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A gênese das problematizações do conceito de discurso se dá no campo da linguística.

Tal problemática terá reflexos nos chamados estudos culturais. A concepção


wittgensteiniana segundo a qual os significados têm origem não no nível das estruturas, mas
se desenvolvem no âmbito do convívio em sociedade e são originados de um contexto, é
referida por Hennigen e Guaresch (2006) como “virada linguística”. Nesse sentido, a função
da linguagem passa a ser encarada não como ligada à mera expressão das coisas, mas como
prioritariamente atributiva. Palavras e coisas não guardam relação íntima entre si, “aquilo
que se supunha ser fato natural, a realidade objetiva, passa a ser considerado fenômeno
discursivo” (HENNIGEN e GUARESCH, 2006, p.57). Discurso é um conceito que diz
respeito “tanto à produção de conhecimento através da linguagem e da representação,
quanto ao modo como o conhecimento é institucionalizado, modelando práticas sociais e
pondo novas práticas em funcionamento” (HALL, 1997, p. 29).
Essa nova maneira de encarar a linguagem irá ter consequências nos estudos culturais,
promovendo uma outra “virada” que coloca a cultura em posição de centralidade
epistemológica, reorganizando e reestruturando conceitos nas Ciências Humanas e Sociais:
A "virada cultural" está intimamente ligada a esta nova atitude em relação à
linguagem, pois a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de
classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de
dar significado às coisas. O próprio termo "discurso" refere-se a uma série de
afirmações, em qualquer domínio, que fornece uma linguagem para se poder falar
sobre um assunto e uma forma de produzir um tipo particular de conhecimento. O
termo refere-se tanto à produção de conhecimento através da linguagem e da
representação, quanto ao modo como o conhecimento é institucionalizado, modelando
práticas sociais e pondo novas práticas em funcionamento (HALL, 1997, p. 29)

Dessa forma, a linguagem passa a ser tomada como uma espécie de motor ou razão
primeira na compreensão da totalidade da vida social. Para Foucault (2007), a linguagem, e os
discursos que são delineados por meio desta, cria os objetos de que fala, inclusive o sujeito. O
discurso funda o sujeito. Pode-se, assim, inferir que “os sujeitos sociais não são causa do
discurso, são efeitos discursivos” (HENNIGEN e GUARESCH, 2006, p.59).
Ao conceito de discurso e de suas implicações articula-se, de maneira primordial, a ideia
de representação. A representação guarda um elo indissociável com a constituição das
subjetividades. A representação resulta da própria subjetividade que confere sentido a palavras,
objetos e imagens constituindo signos. Da maneira como elabora Hall, “a relação entre “coisas”,
conceitos e signos se situa, assim, no cerne da produção do sentido da linguagem, fazendo do
processo que liga esses três elementos o que chamamos de representação” (HALL, 2016, p.
37). Aquilo que é representado está carregado de aspectos semânticos e a linguagem é assim
entendida como constitutiva do mundo e do próprio sujeito, aspecto que reitera o caráter de
relevância da aplicação da metodologia proposta, uma vez que um dos objetivos que aqui se
estabelece é a apreensão dos processos pelos quais se delineiam os modos de subjetivação e a
constituição da identidade no punk.
O processo de subjetivação demanda que o sujeito se reconheça no discurso e através
deste. Trata-se de um “processo ativo de incorporação, seleção, organização e interpretação de
práticas, sentidos e valores” (ESCOSTEGUY Apud HENNIGEN e GUARESCH, 2006, p. 59).
A conduta e os atos individuais são informados pelas práticas que se desenvolvem no âmbito
da cultura, o que só é válido quando adquire “estatuto de verdade para o sujeito’ (HENNIGEN
e GUARESCH, 2006, p. 60).
As exposições anteriores se conectam necessariamente a dois outros conceitos: saber e
poder. Se em um primeiro momento a noção de poder sugeria controle feito de “cima para
baixo” com a finalidade exclusiva de controle produzida institucionalmente em relação aos
estratos sociais mais baixos, nos estudos culturais esse passou a ser um conceito alinhado com
as proposições de Foucault, segundo as quais o poder não é uma coisa palpável ou que seja
localizável em um lugar específico, cumprindo funções de cercear ações, mas como ação sobre
outras eventuais ações. O poder se dissemina por todo o tecido social, se manifestando em todo
e qualquer tipo de relações (HENNIGEN e GUARESCH, 2006, p.59).
O poder se sustenta por não se tratar de uma força de negação ou de repressão, mas algo
que perpassa, elabora e constitui os saberes. Para Foucault (Apud HENNIGEN e GUARESCH,
2006, p.64), os saberes não são produzidos pelo sujeito, mas, ao contrário, é o sujeito que é
engendrado pelos saberes. O poder é operado pelo discurso e está disseminado por toda a malha
social e em todas as relações que nela se delineiam. Assim, como bem explica Veiga-Neto
(2007), os saberes se definem como “teorias sistemáticas, que se manifestam por meio de
discursos científicos tidos por verdadeiros, positivos e, por isso, aceitos e tomados em toda a
sua positividade (VEIGA-NETO, 2007, p. 44). Com base em Foucault, Veiga-Neto delimita
claramente os conceitos de saber e poder, extirpando possíveis interpretações que porventura
tomassem ambos como uma coisa apenas:
Se Foucault aproxima saber e poder numa quase fusão, é claro que para ele
não são a mesma coisa: poder e saber são dois lados de um mesmo processo.
As relações de força constituem o poder, ao passo que as relações de forma
constituem o saber, mas aquele tem o primado sobre este. O poder se dá numa
relação flutuante, isso é, não se ancora numa instituição, não se apoia em nada
fora de si mesmo, a não ser no próprio diagrama estabelecido pela relação
diferencial de forças; por isso, o poder é fugaz, evanescente, singular, pontual.
O saber, bem ao contrário, se estabelece e se sustenta nas matérias/conteúdos
e em elementos formais que lhe são exteriores: luz e linguagem, olhar e fala.
É bem por isso que o saber é apreensível, ensinável, domesticável, volumoso.
E poder e saber se entrecruzam no sujeito, seu produto concreto, e não num
universal abstrato. (...) aquilo que opera esse cruzamento nos sujeitos é o
discurso, uma vez que é justamente no discurso que vêm a se articular poder
e saber (VEIGA-NETO Apud HENNIGEN e GUARESCH, 2006, p. 64).
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Dessa característica decorre o caráter apreensível, ensinável e domesticável do saber
que se intersecciona com o poder no sujeito. Poder e saber se articulam por meio do discurso e
é dessa relação que emergem as subjetividades.

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