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CASTRO, Ivo. Do Latim ao Português Antigo. In: Curso de história da língua portuguesa.
Lisboa: Universidade Aberta, 1991. P. 67 – 90

3.1 Introdução

 “... a principal componente linguística do português é a língua de Roma, que, devido à


expansão do Império Romano, chegou até aos territórios onde o português viria a
nascer.” (p. 67);
 “O ângulo noroeste da Península Ibérica constituiu a chamada <<área inicial do
galego-português>>, ou seja, a área em que a evolução do latim aí falado conduziu a
um sistema linguístico próprio” (p. 67);
 “Juntaram-se-lhe outros elementos, cuja influência nem sempre é fácil de avaliar: as
línguas faladas no NW antes da chegada dos romanos, que desaparecem <<quase>>
completamente sob o latim; e as línguas faladas por povos que, entre a queda do
Império Romano (séc. V) e o aparecimento dos estados cristãos (séc. X), passaram ou
se instalarem nesta região da Península.” (p. 67);
 “A romanização, processo de instalação da civilização romana (e da língua) nas
regiões sucessivamente conquistadas e pacificadas por Roma, é responsável pela
introdução de muitos traços diferenciadores, não tendo ocorrido do mesmo modo em
todas as regiões” (p. 68);
 “As línguas pré-romanas (ou de substrato) e as línguas posteriores à romanização (ou
de superstrato) são responsáveis por outros traços diferenciadores.” (p. 68);
 “Assim, os principais fatores de diferenciação do latim que vamos considerar são: a)
cronologia da romanização; b)tipo de romanizador; c)modo de romanização; d)
substrato; e)superstrato.” (p. 68).

3.2 A România. Sua divisão actual


 “Para designar a língua do povo de Roma, e mais tarde do Império, usava-se o termo
latina lingua, composto sobre o adjetivo latinus, relativo à língua e aos povos do
Latium, província onde Roma surgira.” (p. 68);
 “O qualificativo de romanus aplicava-se a quanto dissesse respeito ao povo da Urbe,
com exclusão dos povos das províncias do Império” (p. 68);
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 “Só a partir do édito de Caracalla (212 d.C.), se tornavam romani todos os habitantes
do Império que falavam latim.” (p. 68);
 “E daí deriva a designação coletiva de Romania (como outras do tipo Hispania,
Gallia, Britannia, ...), para representar o Império na sua totalidade, por oposição à
cidade de Roma, e também a outros territórios.” (p. 68);
 “Desmembrado o imperium romanum após as invasões germânicas, romanus e
Romania perderam o seu significado político, mantendo-se, porém, com um
significado civilizacional e linguístico.” (p. 69);
 “Ao lado de romanus, existia o adjetivo romanicus, que era um seu equivalente
popular [...] Enquanto o primeiro se referia apenas ao cidadão de Roma, o segundo
passou a aludir ao habitante dessa nova entidade, herdeira de Roma, que era a
Românica (romanicus = <<semelhante a romano>>).” (p. 69);
 “Enquanto <<falar latim>> era designado como latine ou romani loqui no latim
clássico, no fim do Império e no período seguinte apareceu a expressão romanice
parabolare ou fabulare, <<falar à moda de Roma, nem exactamente em latim nem
em língua de bárbaros>>” (p. 69);
 “România é um nome vivo ainda hoje, no sentido de comunidade de línguas
derivadas do latim.” (p. 69);
 “Como as áreas do mundo ocupadas por estas línguas não coincidem mais com a área
do Império Romano de Ocidente, costuma chamar-se România Nova às regiões que
foram colonizadas por europeus a partir do século XVI e onde o português, o
castelhano ou o francês continuam a ser falados” (p. 69-70);
 “Do mesmo modo, chama-se România Submersa ao conjunto de regiões da Europa
que, tendo sido romanizadas, não albergam hoje uma língua românica” (p. 70);
 “... podemos dividir a România actual em seis áreas principais, segundo grau de
afinidades linguísticas e geográficas” (p. 70);
a) “Área ibero-românica: Inclui todas as línguas e dialetos peninsulares, excepto
o basco...” (p. 70);
b) “Área galo-românica: O galo-romance inclui principalmente as variedades de
<<romanz>> faladas na antiga Gália” (p. 72);
c) “Área reto-românica: as características geográficas das regiões ocupadas por
este terceiro grupo de línguas românicas foram decisivas para a sua grande
diversificação...” (p. 73);
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d) “Área ítalo-românica: agrupa o conjunto de dialectos neolatinos falados na


