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M547 Menotti, Gabriel, Org.; Bastos, Marcus, Org.; Moran, Patrícia, Org.
Cinema apesar da imagem / Organização de Gabriel Menotti, Marcus Bastos
e Patrícia Moran. – São Paulo: Intermeios, 2016.
250 p.
ISBN 978-85-8499-042-9
parte 1 imagem/ontologias
19 Verdade, realismo SEAN CUBITT
33 Irreprodutível: cinema como evento ERIKA BALSOM
55 Máquinas do tempo BRUNO VIANNA
parte 2 filme/difusões
63 Intermediários escorregadios: expandindo conceitos sobre a distribuição
cinematográfica VIRGINIA CRISP
79 Formalidades da circulação informal de cinema e os grupos de torrent
cinéfilos ANGELA MEILI
105 Entre a formalidade e a informalidade: pirataria e distribuição
cinematográfica no México STEFANIA HARITOU
117 Cine Fantasma: o cinema morreu? Viva o cinema! PAOLA BARRETO LEBLANC
parte 4 materialidade/performances
179 Entre sensores e sentidos: sobre a materialidade da comunicação na
artemídia GRAZIELE LAUTENSCHLAEGER
201 Mulheres continentais MONICA TOLEDO
213 Cartografia performativa? STEPHEN CONNOLY
221 Jogos de distância e proximidade: micro-performances via Skype PATRÍCIA
AZEVEDO E CLARE CHARNLEY
231 Sobre os autores
introdução
gabriel menotti,
marcus bastos e patrícia moran
estritamente racionais e sensíveis. Sua pesquisa para a criação estética faz das
dimensões do “sentir” e do “fazer sentido” uma caixa de ressonância de problemas
relacionados às materialidades dos meios. Ela explicita, por meio de sensores,
a implicação do corpo na arte, ou seja, o acesso à proposta estética e às suas
questões, que estaria além das telas, além de esquemas estritamente racionais, que
se estruturam por contato, pelo dado sensível. Breves arqueologias da artemídia,
dos sensores e da cibernética desenham um pano de fundo para o desenvolvimento
do processo artístico, em suas implicações táteis e de conhecimento formal.
O retorno aos sentidos, ou às interfaces que unem corpo e máquina,
representa um conjunto de esforços para expandir as maneiras como as tecnologias
e as imagens mapeiam o mundo, suas culturas, suas sociedades, etc. Mulheres
continentais, de Monica Toledo, representa esse universo de um novo engajamento
com as corporeidades e subjetividades, em que a experiência, a presença ou a
memória transitam por territórios distintos do numérico. Talvez esse afastamento
do mundo de telas e interfaces que predominou desde a popularização da internet
e dos dispositivos móveis seja um aspecto a ser considerado, uma tendência
representativa de um mundo que algumas pessoas já vêm chamando de pós-digital.
A pesquisa de Toledo encontra-se na intersecção entre performance e videoarte,
com recorte etnográfico. A tensão entre corpo e tela, eu e outro, um trabalho
que em certo sentido movimenta os interstícios que separam de forma arbitrária
cultura e civilização, surge no texto em função de uma experiência de fazer em
trânsito. Sua proposta parece inverter o sentido de registro do corpo que se tornou
mais comum numa época em que todos fazem selfies, e o imaginário coletivo parece
se interessar mais pela representação de si que pela representação do outro. Ao
apontar a câmera para outras culturas, para o universo do feminino, para campos
de exclusão, apesar dos discursos de heterogeneidade que vêm batalhando sua
legitimidade de forma sistemática desde pelo menos os anos 1960, Toledo aponta
para um ponto sensível pouco corrente nos debates contemporâneos.
A prática de olhar para o outro também se aplica em Cartografia performativa?,
de Stephen Connoly. Ao deslocar para São Paulo inquietações decorrentes do
mapeamento da especulação imobiliária na cidade de Detroit, Connonly encontra
mais do que uma simetria entre procedimentos formais. São Paulo passou
por processos de transformação urbana igualmente motivados por interesses
especulativos, e o olhar do autor para a cidade, por meio de um dispositivo
filmagem instalado no interior de um veículo, parece ligar pontos improváveis
entre essas práticas, que se tornaram ilegais nos Estados Unidos, e a dança
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 15
• A “rede de causas” é agora a rede como causa, uma rede que não se furta
de se revelar, sob os nomes privilegiados de Conectividade e Livre Mercado
– uma mão invisível pronta para ostentar sua própria realidade. Não existe
razão para “desnudar” o que já é obscenamente exibicionista, mesmo (e
especialmente) quando o temo “rede causal” foi apropriado como uma
construção quase que inteiramente ideológica. Hoje, quando falamos de
redes de causas, nos referimos ou ao supostamente livre mercado, essa rede
de transações cujo fracasso em distribuir riqueza, ou até mesmo salários
decentes, para a vasta maioria da população global, é incessantemente
negada pelo neoliberalismo dogmático, ou a um tipo de ecologia moral
segundo a qual os pobres – sejam consumidores, produtores, ou aqueles
excluídos dos circuitos do capital – são culpados pela própria pobreza, pelo
seu consumo e por suas dívidas.
• Hoje, o ponto de vista predominante é, em vários aspectos, o ponto de
vista dos dominados – aqueles condenados ao superconsumo perpétuo,
tanto pobres quanto ricos –, caracterizado por uma mistura de ansiedade
e consentimento sob o slogan de que “Não existe alternativa”. Em 1939,
dois anos depois do ensaio de Brecht, Clement Greenberg (1992) analisou
o kitsch como a forma cultural com a qual os ditadores influenciavam
os gostos dos oprimidos. Hoje, já não é necessário nenhum subterfúgio,
exceto pelo fato de os líderes mundiais esconderem qualquer propensão
que possam ter à alta cultura, preferindo se refestelar jogando golf ou
tocando sax. O triunfo da democracia ciborgue é que estejamos todos no
Facebook agora, todos igualmente ineficazes. Mais radicalmente, a própria
existência de um ponto de vista, com suas metáforas relacionadas da visão
binocular e do avanço estratégico, já não pode ser garantida. Em seu lugar,
22 cinema apesar da imagem
Verdade C21
Os portadores da verdade dos nossos tempos já não são os romances, os filmes e
dramas televisivos, nem sequer o jornalismo investigativo, assaltado de um lado pelos
governos repressores e seus patrocinadores corporativos, e do outro, pela corrupção
dos donos que dedicam seus recursos ao inquérito sobre a nudez dos famosos. Não
é que a demonstração que os membros das famílias reais sejam mamíferos esteja
abaixo da busca pela verdade. É que a santidade da verdade foi reservada a outro
modo de exibição e demonstração. Se na era de ouro da racionalidade científica o
experimento era o caminho para a verdade, na era das probabilidades a verdade
existe, na medida em que existe, como diagrama. A exposição de conhecimento
estatístico, na forma de tabelas ou gráficos de diversos tipos, é agora uma forma
discursiva necessária para a expressão da verdade. Ainda que essa vinculação entre
discurso e verdade possa evocar Foucault, é mister destacar que o diagrama não
é um discurso entre outros discursos, da mesma forma que os discursos da lei, da
medicina ou da engenharia, que reivindicam certas construções de enunciados-
verdade simultaneamente, sem reivindicar exclusividade para além dos seus próprios
domínios. Pelo contrário, a ubiquidade que os diagramas, quadros e gráficos
atingiram desde a sua repentina emergência e disseminação no Statistical Breviary de
Playfair, de 1801, sugere a reivindicação de uma abrangência primordial entre todas
as outras ordens visuais, como se fosse a única com a habilidade de representar o
mundo como verdade. O último grande sistema a fazê-lo foi a perspectiva, que
Panofsky (1991) definiu como uma “forma simbólica”.
Panofsky tomou esse termo emprestado do filósofo Cassirer, para quem o
conceito constituía uma chave histórica da existência humana. Cassirer (1944:
87ff), como tantos filósofos de seu tempo, presumiu que a linguagem fosse um
alicerce do ser humano, e descreveu três grandes eras de formas simbólicas
24 cinema apesar da imagem
hegemonia, mas o insight de Barad sugere que a ontologia possa driblar a verdade,
vinculando a matéria ao sentido sem qualquer recurso à verdade.
Não obstante, a verdade persiste como eixo de controle. Ironicamente, depois
que a crítica de Althusser escancarou a oposição entre ideologia e verdade, somos
levados a confrontar a pretensão de verdade do diagrama como um discurso
visual predominante, como forma simbólica predominante, em outras palavras,
como a forma visual e simbólica da dominação, de modo que a verdade se tornou
ideologia. Aquilo que confronta a ideologia é o sentido, e, segundo essa lógica, a
verdade não faz sentido. Isso não significa que seja inverídica: meramente que a
construção específica da verdade agora se abstém do sentido, e que a construção
típica do sentido, para o bem ou para o mal, se abstém do verdadeiro como seu
objetivo ou justificativa.
O que a matéria e o sentido compartilham, dentro do vocabulário de Arendt, é a
aparência: a aparência que, nas tradições racionalistas e religiosas, está subordinada
a uma verdade da qual ela é aparência. Se Cassirer está certo, o modo de verdade
desposado pela ciência é centralmente uma verdade de relacionamentos, mas
constituída por relações abstraídas dos fluxos do presente fenomenológico: uma
verdade na forma de fórmulas, de lógica, matemática e física. A questão portanto
é se isso seria capaz de constituir um realismo para o século XXI, um realismo
que é “abstrato, de modo a encorajar a concretude?” Dada a centralidade do
Marxismo científico para o socialismo de Weimar, poderíamos nos perguntar se
Brecht não estaria propondo um método científico quando ele argumentou pelo
contrário, por um concreto que encorajasse o abstrato. Seria, por outro lado, o
tempo de aderirmos à relação entre matéria (que aparece) e sentido, na insistência
de que a verdadeira função do realismo seja a de compreender de que maneira as
forças abstratas se reúnem, e nesse sentido apenas existem, com o seu aparecimento
– isto é, numa única instância de existência, num único evento? Nesse caso, as
singularidades não seriam desprovidas de sentido, nem privadas de conexões, mas
poderiam vir à tona como encruzilhadas entre relações (incluindo aí tanto as leis da
física quanto as menos compreensíveis tendências históricas). Seria portanto hora
de abandonarmos a fascinação científica com o que é típico e focar, em vez disso,
naquilo que é único?
Esse é o fardo do realismo de Bazin e de suas recentes releituras, que
privilegiam o poder indicial do cinema analógico (Rodowick, Doane, Harbord).
Trata-se de uma forma de enfrentar o desafio de reconsiderar as preocupações
de Brecht com os “problemas que afligem a sociedade humana”. A indicialidade
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devotos, retorna como ódio ao outro: sexual, cultural; um ódio fora do controle
da consciência pessoal, já que, na condição de ser inadequado e possuir vontades
inadequadas, podemos confiar apenas no Ser e na Vontade de Deus). Prestar
serviço à Verdade como singular, absoluta e universal era a base para o ódio na
era representativa. Em nossa era significativa, essa prática é aperfeiçoada, sob a
forma do racionalismo Ocidental, como o cerne do governo. Já que no campo da
realpolitik é quase impossível falarmos em “genocídio”, somos levados a descrever
como limpeza étnica a forma de monoculturalismo que acompanha o monoteísmo
desde a Bósnia até o califado, desde Israel enquanto estado judeu até o mantra
norte-americano que evoca Deus e Nação e promove a adoração diária de sua
bandeira, contrariando o segundo mandamento. No século XXI, confrontamos
portanto duas proclamações de Verdade monológica: o fundamentalismo
monoteísta e a Ciência instrumental. O primeiro rejeita o realismo perspectivista
que o segundo criou; acontece que hoje, ainda que subsista como ferramenta, o
realismo perspectivista não mais integra a cultura visual da Ciência.
Ambas as crenças estão baseadas no Ser: na existência de algo que precede
e excede todas as aparências, e que as permeia enquanto simultaneamente as
compromete. A imagem em movimento, emergindo na esteira do regime
diagramático, abre imediatamente outra trincheira. As culturas visuais que
precederam as tecnologias mecânicas da imagem ainda eram capazes de
propor que os objetos que criavam fossem inteiros e completos em si mesmos,
e como tal proporcionassem um encontro com a plenitude do Ser. Apesar de
todos os seus confrontos com a mortalidade, as grandes tradições visuais nunca
puseram em questão a integridade do mundo para si mesmo. Foi a fotografia
que despedaçou toda a plenitude dessa autoidentficação. Essa imagem estática
sempre foi claramente um fragmento apanhado de processos que a ultrapassavam.
Ela abraçava um mundo múltiplo, instável e conflituoso. Em retrospecto, era
inevitável que a fotografia viesse a gerar a imagem em movimento, uma vez que
sempre foi instável. Uma foto solicitava a companhia de outras. Sua profunda
incompletude não mais possuía o álibi dado pela existência de uma perfeita
Unidade Divina ausente da história. A imagem mecânica veio pela primeira vez
desfraldar o privilégio do Ser. Sob essa luz, parece correto que as religiões do Livro
se proponham a renunciar às imagens que destabilizam a unidade da existência.
O mártir busca, numa afronta aos mandamentos, fazer-se inteiro pela sua
re(a)presentação sob a luz do paraíso, do ser primordial, como instrumento de
uma Vontade que não a sua própria. Uma vez que, como toda representação, essa
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 29
Referências
ARENDT, Hanna. The Life of the Mind. New York: Harcourt, 1978.
ARRIGHI, Giovanni & SILVER, Beverly J. Silver (com Iftikhar Ahmad, Kenneth Barr, Shuji
Hisaeda, Po-keung Hui, Krishmendu Ray, Thomas Ehrlich Reifer, Miin-wen Shih e Eric
Slater). Chaos and Governance in the Modern World System. Minneapolis: University of Minnesota,
1999.
BARAD, Karen. Meeting the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entanglement of Matter and
Meaning. Durham NC: Duke University, 2007.
