O documento discute os 10 mandamentos da arquitetura propostos por Frederico de Holanda. O primeiro mandamento argumenta que a arquitetura deve ser vista como uma propriedade dos lugares, incluindo construções anônimas. O segundo mandamento defende analisar as causas que levam à produção da arquitetura. O terceiro mandamento discute os efeitos da arquitetura nos lugares e nas pessoas.
Original Description:
10 mandamentos da arquitetura [FICHAMENTO]
HOLANDA, Frederico de. 10 mandamentos da Arquitetura. Brasília: FRBH, 2013.
O documento discute os 10 mandamentos da arquitetura propostos por Frederico de Holanda. O primeiro mandamento argumenta que a arquitetura deve ser vista como uma propriedade dos lugares, incluindo construções anônimas. O segundo mandamento defende analisar as causas que levam à produção da arquitetura. O terceiro mandamento discute os efeitos da arquitetura nos lugares e nas pessoas.
O documento discute os 10 mandamentos da arquitetura propostos por Frederico de Holanda. O primeiro mandamento argumenta que a arquitetura deve ser vista como uma propriedade dos lugares, incluindo construções anônimas. O segundo mandamento defende analisar as causas que levam à produção da arquitetura. O terceiro mandamento discute os efeitos da arquitetura nos lugares e nas pessoas.
HOLANDA, Frederico de. 10 mandamentos da Arquitetura. Brasília: FRBH, 2013.
Mandamento 1 – Veja na arquitetura uma propriedade dos lugares.
Arquitetura é uma palavra de muitos sentidos: o sentido de partes articuladas num todo ordenado, ou seja, arquitetura física de uma estátua, de um conjunto de leis, arquitetura do computador em que trabalhamos; arquitetura do nosso cérebro, ou mesmo de uma célula dos estudos de biologia. Convenhamos, tais usos não são recorrentes. O senso comum e a academia (os teóricos) relacionam arquitetura a edifícios especiais. Entretanto, a maior parte do estoque de arquitetura produzida em todos os tempos e lugares, é anônima e sem chancela profissional. Essa produção anônima até pouco não fazia parte dos livros de arquitetura. Era apontada como mera construção, maneira pejorativa de se referir a algo sem intenção ou reflexão, porque não contem os principios fundamentais da época. Toda arquitetura é impregnada dos princípios da cultura em que é feita. Os mais simples desses edifícios são fenômenos complexos, na divisão dos seus espaços internos e na significação que é dada a cada um deles. Não é só a arquitetura indígena brasileira que desconhece sua autoria. No Brasil, 70% do espaço doméstico edificado é anônimo, ilegal ou irregular, ou seja, autoconstruído. Dos 30% de construções formais, muito pouco pode ser considerado como “arquitetura de pedigree”. Temos de entender causas e feitos dessa produção anônima ou profissional e aplicar-lhe efeitos de valor, sem mitificar uma ou outra. A separação entre arquitetura e construção é recente, vem da Renascença. Como não existia antes, pode passar a ão existir novamente. Cada sítio tem peculiares atributos de luz e sombra, ruído e silêncio, possibilidades ou restrições ao movimento dos nossos corpos, fazendo-os mais ou menos acessíveis fisicamente, próprios ao convívio, confortáveis, emocionantes, belos. Compreender arquitetura exige incluir todos os tipos de lugares, produzidos ou apropriados socialmente em todos os âmbitos: do pequeno abrigo às metrópoles, do artefato à paisagem natural, do lugar realizado mediante um saber profissional àquele feito sob um saber prático e implícito, socialmente disseminado por milhões de sujeitos sociais.
Mandamento 2 – Pense as causas.