Itália e nas ilhas de Córsega e Sardenha” (p. 74);
e) “Sardo: tem sido considerado, até estudos recentes, como um dialecto
<<degenerado>> do grupo italiano, embora na actualidade se tenha
reconhecido a sua unidade dentro da família românica” (p. 75);
f) “Área balcano-românica: inclui o romeno e as variedades <<balcânicas>>
faladas pelo sudeste europeu” (p. 75);

 Áreas de insuficiente romanização:


a) “Britannia, hoje Inglaterra, onde o latim conviveu com as outras línguas celtas
aí existentes antes das invasões anglo-saxônicas. Mais tarde [...], o anglo-
normando, foi a língua materna das classes altas da Inglaterra, facto que
explica a vasta parcela de romanismos que o léxico inglês ainda hoje conserva
(p. 76);
b) “Germania, [...] Actualmente está repartida entre as fronteiras da Holanda,
Renânia, Baviera e Áustria. Nestas duas últimas áreas, provavelmente falar-se-
ia alguma variedade reto-românica, mas os seus falantes foram empurrados
para o sul com as invasões das tribos germânicas” (p. 76);
c) “Panónia, que ocupava aproximadamente o território onde hoje em dia se situa
a Hungria” (p. 76);
d) “Cartago, que foi uma das províncias mais intensamente romanizadas do
Mediterrâneo. O seu esplendor cultural [...] diminuiu consideravelmente depois
da invasão dos vândalos e das lutas que estes mantiveram com o Império de
Bizâncio.” (p. 76-77);

 Línguas perdidas:
“Das variedades, dialectos e línguas, conhecidas ou completamente ignoradas, que se
criaram a partir do latim, vale a pena destacar dois casos, o dálmata, e outro que diz
respeito à situação linguística da Península Ibérica, o moçárabe. Ambos foram
submergidos pelas línguas dominantes nos seus antigos territórios.”. (p. 77)
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3.3 O latim, dentro da família indo-europeia


 “O latim é uma das línguas que constituem a <<família itálica>> do grupo indo-
europeu, no qual também se aglutinam outras <<famílias>> de línguas...” (p. 77);
 “Indo-europeu, enquanto adjetivo, designa o conjunto de <<línguas que, por meio de
uma evolução regular, são provenientes de uma determinada língua, que desapareceu e
não está atestada>>” (p. 77);
 “Integram-se no conjunto das línguas indo-europeias o latim e todas as línguas
românicas, entre elas o português” (p. 77);
 “Enquanto substantivo, indo-europeu designa a própria língua não atestada. Mas
também designa o povo que a falava.” (p. 79);
 “Recomenda Martinet que fórmulas como esta sejam entendidas no plural: não é de
conceber que fosse uma língua estável e estruturada, falada por um povo fixado no
terreno” (p. 79);
 “Martinet situa suas origens cerca de 5000 anos antes da nossa era, num povo
localizado no sudeste da União Soviética, que deixou consideráveis vestígios
arqueológicos.” (p. 79);
 “Um vaso datado dos começos do século V a.C., encontrado no actual Forum romano,
contém, o primeiro texto que, sem polémica, é útil para o estudo do latim arcaico.”
(p. 81).