BRECHT, Bertolt. Brecht on Theatre. Nova York: Hill and Wang, 1964.
CASSIRER, Ernst. An Essay on Man: An Introduction to a Philosophy of Human Culture. Nova York:
Doubleday Anchor, 1944.
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1. O termo usado no artigo original remete aos sistemas conhecidos como Digital Rights
Management, usados para controlar direitos autorais de equipamentos e programas após sua
venda (incluindo técnicas com licenciamento restritivo e criptografia, entre outras formas
que visam controlar a pirataria) (n.t.).
36 cinema apesar da imagem
diferentes em que podemos pensar sobre este tipo de escassez, os quais concebem o
cinema como evento, como uma experiência irreprodutível ao invés de um objeto
reprodutível. A primeira é o cinema ao vivo, e o segundo é o cinema site-specific.
Em ambos casos, eu gostaria de arriscar a assertiva de que estas formas causam um
interesse especial, hoje, graças às formas a que eles recuam dos circuitos digitais
de disseminação. Em uma época de cópia e circulação sem precedentes, eles as
rejeitam tanto em favor da singularidade quanto do controle.
Condição ao vivo
O tema do programa deste ano do Festival de Curta-Metragens de
Oberhausen, “Memórias Não Podem Esperar: Filme sem Filme”, começou
com uma tela vazia. Nenhum celulóide correu pelo projetor; ao invés disso, a
luz foi transmitida sem intermediário, clara o suficiente para rebater e iluminar
parcialmente os rostos dos espectadores sentados. Rapidamente, membros da
audiência começaram a jogar bolas de papel amassado em direção ao projetor,
provocando sombras que apareciam na tela. Outros aderiram e aviões de papel
começaram a planar, com risos e conversas preenchendo a sala. Não estava claro
como isso tudo começou: nenhuma instrução tinha sido dada; presumivelmente
o curador havia plantado alguns indivíduos com conhecimento na plateia. Os
panfletos de filmes antigos que estavam sobre os assentos do auditório tomaram
o ar e voaram em direção ao vazio à frente. Na ausência da imagem, as atenções
estavam mais focadas na série de interações lúdicas entre espectadores que no jogo
de sombras. Quando a comoção arrefeceu, o programa seguiu com a próxima
escolha do curador. Nessa recriação coletiva de Hell’s Angels (1969), a performance
de cinema expandido concebida pelo cineasta austríaco Ernst Schmidt, Jr. e
dedicada a Howard Hughes, tinha terminado.
As práticas de cinema expandido dos anos 1960 e 1970 foram tema de
atenção curatorial e acadêmica significativa nos anos recentes, muita da qual
interrogou como esses trabalhos negociam as antípodas entre expansão intermeios
e especificidade reducionista. Para entender Hell’s Angels desta forma, é preciso
dizer que ela oferece o grau zero da exibição cinematográfica: projetor, tela,
público. Essa consideração tem relevância particular, hoje, enquanto o cinema
se transmuta e migra sob as pressões da digitalização. Mas parar aqui seria
negligenciar tratar um tema hipoteticamente mais central na obra de Schmidt,
e que desempenha um papel chave para contrabalançar o interesse intensificado
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2. Ver, por exemplo, Bart Testa, Back and Forth: Early Cinema and the Avant-Garde (Toronto: Art
Gallery of Ontario, 1992).
3. Narradores do cinema mudo japonês (n.t.).
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Especificidade do lugar
Especificidade do lugar é um conceito com uma história bastante longa na
prática artística, mas não tanto em cinema e vídeo. A seguir será explorada a noção
de cinema site specific, através de um estudo de caso: o cineasta experimental dos
EUA Gregory Markopoulos e seu sonho do Temenos. Nós poderíamos certamente
falar do relacionamento entre um filme e seu entorno, e poderíamos designar sua
situação (geralmente a sala de cinema) como uma situação de observação ideal ou
primária, mas na maioria dos casos nós também estamos bastante conscientes que
estas imagens podem e vão circular para além desta situação. Em seu texto de 1989,
Images in the New Media, Vilém Flusser enumera uma trajetória histórica que vê a
imagem como tendo se deslocado da locatividade absoluta (as cavernas de Lascaux),
através de crescente transportabilidade (pinturas e painéis de madeira), para um
telos de “imagens descorporificadas”, “‘puras’ superfícies” (FLUSSER, 2002, p. 70).
Flusser escreve, fotografias “e filmes são fenômenos de transição em algum lugar entre
as telas emolduradas e as imagem descorporificadas. Há, entretanto, uma tendência
ambígua: imagens vão se tornar progressivamente mais portáteis e os endereçados
cada vez mais imóveis” (ibid.). A era contemporânea tem visto fotografias e filmes
se apoiar mais nas “imagens descorporificadas” que os sucederam que de volta nas
telas que os precederam, conforme as formas digitais de reprodutibilidade vêm
permitindo formas sem precedentes de mobilidade da imagem.
Como mencionei antes, um investimento nas possibilidades da distribuição
em massa atravessa com força a história do cinema de vanguarda. Mas, na figura
de Gregory Markopoulos e seu sonho do Temenos, confronta-se o contrário. Na
Grécia Antiga, o Temenos era um pomar sagrado restrito aos usos cotidianos;
para Markopoulos, ele designava um lugar de exibição absolutamente ideal que
surgiria apenas no futuro. Não existe, talvez, qualquer outra figura na história do
cinema que tenha recusado tão ardentemente as possibilidades de circulação do
meio. Para Markopoulos, a “pequena utopia” da distribuição de Celant era uma
distopia que o induziu a inventar uma maneira de assegurar o controle absoluto
sobre sua obra e suas condições de exibição. Markopoulos foi uma das figuras
mais proeminentes do Novo Cinema Americano antes de partir para a Europa em
1968 e tirar seus filmes de circulação em 1971. A partir de então, ele raramente os
mostrou em público, sobrevivendo de patrocínio privado. Ele estava furioso com o
que via como um tratamento inadequado que seus filmes recebiam.
Em um estado de quase-invisibilidade, ele nutriu o sonho do Temenos, que
substituiria arquivos de filme e cinematecas estabelecidos, assumindo um mandato
44 cinema apesar da imagem
Robert Smithson produziu plantas não realizadas para construir salas de cinema
subterrâneas com relações intrínsecas com os filmes a serem exibidos nelas.
Smithson imaginou que Spiral Jetty (1970) seria mostrado em um museu construído
com esta finalidade perto do Golden Spike National Historic Site, em Utah,
dentro de uma sala que o espectador acessaria através de uma escada em espiral;
Towards the Development of a Cinema Cavern (1971) joga com um chiste no “cinema
underground”, criando o diagrama de uma caverna-cinema que exibiria apenas
um filme sobre a construção do espaço. Mas onde Smithson ludicamente interroga
a especificidade de sítio e a dialética de lugar/não-lugar, para Markopoulos o
Temenos era uma questão da máxima seriedade. Não era uma aposta conceitual,
mas algo necessário para a proteção da obra, que Markopoulos entendia como
uma extensão de seu próprio ser. Monumento e fortaleza ao mesmo tempo, não
se tratava de uma forma bem humorada de crítica institucional.
Também é possível apontar 2’45” (1972), de William Raban, ou Screening
Room (1968-), de Morgan Fisher, ambos necessitando serem refeitos novamente
a cada vez que são mostrados em um novo lugar. Estes dois filmes registram a
história de sua própria produção: eles são filmados e exibidos no mesmo espaço,
embaralhando a atualidade material da exibição e a virtualidade ilusionista da
imagem representada. Nestes casos, aventura-se no domínio da singularidade
interativa do cinema ao vivo. Os planos de Markopoulos para Eniaios, por
contraste, não são de forma alguma amarrados à produção de diferença através
da repetição. Ao contrário, Markopoulos concebeu Temenos como um espaço
atemporal. Ele é, portanto, marcado pela negação aguda da efemeridade do evento
cinemático tão central para as explorações de Raban e Fisher da especificidade
de sítio cinemática.
A especificidade de sítio é um paradigma espacial, mas no caso das exibições
de Eniaios em Temenos, a categoria temporal do evento permanece central. É
possível visitar Double Negative (1969), de Michael Heizer, em qualquer dia do ano,
sem que qualquer momento em particular seja melhor que outro. Por contraste,
Eniaios é acessível por apenas três dias a cada quatro anos, e mesmo então o
que é tornado disponível é aproximadamente um oitavo da obra. A cooperação
entre diferentes tipos de raridade – assistir à única cópia, de uma filme nunca
mostrado antes, no único lugar onde ele deve ser mostrado – empresta às exibições
de Temenos uma aura especial. Como os peregrinos que viajaram para visitar a
Asclepeia ancestral, a maioria dos espectadores que compareceram às exibições
posteriores a 2004 viaja uma distância considerável para chegar a Temenos.
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* * *
Ao postular o cinema como evento, estes projetos asseguram ao espectador
uma forma de experiência incomum em nosso momento contemporâneo,
baseada no encontro público face a face com uma obra em seu formato original,
com frequência usando estratégias que seriam difíceis ou mesmo impossíveis de
reproduzir em uma situação doméstica, digital. Elas rompem com a recepção
distraída de imagens para canalizar atenção e oferecer experiência em alta
definição – não no sentido do nível quase forense de detalhe oferecido pelas
tecnologias de imagem digital, mas no sentido de Marshall McLuhan na forma
como as mídias quentes proporcionam “um estado de estar satisfatoriamente
preenchido com dados” (MCLUHAN, 2003, p. 39). A mídia quente é uma forma
de exclusão, algo que inunda os sentidos do espectador e nada demanda em
troca. O filme já era uma mídia quente para McLuhan – mas aqui encontramos
organizações do meio que demonstram um investimento distinto em tornar esta
mídia quente ainda mais quente, em uma época em que as mídias supostamente
esfriaram como um todo. Estas não são formas maleáveis, participativas, em que
é possível se engajar quando se deseja, mas, ao contrário, usos da imagem em
movimento que buscam oferecer uma experiência mais forte, pura, contemplativa
de mídias bastante diferente da interatividade distraída da maioria das situações
contemporâneas de exibição, inclusive museus e galerias. Além de prometer uma
ruptura da experiência cotidiana das imagens em movimento, tais obras também
podem permitir um nível significativamente maior de controle autoral em uma
época em que isto está cada vez mais ameaçado.
Talvez o termo chave para entender o que está em jogo em tudo isso seja
autenticidade. Tomado do museu e da degustação da arte, autenticidade é um
conceito polêmico do século 19 que procura reviver um sentido pleno e um
estado desalienado de ser, num momento em que a secularização crescente e a
industrialização dispararam uma crise dos absolutos. Na ausência do transcendente
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imagem digital que está associada à cópia. Um evento como o Temenos se apoia
nesta recém-descoberta aliança entre filme fotoquímico e autenticidade, ancorando
a autenticidade através de noções de peregrinação, escassez e integridade artística.
Mas vale a pena observar o caráter supremamente contraditório da autenticidade:
sua perda é velada como parte do que Boltanski e Chiapello designam crítica
artística do capitalismo; ela é valorizada como algo que se mantém como
resistência contra a total colonização de todos os aspectos da vida pelo princípio
de troca. Mas, como parte do que eles chamam de crítica social do capitalismo – a
objeção à desigualdade e egoísmo do interesse privado –, o apego ao autêntico
é desprezado por sua natureza classista (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005,
p. 37). Afinal de contas a autenticidade pode ser facilmente entendida como um
impulso reacionário que busca valorizar o estado das coisas às custas da novidade
– e de quaisquer promessas de democratização e mudança positiva que ela possa
trazer. É importante manter ambos os aspectos da autenticidade em mente ao
analisar as obras discutidas aqui. E também é importante reconhecer que estes
diferentes entendimentos da autenticidade não são mutuamente excludentes, mas
podem operar totalmente em arranjo um com outro.
Notavelmente, vários teóricos proeminentes das novas mídias e do ativismo
digital propuseram que, atualmente, formas de deserção ou retraimento figuram
como modos privilegiados de (não)engajamento. No âmbito do regime dominante
de circulação em rede e vigilância, emerge um imperativo de escapar da captura
e pavimentar rotas de circulação. Irving Goh escreveu que o “imperativo para
pensar este ‘direito de desaparecer’ não pode ser mais atemporal hoje, devido ao
claustrofóbico aperfeiçoamento das políticas e arquitetura de uma aterrorizante paz
e segurança do século XXI” (GOH, 2006, p. 99-100). Alex Galloway elabora:
Ao invés da politização do tempo ou do espaço, estamos testemunhando um aumento
na politização de temas orientados à ausência e presença, tais como invisibilidade,
opacidade, e anonimato, ou o relacionamento entre identificação e legibilidade, ou
táticas de inexistência e desaparecimento (GALLOWAY, 2011, p. 246-247).
Referências
BENJAMIN, Walter. “The Work of Art in the Age of Its Technological Reproducibility (Second
Version)”, in EILAND, H. & JENNINGS, M. (eds) Selected Writings, Volume 3, 1935–1938.
Cambridge: Harvard University, 2002.
BLAS, Zach. “Contra-internet Aesthetics”, in KHOLEIF, Omar (ed.) You Are Here: Art After the
internet. Manchester: Cornerhouse and SPACE, 2014.
BOLTANSKI, Luc & CHIAPELLO, Ève. The New Spirit of Capitalism. Londres: Verso, 2005.
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Fondazione Prada, 2012.
52 cinema apesar da imagem
DOANE, Mary Ann. “Information, Crisis, Catastrophe”, in LANDY, M. (ed.) The Historical
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GALLOWAY, Alexander. “Black Box, Black Bloc”, in NOYS, B. (ed.) Communization and its
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Watson: Minor Compositions, 2011.
GILMORE, James H. & PINE, Joseph. Authenticity: What Consumers Really Want. Cambridge:
Harvard Business School, 2007.
KRAUSS, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. Cambridge:
MIT, 1986.
MCLUHAN, Marshall. Understanding Media: The Extensions of Man. Corte Madera: Gingko,
2003.