Ao fazermos as coisas, há um ponto de partida, experiência pregressa, saberes, valores, escolhas, circunstâncias econômicas, políticas ou sociais: são as causas, as determinações. Todos agem dentro de limitações, explorando suas possibilidades, eventualmente as transformando. Veja as diferentes fases da obra de Le Corbusier ou Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. No tempo, mudam as causas, mudam os efeitos. Oxalá mudanças nas causas e nos efeitos fossem sempre para melhor. No Brasil, o poder do capital imobiliário não está nem aí para a qualidade do espaço urbano que cai a olhos vistos (p.63). Para maximizar o lucro, ele transforma a paisagem das cidades fazendo-as crescer para cima, destruindo a qualidade ambiental, pela qual vendeu os primeiros espigões: beleza da vista, luminosidade, qualidade ambiental, ventilação. Os valores do individualismo consumista globalizado contaminam e mudam culturas milenares fazendo proliferar “não lugares” como hotéis, aeroportos, shoppings centers semelhantes planeta afora (p.63). São enclaves de acesso controlado, minimizando relações de transparência e acessibilidade para o exterior. A cidade passa a ser um conjunto de enclaves fortificadas, cujos edifícios crescentemente dão as costas para o espaço público (p.64). A competição entre cidades por investimentos e consumidores no mundo global, determina a criação de novas centralidades ou mudanças nas antigas. Essas novas centralidades se apoiam por vezes em âncoras arquitetônicas de grifes – Zaha Hadid, Norman Foster, entre outras. Essas âncoras visam a espetacularização do lugar, por meio da complexidade da sua forma ou técnicas construtivas, e claro, da assinatura de sua grife. Transformam a cidade em vitrines do capital, contudo, estouram os orçamentos e tem sérios problemas de manutenção.
Mandamento 3 – Pense os efeitos
A arquitetura [e o urbanismo] têm efeitos, mexe conosco direta ou indiretamente, afeta nosso corpo e nossa mente, e impacta o meio ambiente do qual dependemos (p.71). O desempenho arquitetônico [e urbanístico] de um lugar é fruto da conjunção de vários atributos, que ora incidem em certo aspecto, ora em outro, por vezes em vários. Os aspectos funcionais concernem respostas da arquitetura a exigências práticas da vida quotidiana (p.72) Os aspectos bioclimáticos se referem às características do clima local e como a arquitetura se adapta a elas, melhorando as condições favoráveis e apaziguando as desfavoráveis, ou agravando-as (p.77). Os aspectos econômicos concernem custos de construção e manutenção dos lugares (p.81). Abordar a arquitetura pelos aspectos sociológicos é focar as relações “arquitetura x sociedade”, especialmente quanto às relações entre configurações de edifícios, cidades e da paisagem natural entendida como a arquitetura e as maneiras pelas quais as pessoas fazem o quê, como, onde e com quem (p.86). A arquitetura condiciona esse sistema de encontros e esquivâncias, em alguns casos o determina, contribuindo para o tipo e a quantidade da gente nos lugares, do indivíduo isolado a milhões de pessoas. Os aspectos topoceptipos referem-se aos atributos da arquitetura captáveis essencialmente pelo sentido da visão, capazes de contribuir (ou não) à identidade do lugar e à boa orientação nele (p.86). Os aspectos afetivos são relativos às sensações, estados psicológicos, emoções, provocados em nós pelos atributos do lugar captáveis por nossos sentidos. Embora haja parentesco com os aspectos topoceptivos, leva-se em consideração aqui a “personalidade” do espaço: agorafóbico, arrogante, banal, dinâmico, diversificado, etc. (p.92). Aspectos simbólicos são elementos arquitetônicos, ou lugares mais amplos que evocam o lugar onde estão, como a Torre Eiffel, por exemplo, que simboliza a cidade de Paris, como também a própria França; Ou o Cristo Redentor, cartão postal internacional do Brasil (p.95). Os aspectos topoceptivos são universais, os simbólicos não: são convencionais, culturais, mudam no tempo. Qual era o símbolo de Paris antes da Torre Eiffel?(p.96) Os aspectos estéticos referem a maneira pela qual partes e todo tenham características a implicarem estimulação prazerosa autônoma dos sentidos para além de questões práticas (p.101). Mandamento 4 – Entenda a arquitetura como um campo de possibilidades e restrições Pioneiros do movimento moderno tinham o sonho demiúrgico pelo qual a nova arquitetura determinaria a nova sociedade. Hoje somos mais modestos – e sensatos. Voltamos a atenção para as possibilidades e as restrições da arquitetura e como elas interferem em nossas vidas (p.114). É inegável que a arquitetura tem efeitos sobre nós: condições climáticas, ergonomia e segurança, etc. Podemos equipar edifícios para que tenham bons efeitos sobre nosso corpo (p.115). Quando se trata da relação entre arquitetura x comportamentos sociais, oscilamos entre conferir à arquitetura superpoderes, para transformar corpos e mentes, e descrer absolutamente em quaisquer efeitos. Este capítulo trata portanto do determinismo arquitetônico. O determinismo arquitetônico profetiza que “a arquitetura torna-se criadora de novas regras sociais.” (p.115). A corrente de Le Corbusier defende que a arquitetura poderia prevenir eventos “indesejados” (a revolução), ao passo em que a corrente de Taut e Balthazar entendem que a arquitetura pudesse produzir novas regras de convívio, ou até comportamentos “antissociais.” (p.116). Hoje o tema se nos coloca de maneira diferente: arquitetura e gente são coisas relacionadas, mas distintas (...) A arquitetura cria sim um campo de possibilidades e um campo de restrições, possibilidades que podem (ou não) serem exploradas e restrições que podem (ou não) ser superadas (p.131). Espaços públicos antes cheios de gente em forte interação quotidiana podem encontrar-se hoje desertos: ou mudou o estilo das pessoas envolvidas, embora habitem os mesmos lugares, ou mudaram as próprias pessoas (p.131). Exemplos de caso: Pérouges, no sudeste da França, outrora com espaços públicos prenhe de gente, artesãos, mercadores. Essas pessoas sumiram e os espaços públicos estão desertos. As residências foram vendidas, compradas pela burguesia de Lyon que as utiliza como casas de fim de semana. No Brasil, processo análogo se vê em Pirenópolis e em Olinda, por exemplo (p.131). Em bairros tradicionais de cidades brasileiras, quase sempre sumiram as cadeiras nas calçadas, o bate-papo, a eventual paquera. Diante do exposto, nota-se que há uma relação clara entre restrições, e uso dos lugares, particularmente nos centros das cidades. Mapeamento pormenorizado [dos exemplos de caso mencionados] identifica problemas relacionados com o pouco uso (...) dos lugares. Os resultados das pesquisas apontam medidas necessárias que, implantadas, revertem situações de abandono de décadas (p.133). Exemplo de caso: o planejamento de longo prazo, trouxe gente de volta ao centro de Copenhague, e a reforma da Praça do Ferreira em Fortaleza fez retornar as pessoas que a haviam abandonado durante o período em que prevaleceu a configuração moderna até década de 1990 (p.134). Esses exemplos ilustram restrições que foram paulatinamente abolidas e trouxeram gente de volta aos espaços públicos (p.134). Hoje detemos um conhecimento mais sofisticado, que permite antecipar o impacto da arquitetura na vida social, e conscientemente optar por uma arquitetura mais congruente com o estilo de convívio eticamente defensável: o da urbanidade (p.135). Mandamento 5 – Leia na arquitetura igualdades e desigualdades sociais. A arquitetura reflete igualdades ou desigualdades sociais, contradições, conflitos e contribui para sua reprodução. Implica diferenças de poder entre gêneros, gerações, patrões, empregados e visitantes, no espaço doméstico; alunos, professores e funcionários, na escola; patrões, administradores e operários, na fábrica; classes sociais na cidade (p.138). É banal dizer que as cidades apresentam uma segregação sócio-espacial (...) uma leitura mais cuidadosa revela que a cidade não é tão claramente clivada assim, pois embora haja uma ordem dominante a privilegiar quem pode mais, também ocorre “fissuras urbanas” (p.139). Essas fissuras podem ser físicas, por meio de um contraste no desenho do tecido urbano, ou podem referir-se a um contraste nos modos de uso do espaço pelos sujeitos – camelôs numa área nobre, por exemplo (p.139). A produção do espaço da cidade e a luta por sua apropriação são uma guerra permanente entre interesses historicamente afirmados e outros historicamente reprimidos (p.139). O tombamento da capital federal brasileira como Patrimônio Cultural da Humanidade oferece um recurso ideológico precioso pelo qual os conflitos de classe são mascarados: medidas de repressão a interesses populares são apresentadas como gestos necessários à “preservação do patrimônio”, à “manutenção da ordem” ou até à “limpeza da cidade” (p.139). Tudo que ameace o usufruto exclusivo dos espaços centrais de Brasília, por parte das classes média e burguesas e seus carros, é taxado de “sujo,” “desordenado,” “feio” (p.158). Não mitifiquemos a sabedoria do “homem comum”: apenas por virem dele, não significa que suas iniciativas sejam as melhores do mundo. Todavia, não é a sua qualidade que está em causa em Brasília, é a sua existência (p.158). Eles e suas iniciativas estão no “lugar errado” apenas porque são “visíveis”. Tampouco mitifiquemos a ideologia das classes média e burguesas. Ela consiste em valores e em um estilo de vida (p.158). A visão sobre Brasília abomina a mistura de classes no espaço público. A Capital surge como cidade-classe-média, à imagem e semelhança da burocracia do Estado (p.158). Por isso qualquer manifestação contrária a seu estilo de vida salta à vista mais do que em qualquer outra cidade brasileira. Daí a reação desproporcional por parte da burguesia (p.159). Entretanto, a simultaneidade de classes sociais diversas no espaço público é tendência em muitas cidades planeta afora, particularmente no resgate de áreas urbanas centrais, antes desertificadas e deterioradas. Nessas condições todos ganham (p.159). Em Brasília, porém, essa simultaneidade é reservada às “fissuras urbanas.”