3.4 Periodização da história do latim


 “... para o estudo das diferentes línguas românicas [...] toma-se como ponto de partida
o latim falado durante o séc. I d.C., embora às vezes se tenha de recorrer a
testemunhos anteriores, inclusivamente dos séculos III e II a.C., para tentar explicar
fenómenos cuja origem não é possível localizar no latim clássico de finais da
República e da época imperial” (p. 81);
 “Temos assim:
a) Uma língua literária escrita, ou latim literário, que nos primeiros tempos não
devia diferenciar-se excessivamente da língua falada pelos seus escritores e
leitores. Apresenta ela três fases no seu desenvolvimento: à primeira, a do
latim arcaico (até o séc. I a.C.), seguiu-se uma fase de esplendor literário,
acompanhada de um maior afastamento em relação à língua falada, que
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denominamos latim clássico; por último, aquele latim já bastante


incompreensível para os incultos, o latim imperial (sécs. III - IV d.C.) [...] O
latim literário não cessa com o fim do Império: a partir do século V, essa
língua quase completamente encerrada em textos designa-se por latim-tardio
(ou, segundo Lapesa, baixo latim)” (p. 82);
b) “Por outro lado, temos a língua falada em todas as épocas, cujo conhecimento
apenas nos é revelado por anomalias presentes na escrita ou por referências
directas de escritores e gramáticos aos factos da fala, ou ainda pela comparação
entre os resultados que as formas originais latinas atingiram nas diferentes
línguas e dialectos românicos, sincrónica e diacronicamente. Esta língua falada
é o latim vulgar.” (p. 82);

 “Latim arcaico: O conhecimento desta primeira fase é nos dado pelos testemunhos
escritos nos restos arqueológicos da época pré-literária e pela documentação posterior
– também geralmente epigráfica – das outras línguas itálicas (sobretudo do úmbrio, do
osco e do sabino)...” (p. 83);
 “As características principais do latim arcaico, que o distinguem do estado linguístico
(itálico) anterior, são:
a. Rotacismo. Trata-se da sistemática substituição de /-s-/ intervocálico por /-r-/.
[...] HONOS, HONORIS [...] o seu resultado transparece na evolução de todas
as línguas românicas” (p. 83);
b. “Monotongação. [...] a monotongação dos ditongos /ei/ para /i/, /ou/ e /oi/
para /u/, manifesta os seus resultados em todas as línguas românicas...”
(p. 83);
c. “Simplificação do sistema de casos. [...] Seguindo uma tendência geral das
línguas indo-europeias, o latim arcaico simplificou o sistema de casos: o
Locativo e o Instrumental fundiram-se com o Ablativo, que era geralmente
usado com preposições. O Vocativo tinha quase sempre a forma do
Nominativo [...] O mesmo se sucedeu, no plural, com o Dativo e o Ablativo,
cujas formas eram sempre iguais.” (p. 84);

 “Latim clássico e imperial: É no século primeiro da nossa era, o chamado <<Século


de Augusto>>, que começa a produzir-se uma séria diferenciação entre o latim
literário e o latim falado.” (p. 84);
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 “Já no tempo de Cícero, retóricos e gramáticos reconhecem a existência de


<<variedades>> do latim. A mais primorosa delas, usada na literatura, era o sermo
urbanus, seguido pelo sermo cotidianus ou usualis, que era a linguagem quotidiana
das classes cultas. Seguiam-se depois, já claramente num grau inferior quanto a
prestígio social, o sermo plebeius ou vulgaris, que era o falar do povo sem, ou com
baixa, instrução escolar, e o sermo rusticus, ou seja, os falares não urbanos. Ainda
devemos considerar os dialectos das províncias vizinhas de Roma [...] constituem o
latim provincialis.” (p. 84-85);
 “O latim imperial [...] Caracteriza-se por um maior afastamento entre a língua
literária e a língua falada (o latim vulgar). [...] É nesta época que os vários tipos de
latim começam a sofrer influências de outras línguas, que agravariam mais tarde as
suas tendências diferenciadoras.” (p. 85);
 “O crescente contacto com as culturas do Oriente mediterrâneo, onde o grego era a
<língua franca>, e com a própria Grécia [...] provoca a entrada de uma quantidade
importantíssima de empréstimos linguísticos, sobretudo semânticos.” (p. 85);
 “Durante a época imperial, novos helenismos se introduziram no latim vulgar. A
preposição kata, com valor distributivo, origem do português cada...” (p. 85);
 “A influência do grego sobre o latim não se limita unicamente ao vocabulário.
Existem paralelismos sintáticos muito significativos entre o latim vulgar e o grego
moderno, como sejam as perífrases verbais dicere habeo e scriptum habeo, origem
do futuro e do perfeito românicos.” (p. 85);
 “A última camada de helenismos, ainda anterior à formação dos domínios românicos,
deve-se à influência do cristianismo, cujo primeiro instrumento para a evangelização
na área do Mediterrâneo oriental foi o grego.” (p. 86);
 “Assim são muitos os vocábulos ligados ao culto, e à religião em geral, que fizeram a
sua entrada nessa altura: evangellum, angelus, apostulus [...] Muitas palavras
adquiriram um novo significado, evoluindo a partir do seu significado etimológico:
ângelus (gr. <<mensageiro>>), martyr (gr. <<testemunha>>) [...]” (p. 86);

