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Ensaios Clínicos: O que são e seus

diferentes tipos
O que são ‘Ensaios Clínicos’?

Os ensaios clínicos com agentes farmacológicos constituem uma etapa necessária para o
desenvolvimento de qualquer novo fármaco, ou então para se acrescentar novas
indicações à aplicação de fármacos já existentes. Nas etapas iniciais do desenvolvimento
de um dado fármaco, estudos químicos, físicos, biológicos, microbiológicos,
farmacológicos, toxicológicos e de outros tipos são conduzidos sobre tecidos vivos
(estudos in vitro) ou animais de laboratório (estudos in vivo). Esses são os
chamados ensaios pré-clínicos (ainda não clínicos), que visam estabelecer e avaliar (por
meio de métodos científicos) a eficácia e segurança de fármacos ainda experimentais.

Entretanto, nessa fase inicial de experimentação dos fármacos, tais estudos não podem, e
nem pretendem, fornecer informações confiáveis sobre como esses fármacos
experimentais agirão nos seres humanos, já que o organismo humano difere muito de
meras células em cultura ou do organismo de animais experimentais. Tal diferença se
expressa no comportamento farmacocinético do composto em desenvolvimento, ou então
já no nível dos sistemas orgânicos (sistema digestivo, nervoso, respiratório, etc.), quando
estes respondem de forma diferente à exposição ao fármaco experimental. Assim sendo,
torna-se necessário desenvolver ensaios clínicos em seres humanos, utilizando os
fármacos ainda em investigação.

Então, o que vem a ser o ‘ensaio (ou estudo) clínico com um agente farmacológico‘?
Define-se um ensaio clínico, como uma investigação sistemática dos efeitos do agente
farmacológico sob observação, nos seres humanos (sejam eles pacientes ou voluntários
sadios); tal investigação é realizada para avaliar a segurança e/ou eficácia desse fármaco
e estabelecer e/ou confirmar suas propriedades clínicas, farmacocinéticas e
farmacodinâmicas, determinando também sua absorção e distribuição, rastreando sua rota
metabólica e acompanhando sua excreção e/ou interações farmacológicas.

Um ensaio clínico é iniciado pelo Patrocinador, que é o responsável por sua organização,
monitoria e/ou financiamento. O Investigador (que pode ser uma única pessoa
especialista ou um grupo delas) é responsável pela condução prática do ensaio. O
Patrocinador de um ensaio clínico é, usualmente, a empresa farmacêutica que
desenvolveu o novo produto farmacológico a ser analisado; entretanto, o Investigador
pode também assumir o papel de Patrocinador, caso o ensaio venha a ser desenvolvido
por sua própria iniciativa; quando então, ele ou ela terá responsabilidade completa sobre a
condução do estudo.

Todos os ensaios clínicos devem ser desenvolvidos de acordo com os princípios éticos
expressos na Declaração de Helsinque, obedecendo às normas de
procedimento GCP (Good ClinicalPractice ou Boa Prática Clínica) e a todos os requisitos
regulatórios aplicáveis (condições estabelecidas na forma da lei ou como convenções, que
visam a proteção dos sujeitos de pesquisa). Antes que um ensaio clínico seja iniciado,
seus riscos inerentes devem ser pesados contra o benefício previsto para os sujeitos do
estudo e a sociedade. Os direitos, segurança e bem-estar dos sujeitos do estudo são
sempre as considerações mais importantes, devendo prevalecer sobre os interesses da
ciência e da sociedade. Os sujeitos participantes de um estudo clínico somente podem ser
arrolados (colocados na lista de participantes, admitidos no estudo), com base
num Consentimento Informado (Informed Consent – IC) voluntário, a ser obtido após a
explicação detalhada do estudo. Quando dado por escrito (como é o caso na grande
maioria dos estudos clínicos), esse consentimento é representado por um formulário,
o Termo deConsentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Informed Consent Form – ICF), que
precisa ser assinado e datado individualmente, pelos sujeitos participantes do estudo e
pelo Investigador.

Todo ensaio clínico deve ser cientificamente consistente e descrito previamente ao seu
início, em um protocolo clínico detalhado expresso de forma clara. A avaliação da razão
risco/benefício do estudo, bem como a revisão e aprovação do respectivo protocolo e
outros documentos relevantes, são responsabilidade do Comitê de Ética em Pesquisa –
CEP (Institutional ReviewBoard/Independent Ethics Committee – IRB/IEC). Esse comitê é
um grupo deliberativo composto por integrantes da comunidade (médicos não envolvidos
no estudo, pacientes idem, pessoal administrativo, etc.) na qual o estudo será
desenvolvido; ele tem poder para aprovar o estudo e respectiva documentação,
endossando assim sua implementação; podendo também, é claro, bloquear o estudo
condicionalmente ao requerer modificações ou emendas ao seu protocolo, ou então
definitivamente, quando inviabiliza por completo a implementação do estudo. Um estudo
clínico pode ser iniciado somente após sua revisão e aprovação pelo CEP.