Mandamento 6 – Considere a sintaxe e a semântica.
A arquitetura tem implicações sintáticas, contidas na própria configuração dos lugares. Independentemente de tempo, lugar e sujeitos envolvidos, mantida a configuração, mantêm-se as implicações, porque intrínsecas a ela (p.162). A arquitetura tem implicações semânticas, sobrepostas à configuração, que dependem da sociedade como um todo, de grupos ou até de indivíduos. São convencionais e históricas, mudam no tempo, mesmo mantida a configuração do lugar (p.162). A arquitetura é mais perene que os rótulos nela colados. Daí ser comum a “ressemantização” dos lugares – reaproveitamento de estruturas anteriores para finalidades e significados diversos (p.163). Não se trata apenas de uma economia de meios, de aproveitar o esforço um dia investido na sua construção, por vezes enorme. Trata-se de explorar uma das facetas do determinismo arquitetônico: o rico campo de possibilidades colocado à nossa disposição pelos lugares (p.163-4). Daí templos virarem salas de concerto; fábricas, galerias de arte; armazéns portuários, centros culturais, etc (p.164). A tradição foca a semântica da arquitetura, mais do que a sintaxe, ênfase acentuada com a importância recente conferida à subjetividade (p.164). Na tradição hard da Teoria da Sintaxe Espacial, as implicações da arquitetura estão contidas na sintaxe do lugar. No entanto, outros estudiosos observam como se superpõem à sintaxe regras e convenções não aparentes na configuração espacial (p.180). Exemplo emblemático das relações entre sintaxe e semântica está no modelo organizacional das aldeias dos bororo, índios brasileiros. Não basta a sintaxe ser prenhe de regras: casas dispostas em círculo, separadas entre si, ao redor de um edifício central (p.172). Por sobre essa sintaxe há uma superposição enorme de regras semânticas: espaço central, sagrado; espaço periférico, profano; dois eixos perpendiculares dividem o círculo em 4 partes, que por sua vez representam 4 clãs da aldeia (p.172). Sem conhecer códigos de conduta de determinada cultura, podemos bater na porta errada. Sem a chave do código, cometemos gafes. Ou se temos a chave, e abrimos portas que não devemos, somos severamente penalizados. É um exemplo de como a semântica incide nos aspectos sociológicos, não apenas nos expressivos (p.180). Tudo é convencional, leituras da arquitetura dependem do grupo envolvido, quando não do indivíduo (p.181). A proposta desse mandamento reconhece a objetividade das implicações da arquitetura sem eliminar o papel da subjetividade na fruição (p.181).
Mandamento 7 – Cuide a ordem sem descuidar da desordem.
