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A cadeia de custódia e o perito oficial

sob a ótica da lei de improbidade


administrativa
Paula Velho Leonardo

Resumo: A prova pericial compõe um dos principais elementos que


baseia a decisão dos juristas nos diversos processos, seja no âmbito
penal ou civil, para que os direitos sejam garantidos na sua plenitude. A
cadeia de custódia é uma relação de todas as pessoas que tiveram a
posse de algo que é considerado evidência, que futuramente tornar-se-á
prova ou não. Além disso, são processados outros dados relevantes,
fazendo desse um procedimento ímpar, no que tange a perícia oficial e
seus resultados. Não há atualmente legislação que resguarde a prova da
atuação do perito oficial, visto que nesse percurso de coleta da
evidência até sua análise, nem mesmo o assistente técnico tem acesso.
Atualmente, o perito que compõe o corpo laboral da perícia oficial por
vezes emite opinião única no processo, sendo que a outra parte não tem
a possibilidade de acompanhar e atuar devidamente dentro do
procedimento de recolhimento das futuras provas. O presente estudo
discute o trabalho do perito referente à cadeia de custódia sob o
enfoque da lei nº 8.429/92. Aborda o registro, a rastreabilidade, a
integridade da prova, e, principalmente, a atuação metodológica do
perito até o ponto onde este se torna sujeito ativo da lei de
Improbidade Administrativa.

Palavras-chaves: improbidade administrativa, perícia, cadeia de


custódia, lei nº 8.429/92, prova pericial.

Sumário: 1. Introdução; 2. Os primórdios da improbidade administrativa


no Brasil; 3. Os elementos da lei de improbidade administrativa; 3.1.O
objeto da lei; 3.2. Os sujeitos da lei nº 8.429/92 ; 3.3. Métodos de
apuração do ato de improbidade administrativa; 4. A Cadeia de Custódia
e o perito oficial sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa; 4.1
A cadeia de custódia na perícia oficial; 4.2 - A Cadeia de Custódia e o
perito oficial sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa; 5.
Conclusão.
1. INTRODUÇÃO

O presente estudo discute o trabalho do perito referente à cadeia de


custódia sob o enfoque da Lei nº 8.429/92. Aborda o registro, a
rastreabilidade, a integridade da prova, e, principalmente, a atuação
metodológica do perito até o ponto onde este se torna sujeito ativo da
lei de Improbidade Administrativa.

A reflexão sobre a abrangência da lei de improbidade administrativa no


âmbito da perícia, especificamente no procedimento da cadeia de
custódia; a realização de releituras dos procedimentos pertinentes à
qualificação da evidência como prova; e, a falta de diploma legal que
normatize tal demanda, são fatores primordiais que serão debatidos,
para que se alcance uma visão analítica do tema proposto.

Além disso, há a intenção de ampliar a credibilidade do perito oficial no


seu trabalho, bem como realizar críticas pela presença ou não de maior
acompanhamento pelas partes do processo. Isso causa dúvidas no
âmbito processual, pois se questiona a credibilidade e fé-pública que
são inerentes à prática da perícia oficial nos dias de hoje.

A metodologia de pesquisa utilizada foi a analítica, por meio de


consulta bibliográfica especializada, periódicos, jurisprudência e
doutrina, legal e pericial. De forma complementar, informações foram
obtidas através de sítios oficiais.

A monografia está estruturada em três partes. Na primeira, foi


explorado todo o histórico da improbidade no Brasil, permeando
episódios marcantes que ajudaram a formar o atual sistema jurídico de
fiscalização dos governantes e administradores da coisa pública.

Na segunda parte, estudou-se a Lei de Improbidade Administrativa


quanto aos seus objetivos, sujeitos ativo e passivo, e seus métodos de
apuração, com a finalidade de relacionar a norma ao objetivo deste
trabalho.

Na terceira e última parte, estudou-se a aplicação da lei ora explorada


na prática da perícia oficial, especificamente no procedimento da
cadeia de custódia, enquadrando todos os elementos que configuram
um ato ímprobo.

O tema é de grande importância, devido ao peso que a prova pericial


possui no processo, seja qual for sua natureza. Além disso, resguardar a
figura do perito oficial e sua metodologia de atuação é fator de suma
importância. A falta de estudo a cerca do assunto é outra razão para
que haja um aprofundamento específico do mesmo, visto que, na
medida em que não há posição firmada, a discricionariedade
exacerbada pode tomar conta dos diversos atos concernentes à perícia.

A qualidade do serviço efetuado pela perícia oficial depende de vários


elementos. De acordo com nosso ordenamento jurídico, não há lei
própria que regre todos os atos que compõe o trabalho do perito. Isto
posto, o que se questiona é qual o limite aplicado dessa
discricionariedade no trabalho, no que tange o manejo e a qualificação
das evidências obtidas em local de crime.

Nesse diapasão, há a necessidade latente de questionar qual seria a


norma que resguardaria essa lacuna, sendo a lei de improbidade
administrativa a escolhida, devido seu caráter generalista quanto ao
sujeito ativo e quanto ao seu objeto.

2. OS PRIMÓRDIOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO BRASIL

Ao perquirir o histórico da Lei de Improbidade Administrativa é


necessário estudar os episódios culminantes da vida política nacional. A
atenta pesquisa aos princípios e idéias que formaram a consciência do
nosso povo e nação, norteia o caminho que levou ao surgimento da
referida lei.

Desde o início do Período Joanino (1808 a 1821) há registros de vultosos


roubos ao cofre da corte e de um desregrado cotidiano de gastos sem
qualquer controle.

Quando a corte de D. João chegou ao Brasil, estava desguarnecida de


quase tudo. Todos dependiam da Corte Real Portuguesa para manter a
máquina burocrática, que havia sido enviada ao Rio de Janeiro. Esses,
que apostaram na viagem à colônia, esperavam benefícios em troca do
dito sacrifício que a rota ao Brasil apresentava na época. Segundo John
Armitage [1],

“os novos hóspedes pouco se interessavam pela prosperidade do Brasil.


Consideravam temporária a sua ausência de Portugal e propunham-se
mais a enriquecer-se à custa do Estado do que a administrar justiça ou a
beneficiar o público.”

Relata ainda Laurentino Gomes[2], que no período em que Dom João


viveu no Brasil, as despesas da corrupta Ucharia Real triplicaram,
fazendo com que o déficit não parasse de crescer; e mesmo assim, a
corte continuou bancando toda a fortuna necessária para manter toda a
nobreza e seus empregados aqui no Brasil.

Por volta de 1808, foi criado o Banco do Brasil para custear as demais
necessidades, que o empréstimo que fora feito com a Inglaterra não
conseguira suprir. Após 12 anos de existência, pela política adotada
pelo príncipe regente e seus administradores, o banco disponibilizava
moeda sem lastro, ou seja, havia mais emissão de papel-moeda do que
seu correspondente em ouro, trazendo uma desvalorização fatal à
economia da colônia portuguesa.

Outro resquício de improbidade da época de Dom João é a chamada


“caixinha”. Segundo o historiador Laurentino era cobrado 17% de
comissão nos saques e pagamentos dos serviços públicos. Sem essa
contribuição, os processos paravam de andar. Era uma prática exposta
de imoralidade da administração pública da época.

Além desse histórico caminho de corrupção e descaminho da coisa


estatal, temos ainda a figura dos responsáveis pelas repartições, que
enriqueciam rapidamente após empossados em seus cargos. Joaquim
José de Azevedo e Bento Maria Targini são exemplos mais conhecidos,
que conseguiram cargos de confiança, pois viviam intimamente com D.
João e Carlota Joaquina. No comportamento de ambos, incluem-se altos
benefícios ao seus amigos, grandes mansões e exposição das riquezas
adquiridas, como jóias e demais relíquias de seu patrimônio,
proveniente da ilicitude.

Em 1821, Targini tem seus bens confiscados e é preso por


enriquecimento ilícito e demais crimes contra a corte. Nesse mesmo
tempo, o príncipe regente envia carta a Dom João VI, sobre a crise
financeira da Província do Rio de Janeiro depois do retorno da Corte
para Portugal.

Em 1822, Dom Pedro dissolve seu vínculo com Portugal, tornando-se o


primeiro Imperador do Brasil no final deste mesmo ano. Tamanho era o
roubo na época, que os cofres não tinham fundos para sustentar a
despesa pública, que aumentava cada vez mais. O pesquisador Manoel
Ruiz relata ainda que,

“embora a situação econômica brasileira tenha melhorado sob o


comando de D. Pedro II, com o aumento da produção industrial, café e
com a construção de estradas e ferrovias que facilitavam o escoamento
das riquezas, mesmo assim a desvalorização da moeda persistia, já
tinha se tornado um mal crônico no Brasil com suas crises econômicas e
financeiras se sucedendo”[3].

O controle dos atos era normatizado a princípio, na esfera penal, pelas


Ordenações Filipinas, que vigeu no período colonial e nas primeiras
décadas no período imperial, até que em 1830, entrou em vigor o
Código Criminal. Era notório, no texto dessa coleção normativa, a
influência da política, do domínio monárquico e demais hierarquias
sociais, através, principalmente, das penalidades atribuídas nos crimes
ali elencados. Como exemplo, podemos citar os seguintes tipos penais:
mouros e judeus que andam sem sinal; quem imprime livros sem licença
do rei, entre outros.

Entretanto, já havia sanção prevista para os desembargadores,


julgadores, oficiais e demais autoridades públicas. Aquele que
recebesse presentes ou congêneres, poderia perder o cargo e pagar
multa equivalente a vinte e um sobre o total auferido, sendo a metade
para quem acusasse e o restante para a Câmara portuguesa.

Quando surgiu a Constituição Imperial de 1824, logo após a proclamação


da Independência, a idéia inicial de uma parte dos constituintes era de
promover uma monarquia que limitasse os poderes do imperador em
prol dos direitos individuais. Esse pensamento tem como fundamento o
que fora postulado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
de 1789, que segundo o art. 16, “a sociedade em que não esteja
assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos
poderes não tem Constituição”.

Porém, D. Pedro I queria o poder sobre o Legislativo, causando discórdia


e a dissolução, em seguida, da Constituinte de 1824. Para a elaboração
do texto, foi utilizada a experiência e opinião de pessoas da confiança
do imperador, e em 25 de março de 1824 foi redigida a primeira
Constituição brasileira.

Nessa Carta, o espírito centralizador na figura do Imperador podia ser


verificado no seu artigo 99, onde diz que “a Pessoa do Imperador é
inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.”
Contrariamente, as demais autoridades não comportavam a mesma
ressalva, tendo norma que prevê a responsabilização dos Ministros de
Estado, como segue no art. 133:

“Os Ministros de Estado serão responsáveis

I. Por traição.

II. Por peita, suborno, ou concussão.

III. Por abuso do Poder.

IV. Pela falta de observancia da Lei.

V. Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos


Cidadãos.”
Ainda no mesmo sentido, o art. 179, inciso XXIX, revela a sanção aos
empregados públicos:

“Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e


omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem
effectivamente responsaveis aos seus subalternos”.

Em relação aos poderes que o povo dispunha para promover


reclamações, o inciso XXX do art. 179, confere a todo cidadão a opção
de apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo,
reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer infração da
Constituição, requerendo perante a competente Autoridade a efetiva
responsabilidade dos infratores.