REYNOLDS, Lucy. “Wayward Canyons and Sacred Spaces: New Forms of Cinephilia in
Artists’ Moving Image”, Millennium Film Journal 59, Primavera de 2014.
máquinas do tempo
bruno vianna
elementos: a lua, roda que gira continuamente, alimentada por uma manivela
ou motor; e a estrela, que a cada volta da lua avança um quarto de círculo. Entre
um avanço e outro, o dente fica 1/48 segundo parado, permitindo congelar um
instante – que não é mínimo, como se nota pelos artefatos de motion blur, mas que
permite criar esses pedaços discretos de tempo (BICKFORD, 1972).
e CMOS, a imagem não se forma de uma vez só, e sim linha a linha. Assim,
um fotograma representa um conjunto de momentos – cada um em uma linha,
tendendo a uma representação em uma dimensão espacial e outra temporal
(CUBITT, 2014, p. 246-253).
Num momento histórico em que as verdades absolutas são questionáveis,
onde os formatos de filmes e suportes da arte fazem cada vez menos sentido,
podemos também sonhar com uma imagem em movimento onde o tempo volte
a ser contínuo? Livres de metrônomos que ditam instantes de uma duração
arbitrária, e das linhas que limitam o quadro, que representações surgirão? Um
cinema do que está por vir deverá necessariamente transbordar dos confinamentos
espaciais e temporais do fotograma.
Referências
CLEGG, Brian. The Man Who Stopped Time: The Illuminating Story of Eadweard Muybridge:
Pioneer Photographer, Father of the Motion Picture, Murderer. EUA: Joseph Henry, 2007.
BICKFORD, John H. Mechanisms for intermittent motion. Nova York: Industrial Press, 1972.
Disponível em: <http://ebooks.library.cornell.edu/k/kmoddl/pdf/002_010.pdf>. Acesso em:
22/01/2015.
Os gatekeepers invisíveis
As distribuidoras de filme agem como gatekeepers, separando produtores do
seu público potencial e em última instância moldando a nossa percepção da(s)
cultura(s) cinematográfica(s). Isso não quer dizer que formadores de opinião
como críticos, jornalistas, historiadores, espectadores e acadêmicos não atuem
no processo de formação daquilo que entendemos como um legado fílmico. Em
verdade, diversos agentes são capazes de contribuir para aquilo que constitui
o cânone cinematográfico. Não obstante, todos os juízos de qualidade e valor
sobre determinados filmes são em última instância restritos aos filmes que foram
realizados, e mais especificamente aqueles que tiveram a fortuna de conseguir
um contrato de distribuição. Como colocado de maneira eloquente por Julia
Knight e Peter Thomas, a distribuição é “o elo em grande medida invisível” entre
produção e exibição, que até agora atraiu pouco interesse acadêmico (2008, p.
354). Considerando a influência que as distribuidoras podem ter na definição de
quais filmes são vistos, onde, quando e por quem, a falta de um corpus coerente
sobre a área é ao mesmo tempo surpreendente e digna de resposta.
Com isso, não buscamos sugerir que a distribuição cinematográfica não
tenha sido objeto de investigação acadêmica, mas sim que tais intervenções
no estudo da disseminação de filmes tenham sido visões parciais, que focavam
certos aspectos da indústria cinematográfica enquanto acabavam negligenciando
outros.1 Já houve, por exemplo, importantes pesquisas sobre o modo como
Hollywood manteve sua posição privilegiada na indústria cinematográfica por
meio do poder que exerce sobre os canais de distribuição. Como apontado por
Toby Miller et.al., os grandes estúdios e as maiores produtoras independentes
mantêm controle sobre a indústria cinematográfica global negociando dinâmicas
de exibição com distribuidoras associadas, de modo que um terço dos custos de
produção seja coberto independentemente do sucesso que um filme venha ou não
a fazer nas bilheterias (2004, p. 296). De fato, é a integração vertical do sistema
de Hollywood – segundo a qual toda produção, distribuição e exibição dos filmes
são operacionalizadas por um mesmo conjunto de corporações multinacionais
– que permite aos estúdios americanos manterem seu domínio sobre a indústria
cinematográfica global. De acordo com o economista da comunicação Gillian
Doyle, essa é uma das principais razões pelas quais realizadores independentes
têm problema para conseguir exibir seus filmes (2002, p. 113).
1. Para uma discussão detalhada dessa questão, ver o trabalho de Alisa Perren (2013)
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 65
2. Essas distribuidoras são (em ordem de predominância porcentual): Warner Bros, 20th
Century Fox, Paramount, Walt Disney, Universal, Sony Pictures, One Films, Lions Gate,
Entertainment e Optimum.
66 cinema apesar da imagem
do filme aos espectadores. Por vezes, elas definem “quem será capaz de ver
filmes, em quais circunstâncias, e por quê” (Lobato, 2007, p. 113). Nesse sentido,
parece necessário explorar a fundo o que a distribuição implicaria no contexto da
indústria cinematográfica global.
Também não podemos ignorar que, atualmente, o significado de
“distribuição” está sendo desestabilizado e contestado por práticas informais em
todo o mundo: desde a falsificação de DVDs que são negociados em mercados
de rua, até o compartilhamento de arquivos de filmes nas redes. Embora se
diga que todas essas atividades ameaçam a saúde e a rentabilidade da indústria
cinematográfica, ainda mais significativo é o questionamento que elas levantam
sobre o que efetivamente constitui a distribuição de filmes e quem podemos
identificar como distribuidores. Ainda que Hollywood permaneça de certa forma
dominante, o seu controle sobre a circulação de filmes já não é, e quiçá nunca
tenha sido, absoluto. Cubitt aponta, por exemplo, para o fato de que fluxos
alternativos de distribuição, operados por comunidades de fãs, organizações
voluntárias e diásporas, tenham existido junto ao “mercado” da mídia de massa
por algum tempo (2005, p. 207). Dina Iordanova, por sua vez, coloca em questão
o domínio de Hollywood sobre o mercado cinematográfico global, sugerindo que
filmes mais “periféricos” estejam sendo realizados e assistidos devido ao crescente
predomínio de canais de distribuição alternativos (2010, p. 24). Iordanova sugere
que “na maior parte dos casos, se enfoca um único canal de distribuição que,
por motivos de conveniência, é removido de seu contexto complexo” (Iordanova,
2010, p. 25). Isso resulta numa visão limitada de uma ecologia de distribuição
mais ampla. Ela argumenta que precisamos parar de olhar para os canais de
distribuição como entidades discretas, se queremos formar um quadro total de
como os filmes circulam transnacionalmente.
Essa é uma convocatória importante, mas que ainda não foi universalmente
abraçada pelos estudos críticos a respeito de distribuição cinematográfica. Uma
notável exceção é o livro Film Cultures (2002), de Janet Harbord, que fornece
um exame detalhado dos lugares de distribuição, exibição, competição oficial e
marketing, onde a autora sugere que o valor do filme seja criado. Entretanto,
ainda que evite as armadilhas que preocupam Iordanova, o trabalho de Harbord
não considera métodos de disseminação que existem fora dos lugares formais
sancionados pela indústria cinematográfica (i.e. pirataria). Um estudo que se
dispõe a romper essa fronteira é o artigo de Janet Wasko no livro The New Media
Book, de 2002, onde se discute distribuição tradicional, pirataria, e novas formas
68 cinema apesar da imagem
de distribuição digital. Wasko aponta que, por mais que a tecnologia esteja se
transformando rapidamente, ainda é incerto qual será o futuro da distribuição e
da exibição digitais (2002, p. 195). Mais de uma década depois, a situação ainda
parece indefinida.
Nesse contexto de transformações digitais, numa era em que as fronteiras
entre produtores, distribuidores e consumidores estão se tornando borradas, o
que podemos dizer que seja a distribuição de filmes, e como podemos definir o
que são as distribuidoras? Em termos gerais, a distribuição cinematográfica pode
ser compreendida como o espaço entre produção e exibição, onde são realizadas
negociações de modo a assegurar o lançamento de um filme nas salas de cinema
e/ou organizar o lançamento de cópias físicas do filme para o consumidor final,
seja em DVD ou, mais recentemente, Blu-Ray. Não obstante, essa definição
preliminar só dá conta de uma parte da história. Ainda que uma compreensão
cotidiana da distribuição cinematográfica automaticamente traga à nossa mente
as companhias que operam num determinado filão da indústria, uma definição
mais crítica precisa examinar uma gama de outras atividades às quais o termo
pode ser aplicado. A situação suscita uma questão: deveria o termo “distribuição
cinematográfica” se referir especificamente a um ramo específico da indústria, ou
seria ele capaz de descrever todos os processos pelos quais um filme é disseminado
ao redor do mundo?
Em resposta, gostaria de propor que a distribuição cinematográfica é mais
do que um elo numa cadeia institucional que facilita a remessa de produtos dos
produtores aos consumidores. Além disso, do mesmo modo que a exibição de
filmes compreende muito mais do que simplesmente a projeção do último blockbuster
em um multiplex local, a distribuição precisa ser encarada como uma atividade
múltipla dentro da própria indústria cinematográfica. A distribuição comercial
pode incluir, sem necessariamente ser reduzida a, a atividade de pequenos
comerciantes; companhias independentes; distribuidoras “independentes”
semiautônomas, ligadas aos grandes estúdios; distribuidoras que, mesmo depois
de serem adquiridas por grandes corporações, continuam a fazer comércio sob sua
própria marca; e os ramos de distribuição dos próprios estúdios hollywoodianos.
Mas a distribuição não constitui apenas uma atividade profissional e comercial.
Se levamos em conta todos os modos como os filmes circulam globalmente, então
o foco nas companhias distribuidoras só será capaz de contar parte da história. A
distribuição também é facilitada por uma diversidade de redes alternativas que se
prestam à circulação de cópias tanto físicas quanto virtuais de filmes por todo o
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 69
mundo. Tais redes podem incluir a pirataria global organizada de DVDs; as redes
de compartilhamento de arquivos; a troca de DVDs em cineclubes; e mesmo o
empréstimo entre amigos. Ainda que todas essas atividades possam se enquadrar
sob a rubrica de “distribuição”, elas constituem atividades extremamente diversas
que precisam ser tratadas como entidades distintas, mesmo que interconectadas.
Decidir quais termos podem descrever de maneira adequada a natureza
de certos tipos de distribuição não é uma tarefa simples. Qual expressão poderia
ser utilizada para descrever aqueles agentes que compram os direitos de filmes
estrangeiros como parte de seu trabalho numa companhia de distribuição
cinematográfica profissional e comercialmente reconhecida? De certa maneira,
o termo comercial parece apropriado, mas ele também pode implicar que essa
atividade visaria principalmente ao lucro – uma ideia que poderia ser debatida. Nesse
sentido, o termo profissional pode ser uma alternativa, a menos que consideremos
seu antônimo natural, o amador. Embora eu mesma já tenha utilizado a expressão
“profissional” para produzir uma aliteração com a palavra “piratas” no título de meu
livro, existem diversos motivos para rejeitar o termo. Em primeiro lugar, porque ele
implica que quem quer que esteja do outro lado da moeda seria um não-profissional,
que realiza um trabalho inferior. Esse artigo (bem como minha pesquisa como um
todo) busca evitar a armadilha de posicionar as pessoas engajadas voluntariamente
em práticas de distribuição on-line como se fossem menos informadas do que aquelas
que recebem algum tipo de pagamento por essa tarefa.
Além disso, reforçar um contraste entre práticas “profissionais” e “amadoras”
é problemático. Assim como “fã”, um termo que nunca “escapou completamente
de suas primeiras conotações, ligadas ao fanatismo religioso e político, às falsas
crenças, aos excessos bacânticos, possessão e loucura” (JENKINS, 1992, p. 12), a
palavra “amador” é popularmente compreendida de maneira pejorativa. Diferente
do aficionado e do connoisseur, o amador é frequentemente considerado alguém que,
por definição, não é bom o bastante para ser um profissional – afinal, uma pessoa
com bastante conhecimento e perícia num determinado campo deveria estar
ganhando alguma recompensa financeira por isso, certo? Finalmente, a dicotomia
entre profissionais e amadores situa a discussão numa dimensão essencialmente
financeira. Em outras palavras, a opção por esses termos nos leva a compreender
a atividade das distribuidoras primeiramente em relação à remuneração que elas
recebem por seu trabalho – uma classificação que valeria a pena evitar.
Considerando o peso atrelado aos termos supracitados, poderíamos preferir
uma distinção entre modos de distribuição “formais” e “informais”, baseada
70 cinema apesar da imagem
3. Leeching é um termo comumente utilizado para alguém que baixa um arquivo de uma
rede p2p mas opta por não continuar compartilhando-o com outros usuários ao fim desse
processo. Vários softwares p2p possuem opções que permitem ao usuário definir se os
arquivos que estão no seu próprio computador serão disponibilizados aos outros. Nesse
sentido, os indíviduos que baixam arquivos de fóruns de compartilhamento não estão
automaticamente nem tecnologicamente obrigados a compartilhar esses arquivos com a
comunidade. Para vários grupos, o leeching é considerado um comportamento antissocial.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 73
Conclusão
Harbord sugere que “fora do cinema, o filme vem embrulhado em celofane
e empacotado em uma caixa plástica” (2007, p. 127) – mas basta que ele tenha
escapado do cinema e se objetificado na forma de uma propriedade tangível
para que o filme venha novamente a evaporar, ser reduzido a um arquivo, uma
codificação, a dados digitais que se proliferam em diversos formatos. O que
Harbord salienta é que “a busca pela ontologia do filme, as características do seu
modo de existência fundamental, é um exercício inútil” (2007, p. 144). Por isso,
talvez não devêssemos estar procurando pelo que é fundamental ou essencial,
mas sim contribuindo para um projeto mais amplo, capaz de examinar como
o filme está se expandindo e proliferando por novos espaços e assumindo novas
modalidades. Por mais que o esforço de “definir” o filme de uma vez por todas
possa ser em vão, o mapeamento de sua jornada e de suas trajetórias por novas
esferas não precisa ser. Como sugerido por Harbord, “atualmente, o método para
elaborar o paradigma acerca do que o filme faz deve ser um método aditivo, um
‘também’ e um ‘e’” (2007, p. 144). Nesse sentido, este artigo buscou examinar
alguns dos diversos modos pelos quais o filme circula, bem como o papel de
diversos indivíduos e grupos envolvidos nesse processo. Ao fazê-lo, eu defendi que,
da mesma forma que nossa definição de “filme”, nossa definição de “distribuição”
76 cinema apesar da imagem
também precisa ser expandida. Precisamos nos afastar dos significados que
dependem de dicotomias como legal/ilegal, profissional/amador, e mesmo
formal/informal. Em vez de aceitar as oposições implícitas em nossa terminologia
binária, precisamos produzir um léxico sobre as práticas de distribuição capaz de
capturar o “também” e o “e” ao qual Harbord se refere.
