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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM
ARQUITETURA
PROPAR

GASPARD MONGE E A
SISTEMATIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NA
ARQUITETURA

ELIANE PANISSON

Orientador
FERNANDO FREITAS FUÃO

Porto Alegre, 2007


2

ELIANE PANISSON

GASPARD MONGE E A
SISTEMATIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NA
ARQUITETURA

Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e


Pós-graduação em Arquitetura da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Arquitetura.

Orientador
FERNANDO FREITAS FUÃO

Porto Alegre, 2007


3

ELIANE PANISSON

GASPARD MONGE E A
SISTEMATIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NA
ARQUITETURA

Banca Examinadora:

Professor Doutor Fernando Freitas Fuão


PROPAR - UFRGS – Orientador

Professora Doutor Adriane Almeida Borda da Silva


UFPel – Examinadora

Professor Doutor Airton Cattani


PROPAR - UFRGS – Examinador

Professor Doutor Underléa Bruscato Portella


UNISINOS – Examinadora

Porto Alegre, 2007


4

Há um longo tempo tenho me


dedicado ao ensino de geometria
descritiva em cursos de Arquitetura. A
posição de docente me permitiu a
observação privilegiada do intrincado
processo de representação e
compreensão do espaço arquitetônico
por parte dos estudantes. Tenho
buscado refletir sobre os fundamentos
em que se apóiam estes saberes, em
especial no que se refere à
representação mongeana. Apresento
nesta pesquisa os escritos que
configuram a tese intitulada “Gaspard
Monge e a sistematização da
representação na arquitetura”.
Apresentar este trabalho na
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul me leva a feliz coincidência de ter
nesta Universidade um local acolhedor
ao estudo crítico da geometria descritiva,
para a qual tenho me dedicado, uma vez
que na sua Escola de Engenharia, no
ano de 1955, ocorreu o I Simpósio
Nacional de Geometria Descritiva.
5

Dedico estes escritos especialmente


aos alunos de arquitetura, razão de ser
deste trabalho. Para tanto, assumo a
humildade de Vitruvius, o primeiro
arquiteto a escrever sobre arquitetura,
que chega até nós no seu livro I
justificando:

“Assim, o César, eu suplico a ti e a


quantos leiam o meu livro, que se
alguma coisa não está explicada com
adequação [...], que me seja perdoado,
uma vez que não sou um grande
filósofo, nem um eloqüente orador,
nem um excelente gramático, mas um
modesto arquiteto, que se empenhou
em escrever estas coisas que não lhe
são estranhas.”
6

Agradeço aos Professores e Amigos

que participaram na trajetória

deste trabalho, em especial ao meu

Orientador, pelo companheirismo e


pelas sábias e minuciosas observações
feitas durante a investigação.

Agradeço aos meus filhos,

Júlia, Maria, Pedro e Thereza

que comigo se envolveram

para o meu crescimento

neste trabalho que trata do instigante


tema da representação.
7

Dá-se, à geometria descritiva, a noção de um


tranqüilo lago onde preguiçosamente se banha,
quando necessário, o desenho.
Como toda água parada é passível de
deterioração, está a descritiva relegada àquele
estado de decomposição que repugna
naturalmente a todo espírito sequioso de
investigação. (ANDRADE, 1955, p. XXII).
8

PANISSON, Eliane. Gaspard Monge e a sistematização da representação na


arquitetura. 2007. Tese (doutorado em arquitetura) – Programa de Pesquisa e Pós-
Graduação em Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre, 2007.

Esta tese trata da contextualização da geometria descritiva como sistema de


representação na arquitetura. Desenvolve-se a partir da desconstrução da
Géométrie descriptive de Gaspard Monge, publicada em 1799, acompanhando a
exposição de seu autor desde o conteúdo da capa até a sua última página, de onde
são destacadas partes a serem estudadas entre os textos, desenhos e a própria
apresentação da obra.

Desconstruir a teoria mongeana apresenta-se relevante neste estudo por investigar


sobre as lições dadas por Monge em 1799, que coexistem até o momento com
outras representações, entretanto sem um questionamento e entendimento
epistemológico.

Considerando que existem distorções na exposição original das lições mongeanas


em obras subseqüentes à Géométrie descriptive e que conceitos de representação
determinam limites de compreensão do espaço que implicam na própria arquitetura,
este estudo dá abertura de resignificação à teoria original de Monge no ensino de
arquitetura.

Palavras chave: ensino de arquitetura, Gaspard Monge, geometria descritiva,


representação na arquitetura.
9

PANISSON, Eliane. Gaspard Monge e a sistematização da representação na


arquitetura. 2007. Tese (doutorado em arquitetura) – Programa de Pesquisa e Pós-
Graduação em Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre, 2007.

This thesis is about the descriptive geometry contextualization as an Architecture


representation system. It was developed after Gaspard Monge’s Géométrie
descriptive deconstruction, published in 1799, accompanying its author exposition
since its cover content until its last page, form where parts are detached to be studied
among the texts, draws and the own handiwork presentation.

To deconstruct Monge’s theory is relevantly presented in this study for investigate


Monge’s lessons taught in 1799 that coexists until this moment with different
representations, without any question and epistemology understanding.

Considering that there are distortions in the original Monge lessons exposition in
Géométrie descriptive following handiwork and that its representation concepts
determinate limits to the space comprehension that imply the Architecture itself, this
study gives opening to Monge’s original theory resignification in the Architecture
teaching.

Key-words: Architecture teaching, Gaspard Monge, descriptive geometry,


Architecture representation.
10

Figura 1.1 – Representação das ordens das colunas dos estudos de Vitruvius de Cesare Cesariano
(1521) .....................................................................................................................................................62
Figura 1.2 – Método de construção da perspectiva exposto no De Pictura, do século XVI, de Leon
Battista Alberti. .......................................................................................................................................64
Figura 1.3 – Construção das projeções de um cubo em posição genérica (Figuras LIII e LIV que
ilustram De prospectiva pingendi). .........................................................................................................67
Figura 1.4– Construção das projeções e das seções horizontais de uma cabeça humana (Figuras
LXIII e seguintes que ilustram De prospectiva pingendi).......................................................................68
Figura 1.5– Desenhando o alaúde, gravura extraída da ‘maneira de medir’ da obra Under Weysung
der messung mit dem Zirckel und richt/Scheyt, edição de 1525. ..........................................................69
Figura 1.6 – Desenhando a mulher nua, gravura extraída da ‘maneira de medir’ da obra Under
Weysung der messung mit dem Zirckel und richt/Scheyt, edição de 1538. ..........................................70
Figura 1.7 – Representação em perspectiva com método prático, extraída do Le premier tome de
l’Architecture (DE L’ORME, 1567)..........................................................................................................70
Figura 1.8 – Carta da Holanda de 1575, sugerindo a compreensão do espaço com o conhecimento da
axonometria, revelada na posição do observador que se coloca dentro de um espaço em
representação axonométrica..................................................................................................................72
Figuras 1.9 – Assentamento de peças dos arcos, ilustração de l’Orme (1561, p. 8). ...........................74
Figuras 1.10 – Assentamento de peças dos arcos, ilustração de l’Orme (1561, p. 11). .......................74
Figuras 1.11 – Determinação de ‘círculos alongados’, ilustração de l’Orme (1561, p. 13). ..................74
Figuras 1.12 – Outra maneira de determinar ‘círculos alongados’, ilustração de l’Orme (1561, p. 14).74
Figura 1.13 – Representação para determinar tamanhos reais das partes de uma abóboda, ilustração
de l’Orme (1576).....................................................................................................................................75
Figura 1.14 – Ponte de Vicenza, representação de Palladio.................................................................75
Figura 1.15 – Exemplo de traçado da perspectiva inventado por Desargues, extraído de um pequeno
folheto de doze páginas publicado com o título de L’exemple de l’une des manières universelles du
S.G.D.L., em Paris (1636). .....................................................................................................................77
Figura 1.16 e 1.17 – Perspectiva e fachada com os princípios teóricos sobre o corte das pedras,
propostos por Desargues (1640)............................................................................................................77
Figura 1.18 - Representação da solução de problema construtivo, apresentada por Jousse (1642,
p.51). ......................................................................................................................................................78
Figura 1.19 – Interpretação gráfica (em perspectiva e projeções ortogonais) da idéia de Descartes,
explicada sem desenho ilustrativo em um parágrafo da sua obra La Géométrie (1664,p.64) ..............79
Figura 1.20 – Representações apresentadas por Bosse (1643, p. XLII, à esquerda e p. XLUV, à
direita).....................................................................................................................................................80
Figura 1.21 – Teorema sobre a projeção ortogonal de linhas curvas no espaço. (FRÉZIER, 1737,
tomo I, livro II, prancha 16).....................................................................................................................82
Figura 1.23 e 1.24 – Projeções ortogonais e axonometria. ...................................................................90
Figura 1.25 – Habitações coletivas de Le Corbusier em Bordeaux-Pessac..........................................93
Figura 2.1 – Newton de Blake (1795). .................................................................................................163
Figura 2.2 – Cenotáfio de Newton de Étienne Louis Boulée. Essai sur l’art. ......................................174
11

Figura 2.3 – Capa da obra de DURAND..............................................................................................175


Figura 2.4 – Estudos das proporções das colunas, extraído de L’idea della architettura universale, de
Vicenzo Scamozzi de 1615. .................................................................................................................176
Figura 2.5 – Correção ótica extraída do Trattato sopra gli errori degli architetti de Teofilo Gallaccini,
1767......................................................................................................................................................177
Figura 2.6 – Composição de edifícios a partir do quadrado de Jean-Nicholas-Louis Durand do seu
livro Précis de leçons d’architecture.....................................................................................................178
Figura 2.7 – Grelhas e traçados da marche à suivre dans la composition de Jean-Nicholas-Louis
Durand do seu livro Précis de leçons d’architecture. ...........................................................................178
Figura 2.8 – Superfícies retilíneas de revolução, cônica, cilíndrica e hiperbolóide.. ...........................181
Figura 2.9 – Concepção medieval representando Cristo que utiliza um compasso, metaforicamente a
geometria para reconstruir o mundo a partir do caos original. ............................................................184
Figura 2.10 – Pedra tumular de Huges Libergier (Caisse Nationale des Monuments historiques).....186
Figura 2.11 – Modelo de universo segundo a concepção ptolomaica da edição de 1539 da
Cosmografia de Pietro Apiano. ............................................................................................................200
Figura 2.12 – Modelo de universo apresentado na primeira edição (1543) do De Revolutionibus
Orbium Coelestium de Nicolau Copérnico. ..........................................................................................201
Figura 2.13 – Representação da estrutura dos vórtices de Descartes em 1644.................................202
Figura 2.14 – Estudos sobre lugar geométrico propostos por Fourier.................................................208
Figura 2.15 – Representação ideal da tabuleta e do espelho na experiência de Brunelleschi. ..........211
Figura 2.16 – Projeção ortogonal de uma reta, colocando em evidência as linhas de projeções de
cada ponto.(MONGE, 1799, planche I, fig. 1) ......................................................................................215
Figura 2.17 – Representação das projeções do ponto. .......................................................................215
Figura 2.18 – Projeção ortogonal de uma reta, colocando em evidência as linhas de projeções de
cada ponto.(MONGE, 1799, planche I, fig. 2 e 3) ................................................................................216
Figura 2.19 –Representação do cubo através de mudanças de planos de projeção..........................222
Figura 2.20 – Representação de poliedro em sistema diédrico a partir de fundamentos de geometria
plana.....................................................................................................................................................224
Figura 2.21 – Villa composta por três cubos extraída de Lectures on architecture, 2ª edição de 1759.
..............................................................................................................................................................225
Figura 2.22 –Os elementos dos edifícios e o método a seguir no projeto de um edifício qualquer,
extraídos dos fascículos do curso de Durand na École Polytechnique. ..............................................226
Figura 2.23 – Aritmética. ......................................................................................................................229
Figura 2.24 – Geometria. .....................................................................................................................229
Figura 2.25 – Capa da obra La Nova Scientia (1550) de Nicolò Tartaglia. .........................................231
Figura 2.26 - Ilustração da idéia de Monge, sobre as gerações das superfícies cilíndricas. ..............233
Figura 2.27 - Ilustração da idéia de Monge, sobre seções em superfícies utilizando recursos de
informática. ...........................................................................................................................................237
Figura 2.28 – Aplicação da idéia de geração de superfícies de Monge aplicada à solução de um
problema de arquitetura . .....................................................................................................................238
12

INTRODUÇÂO..........................................................................................................14
1 PROBLEMÁTICA........................................................................................................................17
2 JUSTIFICATIVA.........................................................................................................................30
3 HIPÓTESE..................................................................................................................................35
4 OBJETIVOS................................................................................................................................36
4.1 Objetivo Geral .....................................................................................................................36
4.2 Objetivos Específicos ..........................................................................................................36
5 METODOLOGIA .........................................................................................................................37
6 ESTRUTURA DA TESE .............................................................................................................40

DESVELANDO A REPRESENTAÇÃO ARQUITETÔNICA......................................42


CONTORNANDO CONCEITOS E HISTÓRIA DA REPRESENTAÇÃO EM ARQUITETURA ........44
1.1 DELIMITAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE REPRESENTAÇÃO ARQUITETÔNICA ..............45
1.2 UMA TEORIA DE REPRESENTAÇÃO DESCRITIVA? ..........................................................53
1.3 DELINEANDO A HISTÓRIA DA REPRESENTAÇÃO ARQUITETÔNICA..............................57
1.3.1 EXPERIMENTANDO E OBSERVANDO COM O APOIO DA MATEMÁTICA .................58
Do século XV ao final do século XVIII.......................................................................................58
1.3.2 A COMPREENSÃO CIENTÍFICA ....................................................................................86
Do final do século XVIII até o presente.....................................................................................86

PONTUANDO A REPRESENTAÇÃO MONGEANA ........................................................................95


2.1 TRABALHOS DE MONGE ......................................................................................................97
2.2 CONTEXTO DA SISTEMATIZAÇÃO DA TEORIA MONGEANA ...................................101
2.3 GASPARD MONGE É O PAI DA GEOMETRIA DESCRITIVA? ...........................................108
2.4 GEOMETRIA DESCRITIVA, UMA HERANÇA DA MATEMÁTICA OU DO DESENHO? .....112
2.5 REPERCUSSÃO DA OBRA DE MONGE .............................................................................115
2.6 REPERCUSSÃO NO BRASIL ..........................................................................................119

DESCONSTRUINDO A TEORIA MONGEANA ......................................................128


DESCOBRINDO A TEORIA MONGEANA .....................................................................................130
1.1 A CAPA..................................................................................................................................131
1.2 O ÍNDICE ...............................................................................................................................134
1.3 A ADVERTÊNCIA..................................................................................................................147
1.4 O PROGRAMA ......................................................................................................................150
1.4.1 O PENSAMENTO MODERNO E O ILUMINISMO.........................................................151
1.4.2 REPRESENTAÇÃO E PODER ......................................................................................152
1.4.3 REPRESENTAÇÃO, LINGUAGEM, VERDADE ............................................................160
13

1.4.4 REPRESENTAÇÃO E PROGRESSO ...........................................................................168


1.4.5 REPRESENTAÇÃO NAS ARTES INCLUINDO A ARQUITETURA ..............................170
1.4.5.1 DURAND....................................................................................................................174
1.4.5.2 QUATRÉMÉRE..........................................................................................................179
1.4.6 IMPRIMIR E SURTIR EFEITO .......................................................................................182
1.4.7 UM MUNDO REPRESENTADO COM RÉGUA E COMPASSO....................................184
1.4.8 NECESSIDADE DE APLICAÇÃO ..................................................................................187
1.4.9 MAIS UMA VEZ: ENSINAR PARA AUMENTAR O PODER NACIONAL ....................192

REPLICANDO A TEORIA MONGEANA.........................................................................................194


2.1 A GEOMETRIA DESCRITIVA ...............................................................................................195
TEM DOIS OBJETIVOS ..............................................................................................................195
2.2 A POSIÇÃO DE UM PONTO NO ESPAÇO ..........................................................................197
2.1.3 REFERÊNCIA ................................................................................................................203
2.1.4 PROJEÇÃO ORTOGONAL ...........................................................................................209
2.1.7 PROJEÇÃO DE UMA RETA ..........................................................................................214
2.1.8 PLANOS DE PROJEÇÃO ............................................................................................218
2.1.9 VERDADEIRA GRANDEZA DE UMA RETA .................................................................220
2.1.10 POLIEDROS ................................................................................................................222
2.1.11 GEOMETRIA DESCRITIVA & ÁLGEBRA....................................................................227
2.1.12 CLASSIFICAÇÃO DAS SUPERFÍCIES .......................................................................232
2.1.13 SUPERFÍCIES CURVAS .............................................................................................234
2.1.14 INTERSECÇÃO DAS SUPERFÍCIES CURVAS..........................................................236
2.1.15 APLICANDO SUPERFÍCIES CURVAS .......................................................................237
2.1.16 APROFUNDANDO O ESTUDO DAS SUPERFÍCES CURVAS .........................238
2.1.17 ADIÇÕES .....................................................................................................................239
Ainda, um depois da tese........................................................................................................244

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................246

ANEXO 1..................................................................................................................257

ANEXO 2..................................................................................................................261

ANEXO 3……………………………………………………………………………..…....269
14

Conceitos de representação utilizados na arquitetura e no ensino dela


moldam-se em determinados limites, nos quais a compreensão do espaço é
absorvida segundo particularidades. As possibilidades de compreensão do espaço
por meio do que é representado nem sempre esgotam todo entendimento possível a
seu respeito, em decorrência dos limites de cada teoria da representação.

O que ultrapassa os limites de cada teoria pode vir a ser considerado não
saber, entendido como irrepresentável. A geometria descritiva, por exemplo, pode
ser entendida como uma teoria que coloca a representação do espaço em códigos
previamente definidos e cuja decodificação esta previamente delimitada.

A teoria da representação de Gaspard Monge, denominada por ele mesmo


de “geometria descritiva”, deriva do contexto histórico do Iluminismo. É uma teoria
que se doutrina na Modernidade durante a Revolução Francesa. Entendemos aqui
a expressão “Modernidade” como o período em que há uma grande crença na
racionalidade, no qual a normatização está focalizada. Nesse enfoque, trata-se de
uma teoria datada que tem como pressuposto epistemológico uma matriz teórica da
representação do espaço estruturada no cartesianismo estabelecendo a experiência
própria interpretada à luz da razão.

Na sistematização da representação proposta por Gaspard Monge na obra


Géométrie descriptive de 1799 revela-se o desejo da exatidão absoluta através da
abstração matemática. Este sistema coloca a possibilidade do objeto ser
representado por uma seqüência de operações geométricas independentes da
15

preexistência do objeto a ser representado, com aplicabilidade a um grande número


de artes.

No presente estudo, partimos do princípio de que a representação e a


compreensão do espaço preconizadas por Monge na geometria descritiva em 17791
coexistem até o momento com outras possibilidades de representação, resistindo a
rupturas inerentes aos sistemas de representação ocorridas no contexto da
Modernidade. A representação do espaço em que se insere a geometria descritiva
como um empreendimento matemático adequava-se ao projeto do Iluminismo por
presumir a existência de um mundo controlado e organizado de forma racional como
único modo correto de representá-lo. O sistema de representação foi reconhecido,
somente, no início do século XIX, quando passou a ser utilizado no desenvolvimento
de tecnologias industriais e na engenharia. Entretanto, ainda no início do século XIX,
contestações ao pensamento Iluminista subsidiavam uma crescente ênfase na
diversidade de representações do espaço, amparadas pela quebra da unidade da
linguagem matemática com a descoberta das geometrias não-euclidianas. Passava
então o espaço a ser representado pelas axomometrias, pela topologia, pelas
influências do dadaísmo, surrealismo, cubismo, realismo, entre outras maneiras de
representá-lo, contudo sem o desaparecimento da representação mongeana.

Em síntese, neste estudo também buscamos esclarecer como é


representado e compreendido o espaço a partir da geometria descritiva
sistematizada por Gaspard Monge até a atualidade no campo da arquitetura.

A abordagem que apresentamos neste trabalho acerca dessa teoria da


representação é uma acepção crítica. Utilizando os saberes aplicados a partir desta
teoria, cotejados com outros saberes referentes à representação do espaço - os
diferentes tipos de perspectivas, por exemplo - como referencial, podemos obter
resultados que servem de base aos trabalhos que utilizam a representação na
arquitetura.

É inegável a contribuição desta análise crítica a esse sistema representativo


no âmbito pedagógico por tratarmos da teoria de Monge, que foi exposta com

1
MONGE, G., Géométrie Descriptive. Paris: Baudoin, 1799.
16

caráter didático e ainda permanece no meio acadêmico. Dessa maneira,


desconstruirmos a teoria mongeana implica desestruturarmos o próprio ensino da
representação na arquitetura. Tal contribuição comparece oportunamente,
considerando que essa teoria convive no ensino da arquitetura com outras teorias da
representação, carecendo de questionamento e entendimento epistemológico.

Investigarmos a teoria mongeana do ponto de vista epistemológico


necessariamente trata de entender como se implanta e se sustenta esse
conhecimento de representação na arquitetura. Isto é, considerarmos que por baixo
da especialização própria de cada campo de conhecimento fluem certas correntes
subterrâneas que transferem idéias de um âmbito a outro.

O tema central da tese é singular: a teoria da representação de Monge.


Entretanto, em sua abordagem abrangemos outros saberes próximos,
desenvolvendo-a com referência em diversas ciências, entre as quais se destacam a
filosofia, a matemática e o desenho. Contribui neste estudo a filosofia como suporte
reflexivo que abarca a natureza de todas as coisas e suas relações entre si. A
matemática e o desenho se enlaçam como campos do conhecimento no qual se
insere a representação mongeana, uma ciência matemática expressa através do
desenho. Nesta tese buscamos expor pensamentos que reflitam sobre a teoria da
representação proposta pela geometria descritiva. Ao mesmo tempo, traçamos
possibilidades de compor um quadro epistemológico da representação do espaço
como questão da arquitetura. No aprofundamento dessa abordagem devemos trazer
em discussão repercussões da representação arquitetônica sobre os conceitos e a
própria filosofia do projeto arquitetônico. Definimos esta investigação pelo propósito
de ser reconstrutiva, embora parta da deconstrução de uma teoria.

A idéia de estudarmos a obra de Monge numa tese de doutorado em


arquitetura enquadra-se na história e compreensão da representação do espaço
para a arquitetura, visto que grande parte dos estudos sobre a obra de Monge foi
realizada por matemáticos, não por especialistas de representação gráfica ou
arquitetura. Moldamos o caráter da tese então nesta perspectiva subsidiada pela
obscuridade ou encobrimento que a geometria descritiva, cujas origens se
encontram na matemática, mantém com a produção arquitetônica, carecendo de um
questionamento epistemológico com enfoque na arquitetura. O desenvolvimento da
17

tese requer, por isso, uma busca da fundamentação epistemológica da


representação arquitetônica e a realização de um minucioso estudo crítico na obra
Géométrie descriptive (1799) de Gaspard Monge. Pretendemos não perder a
historicidade da teoria proposta na obra na medida em que buscamos sua
contextualização e significação no processo de representação arquitetônica.

Assim, uma das partes deste estudo está próxima das ciências exatas ao
passo que na outra a natureza do desenvolvimento assemelha-se aos problemas
filosóficos. A arquitetura mantém interveniências com ambas. Trata-se de uma união
de áreas do conhecimento que se apóiam, enquanto os enunciados da teoria da
representação de Monge ultrapassam os limites que lhe deram origem.

1 PROBLEMÁTICA

O cenário da projetação e ensino da arquitetura se desenvolvendo em


instâncias distintas a arquitetura construída leva a uma reflexão sobre a natureza da
sua forma de representar. Em relação à representação arquitetônica, o discurso
gráfico historicamente tem sofrido variações, colocando-a numa pluralidade de
possibilidades que obrigam os arquitetos a fazerem suas escolhas.

Na origem dessa pluralidade de representações arquitetônicas aparece o


próprio conceito de espaço arquitetônico, com a diversidade no seu entendimento
alimentando tais possibilidades. Valldecabres (1983) nos diz que falar de espaço
arquitetônico é dar a entender que se está fazendo menção a duas acepções: do
espaço que alguns chamam de espaço topológico, conceitualizado, e do espaço
experimentado ou sensitivo, sem estabelecer diferenças entre eles. O espaço
topológico físico pode definir-se e quantificar-se matematicamente, ao passo que o
espaço perceptivo mantém sua interpretação em função das condições perceptivo-
culturais do leitor-receptor.

A noção do espaço que rodeia o homem intervém nos processos de


representação, entretanto “qualquer representação gráfica, porquanto fiel à
realidade, proporcionada e precisa nos pormenores, particularizada em cada uma
das suas partes, é sempre uma interpretação e, por isso, uma tentativa de
explicação da própria realidade” (MASSIRONI, 1982, p. 69). A referência para essas
18

representações está no corpo de quem as realiza, no modo como esse corpo


apresenta a realidade, mantendo deslocamentos conceituais que apresentam a
representação do espaço entre a percepção sensível e a abstração inteligível.

No Renascimento, por exemplo, a representação em perspectiva registrava


a percepção sensível na qual o corpo que registra uma realidade, necessariamente,
se encontrava em determinado espaço, num determinado momento, com uma
atitude de presença, onde o olhar que vê a realidade a reproduz. Portanto, o corpo
de quem registra está presente e a medida deste corpo serve de referência à
representação.

Dos ateliês dos pintores e escultores do Renascimento, em especial os


italianos, nasceram academias de arte que se constituíram em novas escolas de
formação de arquitetos. A Academia de Arquitetura de Paris foi fundada em 1671,
inspirada no Renascimento italiano. Essas novas escolas substituíam o canteiro de
construção que, de fato, por excelência, se constituía o lugar do aprendizado do
ofício de construir, a verdadeira escola de arquitetura. Até esta época,
historicamente, tudo que dizia respeito à construção enquadrava-se no campo da
arquitetura. (GRAEFF, 1995)

Mais recentemente, com as tecnologias digitais, o sujeito que representa não


necessariamente se faz presente no espaço a ser representado; o que impera é a
mente coordenando a representação de um espaço absoluto. Para Dorfman (2003),
estamos entrando na era do número, na qual o computador pode ligar pontos por
segmentos, com linhas contínuas e até mesmo extrapolar uma função matemática.

Sobre essas tentativas de explicar a realidade através da representação,


Reyes (2004, p. 390) conclui: “Antes, a representação pela via sensível era captada
pelo inteligível através dos seus métodos de correção; agora, é o inteligível que
tenta se aproximar do sensível através das realidades virtuais”.

Marcando um ponto de ruptura entre os conceitos de representação do


espaço sensível e inteligível é que a representação mongeana comparece como
19

sistema de representação2, um sistema de representação que se afasta do


espelhamento do que já existe, da realidade existente, enquanto liberta o imaginário
para a criação de novos objetos.

Desde o nascimento da ciência moderna, com Galileu e Kepler, a


relação entre realidade e conhecimento, sua origem, seu método, seus
limites, tem sido sempre complexa. Esta relação tão variável ao longo
das diversas épocas tem levado sempre em sua natureza uma disputa,
uma discussão irreconciliável, em que o conhecimento parece ganhar
sempre a batalha, porém a realidade permanece sempre alguns
passos adiante, sem deixar-se atrapalhar. [...] o mundo real, não se
adapta inteiramente a nossos modelos, no que por muito que
estreitemos a trama da rede, a realidade sempre encontra um buraco
pelo qual escapar. Esta relação entre modelo e realidade não ocorreu,
exclusivamente, no campo da ciência e, também, tem sido um debate
de importância para a arte. Debate que, em ambos os casos, esta
inserido a um inevitável vínculo temporal, se pensarmos que cada
época tem suas próprias preocupações, que não existe conhecimento
se não foi formulada antes uma pergunta, se não existe um
questionamento ao que dar resposta. Este questionamento aponta e
dirige as buscas e tem, inevitavelmente, uma relação direta com as
inquietudes da época em que se formula. (GUTIÉRREZ, 2003, p. 15-
3
16, tradução nossa)

Estabelecermos relação entre os questionamentos e as buscas que foram


feitas no âmbito da teoria mongeana constitui interesse nesta investigação, no
sentido de investigarmos o como a teoria mongeana se sustenta na representação
da realidade que ela mesma contribui na construção. E mais, entendermos o que
essa teoria da representação buscava solucionar em cada época, desde a sua
publicação, considerando que cada época tem suas inquietudes específicas.

2
Comenta-se sobre sistemas de representação na parte I, capítulo 1 deste trabalho, o qual é
dedicado ao delineamento conceitual de representação na arquitetura.
3
“Desde el nacimiento de la ciencia moderna, con Galileo y Kepler, la relación entre realidad y
conocimiento, su origen, su método, sus límites, ha sido siempre compleja. Esta relación tan variable
a lo largo de las diversas épocas ha llevado siempre en su naturaleza una disputa, una discusión
irreconciliable en la que el conocimiento parece ganar siempre la batalla, pero donde la realidad
permanece siempre unos pasos por delante sin dejarse atrapar. [...] el mundo real, no se adapta
enteramente a nuestros modelos, en el que por mucho que estrechemos la trama de la red, la
realidad siempre encuentra un hueco por el que escapar.

Esta relación entre modelo y realidad no se ha dado exclusivamente em el campo de la ciencia, sino
que también ha sido un debate de importancia para el arte. Debate que, en ambos casos, está atado
a um inevitable vínculo temporal si pensamos que cada época tiene sus propias preocupaciones, que
no existe conocimiento si no se há formulado antes una pregunta, si no existe un interrogante al que
dar respuesta. Este interrogante marca y dirige las búsquedas y tiene, ineludiblemente, una relación
directa con las inquietudes de la época em que se formula.”
20

No âmbito da sistematização mongeana, o papel da razão alimentava


discussões e polêmicas. Essas inquietações culturais, constituídas em fundamentos
das novas exigências requeridas para a arquitetura, que necessariamente era
tratada como científica e técnica, rebatiam a sua visão academicista de
manifestação de arte-plástica. Nesse contexto, no final do século XVIII, ocorre o
fechamento da Academia de Arquitetura e a criação da Escola Politécnica de Paris
cujo programa de ensino foi, conforme Graeff (1995, p. 58), elaborado por diversos
homens de ciência sob a liderança do famoso matemático Gaspard Monge.

Assim, a Revolução Francesa interfere na fundação da Escola Politécnica e


na dicotomia arquitetura-engenharia, legando ao título de arquiteto a perda de valor
de status e distinção à luz dos critérios oficiais e, de certa maneira, também, à
opinião pública. Esse fato e suas conseqüências na arquitetura do século XIX não se
restringem à França, uma vez que, nesse contexto revolucionário, a França
determinava rumos na cultura. O mais provável é que entre os criadores da
Politécnica tivesse crédito a idéia da engenharia, com base na tecnologia científica,
ocupar e dominar o campo da arquitetura ou de, depois da revolução tecnológica, a
arquitetura passar a constituir apenas um ramo especializado da engenharia. Essa
idéia vigorou entre educadores da engenharia até fins da década de 50, pelo menos
no Brasil. (GRAEFF,1995)

Nos interessa, neste trabalho, abordar as relações existentes entre


arquitetura e engenharia, no que diz respeito a teoria mongeana. O como ocorre a
transposição de um saber sistematizado com visão tecnicista para a arquitetura.
Portanto, tratamos a inserção das lições de geometria descritiva ao ensino da
arquitetura do final do século XVIII e início do século XIX.

Avançando no problema de como se relaciona a teoria mongena com a


arquitetura, além da sua inserção nas instituições de ensino, apresentamos o como
esta influencia a construção dos novos espaços da sociedade. Ferro (2005, p. 99)
afirma que

a geometrização e homogeinização do espaço de representação são


fenômenos dependentes do predomínio de valor, do tempo e do
trabalho abstratos, [...] são fundamentais para medir-lhe e dar-lhe chão.
A regularidade de métodos e procedimentos, a sistematização do
espaço, [...] auxiliam nas condições epistemológicas e operacionais
que o mantém.
21

Com algumas adaptações, as tendências mais eficazes do desenho


industrial penetram, durante o século XIX, na manufatura da
construção. As adaptações são principalmente redutoras e
imobilizantes. Afastados das máquinas mais complexas e da acuidade
crescente, o canteiro, constituído sempre por trabalhadores em
colaboração e seus instrumentos elementares, não suportaria tipos
mais elaborados de representação.
Ao tratarmos de representação gráfica, é habitual que se faça referência
como geometria descritiva aos diferentes sistemas de representação, entre os quais
o diédrico, o cônico, o axonométrico e o cotado. Geometria descritiva, originalmente,
é o sistema diédrico, somente. Entretanto, é inegável que em todos esses sistemas
de representação, em contraponto à representação por desenho livre, encontramos
um denominador comum, identificado como um grau de racionalidade, decorrente de
um maior ou menor uso da geometria. Sobre esses sistemas de representação
auxiliados pela geometria, o debate faz transposições que vão das matemáticas que
apóiam os sistemas à atividade criadora que neles se apresenta, nas estratégias de
sua utilização.

Contribuem com a delimitação original do sistema de representação diédrico


reconhecido como geometria descritiva, as considerações de Cabezas (1997,p.167-
168):

Por razões históricas, que tem que remontar a genial colocação de


Gaspard Monge, o sistema diédrico ou de dupla projeção, que também
se chamou de sistema de Monge, tem sido considerado de maior
utilidade e com uma categoria científica superior a outros sistemas; por
contraste, as conotações artísticas de caráter subjetivo que haviam
marcado historicamente a perspectiva, lhe excluíram da posição
superior que alcançou o sistema diédrico desde os primeiros momentos
de sua formulação.
O próprio caráter de "metassistema" outorgado ao diédrico se
justificava pela possibilidade de desenvolver, desde ele mesmo, a
perspectiva como uma aplicação deste sistema de dupla projeção;
deste modo não é infreqüente ler nos índices dos tratados de
geometria descritiva uma parte que tenha por título ‘aplicação a
perspectiva’. (tradução nossa)4

4
“Por razones históricas, que hay que remontar a la genial aportación de Gaspard Monge, el sistema
diédrico o de doble proyección, que también se ha dado en llamar sistema de Monge, se ha
considerado de mayor utilidad y con una categoría científica superior a la de los otros sistemas; por
contraste, las connotaciones artísticas de carácter subjetivo que habían marcado históricamente a la
perspectiva, la marginaron del rango superior que alcanzó el sistema diédrico desde los primeros
momentos de su formulación.
22

Na exigência de uma atitude crítica com o uso da ciência, delimitamos, como


geometria descritiva, a teoria da representação exposta por Monge, ou seja, o
sistema diédrico e suas aplicações. Assim, a precisão conceitual delimita o campo
de estudo, evitando equívocos ou amplitude de interpretações que possam distorcer
as idéias da representação mongeana que interessa a este trabalho.

Monge publicou as lições de geometria descritiva, após considerá-las como


partes resolvidas de uma teoria da representação no final do século XVIII. A
geometria descritiva em si pode ser considerada como algo estabilizado em seus
conteúdos científicos, em especial depois da revisão crítica de toda geometria ao
longo do século XIX. Com a geometria descritiva, tal como pode suceder hoje com
qualquer disciplina praticamente concluída, a renovação parece possível por
algumas vias principais de fatores externos a ela, destacados do mundo profissional
ou mesmo dos planos de estudo. Hoje, é difícil não questionarmos a evidência de
que o substrato teórico da geometria descritiva apresente alguma fissura na sua
relação, em especial com a representação utilizando sistemas informatizados.

Quanto a essa questão, que acompanha o desenvolvimento deste estudo


na aplicabilidade em que se encontra ainda a geometria descritiva como método de
representação do espaço, convivendo com novas concepções de representação,
Cardone (1999, p.9) comenta:

Gaspard Monge, é talvez o primeiro a ter plena consciência sobre o


que elaborou o plano de formação do engenheiro contemporâneo,
fundado sobre um harmônico e orgânico estudo dos modelos
matemáticos e gráficos do espaço tridimensional. Nesta ótica vem à luz
a geometria descritiva.
O prepotente difundir-se da informática – que gerou uma nova
linguagem, tanto quanto fundamental para os técnicos – está impondo
uma profunda atualização deste modelo de informação, sobrevivente
quase dois séculos, com variações insignificantes como testemunho da
5
sua eficácia e de seu alcance. (tradução nossa)

El propio carácter de ‘metasistema’ otorgado al diédrico se justificaba por la posibilidad de plantearse,


desde él mismo, la perspectiva como una aplicación del sistema de doble proyección; de este modo
no es infrecuente leer os índices de los tratados de geometría descriptiva un apartado que lleve por
título ‘aplicación a la perspectiva’.”
5
“Gaspard Monge è stato forse il primo ad averne piena consapevolezza, sulla quale elaborò il piano
di formazione dell’ingegnere contemporâneo, fondado su un armonico e orgânico studio dei modelli
matematici e di quelli grafici dello spazio tridimensionale. In quest’ ottica vide la luce anche la
geometria descrittiva.
23

Mesmo com todo desenvolvimento que a representação tem alcançado com


os meios digitais, é inegável que fundamentos da representação mongeana que
possibilitam representar o espaço em duas dimensões persistem no sistema
informático através da capacidade deste sistema de receber e dar toda a informação
que processa analiticamente em sua correspondente forma gráfica em duas
dimensões. Nesse aspecto o sistema tradicional de representação da geometria
descritiva e o sistema informático são análogos.

Borda (2001) afirma que, na representação gráfica do objeto arquitetônico,


as bases conceituais e tecnológicas da geometria descritiva e dos sistemas da
informática ora se superpõem, ora se distanciam. Na geometria descritiva, com o
recurso da geometria das projeções, as imagens bidimensionais não só representam
o objeto como se comportam como os elementos que o determinam. Nos sistemas
de informática, recorrendo integralmente ao tratamento analítico, as imagens
bidimensionais são resultados da maquete virtual construída em três dimensões. A
geometria descritiva difere das técnicas de computação no controle gráfico do
objeto. Na primeira o controle verifica-se a partir da imagem ao passo que nas
segundas, o controle gráfico do objeto é feito a partir da informação tridimensional
diretamente armazenada em dados analíticos.

O fato é que o advento da computação gráfica substituiu significativos


paradigmas acerca das nossas formas de perceber e representar o mundo.
Tratarmos, pedagogicamente, a computação gráfica como mais uma técnica
separada e à parte das técnicas de representação tradicionais é aumentarmos a
indesejada fragmentação do conhecimento. Precisamos integrar
transdisciplinarmente e na justa medida todos estes processos, mesmo que isto nos
exija significativos esforços no sentido de reavaliar e reaprender tudo o que sabemos
sobre os métodos de representação/expressão da forma e do espaço. A
computação gráfica e em especial as ferramentas CAD (Computer Aided Design) 3D
podem se tornar grandes parceiros se encarados como software ‘resolvedores’ de

Il prepotente diffondersi dell’informatica – che ha generato un nuovo linguaggio, altrettanto


fondamentale per i tecnici – sta imponiendo un profondo aggiornamento di questo modello di
formazione, sopravvissuto quasi due secoli, com varianti tutto sammato insignificanti, a testimonianza
della sua efficacacia e della sua lungimiranza.”
24

geometria descritiva e de sistemas de projeção mais eficazes e não apenas como


meros recursos modernos de desenho eletrônico. (SOARES, 2006)

Contra a reserva inicial, que a representação digital implicava no


desaparecimento do desenho manual e da maquete, foi entendido, depois, que a
representação digital estabelece relações com o analógico. Ela não somente não
compromete as práticas vinculadas ao projeto de desenho manual e maquete, como
as potencializa ao permitir que aumentem sua capacidade e complexidade
representativa. (PORTELLA, 2006)

Com os sistemas de representação manuais, entre os quais se inseria a


representação mongeana, estávamos limitados às capacidades do olho e da mente
de distorcerem a realidade através da imaginação, o que nos permitiu utilizar nossas
capacidades imaginativas. Nos sistemas digitais parece que nossas capacidades
imaginativas deixam de ser exercitadas, pela transferência que fazemos ao utilizar
as capacidades da máquina para a representação. Nesse sentido, a prática da
representação mongeana justifica um exercício adequado à formação da
compreensão do espaço, na qual a representação é extensão do que é controlado
mentalmente, ainda que essa formação seja associada às representações pelos
sistemas digitais.

Na representação arquitetônica existem precedentes analógicos sobre o que


se sustentam as experimentações digitais. Desde princípios do século XX,
investigações em geometria e ciências naturais, assim como na arte, representam
objetos formalmente complexos que se antecipavam em várias décadas ao desejado
por arquitetos que, hoje, experimentam encontrar esses resultados com
representações digitais. (EMMER, 2003 (no publicado) apud PORTELLA, 2006)

É notável que Gaspard Monge ao publicar Géométrie descriptive em 1799


tenha apresentado um trabalho coerente com a ciência do seu tempo. Nesta obra
estabelecem-se leis de representação do espaço considerado infinito por colocar o
observador no infinito, bem adequadas ao entendimento dominante pelos
intelectuais no século XVIII, que se perguntava sobre as ciências do homem,
considerando-o uma maravilhosa ‘maquina pensante’ capaz de conceber leis para o
universo infinito. Tratamos de um período histórico em que se acreditava numa nova
25

era da humanidade, como reflexo da Revolução Industrial inglesa, quando técnicas


milenares estavam sendo substituídas por novas mais eficientes e econômicas.

A condição de que a geometria descritiva representa o espaço afasta o


observador da possibilidade de percebê-lo como real, concebendo o espaço como
rigorosamente euclidiano e produzindo imagens ilusórias da realidade. Isso nos
possibilita apresentar a geometria descritiva como uma linguagem matemática de
representação do espaço. Ribinikov (1991) diz que a cada ano se amplia o campo
de aplicação dos métodos matemáticos na ciência e na atividade prática do homem,
e o progresso disso depende da possibilidade de abstração do objeto de estudo, da
eleição do esquema lógico dos conceitos abstratos que mais ou menos refletem
exatamente o conteúdo real dos processos e fenômenos considerados.

Monge desenvolveu seu trabalho numa abordagem plural na área da


matemática. Sobre isso, Taton (1951) afirma que a riqueza do pensamento de
Monge não se concentrou jamais num único setor da matemática, mas abarcou
simultaneamente, os diversos aspectos de cada questão que ele estudou. Dessa
maneira, necessariamente precisamos compreender no desenvolvimento deste
trabalho sobre a geometria descritiva as interfaces que esta ciência mantém na
complexidade dos estudos de Gaspard Monge.

Tratarmos a geometria descritiva como uma ciência autorizada pela sua


tradição pode ser questionável quanto a referências feitas nos âmbitos das
realidades culturais, tecnológicas, sociais, profissionais e de ensino. Nesse sentido,
utilizamos a história da geometria descritiva na revisão crítica que busque a
colocação desta ciência na sua verdadeira (re)contextualização e (re)significação.

Sabemos que a geometria descritiva é produto de uma época histórica


particular que assumiu o papel de uma proposta utópica de transformação da
realidade. Na sua sobrevivência aos tempos que lhe permite chegar ao início do
terceiro século de existência, primeiro foi apresentada como expressão simbólica de
algumas circunstâncias particulares e, mais tarde, consolidou-se num poder
acadêmico comprometido ideologicamente com um determinado modelo de
sociedade. (CABEZAS, 19??)

Estudarmos a geometria descritiva como sistema de representação do


espaço arquitetônico necessariamente demanda a contextualização da sua
26

utilização como sistema de representação na prática arquitetônica. Dessa maneira, a


amplitude do nosso estudo deverá entender a inserção da geometria descritiva como
sistema de representação aplicado, desde o ensino da arquitetura até sua prática
profissional.

A geometria descritiva apresenta-se como uma teoria, intimamente,


estruturada com a arquitetura. Essa natureza dos vínculos entre esta teoria da
representação que busca a exatidão6 e a prática arquitetônica é explicitada por
Diego (2003, p. 33):

A idéia de conhecimento como representação exata, leva a entender


que certas classes de representações, certas operações, são “básicas”,
“privilegiadas” e “tem caráter de fundamento”, porém, o certo é que não
podemos analisar elementos como básicos sem ter um conhecimento
anterior de toda estrutura na qual estão esses elementos; por isso é
impossível a noção de “representação exata”; a eleição dos elementos
estará baseada na nossa compreensão da prática, em vez de que a
prática esteja legitimada por uma “reconstrução racional” a partir dos
7
elementos (tradução nossa).

Nas buscas deste trabalho nos deslocamos na amplitude de uma


problematização epistemológica envolvendo a teoria mongeana. Tais estudos
encontram-se a descoberto, como revela Jantzen (2001, p.7), pois “muitos dos
conteúdos que estão nos currículos de arquitetura têm mais de duzentos anos, como
é o caso da Geometria Descritiva, por exemplo, enquanto o Desenho auxiliado por
computador mal chega a uma década. A convivência dessas matérias num currículo,
embora eu não vá tratar desse assunto aqui, tampouco é, no presente, objeto de um
questionamento epistemológico [...]”.

Desenvolvemos a tese como uma discussão no âmbito epistemológico da


teoria da representação do espaço, especificamente, no que diz respeito a uma
pesquisa histórico-crítica, abordando a geometria descritiva sistematizada por

6
Monge apresenta, no programa de sua obra (1799, p.2), a geometria descritiva como uma ciência
para representar com exatidão os objetos.
7
“La idea del conocimiento como representación exacta, lleva a entender que ciertas clases de
representaciones, ciertas operaciones, son “básicas”, ‘privilegiadas” y “tienen carácter de
fundamento”, pero lo cierto es que no podemos analizar elementos como básicos sin tener un
conocimiento anterior de toda la estructura en la que están esos elementos; por eso es imposible la
noción de “representación exacta”; la elección de los elementos estará basada en nuestra
comprensión de la práctica, en vez de que la práctica esté legitimada por una “reconstrucción
racional” a partir de los elementos.”
27

Monge no final do século XVIII. Este trabalho nos conduz necessariamente ao


entendimento de outros sistemas de representação que mantenham vínculos com o
sistema de representação de Monge como referenciais concordando com Diego
(2003, p. 32): “Construir uma epistemologia é encontrar a máxima quantidade de
terreno comum com os outros: a suposição de que se pode construir essa
epistemologia é a suposição de que existe este terreno, e insinuar que não existe,
parece que é colocar em perigo a racionalidade”. (tradução nossa) 8

Seria oportuno nos perguntar se o desenho prospectivo e o desenho com


projeções mongeanas têm duas gramáticas diferentes, ou se não será o caso de
considerarmos o desenho no seu conjunto como um código com procedimentos de
codificação particulares que mereceriam ser analisados profundamente. Neste
segundo caso seria regulado por normas bastante vinculadas e, o que é mais
importante, nunca estáveis mas que se vão formalizando em tempos sucessivos.
(MASSIRONI , 1982)

Sabemos que, com a geometria descritiva, ciências e artes delimitaram-se


em campos diferenciados do conhecimento, uma vez que sua concepção como
ciência objetivava o raciocínio rigoroso. Entretanto, para que seja possível
compreendermos a dimensão da teoria, faz-se necessário que se conheça o
contexto em que foi concebida. Nesse sentido, sua aplicação como representação,
que vem sendo utilizada desde a sua publicação por Monge, exige também uma
compreensão global dos sistemas de representação com os quais esta teoria ainda
convive para que seja entendido seu papel ao longo de sua duração.

Sobre revisões críticas acerca da geometria descritiva, Cabezas (19??)


esclarece que as relações entre desenho técnico e transformações culturais das
vanguardas do século passado não influenciaram os tratados tradicionais de
geometria descritiva e que, nos últimos tempos, a necessidade de revisão da
geometria descritiva pelos especialistas tem chegado a inovações limitadas a um
caráter exclusivamente técnico.

8
“Construir uma epistemologia es encontrar la máxima cantidad de terreno común com otros: la
suposición de que se puede construir esa epistemologia es la suposición de que existe ese terreno, e
insinuar que no existe, parece que es poner en peligro la racionalidad.”
28

Entretanto, a problemática não apontada acima por Cabezas localiza-se


justamente no conteúdo dos próprios tratados tradicionais de geometria descritiva.
Nessa abordagem, o problema se desdobra do ponto de vista da fidedignidade com
a teoria original de Monge e da sua inserção no contexto de representação em
arquitetura.

Em grande parte de trabalhos publicados sobre a representação mongeana


encontra-se uma manualística e tratados interessados em expor a teoria desta
representação. Contudo, há carência de estudos que perguntem e respondam à
questão de como se contextualiza esse saber com outros da representação
arquitetônica e em que bases se justificam sua sobrevida. Nesta abordagem,
inevitavelmente, devemos entender limites dos sucessivos sistemas de
representação arquitetônica que cooexistiram em paralelo à representação
mongeana. Ainda conceitos de espaço associados à variável tempo nos paradigmas
da representação contemporânea devem comparecer no estudo.

Ao tratarmos de uma manualística e de tratados que apresentam a


geometria descritiva posteriormente à exposição de Monge, o problema amplia-se
em torno da sistematização da representação arquitetônica a partir da teoria
mongeana. Isto porque não se apresentam numerosos estudos que verifiquem a
fidedignidade entre essas publicações e os objetivos de Monge na sua exposição
original. Entretanto, os estudos de Gani (2004, p.11) examinam obras nesse sentido
e revela divergências, concluindo: “pelo exposto, observamos que as publicações
didáticas destinadas ao ensino da Geometria descritiva nas Artes e Engenharias9
procuraram minimizar o conteúdo teórico e se depararam com a dificuldade de
representar aquilo que se desconhece. Para compensar tanta abstração, faziam
considerações de ‘Geometria geral’ ”.

No contraste existente entre a geometria descritiva proposta por Monge e


por outros autores subseqüentes, a origem do problema encontra-se não no simples
conhecer o método de representação de Monge, mas sim na sua utilização.

9
A partir da Géométrie descriptive, publicada em 1799, a manualística e tratados posteriores sobre a
teoria mongeana, de modo geral, são produzidos sem fazer menção específica ao seu uso para o
ensino da arquitetura.
29

Conhecer o método não significa utilizá-lo sem interferências conceituais.


Envolvendo essa questão encontramos a dicotomia teoria-prática ou, em outras
palavras, se a representação mongeana a partir de sua publicação por Monge foi
utilizada com ênfase teórica ou prática.

No entanto, constatamos que a Geometria descritiva seguiu, a partir da


sua concepção, duas vertentes distintas de desenvolvimento, como
ciência pura e como ciência aplicada. A primeira foi praticada por
matemáticos e gerou grandes aquisições, entre as quais a Geometria
projetiva. [...] A segunda, direcionada para a aplicação nas Artes e
Engenharias, tendeu para a sistematização do método, separando-o da
teoria matemática.
[...] a evolução do texto da disciplina, desencadeada por esta última
vertente, contribuiu para tornar pouco útil o seu ensinamento. Embora
pareça contraditório, a ênfase dada à utilização do método, com
objetivos estritamente práticos, culminou em uma total abstração da
ciência. (GANI, 2004, p.9)

Avançando na problemática decorrente das publicações de geometria


descritiva posteriores à publicação mongeana, Gani (2004, p.12 ) diz que:

[...] esta ciência – que tem como objetivos imediato resolver


sinteticamente os problemas da Geometria do espaço, representar
essa solução em uma superfície de duas dimensões e deduzir, a partir
daí, a forma e posição de tudo que puder ser inferido das posições
relativas dos elementos–perdeu a sua motivação primordial.
[...] não é difícil concluir que, ao invés de servir para resolver os
problemas do espaço tridimensional, a Geometria descritiva passou a
ser, ela própria, um grande problema. E por mais incrível que possa
parecer, um problema essencialmente plano.

Diante do que foi exposto, não se mostra prematuro sugerirmos um estudo


da geometria descritiva na formação da representação arquitetônica baseado na
exposição original de Monge que, como referimos, tem como objetivo resolver os
problemas da geometria do espaço. Abrimos então lacuna para estabelecer
entendimentos sobre vínculos existentes entre as formas analítica e a sintética de
tratar o espaço tridimensional específicas dessa ciência matemática. Sendo assim,
envolvemos o nosso estudo no problema de delinear contornos de uma matriz
disciplinar para o projeto arquitetônico, o que, segundo Oliveira (1992), implica
esclarecer sobre a natureza dos operadores que definem relações analógicas entre
objetos e suas condições de transposição a novos objetos que antes não existiam,
através de um processo de abstração na ação projetual.

O problema está em colocarmos em discussão as lições da geometria


descritiva na exposição feita pelo próprio Monge, que busca dar métodos de
30

representar o espaço de três dimensões em duas dimensões e, a partir disso,


reconhecê-lo descrevendo com exatidão suas formas e deduzindo todas as
verdades resultantes de suas formas e posições respectivas. Também, pretendemos
nessa discussão estabelecer implicações dessa teoria na representação
arquitetônica desde a sua publicação até a atualidade. Tratamos de acompanhar
com cunho epistemológico cada uma de suas lições expressas na Géométrie
descriptive de 1799.

2 JUSTIFICATIVA

Desde o final do século XVIII, com a geometria descritiva de Gaspard


Monge, viabilizou-se a descrição e análise da realidade objetiva através da
abstração o que é diferente de fornecer uma imagem semelhante da realidade
concreta. Historicamente, esta teoria aparece atrelada ao pensamento mecanicista,
que procurava conjugar a observação sistemática da realidade com hipóteses
geométrico-matemáticas.

Num trabalho de arqueologia cultural que trate das fases de representação


científica do espaço, torna-se possível entender que a geometria descritiva aparece
depois de um longo percurso em que a representação apoiava-se no
reconhecimento dos objetos existentes, quando a geometria intervinha de maneira
marginal nas elaborações gráficas. Na teoria da representação de Monge o objeto
real a ser representado é dispensável no momento de sua representação baseada
no pensamento geométrico. Segundo Massironi (1982), o pensamento geométrico
formula os seus problemas alcançando a solução com ‘jogos de imaginação’.

A geometria descritiva apresenta-se como uma teoria adequada e utilizada


para a representação nos projetos de arquitetura, não necessitando do contato
direto com o objeto para sua representação e, conforme Monge (1799), visando ao
conhecimento dos objetos que exigem exatidão.

Sobre o desenho como suporte na reflexão projetual, na explicação de


Massironi (1982, p. 10):

A nova técnica de transferir para o papel mediante o desenho, as lábeis


evoluções de uma reflexão puramente mental, constitui um salto [...].
31

Tinham-se projetado para o exterior, com utensílios vários, diversas


próteses do corpo humano, mas não tínhamos próteses cerebrais
capazes de realizarem a nossa capacidade de projetar. As
coordenadas cartesianas e a geometria analítica, primeiro, as
projeções ortogonais com a abstração do ponto no infinito, depois,
tornaram-se a lógica conseqüência deste conhecimento baseado num
suporte que é mais geométrico figurativo do que matemático ou verbal.

Nesse sentido, confirmamos a relevância da geometria descritiva como


teoria da representação em arquitetura, sem excluí-la do âmbito matemático de
representação do espaço, como preconizava Monge buscando a exatidão dos
objetos. Vasconcelos (1997) diz que o método bi-projetivo mongeano é o sistema de
representação mais utilizado para embasar desenhos de arquitetura e de outras
áreas como a engenharia, artes plásticas, desenho industrial e desenho mecânico,
entre outros.

No conceito de projeto de Oliveira (1991, p.4), justifica-se o possível enlace


entre geometria descritiva e projeto: “[...] o ato de projetar estabelece uma ligação
dinâmica entre esquemas operativos de abstração e concretização de imagens,
amplamente interdependentes como partes do mesmo evento”.

A abstração e a concretização de imagens possibilitadas pela geometria


descritiva constituem-se em operadores da atividade projetual centrada na imitação
e na invenção no campo conceitual do pensamento arquitetônico. O projeto -
entendido como uma atividade que se apóia na imitação – é uma idéia ampla que
vem sendo exposta a partir da noção de mímesis, introduzida por Aristóteles. Ganha
corpo na formação do pensamento arquitetônico com o primeiro grande tratado de
arquitetura – De reaedificatoria –, publicado por Alberti, no século XV10. Este é, na
sua teoria clássica da imitação, retomado por Quatremére de Quincy, no século XIX.
A concepção natural que via na mímeses a emulação da natureza é ultrapassada
por Quincy, que a define como um processo de abstração, remetendo o problema
para um quadro epistemológico que se mantém ainda hoje em plena validade
(OLIVEIRA, 2001).

10
“O tratado de arquitetura, do gênero criado por Alberti, será definido [...] [4] Tem por objeto um
método de concepção, a elaboração de princípios universais e de regras generativas que permitam a
criação, não a transmissão de preceitos ou receitas.” (CHOAY, 1980, p.16)
32

Uma vez estabelecida a aplicação da geometria descritiva na atividade


projetual, salientamos a importância do estudo da geometria descritiva como
transmissão de saber, um saber que se aplica. No ensino de arquitetura
institucionalizado, seu estudo aparece de forma geral como disciplina dos primeiros
semestres, servindo de alicerce para o resto da formação. Cabe perguntar, diante da
sobrevivência da geometria descritiva por mais de duzentos anos como suporte de
representação para a arquitetura: Quantos métodos mais podem ter existido, ou
existem ou poderão existir? Este estudo não tem a pretensão de responder a essa
pergunta, porém, com base do que foi exposto sobre a geometria descritiva em
interface com o projeto arquitetônico, num campo de aplicação de um saber que
permeia a prática arquitetônica desde o início da formação acadêmica, delineamos o
interesse em abordar nesta investigação uma reflexão epistemológica sobre a
geometria descritiva.

“Seremos epistemológicos onde compreendemos o que está ocorrendo,


porém queremos codificar-lo para ampliar-lo, ou buscar-lhe uma base [...]. Em nosso
caso se pode ser epistemológico para falar de Geometria Descritiva [...]” DIEGO
(2003, p.31, tradução nossa)11 Neste sentido, o estudo nos foi motivado pela
supervisão cultural que deve revisar a inserção da geometria descritiva na
representação em arquitetura.

As discussões advindas desta reflexão devem afastar as possibilidades


desta teoria continuar a ser utilizada como um instrumento dócil12, do qual todos
podem se servir, sem um maior amadurecimento das implicações representativas
que a diferenciam de outros métodos de representação. Desmontarmos o
mecanismo do método de representação mongeano mostra-se pertinente na
compreensão dos sistemas de representação em arquitetura.

11
“Seremos epistemológicos donde comprenamos lo que está ocurriendo, pero queramos codificarlo
para ampliarlo, o buscarle una base [...]. En nuestro caso se puede ser epistemológico para hablar de
Geometría Descriptiva [...].”
12
No sentido que Gani (2004,p.7) problematiza a desvalorização sofrida pela geometria descritiva no
ensino, dizendo que “partimos da suposição de que o conceito peculiar à Geometria descritiva
perdeu-se entre as diferentes aplicações do método, separando, literalmente, os fundamentos dos
seus respectivos produtos.”
33

Escolher um sistema de representação para a arquitetura envolve critérios


diversos balizados no tipo de problema representativo que se quer solucionar. Por
essa razão, "além da coerência e plena madurez da geometria descritiva, haverão
de voltar a considerar-se outros argumentos de funcionalidade prática e estética dos
sistemas, assim como o equilíbrio entre a precisão gráfica e a precisão matemática,
chaves sobre as que voltaremos e que manifestam as diferenças substantivas entre
cada um dos sistemas" (CABEZAS, 1997,p. 160). (tradução nossa)13

Corona Martinez (2000) destaca a relevância da relação entre representação


e arquitetura, o que justifica os objetivos deste trabalho. Afirma que arquitetura e
representação estão muito mais ligadas do que arquitetura e construção e ainda
mais ligadas que arquitetura e uso da arquitetura. Assim, o projeto mantém vínculos
com uma tradição geométrica muito mais antiga que a precisão da geometria
descritiva. Entretanto, Martínez ainda adverte que a representação tem variadas
virtudes, mas entre elas não está a neutralidade, a inocência.

Cada arquitetura traz as marcas dos meios pelo que foi projetada, isto é, do
sistema de representação utilizado. Como exemplo, a perspectiva do Renascimento
possibilitou controlar com exatidão aspectos internos dos espaços, implicando na
solução de interiores como perspectivas com ponto de vista central. Mais tarde, com
a geometria descritiva, a grelha mongeana de origem cartesiana implica na
substituição das proporções utilizadas no Renascimento pela repetição da unidade
métrica introduzida à arquitetura. Esses entre tantos outros exemplos. “Cada
concepção arquitetônica possível, [...] será prisioneira da linguagem dos meios que a
formulamos; essa prisão não é o próprio meio – a arquitetura, o espaço -, mas sua
representação” sintetiza Martínez (2000).

A representação gráfica como instrumento de definição e comunicação do


pensamento, meio de análise da realidade visível e invisível, linguagem privilegiada
para a expressão técnica, vive um novo e fecundo momento. Nesse âmbito, a teoria

13
"Más allá de la coherencia y plena madurez científica de la geometría descriptiva, han de volver a
considerarse otros argumentos de funcionalidad práctica y estética de los sistemas, así como el
equilibrio entre la precisión gráfica y la precisión matemática, claves sobre las que volveremos y que
manifiestam las diferencias substantivas entre cada uno de los sistemas."
34

de representação mongeana, fundada sobre um harmônico e orgânico estudo do


modelo matemático e gráfico do espaço tridimensional, está passando por uma
profunda atualização com a difusão da informática. Desse modo, “[...] a geometria
descritiva está finalmente reconduzida a sua correta dimensão de disciplina
fundamental para a definição do modelo geométrico do espaço, que é a base de
qualquer modelo gráfico descritivo“ (CARDONE, 1999, p. 9, tradução nossa)14

Antes ainda, Massironi (1982), afirmava que o desenvolvimento da


informática representa outra razão para a importância em compreender e clarificar a
função do desenho, se considerarmos que grande parte das informações vem a ser
elaborada e transmitida de forma gráfica no contexto da arquitetura.