Na Constituição de 1891 optou-se pelo presidencialismo, no qual se


tinha o equilíbrio entre os poderes, remetendo-se ao princípio norte-
americano nos freios e contrapesos, com a finalidade de estabilizar o
poder na nação brasileira.

Com isso, no capítulo V, art. 54, tem-se o rol dos crimes de


responsabilidade feitos pelo Presidente da República, como segue in
verbis:

“São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem


contra:

1º) a existência política da União;

2º) a Constituição e a forma do Governo federal;

3º) o livre exercício dos Poderes políticos;

4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais;

5º) a segurança interna do Pais;

6º) a probidade da administração;

7º) a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos;

8º) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso.”

Neste artigo encontra-se pela primeira vez no ordenamento do Brasil, o


termo probidade. Após enfrentar situações totalmente atípicas,
decorrentes de atos corruptos durante todos os governos anteriores,
houve o empenho em analisar a conduta dos diversos cargos, que
participavam ativamente na administração do país. Aqui está o registro
inicial, da preocupação com a corrupção e da efetiva sanção ao
administrador que não usar da retidão e honradez, nos atos inerentes a
sua função.

Porém, vale ressaltar que, segundo Vicente Paulo[4], as Constituições


de 1824 e 1891 são consideradas nominativas, pois não conseguiram
fazer com que as práticas constitucionais adotadas na realidade
correspondessem às previstas em seus textos.

Corrobora as palavras de José Afonso da Silva[5], quando diz que as


disposições não encontraram o verdadeiro reflexo na realidade social da
época, pois seus comandos não foram cumpridos em prol do coronelismo
aplicado.

“O coronelismo fora o poder real e efetivo , a despeito das normas


constitucionaistraçarem esquemas formais de organização nacional com
teoria de divisão de poderes e tudo. A relação de forças dos coronéis
elegia os governadores, os deputados e senadores. Os governadores
impunham o Presidente da República. Nesse jogo, os deputados e
senadores dependiam da liderança dos governadores. Tudo isso forma
uma constituição material em desconsonância com o esquema
normativo da Constituição então vigente e tão bem estruturada”.

Apesar dos esforços em tornar o país mais estruturado e mais justo


quanto à atuação do governo, ainda não foi a Constituição de 1891 que
conseguiu impedir que o regime oligárquico dominante permanecesse.

Após a entrada de Getúlio Vargas no poder, as questões voltadas ao


povo e seus problemas políticos foram tomando outro rumo. Os Estados
foram desarmados da influência dos coronéis, e um novo sistema
eleitoral foi imposto. A Revolução Constitucionalista estourou após São
Paulo não concordar com essas modificações, decorrentes da ditadura
de Vargas. O objetivo de toda essa comoção era a promulgação de uma
nova Constituição que assegurasse a independência de poderes, mas
coordenados entre si; o presidencialismo; e o dito regime
representativo, que ele buscou primeiramente na lei de 1932 – o Código
Eleitoral.

A nova Carta foi promulgada em 1934, e apesar das mudanças já


relacionadas, manteve em seu texto a sanção para crimes de
responsabilidade. No art. 57 previa que são crimes de responsabilidade
os atos do Presidente da República, definidos em lei, que atentarem
contra a existência da União, a Constituição e a forma de Governo
federal; o livre exercício dos Poderes políticos; o gozo ou exercício legal
dos direitos políticos, sociais ou individuais; a segurança interna do País;
a probidade da administração; a guarda ou emprego legal dos dinheiros
públicos; as leis orçamentárias; o cumprimento das decisões judiciárias.

Igualmente, os Ministros eram responsabilizados, como segue no art. 61,


e parágrafos seguintes. Ao praticarem ou ordenarem, cada autoridade
responderia pelas despesas do seu Ministério e o da Fazenda, além
disso, pela arrecadação da receita. Seu julgamento era pela Corte
Suprema, e, nos crimes conexos com os do Presidente da República,
pelo Tribunal Especial. Eram ainda, responsabilizados pelos atos que
subscreverem, ainda, que conjuntamente com o Presidente da
República, ou praticarem por ordem deste.

Havia previsão, no art. 113, item 10, que qualquer pessoa poderia
apresentar representação mediante petição aos Poderes Públicos,
denunciando abusos das autoridades, visando a responsabilização dos
mesmos. No mesmo artigo, item 38, a Carta normatizou que qualquer
cidadão seria parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou
anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos
Municípios.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas é afastado, e,


finalmente, instalada uma Assembléia Constituinte em 1946, da qual
participaram vários representantes das correntes políticas existentes no
país naquela época.

Foi elaborada em 18 de setembro de 1946 a nova Constituição da


República dos Estados Unidos do Brasil, com base nas Constituições de
1891 e 1934. José Afonso da Silva informa que a Constituição de 1946

“voltou-se, assim, às fontes formais do passado, que nem sempre


estiveram conformes com a história real, o que constituiu o maior erro
daquela Carta Magna, que nasceu de costas para o futuro, fitando
saudosamente os regimes anteriores, que provaram mal. Talvez isso
explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente. Mas,
assim mesmo, não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização,
propiciando condições para o desenvolvimento do país durante os vinte
anos em que o regeu.”[6]

Nesse sentido, no que se refere aos crimes de responsabilidade do


Presidente e dos Ministros de Estado mantiveram a mesma fórmula. No
art. 89 dessa Carta reza que são crimes de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e,
especialmente, contra a existência da União; o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos
Estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a
segurança interna do País; a probidade na administração; a lei
orçamentária; a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; o
cumprimento das decisões judiciárias.

Nos termos do parágrafo único, há previsão da criação de lei especial


que resguarde todo o rol citado acima, pra fins de processo e
julgamento. Da mesma forma, essa Constituição determinava a criação
de diploma infraconstitucional que dispusesse sobre o seqüestro e o
perdimento de bens, nos casos em que ocorre enriquecimento ilícito,
por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego
em entidade autárquica, conforme art. 141, § 31.

Igualmente era assegurado, pelo art. 141, § 37, a quem quer que seja o
direito de representar, mediante petição dirigida aos Poderes Públicos,
contra abusos de autoridades, e promover a responsabilidade delas. No
parágrafo seguinte, tratava sobre a legitimidade de qualquer cidadão
pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do
patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades
autárquicas e das sociedades de economia mista.

Em 1º de junho de 1957 foi sancionada por Juscelino Kubitschek, a Lei


Pitombo-Godói Ilha (Lei n° 3164/57) para suprir a determinação acima
citada da Carta de 46. Esse diploma possibilitou o seqüestro e a perda
em favor da Fazenda Pública dos bens adquiridos por servidor público,
por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em
entidade autárquica. Essa sanção era aplicada sem prejuízo da
responsabilidade criminal em que tenha aquele incorrido, de acordo
com o artigo primeiro da referida lei.

Ademais, na Lei 3.164/57 regulamentava que as medidas prescritas


acima seriam decretadas no juízo civil de acordo com a norma
processual; processo seria promovido pelo Ministério Público ou por
qualquer cidadão; e estabelecia que se houvesse a extinção da ação
penal ou a absolvição do réu incurso nos crimes capitulados no Código
Penal ou em outros crimes funcionais, de que resulte locupletamento
ilícito, não seriam excluídos os atos de incorporação à Fazenda Pública,
dos bens de aquisição ilegítima, ressalvado o direito de terceiros de boa
fé.

Saliente-se, outrossim, que foi essa norma que preconizou o hoje


estabelecido em normas de controle do Serviço de Pessoal, pois no
artigo terceiro reza sobre a necessidade de manter registrado
obrigatoriamente dos valores e bens pertencentes ao patrimônio privado
de quantos exerçam cargos ou funções públicas da União e entidades
autárquicas, eletivas ou não.
No ano seguinte da criação da Lei Pitombo-Godói Ilha, foi editada a lei
federal n° 3.502/1958 - a Lei Bilac Pinto. Ela regula o seqüestro e o
perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência
ou abuso do cargo ou função.

O conceito de servidor público ficou mais bem compreendido após o art.


1º, e parágrafos seguintes, visto que ele trouxe as peculiaridades as
quais a expressão englobava. Nesse sentido, a cerca do conceito do
sujeito ativo da Lei Bilac Pinto, e da futura legislação que se criou sobre
o tema, tiveram a preocupação de delimitar de maneira abrangente,
para que nenhum infrator escapasse da devida sanção, correspondente
aos atos ímprobos que por ventura aplicaram à administração pública.

Ressalta-se, portanto, o que dispõe o art. 1º, e parágrafos iniciais:

“§ 1º A expressão servidor público compreende todas as pessoas que


exercem na União, nos Estados, nos Territórios, no Distrito Federal e
nos municípios, quaisquer cargos funções ou empregos, civis ou
militares, quer sejam eletivos quer de nomeação ou contrato, nos
órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.

§ 2º Equipara-se ao dirigente ou empregado de autarquia, para os fins


da presente lei, o dirigente ou empregado de sociedade de economia
mista, de fundação instituída pelo Poder Público, de emprêsa
incorporada ao patrimônio público, ou de entidade que receba e aplique
contribuições parafiscais”.

Discorre Silvio Marques[7], que as duas leis foram pouco aplicadas, pois,
até então, o Ministério Público não tinha o perfil de órgão permanente
de defesa do patrimônio público e de outros interesses difusos e
coletivos, que somente foram outorgados mais tarde, pela Constituição
Cidadã de 1988.

Após várias trocas de governantes, rebeliões golpistas e o regime de


Atos Institucionais da década de 60, quando o Marechal Arthur da Costa
e Silva assumiu a presidência, a nova Constituição de 1967 também
entrou em vigência.

Ela sofreu grande influência da Carta de 1937, mostrando grande


preocupação com a segurança nacional. Foi nesse momento que foi
criado o Conselho de Segurança Nacional e que houve uma
reorganização do sistema financeiro e produtivo, bem como da entrada
maciça de capital estrangeiro no País. A época era de grande
radicalização política. Essa Carta abriu a possibilidade de civis serem
julgados pela Justiça Militar em caso de crimes contra a segurança
nacional; deu mais poderes ao Presidente e à União, permitindo àquele
ter iniciativa de lei em qualquer área; e, redução de direito individuais,
admitindo-se a possibilidade de suspensão desses direitos em caso de
abuso.

Vale ressaltar que no art. 84, temos a mesma fórmula utilizada na Carta
anterior, no que diz respeito à responsabilização do Presidente da
República. No art. 150, § 30, assegura a qualquer cidadão propor ação
popular, com o de defesa de direitos ou contra abusos de autoridade; e
nesse mesmo artigo, reserva criação de uma lei que disporá sobre o
perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de
enriquecimento ilícito no exercício de função pública. Mais tarde, por
conta do Ato Institucional nº 12, foi revogado esse dispositivo.

No final de 1968, as crises não cessaram e romperam com a


possibilidade de governo de Costa e Silva. O Poder Executivo foi
destituído, e, em seu lugar, os Ministros da Marinha de Guerra, do
Exército e da Aeronáutica Militar, completaram um novo texto em
substituição ao de 1967.

Em 1969, durante o regime militar, a Emenda Constitucional nº 1


modificou a então vigente Carta de 1967, mas as regras quanto aos
danos causados pelo agente na função pública permaneceram. Quanto
ao abuso de direito individual ou político, regra o art. 154 que quando
ocorrer, com o propósito de subversão do regime democrático ou de
corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos,
a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante
representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação
cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa.