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formalidades da circulação
informal de cinema e os grupos
torrent cinéfilos
angela m. meili
pelos mais diversos agentes, também depende que o público se aproprie dessa
malha. Apropriar, no sentido da palavra, é fazer próprio, fazer do seu jeito.
Pegar uma ferramenta, linguagem ou solução tecnológica e utilizar para uma
função específica ou, ainda, produzir novos recursos a partir dos existentes. Há
várias formas de apropriação para cada tecnologia, que podem ser previstas
pelos seus criadores ou podem ser imprevisíveis, inovadoras. Pode-se dizer que
a maleabilidade do software possibilita que as tecnologias digitais sejam objetos
facilmente apropriáveis.
A apropriação, portanto, sempre vai gerar arranjos particulares, de modo
que, conforme nos lembra Schäfer (2011), toda função tecnológica tem também
um significado contextual. A tecnologia, sendo um nível abstrato de conhecimento,
é composta por elementos, níveis também abstratos, de possíveis relações e
automatismos entre forças, materiais, componentes e mecanismos lógicos, que,
unidos funcionalmente, em determinado momento e cadeia relacional, compõem
um aparelho, um objeto, uma individuação técnica (SIMONDON, 1980). Assim, o
conhecimento técnico e a atividade do operante garantem relativa autonomia no
domínio das ferramentas; ao mesmo tempo em que os automatismos encadeados
em certos processos e interfaces limitam a sua agência.
As muitas formas de apropriações tecnológicas alimentam a economia
de bens informacionais e tecnológicos, bem como desesta-bilizam os regimes
de propriedade intelectual (BENTLY, DAVIS e GINSBURG, 2010), gerando
circuitos marginais que, ao satisfazerem demandas, forçam o sistema econômico
a aceitá-las, convivendo com elas ou até mesmo incorporando-as. Nesse sentido
pode-se pensar na “guerra contra a pirataria” como uma causa perdida, pois o
cenário se desenvolve, conforme aponta Cox (2012, p. 10), tal qual uma corrida
de gato e rato, onde os agentes informais semprem encontram novas formas de
funcionar e desempenham um papel tão importante a ponto de desestabilizar
indústrias antigamente estabelecidas, modelos de negócio predominantes, sistemas
jurídicos e componentes culturais, simbólicos e linguísticos, além de alterarem
drasticamente o perfil do público. Tudo isso também interfere na produção de
novos modelos econômicos, estabelecendo relações entre o formal e o informal1.
De acordo com Chéneau-Loquay (2011), a informalidade tem sucesso justamente
devido à sua proximidade com os consumidores, pois, além de tornar o consumo
viável/acessível, também consegue se adaptar mais facilmente às suas necessidades,
tendendo a uma especialização maior dos conteúdos e recursos em relação aos
consumidores e às circunstâncias de consumo.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 83
coordenam a distribuição, dizendo para cada peer onde está cada pedaço que deve
ser descarregado primeiro. Apesar de o mais comum ser cada torrent utilizar um
tracker, pode acontecer de cada torrent ter mais de um tracker (multitracking) e, ainda,
há casos de torrents sem um tracker central, estando essa função também distribuída
entre os peers, em sistemas ainda mais descentralizados (distributed hash table).
Normalmente, um tracker está vinculado a um indexador, mas não
necessariamente. A indexação dos arquivos de torrent (busca, ordenação e
armazenamento) ocorre de maneira independente ao tracker. A busca por torrents
pode ser feita em sites que oferecem o arquivo, em sites que promovem apenas
a busca entre os inexadores (metasearch), em alguns clientes BitTorrent, como o
Tribler e o BitComet e, ainda, via RSS Feed (broadcatching).
Os sites indexadores de torrent são bancos de dados acessíveis via navegador, em
que os arquivos podem ser obtidos. Eles consistem em uma estrutura informacional
que hospeda arquivos. Identificamos quatro tipos básicos de sites indexadores:
• abertos: não exigem senha ou registro; possuem conteúdo genérico, abrangendo
diversas categorias; não controlam a participação do usuário.
• privados: exigem registro, que pode ser feito apenas por meio de convites;
possuem conteúdo mais especializado; controlam a participação do usuário.
• indexadores de outros sites: agregam conteúdo de sites abertos e permitem a busca
em suas bases de dados.
• verificadores: indexam arquivos verificados provenientes de diversos sites abertos.
5. Protocolo de comunicação específico para chat que era predomindante na rede entre o
final dos anos 1990 e início dos anos 2000.
88 cinema apesar da imagem
6. Pois, tanto para contribuir, quanto para baixar, é necessário saber usar o fórum/site – postar,
navegar, buscar, etc. –, saber usar a tecnologia BitTorrent, além de ter um conhecimento
sobre formatos e codificadores de vídeo, já que muitos GTPs categorizam ou selecionam
seus conteúdos a partir dessa especificação.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 89
no site não eram encontrados na Amazon7, o que nos leva a supor que o
acesso legal a filmes nacionais também é restrito em diversos outros meios.
Necessidade que acaba sendo suprida pelo GTC.
10. Filmes com o personagem Batman, da série Emanuelle, qualquer um de “Os Trapalhões”,
da série Star Trek, com os atores Steven Seagal, Sylvester Stallone, Chuck Norris, Eddie
Murphy, Chevy Chase, John Candy, Arnold Schwarzenegger ou dirigidos por Radley
Metzger.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 93
Esclarecendo as cibercinefilias
Pode-se dizer que as novas ou cibercinefilias, a partir das redes massivas de
compartilhamento informal, promovem uma reinterpretação sobre a centralidade
de Hollywood, que se dissolve e deixa entrever cinemas de fontes heterogêneas.
A tendência transnacional do circuito informacional coincide com a própria
multiplicidade cultural das produções cinematográficas; essa complexidade
permite um movimento de desconstrução de uma série de dicotomias
tradicionalmente aceitas, como oriente e ocidente, norte e sul, desenvolvido e
subdesenvolvido, comércio e arte, local e global (NAGIB, 2006).
A cinefilia é o resgate da aura artística do cinema, um fenômeno de bases
industriais e tecnológicas, que tem a reprodutibilidade mecânica como elemento
fundamental da experiência estética (ALMEIDA, 2011). Se a aura benjaminiana
fora definida pela sacralidade e irreprodutibilidade da obra, sua crítica à reprodução
mecânica apontou, justamente, para o esvaziamento dessa aura. Se projetássemos
esse raciocínio para a era da reprodutibilidade imaterial, concluiríamos que, nesse
período, a aura chegaria a um esvaziamento quase pleno, haja vista o volume,
facilidade, banalização e similaridade da cópia (na era digital, a cópia é idêntica
ao original, sem distinções). Todavia, curiosamente, notamos, que os objetos
ganham novas roupagens auráticas nos meios digitais, através dos cultos e ritos,
mediados por emaranhados técnicos e interações que criam zonas privilegiadas
de troca em redes subterrâneas, onde, conforme observamos na análise do grupo
MKO, bem como de outros GTPs, a apreciação e devoção ao cinema ressurgem
com grande força.
As cibercinefilias oferecem um framing para conceituar o cinema a partir de
suas próprias definições: o cinema-arte, a cultura do cinema (PRYSTHON, 2013),
cujo significado ultrapassa o consumo efêmero, reproduzindo um objeto que se
eterniza em constante multiplicação. Essa definição delineia um entendimento
específico e é coerente com as suas diversas possibilidades de circulação e
experiência nos suportes digitais.
A necessidade e o interesse em preservar e dar acesso a bens culturais
transpõem as barreiras do discurso jurídico ou da ética econômica, nos quais
a circulação informal costuma ser enquadrada, em nome de uma outra ética
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 95
do que fica e do que sai. Como lembra Derrida (1998), a estrutura técnica e o
propósito social dos arquivos determinam a relação dos bens simbólicos com o
futuro, pois registrar e catalogar informações sobre o passado interfere diretamente
na memória cultural, ou seja, no entendimento e, consequentemente, na própria
produção desse futuro.
Considerações Finais
Se a declaração de Susan Sontag no jornal New York Times, em 1996, sobre o
fim ou a morte do cinema provocou muitas reações (favoráveis ou contrárias), não
devemos esquecer que a autora deixou entrever, conforme lembra Almeida (2011),
uma fagulha de esperança para o meio, ao entender que ele ainda poderia ser
resgatado (salvo) por um novo tipo de amor cinematográfico. Acreditamos poder
pensar nas novas cinefilias da era digital como uma evidência da renovação de amor
pelo cinema que ultrapassa barreiras geográficas e centralidades enunciativas;
como aponta Prysthon (2013), a cibercinefilia não redefine drasticamente a noção
original de cinefilia, mas é uma reconfiguração de suportes para uma série de
práticas cinéfilas.
A internet permitiu que cinematografias especializadas deixassem de habitar
somente as salas das grandes metrópoles. As novas gerações, a partir de locais
periféricos, reivindicam a experiência cinéfila, promovendo a distribuição de
filmes por conta própria, constituindo redes alimentadas por diversas fontes e
referências, capazes de conectar microrregiões artísticas.
As práticas cinéfilas incluem, sobretudo, a própria distribuição dos filmes,
que ocorre em plataformas – especialmente os GTPs – dotadas de alto grau de
organização e formalidade. Nesse sentido, ainda que seja uma circulação informal,
por ocorrer paralelamente às instituições, fora dos seus processos burocráticos e
regulamentações, ao olharmos atentamente para o modo como essas plataformas
se constituem, notamos uma série de formalidades, acordos simbólicos, diretrizes,
procedimentos e códigos, que resultam em uma estrutura participativa que acaba
por institucionalizar o espaço informal. Os Grupos de Torrent Cinéfilos funcionam
como núcleos curatoriais, centros de distribuição de cinema, cuja informalidade
não contradiz a ideia de ordem.
Ainda que pensar em formalidades da circulação informal pareça um paradoxo,
notamos que, quando cada ponto conecta o outro e pode tanto emitir quanto
receber a informação, ao mesmo tempo, ocorrem influências potencialmente mais
heterogêneas na dinâmica de circulação de mensagens, de elaboração de formas
e códigos. Através da interface, o banco de dados é alimentado por cada ponto da
interação e assume um número variado de formas. É justamente o diálogo entre
98 cinema apesar da imagem
as formas que permite com que tanto as redes de circulação informal quanto as
redes formais misturem-se a ponto de, progressivamente, terem difícil distinção.
Os Grupos de Torrent Privados, como notamos, apresentam-se bem
estruturados e é esse trabalho um constructo digital, um ente composto de
caracteres, símbolos, significantes culturais, arranjos de sentido, códigos e
estruturas lógicas. Um material-digital (op. cit) produzido a partir de múltiplas
interações e investimentos pessoais, de abstrações conceituais e realizações.
Conforme sugere Goldsmiths (2015), um processo de aquisição, catalogação e
arquivamento dos artefatos culturais pode consumir muito mais o nosso tempo
do que a própria fruição destes, de maneira que os modos de arquivamento atuais
são bens culturais tão interessantes quanto os próprios artefatos (nas palavras do
autor, hoje, é preferível a garrafa ao vinho).
Um outro aspecto aparentemente paradoxal que observamos no fenômeno
é a articulação entre uma postura de disseminação da informação, própria do file
sharer, e o desenvolvimento de ambientes/plataformas exclusivos e controlados, que
selecionam rigorosamente o material disponibilizado e o público. É interessante
observar que essas aparentes oposições (acesso vs. privilégio) aparecem arranjadas
dentro do discurso e da ética pirata presente nos GTPs e GTCs.
Abrimos, aqui, um parênteses para mencionar que Lobato (2014) já
apontou para dois paradoxos importantes no estudo da pirataria, resultantes da
própria natureza do termo pirata: a) a expressão deriva de um campo semântico
produzido pela própria centralidade ideológica da propriedade intelectual, que,
ao ser desconstruída; acaba esvaziando o próprio sentido do termo; b) a pirataria
refere-se a uma diversidade tão grande de práticas que impedem uma identidade
comum; tanta diversidade torna praticamente impossível a aplicabilidade do
termo pirataria, que, por apontar para tantas coisas diferentes, acaba por não
apontar para nada.
O que constatamos com o nosso trabalho é que o fenômeno da circulação
informal pode, ainda, acrescentar novos paradoxos à discussão do tema, que
desafiam a pensar a cultura contemporânea: a formalidade da circulação informal e
a ideia de exclusividade/privilégio dentro da cultura colaborativa, que é baseada no acesso
e na democratização da informação. Percebemos, nessas aparentes contradições,
o constante rearranjo e articulação de imaginários e de práticas altamente
dinâmicas, que se dão em um universo onde essas dicotomias não aparecem em
oposição mas sim manifestam uma tendência ao hibridismo, elemento importante
para a compreensão das práticas comunicacionais contemporâneas.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 99
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entre a formalidade e a
informalidade: pirataria e distribuição
cinematográfica no méxico
stefania haritou
tradução gabriel menotti
1. De acordo com a mesma fonte, em 2007, apenas 70 longas mexicanos foram produzidos e,
desses, apenas 43 foram exibidos em cinemas.
