana.
122
17
Disponível em: <http://www.123rf.com/photo_16434053_aztec-calendar-symbols--xochitl-or-flower-
20.html>. Acesso em: 10 mar. 2015.
123
Por fim, frisamos que essa imagem passional em seus vários níveis, associada à
Frida e ratificada ao longo dos enunciados/cartas que investigamos tem sua gênese em um
cenário cultural específico – o México do século passado, da década de 20 a de 60, mais ou
menos – no embate entre as escolhas lexicais que sombreamos e um perfil ideológico fridiano
de escrever. Consideramos importante lembrar que tal imagem só se sustenta mediante as
ancoragens realizadas em um texto espaço-temporal específico, como: o contraponto com o
cânone (seja para o gênero discursivo carta pessoal, seja para as escolhas que revelam um
comportamento nada convencional ou dobrado aos acordos sociais de sua época); e o jogo
dialógico travado com embates entre Frida e seus coenunciadores prediletos.
Figura 8 – El abrazo de amor del universo, la tierra (México), Diego, yo y el señor Xolotl, 1949, óleo sobre tela,
69.9 X 60.3 cm.18
18
Disponível em: <http://photos1.blogger.com/x/blogger/2794/1457/1600/971227/kahlo-04.jpg>. Acesso em: 20
nov. 2014.
124
19
Científicos foi o grupo de intelectuais que governou o México durante a ditadura de Porfirio Díaz.
126
país. No entanto, ela é um dos poucos artistas que fizeram do Autorretrato um gênero próprio,
a forma de aparecer no mundo, diminuindo a distância entre ela (o ser retratado) e o mundo
externo. E esse cenário vai constituir axiologicamente o universo fridiano.
Perscrutar esses enunciados/cartas e observá-los como uma prática discursiva que
constituía a artista nos leva a pensar que: Frida Kahlo estava muito além de seu tempo e ela
funcionava para o México indígena como um estandarte que mantinha viva a cultura de
margem que outrora serviu de alicerce para fundação de um país.
Frida Kahlo, além disso, durante toda sua vida, se deparou com muitas dores que a
atormentavam. Diante de tantas dores físicas e morais, a pintora mexicana encontrou na
autorretratação uma forma de criar um “eu” alternativo que fosse capaz de suportar o seu
sofrimento e de se comunicar com o mundo através de um discurso público e velado.
Contudo, o que muitos desconhecem é a Frida que escreve proficientemente cartas pessoais e
que revela faces nunca autorretratas.
As cartas de Frida Kahlo são reveladoras de um ethos que não se pode visualizar
apenas observando seus quadros. Nelas, a revolucionária, a índia mexicana, a pintora, a
apaixonada, a brincalhona, a criativa, etc. mostra seus sentimentos mais profundos e toda sua
revolta com sua condição física, com a infidelidade de seu esposo (o famoso muralista
mexicano Diego Rivera) e com a luta por um México livre dos ditames europeus que
segregavam a cultura local. A respeito dessa investigação com enunciados, Volochínov
(2013) afirma:
E continua:
amores, família, etc.). Mas, diante de todo esse cabedal de interlocutores, focamos nos amores
da pintora, alguns amores com quem Frida Kahlo travou embates dialógicos recorrentes.
Como nos interessa, sobretudo, perscrutar a gênese dessas imagens passionais, colocamos, no
centro de nossa investigação as relações amorosas da pintora travadas em diferentes períodos
de sua vida.
Retomando, agora, esse contorno sistematizador, passemos à elaboração das
respostas às três questões norteadoras desta pesquisa. Para isso, resolvemos trazê-las
novamente e traçar, para cada uma delas, considerações finais, mesmo acreditando que a
investigação científica não se esgota aqui e que outros caminhos poderão ser percorridos. Em
outras palavras, esse “fim” é livre para inaugurar inúmeras possibilidades de começos.
REFERÊNCIAS
ABREU, Caio Fernando. Frida kahlo, o martírio da beleza In: ______. Pequenas Epifanias
(Crônicas - 1986/1995). Porto Alegre: Sulina, 1996.