A relação entre geometria descritiva e representação arquitetônica constitui-


se num tema relevante na atualidade se considerarmos que seu uso se dá há mais
de duzentos anos sem maiores críticas. No momento em que a representação é
incrementada pelo uso da geração de imagens no computador, é de extrema
pertinência discutirmos a sobrevida dessa representação. Sobre isso Medeiros
(2002, p.170) comenta que “o ensino clássico do desenho já não goza mais do
prestígio de antes, porém, o desenvolvimento do pensamento visual é indispensável
para as interações cada vez mais presentes com imagens computadorizadas e
animações”.

As técnicas gráficas computacionais são consideradas como chave para


tecnologia e novas tendências liberadas pela cultura informática. Trata-se de um
momento de se presenciar um caminho novo e radical para o pensamento, a ação e
o trabalho. Essas técnicas requerem constantemente um grau de abstração e
aplicação de um aprendizado elementar de geometria e desenho como requisito de
primeira ordem. Se antes da era da informática passava incólume pela escola aquele
que não sabia desenhar ou que não dominava um conhecimento regular sobre
formas e geometria, nessa atual era estes saberes são exigências determinantes
para que o ‘usuário’ passe a pertencer à grande rede. (KOPKE, 2006)

14
“(...) la geometria descrittiva è stata finalmente ricondotta alla sua corretta dimensione di disciplina
fondamentale per la definizione dei modelli geometrici dello spazio, che sono alla base di qualsiasi
modello grafico descrittivo.”
35

A concepção de representação do espaço de Gaspard Monge conseguiu


resistir no contexto do saber arquitetônico, mesmo nos períodos em que foram
aparecendo outros tipos de representação espacial na arquitetura. Um exemplo
dessa situação é reconhecido por Monedero (1996, p. 109, tradução nossa) que
explica:

Um desenho cubista é uma técnica de representação na qual intervém


a memória e o movimento. Fechar um olho e desenhar a imagem que
vê o olho aberto imóvel, como se fosse uma imagem plana é outra
técnica de representação. Ambas podem colocar-se, até certo ponto,
em relação com sistemas, os sistemas de projeção ortogonal e cônico,
15
respectivamente, que abarca a geometria descritiva.

Nessa permanência da geometria descritiva como sistema de representação


na arquitetura, interessa verificarmos onde ocorreram fissuras e quais são suas
implicações em relação à exposição desta teoria por Monge. Isso se justifica, uma
vez que buscamos nesta pesquisa compreender a teoria mongeana na
sistematização da representação na arquitetura e possíveis desvios encontrados na
teoria original de Monge, conforme foi apontado na problemática deste estudo, que
podem ter contribuído com distorções na sua aplicabilidade no campo do saber
arquitetônico.

Estudos a respeito da teoria mongeana de representação do espaço, de


forma geral, limitam-se à sua aplicação, sem análise crítica. Assim, justificamos este
trabalho por buscar suprir uma lacuna no estudo desta teoria que, como foi exposto,
é fundamental para a descrição do modelo geométrico do espaço servindo de matriz
operativa na atividade projetual e que está passando por atualizações com utilização
das ferramentas da informática.

3 HIPÓTESE
Os arquitetos esquecem que a geometria descritiva tem bases matemáticas
e a interpretam somente como desenho. Apesar de todas as críticas, a geometria

15
“Um dibujo cubista és uma técnica de representación em la que intervienen la memoria y el
movimiento. Cerrar um ojo y dibujar la imagen que el abierto ojo inmóvil, como si fuera uma imagen
plana es otra técnica de representación. Ambas podem poner-se, hasta cierto punto, em relación com
sistemas, los sistemas de proyección ortogonal y cônico, respectivamente, que abarca la geometría
descriptiva.”
36

descritiva consegue abarcar várias representações espaciais e se manter como


método de representação potente na arquitetura até os dias atuais. Temos por
hipótese que este fato verifica-se por ela apresentar suas bases de representação
na área da matemática.

4 OBJETIVOS
4.1 Objetivo Geral

Desconstruir a teoria da representação e compreensão do espaço proposta


pela geometria descritiva de Gaspard Monge no século XVIII, verificando suas
implicações até a atualidade, especificamente, no campo da arquitetura.

4.2 Objetivos Específicos

Busco as devidas contribuições para alcançar o objetivo geral desta


proposta de estudo através dos objetivos específicos, que são:

1 Decompor e analisar a teoria de Gaspard Monge, buscando os


fundamentos nos seus conceitos básicos no que interessa a arquitetura.

2 Compreender o processo de construção e reelaboração de conhecimentos


a partir da geometria descritiva apresentada em tratados, estudos e publicações
dedicados à arquitetura.

3 Investigar as diferentes possibilidades de estabelecer vínculos entre a


geometria descritiva com a matemática, com a filosofia e com outras áreas no que
interessa a arquitetura.

4 Entender o papel da geometria descritiva na arquitetura diante de regras


de construção e leitura da representação do espaço decorrentes de diferentes
momentos culturais.

5 Estabelecer relações entre a geometria descritiva e outros sistemas de


representação, como, a axonometria, as projeções cotadas e a perspectiva na
arquitetura.
37

6 Compreender relações entre geometria descritiva e tecnologias de


produção de imagens gráficas e visuais na arquitetura.

5 METODOLOGIA

O processo de investigação científica implica dedicação sistemática e


reflexão crítica, com vistas a descobrir os aspectos ocultos da realidade. Isso
permite ao pesquisador não perder de vista a historicidade do objeto e sua
conseqüente (re)contextualização que, certamente, possibilita sua (re)significação.

Neste estudo, buscamos a possibilidade de reflexão acerca da teoria da


representação e compreensão do espaço proposta por Gaspard Monge no século
XVIII, em sua geometria descritiva, bem como a verificação das implicações desta
teoria na formação do arquiteto até a atualidade, através do estudo minucioso de
sua obra Géométrie descriptive.

Essa investigação parte da certeza de que o conhecimento se forma de uma


maneira complexa e a teoria de representação mongeana é conseqüência de uma
trama em que se inter-relacionam muitos fatores. Embora pareça a princípio que a
sistematização de uma teoria da representação determina de maneira direta como
será representada a realidade, sabemos muito bem que a realidade por sua vez
modifica o sistema de representação pelo qual esta vai ser representada. É certo,
por um lado, que um sistema de representação está condicionado pelas crenças e
valores da época em que foi criado, não é algo puramente utilitário. É uma
concepção de mundo, considerando-se que, na concepção de um sistema científico
aparentemente objetivo são inúmeras e determinantes as questões transcientíficas
que lhe dão origem e que são de vários âmbitos: político, religioso, econômico ou
mesmo social. Por outro lado, o autor do sistema também impõe suas condições:
quer concretizar sua experiência e generalizar sua razão.

Assim, sem negar a profundidade que pode abarcar um conhecimento,


podemos afirmar que o sistema de representação mongeano dá conta da realidade
que representa parcial e ocultamente. Representa a realidade fragmentada com
características que foram eleitas na própria configuração do sistema. Oculta a
38

realidade que não foi depurada pelo estabelecimento do próprio sistema, isto é,
define os limites desse sistema de representação.

Ainda tendo em conta que certas especificidades do sistema de


representação mongeano são devidas ao interesse que sobre Monge exerceram
determinados conhecimentos, mais por adequação às inquietudes da sua época do
que por apresentar a realidade, reconhecemos que a geometria descritiva
condicionou de maneira irreversível o desenvolvimento da técnica e a criação da
linguagem.

Ao longo desta investigação, a consideração de todas estas questões resulta


complexo acompanharmos a linearidade do discurso de Monge. Entretanto,
realizamos a desconstrução da Géométrie descriptive acompanhando a exposição
da obra desde o conteúdo da capa até a sua última página. Consideramos na
desestruturação da obra seus textos, desenhos e apresentação, dos quais devem
ser destacadas partes a serem estudadas.

A compreensão da obra necessita ser fiel àquilo que o texto expressa,


entretanto a sua interpretação, entre os limites de não ser determinada e de não ser
livre, apresenta-se guiada pelo próprio texto. Neste estudo as buscas visam à
desconstrução do texto, o que implica, necessariamente, sabermos como se
encontra construído. Cada intervenção da desconstrução tem um caráter
irredutivelmente singular, vinculada como ela mesma à conjuntura do texto. A
desconstrução não é um método em si nem o tem, mas, antes, é um acontecimento
histórico, defende Derrida (2001). A leitura por si só já implica uma desconstrução
desvelando camadas do texto, o que significa, na verdade, compreender
determinadas estruturas e reconstruí-las sob uma nova interpretação, nesse sentido
é o pensamento do pensamento da obra. Desconstruirmos o texto de Monge trata
de fazermos uma interpretação que abre espaço para algo novo, uma compreensão
distante dos conceitos cartesianos com os quais foi produzido, constituindo-se numa
verdadeira imersão na obra.

Gruszynski (2000, p. 78) explica que

a desconstrução não pretende ser um método de aplicação


sistemática, nem uma forma de análise crítica a decompor o todo, nem
um anti-sistema de destruição. A desconstrução é antes de tudo um
acontecimento. A cada ocorrência, mantém-se singular. Ao desfazer e
reconstruir um objeto (tradição cultural, filosófica, literária, científica...),
39

adota um caminho específico tomando elementos marginais, traços


esquecidos, dados estranhos ou marcas heterogêneas que permitam
desconstruir as constrições cristalizadas de pensamento e poder.

Neste trabalho a deconstrução do texto de Monge remete às dobras de


Deleuze. As teorias das dobras de Deleuze e da desconstrução de Derrida
aproximam-se e estabelecem vínculos mútuos. Deleuze (1991) explica que as
“dobras” são como um labirinto que se dobra de muitas vezes e de maneiras
diferentes como uma folha de papel, sem que o corpo se dissolva em pontos. Na
filosofia de Deleuze o objetivo principal é a redescoberta do sensível e temporal
como uma crítica ao mecanicismo cartesiano.

“Se poderia dizer que uma [...] crítica ou uma desconstrução da


representação resultaria, débil, vã e sem pertinência se levasse a algum tipo de
reabilitação da imediatez, da simplicidade originária, da presença sem repetição nem
delegação, sem induzir-se a uma crítica da objetividade calculável, da ciência, da
técnica ou da representação política”. (Derrida, 1999, p.95, tradução nossa)16
Portanto, argumentarmos sobre uma teoria da representação expressa num texto,
torná-la transparente, caracteriza uma tese.

Desenvolvermos uma trama de possibilidades de aproximação da teoria de


representação exposta por Monge com a arquitetura, tecendo um pano antes ainda
não exposto em cena, igualmente, sustenta uma tese. Nesta tese sinalizamos uma
trajetória sobre a teoria da representação mongeana, visualizando seus limites, ao
mesmo tempo em que estabelecemos as bordas de outras representações. Nesse
sentido, marcamos um percurso e indicamos o ponto inicial de próximos,
representando um convite a novas investigações.

16
“Se podría decir [...] que una crítica o una deconstrucción de la representación resultaría débil, vana
y sin pertinencia si levasse a algún tipo de rehabilitación de la imediatez, de la simplicidad originaria,
de la presencia sin repetición ni delegación, si indujese a una crítica de la objetividad calculable, de la
ciencia, de la técnica o de la representación política.”
40

6 ESTRUTURA DA TESE

Na introdução da tese apresentamos a temática do estudo seguida da


problematização, da justificativa e da relevância, que envolvem o estudo. Cumprimos
também os requisitos de uma tese ao lançarmos as hipóteses e enumerarmos os
objetivos a serem alcançados. Na justificativa evidenciamos a originalidade do
trabalho desconstrutivo a partir de uma teoria da representação que é utilizada há
mais de duzentos anos sem questionamentos epistemológicos próximos ao expostos
neste trabalho. Ainda, a metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho e a
estrutura geral do texto que compõe a tese fazem parte da introdução.

A revisão bibliográfica apresentamos de maneira diluída nos capítulos da


tese, buscando contextualizar a revisão teórica ou estado atual da arte, como
preferem alguns autores, de acordo com a pertinência e requisição dos temas
abordados nos capítulos.

Apresentamos a tese em duas partes:

Parte I – DESVELANDO A REPRESENTAÇÃO ARQUITETÔNICA

Parte II – DESCONSTRUINDO A REPRESENTAÇÃO MONGEANA

Na primeira parte, em síntese, descortinamos a visão para os pontos


centrais enunciados no título desta tese: representação arquitetônica e teoria
mongeana. Compõem esta primeira parte dois capítulos principais. No primeiro
capítulo, “Contornando conceitos e história da representação na arquitetura”,
tratamos das questões conceitual e histórica da representação na arquitetura nos
limites que interessam como fundamentação para esta tese. No segundo capítulo,
“Pontuando a representação mongeana”, apresentamos a obra Géométrie
descriptive de Gaspard Monge, de 1799, quanto a seus antecedentes históricos e
sua repercussão através de traduções em diferentes países. Com o segundo
capítulo buscamos inserir a teoria mongeana no contexto da representação em
arquitetura.

Dedicamos a segunda parte, à deconstrução da obra Géométrie descriptive.


Nessa parte revelamos os pensamentos de seu autor e sobre esses, reconstruimos
41

outros para, a partir de enlaçados, alcançarmos os objetivos desta tese.


Organizamos a segunda parte em dois capítulos. No capítulo um, com o título
“Descobrindo a teoria mongeana”, discutimos a parte inicial da obra de Monge, o
conteúdo da capa e o que se encontra exposto na advertência e no programa desta
obra. Neste capítulo damos enfoque à exposição da teoria mongeana,
estabelecendo relações com o corpo social e com o corpo político. No capítulo dois,
“Replicado a teoria mongeana”, entramos em discussão sobre os cinco capítulos
principais da obra de Monge, os quais compõem o corpo teórico da geometria
descritiva, segundo este autor. Nesse debate, apresentamos pontos, retas e planos,
em dupla projeção, num diédrico cenário, esclarecendo-se sobre a representação,
com exatidão, na construção do espaço arquitetônico, e sobre a dedução das
verdades das formas e suas posições respectivas.

Com as conclusões sintetizamos aspectos abordados sobre a teoria da


representação de Monge e validamos ou não as hipóteses levantadas, destacando
questões relevantes desenvolvidas no decorrer dos capítulos da tese.
42

DESVELANDO A REPRESENTAÇÃO
ARQUITETÔNICA

A premissa transcendental de qualquer ciência da cultura reside,


não no fato de considerarmos valiosa uma “cultura” determinada ou
qualquer, mas sim, nas circunstâncias de sermos homens de cultura
dotados da capacidade e da vontade de assumirmos uma posição
consciente face ao mundo, e de lhe conferirmos um sentido.

(WEBER, 1986, p.97)

Representação no contexto da arquitetura já se tornou uma expressão


inflacionada, quer seja pela sua desvalorização por excesso de uso, quer seja por
ser operada de modo instrumental sem entrar no mérito de sua estrutura constitutiva
intervindo no saber arquitetônico.

Consideramos a representação na arquitetura mantendo imbricados vínculos


com o propor idéias em arquitetura. Desta observação entendemos que não deve
ser considerada como uma expressão inflacionada e sim, devemos desvelar a visão
sobre a representação arquitetônica ocupando-nos em analisar e examinar
exaustivamente a questão da representação na arquitetura através de um olhar
crítico que a coloque na sua devida importância no saber arquitetônico.
43

Primeiro abordamos o próprio termo representação, delineando contornos


nítidos, o que nos leva a estabelecer limites na abrangência que este estudo virá
abarcar. Em um segundo momento, investigamos sobre a representação na
arquitetura vasculhando as alterações que sofreu em diferentes contextos históricos,
para que com o pluralismo de possibilidades com que se apresenta na arquitetura
seja possível pontuar a representação mongeana, identificando sua estrutura
particular e suas relações com outros sistemas de representação. Tratamos de, no
conjunto das representações, estabelecer diferenças e aproximações que estas
mantém entre si, identificando a representação mongeana neste contexto. Isso
interessa a este trabalho para que na sua segunda parte seja feita com
fundamentação a descontrução das lições de representação de Monge.

Relativamente ao que apresentamos nesta parte, três anexos no final deste


trabalho contribuem como uma espécie de índice. Um expõe em ordem cronológica
e resumida antecedentes históricos à representação mongeana acompanhada de
referência a seus principais nomes. Outro apresenta capas de obras consultadas
para esta pesquisa sobre as quais comentamos no desenvolvimento desta
investigação. O terceiro também em ordem cronológica descreve a trajetória das
publicações sobre representação mongeana, no que diz respeito a primeiras
traduções e primeiras obras a partir da publicação de Géométrie Descriptive de 1799
e escritos anteriores que compõe a obra.

Ao intitularmos esta parte o termo desvelar nos pareceu oportuno, pela


tradução literal do termo, mas antes, pela conotação que mantém com o velo da
perspectiva. (Des)velar nos remete a entender representação vinculada ao projeto
desde as suas origens na perspectiva até incluir na seqüência a representação
mongeana como sistema de representação na arquitetura.
44

CONTORNANDO CONCEITOS E
HISTÓRIA DA REPRESENTAÇÃO EM
ARQUITETURA

“O que é arquitetura? Defini-la-ei, do mesmo modo que fez Vitrúvio


como a arte de edificar? Não. Há nessa definição um grosseiro erro.
Vitrúvio toma o efeito pela causa. É preciso conceber para efetuar.
Nossos primeiros pais só construíram suas cabanas após ter
concebido sua imagem. Essa produção do espírito, essa criação, é o
que constitui a arquitetura, a qual, em conseqüência, podemos
definir como a arte de produzir e levar a perfeição qualquer edifício.”

Boullée

Tratarmos sobre o conceito de representação arquitetônica, para


circunscrevê-lo com contorno nítido no sentido que será usado nesta pesquisa,
requer que sejam abordadas delimitações e críticas sobre suas interpretações.
Nesse sentido cabe fazer um inventário sobre o conceito de representação e neste
fazer os recortes etimológicos e epistemológicos. Ao inventariar a diversidade de
interpretações para o conceito de representação, centramos as buscas em
dicionários, arquitetos e filósofos que escrevem sobre representação. Entre esses
autores destacam-se Cabezas, Cattani, Díaz, Ferro, Foucault, Fuão, Oliveira,
Jantzen, Sáenz e Monedero.
45

Ainda sobre o conceito de representação tratamos de aprofundar o seu


entendimento escrevendo sobre representação descritiva, por necessidade
específica deste trabalho de um posicionamento sobre as explicações de Monge,
que apresentou suas lições de representação como uma ciência descritiva.

Uma vez contornado o conceito de representação em arquitetura é possível


delinearmos uma história da representação em arquitetura, em que o interesse não
está centrado em estabelecer uma cronologia e sim entender a inter-relação entre os
diversos sistemas de representação. Nesta compreensão, evidenciamos as relações
que a geometria descritiva, foco deste estudo, mantém com outras ciências de
representação do espaço como suporte científico capaz de codificar, buscando um
controle formal no sentido geométrico e métrico. Para esta abordagem histórica da
representação em arquitetura pesquisamos autores de áreas diversas. Destacamos
os da arquitetura e da matemática: da arquitetura, Borda, Brandão, Fuão, García,
Jantzen, Oliveira, Pevsner, Katinsky e Reig; e da matemática, Migliari, Taton e
Ribinikov, entre outros. Contribuíram também para delinear essa história da
representação autores de diversos tratados de estereotomia e de arquitetura.

1.1 DELIMITAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE


REPRESENTAÇÃO ARQUITETÔNICA

Conforme um estabelecimento etimológico, a palavra representação significa


re-apresentar, ou seja, novamente apresentar ou ainda re-presenciar, com sentido
de realizar nova presença. A noção de representação implica que algo ou alguém
está em lugar de outro, trazendo a idéia de que em algum momento já houve uma
presença, uma existência. Na representação está em jogo uma duplicidade.
Conforme Reyes (2004, p. 390): “a representação é um duplo que se apresenta só e
que, mesmo assim, não existe sem a referência ao outro. No entanto, referência ao
outro não significa similitude ou verossimilhança.”

Sobre esta duplicidade presente na representação, que a distingue de


apresentação, Santaella (1998, p. 20) explica que “’apresentação’ é utilizada
tendencialmente para a presença direta de um conteúdo na mente, enquanto
46

‘representação’ é reservada para casos de consciência de um conteúdo, nos quais


um momento de reação, reprodução e duplicação está em jogo.”

O termo ‘representação’, conforme (MORA, 1994), ainda é usado como


vocábulo geral que pode referir-se a diversos tipos de apreensão intencional de um
objeto e, epistemologicamente pode ser entendido em dois sentidos básicos: como
conteúdo mental, trata-se de um ato e no mais das vezes lhe é dado um sentido
‘subjetivo’ e ‘privado; e como aquilo que se representa no ato de representar, isto é,
como o objeto intencional de semelhante ato.

Esta distinção, ainda segundo Mora (1994), parece ter-se perdido na época
moderna, embora autores como Descartes tenham deixado vestígios de seu uso
enquanto Kant recolocou os problemas epistemológicos de representação utilizando
o termo vorstellung. Essa colocação por Kant apresenta-se ambiguamente. Por um
lado parecia tratar de atos de experiência, de caráter mental e por outro de certas
estruturas. Outra palavra alemã que se traduz por representação, darstellung, que
não tem sentido psicológico, parece mais adequada para expressar o que Kant
queria dizer com representação. Então, a representação vorstellung é subjetiva e
mental enquanto darstellung é objetiva e formal.

Nesses dois sentidos que segundo Mora (1994) pode ser usada a palavra
representação, para a arquitetura consideramos o segundo adequado ao
pensamento de Oliveira (1992) que diz: representação, na arquitetura, entende-se
no sentido de tornar visível através de desenho ou modelo tridimensional, uma
imagem concebida mentalmente. O termo representação é utilizado com mais
flexibilidade do que desenho na arquitetura, pois abarca o termo desenho e estende-
se a outras possibilidades técnicas como, por exemplo, às imagens virtuais, à
fotografia ou mesmo as tradicionais maquetes.

Ao projetar, o arquiteto inventa o objeto no ato mesmo de representá-lo, isto


é, desenha cada vez com maior precisão um objeto inexistente. O projeto trata da
invenção de um objeto por meio de outro que o precede no tempo, traduzido em um
código de instruções. Portanto, um processo de projeto tem como resultado um
conjunto de especificações e representações que permite construir o objeto
representado, variando no meio em que se encontra, condicionado por dois fatos:
necessidade da compreensão da sua linguagem e complexidade do objeto
47

projetado. Como linguagem desde o século XVIII é utilizada a projeção ortogonal,


em planta, corte e fachada, conhecidas desde a Antiguidade e sistematizadas na
geometria descritiva. Quanto à complexidade do objeto projetado, o seu maior ou
menor grau de novidade em relação a outros objetos existentes determina as
exigências de sua representação. (MARTÍNEZ, 2000)

A interpretação dada ao termo representação na prática e ensino de


arquitetura muitas vezes o enfoca do ponto de vista instrumental, com uma
significação puramente mecânica que não leva em consideração o desenvolvimento
do projeto integrado de forma conceitual às suas possibilidades representativas.
Porém, a questão da representação deve ter uma significação mais ampla no campo
da arquitetura, entendida como algo que potencializa o projeto arquitetônico. Oliveira
(2000, p. 50) estabelece exigências da atividade de projeto no que abarca a
representação:

O sujeito que projeta o real em um novo mundo, constituído em um


impulso inventivo, não apenas representa figuras como, e
principalmente, opera com figuras, decompondo-as e recompondo-as
sucessivamente em novos e mais complexos patamares de
organização formal dos tipos (ou classes figurais) correspondentes.

Sinteticamente podemos dizer que a representação serve para o controle do


pensamento do arquiteto no desenvolvimento do projeto arquitetônico. Sáenz (1996,
p.178) afirma que

[...] o desenho arquitetônico é sempre uma simulação, uma figura


redutiva e sintética a nível de pensamento que analisa os dados do
projeto. Simulação que, em seu aspecto semiológico, se fundamenta
na utilização analógica e inespecífica, no convencional, da linguagem
gráfica nos momentos de ideação, e em seu uso codificado, como
comunicação rígida baseada no valor de sinal das convenções
17
gráficas, nos desenhos de descrição arquitetônica.(tradução nossa)

Sem negarmos o valor da representação arquitetônica para a própria


arquitetura, o que necessariamente nos levaria a negar a relevância desta
investigação, é preciso reconhecer que a representação arquitetônica, mesmo com

17
”[...] el dibujo arquitectónico siempre es una simulación, uma figura reductiva y sintética a nível del
pensamiento que analiza los datos del proyecto. Simulación que, em su aspecto semiológico, se
fundamenta en la utilización analógica e inespecífica, no convencional, del lenguage gráfico nos
momentos de ideación, y em su uso codificado, como comunicación rígida basada en el valor de
senãl de las convenciones gráficas, em los dibujos de descripción arquitectónica.”
48

todos os artifícios de que se dispõe na sua execução, é estabelecida dentro de


limites que não registram com fidelidade a arquitetura que comunicam. Foucault
(1985), em As palavras e as coisas, dedicou um capítulo sobre Os limites da
representação e iniciou seu livro com um capítulo sobre o quadro de Diego
Velásques, Las meninas, em que criticou a ocorrência da representação clássica,
materializada entre o visível e o invisível.

“[...] ela intenta, representar-se a si mesma, em todos os seus


elementos, com suas imagens, os olhares aos quais ela se oferece, os
rostos que torna visíveis, os gestos que a fazem nascer. Mas aí, nessa
dispersão que ela reúne e exibe em conjunto, por todas as partes, um
vazio essencial e imperiosamente indicado: o desaparecimento
necessário daquilo que a funda – daquele a quem ela se assemelha e
daquele a cujos olhos ela não passa de semelhança. Esse sujeito
mesmo – que é o mesmo – foi elidido. E livre, enfim, dessa relação que
a acorrentava a representação pode se dar como pura representação.”
(FOUCAULT, 1985, p.31)

Da fissura que nos propõe Foucault na representação do final do século


XVIII, aparece o homem como figura do saber e a matematização no cerne de todo
projeto científico moderno. Isto não quer dizer que os limites da representação sejam
eliminados. Algumas investigações sobre o cálculo infinitesimal de Leibniz,
formuladas no século XVII, só começam a ser materializadas na representação no
século XX, através da revolução tecnológica, que possibilita a inserção do digital na
arquitetura.

A representação na arquitetura se encontra restringida duplamente. Primeiro


pelo domínio exercido pelos arquitetos sobre os recursos técnicos de determinada
época. Depois pelos limites impostos pelo uso desses recursos, como exemplifica
Oliveira (2002, p. 18): “no desenho de arquitetura, [...], a utilização do esquadro ou
do compasso podem conduzir aprioristicamente a um cartesianismo que não conviria
a determinadas soluções do problema”.

Não podemos esquecer que no âmbito arquitetônico a representação


assume dois sentidos bem distintos, que dependem do como se faz a “substituição”
de uma determinada obra arquitetônica pela sua representação. Se é no seu projeto
arquitetônico ou é no seu levantamento arquitetônico, embora inegavelmente como
projeto arquitetônico compareça com maior ênfase. No primeiro, representa a
solução como ponto de partida para sua transformação em objeto físico. No
49

segundo, a partir da obra arquitetônica construída utiliza-se a representação para


descrevê-la e documentá-la.

Intervém ainda delimitarmos a representação no campo da arquitetura como


técnica ou como sistema18. Monedero (1996, p. 109) distingue:

O termo técnica se aplica a uma série de regras operativas que


agrupadas de diversos modos configuram um procedimento ou um
método para fazer algo. [...] se parte de um repertório aberto de
materiais disponíveis e de um conjunto igualmente aberto de instruções
que permitem transformar estes materiais de diversos modos. O
conhecimento de ambos por parte do operário, do executor configura
seu domínio, seu território, sua capacidade de controle sobre os meios
e sobre os fins.

O termo sistema se aplica a um conjunto fechado, muito mais rigoroso,


constituído por um repertório de entidades estritamente limitado e por
um repertório de operações igualmente limitado. A potência de um
sistema vem dada precisamente por este rigor estrito que assegura a
coerência absoluta entre todas as entidades derivadas.(tradução
19
nossa)

Sem excluirmos a técnica ou o sistema de representação como adequados


ao campo do projeto arquitetônico, no que se refere a inserção da geometria
descritiva no campo do projeto arquitetônico tratamos de defini-la como uma ciência
matemática desenvolvida com o auxílio do desenho, e que possibilita o controle
formal arquitetônico através dos seus sistemas operantes que são a geometria e a
representação. Monge (1799, p.5), ao expor os objetivos da geometria descritiva
deixa claro ser esta uma ciência que serve para a representação aplicada a qualquer
corpo da natureza dizendo: “[...] o primeiro, é dar métodos para representar sobre
um papel de desenho, que não tem mais do que duas dimensões, a saber, largura e

18
Sistema no sentido de disposição de partes ou elementos de um todo que coordenadas entre si
funcionam como uma estrutura (FERREIRA, 1986).
19
“El término técnica se aplica a uma serie de reglas operativas que agrupadas de diversos modos
configuram um procedimiento o un método para hacer algo. [...] se parte de um repertorio abierto de
materiales disponibles y de un conjunto igualmente abierto de instruciones que permiten transformar
estos materiales de diversos modos. El conocimiento de ambos conjuntos por parte del operário, del
ejecutor, configura su domínio, su território, su capacidad de control sobre los médios y sobre los
fines.

El término sistema se aplica a un conjunto cerrado, mucho más riguroso, constituído por um conjunto
cerrado, mucho más riguroso, constituido por un repertorio de entidades estrictamente limitado y por
um repertorio de operaciones igualmente limitado. La potencia de um sistema viene dada
precisamente por este rigor estricto que asegura la coherencia absoluta entre todas las entidades
derivadas.”
50

altura; todos os corpos da natureza, que tem três, largura, altura e profundidade,com
tal que estes corpos possam ser determinados rigorosamente”. (tradução nossa)20

Cabe explicarmos que o proposto por Monge foi uma representação


biunívoca do espaço tridimensional, ou seja, um método através do qual toda e
qualquer situação do espaço possa ser expressa por uma representação plana e
que qualquer dessas representações planas possam ser traduzidas na conjuntura do
que lhe deu origem. Apresenta-se assim uma reversibilidade que torna possível a
dedução de medidas e formas do espaço a partir do desenho plano. Sobre esta
reversibilidade trata Monge (1799, p.5), explicando: “O segundo objetivo é dar o
modo de reconhecer por meio de uma exata descrição das formas dos corpos, e
deduzir todas as verdades que resultam, bem sejam de suas formas, bem sejam de
suas posições respectivas”. (tradução nossa)21

Contribui com a colocação da geometria descritiva como sistema de


representação adequado ao campo da arquitetura o que diz Cabezas (19??),
afirmando que com a geometria descritiva de Gaspard Monge abre-se a
possibilidade de estabelecer a diferença entre desenho e ciência do desenho e
explicando que: se entende como desenho as técnicas de representação e arte
produzidas com o emprego de instrumentos de traçado, enquanto a ciência do
desenho abarca os métodos gráficos convencionais e demonstráveis para a
representação de qualquer objeto.

Assim, como sistema de representação a geometria descritiva vai mais além


de uma simples missão instrumental, de uma simples representação, atendendo a
análise formal, a racionalização espacial e a formação do indivíduo. (ROSA, 2000)

Sobre a formação do indivíduo, depois de expor os dois objetivos principais


da geometria descritiva, Monge (1799) diz que a geometria descritiva interessa a
todos os que necessitam trabalhar com objetos de formas determinadas e serve

20
“[...] le premier, de donner les méthodes pour représenter sur une feuille de dessin qui n’a que
deux dimensions, savoir, longueur et largeur, tous les corps de la nature, qui en ont trois, longueur,
largeur et profundeur, pourvu néanmoins que ces corps puissent être definis rigoureusement.”
21
“Le second objet est de donner la manière de reconnoître d’après une description exacte les
formesndes corps, et d’en déduire toutes les vérités qui résultent et de leur forme et de leur positions
respectives.”
51

para exercitar as faculdades intelectuais do grande povo no conhecimento dos


fenômenos da natureza, o que poderá vencer a repugnância que os homens em
geral têm com a meditação intensa, transformando em prazer o exercício de sua
inteligência, que antes poderia ser considerado penoso e fastidioso.

Os arquitetos, que desde antes da racionalidade técnica tem sua profissão


reconhecida na sua produção, diferindo de um profissional que realiza um trabalho
puramente manual e repetitivo, detém o domínio sobre (arché) a teoria da sua arte
(techné). Uma vez adotada a techné como paradigma para a produção arquitetônica
esta possibilita enquadrar o projeto arquitetônico como um trabalho intelectual
afastado do trabalho puramente manual. De acordo com Brandão (2004),
gradualmente o arquiteto foi deixando de ser visto como um operário e passou a ser
encarado como uma espécie particular de artista e trabalhador intelectual. Em uma
edição de Explicação dos termos de arquitetura, o acadêmico francês Charles
Daviler definiu arquiteto22 como aquele que faz os desenhos dos edifícios, que o
conduz e que ordena a todos os trabalhadores que aí sejam empregues.

Incluindo a arquitetura como atividade intelectual, para a arquitetura


encontra-se validada uma formação séria do ponto de vista acadêmico, e que se
mantém na tradição de atelier como unidade fundamental que desenvolve as
disciplinas de projeto arquitetônico para as quais contribuem as demais disciplinas
do curso. No atelier é através da representação que se dá a intermediação entre
professor e aluno, o que equivale dizer que a atividade de projeto não se completa
com a imagem mental. Representar então envolve a transposição da imagem mental
para um suporte físico, distanciada de uma atividade repetitiva. Encontramos nesse
contexto a ciência de representação mongeana como uma das possibilidades para a
atividade projetual arquitetônica.

Uma vez contornado o conceito de representação em arquitetura e nele


inserida a geometria descritiva, argumenta a favor desta pertinência o pensamento
de Cabezas (19??), explicando que a geometria descritiva é uma ciência matemática
que estuda os objetos do espaço a partir de suas projeções sobre uma superfície. O

22
Origina-se a palavra do grego, Actos e Tecton significando, principal trabalhador.
52

desenho técnico tem conotações práticas e profissionais, enquanto a geometria


descritiva se associa as idéias científicas e acadêmicas.

Ainda sobre a representação da geometria descritiva, Rosa (2000, p.504) diz


que:

Estabelecer com profundidade o modelo conceitual desta matéria,


definições, objetivos e fins, em mossa sociedade de fins de século XX,
é estabelecer uma ideologia pessoal, baseada no conhecimento e
modo de entender, na experiência adquirida, e certos fundamentos
sociais e culturais cujas raízes remontam a muitos séculos. (ROSA,
23
2000, p.504, tradução nossa)

Aprofundando o conceito de representação, agregado às possibilidades de


entendimento mais diretas para o termo como tratamos até aqui, iniciamos a partir
dos questionamentos feitos por Fuão sobre a representação na arquitetura. No
congresso da SIGRADI24, importante evento de gráfica digital, ao criticar a
representação com o discurso que entitulou A representação do Matias, Fuão (2004)
explica que “a palavra “apresentação“ significa simplesmente “apresentar” e
“representação” o fato de voltar apresentar. Fazer voltar. Revoltare como potência
do poder mesmo de perpetuar-se.” O pensamento de Fuão sobre representação
associada ao poder traz à luz um aspecto pouco abordado sobre a representação e
que compreende implicações relevantes no que se refere ao ensino e ao exercício
profissional da arquitetura. Sobre tais implicações, Catanni (2001, p.31-32) comenta
que:

ocultando-se por trás de fundamentos científicos que determinam as


maneiras de representar o espaço a ser construído, os elementos
gráficos do projeto arquitetônico também podem ser vistos como
instrumentos de poder, pois, ao codificar e substituir um conhecimento
empírico associado ao trabalho direto por um conhecimento
sistematizado e organizado – e acessível a poucos -, caracterizam-se
como instrumentos de dominação sobre aqueles que não possuem.

Os arquitetos realizam desenhos que representam mais do que o objeto


arquitetônico em si, pois representam a organização de sua execução garantida por
eles próprios, antecipando então, através da representação, o poder. Ferro (2005)

23
“Establecer com profundidad el modelo conceptual de esta matéria, definiciones, objetivos y fines,
em nuestra sociedad de finales del siglo XX, es estabelecer uma ideologia personal, basada el el
conocimiento modo de entender, em la experiência adquirida, y ciertos fundamentos sociales y
culturales cuyas raíces remontam a muchos siglos.”
24
Sociedade Ibero-Americana de Gráfica Digital.
53

explica que, “no jargão dos escritórios, concretizar uma idéia é transcrevê-la no
papel, transladar de lá onde está, de além da vaga imagem só vista de olhos
fechados, do campo da representação para a ordem de serviço. A única matéria que
transforma, dando corpo, a idéia são os códigos do desenho para a produção – mas
transforma em transformação contínua de si, para emprestar a noção dos
matemáticos.” Decorre então que a representação não se encerra em si mesma. A
representação, segundo Foucault (1985, p.80), “é, ao mesmo tempo, indicação e
aparecer; relação a um objeto e manifestação de si”. Relação ao objeto a ser
construído e que aparece transformada, mantendo a idéia de Cattani (2001), como
instrumento do poder.

Na busca de representar na arquitetura existem diversas possibilidades, que


apresentam capacidades associadas e se encontram sistematizadas por Borda
(2001): a geometria descritiva, envolvendo problemas métricos; a axonometria,
envolvendo problemas métricos e perceptivos; a perspectiva cônica, envolvendo
problemas perceptivos; as maquetes, envolvendo também problemas métricos e
perceptivos e as novas tecnologias, envolvendo problemas em 2D e 3D. Dessa
pluralidade de possibilidades de representação para a arquitetura é possível
estabelecermos a escolha por uma ou por outra para a prática arquitetônica uma vez
delineado o conceito adequado de representação para tal prática.

1.2 UMA TEORIA DE REPRESENTAÇÃO


DESCRITIVA?

Na representação do espaço, conforme propõe a teoria de Monge, as


possibilidades de representação extrapolam os limites do existente e se direcionam
para o contexto produtivo de novos objetos. Uma vez considerada a geometria
descritiva como um sistema de representação indicado na construção de novos
objetos é questionável a nomenclatura descritiva.

O nome Geometria Descritiva dado por Monge a sua teoria da


representação foi preterido por vários excelentes autores que se dedicam à
representação gráfica, conforme nos expõe Cabezas (19??). Entre eles o professor
54

F. Hohenberg, que adota para o seu tratado, publicado em 1965, o título Geometria
constructiva aplicada a la técnica. A alteração do termo descritiva para construtiva já
havia sido proposto pelo professor E. Kruppa de Viena no ano de 1953. Concorda
com a terminologia destes dois autores G. Emmerich ao publicar seu Cours de
Géometrie constructive em 1969, do mesmo modo que A. Gheorghiu e V. Dragomir
preferem intitular de La représentation des structures constructives o seu inovador
tratado de geometria descritiva.

Curiosamente, na língua alemã a teoria de Monge foi chamada de


darstellende geometrie, apesar desta língua dispor da palavra deskriptive. Esta
denominação alemã deriva da palavra Darstellung, que significa representação com
um sentido diferente de estritamente mental, com significado de representação
construída (DÍAZ, 1996).

A concepção descritiva25 adapta-se bem ao positivismo científico na busca


do que é verdadeiro, traçando exigências de que a representação gráfica deixe de
ser simbólica e passe a ser descritiva. “É interessante recordar que na seqüência da
publicação da geometria descritiva por Monge, nos primeiros anos do século XIX,
esta idéia de descrição objetiva torna possível a realização de uma empresa
monumental que constitui um marco na história do desenho: a "edição imperial" com
mais de três mil ilustrações que, não por casualidade, se chamará Descrição do
Egito [...] dirigida pelo mesmo Monge contou com a participação de professores e
alunos da École Polytechnique [...]”. (CABEZAS, 1997, p. 156, tradução nossa)26

Quanto à etimologia: ‘construtiva’ significa que serve para construir, edificar


enquanto ‘descritiva’ quer dizer que serve para descrever, ou seja, representar,
explicar minuciosamente. (FERREIRA, 1986) Investigando se Monge levou em
consideração a etimologia ao denominar sua geometria, encontramos em Gani

25
No século XVIII, em particular, são desenvolvidas certas ciências como a botânica, a zoologia e a
mineralogia como ciências descritivas destacando a importância da descrição dos fenômenos, como
oposição a simples especulação dos mesmos.
26
"És interesante recordar que, en los primeros años del siglo XIX, esta idea de descripción objetiva
va a hacer posible la realización de una empresa monumental que constituye un hito en la historia del
dibujo: la "edición imperial" con más de tres mil ilustraciones que, no por casualidad, se llamará
Description de l'Egypte [...] dirigida por el mismo Monge contará con la participación de professores y
alumnos de l'Ecole Polytechnique [...]"
55

(2004) que, encarregado de resolver um determinado problema de desfilamento27,


Monge desenvolveu uma técnica gráfica que substituía as tentativas empíricas que
efetuavam cansativos cálculos utilizadas até então, reduzindo a um problema
essencialmente teórico a solução de uma questão prática; e que essa descoberta só
aparece denominada geometria descritiva mais tarde, como documento escrito pela
primeira vez em 1793, pelas mãos do próprio Monge.

Taton (1951, p.52) afirma que "A técnica da construção dos edifícios
requereu o esclarecimento, de métodos gráficos destinados a permitir o
desenvolvimento de projetos e facilitar a realização eficiente dos mesmos. O
aperfeiçoamento destes métodos contribuiu ao surgimento da geometria descritiva
[...]”.28 Explicando: o aparecimento da geometria descritiva consiste em uma
evolução de métodos gráficos que registravam procedimentos práticos utilizados
para resolver problemas nas edificações, tanto em pedra como em madeira. Nessa
evolução da representação29 a matemática serviu de fundamento ao trabalho de
Monge, dando um salto no conhecimento sobre representações realizadas até
então. Abre-se então uma dicotomia entre prática e teoria que nos permite refletir
sobre a terminologia geometria descritiva.

Representações anteriores a geometria descritiva, embora utilizando


projeção cilíndrica como Monge fundamenta no seu método, eram desenvolvidas
apresentando soluções de problemas construtivos como se fossem manuais práticos
de construção. Esses manuais, de estereotomia, apresentavam ‘receitas’ de
construção diz Gani (2004). Distanciado destas receitas Monge preconiza sua teoria
da representação considerando o espaço descrito matemáticamente e sendo esta

27
Conforme Gani (2004) a tradução francesa é défilement e foram encontradas duas traduções para
o termo: desfilamento e desenfiamento. Explica citando (VERNON,1813, p.167) que – “o desfilamento
consiste em conduzir o delineamento, e o relevo de huma obra de fortificação de modo que seu
interior não seja visto de algum ponto dominante do terreno E, e que conserve as propriedades que
as regras da defesa lhe assignão”; e citando (FREIRE, 1879) diz – Défilement – (Fort.)
Desenfiamento, methodo para preservar uma obra de fortificação das enfiadas.
28
“La technique de la construction des édifices a nécessité la mise au point, de méthodes graphiques
destinées à permettre l’établissement de projets et à en faciliter la réalisation effective. Le
perfectionnement de ces méthodes a contribué à l’éclosion de la géométrie descriptive [...]”.
29
Este tema será abordado com maior profundidade neste trabalho, no item 1.3 Delineando a história
da representação arquitetônica.
56

teoria aplicável a todas as artes. Dessa maneira, tratamos de uma representação


descritiva, que serve para o desenvolvimento dos projetos e para facilitar a
realização eficiente dos mesmos, conforme Taton (1951).

A geometria descritiva formou claramente um binômio teoria-prática definido


como ‘desenho politécnico’, com vigência até nossos dias. Um desenho que depura
os elementos formais conseguindo uma máxima expressividade de grande
racionalidade e coerência a partir de elementos mínimos, quase exclusivamente a
linha sem sombreado. Com suas bases teóricas, a geometria descritiva fundamentou
a maior parte das práticas de desenho para a produção industrial, como requeria
Monge. (CABEZAS, (19??)

Contribuem com o estabelecimento da denominação descritiva ou


construtiva para a teoria de Monge os limites existentes entre projeto arquitetônico e
sua execução: projeto arquitetônico é representação minuciosa, que usa diretamente
os métodos gráficos da geometria descritiva; uma vez executados são construção,
que deixa de ser bidimensional e extrapola os limites da representação mongeana.

A aceitação do termo descritiva para a representação na arquitetura é


manifestada por Saénz (1996, p. 177-178) quando examina diversos ângulos do
desenho arquitetônico e diz que “[...] o grafismo arquitetônico [...],
epistemologicamente, obriga a distinguir entre o desenho de concepção e o de
comunicação, desenvolvendo-se o primeiro mercê à capacidade heurística do
desenho, e utilizando o segundo a capacidade designativa e descritiva do mesmo.”
30
(tradução e grifos nossos) Entendemos que a geometria de Monge é descritiva
tanto pela distância direta da prática como pela aplicação dos seus operadores que
produzem uma representação bidimensional. Assim, no sentido específico do termo
é desnecessário verificamos outros que possam lhe substituir.

30
”[...] el grafismo arquitectónico[...], epistemológicamente, obliga a distinguir entre el dibujo de
concepción y el de comunicación, desarrollándose el primeiro merced a la capacidad heurística del
dibujo, y utilizando el segundo la vertiente designativa descriptiva del mismo.”
57

1.3 DELINEANDO A HISTÓRIA DA


REPRESENTAÇÃO ARQUITETÔNICA

A necessidade de representação é inerente ao homem desde a Antigüidade


como um desejo de permanecer no tempo e no espaço. Este desejo fez com que o
homem fosse protagonista da sua existência, fazendo registros de suas
experiências.

Podemos acrescentar que algumas representações, como exemplo a


perspectiva e as projeções ortogonais, antes de serem explicadas do ponto de vista
teórico, como projeções planas em distintos momentos na história do desenho, já
eram utilizadas como linguagem de representação. Também a axonometria foi
usada antes de ser teoricamente justificada, como decorrência da aplicação dos
elementos fundamentais do teorema de Pohlke em meados do século XIX.

Ao que constatamos, as representações são então resultado da presença de


um homem inserido no seu mundo e não de ‘uma máquina ideal’ determinando o
como se representa este mesmo mundo. Dando significado para ‘máquina ideal’
podemos incluir desde as tabuletas de Brunelleschi, passando pelos diedros de
Monge, chegando aos computadores de hoje.

Em alguns momentos, por encontrar-se em específicos contextos históricos,


este homem sistematiza representações, adequando-as à sua razão lógica. São
momentos históricos em que são estabelecidas regras para o nosso jogo de pensar
e representar, nos quais se fazem presente conhecimentos de geometria. BORDA
(2001) afirma que o conceito de geometria e os procedimentos adotados para
estudá-la, descrevê-la e visualizá-la, transformam-se na busca de corresponder às
inquietudes intelectuais e às necessidades técnicas próprias de cada período.

Nesse sentido, embora sem um rigor cronológico, com ênfase no como se


estruturam os saberes da representação na arquitetura em distintos momentos da
história, a seguir, estabelecemos contribuições de diversos tempos e culturas. Sobre
essas contribuições não pretendemos esgotar pesquisa em todas as publicações e
trabalhos de cada época e cultura, mas sim, investigar as mais significativas
compondo um referencial básico como um mosaico, necessário quando discutimos a
58

representação mongeana, por revelar relações entre esse saber e outros saberes da
representação. Esse referencial permite então, delinearmos a história da
representação arquitetônica apresentada em dois recortes temporais fixados em
relação à época da publicação da teoria mongeana, um do tempo precedente e
outro do posterior.

Ainda, ao delinearmos a representação arquitetônica nestes dois recortes


temporais, a história da profissão de arquiteto vai sendo registrada. Como
profissionais, os arquitetos, até a época moderna, tomavam parte da construção,
sobre o que vai sendo gerado um hiato entre a representação da construção e a
construção em si, envolvido com a sistematização da teoria mongeana, o que
interessa a este trabalho. Assim com a história da profissão de arquiteto, centrada
na integração/separação dos saberes, embasamos o mosaico apresentando a
história da representação em arquitetura.

1.3.1 EXPERIMENTANDO E OBSERVANDO COM O APOIO DA


MATEMÁTICA

Do século XV ao final do século XVIII

Tratarmos a representação da arquitetura no Renascimento requer


entrarmos no paradoxo da caracterização profissional do arquiteto com a
inexistência até o século XVI de qualquer estrutura profissional autônoma ou mesmo
de uma organização coletiva dos interesses profissionais para arquitetos. Apesar de
tal inexistência, o perfil profissional do arquiteto medieval é suplantado pelo arquiteto
do renascimento como um individualista e estudioso que põe a disposição da
sociedade os seus conhecimentos quase como um consultor. Contrapõe-se então o
arquiteto renascentista aos mestres-pedreiros, do estatuto profissional medieval,
atuando por um lado junto ao construtor e por outro junto ao “Mecenas”. Decorre
talvez dessa informalidade da profissão a alteração de estatuto31, que passa

31
“Se a formação profissional do arquiteto era baseada nas ciências exactas (sic) e nos autores
clássicos (portanto uma formação universalista e não exclusivamente profissional) a organização
59

valorizar os aspectos humanísticos do conhecimento e a sistematizar os saberes


profissionais no domínio teórico, científico e artístico, na nova relação do arquiteto
com seu novo cliente, o mecenas. (BRANDÃO, 2004)

As evoluções da representação arquitetônica no período renascentista32


assumiram um papel importante na introdução do arquiteto como profissional, que
na ânsia de que cada aprendiz tivesse sua coleção de desenhos, apoiados pela
maior oferta de papel e o advento da imprensa, divulgavam seus trabalhos,
contribuindo com o declínio da tradição de segredo sobre o saber dos artesãos.
Comparece então na história da representação na arquitetura uma revolução nos
“conhecimentos que começam a se expor, através de publicações de livros,
estabelecendo assim a tradição dos tratados e manuais de arquitetura, o que foi
possível graças à nova concepção humanista que alterou por completo o segredo
profissional.” (Alonso, 1996, p. 40, tradução nossa) 33

Em tratados e manuais renascentistas34 a representação para a arquitetura


avança no estudo da perspectiva e nos traçados práticos para as construções, nos
quais comumente projeções ortogonais e a perspectiva comparecem uma em apoio

profissional dos arquitetos era fluída, não estando estes ligados por nenhuma organização específica
(persistiam grêmios de artesãos como carpinteiros, ourives, pintores, aos quais eventualmente os
arquitectos (sic) pertenciam apenas por pertencer a sua origem). (BRANDÃO, 2004, p. 19)”
32
A produção renascentista de desenhos de levantamentos, conforme Alonso (1996) afirma-se em
três etapas diferenciadas. A primeira, realiza gráficos com uma finalidade de conhecimento individual,
que demonstra a falta de intenção de elaborações gráficas posteriores. São desenhos feitos a olho,
sem instrumentos, apresentando nenhuma ou poucas medidas em esquemas planimétricos ou vistas
perspectivas. Na segunda etapa, referente ao último quarto do século XV, os desenhos ajustados aos
interesses do artista e a que a prática se estenda como fator indispensável para a formação
profisssional e cultural, vão além da planimetria, agregando perspectivas, detalhes arquitetônicos e
informações das partes medidas com cotas, acrescidos de algumas informações sintéticas. Ainda,
são representados aspectos formais como abóbadas nos desenhos. Na terceira e última etapa,
começo do século XVI, os desenhos são orientados com uma atitude científica, baseada na medição
precisa, na análise do conjunto e na relação entre suas partes. O conhecimento de projeções
ortogonais através de planta, fachada e seção, começa a ser utilizado por muitos arquitetos
renascentistas como elaboração fundamental para o conhecimento geométrico do edifício.
33
“ Conocimientos que se comienzan a exponen a través de publicaciones de livros, estableciendo
así la tradicíon de los tratados y manuales de arquitectura, lo que fue posible gracias a la nueva
concepción humanista que cambió por completo la actitud ante el secreto profesional.”
34
O De re aedificatoria foi o único tratado de arquitetura publicado no século XV. Entretanto, a
atração formal do tratado teórico se fez sentir sobre alguns manuais técnicos e práticos, encobrindo
uma realidade textual diversa do que lhe deu origem. Assim, transmitiam habilidades já constituídas
ou inovadoras e não as condições de poder conceber. Tais exemplares multiplicaram-se rapidamente
a partir do século XVI. (CHOAY, 1980)
60

à outra na busca da compreensão do espaço, que a cada vez mais passa a ser
entendido como geométrico, num prenúncio da época moderna. Ainda, é necessário
incluir a redescoberta do tratado de Vitruvius, De Architectura Libri Decem que,
conforme Cattani (2001), ocorreu em 1414 no Mosteiro de St. Gall. Esse tratado de
Vitruvius foi reeditado em Roma, coincidindo com a data de publicação do primeiro
tratado de arquitetura dos tempos modernos, o De Re Aedificatoria de Alberti35.

A relevância desses dois tratados de Vitruvius e Alberti na arquitetura é


devida ao caráter intelectual que atribuem à profissão. Devido a esse caráter da
profissão de arquiteto é que representar em arquitetura transforma-se na própria
profissão. Quando Alberti, típico arquiteto acadêmico do Renascimento, escreve seu
tratado, retoma os conceitos de Vitruvius logo no prefácio, afirma Brandão (2004, p.
18) explicitando-os:”o trabalhador manual não é mais que um instrumento para o
Arquitecto que, por meio da sua habilidade segura e maravilhosa e de um método, é
capaz de completar a sua obra (...) para poder fazer isso deve ter um discernimento
perfeito quanto às ciências mais nobres e exactas”. Aproximações entre esses
tratados são reconhecidas por Choay (1980, p. 19-20):

o de Architectura de Vitrúviu é o único livro que parece participar da


mesma vocação-função instauradora do De re aedificatoria e pode,
pois, pretender uma anterioridade sobre este. Além disso, Alberti o leu
e nele se inspirou. [...] É uma tentativa premonitória, mas prematura,
que não logrou seus fins nem o poderia, numa época não-motivada
para a abordagem do espaço em perspectiva e do espaço construído,
com o sistematismo e o desprendimento que, quinze séculos mais
tarde, ensejaram o aparecimento do tratado de Alberti.

O tratado de Vitruvius disseminou-se a partir do século XVI, possibilitando


uma interpretação filológica da antigüidade clássica, em especial das ruínas

35
O De Architectura de Vitruvius foi editado em Roma por Giovanni Sulpitius e o De Re Aedificatoria
de Leon Batista Alberti foi publicado em Florença por Niccolo di Lorenzo Alamani, ambos com data de
1486. O local de publicação de cada um dos tratados provavelmente indica percursos culturais
distintos.

O texto de Alberti, à semelhança do tratado de Vitruvius, encontra-se organizado em dez livros.


Entretanto, as semelhanças entre tais tratados praticamente se esgotam na divisão em dez livros, na
coincidência da data de publicação e ainda, a uma breve referência aos operadores vitruvianos,
firmitas, utilitas e venustas. Tal referência, não é explicitamente citação de Vitruvius. A intenção de
Alberti era apresentar uma obra em linguagem acessível, diversa da visão que tinha da obra de
Vitruvius, como um texto que sequer podia ser entendido, com confusões lingüísticas entre o grego e
o latim. (KRÜGER, 2007)
61

romanas. De acordo com a abordagem vitruviana36, instituía-se tratar a


representação com base nas proporções. Lembramos que especular sobre as
ordens arquitetônicas encerrando-se numa estilística significa retomar Vitruvius
(figura 1.1). Assim, conforme Choay (1980), o principal elo de tradição textual de que
se valem os tratadistas são os Dez Livros de Arquitetura de Vitruvius. Relega-se
então a plano inferior o De Re Aedificatoria, e a representação, mais do que
apreender operações, traduz a apresentação de objetos.

[...] graças a um substitutivo bidimensional, os exemplos que permitirão


descobrir e formular as regras da arquitetura, o desenho, mais bem
adaptado como está ao novo propósito dos tratados, acaba
suplantando o discurso verbal. [...] O desenho é, pois, o instrumento
constitutivo de uma teoria figurada dos elementos arquitetônicos, que
repousa ao mesmo tempo sobre essa decomposição analítica em
elementos e sobre uma critica comparativa. Essa crítica comparativa é
essencial para à postura clássica. É um confronto permanente, através
do desenho, das obras (gráficas e arquitetônicas) dos outros arquitetos,
seja entre si, seja com suas próprias obras (gráficas ou arquitetônicas),
que os tratadistas estabelecem os sistemas tipológicos ao quais
atribuem o valor de exemplo e que entregam à imitação de seus
discípulos. (CHOAY, 1980, p.212-213)

Muita da tratadística produzida pelos arquitetos a partir do século XVI


destinava-se a educar os donos da obra. O refinamento e sofisticação dos desenhos
oferecidos aos mecenas serviam de afirmação profissional aos arquitetos. Isso
porque o arquiteto erudito recebia legitimação de poder sobre os mestres-pedreiros
e todos os artesãos, dividindo poderes com o mecenas ilustrado. Os conhecimentos
eruditos serviam então para alavancar o exercício do novo estatuto profissional dos
arquitetos, cada vez mais hierárquico. (BRANDÃO, 2004)

Frente à aliança arquiteto-mecenas, a profissão dos construtores reduzia-se


a uma certa impotência. A responsabilidade do desenho e a educação clássica eram
atribuídas como distintivas dos arquitetos. Só excepcionalmente o estigma da
formação prática dos homens formados nos ofícios podia ser retirado. E, ainda,
mediante uma educação complementar ministrada sob o controle de um arquiteto
erudito. Nesse contexto, o desenho como instrumento central na prática

36
“Para Vitrúvio, os homens viviam como animais na floresta mas puseram-se em fuga devido a uma
tempestade; ao retornarem descobriram a utilidade do fogo, inventaram a linguagem, a vida em
sociedade e utilizaram essa capacidade para realizarem abrigos diversos; por último, construíram a
primeira cabana primitiva e inventaram a simetria, isto é, o advento da proporção.” (KRÜGER, 2007,
p.1-2)
62

arquitetônica implica na alteração disciplinar da arquitetura. Assim torna-se possível


a separação entre concepção e construção. E, na seqüência, a remoção do arquiteto
da responsabilidade direta sobre a obra. (BRANDÃO, 2004)

Fonte: Kruft (2004, anexos).

Figura 1.1 – Representação das ordens das colunas dos estudos de Vitruvius de Cesare Cesariano
(1521)

Sem estabelecer limites rígidos entre publicações do ponto de vista do


período histórico, podemos comentar vários tratados e manuais que tratam dos
ganhos da representação na arquitetura no renascimento. Para isso, consideramos
que aquisições referentes à representação do espaço, no que interessa a arquitetura
63

não se dá em saltos e sim em contínua evolução. Na seqüência dos tratados sobre


Estereotomia apresentamos os de Delorme, Desargues, Jousse, Deran, de la Rue,
Frézier, o de Monge e de sua produção subseqüente. Na perspectiva destacamos
Brunelleschi, Alberti, Piero de la Francesca e Dürer. Sobre alguns desses tratados
abordamos os seus conteúdos mais detidamente por tratarem de ganhos no que se
refere às bases do pensamento moderno: a geometrização do espaço, ao
distanciamento dos problemas práticos e teóricos envolvidos na representação
espacial e a conseqüente formação profissional do arquiteto, distanciando-os dos
artistas. Nesse sentido, abordagens mais longas então recaem sobre os estudos de
Dürer, Desargues e Monge.

A perspectiva foi considerada como o primeiro método projetivo


sistematizado e por isso uma primeira linguagem técnica da arquitetura, afirma
Borda (2001). Em tratados e textos do século XV, manuscritos que estavam nas
mãos de poucos eruditos, os quais foram publicados com minuciosas anotações
críticas, a partir de 1870, são ressaltadas indicações em que se patenteia a
preocupação dos pintores e artistas florentinos com a ótica e a adequação
matemática à realidade representada na perspectiva, segundo Katinsky (2002).
Ainda nesses textos aparece a reinvindicação da perspectiva exata a Brunelleschi o
qual estabelece uma nova concepção de arquiteto e arquitetura, com a
potencialização de métodos gráficos, de acordo com García (1998). A perspectiva
exata foi claramente demonstrada por Brunelleschi, em Florença, em 1413, e
ganhou uma descrição formal por Alberti, que foi conhecida como construzione
legittima, baseada em um pavimento quadriculado em perspectiva. ( Figura 1.2)

Nas descobertas de perspectiva por Brunelleschi os fundamentos recaíam


em um método ótico-gráfico, estudado com o apoio de tabuletas37; uma primeira que
demonstrava a validade das leis da perspectiva exata e uma segunda que
demonstrava a universalidade dessas leis, aplicando-as a representação do Pallazo
Vechio, assimétrico e com uma das fachadas com torturas. Depois de Brunelleschi,

37
Brunelleschi elaborou duas tabuletas, uma com orifício e outra sem, sobre as quais e sobre suas
implicações na representação em perspectiva trata Katinsky (2002)
64

utilizando um quadro transparente, Alberti distingue seu método de perspectiva


nitidamente dos que a usam empiricamente e trata então seu livro Da pintura não
como mera condição de registro do modo de desenhar a perspectiva exata de
Brunelleschi ou outros pintores da época, afirma Katinsky (2002).