2. Larroa e Gómez García explicam que, a partir do começo dos anos 1990, “o modelo de
livre mercado transformou a indústria cinematográfica Mexicana, reduzindo a intervenção
do Estado na economia, liberando o comércio e privatizando as companhias públicas.
Eventualmente, esses processos levaram à predominância das companhias transnacionais
no país” (2011, p. 848)
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 107
Informalidade e Ubiquidade
No México, a pirataria é considerada parte de uma economia informal
dinâmica e altamente organizada (CROSS, 1998, 2011), representada
principalmente pelos vendedores de rua. De acordo com o relato de John
Cross, essa “informalidade é ‘causada’ pela incapacidade dos indivíduos de se
formalizarem” (1998, p. 30). Cross descreve complexas relações entre os oficiais
do estado, os políticos e os líderes dos camelôs, as quais dificultam a eliminação e
o controle do fenômeno da informalidade. Considerando o clientelismo que opera
entre os grupos informais e os partidos políticos, Cross sugere que a informalidade
no México é sustentada por um combinação entre interesses internos ao Estado
e a própria habilidade dos vendedores de resistir ao policiamento. O crescimento
da economia informal mexicana e a sua “longa história de resistência contra as
tentativas administrativas de repressão, combinada com o trabalho de seus aliados
políticos no governo” (2011, p. 206) criam o contexto em que o fenômeno da
pirataria surge e opera no México. Portanto, trata-se de uma pirataria que não se
encontra “às margens da economia de mercado, mas sim sedimentada num setor
altamente organizado de economia informal, que possui ampla experiência em
adquirir e administrar capital político”.
Na sua pesquisa sobre a centralidade dos sistemas de circulação informal na
cultura e economia audiovisual, Lobato (2012) chamou a atenção para o mercado
negro de Tepito, na Cidade do México. Retratando a função da pirataria do país,
ele afirma que
ninguém contesta o fato que a economia pirata é o sistema de distribuição informal mais
importante e eficiente no México. É o sistema de circulação normal para a maior parte
das pessoas que vivem aqui, o padrão a partir do qual a distribuição formal se constitui.
A pirataria na Cidade do México não é uma forma de resistência ou um exercício de
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 109
3. As cópias só não possuem alta qualidade quando são encontradas em compilações que
incluem diversos títulos num mesmo disco Blu-ray ou quando os filmes são gravados
diretamente da sala de cinema. Nesse último caso, os vendedores normalmente indicam o
modo de reprodução e cobram mais barato pelo título.
110 cinema apesar da imagem
vez de “por que elas acontecem?”). Segundo John Law, esse exame dos “modos
locais de testemunhar e autenticar as conexões” entre sistemas formais e informais
de distribuição nos permitirá descrever “a produção de conhecimento, a dimensão
epistemológica” (2009, p. 154). Com isso, o mundo ordinário da pirataria – o que
Liang chama de “o mundo do cotidiano legal de consumo e circulação” (2009, p.
9) – pode vir a iluminar como o conhecimento sobre a pirataria é produzido por
meio de diversas performances e situações.
Meu trabalho busca ir além e contribuir com o estudo das relações entre
pirataria, infraestrutura e materialidade, conforme foi exemplificado por
Larkin (2004) e Lobato (2012). Ao abordar a pirataria por meio do prisma da
semiótica materialista da teoria ator-rede, ele almeja trazer à tona a invisibilidade
e capacidade de agência das infraestruturas, bem como a perícia envolvida nas
práticas dos piratas. As práticas que me interessam neste artigo não refletem a
pirataria cinematográfica no México como um todo, mas se constituem como
particulares, que se dão em situações particulares. Sob essa lente, a pirataria
aparece como um fenômeno que se dá em um território específico de produção,
distribuição e exibição cinematográficas, no decorrer de certas atividades, sob
circunstâncias específicas.
Na tentativa de esclarecer as dinâmicas da pirataria no México e as suas
correspondências com (bem como suas divergências de) a organização e
especificidades do circuito de distribuição formal, podemos evocar um primeiro
estudo de caso. O filme mexicano Heli, dirigido por Amat Escalante, foi exibido e
ganhou bastante renome em festivais ao redor do mundo, chegando a conquistar
o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 2013. Como uma produção
independente, Heli teve suas primeiras projeções oficiais em Agosto daquele
ano, com apenas 25 cópias rodando em alguns poucos estados mexicanos, e
uma campanha publicitária bastante restrita (ARRONA CRESPO, 2013). Essa
situação reflete os dois grandes desafios que a distribuição de filmes nacionais
enfrenta no México: o controle praticamente monopolista das três maiores cadeias
de exibição do país e a pressão das companhias de distribuição hollywoodianas
que controlam os letreiros eletrônicos nas salas de cinema (UGALDE, 2010, p.
10). Relacionados ao contexto de comunicação transnacional, esses dois fatores
reduzem drasticamente o espaço para produções independentes que não sejam
distribuídas pelas grandes companhias dos Estados Unidos.
Acontece que, alguns meses depois, na primeira semana de Dezembro de 2013,
múltiplas cópias da versão pirata de Heli apareceriam quase que simultaneamente
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 111
em zonas centrais por todo o país, nos mercados de rua, em quiosques e lojas de
filmes piratas. Isso demonstra como as práticas piratas podem levar a cabo uma
forma de distribuição cinematográfica que diverge das transações econômicas e das
trocas organizacionais instituídas pelos sistemas formais. Isso se dá de três formas. A
distribuição de filmes piratas no México é uma prática comercial bem organizada,
que opera numa grande escala geográfica, tornando-se um canal para o acesso aos
filmes do próprio país que não conseguem suficiente espaço nas salas de projeção.
As redes de pirataria que permitem a circulação desses filmes operam tanto por
meio quanto em torno das redes formalizadas (WANG & ZHU, 2003; LOBATO,
2012), mas também para além delas, prolongando o acesso da audiência.
Além disso, a pirataria se mostra capaz de preencher as lacunas dos sistemas
de distribuição formais. Podemos citar o caso particular do filme Asalto al Cine,
feito pela diretora Iria Gómez, em 2011, que só foi exibido na Cineteca Nacional
em 2013. Por dois anos depois de ter sido finalizado, antes de seu lançamento
oficial no cinema, o filme circulou apenas por festivais, como o de Sundance e
Guadalajara. Mas, por todo esse tempo, ele também esteve disponível tanto nas
banquinhas de DVDs piratas quanto nos sites de compartilhamento da internet.
A diretora teria comentado numa entrevista que:
quando descobri, fiquei muito feliz, porque o filme estava alcançando o público que eu
tinha em mente quando o realizei. Eu nunca me tornarei rica fazendo filmes. Estou na
mesma situação que dez anos atrás. Aqui no México não é possível desenvolver uma
indústria. Ainda que isso seja muito frustrante, ao mesmo tempo me motiva a buscar
novas estratégias para produzir filmes (OLIVARES).
De acordo com essa fala, podemos presumir que a diretora não relaciona a
pirataria diretamente à violação de direitos autorais, nem considera que ela diminua
o valor ou os lucros do produto cinematográfico.
O modo como se deu a distribuição de Asalto al Cine indica as deficiências
da indústria cinematográfica mexicana, ilustrando a posição desfavorável das
produções locais em seu relacionamento com as principais distribuidoras e
exibidores, implicando a “desintegração da cadeia de valor local” (LARROA E
GÓMEZ GARCIA, 2011, p. 849). Mas ele também demonstra a capacidade da
pirataria em desempenhar a função de distribuição, conectando um filme com
o seu público. Assim, embora não gere lucro imediato para o diretor ou para
a produtora, a circulação do filme pelas redes piratas atesta a viabilidade da
sua organização como um modo de distribuição veloz e de alta conectividade.
112 cinema apesar da imagem
Se, conforme colocado por Cubitt, “a distribuição tem por função organizar a
informação no tempo e espaço, acelerando ou retardando a sua chegada em
determinados espaços, que ela diferencia a partir desse parâmetro” (205, p. 194),
então o caso de Asalto al Cine acentua a produtividade da pirataria em retrabalhar o
tempo de distribuição e o desequilíbrio entre oferta e demanda. Enquanto as redes
legalizadas de distribuição cinematográfica retardaram o lançamento oficial do
filme, ou ainda o restringiram a uma única sala, a pirataria permitiu sua circulação.
Ao mesmo tempo, o fato de o filme estar disponível antes do seu lançamento nos
cinemas compromete o modelo de negócios baseado na hierarquização de janelas
de exibição, segundo o qual os filmes são primeiro exibidos no cinema e só depois
deslocados para outras plataformas e espaços comerciais (DVD, televisão, on-line).
O que esse caso nos mostra é que a pirataria não só desempenha funções que
esperamos da indústria cinematográfica formal, mas também que ela é capaz de
desafiar e negociar as fronteiras e a escala da economia audiovisual no México.
As habilidades e conhecimentos tecnológicos dos piratas não se restringem
ao processo de reprodução de filmes, como também lhes dão a capacidade de
fazer melhoramentos tradicionalmente atribuídos a profissionais especializados
da cadeia de distribuição cinematográfica. Um exemplo a ser considerado é o
que aconteceu com o filme Así (2005), do diretor Jesus-Mario Lozano, cuja versão
final possuía um problema de compressão de vídeo, causando falhas de sincronia.
Esse defeito não foi corrigido pela empresa distribuidora, e o filme foi lançado em
festivais e salas de cinema nessa condição. Acontece que na versão pirata do filme,
lançada simultaneamente nas banquinhas de camelô, o problema foi corrigido. A
cópia ilegal possuía uma qualidade superior ao original.
Nesse caso, em vez de nos prendermos à ilegalidade das práticas de pirataria,
poderíamos considerá-las em primeiro lugar como um tipo de performance, que
suplanta e aperfeiçoa as ferramentas e operações da distribuição cinematográfica
formal. Os piratas costumam se valer das mais diversas tecnologias. Além disso,
como está implicado nesse exemplo, eles podem estar mais atentos à qualidade da
imagem do que as distribuidoras oficiais, tomando mais cuidado com a experiência
da audiência. Seria então possível afirmar que a pirataria é capaz de “melhorar”
os filmes originais? No caso de Así, as práticas piratas vieram a interferir no
produto cinematográfico e conseguiram beneficiá-lo, tanto tecnológica quanto
esteticamente. Na versão distribuída oficialmente, Así era um filme “ruim”, incapaz
de ser reproduzido em certos aparelhos, com uma imagem “deficiente”. Já em sua
cópia pirata, ele foi adaptado e melhorado. Esse processo envolve uma manipulação
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 113
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cine fantasma: o cinema morreu?
viva o cinema!
paola barreto leblanc
(An)Arqueologia de mídia
A arqueologia da mídia é um campo de pesquisa que se destaca dos estudos
de história e teoria de mídia ao longo dos anos 1980, e desde então vem se
expandido no entrecruzamento entre cinema, comunicação e filosofia da técnica.
(ZIELINSKI, 2002, 2014; PARIKKA, 2012). Para compreender de que forma
a noção de arqueologia articula-se com as mídias, auxilia-nos o pensamento
de Michel Foucault, que concebe a disciplina como investigação acerca das
condições de possibilidade, ou de princípio (ἀρχή), que fazem algo emergir. Trata-
se de uma abordagem que nega modelos históricos teleológicos, e que conduz,
invariavelmente, à formulação de (múltiplos) possíveis futuros, a partir dos traços
de mídias mortas, obsoletas ou marginais. A busca por este princípio se dá não
como uma tentativa de aproximar, por semelhança, manifestações heterogêneas
que surgem em seu trabalho de escavação, mas como uma leitura dos futuros
possíveis que este princípio seria capaz de originar, através por meio das diferenças
e das disparidades que emergem ao longo do tempo. Levando-se em consideração
esta concepção intempestiva da arqueologia, Siegfried Zielinski (2002) propõe o
neologismo (an)arqueologia, enfatizando o aspecto de sua insubordinação contra
uma compreensão linear da história. Ao utilizar o modelo de tempo profundo
(tiefe Zeit) da geologia e da paleontologia, os cortes, as interrupções e os desvios de
curso aparecem como pontos de interesse que podem apontar para perspectivas
futuras que resultariam em “novas (velhas) mídias”. Cabe ressaltar que a
escola alemã de arqueologia de mídia é tradicionalmente mais próxima a uma
abordagem baseada na análise da estrutura lógica ou informacional das mídias,
partindo das bases de sua constituição física para compreendê-las como sistemas
de inscrição, como sugere Kittler (2011). As abordagens de língua inglesa, por
outro lado, partem de uma análise mais articulada com as implicações sociais e
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 119
ambientais das mídias, caso de Sean Cubitt (2015), por exemplo. Nosso esforço
aqui irá oscilar entre estas duas visões, ora tendendo para a explicação da técnica
pelo social, ora do social pelo técnico, em um intrincado jogo de disputas políticas
e simbólicas que envolvem, entre outros, o registro de patentes, os interesses de
mercado, a cultura do espetáculo e o embate entre ciência e mito.
Bruce Sterling propõe em seu Dead Media Manifesto (1985) a criação de um
livro dedicado às mídias que perderam suas funções ou tiveram sua produção
descontinuada: “What we need is a somber, thoughtful, thorough, hype-free, even lugubrious
book that honors the dead and resuscitates the spiritual ancestors of today’s mediated frenzy”.
Se trouxermos esta noção das mídias mortas para os espaços mortos – ou lugares
fantasmas – cuja desvalorização evidencia movimentos perversos na lógica
capitalista de exploração de territórios, podemos pensar também o ocaso de certo
tipo de experiência de cinema segundo o princípio de obsolescência programada.
Como sabemos, a obsolescência programada está relacionada a uma cultura de
descarte tecnológico, onde os aparatos são desenvolvidos para terem uma vida
útil limitada. Neste cenário toda “nova mídia” já surge velha; é de sua própria
constituição tornar-se descartável. A necessidade de crítica deste modelo se dá,
como aponta Parikka (2012), não apenas no plano ideológico ou discursivo, mas
na micro política, e a cultura do do-it-yourself assim como o reaproveitamento de
mídias é uma forma ativa de combate.