Segundo Silva,

“teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova


constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez
que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a
começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República
Federativa do Brasil , enquanto a de 1967 se chamava apenas
Constituição do Brasil. (...) Se convocava a Constituinte para elaborar
Constituição nova que substituiria a que estava em vigor, por certo não
tem natureza de emenda constitucional, pois esta tem precisamente
sentido de manter a Constituição emendada”[8].

Por isso foi considerado um ato político, e após diversas emendas, foi
convocada uma nova Assembléia Nacional Constituinte que resultou na
Constituição de 1988.
A atual Carta Magna é considerada um dos textos mais completos e
democráticos que o Brasil já teve, segundo diversos doutrinadores. A
Nova República, como cita Vicente Paulo[9], foi iniciada após o ciclo
militar, com a proposta de uma Constituição social-democrata, com a
finalidade de criar um verdadeiro Estado Democrático-Social de Direito,
com a previsão de uma imensa quantidade de obrigações para o Estado,
traduzidas em prestações positivas, passíveis, em tese, de serem
exigidas pela população em geral, muitas como verdadeiros direitos
subjetivos. Por conta disso, que recebeu o título de Constituição
Cidadã.

Dentre as novas obrigações do Estado, nesse texto há a previsão de


vários dispositivos que controlam a moralidade na administração
pública, principalmente a Probidade dos atos públicos. Como exemplo,
tem-se o art. 37, § 4° da CF:

“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos


direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei,
sem prejuízo da ação penal cabível”.

Outra norma que transmite esse espírito de moralidade é o art. 14, §


9°, o qual prevê que lei complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a
probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato,
considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o
abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração
direta ou indireta.

E aos moldes das demais Constituições, no artigo 85 reza acerca do


crimes de responsabilidade dos atos promovidos pelo Presidente da
República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente,
contra a existência da União; do livre exercício dos Poderes, Ministério
Público, unidades da Federação e direitos políticos, individuais e
sociais; da segurança interna do País; da probidade na administração;
da lei orçamentária; e do cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Finalmente, chega-se à lei de Improbidade Administrativa, que é a


vigente no atual ordenamento jurídico brasileiro. A lei n° 8429/92 foi
esperada com certo fervor pelo Ministério Público, pois o dispositivo
constitucional já havia sido criado, e sua correspondente lei
infraconstitucional não saia do plano das idealizações. Por conta dessa
ausência, Carlos dos Santos comenta em nota[10], que até então o
Parquet utilizava-se da Lei nº 7.347/85 – lei da ação civil pública, o que
não permitia o ressarcimento ao erário pelos danos causados por maus
gestores e terceiros.

Mesmo assim, nesse contexto, a Lei de Ação Civil Pública permitiu um


avanço no controle dos atos administrativos. Com ela tornou-se possível
a proteção de interesses relacionados com meio ambiente, consumidor,
ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico, e, por infração da ordem econômica e
da economia popular, de acordo com seu artigo primeiro.

Silvio Marques[11] conclui que, no que concerne à proteção do


patrimônio público, a ação civil pública tem sido amplamente utilizada
em todo o país, tornando-se um dos mais poderosos instrumentos de
controle da atividade administrativa e de combate à corrupção política.
Completa, dizendo que são inegáveis as melhorias alcançadas no que
tange ao ideal de lisura dos atos administrativos, até porque uma única
ação civil pública, pode evitar a propositura de incontáveis ações
individuais.

Apesar desse rol de benefícios, a lei 7.347/85 não foi suficiente para
que houvesse a subtração de bens e dinheiro público, e foi nesse
momento, em que se fez necessária a edição da lei 8.429/92.

Cumpre reproduzir as hipóteses tipificadoras, que formam três


modalidades de situação que caracterizam improbidade administrativa,
são elas: atos de improbidade administrativa que importam em
enriquecimento ilícito (art. 9º); atos de improbidade administrativa que
causam prejuízo ao erário (art. 10); e, atos de improbidade
administrativa que atentam contra os princípios da Administração
Pública (art. 11). Além disso, dispõe sobre as penas que serão aplicadas,
aos servidores ou terceiros que praticarem os respectivos atos de
improbidade acima enumerados; como se dará o procedimento
administrativo e o processo judicial que será adotada; a declaração de
bens; além do prazo prescricional.

O texto é considerado amplo e avançado pela maioria dos


doutrinadores, que se dedicaram ao estudo da moralidade na gestão
pública, e veio num momento histórico oportuno, visto que no ano de
1992 é àquele em que o Impeachment foi votado, para que o Presidente
da República da época, Fernando Collor de Melo, fosse destituído do
poder por corrupção.

Contudo, mesmo após os avanços realizados na letra da norma em


referência, algumas dúvidas ainda surgem e são passíveis de discussão.
Percebe-se que não são poucos os estudos efetuados quanto à
constitucionalidade da lei de Improbidade, isto porque, como traz em
seu âmago o espírito da moral e da honestidade, não pode esta norma,
estar eivada de qualquer tipo de vício que a torne inconstitucional.

Entretanto, após esse vasto estudo sobre as variadas leis criadas com a
finalidade de proteger os princípios de nosso Estado Democrático de
Direito, não é a formalidade pela qual foi aprovada e sancionada a lei,
que tornará a norma mais efetiva ou não.

A amplitude e a inovação trouxeram tantos elementos para o


ordenamento, que, em verdade, não se exige mais que o agente público
seja indigno ou desonesto para que responda pelas sanções nela
previstas, embora tais adjetivos caibam perfeitamente em muitos casos,
como aborda Silvio Antonio Marques[12]. Discorre ainda o autor, que a
lei procura combater atos dolosos e culposos que atinjam o patrimônio e
outros interesses públicos, ou seja, podem ser penalizados os agentes
públicos e terceiros que atuarem desonesta ou irregularmente,
aplicando-se as penas conforme a gravidade das condutas no caso
concreto.

Inevitável é, caracterizar esta, como a lei que mais promove a justiça


em defesa da Administração Pública. O erário e demais interesses e
direitos públicos que podem ser facilmente violados, hoje, já encontram
a devida sanção por permanecer essa lei, ainda em nosso ordenamento
jurídico.

3. Os elementos da Lei de Improbidade Administrativa

O exame contínuo, por parte de vários juristas e doutrinadores da Lei


de Improbidade Administrativa, traz consigo a notória importância e
repercussão que a mesma domina no âmbito jurídico brasileiro. Isso
decorre do combate aos atos ímprobos que floresceu na última década,
permitindo a fiscalização permanente através dos dispositivos regrados
na Lei nº 8429/92.

Esta lei está organizada em preceitos e sanções correspondentes, na


qual a primeira hipótese configuradora, prevista no art. 9º, é o
enriquecimento ilícito; a segunda é sobre os atos que causam prejuízo
ao erário, no art. 10; e, por fim, àqueles atos que atentam contra os
princípios da Administração Pública, art. 11, que é a modalidade mais
abrangente. As sanções estão no Capítulo III, art. 12, que poderão ser
aplicadas isolada ou cumulativamente.

Ademais, o conceito de improbidade administrativa, bem como sua


efetiva aplicação no meio administrativo, constitui um dos principais
axiomas do Direito Público, sendo dever de todos os agentes estatais
exercerem suas funções sempre com o objetivo de proporcionar a
efetiva realização dos interesses públicos, conforme analisa Silvio
Marques[13].

Nesse espírito, faz-se necessária a análise atenta dos elementos em


razão das peculiaridades próprias que norteiam a Lei 8.429/92, para
que o exame seja claro e eficaz, na busca de um funcionamento da
gestão pública de conduta isenta e fiel ao dever de probidade.

3.1 - O objeto da lei

O legislador dispõe na introdução da lei de improbidade, que esta versa


sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional entre
outras providências.

Apesar de resumir a que se dedica a norma, o objeto dessa lei é mais


abrangente nas suas modalidades de aplicação. Como já citado, as
hipóteses são três: atos de improbidade administrativa que importam
em enriquecimento ilícito, atos que causam prejuízo ao erário e atos
que atentam contra os princípios da Administração Pública.

O enriquecimento ilícito é considerado qualquer acréscimo sem


justificativa de um patrimônio, em detrimento ao de outra pessoa física
ou jurídica. Na lei 8.429/92, o que se proíbe é este ato ocorrido em
razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade
nas entidades citadas no rol do art. 1º da lei em estudo.

As condutas previstas nos incisos do art. 9º pressupõem a livre intenção


de prática dos atos ilícitos contra a Administração Pública notadamente.
Os verbos utilizados indicam a livre intenção de executar ou ajudar nos
crimes, quais sejam: receber, perceber, utilizar, adquirir, aceitar,
incorporar e usar – cujo núcleo corresponde às ações de sujeição do
agente em utilizar sua percepção de valor moral e de manifestação livre
de vontade, o que reforça a conduta dolosa que está tipificado no ato
ímprobo de enriquecimento ilícito. Segue in verbis as possibilidades
elencadas no art. 9º:

“I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel,


ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de
comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha
interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por
ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a


aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a
contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço
superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a


alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de
serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,


equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou


indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de
lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer
outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou


indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em
obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso,
medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos
a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,


emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente
público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou


assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse
suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou


aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou


indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a
que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas,


verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.
1° desta lei.”

É válido ressaltar, que a norma se refere aos agentes públicos que


obtiveram o valor patrimonial auferido por estarem ligados ao exercício
de mandato, cargo, função ou emprego público, do contrário, essa
previsão que essa norma traz será substituída por alguma outra no
âmbito civil ou penal.

No art. 10, da lei em estudo, se trata da modalidade dos atos ímprobos


que causam prejuízo ao erário, de forma culposa ou dolosa, ensejando
enriquecimento ilegal de terceiros.

O texto se apresenta da seguinte forma:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão


ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º
desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao


patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada


utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente


despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens,
rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades
legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem


integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art.
1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço
inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou


serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das


formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo


indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em


lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem


como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas


pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça


ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,


máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de
propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no
art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados
ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a


prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem
observar as formalidades previstas na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e


prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades
previstas na lei”.

Erário, portanto, é o conjunto de bens materiais ou imateriais e de


conteúdo econômico pertencentes aos órgãos e entidades públicas; diz
respeito não apenas aos direitos e bens de valor econômico, mas todos
os elementos de ordem coletiva de várias espécies, como aqueles de
importância histórica, cultural, artística, etc.. Assim, qualquer ação ou
omissão, dolosa ou culposa que implique o agente público em prejuízo
aos bens elencados, constitui o segundo tipo de ato ímprobo
normatizado na lei de improbidade.

Apesar de prever a forma culposa, o que caracteriza o ato de


improbidade administrativa por lesão ao erário é somente àquelas
condutas culposas de natureza grave ou gravíssima. Isto se deve ao fato
de haver acidentes normais da atividade pública, o que seria nada
razoável responsabilizar o agente público por eventuais atos que
decorrem naturalmente da falta de previsibilidade do trabalho.

Exemplifica Marques[14], que o engenheiro e o secretário municipal


responsáveis por obras públicas não podem ser penalizados por eventual
furto de equipamentos colocados à disposição de particular contratado
por órgão público. Nesse caso, embora o erário sofra prejuízo, não é
razoável exigir dos referidos agentes públicos o dever de ressarcimento,
se ao menos não desconfiavam da conduta do contratado.