Diferentes Tipos de ‘Ensaio Clínico’

 Um estudo piloto tem o objetivo de obter dados preliminares importantes (tais


como a possibilidade de se conduzir estudos similares, mas numa população maior
de sujeitos; ou o tamanho da amostra e poder estatístico desses futuros estudos,
etc.) para o planejamento de futuros ensaios com o respectivo fármaco
experimental.

 Num ensaio clínico randomizado, os sujeitos são alocados randomicamente (ao


acaso) aos grupos de tratamento ou ‘braços do estudo’. Para isso, usa-se um
procedimento qualquer de randomização (por exemplo, um software, uma tabela
predefinida, sorteio, etc.). Dessa maneira, todos os sujeitos participantes do ensaio
terão, rigorosamente, a mesma probabilidade de receber o fármaco experimental
ou aquele que corresponde ao controle do estudo (nos estudos clínicos
controlados por placebo*, o agente de controle será placebo; nos demais estudos
clínicos controlados, o agente de controle será um fármaco comparador).

*placebo = simulação de medicamento que não contém qualquer substância


química ou medicinal, podendo apenas influenciar psicologicamente o indivíduo
que o toma. Num estudo clínico, o placebo é uma forma farmacêutica sem qualquer
atividade, tomada pelos pacientes do grupo controle e com aparência idêntica
àquela da(s) outra(s) forma(s) farmacêutica(s), farmacologicamente ativa(s),
tomada(s) pelos sujeitos do(s) outro(s) grupo(s) de tratamento do estudo.

 Em ensaios não randomizados, nenhum procedimento de randomização é


realizado e isso pode afetar a confiabilidade do estudo, já que o Investigador pode
inconscientemente interferir na alocação de sujeitos aos grupos de tratamento,
devido a uma prévia inclinação ou propensão (bias) em favor de um dos possíveis
resultados do estudo.

Um Estudo clínico controlado (controlled clinical study), algumas vezes chamado também
de ‘estudo clínico comparativo’, é o ensaio no qual o fármaco sob investigação, cuja
eficácia e segurança ainda não foram completamente estudadas, é comparado a um
agente cuja eficácia e segurança já são bem conhecidas (o fármaco comparador). O
agente comparador pode ser placebo, uma terapia padrão ou, simplesmente, nenhum
tratamento. Em um sentido mais abrangente, um estudo controlado corresponde a
qualquer ensaio no qual as possíveis fontes de erro sistemático são controladas (ou seja,
minimizadas ou excluídas tanto quanto possível) e que é conduzido em estrita obediência
ao protocolo do estudo, além de ser, também, regularmente monitorizado, emitir relatórios
periódicos, etc.

Em um estudo clínico não controlado (non-controlled clinical study) ou não


comparativo, não se usa nenhum grupo controle ou grupo comparativo (no qual os
sujeitos recebem o fármaco comparador). Esse tipo de estudo, por ser desprovido de um
parâmetro de comparação (que seria o grupo controle), não pode oferecer respostas
comparativas; o que acaba por limitar bastante o alcance de seus resultados.

Nos estudos paralelos (parallel studies), os sujeitos dos diferentes grupos de tratamento
podem receber somente o fármaco sob investigação ou somente o fármaco
comparador/placebo. Nas variações desse tipo de estudo nas quais existem mais que dois
grupos de estudo, geralmente, o fármaco experimental é dado em diferentes doses, ou
então em combinação ou não com outro fármaco; nesses casos, cada dose administrada
ou as formas ‘combinada’ e ‘não combinada’ do fármaco representam braços
independentes do estudo que, juntamente com o braço controle, constituem a totalidade
do espaço amostral da análise.

Nos estudos cruzados (crossover studies), cada paciente recebe ambos os fármacos
comparados (usualmente, numa sequência de tratamentos estabelecida de forma
randômica).

Um estudo clínico pode ser desenhado como um ‘estudo aberto’ (open study), no qual
todas as partes envolvidas (médicos e pacientes) têm conhecimento sobre qual fármaco
está sendo administrado a cada indivíduo participante; ou então, pode-se ter um desenho
de ‘estudo fechado’ (blinded study), no qual apenas uma das partes envolvidas (estudo
simples cego ou single blind study), ou mais delas, por exemplo duas (estudo duplo
cego ou double-blind study) ou todas as partes envolvidas (full-blind study) no estudo
clínico, desconhecem a designação de tratamento aos diferentes sujeitos.

Um estudo prospectivo* é um ensaio no qual os sujeitos são divididos em grupos, que


são expostos, ou não, ao fármaco sob investigação, antes da manifestação dos resultados
esperados dessa intervenção. Em outras palavras, o fenômeno a ser observado no estudo
se manifesta apósa intervenção do Investigador, como consequência ou não dela. Esse
tipo de estudo propõe uma questão ou análise e, após a intervenção do Investigador, olha
para a frente, para o tempo que ainda virá, em busca dos resultados dessa intervenção.
*prospectivo = que faz ver à frente (após a intervenção); concernente ao futuro.