É da natureza do sistema capitalista de produção desassociar as forças
sociais do trabalho dos bens comercializados, ou seja apagar como (e por quem)
foram produzidos. O conceito de fetiche da mercadoria de Marx encerra um aspecto
fantasmagórico, que reside justamente na alienação do trabalho dos bens a ele
associados1. Se podemos afirmar haver no meio digital uma desmaterialização
da imagem técnica, no sentido de uma “zerodimensionalidade”, como sugerida
por Flusser (2008), não podemos esquecer do fato que os aparatos digitais, ou
analógicos, baseiam-se em elementos físicos, químicos e materiais, extraídos da
natureza em condições que degradam meio ambiente e comunidades por meio de
um modelo de extrativismo que remonta ao sistema colonial.
2. Citacão extraída de Histoire(s) du cinéma - Fatale Beauté (França, 1997: 09’22” - 09’49”).
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 121
3. Um interessante livro a respeito foi escrito pelo mágico, dublê e personagem de vaudeville
Harry Houdini, que atuou como desmascarador de médiuns no início do século XX.
HOUDINI, Harry. A Magician among the Spirits. 1ª ed. Cambridge: Cambridge University
Press, 2011.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 123
uma forma ancestral, herdeira dos adivinhos que, na descrição de Benjamin (1985b,
p. 112), projetavam nas borras de café, nas vísceras dos animais e nos movimentos
celestes suas (pre)visões. Por meio de redes digitais que nos permitem colocar em
circulação o compartilhamento de imagens em uma nova escala, experimentamos
do streaming às plataformas de mineração de imagens em tempo real,6 produzindo
fantasmagorias automatizadas, randômicas e incontroláveis, onde as manchas
e borrões ganham formas algorítmicas. Anacronismos, saltos e justaposições
temporais constituem nosso método e nossa prática, em procedimentos análogos
ao do historiador da arte alemão Aby Warburg, que propôs, com a criação de seu
Atlas Mnemosyne em 1929 o que chamou de “uma história de fantasmas para gente
grande”. História, em alemão Geschichte, inclui o radical Schichte, que se traduz por
“camada”. As camadas da história sobrepõem-se não segundo um princípio de
ordem cronológica, linear, mas por meio de movimentos irregulares, que as fazem
ora submergirem, ora emergirem, deixando aparecer aquilo que permanece,
latente, através do tempo. Desse modo, por exemplo, o ritual da serpente
realizado pelos índios Hopi, testemunhado por Warburg em visita ao oeste da
América do Norte no final do século XIX, pode abrir um campo de possibilidades
para uma renovada leitura do Renascimento florentino. Como modelo de
conhecimento, ou antes rito de orientação, Mnemosyne não se resume a buscar
um princípio invariante em meio a realidades heterogêneas, mas pelo contrário,
a partir das diferenças e da alteridade, mapear identidades que reverberam nas
imagens e pelas imagens, entendidas como mediações entre homem e mundo,
que se atualizam e se reencontram no espaço e no tempo através das civilizações.
É uma forma rica e expandida de compreender o fenômeno da imagem, e se
vale da reprodutibilidade técnica para reunir, no presente, a formas que não têm
tempo, e que advêm, justamente, das relações entre as imagens, fazendo surgir
algo que não se daria a ver nas imagens individualmente. Esse pensamento está
relacionado a modos de ritualização das ações do homem no mundo, nos quais
a imagem possui poderes mágicos de invocação ou de instauração de realidades.
6. Na intervenção realizada no Cine Art Palácio em São Paulo, como parte do Besides the
Screen, trabalhamos com a plataforma on-line Midia Magia, desenvolvida pela artista Denise
Agassi, que, em suas palavras, “permite criar sequências audiovisuais a partir de arquivos
de fotografia, vídeo, texto e áudio existentes em bancos de dados online [Flickr, Youtube,
Twitter e Freesound]. O sistema é ativado por meio de tags escolhidas pelo autor, conforme
as categorias disponíveis. A plataforma é interativa e aberta ao público para a criação de
novas ‘net artes’ que integram as exposições online.” Disponível em plataforma.midiamagia.
net.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 127
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parte 3
visão |
bricolagens
vídeo aberto em 360 graus
larisa blazic
tradução gabriel menotti
2. Kdenlive
Após o arquivo de vídeo ser exportado, ele precisa ser codificado num
formato de código aberto e editado para servir aos propósitos de exibição. Isso
é feito usando o Kdenlive, um programa para edição de vídeo livre e aberto. O
Kdenlive é completamente estável e funciona em diversas plataformas. Para essa
atividade, executamos o programa em uma distribuição do Ubuntu Linux.
A interface do Kdenlive é dividida em três áreas principais: um banco de
recursos, um monitor e uma linha do tempo, que são familiares a qualquer um
que já tenha trabalhado com software para edição de vídeo. É possível editar uma
ou várias pistas de vídeo com ferramentas simples de corte e seleção, bem como
aplicar uma diversidade de efeitos e transições. O software também oferece a
possibilidade de criar máscaras, composições, empregar texto e renderizar numa
ampla variedade de formatos, notadamente Ogg/Theora/Matroska e WebM.
Interface do Kdenlive
3. Gimp
Outra opção para a manipulação do vídeo exportado pelo Processing é o
software Gimp. Gimp é um programa para a manipulação de imagens bitmap. Se
o vídeo for exportado como uma sequência de imagens, é possível desembrulhá-lo
no Gimp usando o filtro Distort via Polar Coordinates. Essa alternativa possibilita
criar imagens diferenciadas, o que é útil no caso do vídeo final adotar uma
linguagem visual mais experimental.
4. VLC
Finalmente, quando todo o processo de edição e manipulação estiverem
concluídos e o vídeo estiver pronto para o streaming, utilizamos o software VLC
para transmiti-lo de um computador para vários outros, de modo a criar diversas
superfícies de exibição que serão utilizadas na composição da projeção panorâmica
360o. Como as ferramentas acima, o VLC também é um software desenvolvido
por uma comunidade. Ele é normalmente utilizado como um reprodutor de
mídia, mas também oferece opções de streaming, uma das quais é o multicast.
O streaming multicast é um modo de transmitir áudio e vídeo por meio de uma
rede ad-hoc, na qual um computador envia sinais para diversos outros utilizando
endereços IP UDP/RTP Multicast.1
via sistema telemático por onde os dados das abelhas são transmitidos para um
servidor localizado em laboratório que recebe e distribui os dados coletados para
serem transformados em imagens no espaço expositivo.
Notas conclusivas
A arte, como um produto da cultura, desenvolve-se como um organismo
complexo. Nesse sentido, a comunicação visual e o design, em seus diversos
campos de aplicação, são áreas de conhecimento que hoje, através das tecnologias
computacionais, ajudam a estabelecer pontes entre a produção criativa, tecnológica
e a apreensão por parte do público. Os novos ateliês e espaços laboratoriais são
responsáveis por conjugar, por meio das experimentações artísticas, possíveis
inter-relações entre artes visuais, design, tecnologia, ciência e natureza, investindo
numa forma experiencial, demonstrativa e dialógica para abordar questões sobre
arte, processos compartilhados e conectividade. Como expressão dessas atividades
apresentamos alguns projetos do NANO — Núcleo de Arte e Novos Organismos, onde
154 cinema apesar da imagem
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Agosto de 2009 na cidade de Curitiba, sediado pelo DEARTES – UFPR.
1. Utilizamos o adjetivo “maquínica”, aqui, como substituto da locução adjetiva “da máquina”,
pela qual poderíamos incorrer em uma ambiguidade pela qual também seria possível ler
como “a percepção da máquina por alguém”. Não se deve confundir este uso, contudo, com
o sentido de maquínico de Deleuze e Guattari, que não se prestaria a uma contraposição
humano/máquina, mas a seus agenciamentos coletivos (Cf. GUATTARI, 2003).
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 159
2. Não poderemos nos deter aqui ao desenvolvimento deste conceito que não assumirá um
papel central em nosso argumento. Em todo caso, dada a dispersão de suas definições, cabe
circunscrevermos a qual perspectiva fazemos menção, na qual referimo-nos principalmente
ao sentido desenvolvido por Anne Marie Duguet (2012), que toma o dispositivo como
conceito operatório para descrever as configurações e os modos de agenciamento espacial
de algumas videoinstalações. Vale destacar, contudo, outras dependências fundamentais
de nossa compreensão mais abrangente do conceito, em particular: FOUCAULT, 1979;
DELEUZE, 1999; e AGAMBEN, 2009.
3. Vale reiterar que, em ambos os casos, buscamos não uma categorização exclusiva ou
exaustiva, mas apenas nomear diferentes modulações próprias ao funcionamento de
programas de visão computacional.
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 161
4. Golan Levin (2006a) indica algumas destas operações básicas da visão computacional.
164 cinema apesar da imagem
diante da orquestra à invocação dos poderes divinos pelo Papa – Levin inverte,
ao final, o sentido geralmente atribuído às obras interativas ao sugerir que, longe
de conferir ao espectador uma posição de controle, a artemídia lhe requisita uma
“postura da rendição total” (LEVIN, 2006b). Em certo sentido, afinal, para além
do acionamento interno, pelo qual o programa da instalação dispararia certas
funções de acordo com a pose do interator, haveria um outro tipo de acionamento,
incidindo sobre os próprios sujeitos à medida em que lhe é requisitado interagir,
uma vez que se adentra o campo de visão da câmera.
No âmbito das operações que localizamos em torno do par reconhecimento–
conexão, de outro modo, a circunscrição de um espaço de monitoramento já
não é tão fundamental. Ainda que o campo de visão da câmera siga como uma
demarcação importante daquilo que pode ser percebido, não há necessidade de
inscrição deste território demarcado no modo de funcionamento do programa. As
operações de reconhecimento–conexão se situam em um nível de maior abstração,
em que o campo de atuação dos programas seria mais bem descrito como a rede
semântica que conecta determinado padrão percebido a outros pertencentes a
uma mesma categoria, podendo esta ser mais ou menos específica: um programa
pode, por exemplo, tanto detectar um rosto em uma imagem quanto reconhecer
de quem ele é. Pode, ainda, classificá-lo com relação a determinados parâmetros
como gênero, idade, etnia, expressão facial, etc. Em todo caso, tais operações já
não dizem respeito a um ponto de vista específico da câmera sobre o ambiente
registrado – se tratamos de algoritmos aplicados no contexto da internet, inclusive,
com frequência já nem se trata de uma ou outra câmera, pois lhe são alimentados,
mais do que um determinado ponto de vista, inúmeros deles, oriundos das diversas
imagens em circulação, estáticas ou moventes, tomadas nos mais diversos contextos.
O caráter distribuído das operações de reconhecimento–conexão, mais do
que uma particularidade do contexto atual de aplicação da visão computacional
na internet, constitui uma importante estratégia de seu próprio desenvolvimento.
O método pelo qual são gerados tais programas, chamado de aprendizado de máquinas
(do inglês machine learning), do domínio da Inteligência Artificial, compreende, em
linhas gerais, a implementação de sistemas computacionais capazes de aprender
a desempenhar determinadas tarefas pela inferência de regras gerais através do
treino. No âmbito da visão computacional, um dos modos de aplicação desse
método envolve a alimentação ao sistema de centenas de imagens de rostos, por
exemplo, para que o algoritmo aprenda a reconhecê-los em outras imagens.
Diferentemente das operações que indicamos anteriormente, em que são
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 165
de uma imagem como chave para a busca tanto de sites e conteúdos da web em
geral, quanto de imagens similares. A publicação massiva de imagens na web se
torna, então, tanto um problema a se enfrentar – como dar sentido a esse arquivo
gigantesco e em expansão? – quanto o próprio substrato em que são gestadas as
ferramentas para fazê-lo. A visão computacional parece ser, então, um componente
chave tanto para sermos capazes de gerir tal volume de imagens quanto para
compreendermos o modo de ver requisitado por esse contexto. Esse domínio é,
inclusive, uma importante frente contemporânea da pesquisa em cultura visual,
sendo adotada enquanto instrumento de análise para dar sentido a esse volume
massivo que se produz diariamente10.
10. Lev Manovich reconhecidamente empreende algumas das pesquisas neste domínio, com
destaque recente em torno de análises feitas de imagens compartilhadas em redes sociais,
como o projeto Selfiecity, que analisou, em um dispositivo misto, de analistas humanos e
computacionais, um dia de imagens postadas na rede Instagram em cinco cidades do
mundo (cf. http://selfiecity.net/).
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 169
número, inclusive. A diferença entre as duas tem a ver com a aparência característica
de pequenos grupos de pixels, mais do que valores de pixels individuais” (tradução
do autor). Partimos, então, da representação numérica da imagem, expressa pixel
a pixel, para chegar a seu nível figurativo (aquilo que ela aparenta, o espaço e
dimensões representadas, etc.) e, então, traduzir esta figuração novamente em um
valor numérico, registrável e computável. Essa definição, embora precisa, atém-
se a um nível técnico que talvez não sintetize todas as questões que pudemos
perceber no percurso de nossa argumentação – afinal, não basta descrevermos
esta operação sem atentarmos aos modos de agenciamento implicados.
Vem ao nosso auxílio, nesta leitura, a definição de Sean Cubitt (2011, p. 9)
do que seriam, em nosso tempo, as mídias dominantes (entendidas como aquelas
utilizadas para o exercício do poder). Segundo ele, já não seriam mais a narrativa ou
a imagem, mas aquelas que indica como os três pilares contemporâneos da economia
política: planilhas, bancos de dados e sistemas de informação geográfica (GIS).
Seriam estas que, em última medida, serviriam aos propósitos atuais de elaboração
de perfis estatísticos e de controle e gerenciamento de riscos, presentes em instâncias
de governo tanto estatais quanto corporativas. Poderíamos compreender a Visão
Computacional, então, como um agente de passagem, de transição, responsável
pela tradução entre dois paradigmas das tecnologias de controle e conhecimento,
subsumindo a imagem a uma destas formas indicadas por Cubitt, em especial os
bancos de dados e os sistemas de georreferenciamento – situados a apenas um passo
em relação aos desenvolvimentos que pudemos descrever.