Ordem diz respeito a relações entre elementos. Há vários tipos de ordem (p.184). Ordem é intrínseca à configuração dos lugares (em função da sintaxe), mas também resulta de convenções apostas aos lugares (em função da semântica) p.185. A ordem acontece em todas as escalas: nas partes de um edifício ante o todo; nos edifícios agrupados em ruas ou praças; nas relações entre os espaços da cidade (becos, ruas, avenidas, praças, largos) p.185. Neste caso a ordem refere-se à hierarquia. Dois exemplos de cidades aqui apresentados podem ilustrar a superposição de valores sintáticos e semânticos nas relações entre seus elementos estruturadores, fornecendo diferentes apreensões do lugar pela mente. Essas cidades são Chandigarh (1951) e Brasília (1957). Chandigar, na Índia, e Brasília são cidades administrativas construídas do zero. Embora sejam duas cidades “modernas” ambas se diferem em muitos aspectos quanto à ordenação de seus espaços (p.186), o que implica distintos desempenhos. Em Chandigar, não há diferenças entre os trechos viários da malha quase ortogonal da cidade (p.186). A malha, tem uma rotação de cerca de 45º em relação aos pontos cardeais e a configuração dos tramos é visualmente idêntica tanto no sentido nordeste- sudoeste quanto no sudeste noroeste. O cruzamento desses se dá em rótulas generosas de cerca de 30m de raio (p.186). O aspecto dos tramos também é praticamente idêntico: canteiro central de cerca de três metros mais duas mãos, cada uma com três faixas de rolamento (p.186). Em Brasília, ao deixarmos o aeroporto situado fora do plano, há um trecho de rodovia interurbana de cerca de 6km, que se transforma em via expressa ao atingir a extremidade sul da asa sul, estruturadora do tecido residencial composto pelas superquadras que a bordejam (p.188). Essa via, chamada de Eixão, é o único elemento com essas características em Brasília, ao contrário de Chandigar, em que o mesmo tipo se repete indiscriminadamente na cidade inteira (p.189). Em Brasília há outros tipos intermediários de vias que conferem, ainda na escala do todo urbano, uma variedade inexistente em Chandigarh, como o Eixo Monumental, que se distingue das demais unidades morfológicas da cidade por seus atributos específicos: dimensões, formas, proporções dos volumes edificados e dos espaços entre eles (p.190-92). Chandigar surpreende pela ausência da descoberta, no tempo, de novas perspectivas visuais. A paisagem da cidade é exasperadamente repetitiva. Uma ordem sensível clara implica estímulos visuais em função de mudanças de direção, variedade de caminhos, diversidade de vistas em função da variedade espacial e volumétrica. Não os apresentando satisfatoriamente, Chandigarh tende à desordem pela redundância da informação que nos chega à mente (p.192). Do ponto de vista da apreensão racional das duas cidades, Chandigarh tem mais ordem, dada a regularidade da malha na escala maior da cidade. Porém, embora esse esquema ortogonal seja racionalmente compreensível, a paisagem captada pela visão é de uma uniformidade angustiante. A sensação de desconforto e a desorientação são inevitáveis (p.198). Em suma, ordem da arquitetura é captada pela mente mediante os elementos e relações identificáveis no nível dos estímulos concretos, perceptíveis pelos sentidos, e no nível abstrato, compreensível pela razão (p.199). Desordem é bagunça, quando não há satisfação de expectativas humanas. Mas também é inovação: mutação que prefigura valores, ideias, costumes em gestação nas fissuras da ordem dominante (p.184). É o caso dos embates sobre o uso do solo que ocorrem em Brasília, por exemplo, verificados no Mandamento 05.
Mandamento 8 – Atente à história.
A arquitetura tem causas de vários tipos – crenças, valores, teorias, poder político ou econômico. Por mais simples que sejam, edifícios e cidades condizem com tempo e espaço, têm precedentes, ninguém constrói do vazio (p.217). O estudo da história é fundamental não para registrar que “isto antecedeu àquilo” (os precedentes), mas para entender a razão do emprego disto e daquilo. Decisões arquitetônicas não são inocentes (p.217). O estudo da história em geral e da arquitetura em particular nos ajuda a compreender escolhas (p.218). Os emblemáticos projetos de Oscar Niemeyer em Brasília, por exemplo, têm atributos que remetem a edifícios solenes do passado, do ponto de vista dos aspectos sociológicos do desempenho da arquitetura: referem interações entre categorias de pessoas, modos de convívio, estruturas sociais (p.218- 19). Por meio de artifícios de separação, estabelece-se distanciamentos entre dentro e fora de edifícios político-administrativos, culturais ou cerimoniais: elevação ou rebaixamento de pisos e