Fonte: D’AGOSTINO (2006, p.20)


Figura 1.2 – Método de construção da perspectiva exposto no De Pictura, do século XVI, de Leon
Battista Alberti.

Como um contraponto nos receituários medievais de arte, encontramos o


primeiro tratado moderno das artes: o Da pintura, de 1435, de Leon Battista Alberti,
arquiteto renascentista que muito influenciou na arquitetura da sua época,
inaugurando um discurso racional, o qual acompanhamos nas palavras iniciais do
livro primeiro do tratado:

Escrevendo sobre pintura nestas brevíssimas anotações, tomaremos


aos matemáticos - para que nosso discurso seja bem claro - aquelas
noções que estão particularmente ligadas à nossa matéria. Depois de
conhecê-las, faremos, na medida de nossa capacidade, uma exposição
sobre a pintura, partindo dos princípios da natureza. Peço, porém,
ardentemente, que durante toda minha dissertação considerem que
65

escrevo sobre essas coisas, não como matemático, mas como pintor.
Os matemáticos medem com suas inteligências apenas as formas das
coisas, separando-as de qualquer matéria [...] (ALBERTI, 1992, p. 71).

Borda (2001) afirma que os arquitetos passaram a associar a perspectiva à


capacidade de controlar a realidade idealizada devido a possibilidade de construir
imagens similares, em termos geométricos, às que o olho teria diante dos edifícios
idealizados. Decorrente dessa associação, sabemos segundo Fuão (1992) que os
estatutos da arquitetura desde o renascimento estão nas mãos do conhecimento e
construção da imagem, e que o trabalho da razão começa pelo olho.

Na associação da arquitetura com ordem visual, o arquiteto precursor foi


Brunelleschi. A cúpula de Santa Maria del Fiore, uma estrutura tão grande a se
elevar no céu38, superando os arquitetos antigos, proporcionou um signo forte na
história. Resultado da sua invenção da perspectiva, que envolveu o espaço com
concepção matemática. Inagura-se então com Brunelleschi a concepção matemática
do espaço que envolve o olhar moderno.

Entretanto, Alberti chegou a não recomendar o uso da perspectiva pelos


arquitetos, considerando somente a planta e a fachada como documentos de
projetos. Essa recomendação foi seguida por alguns que asseguravam como
método legítimo do arquiteto, a representação, comprometida com as medidas
relacionadas com a realidade concreta e não com a realidade percebida pelo olho.
Em decorrência, a perspectiva passa a ser estabelecida como documento de projeto
somente no século XVIII, em 1721, com os aportes de Fillipo Juvara, Johann
Berhard e Fischer von Erlach.

Sem dúvida, quando Alberti, típico arquiteto acadêmico renascentista,


escreveu seu tratado De re aedificatoria, retomou os conceitos de Vitruvius sobre a
profissão de arquiteto. No período medieval, a utilização de regras de proporção
manteve-se por influência de Vitruvius. Assim, o trabalho de arquiteto medieval
assentado no desenho, disponere in fundamentis, nunca deixou de ser área

38
O trabalho de Brunelleschi é reverenciado no prólogo do Da pintura: “a hipérbole de Santa Maria da
Flor, cuja sombra cobre quase todos os homens da Toscana, é efetuação retórica admirável,
louvando a novidade da ciência da construção enquanto a constrói como colosso”.(Apresentação de
Leon Kossovitch ao Da pintura, ALBERTI,1992)
66

exclusiva da sua formação, embora coubesse aos arquitetos dessa época tratar
também da construção. Entendemos a visão de Alberti como inovadora porque
distancia o trabalho do arquiteto da construção enquanto firma-se na sua
representação.

Faz-se necessário incluir, depois do tratado de Alberti, as contribuições


dadas à representação na arquitetura por Piero della Francesca, resultadas das
suas pesquisas no âmbito da geometria e da ciência. Massironi (1982, p. 9-10),
afirma que, “em vez de excluir Piero della Francesca do campo da arte, [...] torna-se
evidente a urgência de também reconhecer neste suporte cognoscitivo artístico o
mérito e a ainda a capacidade de ter implantado as bases para a construção da
ciência moderna. Sem a geométrica reconsideração do espaço, que torna
mensurável as três dimensões do cubo de perspectiva construído por Filipo
Brunelleschi, Paolo Ucello e Piero de la Francesca, não teria sido possível a
sucessiva matematização do espaço circunstante que, com Galileu, daria origem ao
pensamento científico moderno. Mas a construção do desenho como representação
não só qualitativa, mas também quantitativa da tridimensionalidade do espaço, faz
emergir a projecção (sic) como prefiguração racional do artificial.”

Piero de la Francesca desenvolveu trabalhos com a dupla projeção


ortogonal, embora trate com mais ênfase o estudo da perspectiva (Figura 1.3). No
seu tratado De prospectiva pingendi (1435), que precedeu de três séculos as lições
de Monge, afirma que para fazer a perspectiva sobre o plano são necessárias cinco
coisas, que definem operações geométrico descritivas: 1) a representação do ponto
para determinar o olho do observador; 2) a representação exata das figuras planas e
sólidos; 3) a medida da distância entre o olho e o objeto; 4) a representação das
retas genéricas, representando as linhas que partem do olho ao objeto e 5) a
representação de um plano de projeção, isto é o quadro perspectivo. (MIGLIARI,
1996).
67

Fonte: MIGLIARI (1996, p.25)


Figura 1.3 – Construção das projeções de um cubo em posição genérica (Figuras LIII e LIV que
ilustram De prospectiva pingendi).

Ao dedicar-se ao tratado de perspectiva, Piero usa a dupla projeção


ortogonal como um conhecimento e habilidade comum aos artistas de sua época,
sem tratar com sistematização tal método. Entretanto, sobre estes procedimentos,
interessa recordar que detinha respaldo, no seu tratado Libellus de quinque
corporibus regolaribus, de pura ciência geométrica. Seus estudos incluindo projeção
ortogonal (figura 1.4) não apresentam linha de terra, diferindo do método mongeano.
Entretanto apresentam linhas de chamada. (MIGLIARI, 1996).
68

Fonte: MIGLIARI ( 1996, p.26)


Figura 1.4– Construção das projeções e das seções horizontais de uma cabeça humana (Figuras
LXIII e seguintes que ilustram De prospectiva pingendi).

O uso de dupla projeção ortogonal, entretanto, como verdadeira análise das


figuras do espaço é devido a Dürer, como uma idéia elementar que permite construir
as seções cônicas em diferentes tamanhos e construir perspectivas. Belhoste (1998)
comenta que a construção das perspectivas com dupla projeção, método atribuído a
Brunelleschi, que aparece descrito em De prospectiva pingendi por Piero de la
Francesca, é interpretado por Dürer como uma revolução mental no seu uso pelos
pintores (figura 1.5).

Em sua obra, Dürer estabelece as bases da projeção ortográfica, ensinando


o processo de obtenção da planta, fachada e corte de um edifício, o que se
estabelece na arquitetura, comprovado por Rafael ao acrescentar as explicações
para a obtenção dos desenhos, completando o trabalho de Vitruvius e de Alberti. A
sistematização da projeção ortogonal, entretanto, vai ocorrer só em 1795, com os
estudos de Monge. (BORDA, 2001)
69

Fonte: ALMAGRO ( 1998, p.61)


Figura 1.5– Desenhando o alaúde, gravura extraída da ‘maneira de medir’ da obra Under Weysung
der messung mit dem Zirckel und richt/Scheyt, edição de 1525.

A partir do estudo da perspectiva de Dürer (figura 1.6) estabelecemos uma


interpretação das suas duas partes: a da direita, o corpo da mulher nua é do mundo
das paixões, dos sentimentos, enquanto a da esquerda, o pintor coloca a imagem
num quadrilátero geométrico, significando que a atividade de conhecimento é o
esforço de colocar as formas materiais e carnais inscritas na realidade matemática.

Historicamente, o processo de algebrização dos procedimentos projetivos


presentes na matematização da perspectiva por Dürer, com a possibilidade de
fornecer relações métricas do modelo na atividade arquitetônica, teve um período
muito curto, uma vez que isso não acrescentava melhoras na representação
arquitetônica. Deve-se esse não interesse pela algebrização, levando à volta das
questões essencialmente práticas do método (figura 1.7), ao fato de que, na
arquitetura, a perspectiva é vista como uma estrutura de saber complementar, que
abarca questões essencialmente perceptivas, deixando as informações métricas
para um segundo plano. (BORDA, 2001)
70

Fonte: ALMAGRO ( 1998, p.61)


Figura 1.6 – Desenhando a mulher nua, gravura extraída da ‘maneira de medir’ da obra Under
Weysung der messung mit dem Zirckel und richt/Scheyt, edição de 1538.

Fonte: http://gallica.bnf.fr
Figura 1.7 – Representação em perspectiva com método prático, extraída do Le premier tome de
l’Architecture (DE L’ORME, 1567).

A perspectiva do renascimento serviu à necessidade dos artistas de se


apropriarem do real. Na satisfação dessa ânsia, colocaram no papel elementos do
71

infinito, e no conhecimento uma nova maneira de representar o mundo. Ao tentarem


então a representação do mundo como infinito, estabeleceram bases para o advento
da geometria projetiva, o que ocorreu dois séculos depois, com o trabalho de
matemáticos que se apossaram dos fundamentos artísticos desses pintores.

Um contraponto ao aparato matemático que começa se envolver com a


perspectiva ainda em meados do século XVI ocorre com um impulso no uso da
axonometria que, ainda sem ser sistematizada, insere-se no exercício da arquitetura
justamente por não depender dessa matematização do espaço (figura 1.8).
Lembramos que, essa mesma questão é retomada por Van Doesburg em 1919,
como crítica a matematização da perspectiva, na busca de métodos de
representação mais intuitivos, embora no século anterior, em 1852, essa
representação foi justificada com teoria científica. (BORDA, 2001).

Na seqüência dos tratados da representação em arquitetura, o tratado de


Philibert de l’Orme, Le premier tome de l’Architecture39, publicado em 1567, segundo
Gani (2004) é citado por diversos autores como o primeiro que justifica as regras da
estereoromia e do desenho de arquitetura recorrendo ao raciocínio geométrico.
Taton (1951) comenta que Philibert de l’Orme, em seu primeiro tomo de arquitetura,
utiliza o raciocínio geométrico para justificar as regras do tamanho das pedras e do
desenho arquitetônico. Entretanto, as demonstrações são insuficientes e os métodos
gráficos muito complicados apresentando correspondência entre plantas e
elevações em várias passagens. TATON (1951)

Na sua obra anterior, de 1561, Nouvelles inventions pour bien bastír et à


40
petits fraiz (tradução nossa) , a intenção do autor é apresentar suas invenções
para contribuir com a economia da madeira e da pedra, evitando cortes mal feitos, o
que nos indica que a racionalização dos processos construtivos estava se fazendo
necessária.

39
Esta obra foi publicada em Paris, contendo nove livros de arquitetura e segundo Trevisan (2000) a
partir de 1576, suas edições passaram a vir adicionadas dos dois livros que compõem Nouvelles
inventions pour bien bastir et à petits fraiz, escritos em 1561, por de l’Orme. As capas destas duas
obras encontram-se no anexo 3.
40
Novas invenções para construir bem com baixo custo.
72

Fonte: Almagro, 1998


Figura 1.8 – Carta da Holanda de 1575, sugerindo a compreensão do espaço com o conhecimento da
axonometria, revelada na posição do observador que se coloca dentro de um espaço em
representação axonométrica.
73

Em de l’Orme (1561), observamos uma seqüência de procedimentos para


serem aplicados diretamente nas obras, com respectivas descrições e ilustrações
Estes procedimentos tratam da montagem das partes das construções, com as
ilustrações apresentando tipos variados de projeções (figuras 1.9 e 1.10), e
esclarecem como podem ser traçados em verdadeira grandeza elementos da
construção (figuras 1.11 e 1.12). Esses traçados correspondem às necessidades do
aparelhador, que muitas vezes traça em tamanho real com o compasso e a régua no
chão, e correspondem também ao pensamento de Monge, para encontrar a
verdadeira grandeza entre dois pontos do espaço41. Na sua obra subseqüente, a
complexidade das aplicações destes traçados é apresentada (figura 1.13). Em
síntese, quanto à representação na arquitetura, distinguimos os livros de l’Orme de
outras obras francesas de arquitetura da sua época por abordarem a teoria da
representação, enquanto algumas dessas na sua essência apresentavam padrões e
ordens arquitetônicas.

O que buscava Philibert de l’Orme42, um século depois de Alberti, era a


profissionalização da arquitetura, com a definição de um profissional formado
segundo modelos de educação e que tivesse responsabilidades e privilégios bem
definidos. No seu Le premier tome de l’Architecture definia com rigor as atuações do
dono da obra, do arquiteto e do mestre-pedreiro. Philibert, como Palladio orgulhava-
se de ter desenhado todo o tipo de edifícios, dos palácios às casas modestas, sendo
estas os últimos redutos de trabalho dos mestres-pedreiros. (BRANDÃO, 2004)

Philibert de l’Orme destaca-se na profissionalização do arquiteto por registrar


na sua obra conhecimentos produzidos pelas ‘sociedades de companheiros’,
enquanto o arquiteto italiano Andrea Palladio consolida os ‘projetos profissionais’,
como representação na arquitetura. Cardone (1999) comenta que no seu Primo libro
dell’architettura Palladio explica que vai fugir das palavras e usá-las só o

41
Monge (1799) apresenta esse processo nas figuras 2 e 3, planche I.
42
Philibert de l’Orme, arquiteto do Cardeal francês du Bellay que foi trespassado ao Rei Henrique II,
queixava-se de ter gasto parte considerável dos seus recursos na preparação de maqueta. O sistema
de Mecenato impunha um preço ao arquiteto sem a proteção de qualquer organização coletiva. Era
freqüente então, o arquiteto ser dispensado pelo dono da obra, uma vez que este desviava recursos
que havia destinado ao arquiteto.(BRANDÃO, 2004)
74

estritamente necessário e que, no seu Terzo libro dell’architettura, completa dizendo


que muito melhor exemplo é dado com o desenho do edifício inteiro e depois suas
partes sobre uma carta do que com um longo uso de palavras. Como ilustração da
representação adotada por Palladio pode ser observada a figura 1.14.

Fonte:http://gallica.bnf.fr Fonte:http://gallica.bnf.fr
Figuras 1.9 – Assentamento de peças dos arcos, Figuras 1.10 – Assentamento de peças dos
ilustração de l’Orme (1561, p. 8). arcos, ilustração de l’Orme (1561, p. 11).

Fonte:http://gallica.bnf.fr Fonte:http://gallica.bnf.fr
Figuras 1.11 – Determinação de ‘círculos Figuras 1.12 – Outra maneira de determinar
alongados’, ilustração de l’Orme (1561, p. 13). ‘círculos alongados’, ilustração de l’Orme (1561,
p. 14).
75

Fonte: http://gallica.bnf.fr
Figura 1.13 – Representação para determinar tamanhos reais das partes de uma abóboda,
ilustração de l’Orme (1576).

Fonte: CARDONE (1999, p. 19).


Figura 1.14 – Ponte de Vicenza, representação de Palladio.

Outros estudos teóricos com interesse na geometria pura e suas aplicações


nas técnicas gráficas foram desenvolvidos pelo arquiteto e geômetra Desargues, que
escreveu sobre as seções cônicas, o corte das pedras, a perspectiva (figura 1.15),
as sombras e o relógio de sol, o que encontamos reunido e analisado por Poudra em
Oeuvres de Desargues (1864).

As obras de Desargues (1640), com o título Brouillon project d’une atteinte


aux evenemens des recontres du cone avec um plan, e de B. Pascal (1640),
intitulada l’Essai sur les coniques, nos apresentam estudos sobre as propriedades
projetivas dos objetos geométricos. Estes trabalhos surgem com um novo enfoque
76

sobre a antiga teoria das seções cônicas aplicadas nas perspectivas. Entretanto,
poucos científicos assimilaram as idéias de Desargues e Pascal, e suas obras se
perderam, adiando o nascimento da geometria projetiva como um ramo
independente da ciência. A construção rigorosa e sistemática da geometria
descritiva de Monge no final do século XVIII desenvolveu então o papel de premissa
necessária para a construção da geometria projetiva. (RIBINIKOV, 1991)

Ainda sobre a obra de Desargues, Taton (1951) diz que em um pequeno


folheto problemas difíceis de desenho arquitetônico foram apresentados por
métodos exclusivamente geométricos nos quais as construções sucessivas
mostravam a compreensão exata da geometria descritiva. Entretanto, pela
nomenclatura nova introduzida e por lacunas nas demonstrações, a geometria
descritiva permaneceu não totalmente esclarecida.

A característica dos estudos de Desargues é a apresentação de um método


geral com base em princípios teóricos que exigiam grande esforço mental dos
leitores, o que certamente contribuía para que seus estudos não fossem bem
aceitos. Seu método de corte das pedras é exposto a partir de um exemplo de
construção de uma abóbada (figuras 1.16 e 1.17).

Para isso, Desargues estabelece cinco planos, em posições especiais em


relação à abóboda. Em seguida, seleciona retas, que se relacionam com esses
planos e que formam ângulos que na sua concepção são fundamentais para a
construção da abóboda. Tais retas são projetadas em um plano e os ângulos das
retas são conhecidos a partir desse plano, o que é parecido com os métodos
descritivos atuais, afirma Gani (2004)

Assim, segundo Ferro (2005), a geometria projetiva marginalizada desde a


sua primeira formulação sistemática no Brouillon project de Desargues só será
efetivamente desenvolvida com a Géométrie descriptive de Monge em 1799. Após
1640 surgiram outros tratados de estereotomia que apesar de serem mais completos
do que o escrito por de l’Orme seguiam como este, estudos para casos específicos,
resolvidos de maneira intuitiva, sem atingir a generalização proposta por Desargues.
Entre esses tratados temos os de Jousse, Derand, Bosse, La Hire e La Ruë.
77

Fonte: BELHOSTE (1996, p. 15)


Figura 1.15 – Exemplo de traçado da perspectiva inventado por Desargues, extraído de um
pequeno folheto de doze páginas publicado com o título de L’exemple de l’une des manières
universelles du S.G.D.L., em Paris (1636).

Fonte: http://gallica.bnf.fr
Figura 1.16 e 1.17 – Perspectiva e fachada com os princípios teóricos sobre o corte das pedras,
propostos por Desargues (1640)

Mathurin Jousse escreveu Le secret d’architecture découvrant fidèlement les


traits géométrics, couppes et dérobemens nécessaires dans les batiments em 1642
78

que, segundo Trevisan (2000), foi o primeiro tratado exclusivamente dedicado à


estereotomia. Ao contrário de d l’Orme como comentamos que apresentava os
problemas sem maiores esclarecimentos, Jousse no seu texto comenta, com
profundidade, aproximadamente uma centena de exemplos, sendo boa parte deles
dedicada ao vários tipos de trompas. Apesar de no seu título dar ênfase à
matemática, as representações utilizadas tratam de conhecimentos práticos e
intuitivos (figura 1.18) . Essa obra foi argumentada e corrigida por La Hire, que a
republicou em 1702 com o título de L’art de charpenterie de Mathurin Jousse.

Fonte:http://gallica.bnf.fr
Figura 1.18 - Representação da solução de problema construtivo, apresentada por Jousse (1642,
p.51).

Conforme Choay (1980), Mathurin Jousse denomina sua obra Le secret


d’architecture, ainda no prefácio, de “Tratado de arquitetura”, opondo-o aos tratados
teóricos que enumera desde Vitruvius incluindo-o. Depois de citar as melhores obras
teóricas, conclui que, com exceção de de l’Orme, todos os autores não trataram da
maneira de delinear os traçados geométricos necessários ao corte das pedras.

De maneira diversa do tratado de Jousse, a representação dos problemas


do espaço é sistematizada do ponto de vista geométrico em La Géométrie de 1664.
Nessa obra, Descartes associa explícitamente duas projeções ortogonais para
descrever uma curva reversa do espaço em uma superfície plana. Para tanto,
79

explica que os planos nos quais são feitas essas projeções são perpendiculares
entre si e que cada um dos pontos da curva reversa fica totalmente determinado
com uma relação entre suas duas projeções na linha de intersecção desses planos
(figura 1.19). Na seqüência, comenta sobre um plano tangente à curva, que deve ser
encontrado com a escolha de planos auxiliares que contenham a tangente e que
sejam perpendiculares aos planos de projeção. O que destacamos deste trabalho de
Descartes, em síntese, é a matematização do espaço, que levou à denominação de
espaço cartesiano e a sua conseqüente representação cartesiana, o que
conceitualmente marca um grande salto para o reconhecimento do espaço moderno.
(GANI, 2004)

Fonte: GANI (2004, p.40)


Figura 1.19 – Interpretação gráfica (em perspectiva e projeções ortogonais) da idéia de Descartes,
explicada sem desenho ilustrativo em um parágrafo da sua obra La Géométrie (1664,p.64)

Voltando a comentar sobre tratados de estereotomia, Bosse, em La pratique


du trait a preuves de Mr. Desargues Lyonnois, pour la coupe de pierres en la
architecture, publicado em Paris em 1643, retoma os conceitos de Desargues e
apresenta um tratado com desenhos bem elaborados (utilizando perspectiva
axonométrica e projeções ortogonais dissociadas), tratando diversos aspectos das
construções, entre os quais o das colunas (figura 1.20 ).

Voltado para a prática, segundo Gani (2004), Jean-Baptiste de La Ruë


publicou em 1728 Traité de la coupe des pierres, com qualificadas representações
em axonometria, que foram utilizadas por Monge para suas aulas em Mézières e no
curso de aplicações da geometria descritiva na École Centrale de Travaux Publics.
80

Fonte: http://gallica.bnf.fr
Figura 1.20 – Representações apresentadas por Bosse (1643, p. XLII, à esquerda e p. XLUV, à
direita).

François Derand, em 1763, publicou Architecture des voûtes ou l’art des


traits et coupe des voûtes. Sobre este tratado, Trevisan (2000) afirma que apresenta
a melhor taxinomia de estudo de trompas e Taton (1951) explica que seu autor
justifica a pequena quantidade das demonstrações por considerá-las redundantes
para quem conhece geometria e incompreensíveis para os que desconhecem este
saber, ressaltando que o destaque desta obra tem o mérito de ser a primeira a reunir
os diversos problemas relativos à técnica do desenho de arquitetura.

Sintetizando, os tratados de Jousse, Derand, Bosse, La Hire e La Ruë


tratavam da representação para os profissionais da construção da arquitetura, no
seu sentido prático. Sobre isso, excluindo o de Bosse e La Hire, Gani (2004) afirma
que
81

esses autores tinham consciência das conseqüências desastrosas, que


resultavam de uma abordagem informal do tema. Sabiam, além disso,
que a fundamentação teórica residia na Geometria. Por esse motivo,
cada um deles pretendia (e, até mesmo, acreditava ter conseguido) dar
um caráter científico à arte da Estereotomia, estabelecendo uma base
geométrica. No entanto, nenhum deles conseguiu alcançar a
simplicidade e o rigor do método estabelecido posteriormente por
Monge.
A estereotomia foi tratada, ainda, em obras de matemática pura, que tiveram
alguns capítulos dedicados a este tema. De lapidum sectione, obra de Claude
François Milliet de Chasles, publicada em 1674 com cinco capítulos, é um desses
casos, que apresenta também uma parte dedicada a perspectiva, extraída do Cursus
seu mundo mathematicus. Outra obra matemática que trata da estereotomia é
Euclides adauctus et methodicus mathematicaque universalis, publicada em 1671
por Guarino Guarini, arquiteto e matemático. (MIGLIARI, 1996) Segundo Gani
(2004), Guarini produziu sua audaciosa obra arquitetônica para a época, a Igreja de
São Lourenço em Turim, a partir de seus estudos teóricos voltados para a aplicação.

Na seqüência de obras que foram comentadas tratando da estereotomia,


embora com a pretensão de lhe estabelecer uma fundamentação matemática, não
se avançava além de uma base prática para a arquitetura, fazendo exceção aos
estudos de Desargues, como explicamos. A mudança de rumo surge então com La
théorie et la pratique de la coupe des pierres et des bois pour la constructiouns des
voutes ou Traité de stéréotomie à la usage de l’architecture, de Amédée-François
Frézier (1737-39). O destaque de Frézier revela-se em afirmar importância de
estudos teóricos de geometria como bases sólidas para a representação em
arquitetura.

Os primeiros comentários de Frézier (1737) nos dão uma idéia clara de


controvérsias existentes entre teóricos e práticos. Como exemplo de suas
preocupações com o desconhecimento da geometria como suporte para a
construção, comenta que durante a execução de uma abóbada surgem dificuldades
imprevistas e que são resolvidas por tentativas, porque as pessoas não são capazes
de construir obras diferentes das que já foram feitas, copiando às vezes até erros.
Afirma, enfim, que seu tratado terá como inovação o conhecimento exato da
natureza das linhas que se formam nas arestas das abóbadas.

Gani (2004) afirma que Frézier não deixa dúvidas que seu livro não pretende
ser um manual e sim tratar da ciência do matemático que conduz o artesão ao corte
82

das pedras. Nesse sentido, essa ciência tem seus princípios na geometria pelo
conhecimento das linhas (figura 1.21) e superfícies (curvas e planos) e dos corpos
sólidos (figura 1.22), os que deverão ser seccionados. Entretanto, o fundamental
encontra-se em tratar os corpos cônicos, piramidais ou angulosos seccionados por
superfícies, isto quer dizer o contrário de pensar nas partes que se juntam para
formar o todo, o que vinha sendo feito até então, no estudo da estereotomia.

Fonte:Gani (2004, p. 62)


Figura 1.21 – Teorema sobre a projeção ortogonal de linhas curvas no espaço. (FRÉZIER, 1737, tomo I,
livro II, prancha 16)

Fonte:Gani (2004, p. 65)


Figura 1.22 – Projeções ortogonais de diversos sólidos em diferentes posições. (FRÉZIER,
1737, tomo I, livro III, prancha 19)

Na sua obra, Frézier apresenta uma clara distinção entre teoria e prática, o
que não acontecia nos tratados de estereotomia anteriores. É organizada em três
tomos: o primeiro sobre tomomorfhie (figura ou descrição de seções) e stereographie
(descrição dos sólidos), o segundo e o terceiro sobre tomotechnie (arte de fazer as
seções). A tomomorfhie trata da ciência, enquanto as outras se ocupam da prática
da construção.
83

Com Frézier retoma-se então o conceito de Desargues de que o processo é


geral e não específico para cada tipo de construção. Enquanto Desargues apresenta
só um exemplo de abóboda na sua obra, a teoria de Frézier é exemplificada com
diversidade, restringindo-se às construções em pedra e madeira. Ainda estes dois
autores, publicando com a distância de quase um século, destacam-se
conceitualmente na estereotomia por abordar a teoria e a prática enquanto os
demais fixavam-se na prática. Nesse sentido, Frézier retoma a idéia de Desargues,
conjugando racionalismo matemático com técnicas empíricas.

Partindo desta breve exposição dos tratados deduzimos a importância dada


à estereotomia, por um lado, no que se refere a sua representação, como uma
questão geométrica e, por outro, em tratar o processo, para que fosse compreendido
pelos construtores. Era necessário então situar-se com o rigor da matemática e com
fácil interpretação. Gani (2004) afirma que não era fácil atingir esse objetivo e que
entre as dificuldades existentes podiam ser destacadas três: a complexidade da
questão, a dicotomia existente entre os artistas e os matemáticos e a resistência dos
técnicos e profissionais em relação ao conhecimento teórico.

A primeira, envolve conhecimentos de geometria espacial, tratando da


representação em duas dimensões de objetos que tem três dimensões. Em relação
à segunda, os livros escritos por artistas falhavam nas questões matemáticas e os
dos matemáticos não despertavam o interesse dos práticos43. Quanto a última
dificuldade tinha-se o exemplo de Daviler, que expõe no seu Cours d’architecture
que as regras da geometria são inferiores às da prática, não reconhecendo a elipse
num problema de círculo alongado. (GANI, 2004)

Depois de publicados muitos tratados sobre estereotomia com


deslocamentos conceituais, ora embasados na matemática e ora embasados na
prática, chega o momento da representação em arquitetura usar a teoria mongeana
não como abandono aos suportes de representação que vinha usando até então
mas sim numa reelaboração que sistematiza conhecimentos há muito conhecidos.
Sobre isso, Montclos (1982) apud Trevisan (2000) conclui que certamente não foi a

43
Philibert de l’Orme havia tratado sobre isso no seu tratado de estereotomia.
84

geometria que produziu a estereotomia na França mas, ao contrário, graças a


Desargues, La Hire, Frézier e Monge, foi a estereotomia que, na França, fez nascer
a geometria descritiva. Isso equivale a dizer que não foi a matemática que subsidiou
a arquitetura. Entretanto, as necessidades intrínsecas à arquitetura exigiram um
suporte matemático estudado por vários autores o que culminou na sistematização
da geometria descritiva. Em outras palavras, Borda (2001) afirma que a atividade
arquitetônica serve de fonte de problemas, que impulsiona o desenvolvimento da
própria geometria como ciência, ao partir da geometria idealizada.

Quanto a esse ‘novo’ sistema de representação, sabemos que Gaspard


Monge ainda aluno na École Royale du Génie de Mézières resolveu um problema de
artilharia através de projeções ortogonais sobre dois planos, usados como
referência. A solução apresentada inovou em relação às soluções adotadas para os
trabalhos de desfilamento desenvolvidos até então por ser o plano de desfilamento
tangente a um cone, e essa idéia se constitui nas bases do que será apresentado na
sua Géométrie descriptive. (GANI, 2004)

Entretanto, o diferencial apresentado por Monge no seu ‘novo’ sistema de


representação, em relação aos anteriores, fundamenta-se no apoio recebido da
geometria cartesiana, o que equivale a dizermos que o espaço passa a ser lido
matematicamente com a geometria descritiva.

Embora Dürer e Monge tenham usado as projeções ortogonais na


representação do espaço, como explica García (1998), a idéia das vistas como
visualizações ortogonais, empregadas por Dürer, diferem das projeções da escola
de Monge. O primeiro conceito, como método direto e associado a escola
anglosaxônica, utiliza as vistas definidas pela direção de visão e a partir de duas
vistas torna possível encontrar as demais. Nas projeções mongeanas, o método
indireto (latino) utiliza as projeções sobre dois planos ortogonais que determinam um
diedro que se abre para formar o plano de desenho.

Sylvestre François Lacroix publicou, em 1795, quatro anos antes de Monge


publicar sua Géométrie descriptive, um tratado de geometria descritiva. Segundo
Cardone (2001), Lacroix foi aluno de Monge e publica esta obra depois de estar a
geometria descritiva amplamente divulgada no ambiente científico francês por haver
Monge já desenvolvido três cursos completos sobre o tema. Lembramos que Monge
85

apresentou a solução de um problema militar utilizando a geometria descritiva, ainda


como assistente técnico em Mézières, em torno de 1766 (MIGLIARI, 1996). O
próprio Lacroix comenta sobre a paternidade da geometria descritiva que “ me resta
falar da conformidade, que se apresentará entre a maior parte da minha obra, e as
lições dadas na Escola Normal pelo Sr. Monge. Não podia faltar de ser logo, porque
o geômetra acima mencionado tem-se ocupado nesta parte da matemática, para a
qual tem aplicado a análise com muitíssimo fruto; seria porém engano se fosse
concluído, que o meu trabalho seja resultado do seu; depois que foram muitas
pessoas, que tinham muito tempo antes das lições do Sr. Monge, o material que
empreguei e que pensei em colocar em ordem quando foi feito acréscimo aos
ensinamentos da geometria descritiva na Escola Normal”. (MIGLIARI, 1996, p. 27,
tradução nossa)44

A influência dos trabalhos de Monge e Lacroix, próximos por seu conteúdo,


foi prolongada. Suas obras se reeditaram várias vezes na primeira metade do século
XIX, contribuindo para a fundamentação da geometria projetiva. Este ramo da
geometria, desde a época de Monge, foi incluído entre as disciplinas matemáticas no
sistema de instrução técnica (RIBINIKOV, 1991). Com a geometria descritiva, então,
foram delineados modelos de ensino de representação sistematizando o uso das
projeções ortogonais. Esses modelos foram ensinados antes para engenheiros e em
seguida incorporado ao ensino da arquitetura.

44
“Mi resta a parlare della conformità, che si troverà la maggior parte della mia opera, e le lezioni date
alla scuola normale dal Sig. Monge. Non poteva mancare d’aver luogo, poiché il sudetto geometra si è
occupato in questa parte della matematica, alla quale ha applicato l’analisi con moltissimo fruto;
s’avrebbe peró torto se si conchiudesse, che il mio lavoro sia ricavato dal suo; poiché vi sono molte
persone, che hanno molto tempo prima delle lezione del sig. Monge, i materiali che ho impiegati, e
che ho pensato a metterli in ordine allorché fui fatto aggiunto all’insegnamento della geometría
descrittiva nella Scuola Normale.” LACROIX , S. F. Saggio di geometría riguardante le superficie
piane e curve o sia Elementi della Geometría Descrittiva, primeira tradução italiana feita sobre a
terceira edição francesa (1829) apud MIGLIARI (1996)
86

1.3.2 A COMPREENSÃO CIENTÍFICA

Do final do século XVIII até o presente

No final do século XVIII a geometria descritiva sustenta a representação no


discurso que comunica reformas em relação ao trabalho corporativo e adapta-se aos
novos tempos da revolução industrial. Assim, Monge e outros estudiosos como
Poncelet e Farish, segundo Ferro (2005, p.91), “preparam os esquemas de
representação convenientes e oportunos para o modo de produção que atinge o
poder completo. Fundados sobre a homogeneidade postulada do espaço,
articulados a partir da projeção ortogonal, da imóvel disposição dos diedros, da
infinita distância do observador [...]. Favorecem a mensuração, a ordem [...].”

É entre o final do século XVIII e início do século XIX que o gosto Paladiano
da aristrocracia vai sendo ameaçado por realidades econômicas e culturais. Uma
nova classe dominante, a burguesia, introduziu um novo tipo de mecenato. Formado
de banqueiros, comerciantes e industriais, os burgueses desenvolveram a sociedade
para o fomento das artes, manufaturas e comércio tornando as encomendas
públicas alvo da discussão e decisão democráticas. Para essas mudanças, as duas
principais pátrias paradigmáticas são a França e a Inglaterra. Sem o mesmo alcance
destas, podemos incluir a Alemanha, liderada por Shinkel. Tais mudanças ganham
forças de origens diversas: na França são determinantes os fatores ligados ao
Estado, enquanto nos países anglo-saxônicos são mais importantes os fatores
ligados à realidade econômica. (BRANDÃO, 2004)

Na Inglaterra, os novos profissionais arquitetos são os próprios burgueses,


conhecidos por sua perícia no desenho e na administração dos negócios. Como
tentativas de organizá-los no sentido social e educacional, surgiram a Artists-Society,
fundada em 1761, a Royal Academy of Art em 1768 e o Architects Club em 1791.
Todas fundadas antes da École Normale, onde Monge, em 1795, lecionou geometria
descritiva.

Na França, após a Revolução de 1779, verificam-se alterações ao modelo


de academia. Com o surgimento da École de Ponts et Chaussés e da École de
Beaux Arts de Paris inaugura-se a ruptura entre arquitetura e engenharia. O acesso
87

ao ensino profissional ocorria exclusivamente pelo ensino e necessariamente pelo


impulso napoleônico.

Como conseqüência das transformações sociais e políticas do século XVIII,


a igualdade entre as pessoas é considerada visível. Isto porque, a utilidade dos
espaços adapta-se a eles próprios. Martínez (2000, p.94) explica que,
“anteriormente, a adaptação de um edifício a um destino não era estabelecida pela
distribuição. Havia disposições tipológicas definidas, que confirmavam, por exemplo,
um palácio como tal, a não ser confundido com outro uso, do mesmo modo que os
habitantes se diferenciavam por classe e berço ou por vocações irrenunciáveis.”
Assim a função passa a consagrar as diferentes respostas projetuais, o que nos leva
a concordar ainda com Martínez (2000, p. 94) que o “funcionalismo é igualitário”.

Decorrente disso, a igualdade torna-se visível nas plantas de Durand.


Nessas representações de arquitetura, feitas sobre papel quadriculado, cada
quadrado equivale a um espaço que pode receber uma função mais ou menos
importante. Assim, Durand, que ensinava arquitetura na École Polytechnique,
incorporava para a representação na arquitetura a idéia de que o espaço era
homogêneo como Monge ensinava na mesma Escola.

No século XIX, a partir do tratado de Durand de 1819, consolida-se na


arquitetura um método projetual caracterizado por regras compositivas voltadas à
arquitetura clássica. Até a metade do século XIX a arquitetura neoclássica
apresentava edificações com formas simples, revestidas externamente com uma
roupagem clássica de caráter monumental. Essa monumentalidade verificava-se na
escala adotada e na valorização da obra como arte. A partir de meados do século
XIX, como tentativas de solucionar os novos programas existentes, revitalizaram
estilos da idade antiga, média e do novo tempo através da arquitetura romântica e
do ecletismo historicista. Ocorreram intensas discussões sobre que estilo a
arquitetura deveria tomar, justamente no momento que em que aparece um novo
estilo.

Entre as fissuras do pensamento arquitetônico sobre estilos surgiu então a


arquitetura tecnicista dos engenheiros. Exploraram-se assim as potencialidades do
ferro e surgiram edificações com formas inovadoras para o período. Obviamente, a
arquitetura tecnicista foi renegada pelos arquitetos até o final do século XIX,
88

entretanto vingou por outras forças. Era um século voltado para a ciência e a
tecnologia. Pevsner (1994, p. 111) afirma que “as obras dos engenheiros do século
XIX baseavam-se amplamente no emprego do ferro, primeiro como ferro fundido,
depois ferro batido, e finalmente como aço. Já perto dos finais do século apareceu
como alternativa possível o cimento armado.” Mais adiante Pevsner refere-se a
essas obras concluindo que por um lado a originalidade técnica de todos esses
edifícios residia no uso abundante do emprego do ferro. E que, por outro lado a sua
qualidade estética mais notável era o emprego igualmente próprio e completamente
uniforme do vidro.

“É certo que os construtores que utilizavam o ferro tinham ambições de


caráter artístico, e logo que esta aspiração se tornava consciente os resultados eram
menos valiosos”, afima Pevsner (1994, p. 123), exemplificando com trabalhos em
ferro do final do século XVIII e início do século XIX. Assim, aparece para tratar das
exigências das construções a representação de Monge, voltada à valorização das
artes ao mesmo tempo em que se dedicava ao aperfeiçoamento da produção.

Não esquecendo que Monge ensinava em uma escola de engenheiros, com


interesse em valorizar a arte colocou a disposição uma teoria que ao mesmo tempo
servia ao trabalho dos engenheiros e possibilitava buscas no sentido da estética das
construções e, assim, uma maneira de desenhar que possibilitava a aproximação
dos trabalhos de engenheiros e arquitetos. Já em 1851, no Journal of Design,
Matthew Digby Wyat apud Pevsner (1994, p. 129) escreveu que “tornou-se difícil
saber onde acaba a engenharia civil e começa a arquitetura.” Também Théofhile
Gautier escreveu, em 1850, que a humanidade criará um tipo de arquitetura
totalmente novo no momento em que os novos métodos criados pela indústria forem
utilizados. ( PEVSNER, 1994)

Entretanto, nessas aproximações entre engenharia e arquitetura, como pano


de fundo, tecia-se uma confusão de problemas sociais e estéticos. Como exemplo, a
a Bibliothèque St. Geneviève em Paris, de Labrouste, construída na segunda
metade do século XIX, tem um exterior neo-renascentista enquanto no seu interior
apresenta duas naves separadas por colunas de ferro muito esbeltas. Além disso, as
abóbadas dessas duas naves geram-se por uma rede de nervuras de ferro.
89

Nessa época alguns arquitetos defendem o uso do ferro para a arquitetura,


como por exemplo Louis-Auguste Boileau, que escreveu várias obras sobre as
vantagens do ferro para a arquitetura. Viollet-le-Duc opina sobre o ferro no seu livro
Entretiens, defendendo que os recursos fornecidos pela indústria os arquitetos
devem aproveitar em vista de adotar novas formas arquitetônicas, em vez de
disfarçar inovações com recursos de outras épocas. No segundo volume da sua
obra destaca que o uso do ferro não disfarçado permite a apreciação das maravilhas
do uso desse material e das inovações dos engenheiros. Entretanto, o abandono
completo de ideais arquitetônicos de outras épocas veio mesmo com os
engenheiros. (PEVSNER, 1994)

Por outro lado, o nível de perfeição que o aço atinge com o trabalho dos
engenheiros leva o pensamento arquitetônico mais avançado, a partir de 1890, a
considerar o uso do aço nos edifícios. Surgem assim os arranha-céus, designação
dada aos edifícios de esqueleto em aço. Desaparece então a necessidade das
sólidas paredes espessas, caindo a tradição em pedra. (PEVSNER, 1994) Essas
transformações da arquitetura foram acompanhadas pelo novo ensino da geometria
descritiva. É verdade que a estereotomia, como foi possível acompanhar nesta
história, amparou a sistematização da teoria mongeana. Entretanto, a estereotomia
restringia-se aos estudos de cortes de pedras e madeiras, próprios das construções
medievais e renascentintas. A geometria descritiva trata da representação de
superfícies a partir de suas leis de geração, diretrizes e geratrizes, ao esqueleto
portanto das construções em aço. E, enquanto representa as superfícies, sustentou
a arquitetura que associava o ferro ao cimento: o uso do concreto.

Na história do concreto, na Época da Exposição Internacional de 1855,


François Coignet escreveu que a pedra estava destinada a ser substituída pelo
cimento, pelo ferro e pelo concreto. O trabalho dos ingleses, seguidos pelos
alemães, no final do século XIX, marcam o início da preparação e da técnica do
concreto armado no sentido moderno. Entretanto, é pela iniciativa francesa que o
ferro é substituído pelo aço no concreto. Baudot, discípulo de Viollet-le-Duc,
empregou o concreto em vigas distribuídas em várias direções na igreja de Saint-
Jean de Montmartre, anunciando as complexidades espaciais de Mackintosh e Le
Corbusier. Entre o fim da construção dessa igreja e a primeira grande guerra a
França esteve à frente do progresso da arquitetura em concreto. (PEVSNER, 1994)
90

Ao final do século XIX duas tendências na arte e na arquitetura


encontravam-se incapazes de concordância. De um lado, as obras arquitetônicas
dos engenheiros e, de outro, o movimento de artes e ofícios, preconizando a
retrospectiva do artesanato e o prazer do trabalho. Como síntese precipitada,
aparece o Art Noveau. Os desenhistas do Art Noveau ficavam fascinados com
qualquer manifestação contra a tradição ao mesmo tempo em que eram capazes de
adotar as inovações dos engenheiros.(PEVSNER, 1994) Embora o Art Noveau,
tenha sido um movimento com origem na decoração, influenciou a arquitetura, na
sua representação e nas suas construções. A arquitetura desse período
caracterizou-se pelo desenho de detalhes do uso do ferro. Enquanto detalhavam-se
mais elementos construtivos diversos mais aumentava a complexidade da
construção. No sentido de solucionar tal problema, no projeto da residência de
Tassel, o arquiteto Victor Horta, utilizou além da tradicional projeção ortogonal,
recursos da representação axonométrica, conjugando informações sobre sua
construção. (Figuras 1.23 e 1.24)

Fonte: Lippert (2004, p. 42).

Figura 1.23 e 1.24 – Projeções ortogonais e axonometria.

O século XX inicia-se com projetos revolucionários. Podemos pinçar como


exemplo o de uma cidade industrial de Tony Garnier. Feito em 1901 e apresentado
em 1904, foi um manifesto contra o academicismo, defendendo um plano linear e
não concêntrico para sua cidade. Nas edificações, telhados planos e a completa
ausência de ornamentos. No teatro da cidade, dois volumes cúbicos com a cúpula
no centro. Enfim, a ordem social e econômica industrial instaura-se na arquitetura e,
91

codificada aos pressupostos de racionalização da representação para a indústria,


em outras palavras do espaço geométrico adequado à ciência e à técnica da época,
metaforiza as máquinas. (PEVSNER, 1994).

É evidente que, as transformações da produção manual para a industrial,


absorveram um século, o XIX, com resquícios de estilos tomados por empréstimo e
decorações formalistas na arquitetura. Com as da produção industrial é que são
penetradas as questões da problemática espacial atingindo a emancipação do
espaço como matemático. Sobre isso, Gropius (1988, p. 98) comentou que

A libertação da arquitetura do caos decorativo, a ênfase de suas


funções de suas partes estruturais,a busca de uma solução concisa e
econômica, é apenas o lado material do processo criativo do qual
depende o valor da nova obra arquitetônica. Bem mais importante,
porém, que essa economia funcional, é a produção intelectual de uma
nova visão do espaço no processo de criação arquitetônica. Assim, ao
passo que a prática arquitetônica é problema da construção e do
material, a essência da arquitetura repousa no assenhoreamento da
problemática espacial.

No currículo da Bauhaus, criada por Gropius é possível examinar um


currículo dividido em sete materiais (pedra, madeira, metal, argila, vidro, cor, têxteis),
servindo de instrução ao problema das formas solucionado em três partes:
observação, representação e composição. Cabendo ao item representação a
geometria descritiva. (GROPIUS, 1988) Podemos concluir que, embora a concepção
da Bauhaus estivesse atrelada a uma Universidade de Arte, a representação
arquitetônica não se restringia ao sensível. Adotava sim, uma conceituação dos
problemas espaciais tratados como intelectuais e atrelados ao espaço geométrico
mongeano. Entretanto, segundo Martínez (2000), Gropius exigia a não determinação
de um estilo, de modo que cada arquiteto ao final da obra deveria fazer ex-novo o
repertório utilizado de elementos de arquitetura. A renovação e o descarte das
formas são contínuos. Evidentemente uma postura inadequada ao ensino de
arquitetura.

Em relação à tradição acadêmica francesa de ensino, Martínez (2002, p. 9),


afirma que, “houve uma revolução nas formas da arquitetura do século XX, porém
não nas formas de projetar”. Isso leva a entender que as representações que vão
sendo operadas ao longo do processo de projeto continuaram estabilizadas. Tal
entendimento decorre de que, a maneira de representar condiciona o ato de projetar,
como já foi comentado nestes escritos. Nesse sentido, as projeções ortogonais,
92

sistematizadas por Monge, continuam com validade de representação na arquitetura


durante o século XX. Entretanto, a representação arquitetônica não limita-se nesse
período à tradição francesa. Dos arquitetos ingleses, advém a axonometria para a
atividade projetual.

Em direção diferente de Monge, em 1852, o professor francês Th. Olivier


tratou da existência de um modo de representação com a escolha arbitrária da
direção dos eixos e escalas, com o que deu fundamentação teórica para o teorema
de Polhke, enunciado em 1858 e demonstrado em 1863. Olivier entendia que esta
representação não podia ser uma projeção do objeto, mas sim ‘um desenho que
serve para construir-lo’, o que foi aplicado posteriormente nas axonometrias de
Auguste Choisy, em que, independente da direção do eixo, as escalas sempre se
apresentam iguais. (DÍAZ, 1996)

Em 1896 Choisy publicou sua Histoire de la architecture, revelando interesse


pelas relações entre o plano e a estrutura. Tratando de fornecer informações gerais
sobre a arquitetura e sobre sua construção, privilegiou o uso da axonometria. Este
tipo de perspectiva também recebeu influencia da fotografia, onde a imagem frontal
é de uso limitado ou impossível de se obter. Conduziram-se então, no final do século
XIX, diversas possibilidades na representação em arquitetura, com a perda de força
da representação frontal e axial da tradição clássica. (PEREIRA, 1999) Sintetizamos,
a axonometria incorpora-se na arquitetura por meios de ensino mais prático,
enquanto a geometria descritiva persiste como saber acadêmico para a formação
em arquitetura.

A perspectiva axonométrica só aparece como paradigma de representação


na arquitetura no final do século XIX, ocupando o espaço aberto por Monge, de
representar com precisão, o que certamente já existia antes da Revolução Industrial.
De acordo com Pereira (1999), a perspectiva axonométrica no final do século XIX
adapta-se ao contexto do desenho industrial por suas características de
construtibilidade, exigindo menos tempo de execução e qualificação do desenho,
destinando-se aos setores da construção industrial e mecânica, atendendo ao
incremento da necessidade de representação desses setores. Na arquitetura, antes
de ser utilizada pelos arquitetos do século XX para o desenho de projetos, serviu
93

para demonstrações completas e claras sobre agenciamentos técnicos que se


desenvolviam nas três dimensões do espaço.

Partindo da axonometria, Le Corbusier explora a representação em


arquitetura considerando como ponto de vista um olho de pássaro. Um exemplo
disso podemos encontrar no seu projeto para Bordeaux-Pessac, de 1923-24, (figura
1.25) tratando das habitações padronizadas. Trata-se de uma representação menos
abstrata do que as resultantes das projeções ortogonais combinadas. Assim, através
da axonometria, os arquitetos buscam estabelecer uma relação pragmática com o
projeto.

Fonte: Lippert (2004, p. 131)


Figura 1.25 – Habitações coletivas de Le Corbusier em Bordeaux-Pessac.

Cabe lembrar que, segundo Borda (2001), a axonometria se estabelece na


representação em arquitetura desde antes da sua sistematização, em meados do
século XIX, e, segue até os dias de hoje. Entretanto, no mesmo século que a
axonometria é sistematizada, o uso da perspectiva é condenado na École des
Beaux-Arts. Nesta as representações eram feitas com a projeção ortogonal,
resultando então, nesse período, na permanência da representação de caráter visual
94

com as práticas dos arquitetos ingleses. Nesse período, essa mesma escola
obstaculizava o uso de maquetes, coincidindo com a recente sistematização da
geometria descritiva, que para a representação arquitetônica foi adotada de imediato
após ser exposta por Monge.

A partir das lições de Monge, define-se uma linha de representação que se


sustenta até hoje na arquitetura, abarcando a era dos computadores e a substituição
do desenho à mão pelo desenho a ‘mouse’, sobre o que reflete Jantzen (2001)
apoiado em Damásio e Piaget:

Em termos de concepção de espaço, ou de intuição do espaço, para


falar uma linguagem Kantiana, o computador nada acrescentou às
representações que já não houvesse sido sistematizado por Gaspard
Monge, durante a Revolução Francesa. O que os computadores
permitem hoje, em termos de novidade, é a animação do desenho, mas
não é possível representar na tela o espaço com é intuído realmente, e
é a intuição descrita por Kant e desenhada por Monge a que se usa, no
final das contas, e as pesquisas de cérebro que se fazem hoje sempre
acabam corroborando a validade daquelas intuições.
Borda (2001) reforça a idéia da permanência da representação mongeana
na arquitetura afirmando que a partir da obra de Monge se considera que a atividade
arquitetônica conta com um sistema em linguagem sintética, exato, compatível com
as necessidades da construção e que permitiu a repercussão da atividade
arquitetônica, estando em validade até hoje. Acrescenta ainda que, de certa forma
mais relacionada com a engenharia embora seu uso na arquitetura, a sistematização
das projeções cotadas em 1830 tem aplicação na mesma linha das projeções
ortogonais. Estes sistemas de projeções conservam propriedades métricas, de
ângulos e distâncias, sendo capazes de informar a geometria dos objetos, advindo
daí sua importância na arquitetura em permitir interpretar, estudar e controlar o
espaço tridimensional.

Numa síntese do que foi afirmado até aqui sobre representação na


arquitetura, do ponto de vista histórico verifica-se que os diferentes sistemas de
representação, sejam o das projeções ortogonais, o das perspectivas ou mesmo das
maquetes, foram potencializando-se na solução das exigências da própria
arquitetura em diferentes momentos da profissionalização da arquitetura.
Progressivamente, as representações apóiam-se em simbologias arbitrárias que se
tornam códigos normatizados ao mesmo tempo que fazem desaparecer a
semelhança direta com o real.
95

PONTUANDO A REPRESENTAÇÃO
MONGEANA

A ciência é uma forma de conhecimento, na qual imaginação,


representação e interpretação se estimulam, se provocam, se
insinuam, se acariciam, se golpeiam, se corrigem, se refutam e se
confirmam mutua e continuamente. A ciência necessariamente
progride. Para isso existe.

Wagensberg

A produção teórica no campo da geometria descritiva, desde a sua


colocação como ciência por Gaspard Monge, pouco ajuda a entendê-la criticamente
e, em específico, como sistema de representação na arquitetura. O que existe de
produção teórica sobre a representação mongeana em farta quantidade são
publicações que apresentam o método e suas aplicações direcionadas para todas as
artes. Assim, nos vemos obrigados a permitir que a escassa produção teórica
criticando o método mongeano como sistema de representação do espaço sustente,
como marco teórico, a discussão da sistematização da representação na arquitetura
com base na geometria descritiva, nos termos que são colocados nesta tese.

Ainda envolvendo essas publicações que apresentam a representação


mongeana encontramos a discussão sobre a fidedignidade que as mesmas mantém
96

com a teoria original de Monge e que repercussões causaram a partir da exposição


original de Monge.

Nesse contexto, mostrar de modo claro a representação mongeana na sua


trajetória, desde a sua publicação e nos seus antecedentes, interessa como subsídio
para que na segunda parte deste trabalho possa ser convenientemente desmontada
essa teoria da representação, com a necessária fundamentação.

Iniciamos com breves apontamentos biográficos de Monge, com o critério


não de reconstituir sua biografia mas, sim, de extrair desta informações significativas
que permitam entender suas idéias expressas na Géométrie descriptive de 1799.
Estes apontamentos estão organizados em um item tratando genéricamente a
questão, e em seguida discorrendo sobre seus trabalhos.

Avançando sobre as exposições já feitas sobre a representação mongeana


ao tratarmos da história da representação na arquitetura, no capítulo anterior deste
trabalho, comparece a contextualização da publicação das lições de Monge. Neste
estudo, tratamos da origem da geometria descritiva desde os fundamentos que eram
utilizados antes de sua sistematização por Monge. Decorrente desta
contextualização abrimos duas discussões sobre a geometria descritiva, uma sobre
a sua paternidade e outra sobre ser ou não uma herança da matemática.

Por último, fazemos referência a repercussão da teoria mongeana, buscando


distintas edições e reedições da Géométrie descriptive e trabalhos que apresentem
essa teoria, com um estabelecimento cronológico que permite trilhar a seqüência
dos países em que foi adotada. Nesta abordagem, tratamos com mais ênfase sobre
o Brasil. Excluimos deste item a comparação entre as obras, o que será
apresentado, conforme necessário, na parte II desta pesquisa, dedicada à tradução,
análise, interpretação e crítica das lições de Monge.

Entre os autores que dedicam seus trabalhos à representação mongeana,


no que interessa a esta tese, destacam-se Borda, Cardone, Cabezas, Taton, Migliari,
Fiocca, Belhoste, Loria e Massironi. O desenvolvimento dos seus trabalhos abarca
todo o período desde a época antecedente da publicação do método de Monge até a
atualidade como vemos neste capítulo.
97

2.1 TRABALHOS DE MONGE

Como um cientista emblemático do período de transição da era das luzes


para a da revolução industrial é conhecido Gaspard Monge45, devido à
sistematização de uma linguagem gráfica científica e técnica universal. Uma
linguagem que possibilitou que engenheiros, arquitetos e técnicos envolvidos na
concepção e execução de projetos tratassem com a mesma língua. Monge elaborou
sua linguagem gráfica, que batizou de Geometria Descritiva, convencido da estreita
relação existente entre ciência e técnica e da exigência de resolver as questões
abordando seus aspectos teóricos e práticos.

Monge, cientista, político francês, matemático, fundador da École


Polytechnique francesa, organizador e coordenador dos cientistas que
acompanharam Napoleão ao Egito, ainda é conhecido por suas qualidades
pedagógicas. Idealizou um modelo para a formação de engenheiros e empenhou-se
em construir uma nova estrutura educativa na República e na divulgação do
conhecimento. Conforme Cardone (1996), como professor formador de talentos na
46
École Polytechnique , Monge foi amado por seus alunos como poucos outros
foram.

O destaque do trabalho de Monge se deve ao fato de resolver os problemas


concretos, abordando-os não de maneira casual ou empírica, ou mesmo pragmática,
mas com método e raciocínio, aplicando o conhecimento científico tradicional
somado aos mais recentes da época. Monge viveu com profunda dedicação pela
didática e pelas pesquisas aplicadas ao serviço das novas gerações e renovação da
sociedade. Entre seus trabalhos, a geometria descritiva tem menos interesse
matemático do que sua geometria diferencial com maior importância tecnológica,

45
Monge nasceu em 5 de maio de 1746 em Beaune, na Borgogna e faleceu em 28 de julho de 1818.
Sobre a biografia de Monge ver: CARDONE, Vito. Gaspard Monge scienzato della rivoluzione. Nápoli:
CUEN, 1996.; TATON, René. L’oeuvre scientifique de Monge. Paris: Presses Universitaires de
France, 1951.
46
Arago, Lazare Carnot, Poncelet, Prony, Durand, Fourier, da Lacroix, Meusnier de La Place entre
outros foram alunos de Monge na École Polytechnique. (CARDONE, 1996)
98

sem a qual a engenharia do século XIX haveria se desenvolvido mais lentamente.


(BELL, 1996)

Como conclusão de seus primeiros estudos, na sua cidade natal, Monge


discutiu alguns problemas de matemática a partir dos quais fez sua primeira
publicação, Exercises de mathématiques, Chalon, 1762, na qual demonstrou seu
interesse pela didática. Dois anos depois, estudando em Lion executou um relevo
topográfico de Beaune e desenhou-a em tamanho grande. Por ter feito esse mapa
da cidade que foi doado ao seu município Monge foi admitido na École Royale du
Génie de Mézières reservada aos nobres, entretanto não como aluno e sim como
desenhista47. (CARDONE, 1996)

48
Na École Royale du Génie de Mézières foi encarregado de resolver um
difícil problema de desfilamento. Segundo Cardone (1996), a solução adotada em
torno de 1766 baseava-se na geometria, estabelecendo a posição de um ponto
genérico do espaço através de suas projeções ortogonais sobre dois planos, usados
como referência. Isto não acrescenta nada de novo; a solução do problema, que
primeiro suscitou incredulidade e depois admiração nos professores da referida
escola, de acordo com Migliari(1996) era inovadora por ser o plano de desfilamento
tangente a um cone. A genialidade está, então, na aplicação do método e não no
método em si. Esse estudo de Monge estava baseado no método de representação
que ele próprio nomeará de Geometria Descritiva, que era ensinado aos alunos de
49
Mézières, não se sabe de que forma , não só por segredo militar como também
pelo clima de rivalidade e inveja existente entre as escolas de formação de
engenheiros. Nessa instituição, segundo Gani (2004), o trabalho prático era bastante
valorizado, com a presença do professor em sala de aula com 20 alunos, não

47
Monge desenhava com muita precisão e rapidez embora tendo revelado aos seus alunos que
muitas vezes tenha sido tentado de destruir seus desenhos. Isso por desconfiança de que não era
reconhecido como capaz de produzir outra coisa quando desenhista em Mézières.(CARDONE, 1996)
48
Em pouco tempo pela sua habilidade para o desenho foi promovido a professor da Escola Real de
Engenharia de Mézières. “[...] Talvez o mais influente professor de matemática desde os dias de
Euclides” (BOYER,1974, p. 345). Segundo Migliari (1996), em torno de 1766 Monge foi admitido
como assistente técnico na escola de Mézières.
49
“[...] della scuola militare di Mézières, dove la geometría descritiva era insegnata, non sappiamo in
che forma, protetta dal segreto militare.(...)” (MIGLIARI, 1996, p. 27)
99

havendo aulas orais (grifos nossos). Bell (1996) acrescenta que a origem da
geometria descritiva é um invento de Monge, para solucionar um problema de
fortificações, e que este invento foi tão estimado pelos militares franceses que o
proibiram de publicá-lo por uns trinta anos, até 1795-96.

Em 1769, como professor de matemática, focando suas pesquisas na


geometria, publicou sobre a curva de dupla curvatura, uma interpretação de relação
analítica por via gráfica, estudo este que mantém estreita relação com a geometria
descritiva. Ainda não abandonando os temas gráficos, em 1775 tratou de uma
aplicação das superfícies curvas para a teoria das sombras e material didático.
(CARDONE, 1996) Este último trabalho é um pequeno tratado anônimo sobre teoria
das sombras, que aplica duas projeções ortogonais associadas, utilizado em
Mézières e que Taton (1951) atribui a Monge a sua autoria.