 “Latim tardio: Devemos entender o latim desta última fase [...] como uma
<<segunda língua>> para os utentes.” (p. 86);
 [...] A distância entre a língua falada e o latim aprendido nas gramáticas provoca na
escrita (em latim) o aparecimento de números erros, que amiúde reflectem as
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tendências diferenciadoras da língua falada pela pessoa que escreve [...] Este período
da língua literária latina está profundamente marcado pela presença do cristianismo e
pelo papel da Igreja como órgão de capitalização e difusão das actividades
intelectuais.” (p. 87);

 “Latim vulgar. [...] O termo <<latim vulgar>> (que concorre com outras
denominações, como <<romance inicial>>, <<romance comum>>, <<latim pré-
romance>>, <<proto-romance>>) designa geralmente o latim falado nos últimos
séculos do Império. Ou seja, a contrapartida falada do latim literário na época
imperial.” (p. 87);
 “Convém especificar esta acepção, com a ajuda de B. E. Vidos: <<A denominação
de latim falado costuma evitar-se, porque não se possui nenhum documento que
reflicta com todas as suas características esse latim popular>>. O conhecimento que
temos dessa língua falada é-nos dado apenas pela presença nalguns documentos de
fenómenos linguísticos que se afastam da norma latina, reflectindo particularidades
do seu uso” (p. 87);
 “[...] o latim falado e o escrito diferiam pela própria natureza da sua produção, mas,
apesar da rigidez normativa da tradição escrita latina, esta registrou constantemente –
com maior ou menos intensidade, segundo o género e a cultura do autor – a
influência da língua falada, influência < in crescemdo> de que é testemunha a
presença dos numerosos vulgarismos que aparecem nos textos tardios.” (p. 88);
 “[...] pode-se definir-se o latim vulgar como <<a língua falada pelas camadas pouco
influenciadas ou não influenciadas pelo ensino escolar e pelos modelos literários>>”
(p. 88);
 “Deve-se entender o latim vulgar como um conjunto de factos complexos e instáveis,
ou seja, um diassistema. O latim vulgar evoluiu no tempo, sendo claramente
diferente o que se falava no século I d.C. do falado no séc. V.” (p. 89);
 “No latim vulgar existiam variações regionais e, dentro destas, é preciso ter em conta
a época em que se produziram. Aliás, com certeza, o latim vulgar comportava uma
série de diferentes estilos e níveis de linguagem.” (p. 89-90).
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3.5 Fonte do latim vulgar


 “Língua por definição não-escrita, só pode ser reconstituída por processos
comparativos, recorrendo a estados mais recentes de línguas dela derivadas.” (p. 90);
 “Mas há também a possibilidade de encontrar formas de língua falada reflectidas em
textos latinos dos períodos clássico e imperial: por lapso, ou deliberadamente, o autor
não aplicou as regras ortográficas ou gramaticais do latim literário, não escolheu
vocábulos próprios do sermo urbanus, mas sim de níveis de linguagem mais
baixos” (p. 90);
 “Dá-se-lhes tradicionalmente o nome de fontes do latim vulgar. Podem ser de
diversos tipos: 1. obras gramaticais, 2. inscrições, 3. cartas pessoais, 4. obras
técnicas, 5. obras literárias, 6. glosas” (p. 90).

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