Vale ainda observar, que o art. 10 e incisos seguintes tratam de atos


ímprobos materiais, pois para consumação exige-se uma ação ou
omissão do agente, e que se obtenha como resultado dano ao
patrimônio público, ou seja, a lei exige o resultado finalístico
prejudicial à Administração Pública e benéfico ao terceiro.

É notório que o rol apresentado nos incisos dos art. 9º e 10 são


exemplificativos, visto que é inócuo pensar que há restrição dos meios
utilizados pelos agentes para praticarem atos ilícitos contra o Estado.
Desta forma, há a liberdade de, dentro do mesmo espírito, encontrar
outras formas de ação ou omissão que podem ser consideradas atos de
improbidade administrativa cobertos pela Lei 8.429.

O art. 11 traz o terceiro e último tipo de ato que atenta à probidade das
relações públicas. Àqueles que ferem os princípios da Administração
Pública por ação ou omissão, que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e, notadamente,
ferir os incisos abaixo citados, estarão tipificados de acordo com a lei
de improbidade administrativa:

“I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso


daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das


atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;


VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes
da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica
capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.

De todos os três atos previstos na lei, este é o que tem o caráter mais
generalista e incerto para fins de qualificação. Isso se deve ao próprio
conceito que “princípio” tem: representa o fundamento principal de um
sistema; o fator nuclear ou o elemento predominante de um
determinado ordenamento; o espírito que norteia a norma.

No Brasil, os princípios são balizados pelo que preconiza a Constituição


Federal de 1988, tendo ela trazido alguns expressamente elencados no
caput do art. 37, cujo conteúdo mostra-se abaixo:

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência (...)”.

Há discussão sobre o assunto dentre os doutrinadores, havendo posições


diversas como dos autores Marcelo Figueiredo e Wallace Paiva Martins.
Segundo Figueiredo[15], a lei peca por excesso ao equiparar o ato ilegal
ao ato de improbidade, destoa esses conceitos constitucionais
comparando-os. Já Martins[16] prega que a violação de princípio é um
atentado grave à Administração Pública, pois é uma maneira frontal de
ofender o complexo basilar administrativo.

O assunto gera controvérsias, principalmente pelo fato do agente, na


prática de atos normalmente ligados ao trabalho comum, ser passível de
erros. Nem sempre há a intenção de violar os princípios cristalizados na
CF/88 e nas normas infraconstitucionais, estando a lei potencializando o
enquadramento do tipo previsto no art. 11. Este é um dos grandes
receios dos doutrinadores, posto que o desonesto na verdade pode ser o
inábil, despreparado, incompetente.

Para tanto, o legislador não previu a forma culposa, como no art. 10,
prevendo o grande impasse que causaria na aplicação da norma.

3.2 – OS SUJEITOS DA LEI Nº 8.429/92

Os sujeitos que participam do processo de improbidade administrativa,


por vezes, geram dúvidas quanto a sua caracterização. Dentre todos os
trâmites, que compõem os atos previstos na lei em estudo, é
fundamental o claro e formal conceito do sujeito ativo e passivo
exigido.
Não obstante, já foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade cujo
questionamento permeou treze artigos da lei, sendo discutida a
abrangência dos conceitos e a figura do agente público, entre outros.
Entretanto, a ADIN Nº 4295 oferecida pelo Partido da Mobilização
Nacional já foi julgada improcedente pelo STF, em maio do presente
ano.

Para alinhar-se ao que a norma preconiza, o patrimônio público deve ser


violado pelo agente público, ou este somado à participação de
particular, para termos um sujeito ativo da Lei de Improbidade
Administrativa configurado. Se porventura, o particular não tiver no seu
ato a participação sob qualquer forma do agente público, estaremos
diante de um caso a ser arbitrado pelo Direito Penal, excluindo a
investigação na esfera administrativa, e, por conseqüência, a aplicação
da norma de Improbidade.

A fim de elucidar, caracteriza-se o ato previsto na Lei 8.429/92 apenas


por dois fatores: o primeiro é a existência do envolvimento da
Administração Pública direta ou indireta de um lado, e o segundo é de
pelo menos de um agente público do outro lado. Preenchendo esses
requisitos básicos e as figuras típicas dos artigos 9º, 10 e 11, estaremos
diante de um ato de improbidade administrativa.

No art. 1º estão relacionados os sujeitos passivos. A lei foi editada para


proteger os interesses materiais, como dinheiro e bens públicos; e
imateriais, como os princípios da honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições.

Por isso, são sujeitos passivos da Lei nº. 8429/92: a Administração


Pública – são os órgãos da Administração Pública direta e indireta, dos
Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e as Entidades
Privadas – são aqueles casos em que para o custeio ou criação haja
ocorrido ou concorra mais de 50% do patrimônio ou da receita anual, ou
quando o patrimônio da entidade receba subvenção, benefício ou
incentivo (fiscal ou creditício) de órgão público, e seu patrimônio, cuja
criação tenha sido custeado parcial ou totalmente, com menos de 50%
do patrimônio ou da receita anual.

O sujeito ativo será todo aquele que for agente público, em lato sensu,
e terceiros co-autores, partícipes e beneficiários. No art. 2º, a Lei de
Improbidade conceitua o que vem a ser agente público: reputa-se
agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda
que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
mencionadas no artigo anterior.
Como visto, o legislador compõe a figura do agente público de diversas
formas, considerando toda a atuação das pessoas investidas para
atividade em prol do serviço público em geral, sendo ela remunerada ou
não.

Silvio Marques[17] complementa quando argumenta que todo aquele


que recebe ou não verba pública, em razão de qualquer vínculo com
órgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta, pode ser
autor de ato de improbidade administrativa, sujeitando-se às penas
previstas em lei.

No art. 3º, o legislador faz jus à participação de terceiros, quando diz


que as disposições da lei são aplicáveis, no que couber àquele, que
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do
ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta.

Essa referência a terceiros foi de imensa importância, para aquele que


participa do ato ímprobo, persuadindo o agente público ou mesmo
concorrendo ao materializar a ação delituosa, sendo punido também
pelo que regra esta norma.

Nesse sentido, o terceiro partícipe que induz e atua na execução


respondem como se fossem agentes públicos, na medida da sua
culpabilidade. O beneficiário responderá por improbidade quando tiver
ciência da natureza ato ímprobo que o beneficiou. Aquele que não
tomou os cuidados necessários no momento da aquisição de um bem,
sem saber sua procedência ou vantagem auferida, também irá ser
enquadrado como nas hipóteses acima.

Obviamente que não haverá dentre as penalidades, a perda de função


pública a terceiros, mas o mesmo não estará isento das penalidades
previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa.

3.3 – Métodos de apuração do ato de improbidade administrativa

Após a caracterização dos atos ímprobos e dos sujeitos passivo e ativo


que atuam na ação delituosa prevista na Lei nº 8429/92, é necessário
estudar os trâmites que se permeia da apuração do fato até a
instauração do procedimento administrativo e judicial.

Primeiramente, haverá a investigação administrativa executada pelos


representantes dos órgãos prejudicados e envolvidos, por meio da
instauração de procedimento ou processo administrativo. Esse primeiro
momento tem a finalidade de apurar os fatos para imposição de sanção
administrativa e demais trâmites pertinentes, como por exemplo, o
afastamento provisório de agente público em exercício pela autoridade
competente como medida cautelar, se assim for necessário à instrução
processual.

Quanto à conclusão do processo administrativo, é válido salientar que o


mesmo não é meio alternativo ou finalístico para que se julgue em
definitivo os atos ímprobos baseados na Lei de Improbidade. Esse
equívoco é constante no meio acadêmico, visto que ao tratar-se de
assunto ligado à matéria de Administração Pública, o resultado seria a
instauração de um processo administrativo. Porém, Carlos Frederico
Santos[18] traz com propriedade comentários à questão, como segue:

“Embora as suas conclusões possam conduzir à aplicação das


penalidades disciplinares previstas no estatuto em face da conduta
equivalente à que a LIA qualifica como ímproba, respeitado o
contraditório e a ampla defesa poderá aplicar as sanções do art 12 da
Lei nº 8.429/92, que ocorrerá sempre por ato jurisdicional típico –
sentença (...)”.

Complementa ainda o mesmo autor, que o processo administrativo


previsto na LIA funciona como o inquérito policial na esfera criminal,
que visa fornecer ao Ministério Público ou ao querelante os alicerces ou
as informações mínimas sobre a autoria e a materialidade para
propositura da ação penal, tendo em vista que não há previsão legal que
fundamente a aplicação das penalidades do art. 12 da lei comentada,
ou seja, decorrentes da prática de ato ímprobo, pela autoridade
administrativa.

O Ministério Público pode através do inquérito civil ou peças de


informação subsidiar a eventual ação civil, procedimento
administrativo, inquérito ou processo criminal. Isso porque é instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, sendo sua
incumbência a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Além disso, a promoção da
ação civil ligada à Lei 8.429/92 tem a finalidade de cumprir o preceito
Constitucional do MP de proteger patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, como reza os
artigos 127, caput e 129, inciso III.

Após essa fase de obtenção de subsídios para as acusações que


porventura ocorram, a ação de improbidade – ou ação de
responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa – poderá
ser instaurada finalmente.

Apesar da aparente simplicidade dos procedimentos, eles se equiparam


aos liames previstos no processo civil brasileiro, pois possibilitam a
oitiva de testemunhas, realização de perícia técnica e levantamento de
documentos que ajudem no corpo probante do procedimento. Assim
sendo, a mesma demora e o largo período na apuração de todas essas
fases ajudam a postergar o resultado final, que culmina na sentença
judicial.

No âmbito administrativo, geralmente não é fácil encontrar indícios


suficientes da prática de ato ímprobo, mas apenas de infração às
normas que regem a atividade administrativa, sendo a representação
nem sempre obrigatória. Contudo, deve ser expedido ofício, pois quem
deve decidir pela propositura da ação é o Ministério Público ou a
Procuradoria do órgão.

Cabe citar, que é voluntária (ou seja, de ofício) a instauração do


procedimento investigatório quando decorre do conhecimento, por
qualquer meio, de fatos que, em tese, constituam lesão aos interesses
ou direitos públicos. Isto é, quando o órgão ministerial se deparar com
notícias jornalísticas que, em tese, representam atos ímprobos, poderá
instaurar procedimento visando à investigação das irregularidades.

O julgamento e a decisão final é a fase posterior à realização das


investigações que poderá concluir que houve ato de improbidade
administrativa e sugerir à autoridade competente a instauração de um
processo administração ou ação civil correspondente.

A tipologia dos atos de improbidade, entretanto, não é algo de fácil


execução, pois permite ao julgador emitir decisão com larga margem de
apreciação, visto a abrangência conceitual que o legislador utilizou. A
base da Lei de Improbidade foi permeada durante este capítulo,
fazendo jus aos detalhes fundamentais que serão utilizados para o
desenvolvimento do objetivo precípuo deste trabalho monográfico, qual
seja, a perícia oficial e a cadeia de custódia sob a ótica desta norma.

4. A Cadeia de Custódia e o perito oficial sob a ótica da Lei de


Improbidade Administrativa

Atualmente, a perícia está em grande evidência por ser um recurso que


elucida os diversos fatos com base na ciência, no contexto da
investigação policial e no processo criminal.