Em contraste, num estudo retrospectivo*, o fenômeno a ser observado no estudo deve


ter se manifestado antes do início do estudo. Em outras palavras, esse tipo de estudo
propõe uma questão ou análise e, após a intervenção do Investigador (que pode ser
representada apenas pela iniciativa de observar), olha para trás, para o tempo que já
passou, em busca da resposta. Assim, o resultado de interesse já ocorreu ou deixou de
ocorrer, na ocasião em que se inicia o estudo. Nos estudos retrospectivos, são usadas
informações usualmente coletadas por razões outras que um ensaio clínico, tais como
dados administrativos do hospital, registros médicos de pacientes, etc.
*retrospectivo = que olha para trás; que se volta para o passado ou examina épocas
anteriores à do estudo em questão.

Dependendo do número de sítios (sites ou locais de pesquisa) onde um dado estudo


clínico é conduzido conforme um mesmo protocolo, ele é chamado
de estudo unicêntrico (single-center study ou estudo com um único
centro) ou estudo multicêntrico (multicenter study ou estudo com múltiplos centros).
Um estudo é chamado Internacional (International), se for conduzido simultaneamente em
mais de um país (e nesse caso, o estudo em questão será sempre multicêntrico e haverá
tantos trâmites regulatórios para aprovação, quantos forem os países participantes).
Um estudo de grupos paralelos (Parallel Group Study) é aquele que compara dois ou
mais grupos de pessoas ao mesmo tempo; nesse caso, um ou mais desses grupos recebe
o fármaco sob investigação e outro grupo funciona como grupo controle. Alguns estudos
paralelos comparam diferentes tratamentos, sem incluir um grupo controle (esses ensaios
são chamados de ‘estudos de grupos independentes’).

Estudo de coorte (cohort study) é um estudo observacional*, no qual um grupo definido de


pessoas (a coorte) é seguido ao longo do tempo. Os resultados que ocorreram em sujeitos
pertencentes a sub-lotes dessa coorte (por exemplo, indivíduos que foram ‘expostos a
doses diferentes’ do fármaco investigado) são comparados nesses estudos.

*estudo observacional = Os estudos observacionais são conduzidos sem a ação do


investigador; elesimplesmente observa e mede o objeto de estudo (os pacientes, as
características da doença, etc.), sem intervir ou modificar qualquer aspecto do
estudo. Os estudos observacionais podem seranalíticos ou descritivos. Os estudos
descritivos têm como objetivo registrar a frequência de determinada condição
clínica e verificar sua distribuição ao longo do tempo e no espaço (localidades
diferentes). Já os estudos analíticos são os que buscam explicar a ocorrência de
determinada condição clínica, procurando relacioná-la a um ou mais fatores (os
chamados ‘fatores de risco’). Por outro lado, nos estudos experimentais, ou estudos
de intervenção, existe uma ‘intervenção intencional’ do pesquisador sobre o objeto
de estudo, seja pela exclusão, inclusão ou modificação de um determinado fator.

Esses são estudos onde o investigador se faz as seguintes perguntas: ‘Determinada


intervenção funciona?’, ou então ‘Ela é melhor do que a outra intervenção do
estudo?’. Portanto, podemos definir os estudos experimentais como sendo ‘testes’.
Eles corresponderiam a uma comparação entre ‘fazer alguma coisa e não fazer
nada’, ou entre ‘fazer alguma coisa e fazer outra diferente’, com o intuito de ver
qual a melhor decisão a ser tomada.

Um estudo prospectivo de coorte (prospective cohort study) agrega participantes


(formando uma coorte) e os segue em direção ao futuro.

Um estudo retrospectivo de coorte (retrospective cohort study), também chamado de


‘estudo de coorte histórica’, identifica sujeitos a partir de registros do passado, seguindo-os
desde o tempo desses registros até o momento presente.

Um estudo caso-controle (case control study) compara pessoas com uma doença
específica ou resultado de interesse (casos), a pessoas pertencentes à mesma população,
mas sem aquela doença ou resultado (controles). Esses estudos buscam encontrar
associações entre o resultado de interesse e a exposição prévia a fatores de risco
particulares.

Um estudo de série de casos (case series study), também chamado estudo


anedótico ou estudo de casos históricos, é um estudo relatando observações realizadas
sobre uma série de indivíduos; usualmente, todos esses indivíduos estão recebendo o
mesmo tratamento e não há qualquer grupo controle.

Um estudo de caso (case study), também chamado de relato de caso, é um estudo


relatando observações sobre um único indivíduo.
Atualmente, costuma-se dar preferência ao tipo de desenho de estudo que ofereça os
dados mais confiáveis; por exemplo, estudos controlados, prospectivos, randomizados,
comparativos e, o que também é geralmente requerido, duplo-cegos.
Recentemente, o papel dos ensaios clínicos com agentes farmacológicos ganhou maior
importância, em vista da implementação dos princípios de
‘medicina baseada em evidências’, na prática dos cuidados à saúde. Segundo esses
princípios, a ideia fundamental é fazer com que cada decisão clínica específica sobre o
tratamento dos pacientes, tenha como base ‘achados científicos rigorosamente
comprovados’; tais dados, evidentemente, só podem ser obtidos a partir de
experimentação, na forma de ensaios clínicos controlados e bem desenhados.

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