A partir de 1781 colaborou com lições de física na Encyclopédie métodique


ou par ordre de matières editadas a partir de 1782 pela livraria Panckoucke. Em
1786-87 escreveu Traité élémentaire de statique à l'usage des Écoles de la Marine,
publicado no ano seguinte.(CARDONE, 1996) Segundo Boyer (1974), este tratado
foi escrito por insistência das autoridades francesas quando Monge substituiu
Bézout na escola da marinha. Ainda, conforme este autor, Monge foi, na época da
revolução Francesa, um dos cientistas mais conhecidos e sua reputação como
químico e físico talvez tenha sido maior do que como matemático, por sua geometria
não ter recebido muita apreciação. Sua obra principal, Géométrie descriptive, ainda
não tinha sido publicada porque seus superiores a consideravam de interesse
nacional. Em Taton (1951) encontramos referências a algumas memórias sobre
pesquisas na área da química e física produzidas por Monge entre 1777 a 1803.

Description de lárt de fabriquer les canons , de 1794, com 231 páginas de


texto mais 60 pranchas de desenho além da introdução, é um livro de importância na
história do desenho por ser a primeira vez que a escala adotada utiliza o sistema
métrico decimal. (CARDONE, 1996)
100

50
Em 1794-95 Monge lecionou Geometria descritiva na École Normale em
treze lições. As nove primeiras lições, de acordo com Cardone (1996) foram
51
publicadas no Journal de Séances dés Écoles Normales e após apresentadas por
Monge na École Centrale des Travaux Publics, onde também ensinou aplicações de
análise à geometria, o que deu origem à publicação, ainda em 1795, de Feuilles
52
d'analyse appliquée à la géométrie. Na École Centrale des Travaux Publics ,
instituída em 1794, e que no ano seguinte mudou de nome para École
Polytechnique, Monge carregou toda a responsabilidade científica da formação dos
engenheiros 53.

Na École Polytechnique Monge foi bem sucedido como professor e


administrador. Ainda, pela necessidade de livros adequados imposta pela reforma
pela qual passou o currículo de matemática nessa escola, superou sua relutância em
escrever textos. Entre estes, foi preservado um manuscrito de um curso concentrado
sobre estereotomia, hoje geometria descritiva, que foi ministrado a 400 estudantes
nesta escola. Monge era especialista em geometria, quase o primeiro desde
Apolônio, além de excelente professor e administrador de currículos. (BOYER, 1974)

Em 1799, durante as campanhas revolucionárias de Monge no Egito, enfim


ocorreu a publicação pela primeira vez do trabalho que consagrou o nome de Monge
- Géométrie descriptive. O original desta obra foi publicado em março de 1799, no
ano VII da república francesa, aos cuidados de Hachette a partir de acordo feito com
a Senhora Monge.54 depois de ter sido publicado um pré-original em 1795, ano III. A

50
Segundo Boyer (1974), esta escola foi apressadamente aberta para uns 1500 alunos menos
selecionados do que os da politécnica, embora tivesse no seu corpo de professores matemáticos de
alto nível. Cabezas (19??), diz que nas aulas desta escola em que foi ministrada a geometria
descritiva, iniciadas em janeiro de 1795 teve a assistência de 1200 alunos, recrutados de toda a
França.
51
Os estudos originais de geometria descritiva, Monge tinha desenvolvido uns trinta anos antes na
École Royale du Génie de Mézières ( CARDONE, 2001).
52
A escola de engenharia civil, fundada em Paris em 1747, com o nome de L’École des Ponts e
Chaussées, após a Revolução Francesa passa a ser denominada de École Centrale des Travaux
Publics.
53
Em 1794 foi formada uma Comissão de Obras Públicas, da qual Monge fazia parte como principal
advogado de instituições de ensino mais avançadas. Esta comissão estava encarregada de
estabelecer uma instituição apropriada para a formação de engenheiros (BOYER, 1974).
54
http://perso.wanadoo.fr/alta.mathematica/monge.html
101

publicação do ano III – Séances des Écoles Normales, reuniu as lições dadas na
École Normale em um corpo único. De acordo com Cardone (1996) após a
publicação de Géométrie Descriptive, Monge ainda elaborou a Mémoire sur les
surfaces réciproques, em 1808.

A partir da numerosidade de temas tratados por Monge, com aparência


diversa uns dos outros, se pode cometer o engano de considerar o conjunto de suas
obras fragmentário e dispersivo; porém, os estudos de Monge possuem uma forte
unidade interna e caracterizam muito bem a sua personalidade original. Seus
trabalhos integram-se às pesquisas de outros cientistas da sua época. Entretanto,
nos seus estudos, distingue-se a geometria descritiva como uma disciplina singular,
não sendo por acaso que a história a considera como a herança científica mais
distinta de Monge, que se manteve num papel muito importante no plano de ensino
da École Polytechnique.55

2.2 CONTEXTO DA SISTEMATIZAÇÃO DA


TEORIA MONGEANA

Na concepção medieval, a criação da obra a partir do nada, como única,


encontrava reforço na rejeição de saberes disciplinares que formavam habilidades
profissionais. “A questão, aí, é não compartilhar saber e as formas de acesso a ele”,
diz Jantzen (2001, p. 146).

Um contraponto à concepção medieval que podemos considerar uma


passagem histórica quanto a formação do arquiteto e do engenheiro é a
institucionalização de um modelo de aula56, com sistematização universal e a serviço

55
Os matemáticos franceses mais importantes, nos tempos de Napoleão, entre os quais Monge,
trabalhavam instruindo engenheiros civis ou militares ou ensinando futuros professores na Escola
Normal Superior. Suas matemáticas eram direcionadas para as necessidades do regime militar.
(BELL, 1996)
56
Jean-Nicolas-Durand (1760-1834), discípulo de Boullée (1729-1799) e ex aluno da Academia Real
de Arquitetura, pode ser considerado o primeiro professor de arquitetura do modo como se entende
hoje. Contribuiu com a formação de várias gerações de arquitetos a partir de sua cátedra na Escola
Politécnica. PFMMATTER, 1997 apud JANTZEN, 2001. Contemporâneo de Durand na Politécnica foi
Monge, entretanto como já foi dito, neste trabalho anteriormente, Monge era matemático.
102

da coletividade. Essa institucionalização do saber começou com a fundação da


Escola Politécnica de Paris57, em 1794, e perdurou até a fundação da Escola Central
de Artes e Manufaturas de Paris, em 1829. No modelo de aula foi instituído então um
plano de ensino de orientação técnica-científica que, a não ser ensinar pelo
exemplo, tornou ultrapassado o atelier do mestre. (PFMMATTER, 1997 apud
JANTZEN, 2001) Nesse contexto histórico da Revolução Francesa, no qual as aulas
foram sistematizadas, é que Monge publicou suas lições de aula já então em
conformidade com o novo ambiente sócio-cultural.

Quando Monge sistematizou seu método de representação, a geometria


descritiva, o conhecimento nesta área encontrava-se mais como técnicas adquiridas
empiricamente do que como método. A representação não relacionava de maneira
clara e rigorosa os objetos colocados no espaço tridimensional com a sua
representação na folha de desenho - tornando possível, através da correspondência
biunívoca, que determinado objeto no espaço tenha uma única representação e por
sua vez esta mesma representação corresponda à posição única do objeto
representado no espaço como se tornou possível com o método mongeano. Sobre a
geometria descritiva Fiocca (1992, p. 187) diz que "[...]representou o ponto de
chegada de uma longa série de procedimentos gráficos usados desde a antiguidade,
e uma vez melhorados, na geometria descritiva encontraram unificação,
generalização e teorização". (tradução nossa)58

Esforçados em produzir quadros mais realistas, artistas e arquitetos59 do


Renascimento interessaram-se em descobrir leis para a construção de projeções de
objetos sobre tela, criando uma teoria subjacente à perspectiva ainda no século

57
Antes da institucionalização do saber com um modelo de aula, segundo Alonso (1996), no século
XVII, na Academia de Paris, iniciou-se o caminho do ensino “oficial” da arquitetura estabelecido com o
desenho e as medições de arquitetura propondo que os estudantes deviam fazer cópias dos
desenhos de seus professores, desenhos de modelos de gesso, esculturas originais clássicas e
desenhos do natural.
58
"[...] ha representato il punto di arrivo di una longa serie di prodedimenti grafici usadi fin
dall"antichità, e via migliorati, che nella geometria descrittiva hanno trovato unificazione,
generalizzazione e teorizzazione."
59
Durante a renascença a atividade artística era vista como pré-requisito à prática da profissão do
arquiteto.
103

XV60. No avanço dos estudos da perspectiva, o estudo das propriedades projetivas


dos objetos geométricos, desenvolvido por um grupo de matemáticos franceses
motivados por Gérard Desargues, engenheiro e arquiteto, surgiu como um novo
enfoque na solução dos problemas do encontro de um cone com um plano, no início
do século XVII (EVES, 1992). Entretanto, o estilo e a terminologia apresentados por
Desargues obscureceram seu trabalho, e seus estudos foram retomados mais
tarde.61

A reintrodução das projeções ocorreu no final do século XVIII por Gaspard


Monge, tratando de representar objetos tridimensionais por meio de projeções sobre
planos. A perspectiva linear, que procurava mostrar o objeto na sua totalidade e no
seu espaço, é substituída então pela geometria descritiva com a desagregação do
objeto numa soma de duas ou três imagens em planos diferentes.

Katinsky (2002, p.94) reconhece a perspectiva exata como “o primeiro passo


para os desdobramentos posteriores da geometria projetiva e descritiva” como
Ribinikov (1991, p. 305) concluiu:

os métodos da geometria descritiva se formaram no domínio das


aplicações técnicas da matemática. Os feitos do estudo sobre a
perspectiva eram conhecidos desde épocas remotas; em especial
foram desenvolvidos por artistas e arquitetos da época do
Renascimento. Estes resultados constituíram a base necessária para a
criação daquela parte da geometria teórica, na qual os modelos
espaciais se estudam mediante um complexo de transformações no
plano. O método de coordenadas para a construção da perspectiva e a
correspondente origem de projeção axonométrica pela primeira vez foi
62
aplicado por Desargues no ano de 1636.(tradução nossa)

60
A perspectiva exata foi descrita pela primeira vez pelo arquiteto Leone Batista Alberti em 1436, em
seu Della pintura, em uma versão que ficou reconhecida como a “ótica dos pintores”, prospettiva
pingendi, diversa da ótica auxiliar da astronomia (KATINSKY , 2002).
61
A definitiva matematização da perspectiva artística foi realizada pela obra do matemático Fiedler
que definiu um sistema de projeção central em sua tese doutoral apresentada em 1859 na
Universidade de Lepzig.
62
“ Los métodos de la geometría descriptiva se formaron en el dominio de las aplicaciones técnicas
de la matemática. Los hechos del estudio sobre la perspectiva eran conocidos desde épocas remotas;
en especial fueron desarollados por artistas y arquitectos de la época del Renacimiento. Estos
resultados consituyeron la base necesaria para la creación de aquella parte de la geometría teórica,
en la qual los modelos espaciales se estudian mediante un complejo de transformaciones en el plano.
El método de coordenadas para la construcción de la perspectiva y el correspondiente origen de
proyección axionométrica por vez primera lo aplicó Desargues en el año 1636.”
104

Historicamente, com a sistematização da geometria diferencial incrementou-


se o processo de algebrização, que permitiu passar da descrição geométrica das
curvas e superfícies do espaço em duas dimensões para o espaço em três
dimensões. Esta incrementação chegou a limites tais que os aparatos de cálculo
estavam complexos demais e tornou-se urgente buscar métodos sintéticos para
auxiliar a resolução dos problemas de geometria por volta de 1795, ou seja, o apoio
da visualização, o que permitiu a sistematização da geometria descritiva (BORDA,
2001).

Como um sistema63 de representação geométrica, pode ser entendida a


teoria da representação exposta por Monge. As diferentes imagens ou idéias que
substituem a realidade com base na geometria, engendradas entre si, funcionam
como um conjunto que representa a realidade. O caráter ideológico deste novo
sistema de representação pode ser explicado diante das circunstâncias históricas
em que foi proposto e que lhe fizeram necessário: as mesmas da Revolução
Francesa.

No sistema de representação mongeana, o desenho adquire função


operativa, como explica Massironi (1982, p. 85):

De cada ponto do objecto partem raios paralelos entre si, que vão
intersectar o plano sobre o qual o voltamos a desenhar, observado de
um ponto no infinito [...]. O processo de imutabilidade, quer da forma,
quer da grandeza, que fornece ao elaborar e ao regularizar os índices
visivos do espaço tridimensional, é descurado porque, no momento em
que fornece indicações úteis sobre a deslocação dos elementos em
profundidade, nos fornece indicações úteis sobre os exactos valores
dimensionais do objecto despojado.

Não foi uma invenção revolucionária, porém uma concepção clara do espaço
racionalizado a ponto de ser operado, "[...] aquilo que fez Monge, conseguindo
concretizar a intuição de numerosos estudiosos que o haviam precedido em bem
sucedidos e definidos pensamentos, que transformaram o desenho de matéria
empírica em ciência da representação" (CARDONE, 1996, p. 72-73, tradução

63
Sobre o conceito de sistema de representação foi abordado no capítulo 1 deste trabalho.
105

nossa).64 Esse modelo de referência do espaço representou um impulso ao lento


desenvolvimento que estava seguindo a representação gráfica. Conforme Cardone
(1996), Monge recuperou um atraso de um século e meio no âmbito do progresso da
ciência da representação do espaço com o seu método da dupla projeção ortogonal,
possuindo uma concepção e controle da problemática da representação gráfica.

Monge começou a utilizar a geometria descritiva quando esteve encarregado


de ensinar estereotomia na École du Génie Militaire, em Méziéres, que formava os
alunos do primeiro corpo de engenheiros militares da Europa, contando com
excelente reconhecimento. Quando os franceses começaram a organizar suas
instituições educacionais, essa escola foi transferida para Metz, perdendo muitas de
suas características de excelência, porém o modelo de ensino de Mézières foi
seguido, mais tarde, na École Centrale de Travaux Publics, incluindo a geometria
descritiva. (GANI, 2004)

No projeto de organização dos níveis superiores de ensino, apresentado à


Convenção pelos representantes do departamento de Paris em 1793, Monge
anexou o Projet d’écoles secondaires pour artisans et ouvriers, no qual, segundo
Gani (2004), aparece pela primeira vez o termo géométrie descriptive. Por tal projeto
feito por Monge podemos reconhecer o caráter de ensino inerente à sua teoria que
se insere, com sua denominação oficial dada por Monge, na reorganização do
ensino francês em diversas instituições.

Na Ecole Centrale de Travaux Publics, a geometria descritiva encontra


significação ampla, abrangendo a estereotomia, a arquitetura e a fortificação. Antes
de ser inaugurada oficialmente, em 24 de maio de 1795, nessa escola foram
realizados três cursos para garantir o seu bom funcionamento: um curso para chefes
de brigada um curso revolucionário e um curso de estereotomia. Na escola
preparatória, o curso dos chefes de brigada, foi freqüentado por 50 alunos, uns
selecionados por mérito da École de Ponts et Chaussées e da Ecole de Mines e
outros escolhidos através de exames. Esses alunos, aspirantes de instrutores,

64
"[...] quello che fa Monge, riuscendo a concretizzare le intuizioni di numerosi studiosi che lo
avevano preceduto in felice e compiute concezioni, che transformano il disegno da matéria empírica in
scienza della rappresentazione."
106

participaram de um curso intensivo, em que trabalhavam a geometria descritiva das


oito horas da manhã às duas horas da tarde e as ciências físicas das cinco horas da
tarde às nove horas da noite. Coube a Hachette o encargo desse curso de
geometria descritiva que foi o primeiro em Paris sob a supervisão de Monge. Após
três meses de aula foram selecionados 25 desses alunos que também assistiram às
aulas de geometria descritiva nos cursos revolucionários e na École Normale. (GANI,
2004)

Os organizadores da École Centrale de Travaux Publics pretendiam que


todos os cursos previstos para funcionar nessa escola fossem realizados desde o
primeiro ano de sua implantação, antes de sua inauguração oficial. Para isso,
tomaram como medida que o instrutor de cada disciplina desse um curso
revolucionário de três meses para os aproximadamente 400 alunos selecionados
para a escola. Medida essa devida à desigualdade de instrução entre os candidatos,
justificada pelo recém fechamento dos estabelecimentos de instrução pública.
Enquanto alguns nunca tinham freqüentado uma escola, outros alunos já estavam
bastante adiantados nas ciências físicas e matemáticas. Ao final desses cursos
revolucionários os alunos foram avaliados e selecionados por divisões. Na primeira
divisão ou primeiro ano ficaram os menos instruídos e os mais jovens que deveriam
fazer o curso em três anos, Estereotomia no primeiro ano, seguido dos cursos de
Arquitetura e Fortificação nos anos seguinte. Na segunda e terceira divisão ficariam
os mais instruídos que poderiam completar o curso em dois anos. A segunda e a
terceira divisões deveriam fazer o curso de Arquitetura em um ano e o de
Fortificação em outro, alternadamente. Porém, por ser a geometria descritiva um
assunto novo, ficou decidido que as três divisões assistiriam juntas aos primeiros
meses do curso de Estereotomia. (GANI, 2004)

É interessante ressaltar que, na École de Travaux Publics, o plano de


estudos apresentado por Monge se referia ao curso de Esterotomia e não Geometria
Descritiva. De todo o conteúdo deste plano, apenas a primeira parte da Estereotomia
foi o que se difundiu, posteriormente, com o nome de Geometria Descritiva, a partir
da École Normale. Esse conteúdo, correspondendo a um dos sete itens do plano,
tratava de quatro lições de princípios das projeções. (GANI, 2004)
107

Enquanto ainda se desenvolvia o curso de estereotomia na École de


Travaux Publics, foi inaugurada a École Normale, onde finalmente Monge ensinou a
geometria descritiva. Assim o fez, em treze lições, lecionadas durante quatro meses.
Destas, as nove primeiras foram compiladas por Hachette para o ensino na École
Polytechnique e publicadas como Géométrie descriptive em 1799. Para maior
clareza da trajetória do ensino da geometria descritiva na época de sua
sistematização, acrescentamos uma síntese do que foi abordado neste item, na
tabela 01.

Fonte: GANI (2004); TATON (1951)


Tabela 01 – Primeiros cursos de ensino da geometria descritiva, na França.
108

2.3 GASPARD MONGE É O PAI DA GEOMETRIA


DESCRITIVA?

Apesar do grau de elaboração em que a representação gráfica encontrava-


se no final do século XVIII, o aporte devido a Monge para o tema levou estudiosos
da disciplina a conferir-lhe o título de criador da geometria descritiva. A atribuição é
devida a maneira metódica com que soube converter os procedimentos gráficos que
os pedreiros, arquitetos, carpinteiros, construtores de quadrantes solares e outros
técnicos e artistas utilizavam em uma técnica geral baseada em procedimentos e
raciocínios geométricos simples e rigorosos (FIOCCA, 1992).

O contexto em que o trabalho de Monge sobre a representação do espaço


torna-se evidente é bem esclarecido por Massironi (1982, p. 39-40):

Monge fez com que o plano frontal não só fosse a sede - como já tinha
acontecido – da projecção de um objeto visto frontalmente, mas
também o sustentáculo de todos os planos necessários a fornecerem
indicações métrico-dimensionais do objecto em análise e das suas
relações espaciais com outros objectos (“projecções ortogonais”).

Depois da perspectiva que tinha fornecido as regras para um sistema


de anotação com funções puramente descritivas, o Secolo dei lumi
produz um instrumento desenhativo destinado ao projecto e também à
execução.

Mas para chegar a esta complicada e requintada simplificação foi


preciso que o pensamento mecanicista do Séc. XVII tivesse feito do
modelo geométrico, o modelo heurístico por excelência.

E, sobretudo, Pascal e Leibniz deviam ter tornado o conceito abstrato


de infinito conceptualmente compreensível e manipulável
matematicamente.

E eis agora que as projecções ortogonais vão apresentar os objectivos


considerados de um ponto de vista no infinito – condição esta na qual
nunca nenhum observador se poderá encontrar. O espaço será
concebido como rigorosamente euclidiano, e o objecto tomado em
consideração será desmembrado segundo directrizes ortogonais – isto
levará a abdicar das indicações da visão perceptiva e afirmar a
elaboração abstrata das imagens úteis à laboração e execução, ou seja
para trabalhar bem.
109

Entretanto, a paternidade da geometria descritiva foi tema discutido


65
amplamente por vários autores , entre os quais Loria (1933), que vê o estudo da
geometria descritiva como algo que se perde no tempo. Porém, reconhece, como
mérito importante do apogeu francês, a transformação do material bruto colocado à
disposição e utilizado pelos pintores e arquitetos, em uma disciplina científica,
acrescentando ainda que o volume Géométrie Descriptive não esgota a contribuição
de Monge à ciência da representação do espaço.

O papel que Monge desempenha com a geometria descritiva pode ser


considerado semelhante ao que Euclides conseguiu com a geometria clássica.
Ambos colocam os conhecimentos precedentes sobre suas matérias de maneira
sistemática e ordenada, ao alcance do saber. Cabezas ( 1997, p. 184) considera que
" [...] Euclides e Monge são um marco divisório que assinala um antes e um depois"
(tradução nossa)66. O próprio Monge (1799, p.11) reconhece que "[...], na geometria
descritiva, que muito tempo antes havia sido colocada em uso por um grande
número de homens, para os quais o tempo era precioso, tem-se simplificado alguns
procedimentos; no lugar de considerar três planos, se tem conseguido, por meio de
projeções, a ter necessidade de somente dois". (tradução nossa)67

Com o método de Monge, estava delineado um simples, mas rigoroso


modelo gráfico do espaço que não fornece somente a imagem de ponto e reta, mas
ainda permite a individualização destes elementos geométricos no espaço enquanto
assegura a correspondência biunívoca entre a suas representações na folha
bidimensional e a suas posições exatas no espaço tridimensional. Feita exceção às
bases adquiridas da geometria cartesiana, pela qual o espaço é transportável a um
sistema de referência, a geometria descritiva originou-se, apartir da geometria
euclidiana, no que se refere à representação gráfica do espaço.

65
AMODEO (1908), CARDONE (1996), LORIA (1921), LORIA (1933), MIGLIARI (1996).

" [...] Euclides y Monge son un hito divisorio que señala un antes y un después."
66

67
"[...] dans la géométrie descriptive, qui a été pratiquée depuis beaucoup plus long-temps par un
beancoup plus grand nombre d'hommes, et par des hommes dont le temps étoit précieux, les
procédés se sont encore simplifiés; et au lieu de la considération des trois plans, on est parvenu, au
moyen des projections, à n"avouir plus besoin explicitement que de celle de deux."
110

Conforme Silva (2001), o laborioso e fastidioso método aritmético de


representação de um objeto, o mais rigoroso à época, conduziu Monge a inventar o
que veio denominar de Geometria Descritiva. Este estudo, o cientista soube colocar
à disposição de todos, conferindo-lhe um importante papel pedagógico com
articulação entre teoria e prática.

Monge pode propor, não só aos alunos engenheiros, mas aos futuros
professores de escola secundária, uma teoria no todo inédita, sem divergências ou
conceitos complexos e que de fato resultará acessível a todos os dotados de um
conhecimento da geometria elementar. Um imediato sucesso, cuja primeira e
tangível prova foi a procura pelas aulas, em medida tal que só a fama e o carisma do
autor não justificariam (CARDONE, 1996, p.76-77, tradução nossa) 68

A teoria proposta por Monge, mesmo sem distanciar-se do rigor que


caracteriza as demonstrações dos matemáticos do século XVIII, apesar da aparente
simplicidade, apresentou-se com um domínio da matéria e uma clareza de intenção
e de programa impossíveis de serem conseguidos sem contínuas reflexões
(CARDONE, 1996). O próprio Monge (1799, p.16) a considerou como parte da
matemática aplicada, acompanhando a valorização em que se encontrava a
matemática no final do século XVIII, um momento de privilégio da racionalidade
quando afirmou que "não é sem motivo que aqui nós comparamos a geometria
descritiva com a álgebra [...]".(tradução nossa) 69

A estreita ligação da geometria descritiva com a álgebra, proposta por


Monge, encontra-se em bases defendidas por Descartes, como explicam Santos e
Fossa (2001, p. 298) quando expõem que:

o surgimento de um gênero de Aritmética que se chama Álgebra


permite fazer com os números o que os antigos faziam com as figuras.
A Álgebra e a Geometria são duas coisas que para Descartes, não
passam de frutos espontâneos dos princípios naturais do seu método.

68
"Monge può proporre, non solo agli allievi ingegneri ma ai futuri insegnanti si scuola secondaria,
una teorizzazione del tutto inedita senza impatti duri o concetti complessi, e che difatti risulterà
accessibile a tutti coloro dotati di una conoscenza della geometria elementare, riscuotendo un
immediato sucesso, la cui prima e tangibile prova fu l'affollamento alle lezioni, in misura tale che la
sola fama ed il carisma dellàutore non avrebbero giustificato."
69
"Ce n'est pas sans objet que nous comparons ici la géométrie descriptive à l'algèbre[...]"
111

Não se admira que tenha sido na Aritmética e na Geometria, cujos


objetos são muito simples, que os antigos cresceram até aqui mais
facilmente do que nas outras ciências, pois a Aritmética e a Geometria
são as ciências que, quando tratadas de acordo com o método
proposto, nos levam imediatamente à verdade do que se busca, sem
rodeios ou passagens obscuras. Porém, em que pese toda admiração
por estas ciências, Descartes admite que as outras ciências também
levam à verdade embora com maiores dificuldades e muitos rodeios,
facilitando a ocorrência de erro.
A relação estabelecida por Monge entre álgebra e geometria descritiva foi
logo difundida porque "Monge aliava qualidades pedagógicas notáveis às suas
capacidades de investigação. Também é, hoje, reconhecido que se deve a Monge a
criação de um currículo moderno de matemática - foi a partir das suas aulas e das
dos seus discípulos na Escola Politécnica que as conexões entre a álgebra e a
geometria a três dimensões iniciaram o grande desenvolvimento que viriam a ter no
séc. XIX [...]" 70

É evidente que, em uma mesma área de estudo, possam existir conexões


como as encontradas na geometria descritiva e na álgebra, porém os alargamentos
culturais não param por aí. A representação mongeana aparece conectada ao
sistema produtivo que ela mesmo ampara, de uma forma tão forte que Monge (1799,
V) inicia sua obra afirmando que “para tirar a Nação Francesa da dependência que
até hoje tem vivido da indústria estrangeira necessitamos em primeiro lugar dirigir a
educação nacional desde o conhecimento dos objetos que exigem exatidão, o que
até nossos dias se tem descuidado em um todo [...]” (tradução nossa)71. Sobre isso,
Massironi (1982, p. 41) define “as projecções mongeanas como uma alegoria da
organização produtiva que os utiliza”.

“As idéias pedagógicas de Monge são um fruto de todo o programa de


reformas dos setecentos, vinculado a idéia de progresso. Neste último
sentido, a geometria descritiva se converte em um instrumento de
racionalização técnica que vai servir à concepção da cultura como
empresa pública, da mesma maneira que se colocará a disposição do
72
benefício da burguesia”. (CABEZAS, 1997, p.184) (tradução nossa)

70
www.terravista.pt/enseada/1524/ . acessado em 04/01/2004
71
“Pour tirer la nation française de la dépendance où elle a été jusqu’à présent de l’industrie
étrangére, il faut, premièrement, diriger l’éducation nationale vers la connoissance dês objets qui
exigent de l’exactitud, ce qui a été totalement mégligé jusqu’à ce jour [...]”.
72
"Las ideas pedagógicas de Monge son un fruto de todo el programa de reformas del setecientos,
vinculado a la idea de progresso, y en este último sentido es en el que la geometría descriptiva se
112

Uma vez considerando que Monge era partidário dos ideais da Revolução
Francesa, fica fácil entendermos que tenha sistematizado os conhecimentos de
representação existentes na época com base na racionalidade preconizada pelo
poder político, visando atender aos ideais da nação. Nesse sentido, que institui a
geometria descritiva como um ‘saber oficial’, o mérito de autoria cabe então a
Monge.

2.4 GEOMETRIA DESCRITIVA, UMA HERANÇA DA


MATEMÁTICA OU DO DESENHO?

Sabemos que a geometria descritiva apareceu como ciência na seqüência


da evolução de outros traçados gráficos, concebida na solução de um problema de
fortificações - o desfilamento - e com um pai matemático. Registrada com o nome de
Geometria descritiva, pelo próprio Monge, foi adotada como ensino na École du
Génie Militaire, em Mézières, e, em seguida, proposta para o ensino na École
Centrale de Travaux Publics.

Na sua concepção, ao resolver o problema de desfilamento que estabelecia


os limites do espaço protegido por muros, onde poderia ser edificada a fortificação,
Monge imaginou uma superfície cônica, envelope dos planos tangentes à superfície
do terreno, passando o problema a ser a determinação do plano tangente à
superfície curva. Tal procedimento caracterizou um tratamento teórico e
73
generalizado, com base nos estudos matemáticos de Descartes , para uma questão
que era resolvida de forma empírica e particular74.

convierte en un instrumento de racionalización técnica que va a servir, as la vez, a la concepción de la


cultura como empresa pública, de la misma manera que se pondrá a disposición del beneficio de la
burguesia."
73
Sobre os estudos de Decartes, no que diz respeito a planos tangentes a curvas, tratou-se neste
trabalho no capítulo anterior compondo a história da representação em arquitetura.
74
Pesquisas sobre desfilamento foram realizadas na escola de Mézières, na busca de substituir os
procedimentos empíricos que obrigavam o deslocamento dos engenheiros até o local da obra
munidos de varas e tábuas. Estes estudos, realizados por Chatillon, tratando só o caso do terreno
horizontal e de Du Vignau, acrescentando procedimentos para terrenos acidentados, precederam o
trabalho de Monge, entretanto não estabeleciam um método generalizado a distintas situações.
Entretanto, é evidente o impulso dado a abstração e geometrização na solução destes problemas nos
113

Para que ‘a descoberta de Monge’ estivesse adequada ao ensino na École


Centrale de Travaux Publics, necessariamente deveria concordar com os
conhecimentos estabelecidos como necessários na formação dos engenheiros desta
escola que, segundo Gani (2004), eram de dois tipos: relativos às formas e
movimentos dos corpos e referentes à composição dos corpos. A obtenção dos
primeiros dependia das matemáticas, empregando o raciocínio e o cálculo, utilizando
a régua e o compasso, enquanto os segundos faziam parte da física e eram obtidos
em laboratórios. Claramente a proposta da escola dividia-se em ensino de
matemática e de física. O ensino da matemática bifurcava-se em análise e descrição
dos objetos, e esta descrição se distinguia em dois tipos de objetos: os da
Estereotomia, Arquitetura e Fortificações, com definição rigorosa, e os do Desenho,
que não tem precisão em suas dimensões.

Então, a partir das referências de sua concepção e ensino, como acabamos


de expor, inserimos duplamente a geometria descritiva como uma herança da
matemática, o que segue sendo explicitado por outras colocações a seguir.

Monge, ainda nas Recomendações de sua Géométrie descriptive (1799),


reconheceu a necessidade de conhecimentos matemáticos para entender seu
tratado, limitando-os aos da “geometria elementar”75, o que nos leva a deduzir sua
teoria como fundamentada na matemática.

Fazendo uma busca na história, na segunda metade do século XVIII, os


fundamentos da geometria adquiriram junto a um significado científico, um amplo
significado social. Os Elementos de Euclides foram objetos de grandes discussões
sobre sua qualidade como texto escolar de geometria. Na Inglaterra e Alemanha,
edições que conservavam o espírito e estrutura dos Elementos, com simplificações
na exposição, foram utilizados. Na França, ao contrário, a formação da geometria

trabalhos destes dois autores, com a substituição das tábuas, por planos e das varas, por
retas.(GANNI, 2004)
75
No transcurso da história das matemáticas, os “Elementos” de Euclides constituem fundamentos
para todas as investigações geométricas. Ponto, reta e plano, são objetos fundamentais da
geometria axomática atual, a qual usando amplamente a idéia de isomorfismo abstrai as
particularidades qualitativas dos objetos estudados e investiga a possibilidade de relação entre eles.
Assim sendo, ponto, reta e plano podem designar objetos da natureza, aparentemente não
geométricos. (RIBNIKOV, 1991)
114

elementar seguiu as orientações de autores franceses. Como resultado, surgiram


textos de autores franceses que apresentavam um ensino contemporâneo da
geometria, diferenciado da geometria euclidiana. Com o trabalho dos matemáticos
franceses, nos fundamentos da geometria foram introduzidos o movimento e a
métrica, dos quais não tratava, cuidadosamente, Euclides. Ainda a aritmetização, a
introdução do simbolismo algébrico e dos elementos de álgebra e a utilização dos
radicais reelaboraram os Elementos, colocando uma nova geometria para a solução
de problemas práticos. (RIBINIKOV, 1991)

Entre os matemáticos franceses, enquanto Euler codificava os


conhecimentos científicos matemáticos do século XVIII, destacando o aspecto
analítico da matemática, Monge avançava com uma tendência geométrica, a
primeira a se distinguir, depois de Desargues, esclarecendo através de problemas
concretos as abstrações analíticas.

Desde o início de suas pesquisas, Monge compreendeu que os problemas


do espaço eram intimamente ligados com a teoria das equações. Para ele, a
geometria e a análise apoiavam-se constantemente, clareando as razões que, vistas
sobre um único ângulo, podiam parecer muito abstratas ou muito estritamente
descritivas. Seu pensamento abraçava os diversos aspectos de um mesmo
problema e, com sua habilidade, a cada instante escolhia o ponto de vista que
melhor esclarecia a questão estudada. O senso de espaço que Monge tinha em grau
excepcional lhe permitia iluminar seus estudos, quer de aparência analítica ou quer
próximos da geometria, como uma obra matemática com unidade interna muito
sólida. (TATON, 1951)

Desde 1795, a geometria descritiva é perfeitamente conhecida, não só como


método de construção, mas como uma ferramenta auxiliar aplicável a problemas
complexos de geometria infinitesimal. (TATON, 1951) A sua formação, então, em
uma ciência matemática especial, se consolidou com os trabalhos de Monge, não
desvinculada de outros estudos seus. Taton (1951, p. 1) complementa, dizendo que
“[...] diversos capítulos de seu tratado formam uma transição de seus trabalhos mais
115

analíticos”. (tradução nossa)76 Essa geração da geometria descritiva marcava um


período da história da matemática em que, segundo Borda (2001), ocorreu o fato do
processo de algebrização estar incrementado, ao ponto de que os cálculos estavam
muito complexos, fazendo voltar à utilização de métodos sintéticos para auxiliar a
solução de problemas de geometria, em 1795. Foi quando se incrementou o
processo de não-algebrização, buscando a vizualização.

No sustento da teoria de Monge, encontra-se o conhecimento com base na


verdade e não na realidade, o que foi preconizado por Descartes, quando a ciência e
a filosofia davam vitória à álgebra, em detrimento da percepção, o que autoriza a
inserção da geometria descritiva como herança da matemática.

Concluindo, a origem da geometria descritiva encontra-se no pensamento


matemático. Este substituiu o olho que observa o mundo por um ponto impróprio no
infinito e projeta elementos abstratos sobre uma superfície plana, manifestando o
limite das representações que se apóiam em procedimentos construtivos, abarcando
a possibilidade de resolver problemas geométricos mais complexos. Isto
necessariamente a coloca como herança da matemática.

2.5 REPERCUSSÃO DA OBRA DE MONGE

A geometria descritiva de Monge assumiu grande importância no ensino


técnico superior francês e, em seguida, no de outros países, mantendo-se como
patrimônio cultural de engenheiros, arquitetos e artistas por todo o século XIX, até a
atualidade.

Entretanto, a disseminação da geometria descritiva nos diferentes países


sofreu influência da obra On Isometrical Perspective77, do reverendo William Farish,

76
“[...] divers chapitres de son traité forment une transition avec ses travaux d’orientation plus
analytique.”
77
FARISH, William. On isometrical perspective. Cambridge: Philosophical Society Transactions, Vol.
1, 1822.
116

contemporâneo inglês de Monge. Nesta obra, apresentam-se exposições de


máquinas para a produção industrial, com função instrumental, afastada da
especulação teórica da geometria descritiva dependente do pensamento
matemático. (CABEZAS, 19??) Estavam, então, delineadas duas vertentes de
representação para indústria: a de Farish, direcionada para as necessidades e
limitações dos operários que trabalham na indústria, e a de Monge, com uma
posição academicista.

Ao mesmo tempo que se formulou e estabeleceu na França o ensino


da geometria descritiva, na Grã-Bretanha se propôs um sistema de
desenho técnico, ao serviço da jovem indústria, que estava
desvinculado das fortes implicações do modelo francês e que explica a
diferença do modelo anglo-saxão, que tem perdurado até hoje.

Desde sempre se tem reconhecido que a influência da geometria


descritiva francesa tem tido menos importância na Grã-Bretanha,
América e nos países com influência anglo-saxônica do que em países
como Itália, Rússia ou Espanha, onde a influência cultural francesa tem
sido maior durante todo o século XIX. (Cabezas, 19??, p. 41, tradução
nossa)78

O entendimento da influência da geometria descritiva, proposta por Monge


na École Polytechnique, como afirmamos, pode ser estabelecido com uma breve
evolução histórica que trata das instituições de ensino. Na idade Média as
Universidades tratavam da educação, seleta, dirigida a uma elite, centradas em
quatro faculdades: Direito, Medicina, Teologia e Artes, o que perdurou até a
Revolução Francesa. Com a implantação da École Polytechnique no cenário
acadêmico, a ciência passou a ocupar o lugar da teologia, de acordo com os ideais
revolucionários, e estas escolas se popularizaram na Europa. Entretanto, a guerra
em que a França enfrentou o Reino Unido fez com que essas inovações francesas
não fossem acolhidas por este último país, que, por outro lado, já havia feito sua
revolução particular no final do século XVII, o que reforçou a não implantação do
modelo francês. As universidades inglesas, de modo geral, estavam baseadas em

78
“Al mismo tiempo que se formuló y estableció en Francia la enseñanza de la geometría descriptiva,
en Gran Bretaña se propuso un sistema de dibujo técnico, al servicio de la joven industria, que estaba
desvinculado de las fuertes implicaciones ideológicas del modelo francés y que explica la diferencia
del modelo anglosajón que ha perdurado hasta hoy.

Desde siempre se ha reconocido que la influencia de la geometría descriptiva francesa ha tenido


menos importancia en gran Bretaña, América y los países con influencia anglosajona que en países
como Itália, Rúsia o España en donde la influencia cultural francesa ha siso mayor durante todo el
siglo XIX.”
117

corporações docentes organizadas pela carta fundacional, em conformidade, até


certo ponto, com a tradição, enquanto as francesas tinham a influência do estado em
seus diferentes ministérios, ditando seus programas.

Convém lembrarmos que as lições da Ecole Normale79 constituíram a


primeira publicação de Geometria descritiva. A divulgação da disciplina, na França e
em outros países do mundo, deu-se, inicialmente, a partir dessa obra e de suas
traduções. Na França, a difusão da geometria descritiva ocorreu a partir de 1795 e
foi pesquisada, essencialmente, na École Polytechnique por alunos de Monge.

Antes ainda, em 1744, foi criado, em Paris, um escritório para centralizar os


mapas de caminhos enviados por engenheiros de outras províncias, e que, em
1747, sob a direção de Jean Rodolphe Perronet, mantinha um atelier para a
formação de engenheiros. Este atelier foi o embrião da futura Ècole di Ponts et
Chaussées. Em 1788, um grupo de espanhóis - entre os quais Agustín de
Betancourt - ingressou como aluno deste centro francês, com o objetivo de preparar-
se para a formação de fundar na Espanha um centro com características similares; o
que levou à criação da Escuela de Caminos e Canales em Madrid, no ano de 1802.
A qualidade dos projetos desenvolvidos pelos engenheiros nesta escola espanhola
ressaltava a extrema preocupação pela qualidade técnica, o que levou Agustín de
Betancourt e Jose Mª de Lanz a realizarem, em 1803, a primeira tradução do francês
para língua estrangeira da Géométrie Descriptive de Gaspard Monge, de 1799, para
o uso nos estudos da inspeção geral de caminhos, na imprensa real de Madrid
(ZULUETA e SUÁREZ, 2001).

Em 1798, a geometria descritiva é introduzida no programa didático da


Scuola Militare di Modena, o que foi fator determinante para sua difusão na Itália e,
em especial, no centro-norte italiano. Um aluno desta escola fez a primeira tradução
italiana de Géométrie descriptive. Em Nápoles, a partir da primeira obra de

79
Sobre o surgimento desta escola e da publicação de suas notas de aula comenta Schubring (2003)
que deve-se ao fracasso da iniciativa francesa de elaborar livros elementares. No capítulo quatro da
sua obra explica que em 1794, foi decretado um concurso para livros didáticos e que, devido aos
resultados insatisfatórios estabeleceu-se o projeto de formação de uma escola para formar
professores (École normale, inaugurada em 1795) e que as notas de aula desta escola é que
deveriam ser transformadas em livros didáticos. Monge, Lagrange e Vandermonde participaram como
banca para selecionar os livros de matemática desse concurso.
118

geometria descritiva composta na Itália, já em 1801, a geometria descritiva era


ensinada na Scuola del Genio e dell'Artiglieria di Napoli. Em Piemonte, os estudos
na Accademia Militare di Torino, a partir de 1816, eram influenciados diretamente
pela tradição francesa (FIOCCA, 1992).

No Império Austro-húngaro foram criadas várias escolas politécnicas onde a


disciplina foi introduzida em períodos diversos entre 1803 e 1842. Ao contrário, na
Inglaterra, a geometria descritiva encontrou poucos adeptos e teve uma tradução
inglesa somente em 1809 (FIOCCA, 1992).

No Brasil, a Geometria descritiva foi ensinada, pela primeira vez, através da


tradução das lições de Monge, em 1812, antes ainda de sua repercussão em alguns
países europeus. Portanto, a criação de Monge teve sua divulgação através de uma
publicação em que a geometria descritiva é definida, pelo seu próprio organizador80,
como abstrata e desvinculada das atividades práticas. (GANNI, 2004)

Na Alemanha a difusão da geometria descritiva só começou a partir de 1827,


pelo trabalho de Guido Schreiber, em especial, no Politécnico de Karlsruhe, que teve
a primeira tradução da Géométrie descriptive de Monge para o alemão em 1828-29.
Ainda sobre traduções desta obra de Monge na Alemanha, encontra-se uma
referência de 1900. Na Holanda foi publicado em 1821 o tratado de geometria
descritiva de Lacroix, aluno de Monge. Na Dinamarca a disciplina foi introduzida em
1830 no Politécnico de Copenaghen (FIOCCA, 1992).

Considerando que da Géométrie Descriptive, de 1799, foram realizadas


traduções do francês para o espanhol, italiano, inglês, português e alemão, percebe-
se a relevância da teoria da representação mongeana e a facilidade com que se
difundiu. O que nos explica o sucesso da sua repercussão é a situação da época de
sua publicação, de valorização dos autores franceses: enquanto o pragmatismo
tornou a Inglaterra a nação mais poderosa, industrialmente, o Iluminismo elevou,
culturalmente, a França acima de qualquer outra nação européia.

80
De acordo com Gani (2004), em Traité de Géométrie Descriptive, comprenant les aplications de
cette géométrie aux ombres, a la perspective et a la stéréotomie, de 1828, seu autor Hachette, no
prefácio desta obra refere-se a compilação das lições de Monge publicadas em 1799 como o primeiro
tratado de geometria descritiva que considera esta ciência de maneira abstrata e independente de
suas aplicações.
119

2.6 REPERCUSSÃO NO BRASIL

No Brasil, antes de ser difundida por toda a Europa, conforme Silva (1992), a
geometria descritiva foi estudada pela primeira vez em 1812, como disciplina do
segundo ano do curso de Ciências Físicas e Naturais na Academia Real Militar81;
lecionada pelo professor brasileiro José Victorino dos Santos e Souza, graduado em
matemática pela Universidade de Coimbra. Este professor foi autor de uma
publicação baseada nas obras de Monge, com o título de Elementos de geometria
descritiva, applicações as artes. Esta foi extraída das obras de Monge, por ordem de
sua alteza real, o Principe Regente, para uso dos alunos da Real Academia Militar,
no mesmo ano de 1812. Foi a vinda da família Real para o Brasil, em 1808, que
propiciou um impulso ao ensino brasileiro, por exemplo com a fundação da
Impressão Régia, facilitando a impressão de livros para o português, entre os quais
a primeira tradução portuguesa da Géométrie descriptive de Monge.

É fato curioso que, embora o motivo da vinda da família real portuguesa para
o Brasil ter sido fugir de Napoleão Bonaparte, o qual era íntimo amigo de Gaspard
Monge, este desacordo político não influenciou no desenvolvimento científico, no
que se refere a teoria da representação de Monge, sendo a geometria descritiva
ensinada na Academia Real Militar, criada por D. João. 82

Devemos registrar a preocupação dos organizadores do curso de


Matemático da Academia Real Militar quanto à qualidade e seriedade do mesmo,
para os padrões científico-culturais da época. Foram adotadas como referência para

81
A Academia Real Militar, foi criada pela Carta-Régia de 1810, a qual contém 12 capítulos que
descrevem detalhadamente objetivos e regulamentação desta escola com programas baseados na
École polytechnique de Paris. Para essa academia os professores deveriam preparar um compêndio
para seu curso, de sua própria autoria ou fazendo a tradução de livro estrangeiro consagrado e, a lei
indicava o livro de Monge para o ensino da geometria descritiva. (GANI, 2004)
82
A Academia Real Militar criada em 1810 e que começou a funcionar em 1811, destinava-se a
formas oficiais para as diversas armas do exército de D. João, talvez na esperança de algum dia
enfrentar-se com as tropas de Napoleão, bem como para ocupar as terras do outro lado do rio da
Prata. (SILVA, 1992)
120

o desenvolvimento do citado curso, desde o seu início, obras de matemáticos de


primeira linha da época, entre os quais Monge (SILVA, 1992)

A geometria descritiva no Brasil, portanto, começou a ser ensinada com


base nas aulas dadas por Monge na École Normale, ou seja, pela tradução da
publicação utilizada para o ensino da École Polytechnique. Apesar de adotarem o
mesmo livro, as propostas de ensino diferiam nas duas instituições: na escola
francesa, as aulas eram diárias, enquanto na Real Academia, o conteúdo do livro
era ensinado em dias alternados distribuídos em um ano. Quanto às suas
aplicações, na École faziam parte do aprendizado do curso de geometria descritiva,
dadas imediatamente após a apresentação do método, nos dez meses restantes do
ano. Na Academia brasileira, eram ensinadas como disciplinas independentes, em
anos posteriores ao ano em que eram estudadas as lições do livro. (GANI, 2004)

Embora com diversidade na duração e nas aplicações, no estudo das lições


de Monge, José Victorino indicava os mesmos objetivos constantes na publicação
francesa. A tradução para o português é bastante fiel ao texto original, no que diz
respeito ao conteúdo das aulas; encontram-se diferenças no prefácio e em algumas
notas de rodapé que são inseridos. Nestes, o autor procura explicitar as aplicações
do método nas artes e no estudo da Geometria pura. Ao final do livro, o autor
acrescenta um capítulo com “Notas, e Addições”, onde esclarece definições,
compara construções da Geometria descritiva com a Perspectiva Linear e ressalta a
importância dessas ciências nas Arquiteturas. (GANI, 2004)

A publicação que foi traduzida por Victorino não continha as aplicações da


geometria descritiva à perspectiva, cortes de pedras, etc., como propôs para o
desenvolvimento da máquina social. Na conclusão do prefácio, esse autor escreveu:

Em fim se as pessoas que verdadeiramente desejão o melhoramento


das sciencias, e das artes úteis, exigirem que se reduzão a princípios
methodicos, e a elementos rigorosos as applicações desta Geometria á
Perspectiva Linear, aos cortes das pedras, às machinas, etc. para que
por meio destes elementos se aperfeiçoem a Architectura Civil, a
Architectura Militar, e a Architectura Naval: ainda que as minhas forças
sejão poucas, e os meus conhecimentos sejão limitados, com tudo
desejo cooperar para levantar o Imperio das sciencias, e das bellas
artes, em hum mundo novo, que offerece muitos recursos naturaes
para a applicação das mesmas à industria, e ao melhoramento das
artes, que são as molas da grande machina social; julgo ter feito já
huma cousa útil trabalhar em hum Compendio, que serve de
fundamento a taes applicações, o qual contendo mais algumas cousas
do que os seus originaes, fica mais útil do que estes: e julgo ter
121

cumprido por agora com os deveres, que me são impostos pelas


sabias determinações da creação da Real Academia Militar nesta
Corte, pelas altas providencias do Soberano Augusto, que fará época
nos fastos literários do Imperio Luso-Americano. (SOUZA, 1812, p.
XVII-XIX, apud GANI, 2004).

Ainda, sobre a introdução da geometria descritiva no Brasil, foi adotada a


tradução de Éléments de Géométrie descriptive de Lacroix, feita por Manuel Ferreira
de Araújo Guimarães sob o título de Elementos de Geometria de Lacroix, no Colégio
Pedro II, criado em dezembro de 1837, para o ensino secundário. Contudo, não se
sabe o quanto a geometria descritiva era ensinada nesta escola, até que aparece
explicitamente no programa, no ano de 1895. (GANI, 2004)

Quanto à repercussão da geometria descritiva no ensino de arquitetura no


Brasil, algumas datas são importantes, após 1810. Até esta data, segundo Jantzen
(2001), não é difícil supor que as finalidades principais das edificações estudadas
eram as instalações portuárias e fortificações e o abrigo de atividades produtivas. O
autor refere-se ao ensino na Aula de Fortificação do Rio de Janeiro a partir de 1699,
na Aula de Fortificação de Pernambuco a partir de 1719 e na Real Academia de
Artilharia Fortificação e Desenho do Rio de Janeiro a partir de 179283. Esta última,
apontada como a instituição onde iniciou o estudo oficial da arquitetura civil no
Brasil.

Com a fundação da Academia Real Militar nos moldes do ensino francês, em


1810, embasou-se a chegada da Missão Francesa de 1816, trazendo Grandjean de
Montigni, que lecionou na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, fundada em
1826, posteriormente denominada a Real Academia de Belas Artes. Montigni formou
cerca de 50 discípulos. Miranda (2006) destaca que com a chegada da missão
artística francesa ao Brasil, o ensino da geometria descritiva incorporou-se às aulas
de arquitetura da Real Academia de Belas Artes, atualmente Escola Nacional de
Belas Artes.

83
Em 1738, foi instiuído no Rio de Janeiro, um curso militar de cinco anos, regular e obrigatório,
conhecido como “Aula do Terço”. Essa aula, foi transformada em um curso superior em 1792, no
qual os futuros engenheiros deveriam permanecer por seis anos. No último ano, eram dadas a
disciplinas de cortes de pedras e madeiras, a construção de caminhos e calçadas, e a arquitetura de
pontes, aquedutos canais, diques e comportas.(TELLES, 1994 apud GANI, 2004)
122

Em 1817, a impressão Régia publicou no Rio de Janeiro os Elementos de


desenho e pintura, e regra geraes de perspectiva, de autoria do engenheiro militar
português Roberto Ferreira da Silva, defendendo uma dignidade superior para o
artista, que, segundo sua opinião, deveria ser versado em uma infinidade de
conhecimentos. Entre estes, a Mitologia, a Geometria, a Ótica, a Perspectiva, a
Arquitetura, a Anatomia e a Teoria das Cores. Circulava assim, em princípios do
século XIX, uma concepção renascentista da Pintura, Escultura e Arquitetura como
as três artes do desenho. Uma concepção do desenho não como ferramenta
artística ou técnica, mas como uma ciência em si, ligada a saberes matemáticos e
óticos, através dos quais se tentava deduzir e estabelecer leis gerais para a
representação das formas e do espaço. (DÓRIA, 2004)

Vale registrarmos que, a primeira designação aventada para a instituição


que depois passaria a chamar-se Academia Imperial de Belas Artes foi a de Escola
Real das Ciências, Artes e Ofícios. Nessa época o desenho começa a ser instituído
como necessário na formação de artesãos e trabalhadores qualificados, um público
amplo. Ocorreu então, ao longo do século, uma tensão entre o desenho entendido
como atividade intelectiva e configuradora, visão ligada a pressupostos do ensino
acadêmico e à Idéia de Belas-Artes, e um desenho de caráter pragmático, utilizado
como instrumento técnico, ligado à idéia de artes aplicadas. Tais concepções,
apesar de conflitantes, não foram excludentes. Articularam-se continuamente, de
modo complexo e hierarquizado, invocando os conceitos de razão e ciência em
defesa de suas pretensas legitimidades. (DÓRIA, 2004)

“[...]É de desejar [...] que o arquiteto seja capaz de erudição e de penetrar,


até certo grau nas ciências matemáticas [...]”.BARATA(1959,p.293) apud DÓRIA
(2004) E, nesse sentido, Araújo Porto Alegre, Diretor da Academia Imperial de Belas
Artes entre 1854 e 1857 também promoveu reformas no ensino artístico do país.
Implantou na sua Academia, “além de Geometria (ciência necessária a todo
homem), a Geometria descritiva, a Estereotomia, a Trigonometria, a Mecânica
elementar, a Ótica, a Arquitetura, a Teoria das sombras, a Perspectiva e o Desenho
Topográfico, [...] ciências tão nobres quão úteis.” BARATA(1959,p.62-63) apud
DÓRIA (2004)
123

Com a república, a Academia Real de Belas Artes foi transformada em


Academia Nacional de Belas Artes e passou a ter um curso de arquitetura. A antiga
Politécnica Imperial do Rio de Janeiro, que passou a ser chamada de Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, possuía no seu ensino uma cadeira de arquitetura civil
e uma aula de desenho. Entretanto, foi na Politécnica de São Paulo que criou-se um
curso específico de arquitetura, formando engenheiros-arquitetos. (JANTZEN, 2001)

A Escola Politécnica do Rio de Janeiro, criada em 1874, depois de um curso


geral de dois anos, preparava, em mais três anos, Engenheiros Civis, Engenheiros
de Minas, Artes e Manufaturas. Nessa escola, para todos os alunos do segundo ano
do curso geral, era obrigatório o estudo da geometria descritiva que baseava-se nos
dois primeiros meses de aula da École Polytechnique, acrescido de questões
particulares e casos específicos. Terminado o curso geral, o aluno optava para os
cursos específicos, nos quais era ensinada, no primeiro ano, a geometria descritiva
aplicada, compreendendo a perspectiva, as sombras e a estereotomia. Com a
reforma dos estatutos dessa escola, em 1896, a geometria descritiva aplicada deixa
de aparecer explicitamente para os cursos gerais e os específicos. (GANI, 2004)

Quando foi criada a Escola Politécnica surgiu o primeiro programa oficial de


ensino de geometria descritiva no Brasil, sendo o primeiro professor de geometria
descritiva dessa escola o Conselheiro Ignácio da Cunha Galvão. Seu substituto, o
professor Ortiz Monteiro, em assembléia interna da Escola Politécnica, conseguiu
licença para ir à Europa aperfeiçoar seus conhecimentos sobre a geometria
descritiva de Monge. Com esses estudos, sistematizou o estudo de superfícies
apresentado por Monge. Embora sem alterações consideráveis no programa que
ensinava Ortiz Monteiro, seu substituto a partir de 1919, o professor Henrique César
de Oliveira, realizou uma revolução nos processos de ensino de geometria
descritiva. Assim, o tratamento didático tornou as aulas mais livres, com a
participação dos alunos. (MIRANDA, 2006) Cabe lembrarmos que Monge ensinava
com a participação dos alunos após as exposições teóricas.

Ainda, com a criação do Imperial Colégio Militar, atual Colégio Militar do Rio
de Janeiro, pelo Conselheiro Tomás Coelho, por decreto de março de 1889, o
124

ensino de geometria descritiva no Brasil ganha um novo impulso. É implementado


como disciplina dos primeiros e segundos anos do ensino médio da época.84
(MIRANDA, 2006) Rui Barbosa defendia os poderes do desenho, preconizando que
deveria ser ensinado a todos como introdução à todas as artes gráficas. Em 1882,
como relator da comissão de Instrução Pública, elaborou e apresentou, em 13 de
abril, o Parecer e o Projeto de Reforma de Ensino Secundário e Superior. Em
Barbosa (2004, p.62) encontramos:

Depois de construir, combinando certo número de hastezinhas, de uma


determinada extensão, as denominadas formas da beleza enceta a
crianças no jardim de infância, o desenho propriamente dito. Servem
para este uso as lousas, cobertas em toda sua extensão de uma rede
de horizontais e verticais, intercortadas todas em ângulo reto e
uniformemente intervaladas. Começando por traçar curtas verticais [...],
o menino chegará, com o auxílio do lápis, mediante ângulos,
combinações de ângulos e figuras cerradas, aos compostos
geométricos [...]

Assim, no discurso que Rui Barbosa proferiu em 1882, no Lyceo de Artes e


Officios do Rio de Janeiro, resumia argumentações sociais e políticas do seu tempo,
nas quais o desenho tinha uma finalidade, sobretudo técnica e prática, relacionada
com os ideais divulgados pelas exposições universais. Sua teoria política liberal
defendia a educação técnica que valorizava o desenho para os níveis primário,
secundário e superior, visando o desenvolvimento industrial. (BARBOSA, 2004)

No Colégio Pedro II, embora fundado em dezembro de 1837, a geometria


descritiva apareceu explicitamente no programa em 1895. Para tal disciplina
indicava-se os Elementos de Geometria Descritiva de F.I.C., traduzido e adaptado
ao ensino secundário por Eugenio de Barros Raja Gabaglia. Convém lembrar que,
desde 1816, o conhecimento de tal disciplina era necessário ao ingresso dos alunos
à École Polytechnique francesa. (GANNI, 2004) Ao que podemos constatar, buscava
o ensino nacional brasileiro seguir os moldes do ensino europeu, como preconizava
Rui Barbosa.

84
Atualmente a geometria descritiva não está diretamente reportada pelos PCN do ensino médio e
fora das escolas militares sua introdução no ensino médio é rara. Ao contrário dos PCNEM, a
geometria descritiva é abordada nos PLADIS de forma mais explícita. Os PLADIS são planos de
disciplinas do ensino dos Colégios militares do Brasil. (MIRANDA, 2006)
125

Em 1889 tornava-se obrigatório o ensino do desenho técnico e do desenho


geométrico em todo o país, devido ao caráter científico e positivista desses saberes,
expressão do rigor e da precisão. O vínculo do desenho com a matemática,
apresentando-o com a peculiaridade de servir de elemento preciso na representação
de idéias hipotéticas, consolidou o desenho como imprescindível para o estudo das
demais ciências. (CAMPOS, 2000)

Já em 1890, como reforço às idéias de Rui Barbosa, com o objetivo de um


ensino prático, científico e ativo, ocorreu a Reforma Benjamin Constant. Para os
alunos primários davam-se aulas de desenho, aritmética e geometria prática, que
incluía os conceitos de figuras e sólidos geométricos com instrumental adequado.
Para os do curso secundário a geometria compreendia um programa extenso,
incluindo a geometria descritiva, a teoria das sombras, as perspectivas e a álgebra.
Para ingressar nos cursos jurídicos, na Escola de Belas Artes e nos cursos de
Cirurgia do Brasil, exigia-se formação com conhecimento de geometria. Tal ensino
perdurou até a morte de Benjamin Constant, quando novamente reformulou-se o
ensino brasileiro. Através, então, do Código Fernando Lobo, de 1892, o aspecto
central do ensino deixou de ser o desenvolvimento industrial e voltou-se para o
ingresso na escola superior. (ULBRICHT, 1992)

Contrapondo-se a apropriação utilitarista do desenho, tomou corpo uma


corrente que postulava a primazia de um saber de caráter quase religioso, com
referenciais góticos e medievais. Esse saber, amparado nas noções de criatividade,
inspiração e genialidade, naturalmente buscava uma organização social diversa da
que era então preconizada, de acesso a saberes supostamente superiores aos
estritamente técnicos e científicos. (DÓRIA, 2004)

Parece dar-se assim, no processo de multiplicação de saberes que


acompanhou o século XIX, uma ruptura que, ao que nos interessa ao desenho,
separa o estritamente artístico do técnico. Declinou-se então a visão abrangente do
desenho. A arte restringiu-se a cópia de ornatos, enquanto a geometria dominou no
ensino.

Com a lei Rocha Vaz, em 1925, a obrigatoriedade do ensino da geometria,


da trigonometria e desenho acabou por criar uma excessiva geometrização no
ensino oficial brasileiro, que se estendeu até a década de 30, quando acontecem os
126

questionamentos do movimento Modernista. A indústria avançava e precisava se


unir à arte. Surgiram então no ensino brasileiro, com a Reforma Francisco Campos
em 1931, ramificações do desenho para atender os diversos setores: desenho
decorativo, desenho natural e desenho técnico. Entretanto, nos anos 40, surgiu uma
85
significativa produção de artigos e tratados sobre o desenho. , decorrente de
questionamentos dos conteúdos e práticas pedagógicas do ensino da época.
(kOPKE, 2006)

Entre esses trabalhos destacou-se o do arquiteto Lúcio Costa, que, em


1948, criticou o ensino de desenho. Na constatação desse arquiteto, dois problemas
no ensino do desenho eram as aulas ministradas por pessoas pouco esclarecidas e
a diversidade de objetivos. De um lado visando desenvolver o hábito de observação,
espírito de análise, gosto de precisão e de outro a reavivar a pureza de imaginação
e o dom de criar. Este último objetivo, do desenho entrelaçado com a arte, foi aos
poucos deixado de lado. Ganhava lugar o desenho formador da racionalidade, do
espírito de disciplina, do rigor e precisão. (kOPKE, 2006) Consolidavam-se os
desenhos adequados às profissões que se organizaram durante os questionamentos
da década de 30.