AMORIM, Marília. Para uma filosofia do ato: “válido e inserido no contexto”. In: AMORIM,
Marília; BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009.
AMOSSY, R. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, R.; AMOSSY,
R. (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2010a.
______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 6. ed. São Paulo: Hucitec
Editora, 2010c.
______. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010d.
______. Palavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação. São Carlos: Pedro &
João Editores, 2011.
BAZERMAN, C. Letters and the Social Grounding of Differentiated Genres. In: BARTON,
D.; HALL, N. (Ed.). Letter writing as a social pratice. Amsterdam: John Benjamins
Publishing Company, 1999. p. 15-29.
______. Ethos e exotopia do olhar: as Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo. In: CASADO
ALVES, M. P. et al. (Org.). Linguística Aplicada, Linguística e Literatura: intersecções
profícuas. 1. ed. Campinas: Pontes Editores, 2012b. v 1. p. 30-47.
CASADO ALVES, M. P.; ALVES, J. F. Frida Kahlo: quando a arte e a vida não se separam.
Textos círculo, 19 set. 2010. Disponível em:
<http://textosgege.blogspot.com.br/2010/09/frida-kahlo-quando-arte-e-vida-nao-se.html>.
Acesso em: 25 nov. 2014.
DIERKS, Konstantin. The familiar letter and social Refinement in América, 1750 –1800. In:
BARTON, David; HALL, Nigel (Ed.). Letter Writing as a social pratice. Amsterdam:
Cambridge Universty Press, 1999. p. 31- 42.
FROST, E. Cecilia. Las categorias de la cultura mexicana. 4. ed. Ciudad del México:
Fondo de cultura económica, 2009.
HERRERA, Hayden. Frida: a biografia. R. Marques (trad.). São Paulo: Globo, 2011.
LIMA, R. R. Peixoto de. Vozes sociais em diálogo: uma análise bakhtiniana dos
posicionamentos de alunos do ensino médio do IFRN. 2013. 163f. Dissertação (Mestrado em
Estudos da linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Natal, 2013.
______. A propósito do ethos. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. (Org.). Ethos discursivo.
São Paulo: Contexto, 2008.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Fala e escrita: relações vistas num continuum tipológico com
especial atenção para os dêiticos discursivos. Texto digitado, apresentado em mesa-redonda
no II Encontro nacional sobre fala e escrita. Maceió, Novembro, 1995.
______. Letramento e oralidade no contexto das práticas sociais e eventos comunicativos. In:
Marcuschi, Luiz Antônio et al. (Org.). Investigando a relação oral/escrito. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2001b. p. 23-50.
______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
PAZ, Octavio. O labirinto da solidão e Post scriptum. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
TIN, Emerson (Org). Arte de escrever cartas. São Paulo: Unicamp, 2005.
APÊNDICES
1907
Em 6 de julho, nasce em Coyacán, México, Magdalena Carmen Frieda Kahlo Calderón,
terceira das quatro filhas de Matilde Calderón e Guilhermo Kahlo. (Mais tarde, ela mudou a
grafia de seu nome para “Frida”).
1913
Kahlo sofre um ataque de poliomielite, que lhe afeta permanentemente o uso da perna direita.
1922
Kahlo ingressa na Escola Preparatória Nacional, onde conhece Diego Rivera, que ali está
pintando o mural Criação. Em 30 de novembro, seu poema “Recuerdo” é publicado por El
Universal Ilustrado.
1925
Em 17 de setembro, Kahlo e seu namorado, Alex, sofrem um acidente de ônibus. Kahlo sai
gravemente ferida e começa a pintar durante a convalescença.
1929
Em 21 de agosto, Kahlo se casa com Diego Rivera. Tem 22 anos; ele está com 43.
1930
Em 10 de novembro, Frida chega a San Francisco com Rivera.
1931
Em San Francisco, Frida conhece o Dr. Leo Eloesser, que se torna seu conselheiro médico da
vida inteira.