distanciamento de entradas mediante atributos vários – jardins frontais, cercas, espelhos d’água, fossos (p.218). Esse recurso é usado milenarmente para conferir formalidade aos edifícios. Isso implica formalidade das relações entre práticas sociais do interior dos prédios e as de fora dele: à separação física corresponde uma separação social. Desde sempre (p.219). O contrário está nas relações entre edifícios residenciais e espaço público na cidade medieval europeia, na colonial brasileira, ou nas cidades do século XX antes de os edifícios começarem a se fechar para o espaço público. De uma forma ou de outra o espaço público era intensamente utilizado (p.219- 20). O uso intenso e variado de ruas e praças, confere a estas sua qualidade de urbanidade: a fronteira entre o interno e externo é suave (p.220). Formalidade e urbanidade são maneiras de ler a história da arquitetura – ou, mais largamente, de sistemas sócio-espaciais – que facultam revelar parentescos entre configurações à primeira vista díspares (p.220). Os conceitos referem uma dimensão estrutural de ordem social que está além dos modos de produção ou das formas de ordenação política – diz respeito à maneira como os indivíduos interagem entre si (p.234) Algumas sociedades sem Estado como forma política adotam a formalidade, outras a urbanidade; idem com os Estados primitivos da África ou com sociedades feudais europeias (p.234) Nos tempos modernos, a urbanidade herdada da era pré-industrial tem estado sob severo ataque, mas a luta está longe de ser resolvida (p.234). Brasília testemunha a sobrevivência dos dois modos: os conflitos em sociedades tão perversamente clivadas em classes sociais antagônicas podem ser lidos como conflitos entre valores de uma população de “formalitas” contra os de uma população de “urbanitas.” (p.234-35). As ideias de formalidade e urbanidade se adequam a um processo de descrição e avaliação da arquitetura e da sociedade. A urbanidade envolve intensa participação na vida secular, livre manifestação de diferenças e de sua negociação, portanto se identifica com valores universais mais caros à sociedade democrática. O contrário se aplica à formalidade, que envolve categorias estanques de pessoas, sistemas sociais hierárquicos e cerimoniais (p.235). Entretanto, contradições entre a arquitetura e a vida que a habita acontecem. Todavia, se a arquitetura não comanda a vontade de ninguém, pode impor custos pesados àqueles que querem utilizá-la contrariamente às potencialidades que ela implica (p.235).
Mandamento 9 – Projete a cidade sem ombros ou costas – só rostos.
A história das cidades nos últimos duzentos anos é a história da erosão do espaço público. Para este, os edifícios voltavam apenas as fachadas frontais – rostos (p.238). Fachadas laterais – ombros – inexistiam pela contiguidade edilícia. Fachadas de fundo – costas – voltavam-se pudicamente para o miolo privado dos quarteirões, invisível das ruas (p.238) Exceções confirmavam a regra: igrejas soltas por todos os lados, palácios ocupando quarteirões inteiros. Quando isolados, costas e ombros eram tratados quase à maneira de rostos (p.240-41). O decoro se perde no urbanismo moderno. Dentre outros atributos, a história da configuração da cidade é a história da diluição progressiva do quarteirão, do crescente isolamento das edificações (p.242). Com as unidades de habitação, Le Corbusier “transforma a rua em corredor e o corredor em rua”. Retiram-se do âmbito público alguns dos elementos que melhor o qualificam: ruas de comércio local e de serviços são jogadas para um andar intermediário de torre de apartamentos de doze a quinze pavimentos (p.245). No plano piloto de Brasília a linguagem mais típica do urbanismo moderno acontece: aqui reina a paisagem de objetos quase absoluta (p.248). Entretanto, essa paisagem não é novidade na história. Talvez as pirâmides de Giza inaugurem a vertente dos edifícios radicalmente fechados, opacos e isolados entre si. Os vazios entre eles são amorfos residuais. (p.239). A arquitetura moderna só ganharia com um novo resgate. Por que resgatar do passado apenas atributos das Pirâmides de Giza, não atributos nas mais preciosas cidades coloniais brasileiras? (p.259) Uma outra cidade contemporânea é possível: uma que resgate os atributos da cidade-só-rostos do Largo do Cruzeiro em Salvador (p.259)
Mandamento 10 – Foque o conhecimento objetivo.
Na teoria do conhecimento, a obsessão contemporânea é por “interpretações” de validade supostamente equivalente. Resultam absurdas falácias (p.262) A validação última de quaisquer teorias, de quaisquer pensadores, de quaisquer escolas e: existe evidência real, no mundo real, que apoia formulações teóricas? (p.262)