De um lado, há evidentemente uma forte reconfiguração do papel
desempenhado pela imagem, que, passível de ser traduzida automaticamente
em informação, desdobra-se enquanto uma fonte de dados estatísticos e deixa de
ser, neste sentido, um objeto de difícil tratamento, indexação ou arquivamento.
De outro, há também um ganho significativo para as mídias identificadas por
Cubitt, com a entrada da imagem em seu domínio. Operando tradicionalmente
por meio de dados numéricos e abstratos, a elas lhes é permitido, a partir da
imagem, circunscrever e particularizar a informação ao operar a partir de um
registro singular. De outro modo, também lhes torna possível fazer o caminho
inverso e generalizar a partir destas mesmas instâncias singulares, na medida
que é pelo enfrentamento de múltiplos registros do individual fotográfico que o
método do aprendizado de máquinas permite aos algoritmos da Visão Computacional
realizar o reconhecimento de padrões e a sua conexão a instâncias relacionadas.
De toda forma, mais ou menos relevante, a imagem tem seu lugar reconfigurado
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 173
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parte 4
materialidade |
performances
entre sensores e sentidos: sobre
a materialidade da comunicação
na artemída
graziele lautenschlaeger
relação ou contato direto com a realidade. Assim, os processos de se fazer imagens não são
mais físicos (relacionados ao material ou energia), mas virtuais (COUCHOT, 2006, pp.
182-183, tradução da autora).
Para além dos diversos pontos questionáveis desta afirmação, interessa aqui
discutir especificamente quando Couchot diz: “os processos de se fazer imagens
não são mais físicos (relacionados ao material ou energia), mas virtuais”. Neste
ponto, além de equivocadamente associar virtualidade com imaterialidade, ele
ignora todas as materialidades existentes em escalas que os sentidos humanos
não conseguem perceber.
Talvez a partir da inabilidade em transitar entre o universo das materialidades
e o universo dos modelos abstratos, desenvolvidos para lidar com materialidades
em escalas fora da percepção humana, é que emerja a separação de mundo dos
“pensadores” e dos “fazedores”.
A colocação de Couchot reflete também a atual situação cultural no trato
com a tecnologia, que solicita que simplesmente ignoremos o conteúdo das
“caixas-pretas” que nos circundam diariamente, bem como qualquer necessidade
de aprendermos enquanto lidamos com elas (FLUSSER, 2008).
Além da polarização entre teoria e prática, outras dicotomias permeiam os
processos criativos e a produção de artemídia: orgânico e maquínico, analógico
e digital, as já levemente mencionadas virtual e atual, material e imaterial,
entre outras. Muitas vezes, essas dicotomias acabam engessando as discussões
e proposições no campo, principalmente quando estas são acompanhadas por
deslumbre ou ignorância em relação à própria história da artemídia.
Encarando tais situações, este artigo visa apresentar uma caixa de ferramentas
para a entrada no questionamento dessas estruturas pré-estabelecidas. Trata-se de
uma tentativa de contribuir para que a produção de artemídia possa responder
melhor à ideia de uma engenharia filosófica ou de uma filosofia materializada.
Nesta noção fundiriam-se novamente no artista os papeis do “pensador” e do
“fazedor”.
Para o desafio, a base téorica e metodológica sendo empregada bebe em ideias
do Novo Materialismo, técnicas de Estudos Culturais, Cibernética e Arqueologia
das Mídias. E, como fio condutor para a discussão foram eleitas as propriedades
sensitivas de materiais e dispositivos, apontando para um nexo genealógico destes
com proposições artísticas. Para isso, o fenômeno “sentir” (detecção de estímulo)
é observado através das materialidades e das operações a ele relacionadas, tais
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 181
1. Caso haja interesse do leitor sobre o assunto, a palestra How bacteria talk, proferida pela Profa.
Bonnie Bassler nas conferências TEDEd é uma introdução excelente. Link disponível em:
<http://ed.ted.com/lessons/how-bacteria-talk-bonnie-bassler> Acesso em: 28 jul. 2015.
2. Em Cybernetics of Cybernetics: The control of control and the communication of communication, Heinz
184 cinema apesar da imagem
Caracterizando a artemídia
A artemídia compreende experimentações estéticas mediadas por aparatos
técnicos e capazes de gerar outras mídias. Não por coincidência, o campo se
desenvolve dentro da Arte Contemporânea imbricada em experimentações e
estudos científicos norteados pela interação homem-máquina. Trata-se de uma
prática artística que lida com a possibilidade de dois ou mais sistemas permeáveis
(seres ou máquinas) se engajarem em interação, e cujas estruturas, no vaivém de
feedbacks, podem ser modificadas e atualizadas.
Pela perspectiva da Cibernética de Segunda Ordem, interação pode ser
definida como “responsividade mútua que pode conduzir à novidade, na qual
nenhum participante tem controle formal sobre os procedimentos. Interação
ocorre entre os participantes, e não por causa de nenhum deles” (GLANVILLE,
2001, p. 3, tradução da autora). A partir dessa definição, tomemos como princípio
que interatividade não é um conceito atrelado apenas à tecnologia digital ou
qualquer outra tecnologia empregada. Ela nos ajuda a compreender como e por
que os sensores podem ser vistos como elemento-chave para a compreensão das
especificidades da artemídia, já que eles tornam permeáveis os objetos colocados
em interação.
Como apontam diversos historiadores e críticos de arte, a citar Claire Bishop
e Frank Popper, no início do século XX emergiram trabalhos e movimentos
artísticos que denunciavam a crise da representação no campo da Arte. O objeto
de arte passou a ser negligenciado e o processo artístico veio a ser enfatizado
no seu lugar. Artistas começaram a criar proposições que demandavam cada vez
mais a participação do público para que a experiência estética se efetivasse. Essas
iniciativas motivaram inclusive uma revisão dos espaços expositivos.
Dentro deste desdobramento histórico e estético dois principais aspectos
precisam ser destacados: o engajamento corporal e a transformação do contexto
tecnológico, quando a atenção por materiais e dispositivos sensitivos cresce
exponencialmente, associando-se a diferentes intenções, como ilustram alguns
exemplos a seguir.
Em 1942, para a exposição First papers of surrealism, Duchamp propôs
a instalação Sixteen Miles of String, também conhecida como His Twine. Como,
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 187
o papel de uma outra “máquina” por meio do uso de lanternas e espelhos. A troca
entre as máquinas torna-se possível somente por elas possuírem estruturas sensíveis,
seja à luz ou som, que permitiam a entrada de dados nas máquinas, e num segundo
momento, eram processados e dirigidos.
Esses exemplos pretenderam elucidar como o engajamento corpóreo e a
inserção de sensores na mediação maquínica são tópicos preciosos para melhor
compreender a natureza do que se tornou possível criar com o desenvolvimento
da cultura eletrônico-digital.
por Alexander Graham Bell e seu assistente Charles Sumner Tainter, em 1880.
Sua origem é baseada na descoberta de novos elementos químicos na natureza,
neste caso, o elemento fotossensível selênio. Composto por um receptor e um
transmissor, o fotofone foi um aparelho de telecomunicações que permitiu a
transmissão de voz em um feixe de luz. O receptor era um espelho parabólico
com células de selênio no seu ponto focal.
Pode-se arriscar que o cerne das criações em artemídia também está baseado
na tradução de dados e materialidades o tempo todo. E é com bastante frequência
que vemos trabalhos cujas traduções são sem sentido ou não potentes o suficiente
para provocar conversas relevantes e contribuir para o surgimento de novos
conhecimentos.
O humanista italiano Leonardo Bruni foi, provavelmente, um dos primeiros
pensadores modernos a escrever um tratado científico sobre a questão da
“tradução” no século XV. Bem mais tarde, no século XX, muitos outros teóricos
discutiriam o tema, como Croce e Rosenweig, Benjamin (The task of the translator)
e Steiner (After Babel). O interesse desses pensadores pelo tema é um sinal de que
a importância da tradução vai além do domínio da linguagem, para abranger
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 191
territórios ontológicos e filosóficos. Além disso, não é por acaso que o conceito
também é usado em Biologia Molecular e Genética, chamando também de
tradução o processo celular pelo qual ribossomos criam proteínas. O amplo
espectro de perspectivas sobre a tradução nos leva a compreendê-la como o jogo
que acontece no espaço entre uma realidade e outra.
Um trabalho relevante sobre esta discussão no âmbito das materialidades e
da arte é Gênesis (1999), de Eduardo Kac. O elemento-chave do trabalho é um
gene sintético que foi criado por Kac, traduzindo uma frase do livro bíblico do
Gênesis em código Morse e convertendo-a em pares de bases de DNA. O gene
resultante foi inserido em bactérias que ficavam no espaço expositivo. Por meio
da internet, as pessoas podiam ativar uma iluminação ultravioleta nesse lugar,
causando mutações biológicas reais no organismo vivo. No final da exposição, a
sequência do gene foi reconvertida em texto.
Por um lado, esta obra é um exemplo que demonstra explicitamente as
possíveis traduções de materialidades e suas implicações, discutindo inclusive
questões inerentes à tradução fora do mundo da arte: ambiguidade, ruído, e
subjetividade. Enquanto cada “realidade” (ou sistema) tem sua própria estrutura,
é absolutamente impossível encontrar correspondências exatas em ambos os
universos. Isso também explica as dificuldades na tradução de poesia.
No entanto, conforme coloca o filósofo francês Paul Ricoeur (2006), não há
critérios absolutos para uma boa tradução, ao passo que também é inegável nosso
desejo por traduzir, o que tem movido grande parte do desenvolvimento da cultura.
Retomando o campo da artemídia – e considerando-a como um lugar de pensar-
fazer através do jogo com as traduções de materialidades – é possível descobrir nesta
prática a ideia de materialidade da comunicação apontada por Gumbrecht.
Considerações finais
Este artigo é uma formalização preliminar de como o foco em “sensores”
contribui para uma compreensão da influência mútua e interdependência entre
os aspectos estéticos e técnicos da artemídia. Entender a materialidade e a
196 cinema apesar da imagem
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mulheres continentais:
performance de imagens na
invenção de si
monica toledo silva
1. A duração para Bergson é a continuidade do que não é mais (passado) no que é (presente),
atenta à experiência concreta do mundo percebido (apud CARDIM, 2009, p. 62).
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 205
sujeito, enunciador de narrativa não unívoca nem linear, Sibilia nos lembra que
a matéria que nos constitui enquanto tais (sujeitos) é moldada no contexto e a
partir de nossa experiência no mundo, trocas, percepções, adaptações. Portanto
identidade e cultura são termos que ganham formas fluidas ou deixam de existir
em seus sentidos originários — delimitadores e esclarecedores.
Sibilia acrescenta que todo relato se insere em um denso tecido intertextual
entremeado com outros textos e vozes, e que as técnicas de criação de si constituem-se
em um relato cotidiano que organiza a realidade. As narrativas que tecem e realizam
o eu constituem-se de linguagens, no contexto da performance, de sequências de
gestos e imagens que excluem tanto o depoimento quanto qualquer discurso linear.
Com o objetivo de abordar o universo de mulheres brasileiras artistas
descendentes de migrantes, imigrantes ou de cultura distinta e formadora da
cultura brasileira contemporânea, a partir de imagens produzidas por elas ou
criadas para a obra, a proposta da obra se dá em função de não haver relatos
claros, sequenciais, ou narrativas únicas, mesmo numa mesma personagem
(que pode ter vários vídeos de vários momentos acerca de uma mesma temática
escolhida). As questões abordadas são relacionadas a estados ou condições,
percepções e vivências, de modo que não remetem ao tempo cronológico nem
constituem sequências de acontecimentos determinados. A proposta instalativa,
portanto, ao permitir a exibição de telas simultâneas, dialoga com estas realidades
e condições que atravessam o tempo e o espaço e permanecem assim – como
existências no tempo e espaço presentes.
Um passado não familiar conhecido por elas apenas por histórias contadas
ou experienciado em parte em outro lugar altera seus modos de perceber e agir
no cotidiano; como elas atualizam esta condição vivida ou imaginada em gestos,
e como habitam e se configuram numa identidade híbrida em outro lugar? O que
cria uma percepção de pertencimento? Objetos, desejos, experiências?
A linguagem da videoperformance dialoga com narrativas possíveis para
invisibilidades de cada corpo – todo material sensível inconsciente ou não
representado em gestos –, pois independe de uma construção prévia de discurso,
roteiro, construção de personagem ou qualquer tipo de mapeamento audiovisual
que anteceda a captura. Criar visibilidades para estas “pessoas-continentes”,
de identidades móveis e aderentes, torna-se ato de performance também do
realizador e do visitante da instalação, que interage com as projeções criando suas
próprias narrativas de acordo com o tempo que lhes dedica seu olhar e o caminho
que escolhe percorrer entre as imagens.
206 cinema apesar da imagem
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cartografia performativa
stephen connoly
tradução marcus bastos
A foto na página anterior é uma cena de um vídeo curto chamado the reading
room (2002). Ele mostra a antiga biblioteca do British Museum, familiar a Marx e
Trotsky, atualmente um ponto focal do museu, que recebe milhares de visitantes
por ano. O vídeo consiste de uma única tomada em timelapse – com fotos capturadas
a cada 10 segundos durante um dia de trabalho, de 09h às 17h – exposta em um
rolo de filme 16mm de 30 metros. No vídeo finalizado, há um texto sobreposto
que identifica o lugar, explora algumas das escolhas feitas na montagem do vídeo,
e termina sugerindo que os recursos da biblioteca podem ser acessados on-line
– então por que visitá-la? Esta conclusão é desmentida pela imagem – muitos
visitantes são vistos explorando o lugar.