1932
Durante sua estadia em Detroit, para o trabalho de Rivera nos murais do Detroit Institute of
Arts, Frida é hospitalizada em decorrência de um aborto espontâneo.
1933
Frida e Diego voltam a Nova York. Ela pinta Meu vestido pendurado ali (Nova York),
enquanto ele pinta murais no Rockefeller Center. Em 20 de dezembro, os dois seguem de
navio de Nova York para o México.
1934
20
Em quase sua totalidade, esse apêndice foi construído a partir de dados já sistematizados por Zamora (1997).
137
Frida e Diego moram em estúdios adjacentes, construídos para eles em San Angel por Juan
O’Gorman. Rivera inicia um romance com Cristina Kahlo, irmã de Frida.
1935
Frida e Diego se separam. Ela ocupa temporariamente um apartamento na Cidade do México
e, em julho, vai a Nova York. Na volta, o casal se reconcilia.
1937
Em 9 de Janeiro, Leon Trotsky e sua mulher, Natália Sedova, chegam ao México e passam
uma temporada com Frida e Diego na Casa Azul.
1938
André Breton – surrealista francês – visita o México e conhece Frida. De 1 a 15 de
Novembro, realiza-se a primeira exposição individual de Kahlo, na Julien Levu Gallery, em
Nova York.
1939
Frida viaja a Paris em Janeiro, para a exposição Mexique, organizada por André Breton, que
inclui quadros dela. O Louvre compra seu autorretrato A moldura. Frida volta para casa em
abril e, no outono, ela e Diego iniciam um processo de divórcio, concluído em novembro.
1940
Em janeiro, As duas Fridas e A mesa ferida são mostrados na Exposição Internacional do
Surrealismo, organizada pela Galeria de Arte Mexicana.
Em San Francisco, Frida, enquanto buscava um novo tratamento com do Dr. Eloesser, expõe
seu trabalho na San Francisco Golden Gate Exhibition.
Em 8 de dezembro, ainda em San Francisco, Frida volta a se casar com Diego.
1942
O quadro de Kahlo intitulado Autorretrato com trança é incluído na exposição Retratos do
século XX, no Museu de Arte Moderna de Nova York.
1943
A obra de Kahlo é incluída na coleção A arte mexicana hoje, no Museu e Arte de Filadélfia, e
exibida na Galeria Art of this Century, de Peggy Guggenheim, em Nova York.
Frida começa a lecionar na Escola de Pintura e Escultura La esmeralda, do Ministério de
Educação.
1946
Frida pinta O pequeno cervo e Árvore da esperança, fique firme. Vai a Nova York fazer uma
cirurgia na coluna vertebral.
1948
138
Kahlo escreve ao presidente do México, Miguel Alemán, para protestar por terem coberto um
mural de Diego.
1950
Frida é hospitalizada por nove meses, por problemas na coluna vertebral.
1951
Kahlo pinta o Autorretrato com retrato do dr. Juan Farill, diversas naturezas-mortas e
Retrato de meu pai.
1953
De 13 a 27 de abril, a única exposição individual de Frida no México realiza-se na Galería del
Arte Contemporáneo. Em Julho, sua perna direita é amputada abaixo do joelho, em
decorrência de gangrena.
1954
Frida é hospitalizada em abril e maio. Em 2 de julho, convalescendo de uma
bronconpneumonia, participa de uma passeata em protesto contra a intervenção norte-
americana na Guatemala. Morre na madrugada de 13 de julho.
1957
Em 24 de novembro, morre Diego Rivera em seu estúdio de San Angel. É enterrado na
Rotunda dos Homens Famosos, na Cidade do México, contrariando seu desejo expresso de ser
cremado e de ter a suas cinzas misturadas às de sua amada Frida.
1958
Em 30 de julho, a Casa Azul é aberta ao público como Museu Frida Kahlo.
139
ANEXOS
Anexo A – Carta de Diego para Frida, encorajando-a a seguir com sua exposição na
França.