A perícia colabora com o conjunto probante, tendo o legislador regrado


sua importância no art. 155 do CPP, onde diz que: o juiz formará sua
convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Segundo o dispositivo acima, observa-se que o juiz não está
obrigatoriamente vinculado às provas elencadas no processo, devido a
sua convicção ser formada livremente através do seu entendimento de
todo material probante.

Porém, o que ocorre em relação à prova pericial é diferente. Apesar


desta grande brecha na lei, ao permitir a livre motivação do juiz na sua
decisão final, sabemos que a prova proveniente do trabalho do perito
oficial tem um maior aproveitamento sobre as demais, devido ela ser
elaborada através de fundamentação científica, de acordo com os
resíduos remanescentes da ação delituosa, enquanto que as provas
subjetivas dependem de testemunhos ou interpretação de pessoas, que,
com o tempo, pode cometer uma série de erros, que distorçam a
realidade dos fatos, postergando a chegada à verdade.

O art. 158 do Código de Processo Penal claramente faz jus ao trabalho


pericial quando diz: “quando a infração deixar vestígios, será
indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não
podendo supri-lo a confissão do acusado.” Sem esse trabalho da perícia,
pode haver a nulidade do processo, conforme art. 564, inciso III, b.

Nesse sentido, notamos que o Código de Processo Penal evidencia


diretamente a relevância da perícia no contexto probante, e não só
remete isso nos artigos aqui já citados, como reserva um único capítulo
referente ao exame de corpo de delito e das perícias em geral.

Para que o perito atue na perícia oficial há uma série de formalidades


que são exigidas legalmente, de acordo com sua atuação específica.
Afinal, é necessário que haja uma responsabilidade formal e técnica
condizente com o altíssimo grau de responsabilidade atribuído a este
profissional.

A história da perícia no Brasil apresenta uma grande carência no que


tange às formalidades do trabalho pericial. Mesmo assim, pode-se
averiguar grande diferença ao longo dos anos quanto a valorização e a
legislação pertinente.

Nos anos 40 foi editado o Decreto-Lei nº 3.689, onde unificou e


federalizou a perícia oficial. O legislador, na mesma época, determinou
que a perícia fosse executada somente por agentes do Estado, ou seja,
que a tarefa fosse executada somente por peritos oficiais, e para as
demais localidades, onde não havia agentes para atuar, fosse
determinada a atuação de um agente ad hoc, idôneo e com capacitação
técnica.
Nos anos 60, no período do regime militar, os laudos emitidos pela
perícia ajudavam a controlar a Justiça. Eram elaborados segundo a
política militar da época, gerando um transtorno, ingerência e
imoralidade quanto ao trabalho pericial. Se, porventura o perito se
negasse a emitir conforme requisitado, a prova pericial era excluída ou
os processos eram montados a partir das provas subjetivas.

No advento da Constituição de 1988, a perícia não foi contemplada com


grandes avanços, mas dentro da ideologia da época, cada Estado iniciou
seu processo constituinte, e com isso a perícia oficial teve tratamento
diferenciado em vários Estados.

No ano de 1992, a Lei nº 8.455 entrou em vigor, com a finalidade de


dispor sobre a prova pericial no âmbito civil.

Em 1994, a Lei nº 8.862 alterou o CPP determinando que as perícias


deviam ser feitas por dois peritos oficiais. O isolamento e a preservação
do local também foi tema dessa lei, no qual obrigou através da
autoridade policial, a tomada de iniciativas que resguardem os vestígios
que tenham ocorrido no local do crime.

Na edição da lei 11.690, de 2008, houve a alteração de quatro artigos


relacionados à perícia (155 a 159), dentre os mais importantes, o
legislador exigiu diploma de nível superior como pré-requisito para
realização do exame de corpo de delito e outras perícias; e ficou
facultada a atuação de dois peritos, podendo só um realizar a perícia.
Houve essa mudança devido à grande falta de peritos na ativa, o que
ocasionava grande atraso na emissão dos laudos.

No final de 2009, entrou em vigência a lei nº 12.030, que dispõe sobre


as perícias oficiais e demais providências. A lei traz poucas regras,
porém eficientes na normatização do trabalho do perito. Dentre elas,
assegura a autonomia técnica, científica e funcional, exigindo concurso
público, com formação acadêmica específica, para o provimento do
cargo de perito oficial.

No Rio Grande do Sul, a perícia oficial se desvinculou há 13 anos da


polícia civil. Esse processo tornou a instituição livre de qualquer
obrigação ou apreciação direta dos agentes da polícia, que poderia
tornar o resultado da perícia duvidoso, pois sendo do mesmo ente
investigador, o trabalho pericial não seria tão isento de opinião e
tratamento.

O Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul é hoje o órgão oficial


da perícia, que compõe a Secretária da Segurança Pública como órgão
autônomo, junto com a Brigada Militar, a Polícia Civil e a SUSEPE. Ele é
composto pelos departamentos de criminalística, médico-legal, de
identificação e pelo laboratório de perícias. E como se vê adiante, os
investimentos em tecnologia, em pessoal e organização institucional são
grandes, tornando cada vez mais importantes o resguardo da
moralidade e ética desse Instituto.

4.1 - A cadeia de custódia na perícia oficial

A cadeia de custódia é um procedimento utilizado não só pela prática


pericial, mas pelas empresas em geral que priorizam a qualidade, a
técnica e bom desempenho no desenvolvimento de seus serviços e
produtos, utilizando essa garantia como guarnição de tudo que é
realizado, na seqüencia de atos que compõem um resultado final.

Particularmente, os institutos de perícia do Brasil ainda não são


especialistas no tema, tomando como parâmetro as idéias elaboradas no
âmbito internacional. Porém, vários estados já estão elaborando
projetos de inserção deste procedimento, sendo a razão principal para
tal modificação a reforma processual penal de 2008, promovida pela Lei
nº 11.690.

Nas mudanças ocorridas, a referida lei alterou os principais artigos que


regem as provas no CPP, em especial o art. 157 que teve nova redação
pertinente ao tema aqui discutido. No texto, o legislador ordena que:

“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas


ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo


quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras.

§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os


trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada


inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultando às
partes acompanhar o incidente”.

O tema central deste artigo é a vedação às provas ilícitas, não sendo


possível o uso das mesmas no procedimento administrativo ou criminal.
Se ela foi ou não obtida de forma ilícita, quem irá determinar é o
Judiciário, e por derradeiro, saber todo o caminho que essa percorreu,
a fim de localizar alguma ilicitude na sua obtenção, conforme atesta o
parágrafo terceiro do artigo ora discutido.

No parágrafo primeiro e segundo, a norma trata das provas que


derivam das ilícitas, ou seja, aquelas que estão em conjunto e que
serão também destranhadas; e àquelas que poderão ser utilizadas
quando de fonte independente, pela ausência do nexo de causalidade
com a prova ilícita.

Oportunamente, Ivan Luís da Silva[19] comenta sobre essa


regulamentação das provas:

“Trata-se da regulamentação normativa da já conhecida teoria dos


frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree). Se a árvore
está envenenada, seus frutos também estarão. As provas derivadas são
aquelas decorrentes de outra produzida anteriormente. Por exemplo,
durante uma escuta telefônica realizada sem autorização judicial (prova
ilícita), descobre-se o local de um documento que prova a prática de
outro crime. A obtenção dessa prova documental deu-se por via reflexa
e derivada da prova ilícita. Se o nexo de causalidade entre as provas
ilícita e derivada for evidente, a ilicitude da primeira estende-se à
segunda. Em decorrência disso, ambas devem ser desentranhadas do
processo se anteriormente juntadas ou inadmitidas”.

Nesse contexto, consegue-se justificar a importância da cadeia de


custódia na produção de provas que futuramente poderão ser usadas.
No local de crime, todo e qualquer vestígio, futuramente pode tornar-se
prova, sendo necessário desde então, mapear o manejo dos elementos
coletados para futura análise.

A cadeia de custódia é, portanto, conceituada pelo renomado perito


criminal Alberi Espíndula[20], da seguinte forma:

“(...) seqüência de proteção ou guarda dos elementos materiais


encontrados durante uma investigação e que devem manter
resguardadas as suas características originais e informações sem
qualquer dúvida sobre a sua origem e manuseios. Pressupõe o
formalismo de todos os seus procedimentos por intermédio do registro
do rastreamento cronológico de toda a movimentação de alguma
evidência. Portanto, a cadeia de custódia é a garantia de total proteção
aos elementos encontrados e que terão um caminho a percorrer,
passando por manuseio de pessoas, análises, estudos, experimentações
e demonstração-apresentação até o ato final do processo criminal”.

A prova ajuda a reconhecer, demonstrar e formar em juízo, a existência


de um fato material, pelo qual se conclui pelo estudo do que foi
recolhido. Dessa forma, conforme Espíndola[21], todos os elementos
que darão origem às provas periciais ou documentais requerem cuidados
para resguardar a sua idoneidade ao longo de todo o processo de
investigação e trâmite judicial. Necessitam, portanto, dos
indispensáveis procedimentos de garantia da cadeia de custódia.

Importante esclarecer, que a cadeia de custódia não está restrita ao


perito, mas deve ser registrada desde o momento que a autoridade
policial tem contato com qualquer vestígio. Envolve também a
delegacia policial, pois geralmente é o primeiro que toma conhecimento
do fato, sendo importantíssimo o resguardo dos objetos que por
necessidade tenham sido recolhidos. Além disso, o procedimento da
cadeia de custódia não termina após a emissão do laudo. Os elementos
colhidos são necessários até o fim do processo, até este ter transitado
em julgado.

Este pensamento é reflexo da recente inserção da figura do Assistente


Técnico, introduzido também pela Lei nº 11.690/2008, que autoriza a
sua atuação na justiça criminal como espécie de fiscalizador das partes.

O legislador regulou no artigo 159, § 6º do CPP, a forma pela qual o


Assistente deve efetuar seu trabalho: havendo requerimento das partes,
o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado
no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na
presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for
impossível a sua conservação.

A parte interessada pode requerer ao juiz a atuação de Assistente


Técnico com a função se manifestar a respeito do resultado já emitido
pelos peritos oficiais, e de repetir os exames que ainda podem ser
efetuados, a partir dos vestígios remanescentes. Mesmo assim,
encontramos visivelmente ampliada, as condições de questionamento
pelas partes no processo, garantindo o contraditório também no laudo
pericial.

Alberi Espíndola[22] (2009) traz os procedimentos em três casos: da


proteção a partir da perícia, a partir da polícia e nos casos de busca e
apreensão. Resta fazer um apanhado dos ensinamentos do perito, a fim
de traçar a melhor forma de proceder:

Quanto a seqüencia de proteção a partir da perícia:

1) No momento em que o vestígio for constatado (encontrado), os


peritos criminais deverão proceder ao respectivo registro no exato local
onde foi encontrado e fazendo todos os demais procedimentos que a
técnica criminalística recomenda para o tratamento de vestígios em
locais de crime.

2) Ao recolher o vestígio (ou, se for o caso, uma amostra dele),


primeiramente devem analisar as suas condições, visando conhecê-lo
adequadamente, a fim de não comprometer qualquer informação nele
contida e que possa ser alterada com o simples manuseio incorreto.

3) Preparar o vestígio para transporte, acondicionando-o em


embalagens previamente confeccionadas. A embalagem deve ser
específica para cada tipo de vestígio, dependendo da sua condição
(embalagem em saco plástico ou de papel, caixa de papelão e outros
tipos que se façam necessários). O acondicionamento em embalagem
inapropriada é também uma forma de se quebrar a cadeia de custódia,
pois isso pode acarretar modificação das condições daquele vestígio.

