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ZEFERINO JÚNIOR
Nas filas, nas vilas, nas favelas ouve-se um discurso uníssono vocalizado por pessoas
prontamente indignadas: “ninguém aguenta mais tanta corrupção; ninguém suporta tanta
lama na vida pública; ninguém tolera mais os desatinos da vida política brasileira”. A
cantilena é a mesma. E parece assentar-se quase na totalidade das opiniões. Dos mais
letrados aos menos alfabetizados. Do lavador de carro ao acadêmico. Do vendedor de
pipoca ao doutor pela USP. A indignação parece enlaçar todo mundo num brado só.
A conclusão óbvia e ululante é que a soma das indignações chegaria num resultado mais
do que conhecido: um todo indignado e pronto para fazer essa correção moral, não é
mesmo? Pois é. No entanto, a soma das indignações particulares é maior do que o todo
coletivo. Como pode a soma das partes ser maior do que o produto desta soma?
Seria hipocrisia na veia? Seríamos uma cambada de hipócritas, que, uma vez
submetidos a uma tentação, a uma propinazinha, iríamos nos revelar tão corruptos
quanto aos que criticamos diuturnamente? O autor não é tão simplista. Para ele, não é
exatamente hipocrisia pela hipocrisia. É, na verdade, um dos traços da poderosa força da
psicologia humana: o desejo de pensar bem de si próprio.
Citando Sófocles: “é doce manter os nossos pensamentos longe daquilo que fere”,
Gianetti se vale da psicologia moral para reforçar a tese do autoengano – “Se fôssemos
capazes, cada um de nós, de olhar para nós mesmos como os outros nos veem,
descobriríamos que o Brasil nos habita e teríamos mais humildade no agir”. O livro de
Gianetti é um tratado, uma viagem sobre a história das ideias, em que filósofos,
teóricos, que se debruçaram sobre a natureza humana, buscam respostas para as
questões morais que moveram e movem as nações em busca de sua prosperidade.
O “Paradoxo do Brasileiro”, que ele tangencia logo no prefácio, é uma rápida incursão
sobre a relação tumultuada que mantemos com as nossas mais íntimas e (in)
confessáveis contradições individuais e coletivas. O mote da obra é maior. Bem maior.
O parêntese aberto pelo economista para falar da condição paradoxal do brasileiro
mostrou-se tão oportuno que foi apto a mexer com toda a percepção do leitor antes do
mergulho no emaranhado de conexões geniais que viriam nas páginas seguintes de um
livro indispensável.