A posição elevada da câmera revela na imagem o plano circular da sala de
leitura, mostrando o arranjo radical das mesas de leitura e as camadas concêntricas
das prateleiras em torno de um estrado suspenso no centro da sala. Do ponto
de vista do estrado, o superintendente da sala de leitura tinha capacidade de
inspecionar o espaço inteiro; leitores e livros.
Esta biblioteca ecoa o esquema espacial do panóptico, o projeto de Bentham
para uma unidade ideal de encarceramento, mais recentemente citada por Foucault
como um modelo de representação do funcionamento do poder coercitivo no
campo social. Esse panóptico é, portanto, um diagrama. Para citar Deleuze, falando
de Foucault: “o diagrama não é mais um arquivo auditivo ou visual mas um mapa,
uma cartografia que coexiste com o campo social todo” (DELEUZE, 2006, p. 36).
Todavia, o modelo de descrição operacional neste trabalho posiciona e
implica uma distinção entre uma visão subjetiva e um objeto representado. Essa
capacidade de posicionamento exime o sujeito observador de participação no
campo social, no diagrama da representação. Essa distinção e separação se apóia
em uma determinação de 500 anos de idade da filosofia cartesiana, entre sujeito
como testemunha, e mundo como sua própria causa.
As criticas desse sistema de representação têm acontecido por muitos anos
e de várias perspectivas. O regime escópico, subordinando-se ao ocularismo
como produtor das relações espaciais da nação estado, tem sido central para a
constituição do capitalismo da modernidade. A cartografia, como ferramenta
desse regime escópico, reflete um conteúdo ao mesmo tempo em que o constitui
(WARF & ARIAS, 2008, p. 9).
Os geógrafos contemporâneos reposicionaram o espaço como relacional,
em rede; congruente com um mundo rico em informações, globalizado, em
gabriel menotti . marcus bastos . patrícia moran 215
1 É difícil traduzir Redlining, por isso o termo será mantido em inglês durante todo o
capítulo. O conceito se refere à prática da indústria imobiliária de demarcar com linhas
vermelhas áreas de uma cidade que serão alvo de processos de desinvestimento deliberado,
resultando em sua deterioração. Em Unjust Geographies, Edward Sonja amplia o conceito
para além do escopo das cidades, quando afirma que o “Terceiro Mundo, ou a periferia
global, neste sentido, é semelhante a uma zona demarcada numa cidade, uma área de
desinvestimento e superexploração deliberados. Como o redlining urbano, o redlining global
não é necessariamente o produto de capitalistas avarentos conspirando para drenar a
riqueza de certas áreas ao desenhar uma linha vermelha proibitiva a seu redor. Zonas
demarcadas emergem primariamente de operações de mercado normais, cotidianas, e da
busca competitiva por lucros máximos” (n.t.).
216 cinema apesar da imagem
Câmera / Veículo
elite neoliberal no Brasil (DEÁK & SCHIFFER, 2007, p. 87) pode ser puxar
muito longe – este vídeo é apenas um rascunho.
Eu levei o resultado para a conferência para discussão como método e
estratégia de produção e teste de como ele performa; e para ser informado pelas
obras de outros realizadores. Esta obra está num estágio intermediário e vai
compor o elemento prático do meu doutorado.
Referências
DEÁK, Csaba & SCHIFFER, Sueli. “The Metropolis of An Elite Society”, em SEGBERS,
Klaus (ed.). The Making of Global City Regions: Johannesburg, Mumbai/Bombay, São Paulo, and
Shanghai. Baltimore: Johns Hopkins University, 2007.
WARF, Barney & ARIAS, Santa. The Spatial Turn: Interdisciplinary Perspectives. Oxford:
Routledge, 2008.
jogos de distância e proximidade:
microperformances via skype
patrícia azevedo e clare charnley
tradução patricia moran
1. Esse diálogo foi apresentado pelas duas artistas, em inglês, durante a conferência Besides the
Screen Brazil 2014, na UFES, juntamente com a projeção dos vídeos. Para esta publicação,
transcrevemos o texto em português e incluímos frames dos trabalhos no momento em que
foram exibidos para a audiência original (n.t.).
222 cinema apesar da imagem
ação performada para a câmera que fabrica esse espaço que se dá a ver enquanto
um acontecimento.
C: É relevante lembrarmos que a língua portuguesa tem mais de uma maneira
de se dizer aqui ou lá (here or there), isto ou aquilo (this or that), do que o inglês
tem. O que denota que as relações de localização não são dadas de antemão,
nem as mesmas para nós duas. O fato é que trabalhando no Skype performamos
ao mesmo tempo para a câmera e uma para a outra. Buscamos construir um
espaço onde possamos funcionar juntas, onde nossa ação combinada se torna
uma espécie de ponte, que pode ser vista como um lugar em si, como um espaço
heterotópico justapondo lugares incompatíveis. Podemos ver como isso funciona
em lançar - to throw.
duas telas juntas. Embora estejamos em posição frontal uma em relação a outra,
aparecemos nos vídeos lado a lado, configuração que tanto nos posiciona em
lugares diferentes, quanto nos dá a ver espacialmente próximas. A interface de
contato entre as duas telas é a alma do jogo. Um manancial de possibilidades e
formas de acolher nossas localizações diferentes num espaço único, heterotópico
o suficiente para dar corpo a nossa utopia.
C: Sem que tenhamos plena consciência de sua visualidade, nosso gesto
corporal busca dar a impressão de movimento em relação ao outro. Durante
a gravação, figura um movimento articulado: acontecimento que dá a ver esse
espaço, no vídeo, como um lugar possível onde a ação acontece.
P: Na prática, não é tão simples como parece. Durante a gravação da
performance, cada uma tem um computador mostrando uma tela normal de
Skype. Não estão visíveis as duas telas lado a lado. A tela só se vê dividida em duas
janelas depois que a tomada acabou e o playback é acionado. Assim, enquanto
performamos, não podemos ver nossa localização uma em relação à outra. É
preciso tê-la em mente, para entender para onde devemos dirigir o olhar para
ver a outra, como nos mover na sua direção, etc. O vídeo Orientate 2 dá a ver essa
confusão espacial.
C: A primeira coisa que nos interessou foi a própria tela que acolhe e limita
nossos encontros. A plataforma Skype exibe o outro ocupando larga porção da
tela, enquanto nos vemos em uma janela de retorno, tão pequena quanto um
selo postal, transformado em espelho no canto da tela. Talvez vocês já tenham
experimentado o quão frustrante é tentar olhar nos olhos de alguém no Skype.
A câmera fica acima, mas a imagem da outra pessoa está abaixo. Quando
aparecemos olhando de frente, nos olhos um do outro, é porque estamos olhando
para a câmera, e dessa forma não podemos nos ver de fato. Esta é a situação que
o vídeo que exibimos procura negar, ou finge negar.
P: E, francamente, entender ajuda, mas não muito. Durante a performance,
é preciso ter em mente o espaço onde a ação vai acontecer, para que possamos
ocupá-lo, fabricando-o à medida que a ação acontece. Nessas micro performances
via Skype, a ação fabrica um espaço cuja verdade não é um truque de edição.
O que se vê de fato aconteceu, embora não se pudesse ver durante a ação e sua
captura em vídeo.
P: Em passar - to pass, toma-se uma folha branca e, atuando como se
estivéssemos lado a lado, a passamos de uma para a outra lateralmente, através
da janela da tela.
224 cinema apesar da imagem
cas estão penduradas em fios de nylon presos a um arame que nossos braços
operam fora do quadro. Nas experiências anteriores, a ação também é encenada,
mas o truque, se assim se pode dizer, está às claras, enquanto em moscas ele
está fora de cena. Voando “de lá para cá, de cá para lá”, as moscas impõem a
existência desse espaço ordinariamente comum. As moscas (tanto as reais quanto
as de plástico) são globalmente onipresentes, assim como a folha de papel A4 e a
cadeira de escritório que já vimos; e o plástico e os cigarros que iremos ver. Em sua
ubiquidade, estes objetos fazem a ponte entre o aqui e o lá, e também apontam
para o resto do mundo.
imagens como foram gravadas. Nós não as alteramos para criar uma visualidade
mais harmoniosa, nem para sustentar a ilusão de uma única cena. Fazemos isto
não por razões puristas, mas porque as falhas concentram uma potência expressiva
que nos interessa. Um exemplo é o vídeo silencioso blood, no qual usamos o nosso
dedo para afetar o obturador, explorando a defasagem no tempo de ajuste da
câmara e de sua exposição. Alteramos deliberadamente a luminosidade incidente
num vaivém que figura um aparecimento e um desaparecimento, que apaga e
acende o espaço um do outro.
P: Tal como acontece com a cor, a exposição, o contraste, etc., nós não
alteramos o tempo na pós-produção. Como o espaço, o tempo também se compõe
com a gravação e se dá a ver em playback. Embora os eventos encenados pareçam
ocorrer simultaneamente, é preciso lembrar que o Skype insere atrasos erráticos e
imprevisíveis. O que é fácil de perceber no vídeo alinhar - to align.
P: Nós temos trabalhado juntas por mais de cinco anos, então temos uma
grande quantidade de trabalhos e diferentes tipos de jogos de proximidade e
distância que não mencionamos aqui.
C: Maybe next time. Obrigado pela atenção de todos and many thanks to Besides
the Screen.3
P: Obrigado Patrícia, Gabriel e Marcus for the opportunity to present these works
here, e a todos vocês pela presença.
3. Mantemos as duas frases de despedida na sua forma original, de modo a preservar o jogo
linguístico das artistas, habitando dois idiomas em um só, como habitam dois espaços no
trabalho apresentado (n.t.).
sobre os autores
Barbara Pires e Castro é doutoranda e mestre pela Escola de Belas Artes da UFRJ.
Formou-se em Design, na PUC-Rio em 2009. Na UFRJ, é integrante do LabVis e
colaboradora do NANO desde 2011. Durante seu mestrado, foi bolsista no Instituto de
Matemática Pura e Aplicada. Sua pesquisa e produção artística já foram apresentadas na
França, Dinamarca e no Brasil em locais como Museu de Arte Moderna (RJ), Instituto
Inhotim (MG) e no circuito nacional do Centro Cultural Banco do Brasil. Em 2014, fundou
o estúdio Ambos&& com Luiz Ludwig.
Bruno Vianna é um cineasta que mudou o foco da sua produção para suportes audiovisuais
que incorporam diferentes tipos de interatividade e não se limitam à superfície da tela.
Entre outros projetos, realizou Ressaca, um longa-metragem editado ao vivo durante a
sessão, que recebeu 4 prêmios; Céu da Palavra, projeção de poesia em pipas no céu noturno,
finalista do prêmio Celeste Awards; entre outros. Atualmente vem trabalhando com câmeras
de vídeo artesanais e algoritmos de visão computacional. É gestor da Nuvem, estação rural
de arte e tecnologia, e educador na Oi Kabum!, escola livre de arte e tecnologia.
232 cinema apesar da imagem
Carlos Augusto (Guto) da Nobrega é Doutor (2009) em Interactive Arts pelo programa
de pós graduação Planetary Collegium (antigo CAiiA-STAR), da Universidade de
Plymouth, onde desenvolveu pesquisa de caráter transdisciplinar nos domínios da arte,
ciência, tecnologia e natureza. Investiga como a confluência desses campos (em especial
nas últimas décadas) tem informado a criação de novas experiências estéticas. É Mestre
em Comunicação, Tecnologia e Estética pela ECO-UFRJ (2003) e Bacharel em Gravura
pela EBA-UFRJ (1989) onde leciona desde 1995. Fundou e coordena o NANO – Núcleo
de Arte e Novos Organismos, e atualmente é coordenador da Pós-Graduação em Artes
Visuais, PPGAV – UFRJ.
Filipi Dias é mestrando em Open Design no programa de pós graduação duplo diploma
entre as Universidad de Buenos Aires e Humboldt-Universität zu Berlin; bacharel em
Comunicação Visual Design pela UFRJ e graduação sanduíche pela Université Rennes 2
(França) na área de Multimídia.
Gabriel Menotti é professor adjunto da UFES. Atua como curador e pesquisador nas
mais variadas formas de cinema. É PhD em Media and Communications pelo Goldsmiths College
(Universidade de Londres) e doutor em Comunicação em Semiótica pela PUC-SP. Já
participou de importantes eventos da área, tais como o International Symposium of Electronic
Arts, a Bienal de Arte de São Paulo, os Rencontres Internationales Paris/Berlin/Madrid e o
Festival Transmediale. É autor de Através da Sala Escura (Intermeios, 2012), uma história da
exibição cinematográfica a partir da perspectiva do Vjing, e co-editor, com Virginia Crisp,
de Besides the Screen: Moving Images through Distribution, Promotion and Curation (Palgrave, 2015).
Menotti é um dos coordenadores da rede de pesquisa Besides the Screen.
Marcus Bastos é professor da PUC-SP. Escreveu o livro de ensaios Limiares das Redes:
Escritos sobre Arte e Cultura Contemporânea (Intermeios, 2014) e o e-book Cultura da Reciclagem
(Noema, 2007). Foi curador de exposições como arte.mov — Festival Internacional de Arte em
Mídias Móveis; Geografias Celulares (Instituto Fundación Telefónica, Buenos Aires e Lima) e
Performix (programa das Satyrianas, 2014). Criou obras como Interface Disforme (2006), e as
composições audiovisuais Ausências (2009, com Dudu Tsuda) e Delayscapes (2014).
Maria Luiza (Malu) Fragoso possui doutorado em Multimeios pelo Instituto de Artes
da UNICAMP (SP) (2003), e concluiu o Pós-Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais da ECA, USP. Artista e pesquisadora, desenvolve projetos de caráter
transdisciplinar nos domínios da arte, ciência, tecnologia em processos de transculturalidade
provocados pela transposição entre áreas de conhecimento.
Paola Barreto é artista e pesquisadora. Por meio de um trabalho que se desdobra entre
circuitos de vídeo eletrônicos e digitais, fantasmagorias e sistemas híbridos, desenvolve
234 cinema apesar da imagem