4) Imediatamente ao colocar na embalagem própria, esta deve ser


fechada e devidamente lacrada. O lacre deve ter numeração, a fim de
facilitar os respectivos controles e protocolos de encaminhamentos.

5) Em cada tipo de embalagem já deve haver impresso, em uma de suas


faces, um espaço para o preenchimento de dados relativos ao objeto
acondicionado e sobre a ocorrência em andamento, além dos objetivos
seguintes para quem irá tratar aquele vestígio.

6) Chegando ao Instituto, o perito criminal deve providenciar o


encaminhamento inicial desses vestígios aos respectivos setores
especializados. Dependendo da estrutura do órgão, poderá existir uma
central de vestígios e, dali, ocorrer a respectiva distribuição. Essa
embalagem lacrada só poderá ser aberta diretamente pelo perito que
irá realizar o exame específico que tenha sido solicitado. Em nenhum
momento desse trâmite a embalagem poderá ser aberta.

7) Durante o período do exame no setor especializado, nos momentos


em que não estiver sob a guarda visual direta do perito responsável pelo
respectivo exame, é preciso que a Instituição tenha formas operacionais
de guarda segura desse objeto, a fim de manter a sua idoneidade.

8) O perito do setor especializado que receber a embalagem com o


vestígio deve examinar se não há nenhuma violação e, após o exame, se
tiver que devolver o material, novamente embalar e dar novo lacre,
tudo isso sendo mencionado no Relatório que irá encaminhar ao perito
criminal que fez a perícia no local do crime.

9) Por sua vez, o perito criminal do local, ao receber o resultado e a


respectiva devolução do material (se for o caso), deve conferir a
integridade da embalagem e seu lacre, tudo, também, sendo
mencionado em seu Laudo Pericial.

10) Importante ressaltar que, nos encaminhamentos internos que o


material sofrer, ninguém poderá abrir tal embalagem para possíveis
conferências, pois a responsabilidade de seu conteúdo é do perito
criminal que a lacrou. Está autorizado a abrir a embalagem somente o
perito do setor especializado que irá realizar o exame específico.

11) Todos os trâmites internos, no Instituto, da embalagem lacrada


devem constar de registros administrativos para possíveis conferências
futuras.

12) Quando o objeto chegar à Delegacia, procedente do Instituto de


Criminalística juntamente com o laudo pericial, somente poderá ser
aberto na estrita necessidade de algum exame. Não é preciso abrir para
conferir o conteúdo, já que, estando lacrado, a responsabilidade é do
perito criminal até o momento em que for aberto, mesmo que isso
ocorra já no âmbito da Justiça. É bom lembrar que o rompimento do
lacre sem motivo justificado levanta suspeitas a priori sobre a
idoneidade do objeto, além de transferir a responsabilidade da guarda
para quem o abriu.

13) As embalagens de material custodiado que estejam devidamente


lacradas devem conter externamente a informação de que tais lacres só
podem ser abertos por autoridade devidamente habilitada para tal nos
autos do inquérito policial ou processo judicial.

Quanto a seqüencia de proteção a partir da polícia:

1) O agente que primeiro tiver contato com algum objeto suspeito ou


resultante de ação delituosa deve fazer o registro formal desse
recebimento ou achado, descrevendo todas as informações do objeto,
sua origem e tudo o mais que possa garantir a certeza de sua
procedência.

2) Imediatamente esse objeto deve ser colocado em alguma


embalagem, e devidamente lacrado, para fazer chegar até a autoridade
policial que seja a responsável pela coordenação das investigações. Esse
encaminhamento deve constar de registros administrativo-operacionais.

3) Na entrega da embalagem lacrada com o objeto, na respectiva


delegacia de polícia, a autoridade policial será a responsável por abrir
tal embalagem, a fim de fazer providenciar o auto de recebimento e
apreensão, nesse momento conferindo especificamente tal objeto.
4) Ao abrir a embalagem, a autoridade policial deve ter o cuidado no
contato com o objeto, pois o material pode ser sensível a modificações
pelo manuseio, especialmente se demandar a necessidade de algum
exame pericial.

5) No auto de recebimento e apreensão, a autoridade policial deverá


fazer constar primeiramente as condições da embalagem e respectivo
lacre conforme esteja recebendo, para, posteriormente, descrever o
objeto em si. Uma cópia desse auto deve acompanhar sempre o objeto
em encaminhamentos posteriores.

6) Tal qual na perícia, também a autoridade policial deve atentar para o


tipo de embalagem a partir da peculiaridade do objeto, visando sempre
resguardar possíveis alterações em função de utilização de embalagens
inadequadas.

7) Portanto qualquer objeto que esteja sendo investigado com possível


vinculação a um crime, que ficar guardado na delegacia durante o
período da investigação, é necessário que seja acondicionado em
embalagem lacrada, mantendo-se o rigor da cadeia de custódia.

8) No curso da investigação no âmbito da delegacia, se houver


necessidade de manusear diretamente o objeto apreendido, isso deve
ser feito pela autoridade policial ou o agente que necessite desenvolver
alguma etapa investigatória e, para tanto, devem ser registradas
documentalmente a abertura e posterior reembalagem com novo lacre.
O documento deve consignar as condições da embalagem/lacre que foi
aberto, os objetivos do manuseio, o tempo decorrido com o investigador
e o conseqüente processo de embalagem/lacre posterior.

9) Finalizado o inquérito, os objetos seguirão para a justiça em suas


respectivas embalagens lacradas, e somente poderão ser abertas nos
momentos expressamente determinados pelo magistrado, de tudo se
registrando tal abertura, movimentação e quem procedeu a tal
manuseio.

10) Assim deve seguir o controle até o processo transitar em julgado, no


sentido de garantir a idoneidade desses materiais.

Quando houver necessidade da aparição de peritos nos casos de busca e


apreensão, as tarefas concernentes à seqüência de proteção, será como
descrito abaixo. Do contrário será da autoridade policial.

1) A busca deve ser efetuada num cômodo de cada vez (sem


desmembrar a equipe para atuar simultaneamente em outros
ambientes), visando o completo controle dos bens desde o exato
momento em que forem encontrados. Não se deve ter preocupação com
o tempo. Essa é uma tarefa que precisa ser feita sem pressa e com
muito critério.

2) A autoridade policial que estiver coordenando a busca – de acordo


com o planejamento prévio – deverá colocar somente alguns policiais
(em número suficiente para tornar a busca eficiente, mas sem
congestionar o ambiente examinado) nessa tarefa. Os demais ficarão
vigiando os outros ambientes.

3) No momento que algum objeto for encontrado ou que seja evidente a


sua descoberta, os peritos criminais deverão coordenar os registros da
busca, utilizando-se dos recursos e técnicas criminalísticas para o
tratamento de vestígios em locais de crime. Além disso, a autoridade
policial deverá chamar a atenção das testemunhas para observarem o
local onde o objeto se encontra.

4) Encontrado o objeto, primeiramente analisar as suas condições,


visando conhecê-lo adequadamente, a fim de não comprometer
qualquer informação ali contida e que possa ser alterada com o simples
manuseio incorreto. Nesse contexto, pode haver inclusive alguma forma
de camuflagem do objeto e que seja importante registrar no exame.

5) Fazer o registro do objeto no exato local onde foi encontrado,


descrevendo-o, operando fotografias e medições – a chamada
amarração – para, só depois, começar a manuseá-lo.

6) Caso seja imprescindível, os peritos criminais devem estar preparados


para realizar alguns exames no próprio local, visando evitar possíveis
perdas antes da sua movimentação e recolhimento, em conseqüência do
manuseio que será a seguir feito.

7) Antes do recolhimento do objeto, fazer a sua respectiva


identificação, para constar do laudo pericial e do auto de apreensão.

8) Colocar o objeto em embalagem adequada (malote, caixa, saco


plástico, etc.) e lacrar a sua abertura, apondo a assinatura do perito
criminal e/ou da autoridade policial. Quando tiver lacre próprio,
relacionar no laudo e no auto de apreensão o respectivo número do
lacre. Recomenda-se ainda que o perito criminal ou o delegado de
polícia acrescente um sinal/marca própria como garantia adicional,
constando essa informação no laudo e no auto.

9) Quando se tratar de material sensível ao manuseio e transporte,


tomar os devidos cuidados para mantê-lo como foi encontrado.
10) Transportar o objeto para o Instituto de Criminalística, se for
necessário algum exame pericial. Do contrário, levar diretamente para
a respectiva Delegacia de Polícia, onde estarão sendo coordenadas as
investigações. Em se tratando de valores ou qualquer outro material
peculiar (ex.: substância entorpecente), a autoridade policial deverá
providenciar a guarda em local seguro ou dar a destinação adequada
(ex.: sendo dinheiro, providenciar depósito bancário, sob custódia do
Estado ou colocar em um cofre seguro).

11) Quando o objeto chegar à Criminalística, o lacre somente poderá ser


rompido pelo perito criminal que for examinar o referido objeto,
ficando sob a sua responsabilidade até o final dos exames e entrega do
laudo pericial. Durante o período do exame, nos momentos em que não
estiver sob a sua guarda visual direta, é preciso que a Instituição tenha
formas operacionais de guarda desse objeto, a fim de manter a sua
idoneidade. Todas essas informações deverão constar no laudo pericial.

12) Se o objeto foi diretamente para a delegacia ou para lugar pré-


determinado em função das suas peculiaridades, a autoridade policial
deverá tomar todas as providências para mantê-lo lacrado e somente
quando necessário poderá ser aberto, o que, para tanto, deve ser
formalmente registrado. Após, voltar a lacrar novamente. Também
nesse caso, essas movimentações devem constar de algum documento
formal inserido no Inquérito, inclusive listando o nome de quem abriu e
quem manuseou tal objeto até o lacre seguinte.

13) Quando o objeto chegar à Delegacia, procedente do Instituto de


Criminalística, juntamente com o laudo pericial, somente poderá ser
aberto na estrita necessidade de algum exame. Não é preciso abrir para
conferir o conteúdo, já que, estando lacrado, a responsabilidade é do
perito criminal até o momento em que for aberto, mesmo que isso
ocorra já no âmbito da Justiça. É bom lembrar que o rompimento do
lacre sem motivo justificado levanta suspeitas a priori sobre a
idoneidade do objeto, além de transferir a responsabilidade da guarda
para quem o abriu.

14) No encaminhamento do Inquérito Policial ao Judiciário, quando


relacionar os materiais apreendidos, deverão ser registrados todos os
procedimentos adotados para a manutenção da cadeia de custódia e, ao
final, informado que tais lacres só podem ser abertos por autoridade
devidamente habilitada para tal nos autos do processo.

A perícia gaúcha elaborou projeto, na tentativa de elaborar


procedimentos próprios para implementar as alterações do CPP. Desta
forma, foi publicado na Portaria IGP nº 24/2009 sobre a constituição de
uma comissão para análise, planejamento, apresentação de sugestões
de princípios e normativas a serem respeitas na Instituição,
considerando a necessidade de definir procedimentos fundamentais do
IGP em cada estágio do ciclo de vestígio desde o seu registro, posse,
coleta, acondicionamento, transporte, processos de análise, guarda,
descarte ou devolução do material probatório e a emissão do laudo,
observando as peculiaridades de cada Departamento e laboratório, bem
como padronizando trâmites departamentais e interdepartamentais.