A regulamentação das profissões de arquiteto, engenheiro e agrimensor


datam de 1933. Várias escolas e faculdades foram sendo criadas em capitais
brasileiras ao longo do século XX, integrando a fase do surgimento de um ensino
autônomo de arquitetura no Brasil. Entre elas, em 1944, a Escola de Arquitetura de
Belo horizonte, em 1946, a Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro.
Em Porto Alegre, no ano de 1946, existiam dois cursos de arquitetura, um no
Instituto de Belas Artes e outro na Escola de Engenharia da atual UFRGS. Em São
Paulo, em 1947, foi criada a Faculdade de Arquitetura Mackenzie e, em 1948, a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. (JANTZEN, 2001)

A partir de 1956, a valorização do desenho técnico ocorreu devido a um


novo período de industrialização e a implantação da pedagogia tecnicista de

85
A obra de Benjamin de Carvalho é dessa época e foi utilizada como referência bibliográfica para o
ensino da geometria descritiva para engenheiros e arquitetos.
127

Juscelino Kubitschek. (CAMPOS, 2000) Marcou esse período, a promulgação da 1ª


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essa lei, de 1961, tornou
exclusividade dos cursos colegiais e superiores o estudo das disciplinas de desenho
geométrico e desenho técnico. A 2ª LDB deixou de tratar o desenho como disciplina
e passou a entendê-lo como conteúdo relativo às artes e ao estudo da matemática.
Formando uma ‘geração sem desenho’, a 2ª LDB durou por 25 anos, até que entrou
em vigor a 3ª LDB, em 1996, que não especificou exigências sobre o desenho.
(KOPKE, 2006)

Entretanto, na lei de Diretrizes Curriculares para o ensino de arquitetura, de


1996, no artigo 5 º recomendou-se que o curso de arquitetura e Urbanismo deve
formar um profissional com habilidades de desenho e o domínio da geometria, de
suas aplicações e de outros meios de expressão e representação, tais como
perspectiva, modelagem, maquetes, modelos e imagens virtuais.

Nesse contexto de pouca exigência legal para o ensino do desenho, este


passou a ser abordado nos livros de matemática com teor quase sempre teórico.
Concentrado na representação de formas geométricas, para compreensão de suas
propriedades ou para ser tratado como acessório para o cálculo numérico.
Raramente eram estabelecidas relações com as suas aplicações, quer artísticas,
quer técnicas. (Kopke, 2006) Isso contribuiu para o ensino de geometria descritiva
na arquitetura como um saber não aplicado, abstrato, que sobreviveu por sua
tradição de ensino no contexto que acabamos de explicar. Uma sobrevida
respaldada, nos tempos atuais, pela possiblidade dessa teoria ser incorporada aos
sistemas virtuais de representação.
128

DESCONSTRUINDO A TEORIA
MONGEANA

Os traçados, os modelos, as arquiteturas, permanecem quase


intocados pelos desenvolvimentos da teoria, embora nela estejam
presentes como uma inserção possível, contidos no desdobramento
de enunciados cuja capacidade de generalização ultrapassa o
horizonte dos estudos que lhes deram origem.

(OLIVEIRA, 2000)

Como vimos na Parte I deste trabalho, a representação arquitetônica é


resultado da presença de um homem inserido no seu mundo, alicerçada no
entendimento do diálogo estabelecido pelo homem com o espaço que representa
em diferentes contextos históricos e culturais. Na tecitura das linhas deste diálogo é
o corpo que se coloca no mundo como sujeito, “o corpo é o lugar de toda travessia
na aventura humana” (KEIL, 2004, p. 9). Nesse sentido, na sua condição humana, o
corpo que representa deixa emergir uma pluralidade de possibilidades de
representação, que potencializam o projeto arquitetônico apresentando
deslocamentos entre a percepção e a abstração. Entre essas possibilidades
apresenta-se a teoria mongeana, que foi ‘pontuada’ neste trabalho e que nesta parte
desconstruimos, para atender aos objetivos desta pesquisa.

Desenvolvemos esta desconstrução da obra Géometrie descriptive de


Gaspard Monge nos dois capítulos que compõe esta parte II. No capítulo 1,
129

Descobrindo a teoria mongeana, tratamos de desmontar criticamente a parte inicial


dessa obra publicada em 1799, incluindo aí os conteúdos da sua capa, do índice,
das recomendações e do programa. Essa parte inicial é introdutória às lições de
Monge. Em Replicando a teoria mongeana, capítulo 2, onde as lições da geometria
descritiva são fragmentadas e criticadas seguindo a ordem exposta por Monge,
tratamos da desmontagem dessas lições, que se encontram agrupadas em cinco
partes, organizadas por Hachette. Formatamos estes dois capítulos com extensões
diversas em decorrência da quantidade de páginas da Géometrie descriptive
abordadas por cada um, embora sempre buscando igual profundidade na análise
dos conteúdos dessa obra de Monge.

O que ora apresentamos como parte II, configurando a desconstrução da


teoria mongeana, foi assim intitulado em razão de duas intensões básicas. A
primeira, que desconstruir revele a separação das lições em partes para análise
minuciosa. E, a segunda, no sentido de desestruturar, para que possa ganhar nova
significação. Essa desconstrução, aplicada na exposição original de Monge (1799), é
oportuna no debate que desenvolvemos neste trabalho acerca da inserção da
geometria descritiva na arquitetura. Assim, apresenta-se possível a discussão de tal
teoria, eliminando distorções que tenha sofrido - através de sua substituição no
sistema de ensino, largamente difundida, por produções subseqüentes - conforme
evidenciamos na parte I deste estudo. Esta parte então, nos seus escritos, permite
concluir sobre as hipóteses levantadas inicialmente neste trabalho.
130

DESCOBRINDO A TEORIA
MONGEANA

Não fechei os olhos, não tapei os ouvidos


Cheirei, toquei, provei
Ah! Eu usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E por isso que eu me sinto
Cada vez mais vivo, cada vez mais vivo.
(LINS & MARTINS, 1981).

O jogo da representação é a busca não centrada exclusivamente no objeto,


mas armado na dialeticidade que o homem mantém com o universo. Nessa relação,
a representação produz a união do imaginário com a razão, como produção cultural
de um contexto histórico específico. Interpretar a inserção da teoria da
representação mongeana, no contexto cultural em que foi produzida, contribui com a
ciência na busca de verdades. Os gregos chamavam a verdade de aletheia, isto é,
descobrir, desvelar, justamente a que nos propomos neste capítulo.

Essencialmente, a geometria descritiva insere-se como representação


arquitetônica em um período peculiar, do período das revoluções até o presente. Ou
seja, em um recorte temporal da visão mecanicista de progresso crescente. Uma
visão que trata a representação em arquitetura: primeiro, extinguindo o olho real do
observador, com a sua substituição por um olho irreal no infinito, até, depois,
131

adicionar o computador como prótese em quem representa com olhos, mãos e


cérebro parcialmente substituídos. Assim, o progresso atinge as sociedades em vias
de modernização, abarcando suas estruturas de produção, poder e pensar nas quais
se insere a representação arquitetônica, ancorada em profundas contradições do
projeto de modernização universal-iluminista.

Portanto, neste capítulo Descobrindo a teoria mongeana, tratamos de expor


estruturas de produção e poder do mundo moderno86 como pano de fundo à crítica
sobre o pensamento de representação mongeana, essência deste trabalho. Na
amplitude requerida no estudo apresentado neste capítulo foram consultados
autores de diversas áreas, entre os quais Belhoste, Borda, Cardone, Cattani,
D’Agostino, Diehl, Ferro, Fuão, Gani, Gutiérrez, Jantzen, Mahfuz, Machado,
Martínez, Rodrigues, Taton.

1.1 A CAPA

“GEOMETRIA DESCRITIVA. Lições dadas às Escolas Normais, no ano 3 da


República; por Gaspard MONGE, do Instituto Nacional. Paris, BAUDOIN, Impressão
do Corpo Legislativo e do Instituto nacional. Ano VII” (tradução nossa)87 é o
conteúdo apresentado na capa do livro de Monge com carimbo da École
Polytechnique (anexo 02). Essa obra, a partir de sua capa, revela a profunda
vocação de Monge pela didática, por não publicar sua geometria descritiva em um
volumoso e complexo tratado, mas sim transcrever as suas lições de aula. Ainda,
mostra o seu envolvimento com a reforma de ensino francesa nos moldes ditados
pela política da França, aplicada na École normale e na École Polytechnique, onde
Monge ensinava.

86
“[...] Podemos garimpar elementos originários e como representação alternativa no começo do
mundo moderno a partir do Renascimento e da Reforma, porém a forma mais nítida desse mundo
desenvolve-se a partir do iluminismo e de sua tormentosa trajetória na posterior consolidação das
sociedades industriais, tecnológicas e burocráticas [...]” (DIEHL, 1997, p.27).
87
”GÉOMETRIE DESCRIPTIVE. LEÇONS DONES AUX ÉCOLES NORMALES, L'AN 3 DE LA
RÉPUBLIQUE; Par Gaspard MONGE, de l'Institut national. PARIS, BAUDOIN, Imprimeur du Corps
législatif et de l'Institut national. AN VII.”
132

Como justificativa de tais revelações, feitas a partir da capa de Géométrie


Descriptive são adequados os comentários de Gani (2004, p.22)

Monge foi membro de algumas das inúmeras comissões criadas na


época, que tinham por objetivo organizar um país em crise. É
incontestável que tais posições serviram de veículo para a propagação
da Geometria descritiva. Mais um fator relevante na divulgação dessa
ciência reside no fato de Monge ter sido um excelente e entusiástico
professor, conforme o relato dos biógrafos consultados, muito dos
quais, ex-alunos. É, também, indubitável que a diversidade de
interesses do autor contribuiu, de maneira efetiva, na elaboração dessa
ciência.

Ao comparamos algumas capas de tratados sobre representação (ver anexo


2), precedentes à publicação da Géométrie Descriptive (1799), com a capa dessa
obra, evidencia-se a não pretensão de Monge em expor sua teoria como um tratado
que se impõe por sua apresentação no sentido estético. Difere, portanto, de outras
capas apresentadas. A teoria de Monge possuía outras forças para ser incorporada
e valorizada no domínio do saber, já que as forças do poder político, organizadoras
do sistema de ensino na França, encobriam a necessidade de uma capa vistosa.

A capa de Géométrie descriptive apresenta informações com tamanhos de


letras hierarquizados e organizados em uma diagramação centralizada
complementada pela tipoideografia. Aparecem então, dois tipos de linhas, um fino e
contínuo e um de espessura variada com engrossamento na parte central, como
digressões que separam as palavras da capa.

Centralizado no alto da folha aparece escrito “G É O M É T R I E” com as


maiores letras encontradas nessa capa e, logo abaixo, ainda centralizado, está
escrito “D E S C R I P T I V E”. A diferença de tamanho de letras mostra que
geometria é geral, e descritiva uma de suas partes, a que Monge sistematizou e
apresentou por escrito pela primeira vez no Projet d’écoles secondaires pour artisans
et ouvriers, para ser anexado ao projeto de organização do ensino francês e que foi
apresentado, em setembro de 1793 à Convenção pelos representantes do
departamento de Paris. Nesse texto Monge apud Taton (1992, p. 579), explicou que
a descritiva é uma parte da geometria: “a ordem de tal concessão de conhecimento
é fundar uma geometria particular de três medidas sobre a qual não existe tratado
bem feito; uma geometria meramente descritiva, mas rigorosa, e que o objetivo é
133

representar por desenhos que só têm duas medidas os objetos que tem três”.
(tradução nossa)88

Abaixo do título da obra, “G É O M É T R I E D E S C R I P T I V E”, feita a


primeira digressão na capa com linha fina, aparece a complementação “L E Ç O N S
D O N E S A U X É C O L E S N O R M A L E S, L' A N 3 D E L A R É P U
B L I Q U E; PAR GASPARD M O N G E , de l’ Institut nacional”. Essas
informações que seguem a linha fina encontram-se hierarquizadas em tamanho. Em
letras maiores está escrito “L E Ç O N S” e, a partir daí, diminuindo de tamanho,
aparecem as informações restantes, ocorrendo em cada sinal de pontuação uma
troca de tamanho. A indicação da autoria escapa da hierarquia destacando o seu
sobrenome com letras maiores do que o nome.

Na seqüência, centralizada, esta colocada a linha de espessura descontínua


apartando os textos informativos do assunto e autor da obra dos que informam sobre
local e data de sua publicação, ou seja, o conteúdo da obra, do tempo e espaço em
que foram produzidos.

“P A R I S”, escrita com altura próxima de “D E S C R I P T I V E”, devemos


interpretar como indicativo de status do que é produzido na França, que de fato no
âmbito cultural destacava-se na época da publicação de MONGE (1799). Nesse
contexto do poder francês controlando o ensino para atender seus interesses de
desenvolvimento, as lições de Monge, de 1799, dadas na École Normale, são
incorporadas na École Polytechnique e daí, com muitos alunos de Monge na École
Polytechnique abandonando a França, contribuíram para a divulgação da geometria
descritiva em outros países que viviam as novas exigências produtivas. A geometria
mongeana foi então, rapidamente difundida em vários países, seja na versão original
ou em traduções, e adotada nas principais escolas politécnicas.

A partir da Géométrie Descriptive de 1799, segundo Belhoste e Taton


(1992), foram editadas duas publicações: uma de 1811, aos cuidados de Hachette,

88
“L’ordre de connaissance don til s’agit ici est fondé sur une géométrie particulière des trois
dimensions don til n`existe pas de traité bien fait; sur une géométrie purement descriptive, mais
rigoureuse, et dont l’objet est de représenter par de dessins qui n’ont que deux dimensions des objets
qui em ont trois.”
134

substituindo as Adições da obra original por um Suplemento e, outra de 1820,


publicada por Brisson, na qual foram acrescentadas três lições inéditas com o título
de Théorie des ombres e de la perspective. Ainda, segundo os mesmos autores,
reedições posteriores e traduções são reproduções dessa última, exceto as
traduções espanhola de 1803 e a inglesa de 1809, feitas a partir da edição original.
Entretanto, Gani (2004) ressalva que, embora publicada em 1812, a tradução para o
português contém as ‘Adições’ e não os ‘Suplementos’, o que leva a acreditar que
também tenha sido elaborada com a edição de 1799.

“B A U D O U I N”, é a editora que trata da impressão

“A N O V I I.”, encerra o texto da capa e comunica, além da data da


publicação em si, que a obra é parte do contexto da Revolução Francesa, uma vez
que situa o tempo pela Proclamação da República Francesa no ano de 1793. Assim,
as lições de Monge, vinculam-se com duas datas importantes da Revolução
Francesa : 1795 e 1799. Essa Revolução iniciou-se em 1789, com a Constituição da
Assembléia Nacional e a tomada da Bastilha. Em 1793, foi destronado e decapitado
o Rei Luis XVI e proclamada a República Francesa em 22 de setembro, seguindo
com Robespierre à cabeça dos jacobinos em um regime de terror, até 1795, quando
se funda o Diretório. Monge era jacobino. Foi neste ano de 1795 que Monge deu
suas lições na École Normale, as quais foram publicadas em 1799. Esta última data
coincide com o ano que Napoleão, amicíssimo de Monge, deu o golpe de estado
que o elevava ao poder substituindo o governo do Diretório que não dava conta dos
problemas da França.

1.2 O ÍNDICE

Logo seguindo a capa, "o índice das matérias contidas neste volume"
(tradução nossa)89 apresenta, em três folhas, o conteúdo das 128 páginas da obra,
constituído de programa e cinco capítulos numerados em romano, com ausência de

89
“Table des matières contenues dans ce volume.”
135

títulos e as ‘Adições’, que são anexadas na seqüência dos cinco capítulos sem
paginação.

A publicação contém ainda, vinte e cinco pranchas de desenho,


acrescentadas no final da obra, com numeração própria em romano. Essas pranchas
apresentam 50 figuras, sobre as quais são feitas referências no desenvolvimento
dos capítulos e foram desenhadas por Girard90.

Cabe lembrarmos que o índice relaciona o conteúdo das nove primeiras


lições91, que foram dadas no anfiteatro do Jardin des Plantes, em aulas que tinham a
duração de 45 minutos, lecionadas para aproximadamente 1200 alunos, na École
Normale. Monge complementava algumas dessas lições, as quais ele julgava não ter
desenvolvido suficientemente, na Igreja da Sorbonne, onde ficavam as salas de
desenho e eram executados trabalhos práticos. Entre as aulas ocorreram debates
que foram substituídos por trabalhos práticos, após o terceiro debate. (GANI, 2004)

No intuito de transformar essas aulas em livros elementares, as lições foram


estenografadas, por profissionais vinculados à École Normale e publicadas no
Journal des Séances des Ecoles Normales. Reunir em um só volume, na Géométrie
descriptive, publicada em 1799, as lições que estavam dispersas no Séances, foi
uma idéia de Hachette e da esposa de Monge. Do curso que foi ministrado em treze
lições e três debates na École Normale, não foram publicadas as quatro últimas
lições porque Monge não concordou com o texto dos estenógrafos.92 Após o
trabalho dos estenógrafos, os professores podiam corrigí-las e complementá-las

90
Antes da abertura dos cursos da Escola Politécnica foi criado um escritório de desenhistas que sob
direção de Eisenman executavam os desenhos que distribuíam aos alunos e, Girard fazia parte desse
grupo de desenhistas. (HACHETTE, 1828 apud GANI, 2004)
91
As lições na École Normale , estruturam-se em nove lições iniciais tratando da exposição do
método e de questões teóricas da geometria espacial. Acrescentam-se a essas, outras três, nas
quais, Monge falou de sombras, da perspectiva aérea e da perspectiva linear, respectivamente. E, na
última aula, foram apresentadas reflexões sobre a importância de introduzir a Geometria descritiva no
ensino público. (GANI, 2004)
92
Um ex-aluno de Monge, Brisson recebeu essas quatro lições estenografadas da viúva de Monge.
As três primeiras lições, foram revistas e publicadas com acrécimos por Brisson no Traité de
Géométrie descriptive de 1820. A primeira sobre determinação geométrica das sombras, a segunda
sobre perspectiva aérea e a terceira sobre perspectiva linear. A última, reflexões gerais sobre as
vantagens da introdução da Geometria descritiva na instrução pública, que não foi publicada por
Brisson, parece ter se perdido definitivamente. (LAURENT, 1992 apud GANI, 2004)
136

antes que fossem impressas. Belhoste e Taton (1992), não têm dúvidas que Monge
utilizou essa possibilidade para elaborar a parte gráfica que não pode expor no
anfiteatro. (GANI, 2004)

A compilação das nove lições iniciais de Monge dadas na École Normale,


organizadas por Hachette, apresentam fidelidade ao texto dos estenógrafos, exceto
por correções de erros tipográficos e pela correção da medida, passando a antiga
para o sistema métrico, já oficializado na época. Hachette, entretanto, interferiu na
organização do texto e introduziu algumas frases de ligação entre as lições.
Acrescentou ainda, três complementos que são as ‘Adições’. (BELHOSTE e TATON,
1992) Após serem organizadas por Hachette, as lições e suas adições são
publicadas como Géométrie Descriptive, em 1799.

No sentido de comparar a organização das lições de Monge, dadas na École


Normale com a organização dessas lições feita por Hachette, expomos a seguir o
índice da obra publicada em 1799, estabelecendo correspondência com o índice das
lições originais de Monge que foram estenografadas. Especificamos na coluna da
esquerda o índice de 1799 e na coluna da direita as lições originais de Monge. O
índice da coluna da direita foi organizado com as respectivas datas por Gani (2004)
com base nas lições que podem ser encontradas em L’École Normale de l’na III de
Leçons de Mathématiques (DHOMBRES, 1992, p. 305-459) e nas datas referentes
às aulas de Monge na École Normale relacionadas por Belhoste e Taton (1992).

Lições dadas na École Normale, an III Lições dadas na École Normale, an III
(organizadas por Hachette) (originais de Monge)

Programa, páginas 1-4

I.

No1. Objetivo da geometria descritiva, 5 1ª lição: (1er pluviôse/20 de janeiro)


1Objetivos da Geometria descritiva.
2-9. Considerações segundo as quais se
2-5 Reflexões sobre o sistema ideal de
determina a posição de um ponto referência.
situado no espaço (Fig. 1-3) 5-15 6 Projeções de um ponto.

10. Comparação da geometria descritiva 2ª lição: (9 pluviôse/28 de janeiro)


137

com a álgebra, 15-16 7 Projeções de uma reta.


8 Construção da épura.
9 Determinação do tamanho de um
segmento de reta, oblíquo aos dois
planos de projeção.
10 Considerações sobre sólidos
poliédricos.
Primeiro debate (11 pluviôse/30 de
janeiro)
Segundo debate (16 pluviôse/4 de
fevereiro)
11-13. Convenção própria para 3ª lição: (21 pluviôse/9 de fevereiro)
expressar as formas e as posições das 11 Considerações sobre a representação
das superfícies curvas.
superfícies. Aplicação ao
12 Considerações sobre a geração das
plano, 16-21 superfícies.

14-22. Soluções de várias questões 13 Geração de um plano por duas retas.


Representação de um plano.
elementares relativas à linha reta e ao
14 Primeira questão: Por um ponto dado,
plano (Fig. 4-11), 21-29 construir as projeções de uma reta
paralela a uma reta dada.
15 Segunda questão: Por um ponto dado,
construir os traços de um plano paralelo a
um plano dado, também por seus traços.
16 Terceira questão: Dados um plano
(por seus traços) e um ponto, determinar:
1° as projeções da reta perpendicular,
baixada do ponto ao plano; 2° o ponto de
interseção entre essa reta e o plano.
17 Quarta questão: Por um ponto dado,
construir os traços do plano perpendicular
a uma reta dada.
Terceiro debate (26 pluviôse/14 de
fevereiro)
II.
23-26. Dos planos tangentes às 4ª lição: (14 ventôse/19 de fevereiro)
superfícies curvas, e das suas 18 Quinta questão: Construir a reta de
interseção entre dois planos, dados por
normais, 29-32 seus respectivos traços.

27-31. Método para conduzir planos 19 Sexta questão: Construir o ângulo


entre dois planos, dados por seus
138

tangentes por pontos dados nas respectivos traços.


superfícies (Fig. 12-15), 32-39 20 Sétima questão: Construir o ângulo
formado por duas retas dadas.
21 Oitava questão: Construir o ângulo
entre uma reta e um plano (dado por
seus traços).
22 Considerações sobre a construção de
um mapa.
Nona questão: Construir a projeção
horizontal de um ângulo entre duas retas,
conhecendo este ângulo e os ângulos
que cada uma das retas faz com o plano
horizontal.
23 Considerações sobre os planos
tangentes e as retas normais às
superfícies curvas.
24 Exemplo de aplicação de plano
tangente e reta normal, na Arquitetura.
25 Exemplo de aplicação de plano
tangente e reta normal, na Pintura.
26 Considerações sobre a aplicação de
planos tangentes e retas normais na
resolução de problemas.
27 Método geral para determinação do
plano tangente, e da reta normal, a uma
superfície curva conhecendo o ponto de
contato.
28 Primeira questão: Construir um plano
tangente a uma superfície cilíndrica, por
um ponto da curva.
29 Segunda questão: Construir um plano
tangente a uma superfície cônica por um
ponto da curva.
30 Terceira questão: Construir um plano
tangente a uma superfície de revolução (
em torno de um eixo vertical), por um
ponto da curva.
31 Quarta questão: Construir as
projeções da menor distância entre duas
retas e determinar sua verdadeira
grandeza.

32. Das condições que determinam a 5° lição: (11 ventôse/1° de março)


32 Considerações sobre a deteminação
139

posição do plano tangente a uma do plano tangente a uma superfície


curva, por um ponto fora da curva.
superfície curva qualquer; observação
33 Exemplo de aplicação de planos
sobre as superfícies desenvolvíveis, tangentes, na Fortificação.
. 39-41 34 Exemplo de aplicação de planos
tangentes, na Pintura.
33-34. Dos planos tangentes às
35 Considerações sobre planos
superfícies, conduzidos por
pontos tangentes à superfície da esfera.
dados no espaço, 41-43 36 Primeira questão: por uma reta dada,
construir o plano tangente à superfície de
Do plano tangente à superfície de uma uma esfera dada.
ou de várias esferas. Propriedades 37 Segunda maneira de resolver a
notáveis do círculo, da esfera, das mesma questão.
seções cônicas e das superfícies curvas 38 Propriedades notáveis do círculo, da
esfera, das seções cônicas e de
de segundo grau. (Fig. 16-22), superfícies curvas do segundo grau,
páginas 44-55 decorrentes da questão anterior.
39 Proposições particulares que são
Do plano tangente à uma superfície corolários imediatos da questão
cilíndrica, cônica, à uma superfície de precedente.

revolução, por pontos dados fora destas 40 Proposição geral da questão


precedente.
superfícies (Fig. 23-25), 55-59
41.Segunda questão: Por um ponto dado,
construir um plano tangente, ao mesmo
tempo, a duas esferas dadas.
42 Terceira questão: construir um plano
tangente ao mesmo tempo, a três esferas
de grandezas e posições dadas.
43 Considerações sobre a questão
precedente.
44 Proposição decorrente da questão
precedente.
45. Quarta questão: Por um ponto
tomado arbitrariamente, construir um
plano tangente a uma superfície cilíndrica
dada.
46 Quinta questão: Por um ponto tomado
arbitrariamente, construir um plano
tangente a uma superfície cônica dada.
47 Sexta questão: Por uma reta dada,
construir um plano tangente a uma
superfície de revolução conhecida.
140

III.
48. Das intersecções de superfícies 6ª lição (21 ventôse/11 de março)
curvas. Definição das curvas de dupla 48 Considerações sobre as intersecções
de superfícies curvas.
curvatura, 59-60
49 Considerações sobre as operações de
49-50. Correspondência entre as Análise.
operações da geometria descritiva, e as 50 Correspondência entre as operações
da Análise e os métodos da Geometria
de eliminação algébrica, 60-62 descritiva.

51-56. Método geral para determinar as 51 Considerações sobre o método de


determinar as projeções das interseções
projeções das intersecções de de superfícies curvas.
superfícies. Modificação deste método 52 Primeiro problema geral: Construir as
em alguns casos particulares (Fig. 26), . projeções da curva de dupla curvatura
segundo a qual duas superfícies, de
62-66 gerações dadas, se cortam.
57-58. Das tangentes às intersecções de 53 Adaptação do método para outra
posições das superfícies que se
superfícies 66-68 interceptam.

59-83. Intersecções das superfícies, 54 Adaptação do método para superfícies


cônicas.
cilíndrica, cônica, etc. Desenvolvimento
55 Adaptação do método para superfícies
destas intersecções quando uma das cilíndricas.
superfícies para as quais elas pertencem 56 Adaptação do método para superfícies
é desenvolvível (Fig. 27-35), 68-86 de revolução.
57 Considerações sobre a reta tangente,
84-87. Método de Roberval para tirar e o plano normal, em um ponto qualquer
uma tangente a uma curva que está de uma curva de intersecção.
dada por uma lei de movimento de um 58 Segundo problema geral: Por um
ponto qualquer da interseção de duas
ponto gerador. Aplicação deste método à superfícies curvas, traçar a tangente a
elipse e a curva resultante da esta interseção.
59 Aplicações a casos particulares.
intersecção de dois elipsóides de
Primeira questão: Construir a interseção
revolução, que tem um foco em comum entre uma superfície cilíndrica dada a um
plano de posição conhecida.
(Fig. 36-37), 86-88
Primeiro caso: em que a geratriz da
superfície é perpendicular a um dos
planos de projeção e o plano secante é
perpendicular ao outro.
60 Construção da curva de interseção, na
141

forma como ela se apresenta em seu


plano.
61 Determinação da tangente à
interseção, por um ponto qualquer da
curva, no caso precedente.
62 Propriedade pertinente à curva de
interseção.
63 Traçado da curva de interseção na
superfície cilíndrica desenvolvida.
64 Propriedades pertinentes aos
elementos de uma curva desenvolvida.
Segundo caso: em que a superfície
cilíndrica e o plano secante encontram-se
em qualquer posição em relação aos
planos de projeção.
65 Solução do segundo caso.
66 Determinação da tangente à
interseção.
67 Construção da curva de interseção, na
forma como ela se apresenta em seu
plano.
68 Determinação da tangente, no caso
precedente.
69 Segunda questão: Construir a
interseção entre uma superfície cônica
dada e um plano de posição conhecida.
70 Determinação da tangente à
interseção, por um ponto qualquer da
curva.
71 Construção da curva de interseção, na
forma como ela se apresenta em seu
plano.
72 Determinação da tangente, no caso
precedente.
73 Terceira questão: Construir a
interseção de duas superfícies cônicas,
de base circulares, cujos eixos são
paralelos entre si.
74 Determinação da tangente à
interseção, por um ponto da curva.
75 Traçado da curva de interseção nas
superfície cônica desenvolvida.
142

76 Quarta questão: Construir a interseção


de duas superfícies cônicas, de bases
quaisquer.
77 Determinação da tangente à
interseção, por um ponto da curva.
78 Quinta questão: Construir a interseção
entre uma superfície cônica, de base
qualquer, e a superfície de uma esfera.
Solução para o caso em que o cone e a
esfera são concêntricos (o vértice do
cone coincide com o centro da esfera).
79 Determinação da tangente à
interseção, por um ponto da curva.
80 Solução para o caso em que o cone e
a esfera não são concêntricos.
81 Sexta questão: Construir o
desenvolvimento de uma superfície
cônica de base qualquer, e representar,
sobre a superfície desenvolvida, uma
seção de projeções conhecidas.
82 Sétima questão: Construir a
interseção de duas superfícies cilíndricas
de bases quaisquer.
83 Oitava questão: Construir a interseção
de duas superfícies de revolução cujos
eixos estão em um mesmo plano.
84 Método para determinar a tangente a
uma curva conhecida pela lei do
movimento de um ponto gerador (método
de Roberval).
85 Considerações sobre esse método.
86 Exemplo da utilização desse método.
87 Outro exemplo, análogo ao primeiro.
IV.
88-102. Aplicações das intersecções das 7ª lição: (1er germinal/21 de março)
superfícies à solução de diversas 88 Considerações sobre a substituição da
Análise pela Geometria descritiva, na
questões (Fig. 38-42), 89-104 solução de um grande número de
questões.
89 Considerações sobre a maneira
conveniente de tratar a geometria.
90 Primeira questão: Encontrar o centro e
143

o raio de uma esfera cuja superfície


passa por quatro pontos quaisquer do
espaço.
91 Simplificação do processo precedente
em função da escolha conveniente da
posição dos planos de projeção.
92 Segunda questão: Inscrever uma
esfera em uma pirâmide triangular dada;
quer dizer, encontrar a posição do centro
da esfera e a grandeza do seu raio.
93 Posição dos planos de projeção que
facilitam a construção do problema
precedente.
94 Terceira questão: Construir as
projeções de um ponto do qual são
conhecidas as distâncias a três outros
pontos dados no espaço.
95 Quarta questão: Determinar, sobre
uma planta topográfica (projeção cotada),
a posição e a cota de um ponto notável.
96 Construção da questão precedente.
97 Advertência sobre a possibilidade de
erro na questão precedente.
98 Quinta questão:Resolver a questão
precedente, munido de outros dados.
99 Demonstração de simplicidade
decorrente da solução (da questão
precedente) pelos métodos da geometria
descritiva em comparação aos
procedimentos da Análise.
100 Construção da mesma questão pelos
métodos da Geometria descritiva.
101 Sexta questão: Executar o
levantamento topográfico de um terreno,
do interior de um aerostato.
102 Construção da mesma questão, por
um procedimento simplificado.
v.
103-109. Considerações gerais para 8ª lição: (11 germinal/31 de março)
desenvolvimento. Das curvas planas e 103 Considerações a respeito do ensino
da geometria descritiva para alunos de
de dupla curvatura, de seus escolas secundárias e para os
respectivos professores.
144

desenvolvimentos, de suas Curvatura e evolutas das curvas de dupla


desenvolvidas, dos raios de curvatura curvatura
(Fig. 43-44), 105-109 104 Como a devoluta se forma a partir da
evoluta. Ponto de reversão.
110-112. Da superfície, que é o lugar 105 Exemplo nas artes: utilização da
geométrico de desenvolvimento de uma devoluta do círculo.
curva com dupla curvatura; propriedade 106 Como a evoluta pode ser formada
pela devoluta. Raio e centro de curvatura,
notável de desenvolvimento,
107 Considerações para as curvas de
considerada sobre esta superfície. dupla curvatura.
Geração de uma curva qualquer com 108 Centro e raio de curvatura em cada
dupla curvatura por um movimento ponto de uma curva de dupla curvatura.
contínuo (Fig.45), 110-112 109 Superfície que é o lugar geométrico
dos pólos de uma curva de dupla
curvatura.
110 Propriedades de que gozam as
superfícies precedentes.
111 Como gerar uma curva qualquer, de
dupla curvatura, por um movimento
contínuo.
112 Superfície desenvolvível formada
pelas interseções consecutivas dos
planos normais a uma curva plana.

113-124.Das superfícies curvas. 9ª lição: (21 germinal/10 de abril)


Demonstração da seguinte proposição: “ 113 Divisão das superfícies, em três
classes, em função de suas curvaturas.
Uma superfície qualquer não tem em
114 Considerações a respeito das
cada um dos seus pontos senão duas superfícies cilíndricas. Posição relativa
curvaturas; cada uma destas curvaturas dos planos que contém três normais à
superfície cilíndrica, duas a duas.
tem um sentido particular, seu raio
115 Posição relativa de duas normais,
particular; e os dois arcos sobre os quais tiradas de dois pontos distintos da
se medem estas duas curvaturas são superfície cilíndrica.
perpendiculares à superfície” (Fig. 46- 116 Conclusões a respeito dos centros e
raios de curvatura de qualquer superfície
48), 112-120 desenvolvível.

125-131.Das linhas de curvatura de uma 117 Considerações a respeito de uma


superfície curva qualquer. Geração de
superfície qualquer; de seus centros de uma superfície cilíndrica que envolve a
curvatura, e da superfície que é seu superfície considerada. Curva de contato
entre as duas superfícies consideradas.
145

lugar geométrico. Aplicação à divisão do 118 Investigação do caso particular em


arco em partes e à arte de desenhar que a superfície curva é do segundo
grau.
(Fig. 49), 120-128
119 Investigação do caso em que a
superfície curva é gerada por uma curva
plana fixa em seu plano, quando este se
move sobre duas superfícies curvas
dadas. Caso particular das superfícies de
revolução.
120 Considerações análogas às da
questão precedente, para todos os
demais casos.
121 Posições relativas de duas normais,
tiradas de dois pontos consecutivos de
uma superfície curva.
122 Generalização da questão
precedente para a superfície esférica e
algumas superfícies de revolução.
123 Proposição sobre a existência de
duas curvas em cada ponto de uma
superfície qualquer.
124 Considerações a respeito do sentido
das duas curvaturas de cada ponto, em
diferentes superfícies. Estabelecimento
de área mínima.
125 Conseqüências que sucedem de
duas curvaturas de uma superfície curva
cujo conhecimento é importante aos
artistas. Divisão de uma superfície em
zonas, delimitadas pelo par de curvas de
cada um de seus pontos.
126 Exemplo para superfície de
revolução cujas linhas de curvatura são
os meridianos e os paralelos.
127 Considerações a respeito das
superfícies geradas pelas normais tiradas
dos pontos de cada uma das linhas de
curvatura.
128 Investigação de casos particulares.
129 Conclusão das considerações
precedentes.
130 Exemplo na Arquitetura.
131 Exemplo na gravura.
146

ADIÇÕES.

I.

Continuação do número 4. Três


superfícies cilíndricas circulares, que se
cortam, tem em geral oito pontos
comuns.

II.

Continuação do número 12. Da geração


da superfície reversa. (Se chama assim
a superfície que envolve o espaço
percorrido por uma reta). Da superfície
reversa que pode ser gerada por uma
reta de dois modos diferentes.

III.

Continuação do número 30. Do plano


tangente à uma superfície reversa.

Fim do Índice das matérias.

Observamos na numeração que organiza o índice da obra de 1799, uma


interrupção na sua seqüência, entre os números 34 e 48. Tal falta é reproduzida na
tradução espanhola de 1803, entretanto podemos saber de que conteúdo se tratava
acompanhando as lições originais de Monge antes de serem organizadas por
Hachette.

Podemos dizer que os conteúdos expostos no índice acima, organizado por


Hachette sobre a representação do espaço, reconhecidos como o método de
Monge, buscam uma grafia da matemática, apresentando um modelo gráfico do
espaço baseado no sistema cartesiano. Portanto, a aproximação dos conteúdos
147

explicitados nesse índice da teoria mongeana com a arquitetura deve-se aos


operadores intrínsecos a esse sistema de representação. Exemplificando tais
operadores podemos pinçar alguns: espaço, superfícies, formas, pontos, retas e
planos.

1.3 A ADVERTÊNCIA

A Advertência, na quarta página não numerada da obra, explica que o


tratado contém uma teoria completa da parte da geometria, com o nome de
geometria descritiva, e esclarece que o cidadão Gaspard Monge deveria fazer a
aplicação da geometria descritiva à construção da perspectiva linear, à determinação
das sombras nos desenhos, à descrição dos elementos de máquinas, etc. Ainda,
expõe que no programa precedente à obra é também anunciado que Monge teria de
fazer tais aplicações práticas; já devendo ter gravado os desenhos que serviriam de
modelo aos alunos da École Polytechnique para o estudo do corte das pedras, da
carpintaria, da perspectiva e das sombras; porém, as diferentes missões que
recebeu do governo e que o enviaram para o Egito, o impediam de terminar esse
trabalho.

Conforme Cardone (1996, p. 41-42) “fato é que, no plano de Bonaparte,


Monge tem um papel muito importante, dificilmente atribuível a outros cientistas, [...].
O general, de fato, não pensa a Campanha do Egito somente como uma expedição
militar, mas também como uma campanha de pesquisa científica, que nenhum pode
conduzir melhor do que seu amigo de Beaune.” (tradução nossa)93

Monge começou a fazer parte do restrito círculo de amizades de Bonaparte,


em Milão, entretanto, foi em Passeriano94, no final de agosto de 1797, que os dois

93
“Fatto è che, nel piano di Bonaparte, Monge há um ruolo molto importante, difficilmente attribuibile
ad altri scienziati, [...] . Il generale, infatti, non pensa alla Campagnha d’Egitto solo come ad una
spedizione militare, ma anche come ad uma grande campagna di ricerca scientifica, che nessuno può
guidare meglio del suo amico di Beaune.”
94
Segundo Gani(2004), Monge participou de uma comissão que foi à Itália para recolher as obras de
arte que as cidades deveriam entregar à França; de Roma, seguiu para o château de Passeriano,
148

puderam verificar interesses em comum: a começar pela ciência, sobretudo a


matemática - verdadeira paixão do general - e a história. Além disso, o general
percebeu em Monge um fervoroso revolucionário e esperto cientista, com qualidades
de sábio conselheiro para seus projetos e um formidável aliado, em grau de
assegurar aportes do mundo cultural e científico que lhe eram necessários.
(Cardone, 1996)

O empenho revolucionário de Monge deveu-se muito a sua origem não


aristocrática, que gerou dificuldades no reconhecimento de seu talento, levando-o a
desejar uma sociedade mais justa e igualitária. Foi então natural sua adesão com
entusiasmo ao movimento revolucionário, contribuindo para ele com seus aportes
científicos. 95

Embora, Monge seja mais conhecido nos livros de história da ciência como
matemático, algumas vezes como físico, e em dicionários enciclopédicos como
engenheiro, a primeira cátedra que obteve foi a de físico, e se fez conhecer e afirmar
no ambiente científico por seus estudos sobre a aplicação da análise às
propriedades infinitesimais das curvas e das superfícies, legando importantes
contribuições à analise matemática. Dessa maneira, de acordo com Cardone (1996),
Monge inseriu-se rapidamente na elite acadêmica, chegando ao ambiente francês
mais progressista, no qual o empenho cultural e científico não era somente voltado
para as especulações teóricas, mas também para as pesquisas aplicadas,
relacionadas à profunda renovação da sociedade, na Idade das Luzes.

Na ciência iluminista na França, a sedimentação da análise matemática


como linguagem para a física representava a ascenção da Academia de Paris como
o local privilegiado para a discussão do conhecimento científico então produzido,
como boa ou má ciência. Passava, então, a análise matemática, a ser um
instrumento de poder que desprezava os cientistas amadores. Ainda, a utilização da

perto de Udine, onde conheceu o General Bonaparte. Monge despertou admiração e confiança no
general, tendo sido incumbido por ele para, juntamente com o general Berthier, levar o texto de paz
de Campo-Formio para Paris. Ainda, Bonaparte determinou a formação de uma comissão científica
para explorar os países que fossem conquistados, que incluía os nomes de Bertholet e Monge, como
cientistas para participarem da expedição do Egito.
95
Sobre o empenho revolucionário de Monge trata detalhadamente Cardone (1996).
149

matemática buscava afastar a metafísica da ciência, tornando-se inimigos da


superstição e da fé religiosa os membros da Academia, como justificativa da ciência.
Assim, os homens de ciência começaram a ser valorizados pelo Estado, o que se
constituía em outra forma de controle dos cientistas e rejeição dos cientistas
amadores. A Academia, então, separava talento de falsa inspiração, e verdade de
erro, a partir de 1785, com Condorcet como seu secretário, fixando a ciência como
critério de legitimação política. (BRAGA et al, 2005)

Com o poder político valorizando a ciência, os poderes da Igreja são


atacados e celebraram-se então, o ritmo da natureza e do homem, comemorando a
vitória da Revolução. Como potente valor anticristão, aconteceu a reforma do
calendário, que eliminava os símbolos mais fortes da Igreja: as festas religiosas, os
santos dedicados aos dias e o repouso dominical, extinguidos junto com a
organização semanal. O ano do novo calendário começava dia 22 de setembro de
1792, no dia seguinte à supressão da monarquia, com os meses divididos com base
no sistema decimal. (CARDONE, 1996) Monge, já reconhecido como cientista,
trabalhou no sistema de pesos e medidas que determinou o sistema decimal e
também no calendário da Revolução Francesa, que exemplifica seu
comprometimento científico como fervoroso revolucionário do que decorre sua
predileção para acompanhar Bonaparte nas expedições.

A explicação dada na advertência desta obra sobre a dificuldade de Monge


em dedicar-se na sua publicação com as aplicações da geometria descritiva por
seus envolvimentos com o governo francês concorda com Fiocca (1992), que diz
que esta obra foi publicada aos cuidados de Hachette, em 1799, recolhendo a maior
parte das lições ministradas por Monge na Escola Normal, entre janeiro e maio de
1795.96

96
Estas lições haviam sido publicadas junto com aquelas de outros cursos da Escola Normal em Lés
Séances des Écoles Normales recuillies par des sténographes et revues par des professeurs. Paris,
Reynier, 1795., com diferenças segundo René Taton, em particularidades como a mudança de letras
nas figuras, a recolocação de frases de transição e inserção de pequenas notas suplementares.
(FIOCCA, 1992). Taton (1951), ao relacionar as obras científicas de Monge, apresenta a obra
Geometria Descritiva de 1799 como a publicação das lições da Escola Normal em volume separado
pelo senso de Hachete, reforçando a idéia que a responsabilidade da publicação ficou a cargo deste
aluno de Monge.
150

Esclarece ainda a advertência que o impedimento de acrescentar à teoria da


geometria descritiva suas aplicações nesta obra leva a pensar sobre a utilidade de
publicar separadamente a primeira parte do trabalho, a qual poderá colocar o leitor
em condições de fazer, ele mesmo, as aplicações. Conclui dizendo que a linearidade
e a simplicidade do tratado fazem com que o mesmo possa ser compreendido por
quem conheça a geometria elementar97.

Sobre a questão de expor a teoria da geometria descritiva e deixar para o


leitor fazer as suas aplicações conforme adverte Hachette, concordava o próprio
Monge, o qual, segundo Gani (2004), dedicava dois meses ao ensino da apreensão
do método, e muito mais tempo às diversas aplicações do método, exigindo esforço
mental dos seus alunos.

1.4 O PROGRAMA

Em síntese, a nova disciplina, no programa, vem apresentada dentro do


âmbito de uma renovação educativa nacional sobre o conhecimento dos objetos que
exigem exatidão, considerada como a primeira obra elementar sobre geometria
descritiva. Tornada impressa por não ser viável um curso de geometria descritiva
simplesmente oral e para ser aplicada na escola normal.

Ainda no programa, são evidenciados alguns conceitos que revelam a


inserção da obra na sua própria sociedade. Entre esses conceitos aparecem os de
produção, especialização, influência no capital e plano de educação nacional, ou
seja, conceitos estreitamente direcionados à industrialização crescente. Nesta parte
da obra de Monge, encontramos abertura para a crítica de um discurso logocêntrico-
científico, próprio da episteme moderna iniciada no iluminismo, o qual busca o
sujeito que representa baseado na razão. Cabe, para uma leitura nas entrelinhas do
programa, a interpretação de Diehl (1997): em algum ponto do caminho, a razão,
como sujeito pensante, terminou aprisionando a sociedade, o indivíduo, o próprio

97
Pode-se entender por geometria elementar, a geometria euclidiana que segundo Canal (1999) é
considerada até a atualidade como base de toda geometria.
151

pensamento, deslocando para segundo plano, os perigosos impulsos brotados da


crítica, da diversidade e da troca inseparável da história.

1.4.1 O PENSAMENTO MODERNO E O ILUMINISMO

O termo moderno, em sua expressão latina modernus, é conhecido desde o


final do século V que, à essa época era cristão, opondo-se ao pensamento do
período precedente, que era romano e, portanto, pagão. O novo termo extrapolava
os vínculos religiosos, associado ao social e cultural. Surgiu assim, um conceito
conotado ao novo e ao atual, não no sentido literal, mas sim entendido como um
modo distinto e determinante de conceber o presente, em antagonismo com o
passado. (GUTIÉRREZ, 2003)

Nesta visão, o conceito de moderno adquire uma elasticidade que o mantém


no tempo, e pretendemos aqui, estabelecer um ponto de vista sobre o moderno,
esclarecendo o que tem tal conceito de significativo nesta investigação.

Alberti, no seu tratado Da pintura de 1435, já se referia ao artista moderno.


Na história da ciência, o moderno aparece entre 1550 e 1560. Entretanto,
consideramos o conceito de moderno vinculado ao iluminismo, por entender que
depois do período medieval europeu e da renovação renascentista, a influência que
a revelação divina exercia sobre o pensamento vai sendo substituída pela razão com
que acena a ciência. Os valores do iluminismo adotavam a razão aristotélica como
uma vocação, unificadora e universal, a exemplo do modelo religioso exercido na
Idade Média, provocando um corte temporal.

Podemos garimpar elementos originários e como representação


alternativa do começo do mundo moderno a partir do Renascimento e
da Reforma, porém a forma mais nítida desse mundo desenvolve-se a
partir do iluminismo e de sua tormentosa trajetória na posterior
consolidação nas sociedades industriais, tecnológicas e burocráticas
que se desenvolvem na segunda metade do século XIX. (DIEHL, 1997,
p. 27)

Não podemos negar que a mudança de paradigma que ocorreu no final do


século XVIII, atrelava-se a uma consciência de que se estava vivendo algo muito
novo e atual, como não havia acontecido em outras épocas. Tal paradigma levava a
152

reconhecer esse período como intensamente moderno e serviu de invólucro à teoria


mongeana.

1.4.2 REPRESENTAÇÃO E PODER

A revolução Industrial penetrou na França com grande ímpeto, atrasada


cerca de três décadas em relação à Inglaterra, à Alemanha e aos Estados Unidos e,
de acordo com Diehl (1997, p. 40): ”toda passagem de época é anunciada por uma
transformação das categorias epistemológicas, das formas de pensamento e da
percepção do mundo coletivo”.

Assim, a nova maneira de representar o espaço, pela geometria descritiva,


profundamente inserida no contexto econômico da produção industrial, é explicitada
por Monge desde a primeira linha do programa: “Para tirar a nação francesa da
dependência que até hoje tem vivido da indústria estrangeira [...] necessitamos, em
primeiro lugar dirigir a educação nacional para o conhecimento dos objetos que
exigem exatidão,[...]”. (tradução nossa) 98

Concluimos com clareza, a partir da leitura do programa de Monge, que sua


teoria da representação estabelece fundamentos que pretendem colocar em
movimento a esteira da produção de objetos com exatidão. Esses fundamentos,
como serão expostos adiante, tratam de uma linguagem simbólica. Cattani (2001),
afirma que no momento que são idealizados símbolos gráficos para registrar uma
tarefa a ser executada, esse simbolismo traz implícito um elemento de mando.
Registra-se não apenas a tarefa, mas a hierarquia que deverá ser obedecida daí em
diante, passando o poder a associar-se aos que detém a informação, e a submissão
aos que a ela não tem acesso.

Argumentando, sobre a inserção da linguagem simbólica na arquitetura,


mais especificamente no projeto, antes que isso possa ser interpretado,

98
"Pour tirer la nation française de la dépendance où elle a été jusqu'à présent de l'industrie
étrangère[...]il faut, premièrement dirigir l''education nationale vers la connoissance des objets qui
exigent de l'exactitude, [...]"
153

equivocadamente, como o que origina a sociedade desigual, afirmamos que o


projeto com sua linguagem simbólica é um meio de trabalho e também uma
mercadoria necessária numa sociedade desigual. Jantzen (2001, p.262) explica que
“o projeto é, originalmente, uma necessidade numa sociedade desigual, assim como
a matemática e a geometria (derivada da antiga agrimensura)99, porque numa
sociedade desigual não são asseguradas a todas as pessoas as mesmas condições
de construir as competências comunicativas, ou interpretativas para programar suas
atividades (técnicas ou simbólicas). Exemplos da representação simbólica no
projeto, em sociedades desiguais, encontramos vasculhando a história da
representação em arquitetura, ainda anterior às lições de Monge.

Os escravos egípcios, no máximo, necessitavam saber desenhar o suficiente


para interpretar um desenho no momento que uma tarefa lhes fosse atribuída.
Entretanto, nem todos precisavam dessa competência, o que dependia da
conveniência desta do ponto de vista dos escravizadores. Distinguidos entre os que
sabiam e os que não sabiam desenhar retroalimentavam a divisão do trabalho,
justificada nos hábitos de vida e nas práticas comunicativas. (JANTZEN, 2001)

Ao contrário dos escravos egípcios, era exigida dos arquitetos egípcios a


mais elevada sabedoria, permitindo-lhes acesso a toda documentação e
conhecimentos arquivados o que podemos interpretar como seu reconhecimento
social.100 Na condição de homens cultos, compartilhavam do convívio do Rei.
Embora conhecessem o cálculo e a geometria, a sua ligação com a classe
sacerdotal implicava em seus saberes serem considerados de caráter revelado e a
concepção arquitetônica de autoria divina. Justamente esse processo inventivo, que
era considerado revelado superiormente permitia aos arquitetos um
conservadorismo em relação às normas codificadas com a existência de segredos

99
Diferente do que primariamente comenta-se que a geometria nasceu da necessidade de medir as
terras, essa necessidade nasceu secundando a manutenção da hieraquia social. Através da
cobrança de impostos nas terras medidas mantinha-se os soberanos.(SERRES, 1993)
100
A deusa da Arquitetura para os egípcios era Seshat, Senhora dos construtores, da escritura e da
casa dos livros, portanto associando tutelas teórico-práticas. Por vezes Seshat é substituída nas
representações pictográficas de louvor à Arquitetura por Thot, o deus egípcio da ciência, ou por Ptah,
deus egípcio das artes. (BRANDÃO, 2004)
154

101
gremiais. Formavam-se então, autênticas dinastias profissionais de vínculos
familiares, exercendo a profissão de arquiteto resultante de encomendas estatais102.
(BRANDÃO, 2004) E mantinha-se a divisão do trabalho vinculada à representação.

Nas corporações de ofício, valendo-se de uma divisão de classes pré-


existente, a codificação, ainda que restrita nos registros gráficos, potencializava a
separação entre os que detinham o saber e os que não o detinham com extrema
rigidez. Enquanto a codificação gráfica era limitada, ampliavam-se os limites da
desigualdade entre os profissionais das construções medievais com o
estabelecimento de uma ‘codificação profissional’. O saber aprendido no canteiro
mantinha o segredo corporativo. 103

101
Atualmente, segundo Oliveira (2002), parece que não restam dúvidas de que a civilização
Mesopotâmica na Caldéia e Suméria, antecedeu de certo tempo aquela que se desenvolveu no Egito.
Encontramos então, na Mesopotâmia, relações de poder com a representação arquitetônica
precedentes às egípcias. Na estátua do Gúdea, um construtor e governador da cidade-estado de
Lagash na Caldéia, mais tarde conhecida como Babilônia, de acordo com Borges (2001) parece estar
representando um dos primeiros registros de desenho arquitetônico: a planta de um templo de 2130
a. C. é encontrada em uma placa no colo da estátua, juntamente com um instrumento de inscrição e
uma barra com demarcações de medida, lembrando um escalímetro.
Essa escultura é conhecida como “L’Architecte au Plan” e faz conjunto com outra, também de Gúdea
de Lagash, conhecida como “L’Architecte à Lá Règle”. O simbolismo é bastante claro nas estátuas de
Gúdea, revelando que o personagem representado dedicava-se às atividades de arquitetura
privativas dos intelectuais, especialmente dos sacerdotes que monopolizavam a cultura da época. Os
tabletes das duas esculturas seriam quase idênticos, não fosse a planta baixa no tablete da primeira
escultura. Essa diferença leva a acreditar que as duas atitudes do Gúdea representam duas fases do
projeto arquitetônico: a meditação e a realização. (OLIVEIRA, 2002)
“Na Mesopotâmea (sic) o templo de Lagash era explicado como tendo sido revelado ao Rei Gudea
em sonhos. A lenda contava que o Rei guardava o segredo das suas medidas, que fora ele mesmo a
estabelecer as dimensões e iniciar os alicerces. Será daí que provêm a ainda sobrevivente cerimônia
do lançamento da primeira pedra das novas construções, na qual é invariavelmente protagonista, não
o arquitecto (sic) mas os poderosos que o contratam e que têm o poder ou o dinheiro para construir.
Na realidade o Rei ou o Faraó eram clientes, e sem dúvida que seria um autêntico arquitecto (sic)
quem preparava as técnicas e desenhos de base para a construção, dentro das normas da profissão
(quase sempre hereditariamente, numa contiguidade(sic) de conceitos entre profissão e família).
(BRANDÃO, 1994, p. 8)”
102
Um arquiteto estatal ocupava posição elevada na hierarquia social, que seu título poderia ser
adjetivado com vários cargos ou qualidades honoríficas, como por exemplos: “Conselheiro do Rei”,
“Administrador do Grande Palácio”, “Nobre Hereditário”, “Grande Sacerdote”, “Arquiteto de Todas as
Obras da Rainha”, “Guardião Chefe da Filha do Rei”, entre outros.(BRANDÃO, 2004)
103
Contrariando a visão de alguns autores que tratam o perfil do arquiteto medieval como um
trabalhador manual sem estatuto, sabe-se segundo Brandão (2004) que arquitetos que conduziram a
construção das Igrejas Românicas, posteriores ao milênio, eram rudimentarmente educados em
mosteiros. Com uma educação direcionada para as letras, o cálculo, alguma tratadística e a religião,
o seu acesso à profissão fazia-se através de organizações gremiais herdadas dos Collegium, as
quais constituíram-se nas primeiras lojas Maçônicas. Essa lojas estruturavam-se na conservação e
155

Entre os séculos XIII e XIV, os que detinham a direção dos trabalhos, com
amplo domínio do ofício e da tarefa a ser realizada, possuíam o saber-fazer que
absorvia o saber-representar.104 Como característica da produção manufatureira-
artesanal, que vigorou até a Renascença, do desenho que sugeria alguns temas
para reflexão, reservando-se ao bom artesão a sua complementação, passou-se ao
desenho percebido da mesma maneira pelo possuidor dos diferentes códigos.
Assim, o saber-fazer na arquitetura perseguiu o saber, no qual se incluiu o da
representação.

Nesse sentido, segundo Ferro (2005, p. 94),

o desenho, gravando um saber meio apropriado, meio derivado da


nova situação da produção, envolve de anacronismo o saber ainda
exclusivamente transmitido pela experiência. [...] sustenta uma primeira
hierarquização pela exclusão de alguns. O preço da univocidade da
informação é seu monopólio inicial e seu estranhamento: editada pelos
mestres, sua imagem não inclui mais a familiaridade de que se nutriu.

O canteiro de construção constituía-se no lugar por excelência do


aprendizado do ofício da arquitetura até que, dos ateliês dos pintores e escultores,
em especial do Renascimento italiano, nasceram academias de arte, escolas de
formação em arquitetura. Tais academias asseguravam aos arquitetos, a inclusão no
domínio de toda a obra, dirigindo trabalhos de pintores, escultores, pedreiros,
carpinteiros. Essa concepção validava a já existente divisão do trabalho do sistema
de corporações de ofícios, incorporando o projeto como transmissor de idéias entre
os que sabem e não sabem; e, atrelado ao projeto, o seu sistema de representação.

Em seguida, com a Revolução Francesa, o ensino de arquitetura passa por


um desprestígio até o final da Revolução moldado pelos ideais democráticos do
lema Liberté, Egalité, Fraternité. Quando começaram a se debilitar esses ideais, com
a burguesia no poder, essa mesma burguesia recorre à arquitetura como

transmissão dos segredos profissionais dentro do grupo fechado da corporação, em específico sobre
a geometria, a mecânica dos andaimes e a estereotomia.
104
Os desenhos de análise geométrica para a obteção das formas assumiram grande destaque no
mundo medieval, especialmente depois da tradução e divulgação da geometria de Euclides, no
século XII, constituindo-se em segredo profissional pelo menos até o século XV. Na segunda metade
do século XV a rigidez do sigilo sobre as construções não mais se mantinha. Em 1486, Matthäus
Roriczer publicou um livreto que discordava do segredo imposto no estatuto dos talhadores de pedra,
ensinando como, a partir da planta de um pináculo, fazer a sua construção. Este exemplo, sobre
assunto quase idêntico, foi seguido pouco depois por Hanns Schmuttermayer. (OLIVEIRA, 2002)
156

instrumento de status e poder. Embora a codificação de Monge, seja sistematizada


nos ideais democráticos, na prática contribuía com diferenciar os que sabem dos
que não sabem e, assim, a geometria descritiva pode ser vista como um instrumento
de dominação social vinculado à arquitetura a serviço da burguesia.

Sintetizando, a codificação do projeto é um requisito das desigualdades


sociais, que se instalaram na sociedade antes mesmo da própria codificação, e a
extinção da codificação não faria a abolição das desigualdades. Com esta idéia
concorda Jantzen (2001, p.263):

o projeto precisa do desenho e o desenho tem que ser comunicável


pelo menos no que precisa atingir seus executores, para orientar suas
ações.[...] Projetar usando desenho codificado tem sido a solução
possível de realizar a comunicação entre desiguais, tanto na esfera do
trabalho intelectual, como no manual, e entre as duas esferas também.
[...] Até que me provem o contrário, creio ser esse o fundamento
necessidade do projeto nas sociedades complexas: um meio de
comunicação de mão-dupla, que acentua a desigualdade, ao mesmo
tempo que vincula os desiguais no processo de trabalho, os quais
possuem hierarquias compatíveis com a desigualdade social geral.
Nesse contexto, as lições da École Normale, de 1975, foram apresentadas
para a renovação educativa francesa, em 1799, dedicadas em particular ao ensino
na École Polytechnique, onde Monge exercia grande influencia. Monedero (2003)
explica que, com a criação da École Polytechnique, apareceu no cenário acadêmico
um tipo de instituição com a formação de quadro de dirigentes cuja missão principal
era reforçar a autoridade dos poderes públicos.

Evidentemente, enquanto os professores da École Polytechnique, entre os


quais Monge, reforçavam a autoridade dos poderes públicos, tratavam de reforçar a
desigualdade social, o que nos leva a afirmar que as lições de Géométrie descriptive
serviram ao poder francês, buscando formar profissionais capazes de alavancar a
economia francesa. Em decorrência desse contexto, Monge propôs então, uma
reviravolta na situação de descuido em que se encontrava o conhecimento sobre os
objetos que exigem exatidão, afirmando ser necessário acostumar a mão dos
artistas a trabalhar com precisão, tornando esta qualidade valorizada pelos
consumidores, os quais deveriam pagar o preço justo por tal trabalho.