3 de Diciembre de 1938
Mi niñita chiquitita:
Estuve tantos días sin recibir noticias tuyas que ya me estaba preocupando. Me da
gusto que te sientas un poco mejor y que Eugenia te esté cuidando. Dale las gracias de mi
parte y quédate con ella por lo que reta de tu estancia. También me alegro de que tengas un
departamento cómodo y un lugar en dónde pintar. No te des prisa con los cuadros y los
retratos. Es muy importante que salgan rete suaves, porque complementarán el éxito de tu
exposición y tal vez te crean mayores posibilidades de hacer más…
¿Qué me das por las buenas noticias de las que seguramente ya te has enterado?
Dolores, la maravillosa, va a pasar la Navidad en Nueva York… ¿Le has escrito a Lola?
Supongo que es una pregunta tonta.
Me dio mucho gusto oír de la comisión de un retrato para el Musco Moderno. Va a
ser magnífico que entres ahí a partir de tu primera exposición. Formará la culminación de tu
éxito en Nueva York. Escupe en tus manitas y produce algo que haga sombra a todo lo que lo
rodee y que por mí pierdas la oportunidad de ir a París. TOMA DE LA VIDA TODO LO
QUE TE DE, SEA LO QUE SEA, SIEMPRE QUE TE INTERESE Y TE PUEDA
DAR CIERTO PLACER. Cuando se envejece, se sabe qué significa el haber perdido lo que
se ofreció cuando uno no tenía suficientes conocimientos como para aprovecharlo. Si de veras
quieres hacerme feliz, debes saber que nada me puede dar más gusto que la seguridad de que
tú lo eres. Y tú, mi chiquita, mereces todo… No los culpo porque les guste Frida, porque a mí
también me gusta, más que cualquier otra cosa…
Tu principal sapo-Rana
Diego
140
Meu Alex: desde que te vi pela primeira vez, amei você. O que me diz? (?) Já que
provavelmente vai demorar alguns dias pra gente se ver, vou implorar pra que você não se
esqueça da sua linda mulherzinha, tá?[...] às vezes à noite sinto muito medo e queria que você
estivesse comigo porque assim eu ficaria menos apavorada e aí você diria que me ama tanto
quanto antes, tanto quanto neste mês de dezembro, mesmo que eu seja uma “coisinha fácil”,
certo Alex? Você deve continuar gostando das coisinhas fáceis.
[...] Eu gostaria de ser ainda mais fácil, uma coisinha bem pequenininha que você
pudesse carregar sempre no bolso. [...] Alex, escreva o mais rápido que puder e mesmo que
não seja verdade, diga-me que me ama muito e não consegue viver sem mim. [...]
Sua chamaca, escuincla ou mulher ou o que você quiser [aqui Frida desenha três
figuras mostrando esses três diferentes tipos de mulher].
Frieda
No sábado vou levar seu suéter e os seus livros e várias violetas porque na minha casa
tem um monte. [...]
141
1º de janeiro de 1925
8 de Dezembro de 1938
Minha criança...
Da grande ocultista
Frieda
144
16 de fevereiro de 1939
Xóchitl
145
De Fevereiro de 1939
Hoje de manhã, depois de tantos dias de espera – sua carta chegou. Eu me senti tão
feliz que antes de começar a ler eu já estava chorando. Minha criança, eu realmente não devo
reclamar sobre nada que aconteça comigo na vida, já que você me ama e eu te amo. Isso é tão
real e bonito que me faz esquecer todas as minhas dores e problemas, me faz esquecer todas
as minhas dores e problemas, me faz esquecer até mesmo a distância. Suas palavras me fazem
sentir tão próxima de você que posso até sentir sua risada. Aquela gargalhada tão límpida e
honesta que só você tem. Estou contando os dias pra voltar. Mais um mês! E estaremos juntos
de novo.