O esqueleto do projeto em andamento, presidido pela Perita Criminal


Joseli Pereze Baldasso, foi publicado no site do Instituto Geral de
Perícias. Seu conteúdo se assemelha ao descrito pelo Perito Alberi
Espíndula, porém retrata mais o momento e a realidade da instituição.

O projeto tem por título o “DESENVOLVIMENTO E IMPLANTAÇÃO DA


CADEIA DE CUSTÓDIA DE EVIDÊNCIAS DO IGP/RS” e sua implementação
justifica-se na idéia de que quando não se pode contestar as provas, vão
tentar contestar os procedimentos de obtenção das mesmas. O projeto
partiu de uma proposta de trabalho dos integrantes do GTCC nacional
que representam o RS, juntamente com o setor da Informática e da
Supervisão Técnica, motivado pela consciência da necessidade e
urgência do desenvolvimento e implantação da cadeia de custódia no
IGP, a exemplo do que já está sendo realizado em outros estados,
buscando, primordialmente, orientação na Carta de Brasília elaborada
pelo GTCC nacional.

Entretanto, apesar das boas idéias, o projeto apresenta também as


restrições que tamanha mudança traz no ambiente laboral. No próprio
corpo do programa, as limitações apresentadas são diversas, tais como:
limitação de recursos humanos devido as suas atribuições rotineiras;
ausência de norma específica estabelecendo a cadeia de custódia nos
Órgãos Periciais; ausência de rubrica específica para implantação do
projeto; falta de recursos humanos suficientes para a manutenção da
cadeia; resistência interna dos servidores frente à mudança de cultura.

4.2 - A Cadeia de Custódia e o perito oficial sob a ótica da Lei de


Improbidade Administrativa

As provas, por si só, pertencem a um patamar importantíssimo no


processo de verificação e conhecimentos dos fatos apresentados em
juízo pelas partes. Elas representam o meio utilizado para demonstrar
uma verdade, cabe ao homem saber interpretá-la. Para que essa
interpretação ocorra de maneira mais objetiva e científica, faz-se
necessária a figura do perito oficial.

Não obstante ao já exaustivamente comentado, o ordenamento jurídico


já apresenta leis infraconstitucionais que regulam os detalhes mais
imprescindíveis quanto às provas que afetam o processo, em
concordância com o preceito constitucional descrito no art. 5º, inciso
LVI, que considera inadmissíveis os meios ilícitos para obtenção das
provas.

Apesar de já vigentes, muitas dessas leis pegam os diversos órgãos


envolvidos desprevenidos, no que se referem a sua manifestação
obrigatória quanto aos novos procedimentos a serem atendidos. É o que
se verifica na Lei nº 11.690 de 2008, que entrou em vigor sem o devido
preparo dos Institutos de Perícia do País.

Partindo do pressuposto, que o legislador identificou a necessidade do


sistema ter formalizado a cadeia de custódia, entende-se que há
direitos que estavam sendo feridos sem lei que os assegurasse. Afinal,
dentro de todo o procedimento desde a coleta do material a ser
periciado, passamos por alguns estágios.

Se a prova for direta, ela será percebida e apreendida pelo próprio


julgador, ou seja, será o exame pericial direto, que segundo Luiz
Ferreira[23] é quando existe o objeto examinado ou quando haja
vestígios do fato quando da realização da perícia.

Segundo o mesmo autor, se a prova for indireta, ou seja, necessita de


intermediação, ela necessitará de reconhecimento, uma reconstrução
dos acontecimentos ou uma projeção do passado para a realidade,
mediante a utilização de diversos recursos colocados à disposição
dos experts da ciência.

Então, seja qual for sua natureza – documental, testemunhal ou pericial


– o primeiro passo para tornar os objetos em provas, é a suspeita ou
presunção. A presunção é a opinião pessoal, a convicção subjetiva e
experiente, da existência de uma verdade, de uma relação com o delito
e determinado fato ou objeto. E o indício, portanto, será o fato ou sinal
provado, através da relação deste com o que fora coletado e analisado,
pois especialistas não afirmam de início a veracidade dos fatos pelos
objetos apontados. Corroborando, o próprio Código de Processo Penal
define indício no art. 239, como “a circunstância conhecida e provada
que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias.”

Sobre o tema, Luiz Eduardo Dorea e outros[24] comentam que

“verifica-se, então, que num local de crime, por exemplo, em princípio


todos os fatos, marcas, sinais, vestígios, não podem, de início, serem
desprezados; poderão ser, na seqüência, de utilidade, ou não, para o
esclarecimento do fato e colaborar com a determinação da autoria; se
estiverem relacionados com o fato e devidamente interpretados com
rigor e exatidão, constituirão a prova por indícios, ou seja, a prova
indiciária”.

Discorre ainda os mesmo autores[25], que outro aspecto de significativa


importância para o valor probatório da prova por indício é, sem dúvida,
do caráter de autenticidade que deve envolver os indícios, ou seja, a
sua legalização, especialmente no que se refere ao surgimento, à
origem, de cada um deles e trazidos ao bojo dos autos. Implica isto a
afirmativa de que deve sempre e invariavelmente haver plena certeza
jurídica e processualística ao se considerar e julgar cada elemento de
prova, principalmente tendo em vista que se encontra em jogo a
segurança da sociedade e a honra, a liberdade e o patrimônio das
pessoas.

Constrói-se dessa forma uma situação de sustentabilidade da prova


pericial através da cadeia de custódia. De diversas formas foram
exploradas e justificadas, a importância de se assegurar a proteção de
forma integral dos vestígios encontrados e indicados para análise.

Várias são as causas responsáveis pelas alterações das características


dos vestígios, seja elas contaminação, alteração do seu produto,
subtração ou adição de substâncias novas, modificação da forma,
destacando-se as causas naturais, causas acidentais – negligência,
imperícia imprudência, e as causas propositais, que envolvem dolo,
como a destruição voluntária de elementos que impossibilitem ou
deturpem o resultado final.

Neste momento, se encontra a possibilidade de modificação do


resultado final perante a mudança da cadeia de custódia. Ou seja, mais
uma vez, é elucidada a importância da manutenção dessa seqüência de
registros que se formam ao longo do processo, a fim de não prejudicar o
direito das partes, de obterem a verdade a partir da perícia.

Como o assunto ainda é relativamente difícil de ser abordado, por falta


de bibliografia especializada, e, principalmente, por falta de opinião
unânime dos próprios peritos dos Institutos de Perícia do Brasil, chega-
se ao ponto chave da presente pesquisa, que seria qual o
enquadramento administrativo adequado, para o perito que não
observasse o disposto no Código de Processo Penal (quanto ao resguardo
das provas).

Há doutrinadores que detém suas pesquisas em torno do crime de falsa


perícia, previsto no Código Penal, art. 342, deixando as sanções
administrativas descortinadas e ao avesso da legislação pertinente.
É verdade que pouco se contesta o trabalho do perito, devido sua
peculiaridade laboral e sua especificidade, que é restrito a poucos
profissionais atualmente. Perito é aquele técnico incumbido por aptidão
própria à sua atuação, de averiguar os fatos a ele concernentes e emitir
um parecer sobre isso. É a testemunha técnica, que supre as lacunas de
um fato a ser julgado, no qual os julgadores não são capazes de atender
na sua totalidade.

Tamanha sua importância e responsabilidade, que os estudos referentes


ao seu trabalho - como o aprofundamento científico-teórico - tem cada
vez mais se tornado evidente na mídia, no meio acadêmico e
profissional.

Com o objetivo de tornar isso cada vez mais questionável, o estudo aqui
produzido tem o interesse de verificar a sanção administrativa que
porventura seja aplicada ao perito oficial, se este culminar com atitude
culposa ou dolosa no procedimento da cadeia de custódia. Acredita-se
que como se trata de perícia oficial, o enfoque desse trabalho tenha
respaldo da Lei de Improbidade Administrativa (lei nº 8.429/92).

Atualmente, o perito que compõe o corpo laboral da perícia oficial por


vezes emite opinião única no processo, sendo que a outra parte não tem
a possiblidade de acompanhar e atuar devidamente dentro do
procedimento de recolhimento das futuras provas. É válido atentar, que
não se está questionando a qualidade do serviço efetuado pela perícia
oficial; o que se questiona é qual o limite aplicado da discricionariedade
no trabalho, no que tange o manejo e a qualificação das evidências
obtidas na análise dos vestígios.

Nesse diapasão, há a necessidade latente de questionar qual é a norma


que resguardaria essa lacuna, sendo a lei de improbidade administrativa
a escolhida, devido seu caráter generalista quanto ao sujeito ativo e
quanto ao seu objeto.

Como já estudado no Capítulo II, o sujeito ativo é todo aquele que tem
vínculo direto ou indireto com qualquer uma das pessoas jurídicas
mencionadas no art. 1º, da Lei 8429/92. Por derradeiro, quando o perito
oficial, incluso no conceito de agente público, efetuar qualquer uma das
condutas previstas nos art. 9º ao 11, ele poderá ser punido por
improbidade administrativa, independente das sanções penais e civis
previstas em legislação específica.

O que ainda não foi discutido pela doutrina e juristas, se é possível


administrar essa lei no procedimento da cadeia de custódia, visto que,
além de não ter norma específica sobre o assunto, sua referência no
Código de Processo Penal é limitada e não há menção de fiscalização na
aplicação dos procedimentos, exceto pelo Assistente Técnico, que
encontra diversas limitações e precisa ser contratado pelas partes.

Segundo o perito Espíndula[26], nos últimos anos alguns advogados


começaram a contestar as velhas práticas do manuseio incorreto de
evidências, lançando dúvidas sobre a sua origem. Agora, com a criação
da figura do assistente técnico no processo criminal, certamente esse
quesito será enormemente explorado, pois será um outro perito que
estará avaliando com mais propriedade todos os procedimentos seguidos
pelos peritos oficiais e pelos policiais. O autor roga pela urgente
preparação dos Institutos para seguir corretamente os procedimentos da
cadeia de custódia, salientando que o Governo Federal é hoje um
grande incentivador de qualidade na segurança Pública no Brasil,
criando em 2009 um Grupo de Trabalho para estabelecer um projeto
básico de implantação de cadeia de custódia nos órgãos periciais
oficiais.

Isto posto, verificar os tipos ilícitos que a Lei de Improbidade traz no


seu escopo ajuda a delimitar o enquadramento do perito oficial, nos
casos em que não obedecer os procedimentos da cadeia de custódia.

O artigo 9º trata do ato de improbidade relacionado ao enriquecimento


ilícito, que só se configurará se o perito auferir vantagem patrimonial
no exercício do cargo, ou, notadamente cumprir qualquer dos incisos
seguintes, que tratam do mesmo tema.

O artigo 10 refere-se aos atos de improbidade que causam prejuízo ao


erário, isto é, dentro da realização dos passos da perícia de algum
objeto ou fato, o perito precisaria causar prejuízo ao erário por
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que ensejasse perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres da Instituição ao qual ele está vinculado, ou,
notadamente, cumprir qualquer dos incisos seguintes, que são algumas
possibilidades, sem restrições.