[...] os consumidores, sabendo apreciar a exatidão, poderão exigi-la em


todas as coisas, y estimar-las por seu preço justo [...]
É preciso, em segundo lugar, tornar popular o conhecimento de um
grande número de fenômenos naturais, indispensáveis ao progresso da
indústria, e aproveitar, para o avanço da instrução geral da Nação[...]
157

E enfim difundir entre nossos artistas o conhecimento dos


procedimentos das artes, e o das máquinas que tem por objetivo, ou
diminuir a mão de obra, ou dar aos resultados do trabalho mais
105
uniformidade e precisão [...]. MONGE (1799, p. 1,tradução nossa)

Com o advento da Revolução Industrial, de natureza mecânica, como


prolongamento e multiplicação da força física, a milenar estrutura artesanal e rural
responsável pelo que chamamos de arte foi sendo gradativamente abalada.
Entretanto, não levada de roldão nas atividades industriais pelo desenho industrial,
defende Pignatari (1974).

A decisão de publicar: GEOMETRIA DESCRITIVA. Lições dadas às Escolas


Normais, no ano 3 da República; por Gaspard MONGE, do Instituto Nacional. Paris,
BAUDOIN, Impressão do Corpo Legislativo e do Instituto nacional. Ano VII, como
uma teoria de representação, revela o desejo de que esse sistema representativo
passe a ser referência nos novos ensinamentos e a nova maneira na produção dos
objetos106.

105
“[…] les consommateurs, devenus sensibles à l’exactitude, pourront l’exiger dans les divers
ouvrages, y mettre le prix nécessaire […]

Il faut, en second lieu, rendre populaire la connoissance d’un grand nombre de phénomènes naturels,
indispensab le aux progrès de l’industrie, et profiter, pour l’avancement de l’instruction générale de la
nation, […]
Il faut enfin réprandre parmi nos artistes la connoissance des procedes des arts, et celle des
machines qui ont pour objet, ou de diminuer la main-d’oeuvre, ou de donner aux résultats des travaux
plus d’uniformité et plus de précision [...]”

106
O método da geometria descritiva apresentado nesta obra foi concebido por Gaspard Monge no
fim dos seus primeiros anos de ensinamento na Ècole du Génie de Mèziéres, entre 1770 e 1775,
embora só mais tarde com a renovação geral que acompanhou a Revolução Francesa se constituiu
em ensinamento. Monge contribuiu com a reorganização do sistema escolar francês, aplicando a sua
teoria em duas importantes escolas criadas pela Convenção: a Ècole Normale do ano III e a École
Centrale de Travaux Publics, a futura École Polytechnique. Os ensinamentos de geometria descritiva
na politécnica não fogem ao papel central do envolvimento de Monge na criação desta escola. Na
escola normal, concebida para formar professores para o primário e depois transformada em escola
para futuros professores de escola secundária, o ensino da geometria descritiva revela a influência de
Monge e seu programa de colocar a disciplina como uma linguagem gráfica universal e um pilar do
novo sistema educativo francês ( Fiocca, 1992).
O currículo da Escola Normal, combinava teoria e prática para uma formação aplicável às
manufaturas, coincidindo com o período do começo da Revolução Industrial, ao que Monge contribuiu
com a geometria descritiva.

Na Escola Politécnica, para a preparação de engenheiros civis e militares, eram considerados


necessários os ensinos da matemática, física e química; na formação matemática as bases se
constituíam com a geometria descritiva e com aplicações da análise à geometria e à mecânica.
(CABEZAS, 19??)
158

É necessário, entretanto, para que haja mudança no paradigma da


representação que, de fato, sejam envolvidas muitas pessoas. E isso pode ser
aplicado ao ensino, pois, como defende Pignatari (1974): acontece com todos os
meios de comunicação, que a múltipla e complexa rede das relações sociais e
humanas só parece alterar-se sensivelmente quando os meios ou veículos se
apresentam em quantidade expressiva. E nesse sentido de validar os objetivos de
sua teoria da representação, Monge (1799, p. 1) propõe que “[...] todos esses
objetivos só se conseguirão dando a educação uma direção nova [...]”(tradução
nossa) 107

A geometria descritiva é um sistema de representação atrelado ao período


histórico-econômico em que apareceu como ciência, devido ao próprio mecanismo
de associação entre seu sistema de representação e o período em que a
acumulação capitalista levou à concentração da produção, transformando o mestre
artesão em operário. Em seu livro Ver pelo Desenho (MASSIRONI,1982, p. 41),
relaciona os fundamentos da geometria descritiva com o sistema histórico-
econômico justificando essa relação:

Enquanto a geometria descritiva nega – nas relações entre os sinais –


a anisotropia do perceptivo, a ideologia democrático-burguesa nega o
significado das relações de classe, hipotetizando uma equivalência
entre os indivíduos, sacrificando a espessura às necessidades e ao
valor de troca. Uma e outra das duas operações levam a uma
simplificação que parece contribuir para a clareza e a ordem; trata-se
contudo de clareza e ordem fictícias, por um lado úteis ao capital e à
sua organização social para mimetizar com um manto moralístico e
ideológico os efectivos fins de uso-fruto e apropriação, e por outro para
ter um instrumento simplificado e formalizado tal, que o projecto ou o
plano com ele expresso possam ser lidos e tornados operativos sem
necessidade de interpretação: a máquina e a mão-de-obra
indiferenciada são o infinito ambiente que torna possível esta
transformação. O poder encontra um dócil instrumento de transmissão
do seu comando. Deste modo o intermediário-intérprete fica, por assim
dizer, ultrapassado.

E, como dócil instrumento de transmissão do poder, as lições de Monge


atingiam a todas as classes sociais. Monge (1799, p. 1-2) afirma que só se
conseguem os objetivos da sua nova disciplina dando à educação nacional uma
direção nova, “familiarizando desde já todos os jovens de talento, tanto aos que tem

107
“[...] toutes ces vues qu’en donnant à l’éducation nationale une direction nouvelle […]”
159

bens, para que algum dia possam fazer de seus capitais um emprego mais útil a si e
a nação, como àqueles que não tem mais do que sua educação, a fim de que
possam dar a seu trabalho maior preço”(tradução nossa)108.

Uma visão que pretendia através das ciências aplicadas às artes melhorar
as condições de vida e o crescimento pessoal dos jovens, num espírito de estado
democrático, embora representado por uma hierarquia do poder. Esse atrelamento
da representação com o poder persiste até a sociedade atual, e se faz presente na
representação da arquitetura, recebendo a crítica de Fuão (2004, p. 2) que afirma:
“infelizmente, a academia acabou por esquecer que toda representação, todo projeto
é essencialmente uma representação política, e omitindo essa dimensão acaba por
denegar sua representação ao outro, que é o Estado”.

Como, nessas circunstâncias, achar chocante que o desenho,


materialização da ruptura, saia do vazio que o gera, tome os corpos,
tenha regras e governe? Governa como preposto – mas não sofre
ênclise, guarda seu acento, se apresenta como fator autônomo, mesmo
não sendo. Representação é o seguinte: (segue o curso rançoso mas
constante nas faculdades de engenharia e arquitetura, desenho
técnico, geometria descritiva etc.) e ponto. De mansinho, lá do seu
silêncio, do seu canto, da sua situação dita modesta, de sua inodora
banalidade, dispõe dos que se agitam. Não entra em jogo, fica de fora:
continente é sua lei e o jogo sua atualização. (FERRO, 2005, p.109)

Concordando com as palavras de Ferro, afirmamos que a representação da


geometria descritiva no atual ensino de arquitetura, respalda o poder. Como
preposta do poder, separa os que sabem dos que não sabem representar e,
arquitetos de operários.109 Mantém a desigualdade social. Entretanto, no nosso
entendimento, manter a desigualdade social é diverso de criá-la. Em outros tempos,
como por exemplo nas corporações de ofício medievais, a desigualdade social era
tratada com mais rigidez. O que mudou de lá para cá, são as exigências da própria
representação, instaurando a codificação como ordem de produção atrelada ao
poder.

108
“C’est, d’abord, en familiarisant avec l’usage de la géométrie descriptive tous le jeunes qui ont de
l’intelligence, tant ceux qui ont une fortune acquise, afin qu’un jour ils soient en état de faire de leurs
capitaux un emploi plus utile et pour eux et pour la nation, que ceux même qui n’ont d’autre fortune
que leur éducation, afin qu’ils puissent un jour donner un plus grand prix à leur travail.”
109
Sobre a formação e qualificação de operários na construção civil, abordando aspectos de
representação arquitetônica, trata CATTANI (2001).
160

“O respeito às elites se dá pela impossibilidade dos demais em atingir o nível


das elites, tanto quanto pelos processos que essas elites engendram para impedir
que um tal objetivo possa ser alcançado” , afima Jantzen (2001, p.282). E, no caso
da geometria descritiva foi engendrada a codificação da representação como um
ideal oculto de desigualdade social.

1.4.3 REPRESENTAÇÃO, LINGUAGEM, VERDADE

Na intenção de cumprir suas metas acadêmicas de ensino da geometria


descritiva, Monge, no programa, apresenta os dois objetivos principais da geometria
descritiva:

Esta arte tem dois objetivos principais.

O primeiro é representar com exatidão, sobre os desenhos que


somente tem duas dimensões, os objetos que tem três, e que são
suscetíveis de definição rigorosa.

Sobre este ponto de vista, é uma língua necessária ao homem


engenheiro que concebe um projeto, aos que devem dirigir sua
execução e, enfim, aos artistas que, por si mesmos, devem executar
suas diferentes partes.

O segundo objetivo da geometria descritiva é deduzir da descrição


exata dos corpos tudo quanto se segue necessariamente de suas
formas e de suas posições respectivas. Neste sentido, é um meio de
investigar a verdade; oferece exemplos, continuamente, do passo do
conhecido ao desconhecido, e porque se acha sempre aplicada a
objetos suscetíveis de maior evidência, é necessário que entre no
plano da educação nacional [...] . (MONGE, 1799, p. 2, tradução
110
nossa)

Interpretamos os objetivos de Monge para seu sistema de representação


como complementares. Assim, fundindo suas pretensões, Monge queria uma
linguagem que buscasse a verdade.

110
"Cet art a deux objets principaux. Le premier est de représenter avec exatitude, sur des dessins qui
n'ont que deux dimensions, les objets qui en ont trois, et qui sont susceptibles de définition
rigoureuse. Sous ce point de vue, c'est une langue nécessaire à l'homme de génie qui conçoit um
projet, à ceux qui doivent en diriger l'exécution, et enfin aux artistes qui doivent eux - mêmes en
exécuter les différentes parties.Le second objet de la géométrie descriptive est de déduire de la
description exacte des corps tout ce qui suit nécessairement de leus formes et de leurs positions
respectives. Dans ce sens, c'est um moyen de rechercher la vérité; elle offre des exemples perpétuels
du passage du connu à l'inconnu; et parce qu'elle est toujours appliquée à des objets susceptibles de
las plus grande évidence, il est nécessaire de la faire entrer dans le plan d'une éducation nationale
[...]".
161

Diante da complexidade do que podemos entender por verdade, no sentido


de manter fidelidade aos escritos de Monge investigamos o sentido de verdade
primeiramente no dicionário, para estabelecer seu uso de consenso, depois
revisando o pensamento de Barthes e por último inserindo-o na história. No
dicionário, verité, como Monge escreve, quer dizer característica do que está em
verdade, conforme à realidade (tradução nossa)111. Então, uma linguagem que
comunicasse a realidade dos objetos é o que desejava Monge para representá-los,
no final do século XVIII.

A geometria descritiva, como encontramos nos seus objetivos (Monge, 1799,


p. 2), “é um meio de investigar a verdade; oferece exemplos, continuamente, do
passo do conhecido ao desconhecido”, opera como detetive que vasculha além das
aparências e encontra a realidade na exatidão da matemática, com interpretação
única.

Em Verdade e Crítica, Roland Barthes (1999) refere-se à verdade como algo


que gera interpretação única ou exata, como uma informação comum ao senso
crítico de todos aqueles que a vêem, a lêem. E, quem sabe, mesmo passando pela
crítica, não possa ser modificada ou vista de outra maneira, pois é verdade. Com
esse mesmo entendimento de verdade Monge busca eliminar na sua representação
as diversas interpretações, fundando-a sobre a descrição exata dos corpos
encontrada na leitura matemática.

No século XVII, por toda a Europa, surgiam as Academias, tanto de


conteúdo científico quanto artístico, como lugares em que se estavam assentando as
bases no novo pensamento que daria lugar a Ilustração. Arte e ciência, então,
estabeleceram suas próprias linguagens. A ciência encontrou nas matemáticas a
linguagem da razão, único sistema considerado capaz de explicar os fenômenos da
natureza. Enquanto, a arte, criou uma linguagem da expressão das emoções, regida
pela experiência sensível. (GUTIÉRREZ, 2003)

Na primeira metade do século XVIII, a verdade estabelecida pela aplicação


matemática às leis da natureza, parecia constituir uma realidade mais digna do que

111
Caractère de ce qui est vrai, conforme à la réalité.(VERBEEK, 1995)
162

oferecia o mundo sensível. A matemática encontrava o seu lugar nas


representações realizadas pelos sistemas de conhecimento, ocupando um lugar que
originalmente pertencia à natureza. Assim as abstrações representavam uma
realidade que não podia ser vista pela simples observação da natureza. A utilização
da linguagem matemática estava ligada à necessidade de retirar da ciência vestígios
da metafísica. Dessa maneira, membros da Academia de Paris, tornaram-se
inimigos da superstição e da fé religiosa, justificando a autoridade da ciência. Dentre
eles, Monge buscava o conhecimento dos objetos com base na matemática, como
“Descartes relaciona com a matemática tudo aquilo em que se examina apenas a
ordem e a medida sem considerar se é em números, figuras, astros, som, ou em
qualquer outro objeto onde se deva procurar medida semelhante” (SANTOS,
FOSSA, 2001, p.301).

Antes ainda de Monge, em 1687, Isaac Newton não só explicou o


funcionamento do universo, como também o comprovou matematicamente, com
base no pensamento de Descartes, que concebia a natureza como uma máquina
perfeitamente ordenada e governada por leis matemáticas e inteligíveis para a
ciência. Com Newton, é estabelecida uma nova visão de universo resultante das
transformações da ciência do século XVII, em especial sobre o conhecimento do
cosmos. Na cosmologia newtoniana, o Criador é um mestre em matemáticas e um
grande relojoeiro, e cabe ao homem decifrar a ordem matemática e divina do
universo.

Em 1795, no mesmo ano que Monge apresenta suas lições de geometria


descritiva na École Normale, William Blake, pinta Newton (figura 2.1). Nessa obra,
seu autor representa Newton como um demiurgo encurvado em direção a um papel
branco, com um compasso dourado, construindo figuras geométricas. Para Blake,
Newton, como a razão, cria um mundo limitado, representando com a linguagem
matemática a verdade da natureza. Newton está sentado em uma pedra, envolta em
uma natureza exuberante, mas de costas para ela. Não é a natureza sensível que
lhe interessa na sua representação, sua mente só pode usar linguagem abstrata.
Newton não necessita ver a natureza, ele a tem na sua cabeça. Tanto não lhe
interessa a natureza sensível que está pintada em anamorfose.
163

O corpo de Newton, revelando minuciosamente sua musculação, conota o


reforço do conhecimento científico sobre o cosmos com os avanços da biologia que
ocorreram na segunda metade do século XIII, após radicais transformações no
conhecimento da natureza com a mecânica no século XVII.

Fonte: www.eng.usf//EE/snider/ligth/artist/artists.html. Acesso em fevereiro de 2007.


Figura 2.1 – Newton de Blake (1795).

Blake foi implacável contra a ciência, em especial a newtoniana; o que


combatia era a razão que impunha limites à imaginação. A ideologia revolucionária
propunha uma razão que ia impondo-se como uma força, tão irracional como a
gravidade newtoniana e tão necessária como esta. Dotar de realidade a razão foi a
idéia encontrada para inseri-la como uma verdade possível no mundo, fazendo
assim um mundo científico real. A natureza encontrava-se pré-determinada pela
razão humana. A idéia de Deus já não era necessária para conseguir a unidade do
Universo científico. Laplace, questionado por Napoleão sobre o papel de Deus na
organização do Universo, explicava não necessitar essa hipótese. (GUTIÉRREZ,
2003)

Para Monge, a geometria descritiva era um procedimento de investigar a


verdade, uma verdade que perdia seu caráter quantitativo, uma vez que a
projetividade não conserva a totalidade das propriedades métricas das formas ao
serem projetadas, não conservando todas as medidas lineares e ângulos. A verdade
de Monge foi levada tão longe que fazia aparecer o concreto através de abstrações.
Nessa representação, eram superados os esquemas gráficos habituais da época,
164

distanciando-se da compreensão imediata do espaço, intrínseca da geometria


euclidiana.

Contemporaneamente à publicação das lições de Monge, Nicéphore Niépce


(1765-1833), como ele, acreditava que, mediante certas projeções do concreto,
podia-se impor à natureza toda a sua verdade, e intentava assim apanhar em uma
imagem a verdade mais fiel que nunca uma representação houvera podido arrancar
da realidade. Nicéphore estava criando a fotografia.

A fotografia mitifica a apreensão da verdade. Fuão (1992) em A arquitectura


como collage trata esta questão. No capítulo que intitula La ventana de Niepce
esclarece que a fotografia é uma falsa janela, que nos permite olhar para o exterior
sem comprometimento. E que fotografias comunicam os objetos com os objetivos da
câmara que se faz mimética ao corpo, jamais permitindo ao corpo ser ator e ao
arquiteto projetar espaços nos quais os corpos possam ser verdadeiramente atores
e espectadores ao mesmo tempo. Entretanto, a verdadeira janela - a arquitetônica -,
que permite a comunicação do dentro e do fora com o outro, existe a partir da
fotografia, quando se realiza a collage. Para Fuão fazer collage é abrir janelas em
falsas janelas, verdadeiramente um ato de iluminação. Assim, através da luz
podemos ver a verdade.

Fotografia e geometria descritiva são, assim, dois sistemas de


representação contemporâneos que produzem imagens pelas quais se busca uma
representação que contenha mais verdade que aquela advinda de nossos olhos,
porém apresentada sobre duas formas de realidade bem distintas. Uma muito
próxima da idealização teórica, outra muito próxima da experimentação prática,
dividindo ciência pura e ciência aplicada.112

A compreensão da fotografia, na sua busca pela verdade, requer que


vejamos a importância da luz e da distância. Ao fotografar o corpo, se esconde por
trás da câmera; a distância que se encontra do espaço que fotografa já não é mais a

112
Podemos lembrar que Monge interessava-se por química, que possibilitou o avanço da fotografia.
De acordo com Cardone (1996), o jovem professor convidava seus alunos a refletir sobre arte e sobre
ciência, sobre fenômenos da natureza e sobre indústria, levando-os em excursão aplicando
exercícios experimentais e práticos aos estudos teóricos.
165

mesma distância entre câmera e espaço. Fuão (1992) em Máquina de fragmentos


explica que a topologia do ato fotográfico inclui o corpo-olho provocando uma
relação homem-objeto anti-humanista; quem constrói o objeto arquitetônico é o olho
mecânico, que diz na sua visão o que é proibido ou não. A fotografia incorpora, na
prática, o distanciamento do observador real do espaço que representa, assumindo
o que a geometria descritiva já havia consolidado teoricamente. Aliás, a cena teórica
da visão nos vem dos gregos.

Essencial da geometria descritiva, a projeção nos remete para fora do


mundo. Em Origens da Geometria, Serres (1993) encontramos a explicação:
Aristófanes ou qualquer outro encenador ilusionista rodou os objetos. E os
espectadores rodaram em torno dele, em círculo. Esse círculo que nos interessa
definiu uma sucessão de pontos de vista em torno da coisa estável, a projeção ou o
sobrevôo do alto, de fora do mundo que os gregos tinham inventado como
habilidade suprema. Para eles, ver de cima ou de fora o mundo dava a quem
desenhava uma posição superior que fazia crer na democracia. Executar esse
desenho era uma demonstração da existência de outro mundo que permitia
esquecer a escravidão e os fardos reais, enquanto era criada a projeção como visão
teórica.

A projeção, da visão de fora do mundo, no seu conceito grego,


necessariamente distorce a verdade da realidade, como a fotografia na sua condição
mimética. Fuão (1992) afima que a princípio parecia tudo muito claro, a fotografia
seria o registro da realidade. Porém, sutilmente, a fotografia nascida da reação dos
sais de prata com a luz, engana os adoradores da luz e tranfigura todas as coisas
em objetos. A câmara pôs um plano objetivo entre a natureza e o indivíduo,
provocando uma experiência prática de visão de fora do mundo. A mesma visão
idealizada teoricamente na projeção.

Curioso é que, com as projeções que desde a sua origem conotam uma
visão de fora do mundo, a geometria descritiva consegue trazer a realidade qualquer
objeto imaginado com exatidão. Encontramos, então, a realidade através da
racionalização da imaginação, atuando sobre objetos racionais, e propiciando uma
linguagem universal.
166

Com os gramáticos de Port Royal, do século XVII a linguagem trata do


pensamento com leis iguais para todos, com os signos substituindo o objeto externo.
Esta gramática confere importância ao pensamento pelo destaque do signo
linguístico mental, guardando similaridade com a estrutura profunda do real, numa
expressão do significado comum a todas as línguas. A similaridade entre linguagem
e real obedece a um esquema cartesiano que conduz a padrões lingüísticos.

Segundo Foucault (1985) a Lógica de Port Royal introduz o conhecimento


formal da imagem enquanto signo e representação, através de desenhos,
cartografias e mapas que, expressando mais do que outras escritas e a palavra
falada, orientam o sujeito sobre uma dimensão visual. De acordo com este autor, a
maneira de utilizar a linguagem, numa dada cultura e num dado momento, está
intimamente ligada a outras formas de pensamento. Podemos entender a teoria
mongena como uma aproximação do que tinha ocorrido com a gramática de Port
Royal, na tentativa de unificação e racionalização da diversidade lingüística.

No capítulo III, Representar, de As palavras e as coisas, Foucault (1985)


trata sobre o distanciamento do signo da semelhança ou da afinidade na idade
clássica. Nessa época quando a Lógica de Port Royal dizia que um signo podia ser
inerente àquilo que ele designa ou dele separado, mostrava que o signo não é mais
encarregado de tornar o mundo próximo de si e inerente às suas próprias formas.
Ao contrário, passava a ser possível de extendê-lo, de justapô-lo segundo uma
superfície indefinidamente aberta e de prosseguir a partir dele o desdobramento dos
substitutos com os quais os pensamos. Daí, um sistema arbitrário de signos deve
permitir a análise das coisas nos seus mais simples elementos; deve decompor até a
origem; mas deve também mostrar como são possíveis combinações desses
elementos e permitir a gênese ideal na complexidade das coisas. Fabricar uma
língua que seja realmente a língua dos cálculos de um sistema que é artificial para a
descrição exata dos corpos, como tinha por objetivo Monge.

Do fracasso da Ilustração, em obter modelos que deixassem transparecer a


realidade a partir da razão, concebida como universal, condicionou-se a ciência do
século XIX, com a formação de uma idéia positivista para o conhecimento. O
objetivo, então, não era instituir um sistema capaz de descobrir a verdade universal
que existia na realidade, mas utilizar métodos para apreendê-la, oferecendo um
167

modelo inteligível e que facilitasse seu próprio desenvolvimento. Os sistemas


passaram a ser vistos como uma construção humana que facilitava a apreensão da
realidade e que, portanto, era capaz de garantir a universalidade do conhecimento.
Constituía-se, assim, o sujeito.

Então, no decorrer dos séculos XIX e XX, a partir da construção


epistemológica de que o conhecimento era uma construção do ser humano, as
linguagens específicas de cada disciplina, foram dotadas de importância,
ultrapassando as barreiras positivistas. Relações entre linguagem e sistema se
haviam feito essenciais e cabia à linguagem a responsabilidade determinante em
garantir a comunicabilidade do sistema. A partir de então, criavam-se linguagens,
mas se questionava sobre seu significado e coerência. A capacidade da linguagem
matemática em avançar teoricamente e, para criar modelos físicos, foi posta à prova,
mostrando extraordinário desenvolvimento ao mesmo tempo em que apresentava
seus limites. (GUTIÉRREZ, 2003)

Embora o propósito de Monge tivesse sido buscar a verdade, os limites de


seu próprio sistema não permitem a totalidade dessa verdade como pretendida. O
que validou seu sistema de representação foi o papel central da razão e do sujeito
pensante como paradigma de autonomia que pode explicar aspectos formais da
realidade.

Depois de expor os dois objetivos principais da geometria descritiva, Monge


(1799, p. 2) diz que a geometria descritiva interessa “[...] a propósito para exercitar
as faculdades intelectuais de um grande povo; e pelo mesmo contribuir a perfeição
da espécie humana, [...]também é indispensável a todos os operários, cujo objetivo
é dar aos corpos certas formas determinadas,[...]”. (tradução nossa)113

113
“[…]propre à exercer les facultés intellectuelles d’un grand peuple, et à contribuer par-là au
perfectionnement de l’espèce humaine, mais encore elle est indispensable à tous les ouvriers dont le
but est de donner aux corps certaines formes déterminées;[…]”
168

1.4.4 REPRESENTAÇÃO E PROGRESSO

Criticar a teoria mongeana, legitimada no racionalismo, necessariamente nos


leva a criticar a idéia de progresso, enraizada nas estruturas de pensamento dos
países industrializados. Monge (1799, p.2) reconhecia a sua teoria de representação
como semente do progresso, afirmando: “[...] os progressos tão lentos de nossa
indústria devem-se atribuir a que os métodos desta arte se difundiram até agora
muito pouco, ou quase se descuidaram por inteiro”. (tradução nossa)114 Nesta
afirmação, Monge reconhece que a indústria francesa ainda estava atrasada,
vinculando o progresso a uma maneira de pensar. Sobre a aproximação entre
progresso e pensar, Diehl (1997, p. 126) explica que “o progresso como modelo de
pensar é um fator social, um conseqüente fator mental dos princípios de vida”.

Desde meados do século XVIII, época das revoluções francesa e industrial,


a idéia de progresso operacionaliza a transformação da sociedade. Nessas épocas,
as ciências foram fragmentadas em diversas ciências, para as quais eram geradas
soluções disciplinares, normativas e excludentes em diversas teorias, incluindo aí a
teoria mongeana. Contudo, todas essas ciências abrigavam-se na idéia iluminista
que preconizava a unidade universal, sem dispensar o progresso como pilar
principal.

Para Foucault (1985), o progresso, como é definido no final do século XVIII,


na sua raíz não é um movimento interior à história, mas resultado de uma relação
fundamental entre espaço e linguagem. Este autor considera que os signos
arbitrários da linguagem e da escrita legam aos homens o meio de assegurar suas
idéias e de comunicá-las aos outros, acumulando descobertas. Foucault (1985),
entretanto, reconhece que o progresso só aprimorou os mecanismos de controle
social, mesmo com as idéias iluministas, que falsamente venderam a idéia do saber
como instrumento da liberdade, quando na realidade envolveram mais
profundamente no poder o conhecimento.

114
“[...]et c’est principalement parce que les méthodes de cet art ont été jusqu’ici trop peu répandues,
ou mêmepresque entièrement négligées, que les progrès de notre industrie ont été si lents.”
169

Em Antropologia do projeto, Boutinet (2002) apresenta uma crítica sobre a


noção de progresso. Foi com o iluminismo e, depois dele, com a industrialização,
que o conceito de progresso passa a ser valorizado. O progresso reclama um
aperfeiçoamento contínuo e não há progressão sem projeção, como se as nossas
sociedades precisassem de projeção para evoluir. O próprio termo projeto, surge de
maneira regular no século XV como pourjet e projet. Tem conotações com a
etimologia latina do verbo projicio, que podemos traduzir por lançar para frente, com
conotação de ordem espacial. Daí a relevância do projeto no progresso. Uma
primeira assimilação do projeto ao progresso foi feita em 1697, em An essay upon
projects, propondo um conjunto de regras destinadas a fazer com que a Inglaterra
saísse da situação arcaica em que se econtava. Grande número dessas regras foi
seguido pela França, por meio da Revolução, um século mais tarde. Justamente na
época em que Monge propõe sua representação para o projeto e, para o progresso.

Com a concepção de progresso como algo a ser instrumentalizado, foi-se


formando uma profunda experiência no tempo, vinculando e acelerando o processo
de transformação da sociedade estamental em uma sociedade burguesa. Tal
concepção de progresso, foi entendida, politicamente, como democratização, na
medida em que apostava nas minorias no poder, cuja não-humanidade seria
destruída em favor de um consenso legitimador; socialmente, como equalização,
asseguraria garantias individuais, eliminando obstáculos sociais e, culturalmente,
com tendência, ofereceria chances sociais iguais como processo de racionalização.
(DIEHL, 1997)

Então, podemos verificar o progresso preconizado por Monge com sua


teoria, não o analisando diretamente na indústria, mas sim, a partir do ensino de
Monge, que moveria a indústria. Seu ensino, do ponto de vista político, apesar da
aparente democratização, direcionava-se para uma minoria da população, os
professores da École normale e, após, para a restrita classe que podia freqüentar a
École Polytechnique. Para o próprio Monge, foi feita restrição em freqüentar essa
última escola pela sua condição de não ser nobre. Entretanto, tais segregações
legitimavam o poder. Suas lições desejavam, é claro que tendencialmente,
familiarizar todos os jovens de talento e, na realidade, elevavam as condições de
saber de alguns em nome do progresso.
170

1.4.5 REPRESENTAÇÃO NAS ARTES INCLUINDO A


ARQUITETURA

Monge expõe a geometria descritiva para todas as artes, entre as quais a


arquitetura, aproximando ciência e arte. “Do ponto de vista epistemológico, existe - e
é discernível – uma relação essencial e constitutiva entre arte e ciência [...] esta
relação entre arte e ciência é uma chave fundamental dos distintos papéis do sujeito
nos sistemas epistemológicos modernos” afirma Gutiérrez (2003, p. 347-348,
tradução nossa). 115

No período ilustrado, quando Monge sistematiza sua teoria da


representação, a episteme concebia a realidade simétrica com os enunciados do
sistema que dela tratavam, regidos por categorias universais. Nesse contexto, a
ciência inevitavelmente ligava-se ao inteligível, tendo a razão como fundamento
universal. Para a arte, apoiada no sensível, discutia-se se seu sistema era ou não
conhecimento, isso devido ao entendimento de que a sensibilidade dos sujeitos não
era igual para todos.

A arte seria conhecimento se encontrasse categorias universais, como a


ciência, capaz de ser submetida à razão, que garantiria sua universalidade. Não é
de estranhar que, nesse período, deram-se as maiores disputas sucedidas até então
do ponto de vista da teoria artística, pelo menos entre as instituições da época.
Enquanto a prática artística desenvolveu-se sem muitos atritos, a sua teoria
encontrava pontos de conflito com o pensamento da Ilustração. Durante esse
período do Iluminismo, buscaram-se soluções intermediárias entre os extremos em
que a arte se debatia, entre ser uma forma de conhecimento sancionada pela razão
e ser reconhecedora da sensibilidade, que não encontraram resultados satisfatórios
do ponto de vista teórico. (GUTIÉRREZ, 2003)

115
“desde el punto de vista epistemológico, existe -y es discernible- una relación esencial y
constitutiva entre el arte y la ciencia [...] esta relación entre arte y ciencia es uma clave fundamental
de los distintos papeles de lo sujeto en los sistemas epistemológicos modernos.”
171

Monge elaborou sua teoria da representação, com objetivos voltados à sua


aplicação prática nas artes, centrado na razão. Dessa maneira, epistemologicamente
submeteu a arte e ciência ao consenso da universalidade adquirida pela razão. Aqui,
investigamos como o pensamento de Monge influencia a arquitetura nessa época de
crise de identidade da arte.

Como profissão, justamente no ano da publicação de Géométrie descriptive,


o título de arquiteto encontrava-se em crise com o fechamento da Academia de
Arquitetura de Paris, em 1793. Graeff (1995, p. 59) afirma que:

A verdade é que, com o fechamento da Academia de Arquitetura e com


uma série de medidas administrativas mais ou menos confusas que se
seguiram, o título de arquiteto perdeu todo seu valor de status e
distinção à luz dos critérios oficiais e, de certo modo, da própria opinião
pública. Para poder usar o título de arquiteto era suficiente pagar taxa
em uma repartição burocrática – a autorização independia de estudos
formais realizados pelo postulante.

Estabelecermos a inserção do ensino da geometria descritiva para a


arquitetura, no momento de sua crise como profissão, implica em entender essa
teoria de representação como necessária para a qualificação dos novos arquitetos.
Esta idéia é muito clara nas palavras de Monge (1799, p.2): “A educação nacional
receberá uma direção vantajosa familiarizando nossos jovens artistas com a
aplicação da geometria descritiva às construções gráficas que são necessárias ao
maior número de artes [...]”. (tradução nossa)116

Esse novo rumo, com o surgimento da geometria descritiva para o ensino da


arquitetura, plasmava-se com as novas exigências que ocorreram a partir de
meados do século XVIII. Não se tornava necessário que a arte fosse deixada de
lado, entretanto não mais era possível uma arquitetura com ênfase nas artes
plásticas como vinha sendo tratada nos moldes acadêmicos. Foi mesmo dentro da
Academia de Arquitetura de Paris, fechada em 1793, que ocorreu a gestação do
ensino de arquitetura, desvinculado das novas exigências possibilitadas pela ciência

116
On contribuera donc à donner à l’éducation nationale une direction avantageuse, en familiarisant
nos jeunes artistes ávec l’application de la géométrie decriptive aux constructions graphiques qui sont
nécessaires au plus grand nombre des arts […]
172

iluminista. O que fez Monge foi propor uma representação adequada à sua época,
voltada então às exigências do Iluminismo. 117

Gaspard Monge, publicou as suas lições contemporaneamente ao discurso


Kantiano. Para Kant, o juízo estético consiste na faculdade de pensar, direcionada a
liberar a arte de artificialismos e arbitrariedades, conquistando algo de absoluto.
Portanto, sempre capaz de possuir princípios que busquem leis organizadoras, cria
uma sistematização do conhecimento que, embora separe a ciência da arte e da
moral, lhes inclui em uma organização na qual os objetos e as coisas em si são
reconstruídas pelo sujeito, quem lhes determina como se estruturam e se
relacionam. A concepção do espaço newtoniano permanece nas idéias de Monge e
Kant, aproximando ciência e arte.

Antes das lições de Monge, no século XVII, arte e ciência buscaram formas
de conhecimento que se constituíram em sistema, já no século XVIII, com suas
bases, foram mais adiante, e buscaram um modo de sistematizar o próprio sistema.
A ciência apoiava-se na objetividade, baseada na razão, em contraposição à arte,
que se firmava na subjetividade sensível. Contraposição tal que as distinguia
completamente. Entretanto, num paradoxo, o modo de sistematizar, tanto arte
quanto ciência, era o mesmo. A subjetividade foi entendida, nesta época, como algo
que pertencia ao sujeito, não como algo único, senão como um ser universalizado
que tinha critérios de perceber, conceber e julgar generalizáveis e que, portanto,
podiam ser convertidos em objetivos. Em efeito, arte e ciência, distintas no sistema
em si, apresentavam premissas semelhantes que fundamentavam seus sistemas.
Na raiz epistemológica, então, nesta época, arte e ciência tinham a mesma origem.
.(GUTIÉRREZ, 2003)

117
Em 1793, os chefes da Revolução Burguesa, decidem fechar a Academia de Arquitetura, assim
como as de Escultura e Pintura.

Já, em 1794, a mesma Revolução funda a Escola Politécnica, com programas de ensino elaborados
por homens das ciências e sob a liderança e de Monge. O currículo da nova Escola apresentava um
biênio fundamental com ênfase na matemática e física para todos os cursos. Após, um triênio de
aplicação, desenvolvido em uma das seis escolas especializadas: em pontes e caminhos, engenharia
civil, aplicação de artilharia, engenharia militar, engenharia marítima e minas.

Em 1795, os revolucionários reúnem cinco escolas no Instituto da França, passando o ensino de


arquitetura a ser desenvolvido em uma de suas seções. (GRAEFF, 1995)
173

Se arte e ciência aproximavam-se quanto às premissas de seus sistemas,


pode Monge inserir sua representação duplamente, adequada ao espírito da sua
época: na ciência, porque se tratava de um tipo de geometria, parte da matemática
e, na arte, como ele mesmo considerava vantajoso, contribuindo com critérios
considerados objetivos:

Não é menos vantajoso derramar o conhecimento dos fenômenos da


natureza, que possam converter-se em proveito das artes.
O encanto que lhes acompanha poderá vencer a repugnância que em
geral tem os homens à meditação intensa118, e fará que achem prazer
no exercício de sua inteligência, que quase todos olham como penoso
e fastidioso . (MONGE, 1799, p. 3, tradução nossa) 119

A idéia de Monge caracteriza a existência de um imaginário teórico para


estruturar o conhecimento do exterior, adequando sua representação ao século das
luzes ao alimentar a faculdade intelectual, comum às artes e as ciências. Entretanto,
como matemático, tem clareza das dificuldades inerentes à sua proposta.

No ensino de arquitetura contemporâneo à publicação da geometria


descritiva de Monge, destacavam-se Durand, da École Politechnique e Quatrémére
da Academia de Arquitetura de Paris. Verificamos as concepções de arquitetura
desses dois arquitetos, nesta investigação, ainda que limitadas ao que diz respeito a
seus entrelaçamentos com a representação de Monge respondendo o como se deu
a inserção das lições de Monge na arquitetura. Também, buscamos entender o
como essas concepções de arquitetura interpretavam a teoria de Monge, visando
encontrar o fio condutor da sua repercussão nesse tipo de formação120.

118
Reencontra-se aqui a mais antiga tradição filosófica, segundo a qual o mais rigoroso do
pensamento teórico reside na contemplação da terra e do universo.
119
“Il n’est pas moins avantageux de répandre la connoissance des phénomènes de la nature, qu’on
peut tourner au profit des arts.
Le charme qui les accompagne pourra vaincre la répugnance que les hommes ont ent général pour
la contention d’esprit, et leur faire trouver du plaisir dans l’exercice de leur intelligence, que presque
tous regardent comme pénible et fastidieux.”
120
Como formar em arquitetura, neste trabalho, considera-se a interpretação de Jantzen (2001, p.60):
o inscrever, por intermédio de aprendizagens de habilidades de arquiteto, o aprendiz no sistema ou
mundo da arquitetura.
174

1.4.5.1 DURAND

Podemos considerar Jean Nicolas-Louis Durand (1760-1834), ex-aluno da


Academia Real de Arquitetura e discípulo de Boullée (1728-1799), o primeiro
professor de arquitetura de um modo mais próximo ao que se entende hoje. Durand
contribuiu, de 1797 até 1830, na formação de várias gerações de arquitetos, a partir
de sua cátedra na École Polytechnique. (PFAMMATTER, 1997; KRUFT, 1991 apud
JANTZEN, 2001)

Com Etienne Louis Boullée, Durand vivenciou a idéia da razão governando


um mundo idealizado. No Cenotáfio de Newton e em outras reformas urbanísticas, o
círculo remete, metaforicamente, a uma forma ideal de ver o mundo, que deveria ser
governado do seu centro, simbolizando a razão (figura 2.2). Dessa maneira, na sua
formação impregnou-se o ideal iluminista, que ele contribui em perpetuar. Segundo
Martínez (2000, p. 21), o método projetual de Durand “não representa uma inovação
revolucionária, é bem mais uma legalização das práticas que precedem seu Curso”.
Entretanto, Ströher (2006, p. 154) afirma que “preocupado com a praticidade que lhe
era exigida e com o mau conceito que os sonhadores arquitetos sofriam por parte de
Napoleão, Durand esquece boa parte dos preceitos de seu mestre Boulée e, num
exercício notável de racionalização, consegue transcrever o processo que se passa,
ou que deveria passar, na cabeça de um arquiteto enquanto cria”.

Fonte: D’AGOSTINO (2006, p. 122)


Figura 2.2 – Cenotáfio de Newton de Étienne Louis Boulée. Essai sur l’art.

Como professor da École Polytechnique, numa época em que começava


aparecer a diferenciação entre a arquitetura, profissão mais antiga, e a engenharia,
profissão que apareceu durante a Revolução Francesa, ensinou engenheiros.
175

Mesmo assim, seu modelo de ensino, inegavelmente influenciou a profissão de


arquiteto moderno na França e no resto do mundo.

Cremos que a maioria dos arquitetos contemporâneos envolvidos com


o processo de ensino concorde com a afirmação de que em poucas
ocasiões um método foi tão eficiente quanto aquele proposto, no início
do século XIX, por Jean-Nicolas-Louis-Durand, aos seus alunos
engenheiros, da École Polytechnique -, e posteriormente transcrito em
um de seus dois livros de grande e duradoura influência. (STRÖHER,
2006)
Durand definiu os princípios de sua teoria no Programa do Curso de
Arquitetura de 1799, justamente o ano da publicação das lições de Monge. As suas
idéias metodológicas e os instrumentos operativos do projeto, organizados em dois
volumes, foram publicados de 1802 a 1805, como Précis des Leçons d’Architecture
donnés à l’École Polytechnique. A outra obra importante de Durand foi o Récuil et
Parallèle des édifices de tout genre, anciens et modernes, remarquables par leur
beauté, par leur grandeur ou par leur singularité, et dessins sur une même échelle
(figura 2.3).

Fonte: Kruft (2004, anexos).


Figura 2.3 – Capa da obra de DURAND.

Um método de ensinar arquitetura foi inventado por Durand, e a base desse


método era o desenho, já especializado pela geometria descritiva. Mesmo que seu
176

método fosse redutor e tecnicista, por tratar do ensino para engenheiros, vinculava
teoria e prática, tendo o desenho como fundo, como aparelho de assimilação dos
saberes do projeto. Os alunos de Durand deviam trazer para as aulas um caderno
de 45cmx25,9cm, com folhas quadriculadas com trama vermelha de 4cmx4cm, o
conhecido système quadrillage. Os procedimentos de projeto, a marche à suivre,
adaptavam noções aprendidas com Boullée, com duas etapas fundamentais: I) o
estabelecimento de uma trama, ou suporte geométrico para desenhar plantas
baixas, cortes e fachadas, e que estava referida ao lote ou sítio; II) os desenhos de
paredes e da ordenação das colunas, com as proporções da trama e não mais as
proporções das colunas (figuras 2.4 e 2.5), como nos projetos do Classicismo,
orientando o desenho. (JANTZEN, 2001)

Fonte: Kruft (2004, anexos).


Figura 2.4 – Estudos das proporções das colunas, extraído de L’idea della architettura universale, de
Vicenzo Scamozzi de 1615.
177

Fonte: Kruft (2004, anexos).


Figura 2.5 – Correção ótica extraída do Trattato sopra gli errori degli architetti de Teofilo Gallaccini,
1767

Na trama quadriculada de Durand, cada espaço devia ser ocupado com uma
função. “Levada a cargo essa organização de partes utilitárias, será necessário
impor sobre essa desordem (formal) que é a ordem (funcional) do conjunto, um
sistema formal que subordine as partes, que as reprojete para dotar o conjunto de
unidade. [...] Este sistema, a posteriori da primeira organização (que logo se
chamará partido) será a técnica da composição”. (MAHFUZ, 1995, p. 9) Neste caso,
as partes que integram a composição formal, decorrem da necessidade de envolver
as funções, adaptando-se a tipos de arquitetura antiga. Esses ensinamentos de
Durand, com conotação de funcionalidade, resultava num todo que é a soma das
partes formais (figura 2.6).

A aproximação dos pensamentos de Durand e de Monge verifica-se na


utilização do fundamento básico de concepção do espaço, para eles - a
ortogonalidade. A partir dela, Durand adotava a proporção pela trama, atrelada ao
sistema métrico decimal, onde cada uma das partes era ocupada por uma função,
até abarcar todo o serviço (figura 2.7). A partir dessa funcionalidade, eram
associadas partes que formavam o todo em volume, também reguladas pelo sistema
métrico. Assim, a composição de Durand, apresentava uma prática projetual atrelada
178

não mais às proporções da arquitetura renascentista, mas sim ao sistema métrico


decimal. Comparece então, outro operador do sistema diédrico no ensino de Durand,
o sistema métrico do qual Monge foi um dos encarregados de viabilizar.

Fonte: D’AGOSTINO (2006, p. 122)


Figura 2.6 – Composição de edifícios a partir do quadrado de Jean-Nicholas-Louis Durand do seu
livro Précis de leçons d’architecture.

Fonte: Ströher (2006, p. 155)


Figura 2.7 – Grelhas e traçados da marche à suivre dans la composition de Jean-Nicholas-Louis
Durand do seu livro Précis de leçons d’architecture.
179

Ao utilizar a escala no desenho de vários edifícios do passado, Durand dá


continuidade ao método proposto por Monge. Tanto Durand, quanto Monge, chegam
a princípios genéricos da representação na arquitetura, subjacendo trabalhos
individuais. Em ambos, o comprometimento da arquitetura com a história se vê
submetido à síntese formal. Monge, como matemático, tratando a representação
com a base na razão requerida pelo iluminismo, e Durand, como arquiteto, fazendo
tipologias a partir de monumentos históricos. Durand não aceitava mais a idéia da
arquitetura como imitação da natureza ou dos antigos, o que era combatido pelos
revolucionistas franceses. Nas pranchas de Durand, apesar de decorrentes do
levantamento histórico, podemos observar uma tipologia acima da história e da
geografia, decorrentes da sua experiência acumulada.

1.4.5.2 QUATRÉMÉRE

Na École de Beaux-Arts, não se fazia uso da perspectiva, chegando a ser


não recomendável para a representação arquitetônica. Só eram utilizadas as
projeções ortogonais. As maquetes, que eram utilizadas pelos arquitetos no século
XVIII, para investigar os efeitos perceptivos do edifício, comprovando o propósito de
controlar a geometria, também foram obstaculizadas na École de Beaux-Arts. Tais
limites de representação, coicidiam com a recente sistematização da geometria
descritiva, adotada de imediato quando da sua publicação como linguagem de
arquitetura, impondo um conhecimento mais científico aos novos arquitetos.

Entendermos a aceitação da representação de Monge na École de Beaux-


Arts, requer tratarmos sobre o ensino de projeto nessa escola, o qual exerceu, por
longo tempo, influência sobre a formação dos arquitetos ocidentais e de qualquer
lugar onde a influência francesa pode ser sentida. Entre esses lugares, o Brasil.
Nessa escola, o representante significativo era Quatremère de Quincy, considerado
um arquiteto de elites. Publicou, em 1832, o seu Dictionnaire historique
d’Architecture comprenant dans son plan les notions historiques, descriptives,
archeologiques, biographiques, théoriques, didactiques et pratiques de cet art, o qual
pelo próprio título, já evidencia sua relevância para a arquitetura. Entretanto, o
destaque deste arquiteto para o ensino é a sua conceituação sobre tipo.
180

A palavra tipo não representa a imagem de uma coisa a ser copiada ou


imitada, mas a idéia de um elemento que deva servir de regra para o
modelo. O modelo, entendido em termos da execução prática da
arquitetura, é um objeto que deve ser repetido como é; o tipo, ao
contrário, é um princípio que pode reger a criação de vários objetos
totalmente diferentes. No modelo, tudo é preciso e dado. No tipo, tudo
é vago. (QUINCY, 1832 apud MAHFUZ, 1995)

O ensino de arquitetura da École de Beaux-Arts, de acordo com Mahfuz


(1995, p. 19) “foi a mais direta e poderosa corporificação da crença de que, no curso
de um projeto, primeiro gera-se o todo e depois projetam-se as partes de acordo
com aquele pré-conceito. [...] Não se sabe se ele é concreto ou conceitual, nem se
seria possível vizualizar o produto final de um projeto.” (grifos nossos)

Martinez (1995, p. 24-25), explicando o ensino na École de Beaux-Arts,


afirma que

A invenção do objeto arquitetônico como uma disposição de massas ou


volumes, registrados no papel em duas dimensões, que darão origem a
uma planta ou plantas, como produto da etapa de esquisse; seu
desenvolvimento posterior no rigor dos estilos ou do ecletismo
(ocorrem ambas as possibilidades), juntamente com a indiferença pelos
problemas estruturais, gera uma seqüência de projeto que não apenas
vai do geral para o particular, que pode ser universalmente válida ou
apresentar algumas exceções, senão que promove como seqüência
normal de projeto a consideração sucessiva das projeções, tendo a
primazia a planta, por razões de praticidade no domínio do objeto, e
sendo adiada a consideração das aparências tridimensionais que de
algum modo estão implícitas na planta. [...] Até mesmo se justifica a
elaboração de fachadas alternativas para um mesmo partido de planta,
como se o objeto idealizado, fora de ato separável em suas projeções e
não em suas partes. Separá-lo em suas projeções equivale a admitir
que as partes são as partes do objeto empírico projetado e não as
partes do objeto ideal imaginado.

Embora l’esquisse, não estabelecesse com rigor o que era o todo, Mahfuz
(1995, p. 20) afirma que “nos concursos realizados na École de Beaux-Arts para
definir ganhadores do Grand-Prix de Rome, todos os estudantes tinham que se
manter fiéis ao esquisse original no desenvolvimento dos desenhos finais, sob pena
de serem desclassificados caso agissem de outra forma”. Evidencia-se, assim, um
ensino de arquitetura na École de Beaux-Arts, no qual os princípios de projeto
alimentavam uma representação inoperante em alguns aspectos da arquitetura.
Segundo Martínez (1995), não existia o ensino da construção, ou estava atrasado,
enquanto já se praticava a arquitetura do ferro; não eram consideradas
necessidades construtivas, limitando-se a deixar espessuras em cortes e plantas
para que ali fossem encaixados os elementos de sustentação da construção.
181

É espantoso comparar as diferenças reais entre projetos para edifícios


submetidos às autoridades e como foram posteriormente
executados...No caso da Bibliothèque Sainte-Geneviève, não existe um
detalhe, um pedaço de pedra entalhada ou ferro fundido que
corresponda ao projeto original apresentado em dezembro de
1839...Considerada desde o ponto de vista da construção real, a
distinção entre a abstração da concepção e o materialismo da
realização se torna ainda mais evidente e significativa. (LEVINE, 1975,
p.50 apud MAHFUZ, 1975, p. 21)
O ensino da Beaux-Arts, então, nasceu não do funcional, mas sim de um
embrião formal, dito assim pela falta de rigor que era definido. Entretanto, estava aí,
na origem do projeto, a forma concebida e, a partir dela, a sua fragmentação em
projeções ortogonais; e como explicar diversas fachadas para uma mesma planta
baixa. Como foi dito, o esquisse não determinava com clareza a solução formal que
deveria aparecer no projeto final. Nessa indeterminação, como no sistema diédrico
de uma mesma planta baixa, podem existir inúmeras fachadas, naturalmente
correspondendo a formas diversas (figura 2.8). Diferente do que Monge sistematizou
na geometria descritriva: ao objeto no espaço correspondem suas projeções únicas.
Porém, sabemos da possibilidade de, distorcendo a idéia original da teoria
mongeana, corresponder a uma imagem em projeção, uma segunda que lhe
corresponda e a partir delas deixar surgir o objeto, como ocorria na École de Beaux-
Arts, o que é possibilitado pela fragmentação inerente a geometria descritiva. Como
professores, sabemos da persistência dessa fragmentação na representação de
muitos projetos de alunos de arquitetura atualmente.

Fonte: RICCA (2000, p.236)


Figura 2.8 – Superfícies retilíneas de revolução, cônica, cilíndrica e hiperbolóide..
182

Questões importantes para esta tese são o ensino de geometria descritiva


para a arquitetura e os métodos dos dois arquitetos que acabamos de comentar.
Podemos concluir que Durand fundamentou mais seu ensino no desenho do que
Quatremère. O processo de Durand desenvolveu seus conceitos em práticas de
atelier, detonando um processo pedagógico, enquanto esse último influenciou a
teoria arquitetônica. De acordo com Jantzen (2001, p. 269): “Lembrar Durand é
criticar, nos dias atuais, muitos cursos de arquitetura: confronta-os com “outra
possibilidade”.

1.4.6 IMPRIMIR E SURTIR EFEITO

Ainda, no Programa, Monge (1799, p. 3) afirma ter recolhido em um livro as


lições do curso de geometria descritiva dadas na Escola Normal justificando que

como não temos nenhuma obra elementar bem feita sobre esta arte,
seja porque os cientistas até agora tenham acreditado ser de pouco
interesse, ou porque a tenham praticado de um certo modo
obscuramente alguns cidadãos cuja educação não estava suficiente
desenvolvida, e que não sabiam comunicar os resultados de suas
121
reflexões, um curso simplesmente oral não teria nenhum efeito.

Dentro do plano de educação nacional proposto por Monge, a publicação


desta obra resultou em um marco na história do ensino moderno, se consideramos
que a partir dos seus ensinamentos "foi possível a consolidação do conceito de
ciência da representação como uma disciplina suficiente para entender sem
ambigüidade as qualidades métricas e de posição dos desenhos representativos
convencionais". (CABEZAS, 19??, p.184, tradução nossa) 122

Ao justificar a impressão de suas lições, Monge deixa em suspenso o porquê


de não ter existido, até aquele momento, uma obra impressa sobre ‘esta arte’. Pelo

121
"comme nous n'avons sur cet art aucun ouvrage élémentaire bien fait, soit parce que jusqu'ici les
savans y ont mis trop peu d'intérêt, soit parce qu'il n'a été pratiqué que d'une maniére obscure par
des citoyens dont l'éducation n'avoit pas été assez soignée, et qui ne savoient pas communiquer les
résultats de leurs méditations, un cours simplement oral seroit absolument sans effet."
122
"ha sido posible la consolidación del concepto de ciencia de la representación como una disciplina
suficiente para entender sin ambigüedad las cualidades métricas y de posición de los dibujos
represeentativos convencionales."
183

que conseguimos investigar sobre as duas hipóteses apresentadas por ele, nem
uma pode ser escolhida. Os cientistas, e aqui entendemos o sentido de cientista
como qualquer pessoa que avançou sobre esse saber, tinham sim interesse em
publicar os resultados dos seus conhecimentos sobre ‘esta arte’. Vários tratados
foram impressos e Désargues foi o que chegou mais próximo da sua teoria.
Recordando, o próprio Monge reconhecia que sua teoria sustentava-se em saberes
já consolidados.

Quanto ao fato de terem praticado a teoria da geometria descritiva de certo


modo obscuramente, Monge deixavava implícito que estava ciente dos avanços do
saber nessa arte, idéia esta que deixa transparecer ao afirmar que estavam com a
educação não suficientemente desenvolvida.

O que se pode deduzir disso que Monge deixou em suspenso, é que: se não
tinham tido interesse sobre essa arte, ele apresentava algo novo, não comum e, por
outro lado, se era uma arte conhecida obscuramente, ele inovava. Duplamente
apoiado nas suposições, Monge garantia sua autonomia para a impressão das
lições. O novo, era a ordem da Revolução, e Monge, revolucionário, obedeceu.
Obedeceu com a força que a Revolução precisava, explorando a força comunicativa
da imprensa.

A decisão de Monge, sobre imprimir suas lições, assume como ponto de


partida que a nova disciplina surta efeito. Tal impressão, para surtir efeito, encontra
eco com a explicação de Jantzen (2001, p. 446):

a arquitetura é uma disciplina, uma matéria que inclui produções


individuais e que se transforma por meio dessas inclusões, requer uma
apostila (ou algo semelhante) com um mínimo de sistematização, para
que professores e alunos possam entender-se sobre o que pode ser o
quê. Sem essa codificação, ainda que precária, não há
posicionamento, nem diálogo possível, pois se não há o que por,
também não há o que contrapor.
Publicar as lições de Monge para o ensino de arquitetura, como
possibilidade de representação, está de acordo com a idéia de Jantzen (2001, p.
291): prefiro que se aprenda arquitetura, com conhecimento de desenho e obra.

As lições de Monge foram publicadas como referência ao ensino de


geometria descritiva que deveria expandir-se. Na própria obra, Géométrie
descriptive, Monge (1799,p.3) reconhecia a necessidade do ensino da sua nova
disciplina por outros professores, quando afirmava que “é pois necessário para o
184

curso de geometria descritiva que se reúnam a prática e a execução com a viva voz
dos métodos”. (tradução nossa)123

1.4.7 UM MUNDO REPRESENTADO COM RÉGUA E


COMPASSO

Na Idade Média, a geometria teve lugar de destaque, na educação clássica.


Fazia parte do currículo como disciplina das chamadas ‘artes liberais’: o trivium
(gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e
astronomia). Nessa época, era considerada como uma disciplina necessária ao
desenvolvimento da intuição intelectual e espiritual, já que sua prática aproximava-se
do universo que ordena e sustenta (figura 2.9). (LAWLOR, 1996 apud KOPKE, 2006)

Fonte: KOPKE (2006, 78)

Figura 2.9 – Concepção medieval representando Cristo que utiliza um compasso, metaforicamente a
geometria para reconstruir o mundo a partir do caos original.

123
“Il est donc nécessaire pour le cours de géométrie descriptive, que la pratique et l’exécution soient
jointes à l’audition des méthodes.”
185

Tratava, então, o ensino de geometria medieval, da representação do


mundo: um mundo criado por Deus e interpretado pelo homem. Acompanhando
essa idéia, o que existia na arquitetura era a representação do espaço, que
sustentava a prática de não ser considerada a autoria do projeto ao arquiteto
medieval. A ele, era atribuído um reconhecimento de autoria indireto, sendo
considerado como operário por excelência.

Decorrente do prestígio profissional do arquiteto medieval, resultado da sua


auto-organização, no período Gótico o arquiteto era enterrado com honras nas
Igrejas que desenhara e representado com seus instrumentos de trabalho, em
especial as maquetes na mão. Carregar a maquete na mão simboliza em tal
situação uma noção de autoria, equivalente a uma assinatura clandestina. Segundo
a espiritualidade da época, a autoria de uma obra terrena reivindica a sua
propriedade espiritual, uma vaidade só permitida aos níveis superiores da
sociedade, raramente exteriorizada e que, entretanto, à arquitetura se pode
associar, devido a sua perenidade. Mais relevante pode ser considerado o
reconhecimento social do arquiteto medieval se consideramos que sua origem era
plebéia. (BRANDÃO, 2004)

Como exemplo de operário por excelência, encontramos a significativa


gravação sobre a pedra tumular de Hugues Libergier (figura 2.10). Nesse trabalho,
Libergier segura na mão direita uma maquete, enquanto na mão esquerda afirma a
virga geométrica - símbolos, na época, de operário por excelência. A maquete e a
virga mantém conotação com a construção da obra, a virga no mando dos operários
e a maquete na obra concluída. Aos pés de Libergier, encontram-se, do lado direito,
um esquadro, e do esquerdo, um compasso de hastes cruzadas, utilizado para
representações em pequenas dimensões, assumindo o sentido da representação da
obra. Entretanto, não podem estar na mão porque a autoria da representação não é
reconhecida.

Mais adiante, no Iluminismo, a geometria contribui com a sustentação da


idéia da razão ordenando o Universo, e passa, assim, a determinar o espaço. Com
essa nova visão, segundo Argan (1973, p. 18), “nos anos 600 começa a ser aceita a
idéia de que o arquiteto não representa um espaço, uma realidade que existe por
fora dele, senão que essa realidade se vai determinando através das próprias
186

formas arquitetônicas.” Isso requer uma explicação, o arquiteto que representa utiliza
elementos formais que existe a sua disposição e que compõe em seu edifício
partindo das partes para o todo. De maneira diferente, o arquiteto que determina o
espaço, parte da sua invenção.

Fonte: OLIVEIRA (2002, fig. 59).


Figura 2.10 – Pedra tumular de Huges Libergier (Caisse Nationale des Monuments historiques).

Ao sistematizar a representação do espaço como uma língua necessária a


quem concebe um projeto, Monge disponibilizava aos arquitetos a autoridade de
determinar o espaço; e ganhando, assim, autonomia através da representação,
diferenciavam-se dos operários, pelo caráter intelectual do seu trabalho. Com a
representação de Monge é possível a passagem de operário por excelência à
arquiteto. A esse ponto, nos interessa voltar ao texto de Monge que explica sobre o
ensino de geometria descritiva aos diversos cidadãos.

Aqueles cidadãos, em cujos estudos anteriores se dirigiram para a


geometria ou outras ciências exatas, se exercitarão nas salas
particulares das construções gráficas da geometria descritiva.
187

Duas partes dessa arte tem métodos gerais, com os quais se


familiarizarão os cidadãos valendo-se da régua e do compasso, sem os
quais seria difícil que chegassem a poder ensiná-los. (MONGE, 1799,
124
p. 3, tradução nossa)
É aceitável que, entre os primeiros cidadãos a que se refere Monge,
podemos incluir os arquitetos pela intelectualidade. Ao mesmo tempo, fica implícito
estabelecemos vinculação da régua e compasso, da expressão de Monge, com o
Tratado de Euclides, referido no início da Géométrie descriptive (1799) como
condição básica de seu estudo. É verdadeiro que o mais famoso tratado da
matemática grega, os Elementos de Euclides, considera somente figuras definidas
por linha e círculos cujos traçados podemos executar com os instrumentos régua e
compasso125.