Eu me sinto muito fraca depois de tantos dias com febre porque a maldita infecção dos
colibacilos faz a gente se sentir podre. O médico me disse que eu devo ter comido alguma
coisa que não estava muito limpa (salada ou frutas com casca). Aposto a minha cabeça que foi
na casa do Breton que eu peguei essa porcaria de cobacilos. Você não faz ideia da sujeira em
que essa gente vive e o tipo de comida que eles comem. É uma coisa inacreditável, nunca
tinha visto coisa parecida em minha vida. Por algum motivo que eu ignoro, a infecção passou
dos intestinos pra bexiga e pros rins, então estou há dois dias sem fazer xixi e agora sinto que
vou explodir a qualquer minuto. Felizmente tudo está bem agora, e a única coisa que me resta
a fazer é descansar e ter uma dieta especial.
Meu querido, devo dizer uma coisa, você é um menino malvado. Por que me mandou
um cheque de 400 pratas? Seu amigo “Smith” é imaginário – muito doce, de fato, mas diga
pra ele que vou ficar com o cheque dele intacto até voltar pra Nova York, e lá acertaremos as
coisas. Meu Nick, você é a pessoa mais doce que eu já conheci. Mas ouça, querido, eu
realmente não estou precisando de dinheiro agora, recebi algum do México, então agora eu
sou uma vadia rica, sabe? Tenho o suficiente pra ficar aqui mais um mês. Tenho minha
passagem de volta. Tudo está sob controle, então, realmente, meu amor, não é justo que você
gaste nenhum dinheiro extra. Em todo caso, você não pode imaginar quanto eu apreciei seu
desejo de me ajudar. Não tenho palavras pra dizer a alegria que me dá pensar que você estava
querendo me ver feliz e de saber quanto você é adorável e tem bom coração. – Meu amante,
meu mais doce de todos, mi Nick – mi vida – mi niño, te adoro.
Fiquei mais magra por causa da doença, então, quando estivermos juntos, é só você
soprar e... lá vai ela! Flutuando pelos cinco andares do Hotel La Salle. Escute, garoto, você
toca todo dia o sinal de saída de incêndio “cuméquechamaquilo” na parede no corredor da
nossa escada? Não se esqueça de fazer isso todo dia, não se esqueça também de dormir na sua
almofada, porque eu a adoro. Não beije mais ninguém enquanto estiver lendo as placas e
nomes das ruas. Não leve mais ninguém pra passear no Central Park. Ele pertence apenas ao
Nick e à Xochitl. – Não beije mais ninguém no sofá do seu escritório. Só a Blanche Heys
pode fazer massagem no seu pescoço. Só a Man você pode beijar quanto quiser. Não faça
amor com mais ninguém, se puder evitar. A não ser que encontre uma legítima G.V. [Gostosa
de Verdade], mas não a ame. Brinque com seu trenzinho elétrico de vez em quando se não
chegar muito cansado em casa. Como vai Joe Jinks? Como está o homem que faz massagens
em você duas vezes por semana? Eu o odeio um pouco, porque ele roubava você por muitas
horas. Tem praticado esgrima? Como está o Georgio?
146
Por que você me diz que sua viagem a Hollywood foi bem-sucedida só pela metade?
Me conte, meu querido. Não trabalhe tanto, se puder evitar. Porque você fica cansado no
pescoço e nas costas. Diga para Man cuidar de você e pra fazer você descansar quando estiver
cansado. Diga para ela que eu sou muito apaixonada por você, que você é meu querido e meu
amante, e que enquanto eu estiver longe ela deve te amar mais do que nunca pra te fazer feliz.
O seu pescoço está te incomodando muito? Estou mandado daqui milhões de beijos
pro seu lindo pescoço, pra que ele fique melhor. Toda a minha ternura e carícias pro seu
corpo, da cabeça aos pés. Eu beijo à distância cada centímetro dele.
Ponha sempre pra tocar no gramofone o disco de Maxine Sullivan. Sempre estarei aí
com você ouvindo a voz dela. Posso ver você deitado no sofá azul com sua capa branca. Vejo
você acertando a escultura junto da lareira, eu vejo claramente, e posso ouvir sua risada – é
como a risada de uma criança, quando você faz direito. Oh, meu querido Nick, eu te amo
tanto, eu preciso tanto de você, que meu coração chega a doer.
Xóchitl