Já o artigo 11, que trata dos atos de improbidade administrativa que


atentam contra os princípios da Administração pública, torna qualquer
ação ou omissão sensível ao delito ora estudado. Os princípios citados
no caput do artigo são os relacionados ao dever de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

Porém, a doutrina concorda que são elementos meramente


exemplificativos, não limitando aos princípios citados, visto que se trata
de um ingrediente nuclear de qualquer sistema, impondo assim a
abrangência dos demais elementos que comumente encontramos nos
estudos do Direito Público.
Nos incisos seguintes, o artigo continua com rol não taxativo, indicando
que o agente público que: praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; revelar
fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que
deva permanecer em segredo; negar publicidade aos atos oficiais;
frustrar a licitude de concurso público; deixar de prestar contas quando
esteja obrigado a fazê-lo; revelar ou permitir que chegue ao
conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor
de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de
mercadoria, bem ou serviço – também será enquadrado no art. 11 da Lei
de Improbidade Administrativa.

Após justificativa acima estudada, resta assinalar esta como a melhor


alternativa para aplicar como sanção ao perito oficial, caso este não
incorra com a adequada aplicação da cadeia de custódia, no seu
trabalho pericial. Essa conclusão se manifesta através da própria
natureza da atividade pública pela qual o perito realiza.

O princípio da legalidade é inerente do sistema democrático, que se


manifesta através das leis previamente elaboradas e aprovadas por seus
representantes, para o alcance de todos. É tido por Celso Bandeira de
Mello[27], como o princípio capital para a configuração do regime
jurídico-administrativo; é específico do Estado de Direito, é justamente
aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria.

Obedecer a lei é obedecer ao propósito político do país, é garantir que


o quadro normativo não empregue favoritismos, desmandos e a
discricionariedade exacerbada de muitos agentes públicos, em prol de
um objetivo pessoal. É respeitar o coletivo e a opinião da sociedade,
afinal, como reza o art. 1º, parágrafo único da nossa Constituição,
“Todo poder emana do povo”.

Colaborando outra vez com seus ensinamentos, Celso de


Mello[28] discorre que

“(...) o princípio da legalidade é o da completa submissão da


Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las,
pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o
que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais
modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes,
obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder
Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito
brasileiro”.
Observa Silvio Marques[29] com propriedade, que são múltiplas as
possibilidades de verificação aos vícios de procedimento, cujos atos
administrativos em regra são praticados nos autos do procedimento
próprio ou, ainda, conforme o ritual preestabelecido na lei. Constitui
ilegalidade a ofensa ao procedimento previsto em lei e a supressão ou
subversão das fases.

Nos termos do art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988, “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”. A opinião vigente entre os estudiosos é que a lei não se assemelha
a regulamentos, resoluções e portarias. Logo, se a Administração não
proibir ou impor comportamento algum, e a lei necessitar de melhor
esclarecimento que venha a minudenciar norma nova, não serão os
agentes obrigados a cumpri-la.

A cadeia de custódia é um ato administrativo com todas suas


características inerentes, e, apesar da atual preocupação com a
redação modificada do Código de Processo Penal, e a necessidade em
resguardar a prova pericial ao máximo; a qualidade e a eficiência nas
atividades periciais é o que buscam os Institutos de Perícia quando
urgem em instituir o procedimento em estudo, na prática cotidiana
desta atividade pública. Mas o que não se pode negar, é a falta de
norma que registre literalmente e de forma clara a obrigação por parte
da perícia oficial com o ditame da documentação da cadeia de custódia.

Enfim, chega-se à conclusão: aquilo que não está normatizado não pode
ser cobrado ou considerado ato delituoso por parte do Estado. Neste
caso específico, o que nos leva a crer, que somente no momento em
que houver norma que regule efetivamente a cadeia de custódia, essa
terá eficácia entre os peritos oficiais, não podendo, no momento,
configurar ato de improbidade administrativa por ato que fira os
princípios da Administração Pública.

5. CONCLUSÃO

O Brasil tem, freqüentemente, relatos e notícias sobre corrupção no


serviço público em geral. Isto não ocorre somente nos tempos
modernos, pelo contrário, seus primórdios são da época em que Brasil
era colônia de Portugal, e o sentimento nacionalista ainda estava em
formação.

Tratar sobre a probidade no serviço público é justamente tratar sobre a


nação e o espírito coletivo que integra a política de um país. Afinal,
tudo que tange os atos da administração refletem nas atividades que
são oferecidas à população, imprescindíveis, portanto, a estes para que
mantenham uma vida tranqüila e ordenada em sociedade.
Após algumas tentativas, hoje o sistema jurídico dispõe da Lei nº
8429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – para fazer o controle de
atos emanados pelos agentes públicos. Elaborada tardiamente, a
referida norma relaciona uma série de tipos que correspondem aos
delitos praticados no âmbito administrativo contra o patrimônio, ao
erário e aos princípios que regem o direito público.

Desde forma, observa-se o caráter generalista da lei ora estudada,


buscando na mesma a solução da problemática deste trabalho
monográfico, qual seja, a possibilidade do perito ser sujeito ativo da lei
de improbidade através do procedimento da cadeia de custódia.

Este procedimento é inovador quanto à guarda e proteção de objeto ou


material bruto constatado e recolhido para análise posterior do perito
oficial. Poderá após o trabalho atento e justificado, tornar-se futuro
elemento probante no âmbito processual.

Esse tipo de prova, a pericial, resguarda em si a história do delito


praticado; é o fundamento científico para comprovar uma verdade, isto
é, objetiva a reconstrução de um ato já praticado.

Ao empreender este estudo verifica-se, portanto, que está na cadeia de


custódia as medidas necessárias para o devido acompanhamento e
registro de todos eventos da prova, do seu registro, identificação e
utilização final. Seja interferência interna ou externa, deve ser tudo
relatado, para fins de possível questionamento das partes envolvidas no
processo judicial.

A perícia gaúcha considera a normatização da cadeia de custódia,


necessidade urgente, permitindo assegurar o procedimento e ter maior
comprometimento de todas as instituições envolvidas. Para tanto, além
de normatizar a cadeia precisamos de norma que penalize
administrativamente o agente público, sendo até o presente momento,
a Lei de Improbidade administrativa a mais adequada.

Porém, a própria perícia oficial e o governo federal estão com projetos


em andamento, sem estar nada concluído. Apesar do artigo 159, § 6º,
do Código de Processo Penal, rezar que havendo requerimento das
partes, o material probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua
guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes; o
legislador faz a ressalva que isso ocorrerá se assim for possível a sua
conservação. Ou seja, o ciclo de vida do vestígio não está formalizado e
resguardado por nenhuma norma até o resultado final de todas as
tratativas dos projetos e grupos de trabalho sobre o assunto.
Ao ocupar-se das sanções que poderiam ser aplicadas, caso o perito
oficial não obedecesse ao registro do ciclo de vida do vestígio, chega-se
a conclusão que este agente público poderia ser penalizado
administrativamente pela Lei nº 8429/92, desde que o procedimento da
cadeia de custódia fosse ato padronizado por norma ativa no ambiente
público.

Afinal, como garantir a idoneidade do trabalho pericial; a manutenção e


documentação da história cronológica do vestígio sob guarda da
instituição oficial; o registro da posse e manuseio da amostra; e,
garantir a idoneidade e preservação da contra-prova, sem que ao menos
conste na administração pública qualquer regra que legalize esse
trâmite no ambiente administrativo do órgão da perícia oficial.

Certamente, admitem-se todas as razões para manter a relevância da


implementação desse projeto, mas não há atualmente legislação que
resguarde a prova da atuação do perito oficial nesse procedimento,
visto que nesse percurso de coleta da evidência até sua análise, nem
mesmo o assistente técnico tem acesso.

O perito que compõe o corpo laboral da perícia oficial por vezes emite
opinião única no processo, sendo que a outra parte não tem a
possiblidade de acompanhar e atuar devidamente dentro do
procedimento de recolhimento das futuras provas. O tema é de grande
importância, devido ao peso que a prova pericial possui no processo,
seja qual for sua natureza. Além disso, resguardar a figura do perito
oficial e sua metodologia de atuação é fator de suma importância.

A falta de estudo a cerca do assunto é outra razão para que haja um


aprofundamento específico do mesmo, visto que, na medida em que não
há posição firmada, a discricionariedade exacerbada pode tomar conta
dos diversos atos concernentes à perícia.

Nesse sentido, cumpre dizer que não há norma brasileira que proteja o
usuário da perícia e sancione os resultados obtidos através do
procedimento da cadeia de custódia. Por tal razão, e visando resguardar
as garantias constitucionais, se empreendeu este estudo para dirimir
qualquer questionamento sobre o assunto até a presente data, visto que
se trata de questão a ser ainda discutida pelas instituições de perícia no
Brasil.

Notas:
[1] ARMITAGE, John. História do Brasil: desde o período da chegada da
família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831,
compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais
formando uma continuação da História do Brasil de Southey. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1981, p.32.
[2] GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe
medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a
história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil,
2007.
[3] RUIZ, Manoel. A História da Moeda no Brasil. Sociedade Digital. São
Paulo, 2003. Acesso em: 10/05/2010. Disponível em:
http://www.sociedadedigital.com.br/artigo.php?artigo=110&item=4, p.
1.
[4] PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. Vicente
Paulo e Marcelo Alexandrino – Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 28.
[5] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25
ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.80.
[6] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25
ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.85.
[7] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p.33.
[8] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25
ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.87.
[9] PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. Vicente
Paulo e Marcelo Alexandrino – Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p.30.
[10] SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa:
reflexões sobre a Lei nº 8429/92. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009,
nota XIII.
[11] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 35.
[12] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 41.
[13] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 38.
[14] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 86.
[15] FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 60.
[16] MARTINS, Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 224.
[17] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 56.
[18] SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa:
reflexões sobre a Lei nº 8429/92. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009,
p. 183.
[19] SILVA, Ivan Luís Marques da. A reforma processual penal de
2008:Lei 1.719/2008, procedimentos penais:Lei
11.690/2008/,provas:Lei11.689/2008, júri:comentadas artigos por
artigos.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 68.
[20] ESPÍNDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para
peritos e usuários da perícia. 3ª ed. Campinas, São Paulo: Millennium
Editora, 2009, p. 163.
[21] ESPÍNDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para
peritos e usuários da perícia. 3ª ed. Campinas, São Paulo: Millennium
Editora, 2009, p. 164.
[22] ESPÍNDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para
peritos e usuários da perícia. 3ª ed. Campinas, São Paulo: Millennium
Editora, 2009, p. 166-171.
[23] FERREIRA, Luiz Alexandre Cruz. Falso testemunho e falsa perícia.
Campinas, São Paulo: Millennium Editora, 2005, p. 53.
[24] DOREA, Luiz Eduardo Carvalho, Victor Paulo Stumvoll, Victor
Quintela. Criminalística. 4ª ed. Campinas, São Paulo: Millennium
Editora, 2010, p. 74.
[25] DOREA, Luiz Eduardo Carvalho, Victor Paulo Stumvoll, Victor
Quintela. Criminalística. 4ª ed. Campinas, São Paulo: Millennium
Editora, 2010, p. 75.
[26] ESPÍNDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para
peritos e usuários da perícia. 3ª ed. Campinas, São Paulo: Millennium
Editora, 2009, p. 174.
[27] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
Ed. Malheiros, SP, 25 ed. 2007, p. 99-100.
[28] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
Ed. Malheiros, SP, 25 ed. 2007, p.101.
[29] MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade Administrativa: ação civil e
cooperação jurídico internacional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 114.

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