1.4.8 NECESSIDADE DE APLICAÇÃO

Entre as diferentes aplicações que se pode fazer do método de


projeções há duas notáveis por sua generalidade e pelo que tem de
engenhosas, que são as construções de perspectivas e a determinação
rigorosa das sombras nos desenhos. Estas duas partes se podem
considerar como o complemento da arte de descrever objetos. Serão
exercitadas estas duas partes aos cidadãos, porque sendo seu destino
ensinar algum dia os procedimentos da geometria descritiva, é
necessário que conheçam todos os seus recursos. (MONGE, 1799,
126
p.3, tradução nossa).

124
“Ainsi ceux des citoyens dont les études antérieures auroient été dirigées vers la géométrie, ou
vers les autres sciences exactes, seront exercés dans des salles particu lières aux constructions
graphiques de la géométri descrptive.
Les deux parties de cet art ont des méthodes générales, avec lesquelles les citoyens se
familiariseront par l’usage de la règle et du compas, et sans lesquelles il seroit difficile qu’ils se
missent em état de l’enseigner eux-mêmes.”
125
Entretanto, segundo Tournès (2001) nas considerações de traçados de reta e de círculos no
tratado de Euclides, régua e compasso não são mencionados. Ainda, de acordo com o queafirmou,
no século V, o comentador Proclus apud Tournès (2001), o conteúdo deste tratado é limitado do
ponto de vista geométrico, porque Euclides não admitiu todos os elementos que poderia coletar, mas
todos aqueles que eram possíveis ser informados.

126
“Parmi les différentes applications que l’on peut faire de la méthode des projections, il y em a deux
qui sont remarquables, et par leur généralité, et par ce qu’elles ont d’ingenieux: ce son les
constructions de la perspective, et la détermination rigoureuse des ombres dans les dessins. Cex
188

Monge estabeleceu a aplicação prática da geometria descritiva na solução


das perspectivas e das sombras, ou seja: entende que diferentes possibilidades de
representação na arquitetura, são complementares. Sua visão ainda encontra-se
válida, embora tal validade não tenha encontrado repercussão por completo no
ensino de arquitetura.

No contexto profissional, o arquiteto, utilizando sistemas de representação


de maneira concomitante, estabelece uma atividade conceitualmente integradora.
No contexto do ensino, a geometria descritiva tem demonstrado sua amplitude
teórica e prática em abarcar o próprio sistema de projeção cônico. Tal amplitude
pode ser comprovada nos índices dos tratados de Geometria descritiva, quando
apresentam uma parte que tenha por título ‘geometria descritiva e sua aplicação à
perspectiva’. (BORDA, 2001)

Entretanto, nem todos os tratados de geometria descritiva seguem a visão


integradora da representação diédrica à representação em perspectiva preconizada
por Monge. Cabezas (1997, p. 165) critica a falta de síntese de alguns tratados: “[...]
a obrigação de uma síntese chega necessariamente às disciplinas acadêmicas por
causa da impossibilidade material de se conhecer sua totalidade. [...] Esta realidade
aborda uma questão importante: estabelecer a hierarquia de conhecimentos que
compõe uma disciplina. [...] em contraste com os tratados clássicos”. Os tratados
clássicos, a que se refere Cabezas (1997), são os que seguem a tradição francesa,
dos saberes enciclopédicos, e que podem ser reconhecidos pelo caráter taxonômico
e pela casuística. O que lhes identifica é a separação dos sistemas que, com
freqüência, ocupam tomos separados, um para o diédrico e outros para os sistemas
cônico, axonométrico e cotado, e a apresentação de múltiplos casos sobre
determinado problema, que poderia ser explicado com um denominador comum.

deux parties peuvent éter considérées comme le complément de l’art de décrire les objets. On y
exercera ces citoyens, parce qu’étant destinés à enseigner un tour les procédés de la géométrie
descriptive, il est nécessaire qu’ils en connoissent toutes les ressources.”
189

Podemos apontar o professor Álvaro Rodrigues127 como exemplo do ensino


tradicional da geometria descritiva no Brasil. Este autor, cuja obra foi referência no
ensino de arquitetura, tratou a geometria descritiva com falta de síntese, extendendo
o sistema diédrico em dois volumes, nos quais não abordou a perspectiva vinculada
ao diédrico. Para esse autor, o conteúdo do sistema diédrico foi tratado com
casuísmo, como por exemplo nos seus estudos de ponto, reta e plano apresentados
na obra.

Existem explicações para a individualização do sistema diédrico, em relação


a outros sistemas no contexto de ensino de arquitetura; uma, como foi exposta, é o
ensino baseado na tradição, e outra é a hegemonia do sistema diédrico. Essa
supremacia do diédrico, é evidente na publicação portuguesa recente, que recebeu
o título de Geometria descritiva: método de Monge na qual Ricca (2000) trata
somente de sistema diédrico.

A possibilidade de desenvolver a perspectiva a partir do próprio sistema


diédrico, conforme designava Monge, conferia a este sistema um caráter de
metasistema. Segundo Cabezas (1997) desde que Monge incluiu a perspectiva

127
Reproduzimos aqui, para que seja entendido o reconhecimento deste autor e de sua obra no
a
ensino brasileiro, sua próprias palavras, que foram publicadas À MARGEM DA 6 EDIÇÃO, em
RODRIGUES, Álvaro J. Operações fundamentais e poliedros. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1973.

“Renovo aqui meus agradecimentos ao “Grupo de Trabalho dos Professôres de Geometria” da


Universidade do Estado da Guanabara, sob a chefia do eminente professor Felipe Reis, pela honrosa
distinção que me conferiu, indicando-me generosamente como o terceiro “Exemplo Vivo” dos mestres
da Geometria Descritiva na solenidade presidida pelo Magnífico Reitor dessa Universidade, professor
Haroldo Lisboa da Cunha, e realizada no Salão Nobre da Escola Nacional de Belas Artes, em 19 de
outubro do ano passado.

Consigno aqui meus agradecimentos aos ilustres professores: Quirino Campofiorito, da Escola
Nacional de Belas Artes; Gerson Pinheiro, da Faculdade Nacional de Arquitetura; Mendel Coifman, da
Escola Fluminense de engenharia, Léa Bustamante, da Faculdade de Engenharia da Universidade da
Guanabara; Sr. Sérgio de Lima, presidente do Diretório Acadêmico da ENBA e professor George
Sumner, mestre emérito do Colégio `Pedro 2, oradores dessa significativa homenagem, - pelas
honrosas referências feitas a esta obra didática.

Sou também, muito grato ao ilustre professor Alfredo Galvão, criador e diretor do anuário “Arquivos”
da Escola Nacional de Belas Artes, excelente órgão cultural da Universidade do Brasil, pelo destaque
o
proporcionado no n IX, de 12 de agosto do corrente ano, à referida solenidade com a transcrição dos
discursos ali pronunciados.

Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1963.

O autor” (grifos nossos)


190

como aplicação prática do sistema diédrico, muitos tratados, a partir do conceito de


seção plana da pirâmide visual em planta e fachada, desenvolveram a perspectiva,
demonstrando tal hegemonia do sistema de dupla projeção. Assim, não é
infreqüente que sejam encontrados tratados de Geometria descritiva apresentando
uma parte dedicada para a “aplicação à perspectiva”.

Entre as obras que destinam uma parte para a aplicação à perspectiva,


encontramos Modelli Grafici dell’architettura e del território de Vito Cardone (1999).
Salientamos que essa obra trata de representação mongeana como problema
gráfico para arquitetura, conforme seu título, diferindo da quase totalidade das obras
de geometria descritiva direcionadas para diversas profissões. Nessa obra atual, ao
tratar dos modelos perspectivos, o italiano Cardone denomina uma parte como
Prospettiva in Monge. Tratando a perspectiva a partir do sistema diédrico, como era
indicado na Géométrie descriptive. Assim, Cardone reconhece a hegemonia do
sistema diédrico, embora tratando o ensino da representação para a arquitetura com
o uso de diversos sistemas, incluindo o axonométrico.

[...] utilizado em fase de projeto (isto é na pesquisa da solução


definitiva), para estudar as articulações volumétricas, para a descrição
de elaborações relativas a particularidades construtivas complexas –
como exemplo estruturais ou de ligação entre vários elementos - pelos
quais consegue ser muito explicativo. Não a acaso todos os esquemas
gráficos que desejamos visualizar em modo compreensível a
configuração espacial vem apresentada em axonometria (como
128
aquelas que foram feitas recurso várias vezes neste volume)
(CARDONE, p. 226, tradução nossa)

Em sentido diferente de Cardone, no ensino encontraramos visões


reducionistas da representação na arquitetura por parte de alguns autores, os quais
fragmentam os sistemas de representação, carecendo de entendimento
epistemológico e conceitual do que defendem. Cabezas (1997) relata que por
radicalismo acadêmico, chegou a ser proposto por La Gourneríe a supressão dos

128
“[...] utilizzato sia in fase di progetto (cioè nella ricerca della soluzione definitiva), per studiare le
articolazioni volumetriche, que per la redazione di elaborati relativi a particolari construttivi complessi –
ad esempio strutturali o di collegamento tra vari elementi – per i quali riesce as essere molto
esplicativo. Non a caso tutti gli schemi grafici que vogliono richiamare in modo comprensibile la
configurazione spaziale vengono eseguiti in assonometria (come quelli cui si è fatto ricorso più volte in
questo stesso volume).”
191

planos de estereotomia da École Politechnique, os quais continham representação


em perspectiva cavaleira.

Por outro lado, a fragmentação do ensino da representação em arquitetura,


nem sempre está atrelada a radicalismos acadêmicos. Borda (2001) afirma que os
modelos pautados na Geometria Projetiva são algébricos e que, com esta
linguagem, suas formulações teóricas conseguem integrar a todos os conceitos
projetivos; entretanto, a dificuldade de traduzi-los para a linguagem gráfica, até que
a informatização dos sistemas projetivos tenha absorvido o problema, impediu-lhe de
ser inserida no sistema de ensino de arquitetura.

Uma classificação acadêmica dos sistemas de representação gráfica, quanto


às suas funções, está generalizada em dois sistemas: o de análises e medidas e o
perceptivo, ou métricos e não-métricos. (CABEZAS, 1997) Podemos acrescentar a
esta classificação as investigações de Borda (2001) sobre as estruturas de saber em
torno dos problemas geométricos fundamentadas em três linhas: a partir de
procedimentos projetivos, de onde é possível visualizar a geometria por meios
construtivos; a partir de procedimentos algébricos, controlando a geometria por
expressões formais-algébricas; e a partir de procedimentos algébricos, que passam
a controlar tanto a geometria como o sistema de projeção. De acordo com estas
classificações, o sistema diédrico de análises e medidas, possibilita visualizar a
geometria por meios construtivos.

Voltando à hegemonia do sistema diédrico, ampliando a discussão sobre o


que até aqui foi exposto, no capítulo seguinte trataremos sobre limites de
contribuições da representação de Monge na arquitetura. Isso implica em
verificarmos como o sistema diédrico abarca outros tipos de representação, como
Monge preconizou, para a sua teoria afirmando que “em seguida o método das
projeções se aplicará as construções gráficas necessárias ao maior número de
artes, tais como a feição do corte das pedras, aquelas da carpintaria, etc.” (MONGE,
1799, p. 4, tradução nossa)129

129
“Ensuite on appliquera la méthode des projections aux constructiosn graphiques, necessaries au
plus grand nombre des arts, tel que les traits de la coupe des pierres, ceux de la charpenterie, etc.”
192

Tratando da amplitude de representação do sistema diédrico, o professor


Ardevan Machado publicou Perspectiva, em 1926, como, de acordo com o prefácio
da sua obra, “um complemento do livro “Geometria Descritiva130” desse mesmo
autor. E atendendo a amplitude de aplicação desejada por Monge para a sua teoria,
Machado (1988), na 5ª edição de Perspectiva, explica na sua capa: Livro básico
para as Escolas de Arquitetura, Belas-Artes, Engenharia e Filosofia. Entendemos
como ampla a aplicação da perspectiva na visão de Machado, devido à
especificidade dos trabalhos de cada profissão a qual se dirige esse autor. Ainda
nessa edição, o autor inclui um capítulo referente à axonometria ortogonal,
explicando que tal tipo de perspectiva vinha sendo estudada em escolas de
Arquitetura. Concluímos que, dos autores brasileiros que se dedicaram a geometria
descritiva, Ardevan Machado destaca-se pela visão de um ensino de representação
diversificado para a arquitetura.

1.4.9 MAIS UMA VEZ: ENSINAR PARA AUMENTAR O


PODER NACIONAL

Muito apropriadamente ao momento em que a Geometria Descritiva é


publicada, a representação do mundo passa por uma crise de apresentá-lo como um
espaço finito. Vive-se o reflexo da Revolução Industrial inglesa, onde o artesão foi
sendo substituído pelo operário, visto como mão-de-obra indiferenciada. Neste
sentido, a produção dos objetos não tem autor específico, a autoria passa a ser
indefinida. Assim como na produção dos objetos, suas representações são
realizadas sem um observador definido; não importa quem represente determinado
objeto, a representação será sempre igual. A indefinição do autor deve-se à posição
em que a geometria coloca o observador, ou seja, o infinito. O corpo sofre mutilação,

130
Podemos verificar o alcance dessa obra no ensino brasileiro pelo número de suas edições que é
de 26, segundo Machado (1988).
193

não tem olho real. “[...] sofreram a violência de um pensamento cartesiano131 (e das
heranças que o próprio pensamento recebeu e dos herdeiros que deixou) que não
pára de mutilar os desejos e aniquilar os corpos” (KEIL, 2004, p. 142).

Mutilar o olho, distanciar do sensível, operar a representação adequada à


era industrial, como requer Monge para aumentar o poder nacional.

Enfim, o resto do curso se empregará em princípio na descrição dos


elementos das máquinas, a fim de estudar suas formas e efeitos, e
depois nas máquinas cujo uso é muito importante difundir, seja que
tenham por objetivo dar ao trabalho mais precisão e uniformidade, ou
seja que tenham por fim empregar na produção de um certo trabalho
as forças da natureza, e por isto aumentar o poder nacional. (MONGE,
132
1799, p. 4, tradução nossa)”

131
O pensamento de Descartes mostrava interesse na sistematização de novos valores seguros e
universais sobre os quais vão se constituir a modernidade. Pontos principais da epistemologia
cartesiana: 1. Busca de um método e de uma racionalidade matemática; 2. Abandono da experiência
sensível pela abstração do mundo; 3. Concepção do universo reduzido a propriedades geométricas
que podem ser manipuladas e compreendidas pelo homem; 4. Recusa da intervenção da imaginação
no conhecimento do real a favor da lógica e da clareza; 5. Concepção do corpo humano como
máquina; 6. Espírito de ordem e classificação em bases matemáticas e racionais inabaláveis; 7.
Compreensão das coisas evidenciando do simples ao complexo. (BRANDÃO, 2001).
132
“Enfin le reste de la durée du cours sera employé, d’abord à la description des élémens des
machines, afin d’en étudier les formes et les effets, et ensuit à celle des machines don il est le plus
important de réprande la connoissance, soit que les machines aient pour objet de donner au travail
plus de précision et plus d’uniformité , soit qu’elles aient pour but d’enployer à la production d’un
certain travail les foroes de la nature, et par là d’augmenter la puissanse nationale.”
194

REPLICANDO A TEORIA MONGEANA

Quem cala, sobre o teu corpo


Consente na tua morte...
Quem cala morre contigo
Mais morto do que está agora...
Quem grita, vive contigo...
(NASCIMENTO & BASTOS, 1976).

A partir da idéia que replicar é dobrar sobre si mesmo, consideramos neste


capítulo que as lições de Monge serão duplicadas de significação. Na perspectiva
dessa idéia, na pluralidade de sentidos possíveis para a palavra replicar destacamos
uma como central: responder às objeções que se apresentam na teoria mongeana
para a representação na arquitetura.

As lições de Géométrie descriptive apresentam-se em cinco capítulos, que


estão organizados em itens numerados muito adequadamente ao pensamento
cartesiano e positivista: colocados em ordem e classificação com bases
matemáticas, levando à compreensão da representação do espaço num passo a
passo, evidenciando conceitos dos mais simples ao mais complexos. Monge expõe
sua teoria na mesma linha epistemológica de seu próprio conteúdo, apreendendo a
195

realidade do mundo com racionalidade matemática. Acompanhando a ordem


expressa por Monge desenvolvemos este capítulo.

Ao replicarmos as lições de Monge, nos interessa neste capítulo traçarmos


analogia com lições de arquitetura que tratem do ensino do projeto. A analogia entre
tais lições encontra-se na organização do espaço em um processo com fortes
vínculos estabelecidos desde que a representação ganhou status de projeto.
Reconhecer esses vínculos trata de afastar a possibilidade da criação integral e
dedicar operadores entre as partes do todo na atividade projetual expressa através
da representação. Assim contribuimos para que seja desfeito o mito do arquiteto
gênio e se formem arquitetos que aprenderam a projetar, implicitamente representar.

No discurso deste capítulo abordamos conceitos de representação e a


materialização desses conceitos, condições que necessariamente requer a
representação entendida como projeto. A (re)apresentação confere forma, presença
tangível dos elementos existentes na mente, que quando são operados se
constituem em projeto. Logo, retomamos sobre conceitos de representação
arquitetônica da parte I deste trabalho.

Nesta imbricada discussão de conceitos que devem replicar a teoria


mongeana na arquitetura e em especial no seu ensino para a arquitetura, Monge
aparece como principal autor consultado. Além dele, na elaboração deste capítulo
destacamos pesquisas em obras de Argan, D’Agostino, Gani, Gilla, Gutiérrez,
Oliveira, Mahfuz, Machado, Massironi, Ricca, Rodrigues e Serres.

2.1 A GEOMETRIA DESCRITIVA


TEM DOIS OBJETIVOS

Antes de qualquer arquitetura, uma superfície de base limpa que a receba,


um dos mais antigos trabalhos humanos. Terrenos como tábuas rasas, lembrando
que esta expressão tem origem no trabalho do escrivão que apagava as
informações contidas nessas superfícies para descrever outra situação. Isto nas
origens da geometria. Com Descartes, tábua rasa ou lugar limpo de novo. E neste
espaço torna-se possuidora a razão. Agora, uma superfície de papel, tábua rasa
196

novamente, na qual se descreve a arquitetura e Monge retoma o trabalho dos


harpedonaptas133 na sua geometria. Evolui a geometria, eis seus objetivos:

[...] o primeiro é dar métodos para representar sobre um papel de


desenho, que não tem mais que duas dimensões, a saber,
comprimento e largura; todos os corpos da natureza, que estão em
três, comprimento, largura e profundidade, estabelecendo contudo que
esses corpos possuem definição rigorosa.

O segundo objetivo é dar o modo de reconhecer por meio de uma


descrição exata as formas dos corpos, e deduzir todas as verdades
que resultam sejam de suas formas ou de suas posições respectivas.
134
(MONGE, 1799, p. 5, tradução nossa)

No capítulo I, item 1, Monge comenta os dois objetivos principais da


geometria descritiva, que já haviam sido expostos no Programa. Sobre estes
objetivos a descrição difere no programa e no capítulo I quanto ao uso da ordem das
palavras, entretanto, em essência a idéia é a mesma. Após expor os seus objetivos
para a geometria descritiva, Monge acrescenta que primeiro vai apresentar os
procedimentos que uma longa experiência permitiu descobrir, para cumprir o
primeiro objetivo e que depois deverá abordar o modo de atender ao segundo.

Esses procedimentos são conhecimentos sobre a representação


bidimensional do espaço que é tridimensional, através da projeção cilíndrica com
definição rigorosa, o que realmente vinha sendo especulado por várias outras
experiências135. Dessa maneira, cabe o mérito a Monge sobre a sistematização
desse método de representar o espaço apresentado na geometria descritiva e não
sobre a sua fundamentação. Estudiosos da esterotomia, Desárgues e Descartes, já
tinham estabelecido suas bases. Entretanto, a sistematização de Monge é permeada
de novidade para a época se consideramos que, de fato, é com suas lições que a

133
Os harpedonaptas são os primeiros geômetras, aqueles de que se podiam alugar os serviços no
notário para redistribuir as terras que a inundação tirou os limites. Sabiam obter as superfícies com
comprimentos, pelo cordão, com a unidade, a medida, a escrita e o prestígio. (SERRES, 1993).
134
“le premier, de donner les méthodes pour représenter sur une feuille de dessin qui n’a que deux
dimensions, savoir, longueur , largeur et profondeur, pourvu néanmoins qué ces corps puissent être
définis rigoureusement.
Le second objet est de donner la manière de reconnoitre d’après une description exacte les formes
des corps, et d’en déduire toutes les vérités qui résultent et de leur forme et de leurs positions
respectives.”
135
Sobre essas experiências pode ser consultada a parte I, capítulo 1, desta tese, que trata da
história da representação na arquitetura.
197

solução dos problemas práticos da arquitetura encontra base na matemática de


maneira simples.

Para atender o seu segundo objetivo, Monge dedica-se ao estudo das


superfícies, explicando-as pelas suas leis de geração. É a idéia de movimento na
representação do espaço apresentada por Monge em sua teoria de representação
que se repete no estudo das superfícies. Justamente é o movimento um dos
fundamentos que utilizou Monge, o que lhe permite a aproximação da realidade das
formas. Deixamos então o movimento inserido na representação do espaço como
uma das contribuições relevantes de Monge para arquitetura.

É interessante salientar que desde o início da sua exposição Monge (1799,


p.1) interage com seus alunos, conduzindo o aluno a participar ativamente da
aprendizagem. Para isso diz: “vamos primeiramente” (tradução nossa)136, quando
poderia ter dito vou primeiramente. Nessa atitude, Monge, professor representante
do poder francês, deixa implícita a exigência de participação do aluno, como reflexo
do poder francês de dar mando às atividades sociais, revelado no ensino que esse
poder controlava. Ainda com essa fala mostra o ‘capturar’ forças mentais para
alavancar a nação francesa. Ao que se sabe, Monge era um entusiasmado professor
revolucionário.

2.2 A POSIÇÃO DE UM PONTO NO ESPAÇO

Depois de expor os objetivos de seu método, no item 2, Monge (1799)


afirma que as superfícies de todos os corpos podem ser consideradas como
compostas de pontos e o primeiro passo que vai dar com os alunos sobre este tema
deve ser indicar o modo de representar a posição de um ponto no espaço, definindo
o espaço como sem limites com todas suas partes perfeitamente semelhantes, nada
tendo que as caracterize e nenhuma delas servindo de termo de comparação para
indicar a posição de um ponto. Sendo portanto necessário referir o ponto a outros
objetos.

136
“Nons allons d’abord [...]”
198

Quando Monge (1799, p. 5 ) diz: “o primeiro passo que vamos dar nesta
matéria deve ser indicar o modo de representar o ponto no espaço” (tradução
nossa)137, ele desvia-se de explicar o conceito de ponto. No entanto, conseguimos
investigar o que ele entendia por ponto acompanhando suas lições. A representação
do ponto, de fato, Monge só vai mostrar quando aborda o problema da projeção do
ponto, o modo de representar o ponto na figura 1 de Géométrie descriptive.
Analisamos tal representação ao comentarmos sobre a projeção do ponto seguindo
o discurso de Monge.

“As superfícies de todos os corpos da natureza podem ser consideradas de


pontos” (tradução nossa)138, como entende Monge (1799, p. 6), o que lhe assegura
dar o primeiro passo necessário ao método, e de fato é um pensamento antigo. De
acordo com Ribinikov (1991), a aplicação do ponto encontrou-se relacionada à idéia
filosófica atomista ainda na escola de filosofia natural de Demócrito
(aproximadamente 460-370 a. C.). Demócrito considerava os corpos constituídos de
pequenos átomos, ou seja dimensões primárias, e as diferenças entre os corpos
determinadas pela forma, posição e método de união dos átomos que os compõe.

Essa idéia de Monge em entender os corpos como possíveis de serem lidos


pela matemática, considerando-os definidos por pontos, antecipa a maneira que
ainda tratamos as formas na arquitetura. O sistema de Monge nos trouxe a
possibilidade de entender as formas como são reconhecidas nos sistemas de
computação gráfica. O que na verdade muda é o aparato de leitura das formas,
compostas por pontos: em Monge se dá diretamente através do desenho, enquanto
nos sistemas informáticos a representação gráfica aparece como resultados de
operações com números.

Por outro lado, a possibilidade de transcrever o espaço perceptivo com


pontos elimina a incerteza que tem a mão ao desenhar livremente, “o traçado fica
deste modo, poupado a qualquer alienação verificável na natureza e atinge a
precisão do sinal que reflete a modalidade de proceder na abstracção

137
“[...] lê premier pas que nous allons faire dans cette matiére doit être d’indiquer la manière dont on
exprime la position d’un point dans l’espace.”
138
“Les surfaces de tous les corps de la nature pouvant être considérées comme composées de
points”
199

lógica”.(MASSIRONI, 1982, p.148) Assim, Monge se serve de próteses mentais, o


que podemos considerar uma preliminar aproximação dos atuais sistemas de gráfica
digital.

Antes de Monge, Descartes entendeu que a geometria ocupava uma


posição intermediária entre o sensível e o abstrato, e que por essa razão podia filtrar
os dados da pesquisa empírica na construção de um saber unitário. Nesse sentido,
certamente Descartes sabia que não se podia prescindir da percepção e que se
deveria chegar ao intelecto.

O mundo da qualidade sensível, imediatamente acessível ao


conhecimento, é substituído por um mundo de grandezas, formas e
relações, por um mundo suscetível de mensuração. O que durante
séculos foi considerado um autorizado critério de verdade, o
conhecimento directo – é agora julgado ilusório... afirmando que a
realidade não é necessariamente a que aparece aos nossos sentidos.
O que até agora foi o fundamento último da explicação dos fenômenos,
torna-se, por sua vez, um problema que exige ser explicado com novas
categorias. (AMSTERDAMSKI, 1981 apud MASSIRONI, 1982)

A motivação de Monge para representar o espaço graficamente se deu pela


necessidade de simplificação da matemática que já estava muito avançada para a
época.

“A extensão progressiva do campo matemático, a purificação contínua


dos seus conceitos, o poder sempre reforçado dos seus métodos, o
movimento de avanço para uma matematicidade concebida como
horizonte levam pensar numa forma evolutiva conexa, mas pontuada
de estádios, de etapas e de crises, reorganizações globais dum saber
transmitido sem perdas, portanto, incessantemente acumulado.[...] No
seu progresso, as matemáticas melhoram o seu rigor e a sua pureza
[...] O julgamento recorrente torna-se então julgamento de aplicação.

Para nós, a geometria de Tales reduz-se a uma métrica de-mestre-


pedreiro, Desargues não nos parece mais que um perito a talhar
pedras, abóbodas e escadas, Descartes um engenheiro, Monge um
arquitecto ou um perito em desaterros ou aterros de gênio civil [...]“
(SERRES, 1993, p. 22)

Monge criou uma linguagem matemática universal nova para a


representação na arquitetura, da qual podemos reconhecer o conceito de ponto
utilizado para representar as superfícies do espaço como resultado de uma evolução
de entender o espaço. Com Monge consolidou-se a possibilidade da imagem ser
200

resultante de um conjunto de pontos, o que ocorre na fotografia139 e nos atuais


pixels da telas de computador, também recursos da representação arquitetônica.

Epistemologicamente, o ponto esta na origem da concepção do universo.


Não nos interessando se a representação do universo ptolomaica ou a coperniciana
nos diz mais da verdade do universo. O certo é que nas duas representações
encontram-se tornados visíveis os conhecimentos amadurecidos até aquele
momento. (figuras 2.11 e 2.12)

Fonte: MASSIRONI (1982, p.135)


Figura 2.11 – Modelo de universo segundo a concepção ptolomaica da edição de 1539 da
Cosmografia de Pietro Apiano.

139
Sobre a fotografia como representação na arquitetura encontramos ampla crítica em Arquitectura
como collage de Fuão (1992).
201

Fonte: MASSIRONI (1982, p.135)

Figura 2.12 – Modelo de universo apresentado na primeira edição (1543) do De Revolutionibus


Orbium Coelestium de Nicolau Copérnico.

De fato, uma das condições de inteligibilidade dos modelos de universo,


quer seja de Ptolomeu ou de Copérnico, é possuir uma forma registrável pelos
nossos aparelhos sensoriais, que medie a identificação formal entre o objeto e sua
descrição. Segundo Massironi (1982, p. 136), “disso depende o facto de a
aproximação morfológica ser inerente à ciência da natureza”. No pressuposto de
mundo, nos dois exemplos, de um ponto original central estruturava-se o mundo.
Então o ponto, nessas duas representações, está na origem do mundo visível como
recoloca Monge, ainda a exemplo de Descartes (figura 2.13), que também
reconhecia a possibilidade de tornar visíveis as idéias representando pontos.
202

Fonte: MASSIRONI (1982, p.127)


Figura 2.13 – Representação da estrutura dos vórtices de Descartes em 1644.

Para Monge (1799, p. 5), “o espaço não tem limites; todas as suas partes
são perfeitamente semelhantes, nada tem que as caracterize, e nenhuma delas
pode servir de termo de comparação para indicar a posição de um ponto”. (tradução
nossa)140 O espaço é abstrato e nele o ponto (entendido como abstração
matemática) dá visibilidade às formas. Monge repete o mistério da criação. Desde os
primeiros versículos do Gêneses a visibilidade do mundo depende de Deus, o que
vai se invertendo com avanços da ciência. Justamente nesse movimento da ciência
contra a metafísica avançava a matemática, incluindo os conceitos dos quais Monge

140
“L’espace est sans limites; toutes ses parties sont parfaitement semblables, elles n’ont rien qui les
caractérise, et aucune d’elles ne peut server de terme de comparaison pour indiquer laposition d’unn
point. ”
203

se apropria para representar o ponto, dando visibilidade aos corpos no espaço


abstrato.

Monge insere os problemas da natureza, os corpos da natureza no espaço,


uma relação reconhecida por Argan (1961, p. 14), que afirma: “não há dúvida de que
o problema da natureza é um componente do conceito de espaço”.(tradução
nossa)141. Porém, o problema da conceituação do espaço, recortando ao que
interessa para a arquitetura, vai se transformando continuamente. No final do século
XVI e início do século XVII a arquitetura é pensada como representação do espaço,
e à medida que o tempo avança passa a ser tratada como determinação do espaço,
como consideramos atualmente.

Para Monge, o ‘espaço indeterminado’ precede o objeto que se insere no


espaço, necessariamente determinado por um sistema de referência a ser
estabelecido. Um sistema de referência é um modelo de hierarquia. Segundo Serres
(1993, p. 109), é “a razão de todos esses lugares, pontos ou fenômenos, referindo-
os a um elemento, com isso privilegiado: pólo, vértice, ponto, recta ou plano, qual a
importância? Ele ordena, comanda e dita a lei. Transfere-se para lá o poder e a
razão. [...] Daí, o irresistível apelo da nossa razão cultural, nascida sem dúvida
nesses tempos, [...] a pensar que só é racional um sistema de referência. Se razão
iguala relação, referir vale raciocinar”.

Eis no plano de referência, fixadas a ordem da construção e da arquitetura


como trabalho intelectual, uma nova linguagem.

2.1.3 REFERÊNCIA

Para alcançar o primeiro objetivo da geometria descritiva, ou seja,


representar com exatidão o objeto que tem três dimensões em desenhos com duas
dimensões, Monge se propõe a estabelecer o modo mais conveniente de
representação do ponto no espaço. Inicia afirmando que

141
“No hay duda de que el problema de la naturaleza es un componente del concepto del espacio”.
204

entre todos os objetos simples vamos buscar quais são os que


apresentam mais facilidade para determinar a posição de um ponto; e
como na geometria nada é mais simples que um ponto, examinaremos
a que espécie de considerações se chegaria, se para determinar a
posição de um ponto lhe referisse a um certo número de outros pontos
cuja posição fosse conhecida; enfim, para expor isto com maior
clareza, indicaremos estes pontos conhecidos pelas letras A, B, C etc.
142
MONGE (1799, p. 6, tradução nossa)

Ao denominar os pontos supostos como sistema de referência com letras,


Monge pressupõe sua teoria da representação como um sistema de linguagem
matemática, idéia comum nas ciências. “O grande livro do mundo, ou seja, a física
do macrocosmos, diz Galileu, não pode ser entendida se antes não se começar a
entender a língua e a conhecer os caracteres em que está escrito o universo, ele
está escrito numa língua matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e
outras figuras geométricas, sem os quais é impossível entender, humanamente,
palavras”. (MELANDRI, 1968, p.662 apud MASSIRONI, 1982, p. 142)

Descartes, com a sua geometria algébrica, descobriu uma linguagem


particularmente fiel para exprimir em fórmulas, variáveis visíveis. Ele fala do desenho
melhor que Euclides. Tratava não só da percepção, mas de constatar a
funcionalidade operativa dos problemas tratados. Dessa maneira, configurou o
pensamento mecanicista que procurava conjugar a observação sistemática da
realidade com hipóteses matemáticas, as bases da geometria descritiva.

É natural que nessa linguagem matemática que Monge propôs na procura


de desvelar as formas da natureza ele necessitou de objetos artificiais, no caso os
elementos geométricos que, com base em um trabalho mental, conseguem obter
analogia com o real. Requer aqui que tratemos a linguagem da geometria descritiva
como operadora da metáfora, admitindo desde o início o entendimento de que a
metáfora opera na arquitetura como adequada à prática projetual. Enquanto a
metáfora inventa a alegoria copia.

142
“Parmi tous les objets simples, nous allons rechercher quels sont ceux qui presentment plus de
facilité pour la determination de la position d’un point; et parce que la géométrie n’offre rien de plus
simple qu’un point, nous examinerons dans quell genre de considerations on seroit entraîne, si, pour
determiner la position seroit connue; enfin, pour mettre plus de clarté dans cette exposition, nous
désignerons ces points connus par les letters successives A, B, C, etc.”
205

O projeto, embora não despreze a atividade manual, mantém fortes vínculos


com a atividade intelectual e, como tal, é uma idéia que vem sendo exposta a partir
da noção de mímesis, introduzida por Aristóteles. Ganha corpo na formação do
pensamento arquitetônico com o primeiro grande tratado de arquitetura – De
reaedificatoria – publicado por Alberti no século XV, na sua teoria clássica da
imitação, e é retomado por Quatrémere de Quincy no século XIX. (PANISSON,
2005)

Conforme Oliveira (2001, p. 74), Quatrèmere de Quincy ultrapassa a


concepção tradicional que via na mímese, a ação de emular a natureza. Definindo-a
como um processo de abstração, remete o problema para limites reconhecíveis
dentro de um quadro epistemológico cujo interesse mantém, hoje, plena validade.

A representação arquitetônica constitui a primeira condição da imitação. A


imitação modifica e aperfeiçoa o tipo, enquanto (re)apresenta o projeto, o que não
caracteriza cópia. A reprodução, ou cópia, apenas duplica o modelo, apresentando-o
sem novas composições ou recomposições. Na composição arquitetônica vista
como processo imitativo, a operacionalização do projeto deve ser tratada com
recursos de representação vinculados à metáfora. Isto é, ao reconstruir a imagem de
um objeto a partir de outro a metáfora inova.

Oliveira (1992), fundamentado em Ricoeur, explica que é freqüente a


confusão entre metáfora e alegoria. Talvez seja possível ver eventualmente na
alegoria o remanescente de uma metáfora tornada “decorativa” pela evocação
nostálgica de um sentido que já não mais opera no sentido da linguagem. A imagem
neste caso não se instala na própria estrutura do discurso, mas a ele adere
superficialmente, tornando-se efetivamente ornamento ou mesmo máscara.

Enquanto a metáfora remete ao tipo e a invenção, a alegoria em vez de


transformar o objeto não faz mais do que refleti-lo como se fosse espelho. Fica então
implícita a validade da invenção, na prática da arquitetura, explicitando relações
entre os objetos como se fosse um novo reescrever, oferecendo uma nova leitura,
operada pela metáfora. D’agostino (2006, p. 89) observa que

a estrondosa resposta dada pela contemporaneidade a diretrizes


estéticas modernas – revivescendo preocupações tipológicas,
contextualistas [...] – pôde ver-se igualmente atraída pela Ilustração – e
não por acaso seu interesse pelas questões de representação e
206

linguagem sugere uma nova orientação estética, influenciada pela


lingüística.
Argan (1973, p. 157) nos diz que “a cultura dos projetos veio depois de um
outro tipo de cultura, que era a cultura do modelo. Há uma diferença notável entre a
idéia de projeto e a idéia de modelo”. Uma vez que a ação projetual seja entendida
como explica Argan, não a cópia de um modelo mas sim a invenção a partir do tipo,
é coerente reconhecer o aparecimento da figura da metáfora. Um reconhecimento
que recai sobre a metáfora como elemento de transposição do tipo a um novo
projeto, operando intrinsecamente à representação.

Segundo Oliveira (2000), não há filiação entre invenção e representação


mas o desenrolar de percursos paralelos. Assim, entre invenção e representação há
uma interação fundamental, ou seja, se “supõe que o sujeito se represente os dados
oferecidos à sua visão de um modo inteiramente distinto de como os percebe
diretamente: corrige em espírito a coisa que vê, isto é, evoca posições,
deslocamentos ou, talvez, até mesmo objetos, sem que os observe atualmente em
seu campo visual” (PIAGET, 1936, p. 306 apud OLIVEIRA, 2000, p. 102).

Considerando discutido o vínculo da representação com a invenção,


retomamos ao assunto da escolha de referência para explicar a representação do
ponto no espaço, Monge (1799, p. 7-11) afirma que

se vê que empregando, para determinar a posição de um ponto no


espaço, suas distâncias a pontos conhecidos, os quais
necessariamente devem ser três, nos vemos conduzidos a
considerações que não são bastante simples para servir de base aos
procedimentos de um uso freqüente.
Busquemos agora quais seriam as condições que encontraríamos, se
em lugar de referir a posição do ponto a outros três conhecidos, se lhe
referisse à linhas retas de posição dada. [...]
Para simplificar chamaremos sucessivamente A, B, C, etc as retas que
nos veremos obrigados a empregar. [...]
Se vê que as considerações pelas quais foi necessário passar para
determinar a posição de um ponto no espaço, por meio do
conhecimento de suas distâncias a três linhas retas conhecidas, são
muito menos simples que aquelas que deram lugar a suas distâncias a
três pontos, e que por conseqüência são menos úteis para servir de
base à métodos de que se deve fazer-se uso com freqüência.
Entre os objetos mais simples que considera a geometria é necessário
notar particularmente: 1o o ponto que não tem dimensão alguma, 2o a
linha reta que não tem mais de uma dimensão; 3o o plano que tem
duas dimensões. Vejamos se seria mais simples determinar a posição
de um ponto por meio de suas distâncias referidas a planos
conhecidos, que não empregar suas distâncias a pontos ou a linhas
retas dadas.
207

Suponhamos pois que haja no espaço planos não paralelos,


conhecidos de posição, e que indicaremos sucessivamente pelas letras
A, B, C, D e etc.[...]
Se vê pois que, ainda a respeito de suas dimensões, o plano seja um
objeto menos simples que a linha reta, que não tem mais de uma, e
que o ponto, que não tem nenhuma, apresenta não obstante mais
facilidade que o ponto e a linha reta para a determinação de um ponto
no espaço; este é o procedimento que se emprega ordinariamente na
aplicação da álgebra à geometria, na qual, para buscar a posição de
um ponto, costuma-se buscar suas distâncias a três planos de posição
conhecidas.
Porém na geometria descritiva, que muito tempo antes haviam posto
em prática um grande número de homens, para quem o tempo era
precioso, se tem simplificado ainda os procedimentos; e em lugar da
consideração de três planos, chegou-se, por meio de projeções, a não
ter necessidade explicitamente senão de dois. (tradução nossa) 143

Considerando as reflexões de Monge com relação à determinação do


sistema de referência, Fourier discutiu a interdependência entre elas (figura 2.14),
baseado na idéia de lugar geométrico. Na conclusão da verificação explica que o
lugar geométrico dos pontos fixos eqüidistantes de um ponto é uma esfera, dos

143
“On voit qu’en employant, pour déterminer la position d’un point dans l’espace, ses distance à
d’autres points connus, et don’t le nombre est nécessairement trois, l’on est entraîné dans des
considérations qui ne sont pas assez simples pour servir de base à des procédés d’un usage habituel.

Recherchons actuellement quelles seroient les considerations auxquelles on seroit conduit, si, au lieu
de rapports la position d‘un poin à trios autres points connus, on le rapportoit à des droites données
de position.[…]
Pour simplifier, nous nommerons successivement A,B,C, etc.,ls droites que nous serons obligés
d’employer. […]
On voit que les considérations auxquelles on est conduit pour déterminer la position d’un point dans
l’espace par la connoissance de ses distances à trois lignes droites connues, sont encore bien moins
simples que celles auxquelles donnent lieu ses distances à trios points, et qu’ainsi elles peuvent
encore moins server de base à des méthodes qui doivent être d’un service fréquent.

Parmi les bjets simples que la géométrie considèe, il faut remarquer principalement, 1º. le point qui n’a
aucune dimension; 2º. la ligne droite qui n’em a qu’une; 3º. le plan qui em a deux. Recherchons s’il ne
seroit pas plus simple de déterminer la position d’um point par la connoissance de ses distances à des
points ou à des lignes droites.
Supposons donc qu’il y ait dans l’espace, des plans non parellèles, connus de position, et que nous
désignerons successivement par les lettres A, B,C, D, etc. […]
On voit donc que, quoique, par rapport au nombre de ses dimensions, le plan soit un objet moins
simple que la ligne droite qui n’en a qu’une, et que le point qui n’em a pas, il présente cependant plus
de facilité que le point et la ligne droite pour la détermination d’um point dans l’espace: c’est ce
procédé que l’on emploie ordinairement dans l’application de l’algèbre à la géométrie, ou, pour
chercher la position d’un point, on a coutume de chercher ses distances à trois plans connus de
position.
Mais dans la géométrie descriptive, qui a éte pratiquée depuis beaucoup plus long-temps par un
beaucoup plus grand nombre d’hommes, et par des hommes dont le temps étoit précieux, les
procédés se sont encore simplifiés ; et au lieu de la considération des trois plans, on est parvenu, au
moyen des projections, à n’avoir plus besoin explicitement que de celle de deux. ”
208

pontos eqüidistantes de dois pontos fixos é um plano e dos pontos eqüidistantes de


três pontos fixos é uma reta, o que foi muito elogiado por Monge. (GANI, 2004).

Fonte: GANI (2004)


Figura 2.14 – Estudos sobre lugar geométrico propostos por Fourier.

Quanto às explicações de Monge sobre a escolha da referência para a


projeção de um ponto salientamos a complexidade do raciocínio que resultou na
simplicidade do método que irá introduzir explicando a projeção ortogonal. Podemos
concluir que para Monge o exercício da razão deve permear o entendimento dos
problemas espaciais precedendo à solução gráfica.

Precedendo à proposição de Monge, a perspectiva interpretava e controlava


a realidade pela razão. Quando Dürer coloca a imagem num quadrilátero geométrico
nos apresenta o processo de algebrização dos procedimentos projetivos utilizados.
Entretanto, de acordo com Borda (2001) a perspectiva não acrescentava melhoras
na representação arquitetônica e foi valorizada por um curto período. Devemos
então a Monge a retomada da racionalização na representação, abarcando
problemas perceptivos e métricos.

Curiosamente, os raciocínios demonstrados por Monge quando inicia suas


lições de geometria descritiva não são encontrados em alguns livros consultados
entre, os quais Cardone (1999), Machado (1988), Ricca (2000) e Rodrigues (1973).
É de se pressupor, entretanto, que tais livros tenham sido utilizados como referência
para o ensino de geometria descritiva no ensino de arquitetura atualmente.
209

2.1.4 PROJEÇÃO ORTOGONAL

Só depois de feitas considerações para escolher o sistema de referência


para um ponto no espaço e estabelecido o plano para tal fim é que Monge (1799, p.
11) vai estabelecer o conceito de projeção ortogonal. Inicia então o item 6, dizendo
que “se chama projeção de um ponto sobre um plano o extremo da perpendicular
baixada desde o ponto até o plano” (tradução nossa)144. Em seguida, estabelece as
condições de projeção do ponto, ainda no espaço, a partir do conceito de projeção
do ponto que apresenta. “Apoiado nisto, existindo dois planos de posição conhecida
no espaço e, se sobre cada um destes existir uma projeção de um ponto cuja
posição se quer determinar, este ponto estará perfeitamente determinado.” (tradução
nossa)145

Continua, explicando a reversibilidade do processo de determinação de um


ponto no espaço, dizendo que,

Em efeito, se a partir das projeções do ponto nos planos de projeção


conhecidos forem tiradas perpendiculares, estas serão retas do espaço
que ao se interseccionarem determinam a posição do ponto no espaço:
[...] logo este ponto se achará ao mesmo tempo sobre duas linhas retas
de posição conhecida no espaço, será por conseguinte o único ponto
de sua intersecção, e enfim se achará perfeitamente determinado.
146
(tradução nossa)

Monge mais uma vez privilegia o entendimento espacial como requisito do


bidimensional. Depois de explicar sobre a projeção do ponto e da necessidade de
plano de projeção de referência, apresenta os procedimentos da projeção do ponto
sobre os planos de projeção sem ainda tratar da representação como resultado
bidimensional.

144
“On appelle projection d’um point sur um plan le pied de la perpendiculaire abaissée du point sir le
plan.”
145
“Cela posé, si l’on a deux plans connus de position dans l’espace, et si l’on donne, sur chacun de
ces plans, la projection du point dont on veut définir la position, ce point sera parfaitement déterminé.”
146
“En effet, si par la projection sur le premier plan on conçoit une perpendiculaire à ce plan, il es
évident qu’elle passera par le point défini; de même si, par as projection sur le second plan, on conçoit
une perpendiculaire sur ce plan, elle passera de même par le point défini: donc ce point sera en
même temps sur deux lignes droites connues de position dans l’espace; donc il sera le point unique
de leur intersection; donc enfin il sera parfaitement déterminé.”
210

Entendemos a partir da explicação de Monge sobre projeção de um ponto a


sua idéia de projeção, a mesma dos gregos. De acordo com Serres (1993), em As
origens da geometria a produção dos gregos é a projeção. É a otimização de um
sítio projetante, originada das posições assumidas pelos observadores dos
encenadores ilusionistas como um sobrevôo do alto ou de fora do mundo. A
projeção do ponto na geometria descritiva retira quem representa do espaço de
representação e coloca-o ‘fora do mundo’.

Cabe lembrarmos que, segundo Gani (2004), a idéia de colocar o


observador no infinito para operar com projeções foi considerada na obra Manière
universselle de Desargues, em 1636. Entretanto, os trabalhos de Desargues,
considerados complexos para a sua época, não foram bem aceitos. Coube a Monge
retomá-los. Então, numa época em que precisão e uniformidade eram exigidas, o
espaço matemático com o observador no infinito enfim foi bem aceito. Um
observador no infinito, requisitado por aspectos sociais, representando, em projeção
ortogonal, códigos iguais para todos, enquanto permite obscurecer a desigualdade
social.

O plano de representação, na projeção ortogonal, exclui a diferença


entre as linhas e os planos derivados de uma hierarquia da
profundidade avaliada de um ponto de vista no horizonte. O horizonte é
uma linha hipotética definida a partir da altura do olhar do observador.
O infinito é um conceito abstrato tal como abstrato é o funcionamento
do capital, baseado na dinâmica de uma relação.

É como o mundo burguês gosta de se representar numa imagem sem


profundidade, desprovida dos conceitos abstratos de liberdade e
igualdade – todos os homens são teoricamente iguais – assim a
complexidade dimensional dos objetos representados perde espessura,
desagregada em planos que permitem – leitura única – a sua medição
quantitativa e isotrópica. (MASSIRONI, 1982, p. 41)

Antes de Monge a projeção foi utilizada em tempos remotos como saber


intuitivo. De saber intuitivo passou a ser estudada na perspectiva, na representação
que imitava o olho que percebia um espaço. O olho que especulava o espaço nas
tabuletas de Brunelleschi147: (figura 2.15)

Seu aparato colocava o olho do observador no centro de projeção,


dando uma total ilusão de profundidade. Evidentemente, a borda do

147
No capítulo A perspectiva florentina e o desenvolvimento da ciência moderna, Katinsky (2002)
trata sobre as tabuletas de Brunelleschi com minuciosa explicação.
211

orifício tinha por objetivo eliminar o campo periférico, ou seja descurvar


o espaço perceptivo e dar-lhe a maior homogeinidade possível a zona
focal central, onde a curvatura é mínima. Essa circunscrição do olhar é
a condição da geometrização do campo de visão, e toma como ponto
de partida o buraco da câmera. O invento põe o olho do observador
dentro do espelho, justo no ponto virtual da imagem, produzindo assim
o efeito de profundidade, de realismo, e destruindo o sentido de
orientação. Tirava o observador de dentro da cena, de dentro do
148
representado. (FUÃO, 1992, p. 45, tradução nossa, grifos nossos)

Fonte: KATINSKY (2002, p. 85)


Figura 2.15 – Representação ideal da tabuleta e do espelho na experiência de Brunelleschi.

A geometrização do campo da visão e a retirada do observador do espaço


da representação ocorridas na perspectiva anunciam uma revolução na teoria da
representação do espaço que vai se adequar aos fundamentos da sistematização da
geometria descritiva. A idéia de projeção ortogonal de Monge não é nova.
Desargues ao querer unir os dois tipos de projeção, paralela e central, entendeu que
a projeção paralela podia ser considerada como uma projeção central na qual o
ponto de vista estava no infinito e assim generalizar os dois sistemas de projeção. O
que restou a Monge foi propor a projeção ortogonal como um conhecimento

148
“Su aparato colocaba el ojo del observador em el centro de projeción, dando uma total ilusión de
profundidad. Evidentemente, el borde del orificio tenia por objetivo eliminar el campo periférico, o sea
descurvar el espacio perceptivo y darle la mayor homogeneidad posible a la zona focal central, en
donde la curvatura es mínima. Esta circunscripción de la mirada es la condición de la geometrización
del campo de visión, y toma como punto de partida el agujero dela cámara. El invento pone el ojo del
observador dentro del espejo, justo en el punto virtual del imago, produciendo assí el efecto de
profundidad, de realismo, y destruyendo el sentido de orientación. Tiraba al observador dentro de la
escena, dentro de lo representado.”
212

adequado à sua época. De pé e olhando de frente ninguém vê o mundo como veria


olhando de cima. Ao possibilitar a vista de cima o esquema teórico da visão autoriza
habilidades. A representação vista de cima é como se houvesse outro mundo. Da
mesma maneira que a projeção, na sua origem, fazia os gregos acreditarem na
democracia, retomada por Monge preconiza ideais revolucionários.

Do ponto de vista histórico-econômico, a formação da geometria


descritiva acontece na altura em que a acumulação capitalística (sic)
leva à concentração da produção em face da dispersão da oficina
artesanal e transforma o mestre-artesão em operário. E se, no início se
poderia de uma aristocracia operária cônscia do próprio
profissionalismo, à distância devia tornar-se mão-de-obra
indiferenciada, puro valor de troca. Eis então que o “ser aqui e agora”
do Príncipe – visto como propósito no ponto de fuga da construção
perspéctica – se transforma numa “presença indefinida” que se impõe
com o paralelismo das suas regras, apresentadas como princípios
morais e por isso como tais, provenientes do infinito e tendentes ao
infinito, em analogia com os conceitos de “Liberdade, Igualdade e
Fraternidade”. (MASSIRONI, 1982, p. 41)

No plano teórico da geometria descritiva, um dos ganhos mais importantes


que Monge alcançou foi a determinação dos fundamentos da projeção diédrica como
sistema de representação:

Porém na geometria descritiva, que muito tempo antes a havia posto


em uso um grande número de homens, para que o tempo era precioso,
se tem simplificado alguns procedimentos; e em lugar da consideração
de três planos, chegou-se, por meio de projeções a não ter
necessidade explicitamente mais de dois. (MONGE, 1799, p, 11,
149
tradução nossa)

Após a conclusão de Monge em usar dois planos de projeção para sistema


de referência, Gino Lória trata da introdução de um terceiro plano de projeção,
conhecido como plano de perfil, perpendicular aos outros dois, constituindo a base
de um sistema de coordenadas cartesianas ortogonais. Lória na sua obra Metodi di
Geometria Descrittiva, publicada em Milão explica que

O plano horizontal, o plano vertical e o plano de perfil constituem um


triedro triretângulo, o qual pode servir de base a um sistema de
coordenadas cartesianas ortogonais. Escolhida uma unidade arbitrária
de medida, um ponto qualquer terá três determinadas coordenadas. É
claro que, sendo dadas a primeira e a segunda, as coordenadas do
ponto ficam determinadas; e vice-versa, estas sendo dadas podem

149
”Mais dans la géométrie descriptive, qui a été pratiquée depuis beaucoup plus long-temps par um
beaucoup plus grand nombe d’hommes, et par des hommes dont le temps étoit précieux, les
procédés sesont encore simplifiés; et au lieu de la considération des trois plans, on est parvenu, au
moyen des projections, á n’avoir plus besoin explicitement que de celle de deux.”
213

desenhar-se as projeções do ponto considerado. Da mesma forma


conduzem-se da representação analítica de uma reta ou de um plano a
correspondente representação gráfica, recorrendo-se aos traços da
reta e do plano, considerados nos três planos ortogonais. Tal operação
torna possível enunciar com precisão numérica qualquer problema de
geometria descritiva (supondo-se fixos cada ponto mediante as suas
três coordenadas e determinados os planos e retas por meio de suas
equações) e atingir a perfeição de resolver por dois processos
diferentes, isto é, pelo cálculo e pela épura, qualquer questão
geométrica. ( LORIA, 1925 apud RODRIGUES, 1960, p.70)

Com o terceiro plano de projeção podemos afirmar que Loria secundava


uma idéia de Monge. “A intervenção do plano de perfil na representação das figuras
do espaço pelo método de Gaspar Monge, sem constituir pòpriamente(sic) o terceiro
plano de projeção, já é uma operação auxiliar comumente empregada pela
Geometria descritiva desde sua instituição como ciência.” (RODRIGUES, 1960, p.
71)

Com sentido estritamente prático, o terceiro plano de projeção vem sendo


utilizado na geração de três vistas, em especial para a indústria. O interesse da
representação com três planos de projeção para o aperfeiçoamento do desenho
industrial culminou no método da tríplice projeção ortogonal. Nesse método, a
ortogonalidade dos planos de projeção horizontal e vertical é dispensada, o terceiro
plano de projeção é quem se conserva perpendicular aos outro dois150.

Antes já tratamos sobre a idéia de Monge de que não é necessária a


ortogonalidade entre planos de projeção. E mais, conforme a teoria mongeana os
planos de projeção podem mudar de posição, assumindo diversas posições
angulares entre si, ao que autores subseqüentes denominaram em geral, nas suas
obras, como um método descritivo conhecido por mudança de plano de projeção.
Monge explicou diferente. Estudou ao explicar a projeção da reta, como
apresentamos a seguir.

150
Segundo Rodrigues (1960, p. 72), Mario Gionardi apresentou esse método à Accademia delle
Scienze Fisiche e Matematiche da Sociedade Nacional de Ciências de Nápolis como “Perspectiva
Linear Cilíndrica”.
214

Observamos que ao tratar sobre a projeção do ponto no final do item 6,


Monge (1799, p. 12) revela que essa obra escrita foi adaptada das suas lições dadas
na École normale ao afirmar “nos parágrafos seguintes” (tradução nossa)151.

2.1.7 PROJEÇÃO DE UMA RETA

Os meios de fazer a transposição para o papel, do ponto no espaço, Monge


aborda no item 7 e ilustra na figura 1, que encontramos no final da Géométrie
descriptive com todas as demais figuras para às quais a obra refere-se como anexo.
Monge não apresenta um só ponto para explicar a construção do ponto no espaço,
mas sim o insere na reta determinando-a com as projeções de dois pontos.

Como dois pontos bastam para determinar a posição de uma linha reta,
para construir a projeção de uma reta basta construir a de dois de seus
pontos, e a reta tirada pelas projeções destes dois pontos será a
projeção pedida.

Disto segue, que se a reta proposta é perpendicular ao plano de


projeção, sua projeção se reduzirá a um ponto, que será o seu próprio
152
contato com o plano. (MONGE, 1799, p. 12, tradução nossa)

O autor enfatiza ainda que as perpendiculares que projetam cada ponto no


plano de projeção encontram-se todas em um mesmo plano e, com base nesta
explicação, pode ser concluído que a projeção de uma reta em um plano é a
intersecção desses dois planos: o plano de projeção e o plano definido pelas retas
perpendiculares que projetam cada ponto da reta no plano de projeção (figura 2.16).
Dizendo diferente, a projeção de uma reta é sempre uma reta, salvo o caso em que
a reta estiver perpendicular ao plano de projeção, o que resulta em um ponto.
Monge diz ainda que, como dois pontos são suficientes para construir uma reta,
estes são bastantes para construir sua projeção.

A simplicidade da exposição de Monge sobre a determinação de um ponto


no espaço, com o apoio em uma figura, da qual se aproveita para explicar também a

151
“Dans les paragraphes suivans, [...]”
152
“ Comme deux points suffisent pour déterminer la position d’une ligne droite; pour construire la
projection d’une droite, il suffit de construire celles de deux de ses points, et la droite menée par les
projections de ces points sera la projection demandée.
Il suit de là que, si la droite proposée est elle-même perpendiculaire au plan de projection, as
projection se réduira à um seul point, qui sera celui de as recontre avec le plan.”
215

determinação da projeção da reta, marca uma forte diferença na teoria de Monge


exposta por ele e por autores subseqüentes. A exemplo, no livro Operações
fundamentais e poliedros de Rodrigues (1973), para explicar a projeção do ponto na
geometria descritiva são elaboradas 21 figuras, apresentadas das páginas 11 a 24
da referida obra (figura 2.17). No F.I.C. (1910) também são encontradas 21 figuras
para explicar a projeção do ponto.

Fonte: http://gallica.bnf.fr
Figura 2.16 – Projeção ortogonal de uma reta, colocando em evidência as linhas de projeções de
cada ponto.(MONGE, 1799, planche I, fig. 1)

Fonte: RODRIGUES (1973)


Figura 2.17 – Representação das projeções do ponto.

A figura número 2.18 mostra o funcionamento dos planos de projeção para


que o ponto do espaço possa ser colocado sobre o papel, esclarecendo a questão
216

do rebatimento desses planos. Nesta figura, para melhor entendimento do problema


da determinação do ponto, são utilizados dois pontos, que individualizam um
segmento de reta.

Fonte: http://gallica.bnf.fr
Figura 2.18 – Projeção ortogonal de uma reta, colocando em evidência as linhas de projeções de
cada ponto.(MONGE, 1799, planche I, fig. 2 e 3)

Observando as figuras 2.14 e 2.16 descobrimos sobre o conceito de ponto


de Monge. O ponto aparece identificado apenas pelas letras, nenhuma marca no
desenho lhe caracteriza. O interpretamos como conceitualizado, abstrato como
requer a matemática. No elemento mais primário da representação de Monge, o
ponto, ele o apresenta fundamentado na matemática.

Ao conceber a reta, Monge trata a definição do espaço com base na


geometria euclidiana. O espaço euclidiano correspondia a um espaço tridimensional
em que a distância entre dois pontos era a linha reta, o que de certa maneira é uma
incoerência com o mundo, se o observamos como modelo físico que é uma esfera e
que, ao sair de um ponto para outro o percurso é uma curva. Entretanto, da base
euclidiana que considerava o observador imóvel Monge dá um salto. Com sua teoria
o corpo ganha movimento e a representação vai ao encontro de simular a apreensão
da realidade.

No século XIX a geometria buscou estruturas totalmente independentes do


objeto a ser representado. Nasceram assim as geometrias não-euclidianas, que
sustentavam um modelo espacial independente do espaço real concebido pela
física. Em 1822 Poncelet publicou o Tratado das propriedades projetivas das figuras,
217

no qual se analisavam as implicações matemáticas das técnicas projetivas.


Pretendia buscar as propriedades invariantes das projeções. Poncelet não se
conformava com uma geometria descritiva baseada nas transformações das figuras.
(RIBINIKOV, 1991)

Em 1829 Lobachevsky publicou Sobre os princípios da geometria, onde


escrevia sobre uma geometria não-euclidiana. Quase ao mesmo tempo de
Lobachevsky, Bolbay também reconhece o espaço como não-euclidiano. Ainda no
sentido de configurar um espaço não-euclidiano trabalha Riemann, que, como
professor na Universidade de Gotinga em 1854, professou os princípios que fazem
da geometria uma disciplina. Pela sua exposição os espaços podiam ter ou não ter
forma, ter um número variado de dimensões, determinados por um sistema
coordenado e uma métrica que servia para medir a distância mais curta entre dois
pontos. Esta visão geométrica de Riemann serviu de base para a física de Einsten e
deu lugar ao nascimento da topologia, uma geometria das relações. Riemann,
assim, desprezou a métrica e chegou, se consideramos a etimologia de geometria, a
uma não geometria. (RIBINIKOV, 1991)

Podemos afirmar que Riemann e Monge confrontavam-se conceitualmente.


Entretanto, para a representação arquitetônica, devido a necessidade da métrica,
permanecem válidas as lições de Monge.

Quem quer ensinar geometria de verdade sabe que ela é a tradicional


medida da terra, a medida dos tamanhos fundamentais, que são os comprimentos,
os ângulos nas superfícies e os volumes. Antes de comparar a medida nos objetos
é necessário adquirir uma intuição do espaço em movimento. O movimento de nosso
corpo comparou a medida. A previsão do movimento no espaço é uma abstração.

O ato de imaginar antecipa uma trajetória da abstração geométrica, a origem


cognitiva das linhas que conhecemos para projetar sem espessura. No ensino da
geometria parece necessário que o aluno aprenda inicialmente como ver o espaço
ou aprofundar pelo menos a percepção espontânea. Não podemos ver como
geômetras só aqueles que criaram teorias inovadoras, Arquimedes, Descartes
Newton, Monge ou Poncelet. Também os encontramos entre aqueles que foram
interessados na geometria prática. Ao ensinar com o uso dos instrumentos de
desenho podemos facilitar o acesso ao conhecimento geométrico. Segurando os
218

instrumentos na mão sentimos os movimentos que são as curvas das quais são
compostas as figuras geométricas. A realização, a observação e a transformação
das figuras, elementos essenciais do processo da descoberta conduzem às
conjunturas e a prova das propriedades novas.

Do trabalho prático necessário ao corte das pedras, surgiu a estereotomia e


dessa a geometria descritiva, como ‘medida’ necessária. “Sem figuras significativas,
não pode haver figuras ideais, mas, sem figuras ideais, dificilmente se vai além das
figuras significativas mais imediatas”. (TOURNÈS, 2000, p.133, tradução nossa)153

2.1.8 PLANOS DE PROJEÇÃO

Considerando que a teoria da representação mongeana é comumente


apresentada com o uso de dois planos de projeção perpendiculares entre si,
apresenta novidade os esclarecimentos do item 8: sobre a determinação de um
ponto do espaço, segundo Monge (1799, p. 12), “é independente da posição dos
planos de projeção, e se verifica igualmente, qualquer que seja o ângulo que estes
dois planos de projeção façam entre si” (tradução nossa)154, porém, se forem muito
obtusos geram retas perpendiculares entre si muito agudas na determinação de um
ponto e daí, na prática, pequenos erros poderiam ser alterados para grandes na
determinação da posição de uma reta.

Monge sugere que para evitar inexatidão e para familiarizar com a


linguagem dos artistas sejam colocados os planos de projeção, um na posição
horizontal e outro na posição vertical. Monge (1799, p. 13) justifica que “[...] como a
maior parte dos artistas que fazem uso do método das projeções estão muito
familiarizados com a posição de um plano horizontal, e com a direção de um fio à
prumo, costumam supor que dos dois planos de projeção, um seja horizontal e o

153
”Sans figures sensibles, il ne peut y avoir de figures idéales, mais, sans figures idéales, on ne va
guère au-delà des figures sensibles les plux immédiates.”
154
“est indépendant de la position des plans de projection, et a lieu également, quel que soi l’angle
que ces deux plans fassent entre eux.”
219

155
outro vertical”. (tradução nossa) E, como as matemáticas evoluem, vasculhando
tempos anteriores a Monge encontramos outras origens para o diedro:

[...] os construtores ou arquitectos não começam nunca a edificar sem


colocar “chaises” (“cadeiras”) cuja forma marca e mede a pequena
parte de terra que se propõe a organizar aqui e acolá, nos cantos
normais do edifício a nascer, eles enterram pequenas estacas, pelo
menos três, ligadas por pranchas planas, horizontais e perpendiculares
entre si. Este aparato sobre os terrenos, antes que se cave lá a
fundação, chama-se cadeira: tripla base ou referência, em
comprimento, largura e altura, esta velha palavra francesa, polida pelo
uso, reproduz, escondendo-a, a palavra erudita cátedra, que é preciso
entender aqui no sentido que a geometria dá ainda às palavras diedro
e poliedro.

Os eixos de coordenadas cartesianas reproduzem, portanto, as


cadeiras; nem um historiador, se enganaria, se a língua as
denominasse cátedras. Mestre do espaço, Descartes, construtor,
transpôs para o plano os actos dos pedreiros. Ele dispôs-se a construir
uma catedral. Não, a cadeira ou a cátedra não designam, aqui, o
assento do bispo, mas a referência para qualquer medida do edifício;
ora o assento do bispo evocou também esta função. As cadeiras são a
fundação abstracta do edifício. Os eixos de referência, em Descartes,
preenchem as mesmas condições. (SERRES, 1993, p. 24)

São assim explicadas a origem e a fundamentação do diedro na


representação de Monge, e que nos interessa duplamente na construção. Monge
confirma, busca solução de problemas da construção de edifícios com sua
geometria. Entretanto sobre a adoção da posição dos planos de projeção,
comparando-se as proposições de Monge com publicações subseqüentes sobre a
sua teoria, novamente encontra-se diversidade. Os planos de referência da figura
2.16 limitam-se a mostrar o espaço dividido em duas partes e, não em quatro
diedros como comumente é apresentada a teoria mongeana. Esses quatro diedros
como é comumente apresentada a geometria descritiva são invenções posteriores,
que ainda são reforçadas pela denominação de sistema diédrico.

É com a determinação dos planos de projeção que aparece o termo


charneira, definida como a reta de intersecção entre os planos vertical e horizontal
de projeção, utilizada para, através do giro do plano vertical, colocá-lo sobre o plano
horizontal e possibilitar a construção das projeções com os planos nesta situação.
Monge explica que foi a necessidade de fazer os desenhos das projeções no mesmo

155
“comme la plupart des artises qui font usage de la méthode des projections sont três-familiarisés
avec la position d’um plan horizontal et la direction du fil à plomb, ils ont coutume de supposer que,
des deux plans de projections, l’um soit horizontal et l’autre vertical.”
220

papel que determinou a concepção do plano vertical girando entorno da charneira


sobre o plano horizontal. Fica determinado então que a projeção vertical está
sempre traçada sobre o plano horizontal, como ilustra a figura número 2.16,
resultando que uma vez traçada a projeção horizontal de um ponto do espaço a
projeção vertical deste ponto, rebatida entorno da charneira sobre o plano horizontal,
vai ser encontrada sobre uma reta perpendicular a charneira, na qual encontram-se
projeção vertical e horizontal do referido ponto no espaço.

A diferenciação entre Monge e autores que utilizam quatro diedros na


apresentação do espaço remete a visão essencial diferenciada de Monge, próxima
dos problemas práticos, enquanto os outros estabelecem conotações mais
abstratas. Nos pronunciamos assim por Monge.

2.1.9 VERDADEIRA GRANDEZA DE UMA RETA

No item 9, os problemas da posição do segmento de reta no espaço e sua


verdadeira grandeza são discutidos com base nas projeções de seus pontos.
Explica-se que se o segmento de reta é paralelo a um dos planos de projeção, sua
verdadeira grandeza aparece neste plano e pode ser verificado com segurança seu
paralelismo nesta condição, quando sua projeção sobre o outro plano de projeção
for paralela ao primeiro destes dois planos e também a charneira. No caso do
segmento de reta ser oblíquo aos dois planos de projeção seu tamanho real é maior
do que aparece nas projeções e pode ser deduzido de maneira simples, como ilustra
a figura 2, planche I, da obra (figura 2.16): o tamanho real do segmento é a
hipotenusa de um triângulo cujos lados que formam o ângulo reto são iguais a
projeção horizontal deste segmento e a diferença de cotas entre os pontos no
espaço. Monge salienta que estando em perspectiva paralela, o triângulo da figura 2,
planche I, não mantém nenhuma relação com o método das projeções e apresenta
então a figura 3, planche I, para resolver a questão com simplicidade.

A figura 2.16 apresenta o segmento de reta com suas projeções não em


verdadeira grandeza e, na mesma figura em projeção vertical a verdadeira grandeza
deste segmento, em uma operação que só graficamente não ilustra com clareza o
221

método para encontrar a verdadeira grandeza de um segmento de reta oblíquo aos


dois planos de projeção. O texto que refere-se a figura 3, planche I, explica que o
comprimento do segmento em projeção horizontal é transportado para a projeção
vertical como um dos lados do triângulo retângulo cuja hipotenusa é a verdadeira
grandeza do segmento em questão.

Por essas demonstrações das figura 2 e figura 3, planche I, que apresenta


Monge, pode-se concluir que Monge valorizava o entendimento tridimensional para a
posterior solução gráfica do problema. Recai sobre isso, então, forte diferença se
comparada à maneira de tratar a representação como encontramos em alguns
tratados anteriores a obra de Monge. Essas obras não conseguiam fazer com
clareza e domínio a transposição do tridimensional para o gráfico como sistematiza
Monge. Esse problema comparece ainda na produção subseqüente a obra de
Monge, como constata Gani (2004): as discussões teóricas da geometria descritiva,
foram permutadas por exercícios propostos para treinar o método.

[...] se vê que se têm duas projeções de um corpo determinado por


superfícies planas, por arestas retilíneas e por vértices de ângulos
sólidos, projeções que se reduzem a sistemas de arestas retilíneas,
será fácil determinar o comprimento de qualquer de suas dimensões;
pois ou esta dimensão será paralela a um dos planos de projeção, ou
será ao mesmo tempo oblíqua aos dois; no primeiro caso o
comprimento pedido da dimensão será igual a sua projeção; no
segundo caso se deduzirá a dimensão de suas duas projeções pelo
método que acabamos de descrever. (MONGE, 1799, p. 15, tradução
156
nossa)

Com essa explicação, que implica em entender a reta com movimento no


espaço, portanto assumindo diferentes posições no espaço, Monge sistematiza a
possibilidade de representar o objeto em movimento no espaço. A representação da
reta depende da sua relação com o plano de projeção, portanto se mudamos o plano
de projeção temos nova representação para a reta do espaço. Podemos
acompanhar uma simulação prática desta explicação com a figura 2.19. Nesta

156
“on voit que si l’on a les deux projections d’um corps terminé par des faces planes, par des arêtes
retilignes, et par des sommets d’angles solides, projections qui se réduisent aux systêmes des celles
des arêtes retilignes, il será facile d’en conclure la longueur de telle de ses dimensions qu’on voudra:
car, ou cette dimension será parallèle à un des deux plans de projection, ou elle sera em même temps
oblique aux deux; dans le premier cas, la longueur demandée de la dimension sera égale à sa
projection; dans le second, on la déduira de ses deux projections pal le procédé que nous venons
décrire.”
222

aplicação, as diferentes posições que o cubo assume em relação aos planos de


projeção nos apresentam resultados do cubo representado em projeção ortogonal,
em cavaleira e em axonométrica. Com este exemplo podemos verificar então que a
partir do estudo do movimento do objeto no espaço Monge abarcou outro sistemas
de representação.

Fonte: FERRER (1996).


Figura 2.19 –Representação do cubo através de mudanças de planos de projeção

2.1.10 POLIEDROS

Uma vez apresentados o ponto e a reta, Monge (1799, p.16) diz que seria a
hora de apresentar os sólidos determinados por planos e arestas retilíneas;

porém não existe uma regra geral para esta operação: se verifica de
ver em efeito, que segundo os supostos que determinem a posição dos
vértices dos ângulos de um sólido, a construção de suas projeções
223

pode ser mais ou menos fácil, e que a natureza da operação deve


depender desses supostos. Acontece nisso o mesmo que na álgebra,
na qual não há nenhum método geral para por o problema em
157
equação. (tradução nossa)

Embora Monge não tenha se interessado em aprofundar o estudo dos


poliedros, devido à variedade de posições que podem assumir seus vértices,
encontramos no exemplo de ensino do professor Ferrer, na Escuela Técnica
Superior de Arquitectura de Valencia, interesse na representação dos poliedros,
combinando solução de problemas de geometria plana com geometria descritiva
(figura 2.20)

É possível entender a explicação de Monge sobre o seu pouco interesse em


estudar os poliedros devido à dificuldade de uma equação geral sobre o problema.
Entretanto, reconsiderando a justificativa de Monge podemos investigar sobre o
conhecimento abarcando os poliedros na época das aulas de Monge, o que na
verdade pode ter reforçado o desinteresse em aprofundar estudos sobre eles. Gani
(2004, p. 126) afirma que “a representação de corpos poliédricos, assim como, a
determinação de intersecções entre eles, não chegava a ser um problema para os
precursores de Monge. Muito embora não houvesse um método específico, os
arquitetos e engenheiros eram capazes de solucionar inúmeros casos de
intersecções. Quanto aos corpos limitados por superfícies curvas, porém, a situação
é bastante diferente”.

Por outro lado, o conhecimento que já estava bastante adiantado sobre os


poliedros quando Monge deu suas lições não fazia parte dos requisitos do espaço
métrico desejado para a época, fazendo-se ressalva ao cubo entronizado no poder
da ilustração em substituição a proporção.

No seu Arquitetura na Era da Ilustração, Kaufmann comenta com palavras


enfáticas a consolidação do “cubismo” como um procedimento compositivo
revolucionário na época. Identificando seus precursores e centrando a atenção na
Horse Guards de Willian Kent, conclui que primeiro os arquitetos progressistas

157
“mais il n’y a pour cette opération aucune règle générale: on sent en effet que, selon la manière
dont la position des sommets des angles d’un solide est définie, la construction de leurs projections
peut être plus ou moins facile, et que la nature de l’operation doit dépendre de celle de la définition. Il
en est precisemént de cet objet comme de l’algèbre, dans laquelle il n’y a aucun procédé général pour
mettre un problème en équations.”
224

ingleses e depois com mais violência os franceses lutaram pelo domínio do espaço
mediante o cubismo. Assim, embora com resultados tímidos a Horse Guards sinaliza
uma mudança mais profunda. (D’AGOSTINO, 2006)

Fonte: FERRER (1996).


Figura 2.20 – Representação de poliedro em sistema diédrico a partir de fundamentos de geometria
plana.

Em Lectures on architecture Morris elaborou um método de estudo das


qualidades da arquitetura tendo em vista à compreensão dos princípios compositivos
reguladores a partir de um cubo como unidade-célula que deveria deslocar-se
horizontal e verticalmente. Como observa Kaufmann, o cubo adquire para Morris
caráter mental que evidencia a idéia compositiva por trás das fachadas (figura 2.21).
Com o deslocamento do entendimento da arquitetura valorizando a regularidade
geométrica anuncia-se uma estética que busca a idéia compositiva como domínio do
espaço, o que vem substituir o modo correto de ver pressuposto na perspectiva.
Porém, este projeto esteve longe de ser levado às últimas conseqüências por Morris.
(D’AGOSTINO, 2006)

Da efervescente discussão iluminista sobre a arquitetura ganha força o


ensino das Escolas de Engenharia, de onde passam a se graduar a maior parte dos
projetistas. Na École Polytchnique, Durand ministra o curso de Arquitetura com a
propriedade de ter sido discípulo de Boullée e espectador das batalhas do período
225

revolucionário. O mérito do ensino de Durand recai em empregar o legado teórico e


complexo que recebeu para transmitir um sistema de regras racionais e práticas com
base na conveniência e na economia. A conveniência impõe que o edifício seja
sólido, salubre e cômodo e a economia que seja de forma tão simples quanto
possível, regular e simétrico. (BENEVOLO, 1998)

Fonte: D’AGOSTINO (2006, p. 95)


Figura 2.21 – Villa composta por três cubos extraída de Lectures on architecture, 2ª edição de 1759.

Com o ensino de Durand, o cubo: sólido, forma simples, regular e simétrico,


prenuncia a ordem na arquitetura conduzido como elemento de linguagem
compositiva, marche a suivre dans la composition d’um projet quelquonque, como
requer Durand (figura 2.22 ). A partir de suas lições a composição por justaposição
resulta em formas elementares e na predileção da cota por números redondos
organizando a retícula. Com essa supremacia do cubo na composição arquitetônica
é fácil entender porque Monge não se interessava por investigar detalhadamente os
outros poliedros. O que já não lhe atraía por terem sido estudados e pela dificuldade
de lei de geração única. De fato Monge buscava uma representação voltada para a
racionalização.

D’Agostino (2006, p.104) explica que Argan alertou para a formação de um


domínio formal e visual novo, contraposto aos valores numérico-proporcionais das
ordens clássicas, com base no cubo como unidade espacial repetível ao infinito e no
226

standart, módulo regulador do organismo harmônico como princípio construtivo


racionalizador.

Fonte: BENEVOLO (1998, p. 58)


Figura 2.22 –Os elementos dos edifícios e o método a seguir no projeto de um edifício qualquer,
extraídos dos fascículos do curso de Durand na École Polytechnique.
227

2.1.11 GEOMETRIA DESCRITIVA & ÁLGEBRA

Se Monge tivesse adotado a antiga classificação da Geometria analítica,


pelo grau das equações, por causa da reunião de formas díspares, não teria
chegado ao resultado de classificar as superfícies pelo próprio conceito de
superfície. Partindo da definição de superfície Monge estabeleceu duas classes de
superfícies pelas geratrizes: as geradas pela reta e as geradas pela curva.

Um tema discutido por várias vezes na Géométrie descriptive é a analogia


entre a análise e a geometria descritiva, como por exemplo no item 10 do capítulo I:
" Não há nenhuma construção de geometria descritiva que não possa ser traduzida
em análise; e quando o problema não comporta mais de três incógnitas, cada
operação analítica pode ser considerada como a escritura de uma representação
em geometria." (MONGE, 1799, p.16, tradução nossa) 158

Segundo Gani(2004), na École Centrale de Travaux Publics Monge,


responsável pelos trabalhos de estereotomia e de análise aplicada à geometria,
associava uma folha de análise a cada prancha de geometria descritiva dada aos
alunos, procurando incentivar a correspondência entre essas duas disciplinas.

Theodoro Olivier no seu Cours de Géométrie Descriptive de 1843


transcreveu a declaração de Monge: “Se eu refizesse minha obra que tem o título
“de análise aplicada á Geometria” eu escreveria em duas colunas: na primeira eu
daria as representações pela Geometria descritiva, em outras palavras pelo método
das projeções, na segunda, as demonstrações pela análise”159. (RODRIGUES, 1960,
p. 71, tradução nossa)

Associar geometria e números não é novidade de Monge. Tal tipo de


associação pode ser verificado em datas remotas. Monge inova com a sua

158
"Il n'y a aucune construction de géométrie descriptive qui ne puisse être traduite en anlyse; et
lorsque les questions ne comportent pas plus de trois inconnues, chaque opération analytique peut
être regardée comme l'écriture d'un spetacle en géométrie."
159
“Si je refaisais mon ouvrage qui a pour titre “de l’analyse appliquée à la géométrie” je l’écrirais en
deux colonnes: dans la première je donnerais les representations par la géométrie descriptive, en
d’autre termes par la méthode des projections, dans la second, les demonstrations par l’analyse”.
228

geometria ao buscar uma superação à álgebra. Podemos entender essa inovação


no contexto histórico.

Desde Platão a geometria era considerada a mais concisa, ideal e essencial


das linguagens filosóficas. Para os gregos a aritmética (figura 30) era representada
por uma figura feminina não tão nobre em seus adereços como a geometria, o que
indica talvez, simbolicamente, a consideração da geometria como um nível superior
de conhecimento. (KOPKE , 2006)

[...] a geometria como prática contemplativa é personificada por uma


elegante e refinada dama, pois as funções geométricas, como atividade
mental e intuitiva, sintetizadora e criativa, mas também exata, associa-
se ao princípio feminino. Mas quando estas leis geométricas vêm a ser
aplicadas na tecnologia da vida diária, são representadas como
princípio masculino e racional: a geometria contemplativa se transforma
em geometria prática. (LAWLOR apud KOPKE, 2006, p. 73)
Comparando as figuras 2.23 e 2.24, respectivamente, a aritmética e a
geometria encontram-se associadas a uma interpretação indireta do mundo no caso
da aritmética, através dos livros nas mãos da figura feminina e a uma interpretação
direta a geometria, apoiada na contemplação. Ambas apresentam aplicações
práticas.

Na Alta Idade Média podemos dizer que a geometria só existia como uma
matemática da forma e que se encontrava muito atrás dos ensinos de aritmética,
sem dúvida mais avançados. Quando afirmamos que a geometria era pouco
considerada como tal, não queremos afirmar que as formas geométricas não eram
utilizadas. Bem ao contrário, porém, esta utilização verificava-se como uma forma
gráfica de levar ao projeto as relações aritméticas em relação à proporção. Dizendo
de maneira diferente, circunferências, quadrados e outras formas geométricas
tinham a função de transladar para a arquitetura a boa proporção. A presença das
relações de boa proporção era algo inquestionável, vinculada à idéia de um cosmos
como reflexo da perfeição divina. Configurava-se assim através da matemática um
mundo pitagórico.(GUTIÉRREZ, 2003)
229

Fonte: KOPKE (2006, p. 74)


Figura 2.23 – Aritmética.

Fonte: KOPKE (2006, p. 73)


Figura 2.24 – Geometria.
230

Na Baixa Idade Média a influência aristotélica foi impondo-se sobre os


princípios religiosos que dominavam o conhecimento. Isso resulta das Cruzadas que
em seu propósito de cristianizar o Oriente traziam consigo algo da tradição árabe na
qual haviam se enraizado as idéias de Aristóteles, de maneira mais profunda do que
no Ocidente. Ao que nos interessa, essa tradição em alguns aspectos contradizia ao
cristianismo, o que permitiu gradual transformação no conhecimento da época.
Nesse contexto, um pouco da verdade do mundo podia ser entendida como
acessível pela razão e o mundo que era reflexo da perfeição divina, recebeu a
participação da razão como verdade revelada.

Com a influência árabe das Cruzadas foi introduzido o pensamento


aristotélico, além de uma renovação ao interesse pela geometria no mundo
Ocidental. Se na Idade Média parecia ter se perdido o interesse pela geometria, a
geometria arábica começou a devolvê-lo. Entretanto é a junção da geometria ao
pensamento aristotélico que promovem a crise do renascimento, (GUTIÉRREZ,
2003)

Segundo Foucault (1985), a razão era interpretada pela operação de


semelhança nesta época. Espelhava a perfeição que Deus havia colocado no
mundo, herança como foi visto da perfeição divina no mundo do período medieval.

O interesse pela aritmética, herança medieval, juntou-se com uma


florescente geometria em torno de 1550 (figura 2.25). Assim, da conjunção de
interesses propiciados por cada um desses ramos da matemática, foi possível o
nascimento da análise algébrica. Tinha-se assim na matemática uma combinação
perfeita entre a concreção dos números e a teorização generalista da geometria. O
número servia-se de uma representação teórica para chegar a sua determinação
concreta na prática. (GUTIÉRREZ, 2003) O que estava sucedendo-se no saber
matemático era um aspecto do que ocorria no conhecimento em geral.

No final do século XVIII o fato de que o processo de algebrização havia se


incrementado, ao ponto de que os aparatos de cálculo estavam muito complexos
para auxiliar a solução de problemas de geometria, implicou no reaparecimento dos
métodos ‘sintéticos’. Isto é, incrementa-se o processo de não-algebrização busca-se
a vizualização com a sistematização da geometria descritiva. (BORDA, 2001)
231

Fonte: Kruft (2004, anexos).


Figura 2.25 – Capa da obra La Nova Scientia (1550) de Nicolò Tartaglia.

A proposição de Monge não é elementar. Tratava uma série de problemas


novos e difíceis. Ele investigou as superfícies com aresta de retrocesso, as
superfícies geodésicas e as linhas de maior declividade sobre elas, as superfícies de
declividades idênticas, entre outras coisas, inspiradas em suas pesquisas
geométrico-diferenciais (RIBINIKOV, 1991).
232

2.1.12 CLASSIFICAÇÃO DAS SUPERFÍCIES

O item 11 é dedicado à justificativa de que as convenções, apresentadas


para representar os corpos poliédricos, não são convenientes para as superfícies
curvas. Para representar os corpos determinados por superfície curvas seria
necessário um grande número de pontos, buscando a aproximação da realidade.
Para solucionar esse problema propõe no item seguinte o recurso utilizado para
representação das superfícies curvas.

Não tem nenhuma superfície curva que não possa ser considerada
como gerada pelo movimento de uma linha curva, ou seja de forma
constante quando muda de posição, ou variável ao mesmo tempo de
forma e de posição no espaço. [...]
Portanto, não é representando a posição das projeções de alguns
pontos particulares pelo quais passa a superfície curva que se
determina sua forma e posição, mas sim, de modo que por qualquer
um dos pontos da superfície curva seja possível construir a curva
geratriz, segundo a forma e a posição que deva ter ao passar por esse
o
ponto. Sobre o que é necessário observar: 1 que cada superfície curva
podendo ser gerada de diferentes maneiras, depende da destreza de
que quem a representa, eleger entre as possibilidades de geração a
que empregue a curva mais simples e que exija considerações menos
o
trabalhosas; 2 que a experiência tem mostrado que indicar para cada
ponto da superfície curva duas geratrizes é vantajoso em relação a
considerar uma única com o estudo da lei do movimento e da mudança
160
de forma de sua geração. (Monge, 1799, p. 18-20, tradução nossa)
“Assim, em geometria descritiva, para expressar a forma e a posição de uma
superfície curva basta eleger um de seus pontos e por este passar duas geratrizes
em projeção horizontal e vertical.” (MONGE, 1799, p. 20,tradução nossa)161 (figura
2.26)

160
“Il n’y a aucune surface courbe qui ne puísse être regardée comme engendrée par le mouvement
d’une ligne courbe, ou constante de forme lorsqu’elle change de position, ou variable en même temps
et de forme et de position dans l’espace.[...]
Ce n’est donc pas en donnant les projections des points individuels par lesquels passe une surface
courbe, que l’on en determine la forme et la position, mais em mettant à portée de construire por un
point quelconque la courbe génératrice, suivant la forme et la position qu’elle doit avoir en passant par
o
ce point. Sur quoi il faut observer, 1 que chaque surface courbe pouvant être engendrée d’un nombre
infini de manières différentes, il est de l’adresse et de la sagacité de celui qui opere, de choisir, parmi
toutes les générations possibles, celle qui emploie la courbe la plus simple, et qui exige les
o
considérations les moins pénibles; 2 qu’un long usage a appris qu’au lieu de ne considérer pour
chaque surface courbe qu’une seule de ses générations, ce qui exigeoit l’étude de la loi du
mouvement et celle du changement de forme de as génération.”
161
“Ainsi, dans la géométrie descriptive, pour exprimer la forme et la position d’une surface courbe, il
suffit, pour un point quelconque de cette surface, et dont une des projections peut être prise à volonté,
233

Fonte: GANI (2004)


Figura 2.26 - Ilustração da idéia de Monge, sobre as gerações das superfícies cilíndricas.

O item 13 explica sobre o plano, que para Monge (1799, p. 20-21),

entre todas as superfícies é a mais simples e que se emprega com


maior freqüência.

O plano é gerado por uma primeira reta de posição dada, e que se


move de modo que todos os seus pontos descrevem retas paralelas a
uma segunda reta dada. Se a segunda reta se encontra no plano que
se considera, se pode também dizer que o plano é gerado pela
segunda reta, que se move de modo que todos os seus pontos
descrevem linhas retas paralelas a primeira. (tradução nossa)162

Entretanto, no estudo da geometria descritiva indica-se a posição de um


plano com as retas deste plano que intersecionam os planos de projeção, que são
chamadas de traços do plano.

A partir do item 14 até o item 22 Monge apresenta a solução de nove


questões para exercitar os métodos de projeção e de nos acostumar a fazer novos
progressos com o uso da geometria descritiva. A primeira questão estuda
paralelismo entre retas; a segunda, paralelismo entre planos; a terceira aborda a
determinação de uma reta perpendicular a um plano passando por determinado
ponto exterior ao plano e o pé desta perpendicular no plano; a quarta mostra como
traçar um plano que seja perpendicular a uma determinada reta e que contenha um
ponto determinado exterior a esta reta; a quinta mostra como construir a intersecção

de donner la manière de construire les projections horizontales et verticales de deux génératrices


différents qui passent par ce point.”
162
“de toutes les surfaces, est la plus simple, et celle dont l’emploi est le plus fréquent.
Le plan est engendré par une première droite donnée d’abord de position, et qui se meut de manière
que tous ses points décrivent des droites parallèles à une seconde droite donnée. Si la seconde droite
est elle même dans le plan que l’on considère, on peut dire aussi que ce plan est engendré par la
seconde droite, qui se meut de manière que tous ses points décrivent des droites parallèles à la
première.”
234

de dois planos; a sexta como encontrar o ângulo entre dois planos determinados por
seus traços; a sétima como encontrar o ângulo entre duas retas dadas; a oitava com
encontrar o ângulo entre reta e plano determinados; e, por último, a nona estuda
como determinar a projeção horizontal do ângulo dado entre duas retas das quais se
conhece também o ângulo que fazem com o plano horizontal de projeção.

2.1.13 SUPERFÍCIES CURVAS

O capítulo II da obra trata das superfícies curvas. Expõe o método utilizado


para representar planos tangentes e normais às superfícies curvas, na resolução de
problemas nos quais intervém as superfícies esféricas, cilíndricas, cônicas e de
revolução. Justificamos este capítulo com exemplos de uso dos planos tangentes e
das normais na arquitetura, na pintura e na solução de problemas de geometria.

O interesse de Monge em classificar as superfícies em desenvolvíveis e


reversas é anterior a publicação de Géométrie descriptive. Segundo Rodrigues, suas
primeiras idéias sobre este tema são lançadas em sua “Memoire sur les proprietés
de plusieurs genres de surfaces courbes, particulierement sur celles des surfaces
developpables, avec une application à la theorie des ombres et des penombres”,
apresentada à Academia de Paris em 11 de janeiro de 1711. O Interesse desse
trabalho era o de corrigir o erro cometido pelos autores de livros de Estereotomia
que não concebiam a diferença entre superfícies desenvolvíveis e reversas.

A relação espacial entre plano e superfície é o tema central do capítulo II.


Explica-se no item 23 que todas as superfícies curvas podem ser geradas por
movimentos de linhas curvas e que se por um ponto qualquer da superfície estiver
passando duas geratrizes para as quais se concebem tangentes neste ponto, então
o plano que passa por estas duas tangentes é o plano tangente a esta superfície.
Pelo ponto de contato entre o plano tangente e a superfície curva pode ser tirada a
perpendicular ao plano tangente que é considerada normal a superfície curva.

Os planos tangentes e as normais às superfícies curvas são úteis a um


grande número de artes, e os exemplos apresentados serão tomados da arquitetura
e da pintura, esclarece Monge. Na arquitetura busca o exemplo das abóbadas que
são compostas de partes, que apresentam juntas perpendiculares entre si e são
235

perpendiculares à superfície curva da abóbada. Portanto a decomposição de uma


abóbada em partes exige a consideração dos planos tangentes e das normais à
superfície curva da abóbada.

Sobre a pintura comenta que é geralmente composta de duas partes: uma


que requer do artista um grande uso da filosofia, exigindo conhecimento exato sobre
a natureza das coisas para despertar a emoção no expectador; e outra que tem por
objetivo a exata execução das concepções da primeira, onde nada é arbitrário e tudo
pode ser previsto por raciocínio rigoroso. Exemplifica a segunda com as relações de
luz e sombra dos pontos de uma superfície curva que podem ser estudadas com o
auxílio do plano tangente a estes pontos dependendo do olho do observador.

Além da utilidade nas artes, o estudo dos planos tangentes e das normais às
superfícies curvas apresentam facilidade na solução de outros exemplos, que são
apresentados nos itens 28 a 34. Em alguns casos para facilitar a solução da questão
abrevia-se o método geral da determinação do plano tangente exposto no item 23,
porém por algo equivalente. Quanto às normais serão consideradas como retas
perpendiculares aos planos tangentes para simplificar o entendimento.

As três primeiras questões desse capítulo abordam os casos de planos


tangentes a um ponto considerado sobre as superfícies cilíndrica, cônica e de
revolução, das quais se conhece a projeção horizontal; a quarta questão estuda a
menor distância entre duas retas dadas e que é perpendicular a estas retas; a
solução é encontrada considerando uma superfície cilíndrica tocada por um plano, o
que não seria necessário.

Sobre a determinação dos planos tangentes às superfícies curvas, passando


por pontos exteriores a elas, as explicações são baseadas em exemplos utilizando
fortificações e a pintura. O exemplo baseado nas fortificações explica sobre o plano
de desfilamento. No exemplo baseado na pintura explica que o ponto brilhante de
uma superfície funciona como um espelho e envia ao olho uma parte da imagem do
corpo luminoso. Nessa condição, o raio de luz incidente sobre o objeto e o raio
reflexo que se dirige ao olho do observador estão contidos em um plano
perpendicular ao plano tangente neste ponto.

Os planos tangentes às superfícies curvas por pontos exteriores a elas são


estudados com ênfase nos planos tangentes à superfície esférica. Abordam-se os
236

casos de plano tangente à superfície esférica: que passe por uma reta dada exterior
a esfera, que seja tangente a duas esferas dadas e também o que seja tangente a
três esferas dadas. Os casos de plano tangente à superfície cilíndrica e à superfície
cônica por um ponto qualquer exterior a elas e, o plano tangente à uma superfície de
revolução dada que passe por uma reta dada, encerram os exemplos apresentados
no capítulo II.

2.1.14 INTERSECÇÃO DAS SUPERFÍCIES CURVAS

As intersecções de superfícies curvas e as tangentes a essas intersecções


são tratadas no capítulo III da obra. Esclarece que em geral o resultado dessas
intersecções são curvas de ‘dupla curvatura’, por pertencerem ao mesmo tempo às
curvaturas das duas superfícies, e acrescenta possibilidades de representação
particulares para essas curvas, como planas, linhas retas e até mesmo o ponto.
Antes de determinar as intersecções das superfícies curvas, trata da analogia entre
geometria e análise, ressaltando a importância de pensar em ambas como
representação. Apresenta então a intersecção de superfícies como caso geral,
seguida de diversos exemplos de complexidade crescente.

Quando a geração de duas superfícies curvas está determinada e


conhecida, e os pontos do espaço por quais passam não são arbitrários; quando
tomando qualquer uma das projeções de seus pontos é possível construir a outra,
então a posição dos pontos em comum entre estas duas superfícies está
determinada. A posição destes pontos é conseqüência da geração destas
superfícies, afirma Monge no capítulo III. Entre os resultados obtidos como
interseção de duas superfícies curvas o caso mais geral é uma curva, que pode ser
plana ou de dupla curvatura. Em casos raros pode ser uma reta, e mais dificilmente
pode ser reduzida a um ponto.

As operações de eliminação em álgebra apresentam analogia com as


operações pelas quais na geometria descritiva são determinadas as interseções de
superfícies curvas. Assim sendo as operações analíticas são a escritura dos
resultados de movimentos de pontos, linhas, curvas e superfícies no espaço. Essa
relação entre a álgebra e a geometria descritiva é o que nos permite tratar
237

problemas da geometria descritiva utilizando computação gráfica como no exemplo


apresentado na figura 2.27.

O primeiro problema apresentado por Monge mostra a definição de uma


curva de dupla curvatura resultado da interseção de duas superfícies curvas; o
segundo problema mostra um plano tangente a uma curva de interseção. Seguem-
se exemplos de interseção de superfície cilíndrica e cônica com um plano secante,
de superfícies cônicas entre si e cônica com esférica, de superfícies cilíndricas, de
superfícies de revolução e ainda de planificação da superfície cônica com sua
seção.

..
Fonte: GANI (2004)
Figura 2.27 - Ilustração da idéia de Monge, sobre seções em superfícies utilizando recursos de
informática.

2.1.15 APLICANDO SUPERFÍCIES CURVAS

Como aplicação do método para descrever a intersecção das superfícies são


resolvidos três problemas de caráter prático e outros três de natureza geométrica, no
capítulo IV. Essas aplicações são apresentadas como esclarecimentos, uma vez que
Monge constata que no capítulo III o problema da intersecção das superfícies foi
abordado de maneira abstrata.

No quarto capítulo são apresentadas diversas questões aplicando o método


de construir as intersecções das superfícies curvas para o que Monge justifica: deve
a geometria descritiva um dia chegar a ser uma das partes principais da educação
nacional porque os métodos que apresenta são tão necessários aos artistas como é
a leitura, a escrita e a aritmética. Cremos que é útil mostrar, através de exemplos,
238

como pode superar a análise na resolução de um grande número de questões que à


primeira vista não parecem suscetíveis deste tipo de solução. Estes exemplos
começarão pela intersecção de planos e seguirão com as intersecções de
superfícies curvas (figura 2.28).

Fonte: FERRER (1996).


Figura 2.28 – Aplicação da idéia de geração de superfícies de Monge aplicada à solução de um
problema de arquitetura .

A propósito do exemplo apresentado, “as interrelações entre as partes, e


entre elas e o todo, são o que mostra a mudança de uma arquitetura para outra, não
o estilo em si”. (KAUFMANN apud MAHFUZ , 2005, p. 13).

2.1.16 APROFUNDANDO O ESTUDO DAS


SUPERFÍCES CURVAS

O último capítulo dedica-se a investigar sobre a curvatura das linhas e


superfícies com considerações da geometria descritiva. O autor ressalta que o que
foi visto até o capítulo quatro é suficiente para os alunos da escola secundária.
239

Entretanto, para que os professores se tornem capazes de resolver qualquer


problema, e que sejam capacitados para ajudar os artistas diante de novos
problemas que possam se deparar, julga necessário aprofundar o estudo das curvas
nessa parte. Com a consciência de que pela análise é mais fácil estudar as
superfícies curvas, expõe sobre esse assunto como representações gráficas, por
conhecer a não familiarização dos artistas com a análise e a relevância dos
resultados sobre este tema para seus trabalhos.

2.1.17 ADIÇÕES

Depois dos capítulos, ‘as adições’ complementam os estudos abordados nos


itens 4, 12 e 30. Sabe-se por Taton (1951) que essas adições foram extraídas dos
comptes rendus das seções de debates e das folhas de análise aplicadas à
geometria.

Nessa última parte do livro, Hachette acrescenta explicações sobre três


temas abordados nos capítulos da obra. Na Adição I é estudada a interseção de três
cilindros de base circular. Isso complementa o item quatro da publicação, em que
Monge analisa a viabilidade de utilizar três retas como referência para um ponto do
espaço.

A Adição II trata da geração das superfícies curvas. Esta adição


exemplificando a geração das superfícies reversas completa o item doze, em que
são tratadas as gerações das superfícies cilíndricas, cônicas e de revolução.

Com a Adição III é traçado um plano tangente a uma superfície por um


ponto, sendo a superfície reversa. Essa última adição dá seqüência ao item 30, em
que Monge estudou o plano tangente a uma superfície de revolução por um ponto.
240

Organizamos esta investigação em duas partes consideradas fundamentais.


A primeira, por tratarmos dos subsídios necessários para a segunda parte. E a
segunda, por desconstruirmos a teoria mongeana na busca de argumentar sobre a
hipótese enunciada para este trabalho. Entendemos, assim, a partir desta
organização, que para estas últimas reflexões, o sustento principal está na segunda
parte do trabalho, a desconstrução de Géometrie descriptive.

Na desconstrução da Géométrie descriptive, a qual acompanhou a


linearidade do texto, aspectos variados imbricavam-se nos subterrâneos, embora
surgissem de maneira fragmentada por muitas vezes de item para item. Enfocavam
alternadamente o social, o poder, o ensino, a representação, etc. dependendo de
quanto queiramos aqui fracionar os saberes. Afirmamos isto para justificar a especial
relevância que se insere nesta conclusão, que terá o papel de juntar as ‘peças’
espalhadas ao longo da desconstrução e apresentar um corpo novo.

Nesta conclusão não seguimos a ordem linear orientadora da


desconstrução, mas sim, encaminhamos para a colocação das ‘peças’, com seus
devidos encaixes, não na busca do Frankenstein da representação da arquitetura,
mas sim da apresentação de um corpo teórico renovado para a representação da
arquitetura. Renovado, não no sentido de ter sido criada uma nova teoria de
representação, mas sim, de vir a ser apresentado sem fissuras e remendos com
outros saberes de representação na arquitetura, desde a sua publicação no final do
século XVIII. Tratamos então estas conclusões, a seguir, com uma visão da
241

representação na arquitetura produzida a partir ‘de diversas lentes’, filtrada no seu


próprio processo.

Encontramos a primeira apresentação da geometria descritiva no Projet


d’écoles secondaires pour artisans et ouvriers de 1793 para a organização do ensino
francês por Monge. Portanto, a representação de Monge toma repercussão a partir
de iniciativa do ensino como saber oficial, como requeriam seus conteúdos de base
matemática. Em seguida foi ministrada na École Centrale deTravaux Publics em
cursos revolucionários de três meses com seis horas de aula ao dia. Somadas tais
horas de aula temos aproximadamente 400 horas de aula o que é um número bem
maior do que costuma constar nos nossos atuais currículos de arquitetura.

Depois de ensinada na École Centrale de Travaux Publics foi instituida na


École Normale, e daí com o fechamento desta escola passou para o ensino de
engenheiros na École Polytechnique. Iniciou-se o ensino da geometria descritiva,
antes para engenheiros do que para arquitetos. E, com as escolas politécnicas
espalhando-se pelo mundo no final do século XVIII e início do XIX, foi facilmente
assimilada pelas escolas de engenharia, mais aproximada da solução de problemas
técnicos do que estéticos.

No Brasil inicaram-se os estudos de geometria descritiva na Academia Real


Militar, em 1812 e nesse mesmo ano foi feita uma tradução da Géométrie descriptive
na qual seu autor acrescenta no final umas notas e adições nas quais ressalta a
importância da geometria descritiva para as arquiteturas civil, militar e naval. Pelo
que conseguimos investigar é a partir desta data então que a geometria descritiva
ingressou no ensino de arquitetura no Brasil, embora só com a República temos um
curso de arquitetura independente na Academia Nacional de Belas Artes. A
geometria foi então inserida no Brasil por requisitos do governo como tinha ocorrido
na França, estabelecendo vínculos entre representação e poder. Naturalmente
contribuindo com a hierarquia social.

Destacamos como importante na valorização e permanência da geometria


descritiva no ensino brasileiro, a figura de Rui Barbosa, com preocupações, não
diretamente ligadas à arquitetura mas sim a industrialização. Tal influencia de Rui
Barbosa devemos às exposições universais mantendo o desenho com visão
utilitarista. Entretanto, conseguimos acompanhar mudanças de legislações no Brasil,
242

as quais levaram o desenho a ser incorporado nos livros de matemática e o ensino


de geometria descritiva relegado aos departamentos de matemática como um saber
não aplicado. Constatamos então um distanciamento entre as soluções de
problemas práticos da arquitetura e o ensino da geometria descritiva nas escolas de
arquitetura.

Resgatando a história da representação em arquitetura encontramos como


possiblidades de representação o sistema diédrico, as perspectivas cavaleiras,
axonométricas e as cônicas, além das maquetes. Sistemas de representação que
podem ser operados à mão ou a mouse. Até aqui nada de novo, o que pode
impressionar é que a partir do sistema diédrico podem ser geradas todas as outras
representações que acabamos de citar. Do sistema diédrico serem geradas
perspectivas cônicas, já se sabe à partir das explicações de Monge e de outros
autores. A relação do diédrico, com as cavaleiras e especial as axonométricas, é que
estava encoberta pelos tratados de ensino de representação subseqüentes à
Monge, os quais referendavam suas diferentes origens históricas.

O grande avanço de Gaspard Monge para a representação em arquitetura


foi instituir o movimento na representação. Se antes de sua teoria a perspectiva
apreendia o espaço de um ponto fixo, a partir dela o espaço é dinâmico,
epistemologicamente adequado ao contexto da sua sistematização. E é, justamente
o movimento dos planos de projeção que permitiu que o sistema diédrico
incorporasse a representação cavaleira e axonométrica. Nesse sentido atribuimos
hegemonia ao sistema diédrico.

Ainda com o movimento, que Monge explicou como operador da


representação diédrica, passou a ser possível tratar de verdadeiras grandezas dos
objetos, ou seja, tratar de problemas métricos. Resolvendo os problemas métricos
através da representação se constitui a geometria descritiva adequada a arquitetura
pela reversibilidade inerente a seus procedimentos gráficos que permitem a
reconstrução dos objetos no espaço. Incluindo as maquetes reais.

Até aqui, concluímos que a geometria descritiva extrapola o sistema de


representação que lhe deu origem, entretanto ao que nos parece, seria pouco se
limitada ao desenho à mão diante do paradigma da computação gráfica em que nos
encontramos. Verificamos que não existem fissuras profundas entre a geometria
243

descritiva e a informática devido à base que a geometria descritiva foi sistematizada,


a matemática. Assim, incorporada a teoria mongeana, da sua tradição de
representação manual para a digital justifica-se sua sobrevida no ensino de
representação da arquitetura

Quanto ao método de ensino da geometria descritiva recomendamos para a


seqüência do ensino da geometria descritiva que tenha como objetivo central o
entendimento do espaço tridimensional, requisito da arquitetura, pressuposto de
Monge. Isso requer uma simplificação da exposição do método, tratando os
conceitos do método sem casuística. Para que fique bem claro, explicar sobre a reta
e o ponto no espaço não requer sete demonstrações diferentes de posições de reta
no espaço, enquanto que explicar o ponto no espaço, não necessita de nove
posições especiais. Isso implica em voltar a breve exposição de Monge, ao seu
simplificado diedro de plano horizontal e vertical, originado das chaises, que serviam
para resolver problemas práticos de construção, deixando de lado especulações em
quatro diedros. Assim, apontamos um ensino de geometria descritiva purificado da
produção subseqüente que a distanciou dos problemas práticos projetuais.

Aprofundando o questionamento da geometria descritiva na representação


arquitetônica verificamos que essa teoria da representação influenciou nas bases do
ensino do projeto arquitetônico na época de sua publicação, na École Polytechnique
e na École de Beaux-Arts. Assim epistemologicamente, encontramos fundamentos
das lições de Monge em Durand e Quatrémère.

Recorrendo a Quatrémère, não devemos confundir o tipo com modelo, um


tipo é uma idéia geral da forma de um edifício e permite variação enquanto que um
modelo se copia. Nesse sentido, de um estudo que vai do geral para o particular,
com origem na invenção podemos considerar a geometria descritiva operadora do
projeto arquitetônico.

Considerando os estreitos vínculos da representação mongeana com o


método de ensinar projeto constituído por Durand, o qual instituiu um método
excelente no que se refere a que os alunos possam operar com a ausência da
realidade da construção, apropriando-se de espaços em escalas diferentes da
natural, interpretamos o uso da escala métrica decimal e a modulação como
operadores da prática projetual legados das lições de Monge.
244

Por fim, a geometria descritiva se mantém na representação da arquitetura,


fundamentalmente por esta inserida com profundidade no pensamento moderno
constituído em fortes bases matemáticas. A tecnologia dos aparelhos informáticos
absorve a matemática e, portanto dialoga com a teoria mongeana, permitindo que
esta se constitua atual na realidade da representação. Não é necessário mudar todo
o ensino da geometria descritiva para a arquitetura, o que seria o mesmo que
elimina-la dos currículos, o que é necessário sim, é (re)significar seu ensino a partir
de alguns pressupostos, que foram apontado neste trabalho.

Ainda, um depois da tese

A trajetória desta pesquisa, tinha como ponto de partida alguns


questionamentos da minha atividade docente na disciplina de Geometria Descritiva
no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Passo Fundo. Em especial
em relação ao método de representação do espaço da geometria descritiva com a
arquitetura. E, justamente pensando nessa fase inicial da investigação lembro de
dois nomes importantes, a professora Mari Claire Pola e o professor Vito Cardone.
Explico porque. Com esta estudiosa da geometria descritiva consegui cópia de um
original de Géométrie descriptive (1799), o que significou ao longo do estudo
manusear as lições de Monge com a sua paginação verdadeira, diferente das outras
possibilidades que tinha até então de estudá-la por suas traduções. Obrigada Mari,
e, também por me apresentar o Professor Cardone. A esse professor italiano ao qual
também agradeço, devo muitas das referências citadas neste trabalho aos seus
envios de correio.

Para resolver meus questionamentos sobre ensino da geometria descritiva,


escrevi este trabalho. Ao concluí-lo tenho esclarecidas algumas possibilidades de
seqüência para minha trajetória de ensino. Um ensino de geometria descritiva,
preconizado nos fundamentos da representação mongeana, dispensando a
abstração do ensino de alguns professores posteriores à Monge. Com a mesma
certeza que Monge afirmava no programa de Géométrie descriptive (1799, p.1) “[...]
245

todos esses objetivos só se conseguirão dando a educação uma direção nova


[...]”163 acredito em mudanças no ensino de geometria descritiva.

Ao findar este estudo deixo a abertura de sua continuidade apontando em


especial, para o aprofundamento da investigação sobre as lições de representação
das superfícies de Monge no ensino de arquitetura.

Eliane Panisson

Passo Fundo, abril de 2007.

163
“[...] toutes ces vues qu’en donnant à l’éducation nationale une direction nouvelle […]”
Assossiação Brasileira de Professores de Geometira Descritiva e Desenho Técnico.
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258

Antececedentes históricos à publicação de


Geometria Descritiva de Gaspard Monge, 1799.

AUTOR DADO HISTÓRICO


ÉPOCA

Euclides Os Elementos de Euclides tem uma exposição


geométrica, inclusive os números estão
315-215 a.C.
representados como segmentos. Os meios de
construção geométrica estão limitados ao uso da
régua e compasso e, devido a isso os Elementos
estão ausentes dos métodos de cálculo.

Cláudio Ptolomeu Fundador da cartografia utilizava a projeção


ortogonal. (CARDONE, 1996)
85-165
Na sua obra Das três dimensões do corpo,
introduziu a noção de três eixos ortogonais, de forma
intuitiva.

Vitruvius Apresenta em De architectura as projeções


ortogonais para uso em projetos arquitetônicos como
I d.C.
ichonographia (planta), orthographia (fachada) e
scaenographia (um tipo de perspectiva), sem
explicações de como proceder os desenhos.
(CARDONE, 1996)
A obra de Vitruvius é considerada uma recopilação
do saber arquitetônico transmitido de Grécia a Roma
e, só foi encontrada e traduzida no final do século
XV. (BORDA, 2001)

Villard de Honnecourt Mostra que a arquitetura gótica exije um desenho


detalhado de cortes de pedras embora não exista
ainda no campo arquitetônico a ruptura entre projeto
e execução. (CARDONE, 1996)

Filipo Brunelleschi Estuda a perspectiva com o auxílio das tabuletas e


espelhos.
(1377-1446)

Alberti Escreveu Da pintura sobre a perspectiva, tratando


seu traçado com o uso de uma moldura.

Albrech Dürer Estudou a relação entre geometria e a técnica prática


para desenhar a perspectiva. (CARDONE, 1996)
1471-1528
Chegou a ser considerado precursor de Monge por
Amodeo (1932).

Vignola Elabora um tratado onde a perspectiva era o


principal meio de projetação no campo arquitetônico
(1507-1573)
onde já existe a ruptura entre fase projetual e fase
executiva. (CARDONE, 1996)
259

Piero della Francesca Escreveu De prospectiva pingendi.

Philibert de l`Orme Arquiteto francês que se utilizou da dupla projeção


para tratar de estereotomia e representação de
(1510-1570)
estruturas complexas sem definir sua importância.
(CARDONE, 1996)

Girard Desargues Acenou a possibilidade de que um ponto do espaço


pode ser medido e transportado a um sistema de
(1591-1661)
referência semelhante ao cartesiano. (Cardone,
1996)
Escreveu Bosquejo del camino hacia los fenómenos
que ocurren durante el encuentro de un cono con un
plano em 1639, servindo de base a nova ciencia
geométrica, a geometría projetiva. (RIBINIKOV,
1991)

Descartes Representou o ponto no espaço usando duas


projeções ortogonais simultâneas. (DESCARTES,
(1596-1650)
1664, p.64)

Mathurin Jousse Escreveu duas obras:Le téâtre de l’art de carpentier


enrichi de diverses figures avec l’interpretation
(1607-1…)
d’icelles faict et dressé par Mathurin Jousse de La
Flèche. La Flèche:George Griveau, 1627. Esta obra
foi , foi corrigida e argumentada por M. D. L. H.,
conforme diz na capa que a apresenta com o título
de L’art de charpenterie de Mathurin Jousse, com
data de 1702.
Le secret d’architecture découvrant fidèlement les
traits géometrics, coupes et desrobements
nécessaires dans les bastiments. La Flèche: George
Griveau, 1642.

François Derand Derand em 1763, publicou Architecture des voûtes ou


l’art des traits et coupe des voûtes, no qual faz
(1588-1644)
restrições aos tratados anteriores de estereotomía,
excluíndo o de Desargues e, apesar de ser um
tratado bastante incompleto, é a primeira obra que
reune diversos problemas relativos à técnica do
desenho de Arquitetura. (TATON, 1951)

Abrahan Bosse Elaborou um tratado que privilegia a apresentação de


imagens, tratando essencialmente do corte de pedras
(1602-1676)
a partir dos conceitos de Desargues.(TREVISAN,
2001)

Camillo Guarino Guarini Tratou questões de relação entre um objeto e suas


projeções ortogonais , quase antecipando a
(1624-1683)
descoberta mongeana em dois tratados: Euclides
adauctus et methodicus mathematicaque universalis
(1671) e na publicação póstuma de Architettura civile
(1737). (CARDONE, 1996)

Milliet de Chasles Na sua obra de matemática pura dedicou um capítulo


ao corte de pedras, Lapidum sectione, escrita em
1762. (GANI, 2004)
260

Philippe de la Hire Traité de la coupe des pierres. Bibliothèque de


l’Institut de France, Paris. 1596.

Jean Baptiste de la Ruë Traité de la coupe des pierres. Paris: Royale, 1728.
Tratou sobre os primeiros passos descritivos da
Trompe do Castello di Anet, estudados por Delorme
e Padre Derand. (TREVISAN, 2001)

Edme Blanchard Traité de la coupe des bois pour lê revêtement des


voutes, arrières-voussures, trompes, rampes et tours
rondes, utiles aux arts de la charpente, menui-serie et
marbrier. Paris: Josse et Jombert, 1729. Apresenta
representações do ponto com projeções verticais e
horizontais que se correspondem, entretanto usando
duas letras distintas que referem-se a um mesmo
ponto. (TREVISAN, 2001)

Johann Heinrich Lambert Foi reconhecido por Taton (1951) como o precursor
mais imediato do método mongeano de
(1728-1777)
representação do espaço. Mostrou um controle dos
fundamentos geométricos da perspectiva e das
técnicas gráficas. (CARDONE, 1996)

Amédée François Frézier Mostra que para representar o objeto é necessário


duas projeções ortogonais, sem uma clara
(1682-1773)
concepção de relação entre o espaço tridimensional
e o plano de desenho. (CARDONE, 1996)

Blaise Boye L’architecture des voutes. Bibliothèque Municipale


Bordeaux, 1741, obra manucrista com 86 folhas,
além do índice apresenta procedimentos descritivos
menos intuitivos do que os propostos por De La Rüe,
não colocando letras para indicar a correspondência
entre as projeções de um mesmo ponto. (TREVISAN,
2001)

Monge Pela primeira vez é utilizado o nome Geometria


descritiva: em um plano de estudos que Monge
(1746-1818)
preparou para a convenção. (TATON, 1951, p.579)
Prepara 24 lições manuscritas que são aplicadas de
21 de dezembro de 1794 a 19 de janeiro de 1795
para a classificação dos alunos selecionados para a
Ecole centrale de travaux publics. (TATON, 1951,
p.93-95) (O plano de curso destas lições encontram-
se traduzidas como axexo em Gani (2004) e não
contém a denominação geometria descritiva.

Sylvestre François Lacroix Publica um tratado de geometria descritiva.


(MIGLIARI, 1996)
(1765-1843)
Contribui com a rápida propagação da geometria
descritiva a partir das numerosas edições e
traduções de seu tratado Éléments de Géométrie
descriptive ou Essais de Géométrie sur les plans et
les surfaces courbes. (TATON, 1951)
261
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Traduções e primeiras obras a partir da obra


Géométrie Descriptive de 1799 de Gaspard Monge

Lezione ad uso delle scuole normale di Francia raccolte per mezzo dei stenografi e rivedute dai
professori. Milano: Netti, 1798. Tradução: C.L. Esta obra traduz parte das lições de Geometria
Descritiva, dadas às Escolas Normais, no ano 3 da República; por Gaspard Monge, antes dessas
lições serem publicadas na edição autônoma de 1799. (FIOCCA, 1992.)

MONGE, G., Géométrie Descriptive. Paris: Baudoin,1799. Reedições desta obra: 3ª edição com um
suplemento redigido por Hachette, 1811; 4ª ed. por B. BRISSON, Paris, 1820; 5ª ed. Paris, 1827; 6ª
ed. Paris, 1838; 7ª ed. Paris, 1847. Outras edições em francês: Bruxelas, 1827; Bruxelas, 1854, Paris,
1922. (TATON, 1951)

Primeira tradução espanhola


MONGE, Gaspard. Geometria descriptiva. Madrid en la Imprenta Real, año de 1803. Edición
Facsimilar del Colegio de Ingenieros de Caminos, Canales y Puertos de Madrid, 1996.

Primeira tradução italiana


Trattato elementare di geometria descrittiva. Tomo I che contiene le lezione di geometria descrittiva di
Gazpard Monge tradotto dal francese con note da G. Placci. Bologna: fratelli Masi, 1805. (FIOCCA,
1992.)

Primeiro texto de geometria descritiva italiano


FLAUTI, Vicenzo. Elementi di geometria descrittiva. Roma: Salvioni, 1807. (Fiocca, 1992)
TRAMONTINI, Giuseppe. Saggio teórico-pratico intorno alla eterminazione delle ombre. Firenze: 1805.
In: Problema gráfico, Mem. Mat. e Fis. della Soc. It. , vol. XIII, parte I, 1807, pp. 38-66. (FIOCCA,
1992)

TRAMONTINI, Giuseppe. Delle proiezioni grafiche e delle loro principali applicazioni, trattato teorico-
pratico ad uso della R. Scuola Militare del Genio e dell'Artiglieria come ancora di tutti I giovani architetti
ed engegneri civili. Modena: Società Tipografica, 1811. Esta obra apresenta na primeira parte a teoria
de representação desenvolvida segundo o método de Monge e na segunda parte mostra as principais
aplicações da geometria descritiva. (FIOCCA, 1992)

BRISSON, 1820 (Contém três lições inéditas encontradas em carta deixada por Monge sobre
determinação das sombras, teoria perspectiva aérea e a perspectiva linear. Uma quarta lição sobre
vantagens da introdução da geometria descritiva na instrução pública não foi publicada por Brisson e
hoje encontra-se perdida. (FIOCCA, 1992.)

Primeira obra de geometria descritiva brasileira


SOUZA.José Vitorino dos Santos e. Elementos de geometria descritiva; com applicações a's artes.
Extrahidos das obras de Monge,
de ordem de sua alteza real o Principe Regente N.S. Para uzo dos alumnos da Real Academia Militar.
Rio de Janeiro: Impressam Regia,1812.

FLAUTI, Vicenzo. Geometria del sito sul piano e nello spazio. Napoli, Tipografia di palazzo Cariati,
1815. Esta obra possue outras duas edições: 1821 e 1842. (FIOCCA, 1992)
271

HACHETTE. Collection des Èpures de Géométrie descriptive. S/d. (Trata-se de uma coleção de 100
pranchas de exercícios produzidas em datas diferentes, como por exemplo 1801- prancha 24 - e 1814
– prancha 16, e contendo muitas sem qualquer data, conforme Cardone (1996).

SERENI, Carlo. Saggio delle applicazione della geometria descrittiva ad alcuni punti della scienza
dell'ingegnere. In: Ricerche geometriche ed hifrometriche fatte nella scuola degli ingegneri pontifici
d'acque e strade l'anno 1821. Milano: giusti, 1822. (FIOCCA, 1992.)

BORDONI. Antonio. De ' contorni delle penombre ordinarie. Pavia: Fusi, 1822. (FIOCCA, 1992)

BORDONI. Antonio. Sopra le linee uniformemente illuminate. Giornale de física Chimica Del
Brugnatelli, tomo VI, 1823, pp. 196

SERENI, Carlo. Trattato di geometría descrittiva. Roma: F. E N. De romanis, 1826. (FIOCCA, 1992.)

TUCCI, Francesco Paolo. Su la permutazione de piani de proiezione in Descrittiva. Biblioteca analítica,


série IV, vol. I, 1823, 129

MONGE, G. Tratato di geometria descrittiva, coll'aggiunta d'una teórica delle ombre e della prospettiva
estratta dalle lezione inedite dell'autore per cura del sig. Brisson, prima versione italiana per cura del
prof. Filippo Corridi. Firenze: Ricordi, 1838. (FIOCCA, 1992.)

Monge, Gaspard. Darstellende geometrie. Leipzig: W. Engelmann, 1900. Tradução de Robert Karl
Hermann Haussner. (FIOCCA, 1992.)

MONGE, G. Géométrie Descriptive.Leçons donnés aux Écoles Normales, l’an 3 de la Republique.


Paris: Baudoin, 1799. Paris: Jacques Gabay, 1989.

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